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Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

ATIVISMO JUDICIAL E INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO


Diálogos entre discricionariedade e democracia
Revista de Processo | vol. 242 2015 | p. 21 - 47 | Abr / 2015
DTR\2015\3679

Georges Abboud
Doutor e Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Professor do Programa de Mestrado
e Doutorado em Direito da Fadisp. Advogado. georges.abboud@neryadvogados.com.br

Guilherme Lunelli
Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional
(ABDCONST). Mestrando em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor de Direito Processual
Civil do Centro Universitário FAE. Advogado.

Área do Direito: Processual


Resumo: O presente trabalho procura analisar o fenômeno do ativismo judicial enquanto um
problema hermenêutico, relacionado à invasão da vontade dos julgadores no momento da
interpretação e aplicação do Direito. Após essa etapa, é realizada uma análise crítica da teoria
instrumentalista do processo, demonstrando que seus ideais, de grande influência sobre os juristas
pátrios, conduzem a um modelo ativista de magistratura, bastante questionável à luz do Estado
Democrático de Direito.

Palavras-chave: Ativismo judicial - Instrumentalidade - Democracia.


Abstract: This paper analyses the phenomenon of judicial activism while a hermeneutical problem,
related to the interfere of judges' own will when interpreting and applying the law. After this step, a
critical analysis of the instrumentalist theory is performed, demonstrating that such ideals, of great
influence on the Brazilian jurists, lead to an activist model of judicature, rather questionable in a
democratic state.

Keywords: Judicial activism - Instrumentality - Democracy.


Sumário:

- 1.Introdução - 2.Determinando o lugar da fala: o ativismo judicial enquanto um problema


hermenêutico - 3.Ativismo judicial e instrumentalidade do processo - 4.Anotações conclusivas -
5.Bibliografia

Recebido em: 12.01.2015

Aprovado em: 20.03.2015


1. Introdução

Conforme bem pontua Augusto Zimmermman, parece não ser suficiente dizer que alguns
magistrados no Brasil ainda precisem aprender que viver em um Estado de Direito significa que
ninguém, nem mesmo um juiz, tem o direito de ignorar os textos legais. Para, efetivamente,
colocarmos nossos juízes under the rule of law seria necessária uma radical mudança na
mentalidade e na cultura jurídica dominante.1 Prova dessa assertiva, são as recentes manifestações
de órgãos representativos do Judiciário que requereram o veto sobre dispositivo do NCPC que
tornava mais rígido e complexo o dever de fundamentação das decisões judiciais.

Assim, cientes dessa realidade, pretendemos com o presente trabalho analisar e contextualizar o
problema do ativismo judicial – ora entendido como um problema hermenêutico, de invasão da
vontade dos julgadores no desfecho das decisões jurisdicionais –, para, então demonstrarmos que a
teoria instrumentalista do processo, latente no ideário dos juristas brasileiros, conduz a um modelo
indesejado de magistratura, ativista em essência e que, portanto, merece ser combatido.
2. Determinando o lugar da fala: o ativismo judicial enquanto um problema hermenêutico

No atual estágio d’arte, não poderíamos nos valer da locução ‘ativismo judicial’ sem um prévio corte
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Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

metodológico, bem definindo o seu conteúdo e alcance. Conforme lembra Keenan D. Kmiec, a
expressão sempre incorporou uma variedade de diferentes significados e, por conseguinte, para fins
de rigor científico, todos aqueles que se valham do termo primeiramente devem determinar o
significado que lhe será atribuído.2

No plano nacional, temos que a expressão geralmente é utilizada com uma acepção positiva,
relacionando-se a: (a) decisões jurisdicionais que busquem primordialmente assegurar direitos
fundamentais; (b) decisões jurisdicionais orientadas à garantia da supremacia da Constituição; (c)
decisões jurisdicionais fundamentadas substancialmente em princípios jurídicos, sobretudo em
princípios constitucionais.3

Todavia, para os fins do presente trabalho, nos afastaremos (e muito) de tais ideias. Escorados na
doutrina estadunidense, o ativismo será abordado como um problema eminentemente hermenêutico,
relacionado à invasão das preferências ideológicas dos julgadores nas decisões judiciais. Vale dizer,
não perfilhamos a dicotomia bom e mau ativismo, consideramos toda manifestação de ativismo uma
atividade perniciosa para o regime democrático.

Para tanto, entendemos conveniente uma prévia incursão histórica pelo constitucionalismo
norte-americano (contexto no qual se iniciaram as discussões sobre o tema) para que, ao fim,
possamos melhor compreender e sistematizar a problemática por detrás da questão.
2.1 Compreendendo o ativismo judicial e sua problemática: aportes à história institucional da
judicial review estadunidense

A ideia de ativismo judicial encontra suas raízes no direito estadunidense, relacionando-se as


dificuldades hermenêuticas na interpretação e aplicação da Constituição Americana, sabidamente
sintética e abstrata.

Não por outra razão, Christopher Wolfe em sua obra Judicial Activism – Bulwark of Freedom or
Precarious Security?4 propõe-se a estudar o ativismo judicial de forma concomitante a história
institucional da judicial review norte-americana, eis que a declaração de inconstitucionalidade de
qualquer lei pressupõe a prévia determinação do conteúdo e alcance do texto constitucional.

Para o autor, a diferença entre um juiz ativista e um juiz não ativista residiria, basicamente, em quão
livre ou constrito o magistrado se sente no exercício da sua discricionariedade no momento da
interpretação e aplicação do texto constitucional ou legal.5 Assim, a compreensão do ativismo judicial
enquanto um ato discricionário (e, portanto, enquanto um ato de vontade) do julgador seria facilitada
se levarmos em conta as modificações ocorridas na postura interpretativa da Suprema Corte
Americana ao longo do tempo.6 Para tanto, Wolfe propõe uma incursão na história da judicial review
estadunidense, dividindo-a em três momentos: fase tradicional (tradicional era), fase de transição (
transitional era) e fase moderna (modern era).

A primeira fase (tradicional era) corresponderia ao período entre a instituição da Constituição


Americana até o fim do século dezenove. Foi exatamente durante tal período que, pela primeira vez,
discutiu-se no direito norte-americano, no célebre caso Malburry vs. Madison, a possibilidade de
controle da constitucionalidade das leis pelo Poder Judiciário.

