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A INFLUÊNCIA DO AMBIENTE NA DIVERSIDADE DE


DROSOPHILIDAE (INSECTA, DIPTERA), DA ILHA DE
GERMOPLASMA DO LAGO DE TUCURUÍ-PA

Camila Miranda Pereira1


Helem Santos da Silva2
Amanda de Azevedo Silva3
Raiza Sanches Cohem1
Fernanda Atanaena Gonçalves de Andrade2
Juliana Stephanie Galaschi Texeira1

Resumo: As moscas da família Drosophilidae são amplamente utilizadas em pesquisas


científicas e estudos de biodiversidade. Drosophilinae é a subfamília mais diversificada, com o
gênero Drosophila sendo o maior. No entanto, a biodiversidade dessas moscas ainda é pouco
conhecida, especialmente na região norte e nordeste do Brasil. O presente trabalho tem como
objetivo contribuir para o conhecimento sobre o comportamento e a distribuição dessas moscas
em um ambiente fragmentado por inundação após a construção da Usina Hidrelétrica de
Tucuruí, no Pará. Foram realizadas coletas de amostras em uma ilha conhecida como ilha de
germoplasma, onde foram expostas armadilhas contendo banana fermentada. Os espécimes
capturados foram identificados e preservados em álcool 70%. A análise dos dados revelou um
total de 6.989 indivíduos de Drosophilidae. Foram realizadas análises estatísticas para avaliar a
relação entre a abundância de indivíduos e fatores abióticos. Além disso, foram utilizadas
curvas de rarefação para representar a riqueza de espécies e índices de diversidade para avaliar
a diversidade de espécies na ilha de germoplasma. Os resultados deste estudo contribuem para
o entendimento da assembleia de Drosophilidae em um ambiente fragmentado por inundação e
destacam a importância da preservação e conservação da biodiversidade dessas moscas na
região.

Palavras chaves: Drosophilidae. Ilha de Germoplasma. Diversidade

Abstract: Drosophilidae family flies are widely used in scientific research and biodiversity
studies. Drosophilinae is the most diverse subfamily, with the genus Drosophila being the
largest. However, the biodiversity of these flies is still little known, especially in the north and
northeast of Brazil. The present work aims to contribute to the knowledge about the behavior
and distribution of these flies in an environment fragmented by flooding after the construction
of the Tucuruí Hydroelectric Power Plant, in Pará. Sample collections were carried out on an
island known as germplasm island, where traps containing fermented banana were exposed.
The captured specimens were identified and preserved in 70% alcohol. Data analysis revealed
a total of 6,989 Drosophilidae individuals. Statistical analyzes were performed to evaluate the
relationship between the abundance of individuals and abiotic factors. In addition, rarefaction

1
Instituto Tecnológico Vale- Programa de Pós Graduação em Uso Sustentável dos Recursos Naturais em Regiões
Tropicais.
2
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará- Campus Tucuruí.
3
Museu Paraense Emílio Goeldi- Programa de Pós Graduação em Biodiversidade e Evolução.
2

curves were used to represent species richness and diversity indices to assess species diversity
in the germplasm island. The results of this study contribute to the understanding of the
Drosophilidae assemblage in an environment fragmented by flooding and highlight the
importance of preserving and conserving the biodiversity of these flies in the region.