Nessa oportunidade, o mais importante argumento em favor do controle de constitucionalidade de


leis pela Suprema Corte foi que tal poder não implicaria a supremacia da vontade judicial sobre a
vontade legislativa, mas, sim, colocaria a vontade fundamental popular (expressada pela e na
Constituição e refletida na vontade de seus autores – founders) sobre ambas. A possibilidade de
judicial review, então, simplesmente conferiria efetividade para a vontade do povo contida na
Constituição sobre uma eventual e transitória vontade popular expressada em dado momento pelo
legislativo.

Esta fase teve por característica a presunção de que a Constituição teria um sentido determinado,
conferido por seus autores, e este significado seria, de forma autoritária, o objeto final de qualquer
interpretação.7 Não por outra razão, durante tal período, o controle judicial das leis não poderia ser
utilizado em caso de dúvidas: “somente quando claramente incompatível com a Constituição
poderiam os juízes declarar a invalidade de uma lei.”8

Nesta esteira, a possibilidade de controle de constitucionalidade não consistia um “dar significado”


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Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

proposições nebulosas da Carta, mas, sim, reforçar os significados que podiam claramente ser
extraídos da vontade de seus autores. Esta informação coloca-se bastante importante, pois, neste
primeiro momento, víamos uma grande preocupação em se aplicar a “vontade do direito” (tida como
a vontade do constituinte), sendo repudiada qualquer forma de aplicação da vontade dos próprios
julgadores. Esse é o motivo pelo qual Wolfe sustenta que “o controle de constitucionalidade dessa
fase era distinto porque as diferentes fases viram emergir diferentes modos de interpretar a
Constituição. Acima de tudo, interpretação se tornou mais um processo de criação de novos
significados do que uma postura de reforço de um já existente significado.”9

Com essa afirmação o autor quer dizer que, ao longo da história, a interpretação constitucional nos
EUA passou a ganhar contornos mais subjetivistas, deixando de lado a ideia de vontade da
Constituição em prol da vontade criativa do próprio intérprete. Não por outra razão, a segunda fase
da experiência estadunidense de controle de constitucionalidade (transitional era) teria por
característica fundamental a invasão de elementos metajurídicos no processo interpretativo, no caso,
a filosofia político-econômica do laissez-faire de não intervenção do Estado na economia.

Nesse período, a Suprema Corte passou a identificar na cláusula constitucional do due process
(“ninguém será destituído de sua vida, liberdade e propriedade sem o devido processo legal”)
limitações ao próprio legislador. É dizer: com escoro em uma “leitura da Constituição que fazia valer
sua própria filosofia econômica” 10 a Corte encontrou na due process clause uma forma de limitar a
intervenção legislativa do Estado na economia.

A título de exemplo, temos que, durante esse período, a Corte invalidou uma lei do Estado de Nova
Iorque que limitava a carga horária dos padeiros sob o argumento que tal lei violaria a liberdade de
contratar. Ainda, são apontadas como clímax dessa era de transição as diversas ingerências judiciais
ocorridas no New Deal de Roosevelt.11

Foi exatamente nessa época que, em solo americano, as discussões sobre ativismo judicial
ganharam espaço, já que opções político-legislativas estavam sendo derrubadas pelo judiciário com
base em uma questionável e ideológica interpretação da Constituição. Como não poderia ser
diferente, tal fato desencadeou debates sobre os limites e diferenças entre interpretação e criação
judicial do direito e deu azo a questionamentos quanto à legitimidade democrática que uma corte
teria para impor a sua filosofia econômica a toda uma nação. A invasão da subjetividade dos
julgadores no processo de interpretação da Constituição começava a preocupar.

Entretanto, um fato interessante sobre tal período é que, apesar da nítida postura ideológica (e,
portanto, ativista em essência) adotada pela Suprema Corte, em nenhum momento desta fase
aceitou-se falar em alterações do sentido original da Constituição diante das modificações sociais.
Bem pelo contrário, a postura laissez-faire adotada pela Suprema Corte era sempre fundamentada
na suposta vontade dos seus Founders. Daí ser tal período adjetivado de transitório: em que pese os
evidentes influxos ideológicos na postura decisória da Corte, jamais se admitiu um descompromisso
com aquele sentido predeterminado da Constituição, conferido pelos seus autores e característico da
tradicional era.12

É nesse específico, então, que reside a principal diferença entre a transitional era e a modern era da
judicial review estadunidense. Nesse último período (que perdura até os dias atuais), passou-se a,
abertamente, entender que os Founders não poderiam prever de antemão todas as situações fáticas
futuras, ou como se daria a evolução da sociedade, abandonando-se, vez por todas, a ideia de
“vontade do constituinte”. O caráter aberto conferido ao texto constitucional, assim, passou a ser
visto como uma forma da própria Constituição delegar aos futuros intérpretes o poder de conferir ao
texto constitucional o significado que melhor atendesse as necessidades de cada época.13

Ocorre que, conforme identifica Wolfe, essa nova forma de se encarar a interpretação constitucional
acarretou um grande incremento na importância do elemento vontade (will) no bojo das decisões
judiciais. Lembremos que a Constituição Americana se caracteriza por sua generalidade e abstração
e, desta feita, a determinação do seu sentido pode ser facilmente influenciável pelas tendências
ideológicas do intérprete.

Não por outra razão Wolfe fala no advento de um poder “quase legislativo” 14 pelos magistrados que,
transitando pelas “vaguezas” do texto, passam a escolher a interpretação que melhor reflita as suas
próprias convicções e preferências e as suas percepções quanto as expectativas e preferências da
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Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

sociedade.15 Diante das incertezas semânticas do texto, o intérprete distancia-se daquilo que é
jurídico para, valendo-se de sua discricionariedade, ‘criar’ interpretações que melhor reflitam a sua
própria visão de mundo e de justiça.16

Em tal contexto, a interpretação e as decisões judiciais acabam viciadas pela vontade dos
julgadores, não detentores de qualquer legitimidade democrática. Interpretação, então, passa a se
confundir com criação e, nesse ponto, sem sombra de dúvidas, descansa a pedra-chave para
compreensão da problemática por detrás do ativismo judicial: o perigo que decisões norteadas pela
vontade (e, portanto, alheias ao Direito) representam para a Democracia.
2.2 Ativismo judicial, vontade do julgador e atuação jurisdicional

Com o esforço realizado no tópico anterior buscamos demonstrar que, desde o seu nascedouro, o
problema do ativismo judicial esteve atrelado aos limites entre a atividade interpretativa e a atividade
criativa do julgador-intérprete.17 Sendo a Constituição Americana genérica e abstrata, sempre foi
muito difícil naquele sistema jurídico diferenciar interpretação e criação (ou imputação) de sentidos
para o texto constitucional.

É evidente que não estamos aqui, de forma alguma, a sustentar que, tal qual feito durante a “
tradicional era” norte-americana, a lei (ou a Constituição) possui um único e predefinido sentido, já
entregue de antemão pelo legislador, cabendo ao intérprete tão somente desvelar ou extrair a
“vontade” da lei. Em tempo de pós-positivismo, em que a norma jurídica sabidamente só pode ser
construída casuisticamente, agregando texto e realidade, qualquer alegação metafísica nesse
sentido se colocaria totalmente descabida. Entretanto, nos cumpre indagar qual é (ou deve ser), no
âmago de um Estado Democrático de Direito, a influência que elementos volitivos podem (leia-se:
devem) exercer no momento de estruturação normativa.18

E é nesse ponto que desponta o problema da discricionariedade, das convicções pessoais e, por
consequência, do ativismo judicial: pode o sentido do texto constitucional (ou mesmo das leis19)
resumir-se a um mero juízo de conveniência do julgador? Será que o sentido dos textos está à
disposição do interprete, para que este “pince” – ou mesmo crie – aquele que, a depender de suas
convicções ideológicas, mais lhe agrade?

Em verdade, a grande questão é saber em que medida coloca-se democrático que, no momento de
construção da norma, o julgador se utilize dos seus valores, convicções e ideologias, os impondo a
toda a sociedade.20 Sob a ótica ativista, a determinação do Direito passa a depender da subjetividade
daquele que decide, como se o sentido dos textos pertencessem ao intérprete. Daí por que nos
parece irretocável a alegação de Streck no sentido de que o ativismo judicial é um problema
solipsista-comportamental, decorrente do “assenhoramento” das leis pelos julgadores – como se
estes, a depender de sua vontade, pudessem livremente dispor do sentido e aplicação daquelas.21

Não por outra razão, a compreensão do ativismo judicial sempre nos remete a discussões sobre a
normal e adequada função/atuação dos juízes.22 Quando falamos em ativismo, obrigatoriamente,
falamos em extrapolação de limites na atividade judicante.23

Este é o motivo pelo qual Cross e Lindquist descrevem o ativismo judicial como uma falha das Cortes
(e dos juízes) em “agir enquanto judiciário” (act “like a judiciary” ). Em que pese a dificuldade na
definição do que seja esse “agir como judiciário”, os autores procuram identificar alguns parâmetros
que possam auxiliar nessa tarefa. Em tal empreita, como não poderia ser diferente, apontam,
enfaticamente, a necessidade de que os julgamentos não sejam norteados pelas preferências
pessoais do julgador. Notemos:

“Activism is characterized by the Court’s failure to act ‘like a judiciary’ There is no exact definition of
what it means to act like a judiciary, but there are some parameters to such action. A judiciary should
use ‘accepted interpretive methodology. ‘This means that it should interpret governing texts in a
reasonable way, not distort the meaning of those texts to achieve some end of the judiciary. The
accepted judicial methodology also involves some fealty to precedent and consistency with past
decisions. While this legal model of judging is difficult to capture simply, it requires decisions
according to external tenets of the law, not internal preferences of the judge.

The opposite of acting ‘like a judiciary’ is often called ‘results-oriented judging.’ The primary reason
why justices would not act like a judiciary and instead engage in inappropriate judicial activism is in
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Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

order to reach their preferred results”24 (destaque nosso).

Importante questão apontada na citação refere-se ao manifesto caráter ativista do chamado


results-oriented judging. O termo (cuja melhor tradução para o português parece ser “decisões
orientadas por seus resultados”) designa situações em que o julgador, tendo previamente escolhido
o resultado que melhor expressa as suas convicções pessoais e o seu senso de justiça, passa a
buscar uma maneira jurídica de justificar sua decisão. Primeiro decide-se (ou, para sermos mais
claros, “escolhe-se”) o resultado almejado e só depois são buscados elementos para sustentar as
escolhas feitas. Trata-se, evidentemente, da invasão da vontade dos julgadores no desfecho das
decisões.

Daí por que a inter-relação entre ativismo, acting “like a judiciary” e results-oriented judging
apresentada por Cross e Lindquist nos possibilita três constatações fundamentais para o presente
estudo: (a) é ativista o juiz que decide conforme sua vontade, direcionando suas decisões para
resultados que (a depender de suas ideologias) considera justo; (a) o juiz que decide conforme suas
convicções ideológicas (é dizer: conforme a sua vontade) extrapola os seus limites, falhando em sua
obrigação de “agir enquanto judiciário”;25 (c) as decisões judiciais, para não serem ativistas, devem
ser conduzidas por argumentos jurídicos e não ideológico-subjetivos.26

Passa a ficar claro, então, o motivo pelo qual sustentamos ser o ativismo judicial um problema
eminentemente hermenêutico e relacionado a invasão de elementos metajurídicos no processo
interpretativo-decisório. Como diria Streck, um juiz pratica ativismo sempre que, relegando o jurídico
a um segundo plano, decide com base em suas predisposições políticas, econômicas, religiosas, ou
mesmo conforme suas próprias convicções.27

Essa é a razão pela qual o ativismo não se encontra limitado à atuação das Cortes Superiores ou à
interpretação do texto constitucional. Sempre que uma decisão, proferida por qualquer juiz ou
instância, encontrar fundamento nas convicções pessoais do julgador, restando ignorado ou
deturpado o sentido de um texto democraticamente posto, estaremos diante de posturas ativistas.28

Nessa esteira, devemos também perceber que, diferentemente do imaginário dominante, nem
sempre decisões ativistas serão obrigatoriamente “progressistas” ou “vanguardistas”. E a razão para
tanto é simples: posturas ativistas pressupõem decisões judiciais baseadas nas considerações
pessoais ou políticas próprias do julgador, mas essas, a depender do caso, poderão conduzir tanto a
resultados “liberais” quanto a resultados “conservadores”.29 Daí não haver sentido em se falar acerca
de bom ou mau ativismo. O ativismo é uma degeneração ideológica da atividade
interpretativa/aplicativa do Judiciário.