Key-words: Drosophilidae. Germplasm Island. Diversity


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1 INTRODUÇÃO

As moscas da família Drosophilidae têm sido amplamente utilizadas como modelo


paradigmático em pesquisas científicas, e, mais recentemente, tornaram-se um táxon alvo de
inventários em biodiversidade (AVONDET et al., 2003; FERREIRA & TIDON, 2005;
GOTTSCHALK et al., 2007). Tal família possui mais de 4.119 espécies, organizadas em 67
gêneros, distribuídas em duas subfamílias, Steganinae e Drosophilinae (BÄECHLI, 2014).
Drosophilinae é a subfamília mais diversificada, com 3.240 espécies distribuídas em 44
gêneros (BÄCHLI, 2007), dentre os quais Drosophila Fallén 1823 seria o maior, com 1.149
espécies registradas. Mas segundo GOTTSCHALK et al. (2007), quando comparados com os
dados obtidos por ASHBURNER (1989), o número de espécies de Drosophila é menor, devido
a algumas mudanças, como, por exemplo, certos subgêneros foram elevados ao nível de gênero,
tais como Scaptodrosophila (Duda 1923), Hirtodrosophila (Duda 1923) e Lordiphosa (Basden
1961) (Grimaldi 1990).
Mas para TIDON et al., 2010, no geral, quase 60% dos indivíduos da família
Drosophilidae pertencem ao gênero Drosophila, cujas espécies se encontram distribuídas em
sete subgêneros, sendo que os mais bem estudados são Drosophila e Sophophora (MARKOW
& O’GRADY,1996). As moscas do gênero Drosophila ocupam os mais diversos ecossistemas,
sendo algumas espécies endêmicas e outras encontradas em todas as regiões do globo. Portanto,
muitos táxons são cosmopolitas. De modo geral, Segundo WHEELER (1986), a fauna desse
gênero é mais conhecida e explorada nas regiões temperadas, quando comparada às regiões
tropicais, o que provavelmente tem levado a um grande desconhecimento taxonômico do grupo.
Portanto, para GOTTSCHALK et al. (2007), muitos estudos têm sido realizados sobre
taxonomia de Drosophilidae no Brasil. Contudo, especialmente, na região norte e nordeste é
baixa a produção de registros (com exceção da Bahia) sobre distribuição e ecologia de
Drosophila, sendo que, principalmente, na Amazônia, o esperado é uma listagem semelhante
ao do Sul e Sudeste do país. Mas se as taxas de endemismo forem semelhantes entre os
diferentes biomas brasileiros, a Amazônia pode até mesmo estar excedendo aos demais em
termos de riqueza de espécies, já que a área do bioma atualmente excede até mesmo a Mata
Atlântica. MARTINS & PRAXEDES (2007) ao realizaram levantamentos na Floresta Nacional
de Caxiuanã, município de Melgaço, Pará, contribuíram com a identificação de mais de 100
espécies do gênero Drosophila, muitas das quais ainda não haviam sido descritas, assim
confirmando que a biodiversidade deste táxon na Amazônia ainda é pouco conhecida.
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Em vista disso, o presente trabalho pretende contribuir não somente com informações
de comportamento e distribuição taxonômicas do grupo, mas também, com o conhecimento
sobre a influência de fatores abióticos na assembleia de Drosophilidae em ambiente
fragmentado por inundação, após represamento na Usina Hidrelétrica de Tucuruí, Pará.

2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Área de estudo

O município de Tucuruí (3°46’10” S, 49°40’27” O), localiza-se no sudeste do estado do


Pará, a 289 km da capital, Belém. Possui uma extensão territorial de 2.086,20 Km² e população
de 97.109 habitantes. O clima, segundo a classificação de Köppen, é do subtipo AM - equatorial
quente e úmido, com chuva em todas as estações. O período mais chuvoso vai de fevereiro a
abril e de menor pluviosidade de junho a agosto, a média anual de temperatura é de 26,5ºC e a
máxima é de 31,5ºC (ZEE-PA/2009).

A cidade de Tucuruí inclui na sua paisagem fragmentos florestais envolvidos por


diferentes processos de ocupação urbana e rural, aspecto este que se intensificou,
principalmente, a partir da construção da hidrelétrica de Tucuruí com o represamento do rio
Tocantins, onde se formou um grande lago de aproximadamente 2.840km2, que cobriu cerca de
200 mil hectares de floresta primária. Com a formação do reservatório e fragmentação da
floresta, as áreas mais elevadas originaram 1600 ilhas.

Uma dentre as ilhas administrada pela Eletrobrás é conhecida como ilha de


germoplasma (Figura 1), a qual encontra-se a três quilômetros da barragem de Tucuruí e
apresenta uma área de 129 hectares. Em tal ilha são mantidas cerca de 15 mil árvores de 46
espécies diferentes que compõem o ambiente de mata nativa e de replantio, afim de que todas
as espécies da flora que foram perdidas por conta da inundação pudessem ser salvas ou
conservadas, para posterior reprodução (ILKIU- BORGES et al., 2004).
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Figura 1. Localização da área de coleta das amostras de Drosophila em Tucuruí, Pará. A- Mapa do
Brasil com o Estado do Pará em destaque; B- Mapa do Estado do Pará; C- Cidade de Tucuruí com
destaque da ilha de germoplasma; D – Ilha de germoplasma em destaque.