Exemplo vivo de como posturas ativistas podem desembocar em decisões conservadoras pode ser
encontrado na “interpretação” conferida por nossos tribunais superiores quando recém aprovada a
nova redação do art. 212 do CPP. Trata-se de caso onde, apesar da evidente tentativa legislativa de
superação do modelo inquisitivo de coleta de provas no processo penal, nossos tribunais, em um
primeiro momento, “optaram” por manter um “já consagrado método de oitiva de testemunhas”.30
Nessa hipótese, apesar de estarmos diante de uma decisão manifestamente ativista, onde a
jurisprudência firmada simplesmente ignorou a lei democraticamente constituída – novamente, como
se esta pertencesse ao julgador e como se este pudesse livremente dispor daquela –, seus
resultados nada têm de “vanguardistas”, mantendo um status quo consagrado desde muito antes da
Constituição de 1988.

Sendo assim, o ativismo pode ser identificado como afastamento da legalidade vigente. Todavia,
com esta afirmação não estamos defendendo que o juiz deve estar vinculado à legalidade estrita ou
que lhe é defeso exercer atividade interpretativa. O que afirmamos é que ao Judiciário não é lícito
deixar de aplicar a lei, salvo se ela for inconstitucional. Da mesma sorte, a atividade interpretativa
deve seguir critérios seguros, partindo da noção de integridade e coerência do direito e, jamais, das
convicções do aplicador.31

Outra importante constatação sobre as posturas ativistas refere-se a ênfase dada por seus
defensores à necessidade de “se fazer justiça” e na predisposição destes em, por intermédio do
poder jurisdicional, remediarem um amplo leque de erros da sociedade.32 “O ativismo confia nos
juízes”, verifica Wolfe.
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Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

Entretanto, a grande questão é saber, mormente em sociedades plurais como a brasileira ou


norte-americana, como e quem deve definir o que é justo, certo ou errado. Isto, pois, não parece ser
possível relegar o problema a uma mera questão de escolha ou de convicção pessoal do julgador,
como se este fosse uma espécie de “senhor dos sentidos”, legitimado a, de forma individual e
solipsista, impor à toda coletividade o seu senso de justiça.

Nos EUA, o ativismo judicial é alvo de constantes críticas exatamente porque, naquele país, já fora
compreendido que posturas ativistas, em última medida, permitem que a magistratura, sem qualquer
accountability eleitoral ou fidelidade aos textos legais, imponha suas preferências políticas à
sociedade.33 O ativismo, então, é estudado enquanto um problema de legitimidade democrática.34

No Brasil, entretanto, longe de discutirmos a questão, presenciamos uma constante aposta (inclusive
da própria doutrina) no protagonismo e no ativismo judicial. Daí a importância do presente trabalho,
no qual pretendemos demonstrar que a corrente instrumentalista do processo, tão arraigada no
“senso comum teórico” de nossos juristas, aposta em posturas ativistas e, por consequência, conduz
a um modelo não democrático de magistratura.
3. Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

3.1 Compreendendo a instrumentalidade do processo: da jurisdição como centro gravitacional


da ciência processual e dos escopos metajurídicos do processo

Podemos dizer, sem medo de errar, que Cândido Rangel Dinamarco em sua obra “A
instrumentalidade do Processo”, publicada pela primeira vez em 1987,35 inaugurou aquela que, até
hoje, vem a ser uma das mais influentes teorias dentro da ciência processual brasileira.

Nesta obra, o insigne processualista propõe uma “abertura do sistema processual aos influxos do
pensamento publicista e solidarista vindos da política e da sociologia do direito”,36 procurando, com
isso, atualizar a ciência processual ao novo modelo de Estado inaugurado pela Constituição de 1988.

Em essência, quatro são as teses defendidas por Dinamarco na obra: (a) o deslocamento da
Jurisdição para o centro gravitacional da ciência processual; (b) a compreensão do processo
enquanto instrumento a serviço da Jurisdição; (c) a existência de escopos processuais; (d) a
verificação de um duplo sentido (positivo e negativo) para a instrumentalidade.

Em seu estudo, Dinamarco demonstra uma constante preocupação com a publicização do processo,
o que, para ele, demandaria o deslocamento do centro gravitacional da ciência processual da Ação
para a Jurisdição.37 Para o autor, é a realização dos fins do Estado que garante o caráter publicista
do processo e, já que a realização de tais fins só ocorre mediante o exercício do poder jurisdicional,
é em torno deste que devem tramitar os demais institutos processais.38

Em tal contexto, o processo se apresentaria como o mero aspecto dinâmico do exercício da


Jurisdição,39 o instrumental necessário a serviço dos fins do Estado.40 Não por outra razão: “a
perspectiva instrumentalista do processo é por definição teleológica e o método teleológico conduz
invariavelmente à visão do processo como instrumento predisposto a realização dos objetivos
eleitos.”41 O processo, em síntese, seria o instrumento a disposição do poder.

Assim é que, sob tais premissas, passa Dinamarco a elencar quais seriam os “fins” a serem
alcançados pelo Estado através do poder jurisdicional, os nomeando de “escopos processuais”.
Seriam eles: escopos sociais, escopos políticos e escopo jurídico.

No que concerne aos escopos sociais, o autor fala em educação do jurisdicionado e em pacificação
com justiça. O primeiro deles refere-se ao esforço na conscientização dos cidadãos quanto aos seus
direitos e obrigações, estabelecendo-se, assim, um clima de confiança no Judiciário e, por
consequência, convocando-se a população a trazer suas insatisfações para serem remediadas em
juízo. O segundo, refere-se à concretização daquilo que o autor chama de “paz social”, que seria
atingida com a eliminação dos conflitos sociais por intermédio da atividade jurisdicional.42 Entretanto,

“isso não significa que a missão social pacificadora se dê por cumprida mediante o alcance de
decisões, quaisquer que sejam e desconsiderando o teor das decisões tomadas. Entra aqui a
relevância do valor justiça. Eliminar conflitos mediante critérios justos – eis o mais elevado escopo
social das atividades jurídicas do Estado”.43 Página 6
Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

Os escopos políticos da Jurisdição, por sua vez, se consubstanciariam sob três aspectos, a saber:

“Primeiro, afirmar a capacidade estatal de decidir imperativamente (poder), sem a qual ele mesmo se
sustentaria, nem teria como cumprir os fins que o legitimam, nem haveria razão de ser para o
ordenamento jurídico, projeção positivada do poder e de próprio; segundo, concretizar o culto do
valor liberdade, com isso limitando e fazendo observar os contornos do poder e do seu exercício,
para a dignidade dos indivíduos sobre os quais ele se exerce; finalmente, assegurar a participação
dos cidadãos, por si mesmos ou através de suas associações, no destino da sociedade política.”44

Não menos importante, o escopo jurídico se relacionaria ao papel do juiz em, por intermédio do
processo, fazer atuar a vontade concreta do direito.45 Trata-se da exigência que o processo garanta
uma justa composição da lide.46

Por fim, Dinamarco confere à instrumentalidade um duplo sentido: negativo e positivo. O primeiro
deles prestar-se-ia, em suma, a combater a um formalismo exacerbado, capaz de menosprezar o
caráter instrumental do processo. Assim, assemelha-se em grande medida à ideia de
instrumentalidade das formas.47 Por outro lado, o caráter positivo encontrar-se-ia intimamente ligado
à noção de efetividade processual, devendo o processo ser apto a cumprir integralmente todas as
suas funções sociais, políticos e jurídica, atingindo todos os seus escopos institucionais.48
3.2 Instrumentalidade do processo e ativismo judicial

No tópico anterior procuramos, da maneira mais fiel o possível, apresentar e sistematizar a teoria
instrumentalista do processo, exatamente nos termos propostos por Cândido Rangel Dinamarco, seu
idealizador.

Superada essa etapa, passaremos agora a demonstrar como (e em que medida) a corrente
instrumentalista do processo acaba apostando, ainda que sem o fazer expressamente, em condutas
ativistas, acarretando manifestos desserviços à vivência democrática.

Assim, para facilitar nosso trabalho, realizaremos a abordagem sob três frentes distintas. Passemos
a elas, então.
3.2.1 A falácia do “Juiz Antena”

Iniciaremos nossa empreita realizando um estudo crítico do modelo de juiz proposto pela teoria
instrumentalista. Isto, pois, já no primeiro capítulo de sua obra, Dinamarco deixa bem claro qual
papel deve ser confiado à magistratura na nova ordem constitucional-processual e, de tais
apontamentos, retira o fio condutor para todo o seu estudo. Parece haver uma aposta no mito do
bom governo dos Juízes, ou seja, na crença da Juristocracia como paradigma adequado para
superarmos nossas mazelas.49

Para o doutrinador, o juiz, inserido que é nas estruturas estatais do exercício do poder, seria o
legítimo canal de comunicação entre a sociedade e o mundo jurídico.50 A decisão/interpretação, sob
tal ótica, seria fruto das opções axiológicas predominantes da nação, conforme percebidas pelo
magistrado.51

Com efeito, o juiz seria o intérprete qualificado e legitimado a buscar cada um dos valores
predominantes na sociedade, descobrindo-lhes o significado e decidindo em conformidade aos
resultados dessa busca.52 Para os instrumentalistas “o juiz é membro da sociedade em que vive e
participa do seu acervo cultural e dos problemas que a envolvem, advindo daí as escolhas que,
através dele, a própria sociedade vem a fazer no processo.53”

Visualizamos, assim, uma extrema confiança dessa corrente doutrinária no potencial dos
magistrados, que deverão extrair as “legítimas expectativas” da sociedade, canalizando-as no
momento decisório. Para os instrumentalistas, o juiz seria um agente privilegiado que, inserido na
trama social, funcionaria como uma espécie de “antena”, apta a captar os anseios sociais
dominantes – as escolhas axiológicas da sociedade – construindo as suas decisões/interpretações
com base nos valores majoritários por ele “receptados”.

Trata-se de uma simplificação do ativismo apresentado e criticado por Garapon. Ele vislumbra a raiz
do ativismo na judicial discretion dos ingleses. Com efeito, o ativismo, que em nosso entendimento é
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Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

uma faceta da discricionariedade,54 ocorre quando a escolha do juiz é dependente do desejo de


acelerar ou travar alguma mudança social. Trata-se de decisão que não se pauta na legalidade
vigente, mas na convicção do julgador.55

Entretanto, o grande problema (e a grande inconsistência teórica do paradigma instrumentalista) é


que, conforme bem verifica Dierle Nunes, sociedades pluralistas e globalizadas, tal qual a brasileira,
dificilmente comportarão “referenciais estanques e predeterminados a serem seguidos ou
descobertos por qualquer um”.56 Com escoro em Habermas, explica com acerto o processualista
mineiro que:

“Já se pode perceber que atualmente a credulidade na existência de um ethos concreto e


universalmente vinculante de uma comunidade mais ou menos homogênea, principalmente num
cenário de pluralismo de concepções de mundo, seria uma ilusão da realidade, pois, em nossa
sociedade, percebe-se a ocorrência de um dissenso racional acerca dos standards de valor
fundamentais, impedindo que um sujeito solitário possa encontrar por si mesmo os valores dessa
comunidade.”57

A bem verdade, o próprio Dinamarco parece ser conhecedor dessa dificuldade. Isto, pois, partindo da
premissa de que o juiz também é membro da comunidade em que vive (e, portanto, é sujeito
conhecedor das necessidades e aspirações desta),58 o autor propõe que os “sentimentos axiológicos
comuns da sociedade” sejam buscados nas próprias convicções sócio-políticas do julgador:

“Examinar as provas, intuir o correto enquadramento jurídico e interpretar de modo correto os textos
legais à luz dos grandes princípios e das exigências sociais do tempo –, eis a grande tarefa do juiz,
ao sentenciar. Entram aí as convicções sócio-políticas do juiz, que hão de refletir as aspirações da
própria sociedade”59 (destaque nosso).