2.2 Coleta das amostras

Foram realizadas duas campanhas na Ilha de Germoplasma nos meses de maio


(período mais chuvoso) e junho (período mais seco), nas quais foram expostas 78
armadilhas/campanha. Para tanto, as armadilhas foram confeccionadas com garrafas pet de 2
litros (Figura 2). As mesmas foram iscadas com 180g de banana naturalmente fermentada por
24 horas, e expostas por período de tempo ao longo de duas transecções, em mata nativa e
reflorestamento, nas quais permaneceram a uma distância de 30m entre si, para garantir a
independência das amostras, e a uma altura de 1,5 m do solo. Em todos os sítios de coleta foram
realizadas medidas de altura, temperatura, abertura de dossel e umidade relativa do ar. Com
auxílio de um termo-higrômetro foram medidas a temperatura e umidade relativa do ar, já a
abertura do dossel foi feita mediante fotografia da copa das árvores de cada sítio, e as imagens
obtidas foram trabalhas no programa IMAGEJ. e a altitude foi aferida com auxílio de GPS.
Quanto a caracterização vegetacional, esta, foi obtida pela descrição realizada no levantamento
e monitoramento da empresa Eletrobrás, que disponibilizou os dados por meio de referência
bibliográfica de domínio público.
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Figura 2 - Modelo esquemático da armadilha de MEDEIROS e KLACZKO, 1999

2.3 Processamento do material

Após cada coleta, os espécimes eram retirados das armadilhas e transferidos para um
recipiente fechado e em seguida expostos a baixa temperatura por 5 minutos. Posteriormente
foram acondicionados em recipientes plásticos, perfeitamente identificados, para preservação
em álcool 70%. As identificações foram realizadas com o auxílio estereomicroscópios e o uso
de chave dicotômica (SHMITZ, 2011).

2.4 Caracterização da abundância de espécimes de mosca-das-frutas

Teste de normalidade Lilliefors dos valores absolutos de abundância e fatores abióticos,


e quando necessária, feita a transformação dos dados após consulta em base Box-Cox. Para a
análise da variabilidade da abundância foi utilizado o teste t de Student.

Por conseguinte, foi realizada uma análise de regressão múltipla que é uma técnica de
estatística multivariada, com a finalidade de selecionar as condicionantes abióticas que irão
gerar o melhor modelo de regressão através do método de busca sequencial passo a passo
(Forward stepwise). Neste caso, as variáveis são incluídas uma a uma para revelar a
contribuição incremental de cada variável (HAIR et al. 2009). Essa análise exige que as médias
das variáveis independentes (fatores abióticos), sejam comparáveis, deste modo todos os
valores foram transformados por meio de cálculo em coeficiente beta (β).
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2.5 Caracterização da riqueza de espécies (S)

Para a representação da riqueza de espécies foi utilizada a curva de rarefação. A escolha


se baseou no fato de que outro tipo de curva, como por exemplo, curva de acumulação de
espécies, a riqueza encontrada num levantamento vegetacional é dependente do esforço
amostral, não sendo permitido uma comparação direta da riqueza encontrada em áreas com
intensidades amostrais distintas. Uma das técnicas que pode ser utilizada para contornar esta
limitação é a rarefação, que permite a padronização da intensidade amostral de diferentes áreas,
com base no número de indivíduos.

2.6 Diversidade de espécies da ilha de germoplasma

O indice de Shannon é o indíce de heterogeneidade mais utilizado para estudos de


diversidade de vários grupos animais, principalmente, em função de uma premissa, a de que a
comunidade inteira não pode ser inventariada, considerando a obtenção de amostragens para
seu cálculo. Além disso, para o referido indice as espécies raras têm maior valor proporcional
(HUNTER, 1990), portanto, Shannon-Weaner é sensível a presença de espécies raras, devido
as mesmas diminuirem o grau de incerteza em prever a que espécie pertencerá um indivíduo
escolhido, ao acaso, de uma amostra com S espécies e N indivíduos. Sendo sua fórmula:

em que:
H’ = Índice de Shannon-Weaver
ni=Número de indivíduos amostrados da i-ésima espécie.
N=número total de indivíduos amostrados.
S=número total de espécies amostradas.
ln=logaritmo de base neperiana.

A Equitabilidade de Pielou (J) é um componente da diversidade, que reflete o grau de


uniformidade com que os indivíduos estão distribuídos entre as várias espécies da amostra por
ambiente, podendo ser um indicativo de dominância numérica relativa (ZANZINI, 2000;
MAGURRAN, 1988). Sendo sua fórmula:
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Hmáx= ln(S).
J = Equabilidade de Pielou
S = número total de espécies amostradas.
H' = índice de diversidade de Shannon-Weaver.
Quanto ao índice de dominância de Simpson, este mede a probabilidade de 2 (dois)
indivíduos, selecionados ao acaso na amostra, pertencer à mesma espécie (BROWER &
ZARR, 1984). Uma comunidade de espécies com maior diversidade terá uma menor
dominância. O valor estimado de D varia de 0 (zero) a 1 (um), sendo que para valores próximos
de um, a diversidade é considerada maior.

em que:
C = índice de dominância de Simpson;
n i = número de indivíduos amostrados da i-ésima espécie;
N = número total de indivíduos amostrados;

Todos os cálculos anteriores foram realizados com auxílio dos pacotes estatísticos
BioStat 5.0 (AYRES et al. 2007), Stimates 9.1.0 (COLWELL 2013) e PAST 3.04 (HAMMER
et al. 2001).

3 RESULTADOS

Abundância de drosofilídeos nos ambientes da ilha de Germoplasma

As coletas realizadas na Ilha de Germoplasma, resultaram na captura de 6989 indivíduos


da família Drosophilidae, sendo 57% fêmeas e 43% machos. Os espécimes obtidos com 78
armadilhas pet perfizeram uma média de 66 indivíduos/armadilhas.
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A análise de correlação da variável dependente “abundância de indivíduos” e fatores


abióticos (umidade, abertura de dossel e altitude), destacou a umidade como o preditor da
abundância de Drosophila na ilha de germoplasma, uma vez que no cálculo do efeito preditivo
(r2 parcial) apresentou correlação acima de 0,100 e valor de tolerância de 1. Portanto, indicando
pouca dependência e baixa multicolinearidade com as outras variáveis (Tabela 1). Assim,
seriam as diferenças na umidade entre as campanhas de coleta responsáveis pela fonte das
variações da abundância.

De fato, a variável umidade apresentou índices mais elevados na campanha de maio, que
é o período mais chuvoso (Tabela 2), exibindo inclusive um maior número de espécimes
(n=3668). Destes, uma proporção de 43,4% foi identificada como machos (Figura 3). Também
foram analisadas as diferenças no total de indivíduos entre os ambientes de mata nativa
(n=4098) e reflorestamento (n=2891), mas, neste caso, não sendo encontrada diferença
significativa (teste t=-0,25; GL=67; DP=0,84; p>0,05).

Tabela 1. Resultados da análise de regressão multipla sobre a abundância de drosofílideos na Ilha de


Germoplasma em Tucuruí, Pará. A variável que contribuiu significativamente está apresentada como
primeira na ordem de importância, assim com maior coeficiente de regressão, elevada significância, alta
correlação parcial e colinearidade.

Indices
Variável Coeficiente
Ordem de Significância Correlação Colinearidade
independente de regressão
Contribuição (p ) Parcial por Tolerância
β
Abertura do dossel Segunda 0,108 0,17 0,011 0,999
Altitude Terceira 0,017 0,84 0,016 0,842
Umidade Primeira 0,188 0,01 0,189 1,000

Tabela 2. Valores médios registrados das variáveis abióticas da


ilha de germoplasma.

1ª Campanha 2ª Campanha
Variável
Maio/2013 Nov/2013
Abertura do dossel 20,1% 22,1%
Altitude 130,1m 130,3m
Umidade 80,9% 77,4%
Média dos valores registrados
10

70
Fêmeas
60
Machos
50

40
%

30

20

10

0
1ª Campanha 2ª Campanha
Figura 3. Proporção de machos e fêmeas capturados em diferentes períodos na ilha de
germoplasma.

É importante lembrar que a identificação à nível de espécie de Drosophilas, pode ser


realizada através dos procedimentos de extração e observação da genitália dos machos, que no
presente trabalho foram bem sucedidos, sendo identificadas um total de 2944 machos e 136
fêmeas que são de espécies que fogem a esta regra, coletadas em ambos as campanhas.