É dizer: a corrente instrumentalista preconiza a ideia de que o juiz seria capaz de canalizar os
anseios sociais e utilizá-los na construção da decisão judicial, mas, ante a dificuldade em se definir
(ou extrair) quais seriam esses sentimentos axiológicos dominantes em uma sociedade altamente
complexa como a nossa, o problema é relegado à convicção pessoal daquele que decide.60

Assim, para os instrumentalistas, ao fim e ao cabo, é a percepção de mundo do juiz o que importa. E,
nesse ponto, toda a situação se inverte: não sendo o juiz um “ser iluminado” e capaz de efetivamente
captar e aplicar os valores sociais dominantes, a solução seria contentar-nos com a aplicação dos
valores e convicções do próprio magistrado. Daí a falácia do “juiz antena” que, longe de ser um
captador e canalizador dos estímulos sociais, passa a ser um impositor das suas próprias ideologias
ao jurisdicionado. Longe de aplicar a vontade da sociedade, o juiz solipsista proposto pela teoria
instrumentalista passa a impor a sua vontade e as suas convicções à pluralidade social.61
3.2.2 Pacificação com justiça: Mas com qual justiça?

Conforme já abordado, uma das grandes apostas da teoria instrumentalista é a realização da justiça
por intermédio do processo. A necessidade de “eliminar conflitos mediante critérios justo” 62 constitui
um dos principais escopos processuais. Da mesma sorte, a “atuação concreta do Direito”, sob a ótica
instrumental, jamais deverá se distanciar do ideal de justiça.63

A preocupação com o elemento justiça, então, trata-se de uma constante dentro dessa corrente
teórica, sendo, inclusive, apontada como escopo síntese da atividade jurisdicional.64

A grande questão, entretanto, é que a teoria instrumentalista do processo, em nenhum momento,


efetivamente esclarece como chegaríamos à concepção de justiça, justo ou injusto. Ao longo de toda
obra de Dinamarco, por exemplo, não há qualquer referência ou opção por uma “Teoria da Justiça”
suficientemente capaz de conduzir (ou pelo menos clarificar) o trabalho do julgador na realização dos
escopos processuais.65 Muito pelo contrário, constantemente se fala em justiça (e muita importância
lhe é dada), mas pouco se dedica a essa complicada questão.

E a razão para tanto é simples: para os instrumentalistas, a percepção do valor justiça será fruto de
uma apreciação subjetiva do julgador. A aposta, sem dúvidas, é no solipsismo:

“Em suma: o juízo do bem e do mal das disposições com que a nação pretende ditar critérios para a
vida comum não pertencem ao juiz. Este pensa no caso concreto e cabe-lhe apenas, com sua
sensibilidade, buscar no sistema de direito positivo e nas razões que estão à base, a justiça do caso.
Página 8
Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

Tem liberdade para a opção entre duas soluções igualmente aceitáveis ante o texto legal,
cumprindo-lhe encaminhar-se pela que melhor satisfaça seu sentimento de justiça”66 (grifo nosso).

Notemos que até se reconhece que o juízo de bem e mal não pertenceria ao julgador, mas, todavia,
se aposta na sensibilidade e nos sentimentos deste para desvendar o que seria justo. Por
consequência, a noção de justiça, de justo e injusto, acaba delegada ao subjetivismo assujeitador
daquele que decide. A questão, mais uma vez, fica reduzida a vontade, as convicções e a
consciência do juiz.

Nesse contexto, sobre a questão, há tivemos a oportunidade de salientar que:

“Nessa mesma linha, tem ganhado força uma visão politicamente correta que pretende libertar o
julgador das amarras da lei da técnica, da Constituição, enfim, de todo o arcabouço normativo com a
finalidade de lhe permitir julgar conforme seu senso de justiça.

Essa visão politicamente correta do direito que ama a justiça, mas odeia a Constituição, busca
embasar sua posição no argumento pseudo-etimológico, afirmando que sentenciar vem de
sentimento.

Vale dizer, usa-se, na literatura jurídica pátria, atribuir a ‘sentença’ (derivado etimológico de ‘
sententia ’, e essa, do verbo ‘ sentio, –is, sensi, sensum, sentire ’) o significado originário de
“sentimento”. Trata-se, entretanto, de simplificação que não parece concorrer para um maior
esclarecimento do conceito jurídico atual (e mesmo antigo) do vocábulo”.67

Inexistindo consenso sobre o que é justo ou injusto, não há como acreditarmos na figura de um
sujeito solitário com acesso privilegiado ao ideal de justiça.68 Daí a pergunta com que se abre o
tópico: a qual justiça os instrumentalistas se referem? Se a aposta está na discricionariedade de
quem julga, muitas serão as justiças…
3.2.3 Escopos jurídicos, legislação democraticamente instituída, interpretação e escolhas

Até o presente ponto, já vimos que a teoria instrumentalista do processo (a) aposta em um juiz capaz
de captar e canalizar os anseios sociais dominantes no momento da decisão; e (b) muito se
preocupa com a realização de justiça por intermédio das decisões.

Entretanto, o grande problema é que, conforme já pontuamos, o modelo de juiz proposto por esta
corrente teórica se apresenta, à luz do Estado Democrático, bastante perigoso, confiando
demasiadamente das predisposições subjetivas do julgador.

Não por outra razão, quando discute o papel dos magistrados na realização do escopo jurídico do
processo, a proposta instrumentalista ganha ares ainda mais dramáticos.

Sobre a questão, o primeiro ponto que merece destaque refere-se à explícita aposta da
instrumentalidade na discricionariedade do julgador no momento da interpretação da lei. Para a
teoria em estudo o juiz teria “liberdade para a opção entre duas soluções igualmente aceitáveis ante
o texto legal, cumprindo-lhe encaminhar-se pela que melhor satisfaça seu sentimento de justiça.” 69 A
liberdade conferida ao julgador no momento interpretativo é total:

“Uma das principais características da função jurisdicional é a independência com que o juiz a
exerce, o que de um lado constitui fator muito favorável à dinâmica da Constituição e da lei, cujo
conteúdo se altera na medida das evoluções sociais havidas na consciência axiológica nacional (o
juiz independente não se aferra às linhas interpretativas da jurisprudência formada sob o império de
juízos valorativos superados) – e de outra parte é condição propícia a possível resistências a
“mudanças” operadas, porque o juiz independente, sendo conservador, terá sempre a legítima
possibilidade de liberar as suas próprias tendências e com isso repudiar as interpretações
progressistas.”70