3.1 Riqueza de espécies (S)

Do total de macho de Drosophilas identificadas (n=2944), uma proporção de 93% foi


descrita como pertencentes ao gênero Drosophila, enquanto os demais 7% se subdividiram entre
os gêneros: Leucophenga, Rhinoleucophenga, Scaptodrosophila e Zaprionus indianus. Do
gênero Drosophila foram registrados os subgêneros Drosophila (n=61) e Sophophora
(n=2814), assim como quatro espécimes que possivelmente sejam novas espécies, as quais
foram morfotipadas como 1, 2, 3 e 4. Mas no geral foram registrados nove grupos e 25 espécies,
além de quatro morfotipos, sendo as espécies mais comuns D. malerkotliana (n=1246) e D.
willistoni com 1079 indivíduos.

Quando comparada as duas campanhas de coleta, a primeira resultou em 23 táxons e a


segunda em 19 táxons (Tabela 3). Portanto, o período mais seco foi o menor em número de
espécies, estando inclusive 50% abaixo das estimativas de riqueza geradas com Jackknife de
primeira ordem, que estimou em 38 espécies como o total de táxons esperados para a ilha de
germoplasma (Figura 4).
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Já com relação aos ambientes da ilha de germoplasma, o total de táxons foi muito
próximo entre a área de mata nativa (22 espécies) e a de reflorestamento com 21 espécies
catalogadas, sendo que, em ambos os locais a grande contribuição foi das espécies raras, ou
seja, com menos de três indivíduos (Tabela 3). Contudo, de acordo com o estimador de riqueza
de espécies Jackknife de primeira ordem, nenhum dos perfis vegetacionais atingiu o número
esperado de táxons, o qual seria de 27 espécies para a área de reflorestamento e de 29 para mata
nativa (Figura 5).

Tabela 3. Espécies de Drosophilas coletadas em cada campanha e em cada ambiente na ilha de


germoplasma, Tucuruí, Pará.

1ª Campanha 2ª Campanha
Espécie Mata de Mata Mata de Mata
Reflorestamento Preservada Reflorestamento Preservada
D. anularis 1 0 0 0
D. canalinea 1 0 0 0
D. caponei 1 0 0 0
D. coffeata 0 1 0 0
D. equinoxialis 9 28 1 1
D. fulvimacula 3 32 1 0
D. fumipenis 1 7 1 0
D. malerkotliana 136 189 420 501
D. melanogaster 3 9 0 1
D. moju 0 0 1 0
D. nebulosa 10 16 4 8
D. neomorpha 1 0 0 0
D. parannularis 0 1 0 0
D. paulistorum 14 41 7 3
D. polymorpha 4 3 1 0
D. prosaltans 2 0 2 7
D. roehrae 0 1 0 0
D. simulans 2 36 1 0
D. tropicalis 0 1 0 0
D. willistoni 307 412 198 162
D.sturtevanti 108 162 3 1
Morfotipo 1 2 1 1 0
Morfotipo 2 1 0 2 9
Morfotipo 3 0 0 0 1
Morfotipo 4 0 0 0 1
S. latifasciaeformis 0 0 10 2
Z. indianus 25 95 14 50
Total Geral 631 1035 667 747
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Figura 4. Curva de rarefação gerada pelo estimador Jackknife de primeira ordem para representar a
riqueza de espécies obtida por coletas com garrafa pet expostas em duas campanhas na ilha de
Germoplasma, em Tucuruí, Pará.

Figura 5. Curvas de rarefação obtidas pelo estimador Jackknife de primeira ordem para representar a
riqueza de espécies de Drosophila das áreas de reflorestamento e mata nativa da ilha de Germoplasma
em Tucuruí, Pará.

3.2 Diversidade de espécies

Em decorrência dos resultados de abundância e riqueza, já era esperado o maior índice


de diversidade da mata nativa (H’=1,67) e um menor valor para a área de reflorestamento
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(H’=1,38). Mas, quando comparado a diversidade de ambos os ambientes em cada período de


coleta (Figura 6A), houve uma diferença bastante significativa entre o reflorestamento e a mata
nativa da primeira campanha (teste t=--3,87; GL=16; DP=1,84; p=0,0013).

Quanto a equitabilidade para ambos os ambientes (Figura 6B), o valor foi elevado na
área de reflorestamento (RE), no entanto, superado pelos dados da mata nativa (MN),
principalmente, durante o período mais chuvoso e de maior umidade (Tabela 2). É importante
lembrar que a equitabilidade de Pielou varia num intervalo [0,1], e que parte da premissa de
que 1 indica que todas as espécies são igualmente abundantes, assim as espécies raras (espécies
que só aparecem em uma ou em poucas amostras) são consideradas como as de menor valor
proporcional. Segundo MAGURRAN (1988), uma maior proporção de espécies raras tende a
diminuir o valor do indice de Shannon-Weaner.

Por fim, os resultados acima são pertinentes com a alta dominância de espécies comuns,
que foi revelada pelo índice de Simpson (D), ou seja, de que poucas espécies foram muito
abundantes na segunda campanha em ambos os ambientes, reflorestamento (D=0,48) e mata
nativa (D=0,50) - Figura 6C.

Figura 6. Dados de Diversidade (H’), Equitabilidade (J’) e Dominância (D) de Drosophila dos perfis
vegetacionais área reflorestada (RE-1 e RE-2) e mata nativa (MN-1 e MN2-), que foram amostrados
durante o período mais chuvoso (RE-1 e MN1) e mais seco (RE-2 e MN-2) na Ilha de Germoplasma.

4 DISCUSSÃO

O presente trabalho foi o primeiro inventário de espécies da família Drosophilidae em


floresta fragmentada por inundação de hidrelétrica no sudeste do Pará, contribuindo assim com
a ampliação do registro e distribuição de espécies do grupo no Brasil.

Inicialmente, os dados de abundância apresentaram como espécies mais comuns D.


malerkotliana e D. willistoni, cujas dominâncias tenderam a se estabelecer inversamente em
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cada período de coleta, o que provavelmente seja uma resposta a sobreposição de nicho (Tabela
3). Além do mais, o pico de abundância de D. malerkotliana ocorreu durante a temporada mais
seca, sobretudo, em área de floresta nativa. Neste caso, pode ser que na ilha de germoplasma,
nos períodos de alta umidade, a espécie D. malerkotliana esteja colonizando outros ambientes,
como, por exemplo, áreas de borda do fragmento. Ocorre que variação populacional semelhante
foi registrado por PENARIOL (2007) com outra espécie exótica, D. simulans, que também
pertence ao subgrupo. Já quanto a Melanogaster D. willistoni e sturtevanti, estas espécies
apresentaram alta frequência no período de maior umidade, reduzindo a suas populações a
proporções abaixo de 50% durante o período mais seco. Segundo a hipótese de PENARIOL
(2007), a redução de espécies nativas facilita a explosão populacional dos táxons invasores. No
entanto, em Tucuruí na ilha de Germoplama, mesmo sendo sensível a alta umidade, D.
malerkotliana apresentou abundância dominante em todas as estações.

A D. sturtevanti por sua vez, foi a terceira mais coletada na ilha com 274 indivíduos. Os
trabalhos de DOBZHANSKY & PAVAN (1950) e MARTINS (2001) apontam que essa espécie
tem sido pouco coletada nos ambientes amazônicos. Já no estudo na ilha de germoplasma,
esteve presente em todos os perfis vegetacionais e em ambas as campanhas de coleta, ainda que
mais bem representada na primeira campanha (período chuvoso), resultado que corrobora os
dados de PAVAN (1959) & SENE et. al (1980), os quais sugerem que essa espécie apresenta
uma acentuada variação sazonal.

A espécie asiática D. malerkotliana classicamente é um táxon exótico que colonizou


com grande sucesso diversas vegetações abertas de biomas brasileiros (SENE & VAL, 1977;
VAL & SENE, 1982), incluindo a floresta Amazônia (MARTINS 1989). Dentre os táxons que
sua fácil adaptabilidade tende a substituir significativamente, estão os das espécies nativas e
dominantes, como no caso de algumas do subgrupo Willistonii (MARTINS, 1987). Mas, na ilha
de germoplasma em Tucuruí, além de willistonii, D. malerkotliana parece na verdade estar
alterando a presença de outros subgrupos, os quais permaneceram com abundâncias bem mais
reduzidas ao longo do estudo, tendendo apenas a uma suave elevação apenas em épocas mais
úmidas. Dentre essas está Z. indianus, uma espécie também exótica que no trabalho de TIDON
(2010) no cerrado foi a mais abundante, o que para o autor revelou uma alta versatilidade
alimentar e habilidade da espécie em colonizar ambientes sob elevado nível de estresse.