Desta feita, sob a ótica instrumentalista, o ato de interpretação será sempre um ato solipsista,
conduzido pelo sentimento de justiça do magistrado e que, por consequência, se resume a um ato de
vontade daquele que decide. Ao julgador compete, literalmente, escolher a interpretação que lhe
pareça mais justa – retomamos: como se o sentido do texto pertencesse àquele que decide e como
se esse pudesse livremente dispor do sentido daquele.
Página 9
Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

Mas, a situação fica ainda pior. Diz Dinamarco que o escopo jurídico “sendo o mais superficial e
menos significativo cede passo a considerações de outra ordem, ligados ao campo político e ao
social”.71 Com efeito, o juiz, portando o sentimento axiológico dominante da sociedade e o seu senso
de justiça, estaria autorizado a qualquer coisa, inclusive a se sobrepor a lei democraticamente
instituída. Verifiquemos:

“Em caso de formar-se um valo entre o texto da lei e os sentimentos da nação, muito profundo e
insuperável, perde legitimidade a lei e isso cria clima para a legitimação das sentenças que se
afastem do que ela em sua criação veio ditar.”72

A teoria instrumentalista aposta nos juízes, isso é evidente. Caberia a estes a correção de todas as
mazelas sociais, mesmo que para isso ponha-se necessário ignorar ou negar vigência a uma lei
democraticamente instituída. Problema algum haveria em tal fato, desde que justiça fosse feita:

“Se o resultado do processo se afastou dos desígnios do direito substancial, nada de mau ou muito
significativo reside nisso, desde que o escopo social de pacificação haja sido atingido; melhor ainda
se foi feita pacificação com justiça.”73

O total desapego da teoria instrumentalista à lei democraticamente posta é tão evidente que
chega-se a sustentar a possibilidade de uma “avançada tomada de posições pelos juízos e tribunais,
em antecipação a modificações de que o legislador ainda se faz devedor.”74

É dizer: sob a ótica instrumentalista, o sentimento de justiça e a subjetividade do julgador teria mais
valor do que o processo legislativo-democrático. Verificando o juiz que a lei não mais se adéqua
àquilo que entende corresponder aos anseios sociais, estaria ele autorizado a se adiantar ao
legislador, substituindo a lei por um ato de vontade seu.75

Nesse ponto, reafirmamos nossa convicção no sentido de que: “Estado Constitucional, não se aplica
a lei conforme se acha mais justo ou de acordo com o sentimento do intérprete. Pelo contrário, a lei
deve ser interpretada em máxima conformidade com a Constituição e toda a principiologia que lhe é
subjacente. Essa postura de decidir de forma sentimental é uma espécie de neo-direito-alternativo,
que pode justificar qualquer ideologia ou uso estratégico da atividade jurisdicional, tornando-se a
faceta mais perigosa de nosso ativismo judicial, uma vez que ela vem travestida por uma carapuça
de candura e bondade”.76

Em síntese, perante um paradigma instrumentalista do processo, não se reúnem parâmetros


mínimos para se estruturar e teorizar uma teoria da decisão judicial.

Assim, ao final, a opinião do magistrado valeria mais do que a lei exalada pelo parlamento,
democraticamente eleito. Os prejuízos democráticos desse tipo de posicionamento são manifestos e,
não por outra razão, finalizamos o tópico com a pertinente indagação lançada por Chiristopher Wolfe:
“why prefer the potentially minoritarian judicial process to the ordinary political process?”.
4. Anotações conclusivas

Procuramos com o presente trabalho demonstrar que a corrente instrumentalista do processo,


profundamente arraigada no imaginário dos juristas brasileiros, traz em seu bojo traços
manifestamente ativistas e, assim, merece ser repensada.

A doutrina processual brasileira, sem sombra de dúvidas, já detectou que o sistema está doente e,
nos últimos anos, vem dedicando muita energia na busca por respostas processuais que, ao menos
em tese, garantam isonomia, segurança jurídica e previsibilidade no trato jurídico.

Isto, pois, vivemos no Brasil um momento de verdadeiro caos e incerteza dentro do nosso judiciário,
onde o êxito ou o fracasso de uma demanda pauta-se numa lógica muito mais lotérica do que
jurídica. É lugar comum em nossos tribunais (inclusive em nossas Cortes Superiores) a existência de
diversos posicionamentos conflitantes para questões equivalentes, bem como um total
descompromisso de nossa magistratura não só com as decisões pretéritas, mas também com a
própria lei.

Ocorre que, como a essa altura de nossa explanação deve ser dedutível, as posturas ativistas
estimuladas pela teoria instrumentalista do processo, sem sombra de dúvidas, detém elevada
Página 10
Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

responsabilidade nesse contexto. Não existe como almejarmos coerência interna em um sistema
onde são toleradas (e, ainda pior, doutrinariamente estimuladas) decisões baseadas na vontade,
ideologia e no “senso de justiça” de cada magistrado. Se apostamos no subjetivismo, como
esperarmos igualdade, segurança jurídica ou previsibilidade?

Nesse ponto, não são necessárias grandes digressões filosóficas (e nem precisaríamos, já que a
prática nos demonstra isso) para chegarmos a conclusão que, enquanto apostarmos na
discricionariedade, as “respostas justas” encontradas por um juiz com predisposições liberais serão
diametralmente opostas àquelas “respostas justas” encontradas por um juiz com predisposições
socialistas. Todos os dias são exaladas diferentes decisões para casos semelhantes, e por quê?
Porque a maioria dos julgadores acredita que o seu dever é decidir conforme o seu senso justiça,
conforme a sua consciência.

Na busca por soluções para o problema, a grande e atual aposta da ciência processual vem sendo o
estudo de técnicas processuais de vinculação a precedentes. O problema é que estamos tão afoitos
na busca por uma jurisprudência estável e coerente que acabamos não percebendo que, em
verdade, considerável parcela de culpa pela situação de caos instalada deve-se a algumas crenças
enraizadas (e raramente colocadas em xeque) no âmago de nossa própria ciência.