Complementarmente, a investigação do presente estudo sobre as prováveis


condicionantes relacionados as variações na abundância, veio apenas corroborar com os
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achados de MARTINS (1987), MOURÃO (1996) e PENARIOL (2007) sobre a influência da


umidade. Ocorre que na ilha de germoplasma também foi positiva a correlação entre a umidade
e abundância de Drosophilidae, sendo tal associação calculada com análise de Regressão
Múltipla que apresentou a variável umidade preditora da abundância.

Mesmo diante de um total de 25 espécies catalogadas na ilha de Germoplasma, além de


quatro indivíduos morfotipados, essa proporção não se aproximou do valor de riqueza calculado
pelo estimador Jackknife 1 (S=38). O que indica que a amostragem não foi suficiente, e que
talvez com um maior esforço amostral poderiam ser coletadas outras espécies, em sendo que a
contribuição de cada ambiente seria muito aproximada (Mata nativa=29; Reflorestamento=27).
Isso talvez possa ser explicado pela presença de recursos alimentares que competem com as
iscas, sendo que esses recursos naturais seriam em quantidade e distribuição, muito equivalentes
entre os dois ambientes estudados.

Quanto a diversidade, foi observado neste estudo maior índice e equitabilidade para o
ambiente de floresta nativa durante a estação mais chuvosa, o que indica maiores chance de que
um indivíduo escolhido ao acaso na população seja facilmente identificado. Adicionalmente,
mesmo para a área de reflorestamento, cujo índice foi mais baixo que o da mata nativa, a
diversidade e equitabilidade na primeira campanha foi mais representativa do que a de ambos
os ambientes no segundo período de capturas. Resultados que talvez estejam associados ao
período de redução de exóticas, e ao aumento de espécies nativas, o que pode ser visualizado
através do índice de dominância que foi bem reduzido, principalmente, em mata nativa durante
a primeira campanha. Em sendo assim, a caracterização de áreas na ilha de germoplasma indica
que mesmo a formação mata nativa bem como os ambientes reflorestados são vulneráveis a
invasão de espécies exóticas de Drosophila. Mesmo assim, ainda é possível observar uma
diversidade de espécies nativas resistente e aparentemente preservada, o que reforça a
necessidade de manutenção de espaços naturais dentro das regiões antropizadas do lago de
Tucuruí, no estado do Pará.

Por fim, o presente estudo na ilha de Germoplasma visou contribuir com a ampliação
do registro e distribuição de espécies endêmicas e exóticas do Brasil, bem como para a
compreensão das influências ecológicas do ambiente floresta fragmentada por inundação sobre
a assembleia de Drosophilidae.
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CONCLUSÃO

O presente trabalho é o primeiro estudo sobre a família Drosophilidae em floresta


fragmentada por inundação, devido ao represamento por hidrelétrica no sudeste do Pará. Na
ilha de germoplasma, as variações na umidade também parecem apresentar forte influência na
abundância nos táxons da família Drosophila. Talvez a umidade altere não somente a
distribuição dos espécimes de Drosophila, mas também a presença/ausência de certas espécies
em uma determinada área.

Os espécimes de D. malerkotliana parecem responder melhor ao estresse hídrico, a


assim são favorecidos durante a estação seca. Já outras espécies, como, por exemplo, D.
willistoni foram mais sensíveis a baixa umidade.

Zaprionus indianus é uma espécie cuja presença na ilha de germoplasma sugere que o
ambiente esteja associado a influência antrópica. A diversidade nativa da ilha de germoplasma
é resistente e aparentemente preservada, o que reforça a necessidade de manutenção de espaços
naturais dentro das regiões antropizadas.
Para a ilha de Germoplasma faz-se necessário a realização de novos estudos com mais
armadilhas em função de aumentar o esforço amostral e a fim de que se possa alcançar o número
de espécies estimas, bem como para se conhecer melhor o grau de integridade desse ambiente.
A observação realizada na ilha de germoplasma pode ser útil para estudos sobre eventos
de colonização, em virtude dos registros taxonômicos e de distribuição geográfica das espécies
coletadas, e assim podendo servir como parâmetro para avaliações sobre a estabilidade de
comunidades de Drosophilidae, mediante a presença de espécies exóticas que podem
representar um perigo para muitas espécies nativas.

REFERÊNCIAS

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