Aqui, devemos deixar claro que não estamos negando a importância e a necessidade de uma correta
utilização de precedentes na construção das decisões judiciais. Até mesmo porque, conforme bem
demonstra Maurício Ramirez, a utilização de precedentes pode se mostrar um valioso instrumento
anti-solipsista.77

O que queremos dizer, sim, é que não podemos simplesmente “remediar” o problema, sem também
detectar e atacar as suas causas. E, sem dúvidas, o ativismo judicial (amplamente estimulado pelo
corrente instrumentalista do processo) se encontra no cerne de toda essa problemática, merecendo
atenção.

Enquanto não combatermos o imaginário de que a interpretação é uma questão de escolha, de


vontade, de que adianta falarmos em precedentes? Ou será que precedentes fixados com base em
posturas ativistas por parte das Cortes Superiores, resolverão todo problema? É dizer: a definição do
que é o Direito dependerá da vontade, das convicções e das ideologias de alguns ministros sem
qualquer credencial democrática? Ao fim e ao cabo, não estaríamos reduzindo o Direito ao “senso de
justiça” dos nossos julgadores?

Enquanto processualistas, não podemos nos limitar a meros estudos tecnicistas. Devemos ir além e
também identificarmos as fontes do problema, mormente se latente no bojo da nossa própria ciência.

Daí a importância do presente trabalho, onde, sem qualquer pretensão de esgotar o assunto,
tentamos demonstrar que o paradigma instrumentalista do processo, e de evidente influência no
cenário jurídico nacional, conduz a posturas discricionárias e ativistas e, assim, merece ser
repensado.
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1 ZIMMERMANN, Augusto. How Brazilian Judges Undermine the Rule of Law: A Critical Appraisal.
International Trade and Business Law Review. vol. 11. p. 179-217. 2008.

2 Diz Kmiec: “Ironicamente, quanto mais corriqueiro se tornou o uso do termo, mais nebuloso
tornou-se seu significado. Isto é assim porque ‘ativismo judicial’ se define em um sem número de
diferentes, e até mesmo contraditórias, formas; estudiosos e juízes reconhecem este problema, mas
ainda persistem em falar sobre o conceito sem defini-lo. Por conseguinte, o problema continua
inabalável: as pessoas falam de coisas diferentes como se fossem uma única, usando a mesma
linguagem para transmitir conceitos muito diferentes. (…) O termo sempre incorporou uma variedade
de diferentes significados, e é imperativo que aqueles que o utilizem expliquem qual o significado
que pretendem lhe empregar”. No original: “Ironically, as the term has become more commonplace,
its meaning has become increasingly unclear. This is so because ‘judicial activism’ is defined in a
number of disparate, even contradictory, ways; scholars and judges recognize this problem, yet
persist in speaking about the concept without defining it. Thus, the problem continues unabated:
people talk past one another, using the same language to convey very different concepts. (…)The
term has always embodied a variety of concepts, and it is imperative that speakers explain which
meaning they seek to employ”. KMIEC, Keenan D. The origin and the current meaning of “judicial
activism”. California Law Review. vol. 92. n. 5. p. 1441-1477. 2004. Disponível em:
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3 TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e
decisão política. Rev. Direito GV [on-line]. vol. 8. n. 1. p. 37-57. 2012. Disponível em:
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4 WOLFE, Christopher. Judicial activism: bulwark of freedom or precarious security? New York:
Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 1997.

5 Idem, p. 2.

6 Para compreensão desse paralelo ver: ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e


judicial: o ato administrativo e a decisão judicial. São Paulo: Ed. RT, 2014, item 3.7, p. 423 et seq.

7 WOLFE, Christopher. Op. cit., 1997, p. 11.

8 Idem, 1997, p. 14. No original: “Only when clear incompatibility with the Constitution existed would
the judges declare a law void.”

9 Idem, 1997, p. 17. No original: “The judicial review of that era is distinctive because subsequent
eras saw the emergence of different ways of interpreting the Constitution. Above all, interpretation
became a process of creating new meaning, rather than of ascertaining and enforcing an already
existing constitutional meaning.”

10 Idem, 1997, p. 18.

11 Idem, 1997, p. 18.

12 Idem, 1997, p. 19. Página 13


Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

13 Idem, 1997, p. 26.

14 Idem, 1997, p. 26

15 Idem, 1997, p. 2.

16 Idem, 1997, p. 26.

17 Aqui, uma advertência se mostra essencial: não estamos aqui a sustentar que, tal qual
pensava-se na “tradicional era” norte-americana, a lei possui um único e predefinido sentido, já
entregue de antemão pelo legislador ou pelo constituinte.

18 Sobre o tema, ver: MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Ed. RT, 2008;
MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito. Introdução à teoria e metódica estruturante do
direito. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013; ABBOUD, G. Op. cit., 2014.

19 Isto, pois, conforme expõe Wolfe, tudo aquilo que se aplica para a interpretação constitucional e à
judicial review, aplica-se, mutatis mutandis, também a interpretação de qualquer lei ou estatuto, por
qualquer tribunal que seja. Wolfe, op. cit., 1997, p.32.

20 Contexto em que, conforme Streck, “a lei – aprovada democraticamente – perde(rá) (mais e mais)
espaço diante daquilo que ‘o juiz pensa da lei’”. STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme
minha consciência? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 30.

21 STRECK, Lenio Luiz. As recepções teóricas inadequadas em terrae brasilis. Revista de Direitos
Fundamentais e Democracia. vol. 10. n. 10. p. 30. Curitiba, jul.-dez. 2011.

22 Nesse sentido, diz Robert French: “Expressions of concern about judicial activism must rest on
some assumptions about what is the normal and proper function of a judge. The term ‘activist’ must
then be taken to refer to some departure from that norm in a way that gives useful meaning to the
adjective”. FRENCH, Robert. Judicial Activists – Mythical Monsters? Southern Cross University Law
Review. 12. 2008, p. 59.

23 Nesse sentido, Rodrigo de Souza Tavares, José Ribas Vieira e Vanice Regina Lírio do Valle
também entendem o ativismo enquanto uma “recusa dos tribunais de manterem-se dentro dos limites
jurisdicionais estabelecidos para o exercício de seus poderes”. TAVARES, Rodrigo de Souza;
VIEIRA, José Ribas; DO VALLE, Vanice Regina Lírio. Ativismo jurisdicional e Supremo Tribunal
Federal. Anais do XVII Congresso Nacional do Conpedi, Brasília, 2008.

24 Em tradução livre: “O ativismo se caracteriza pela falha das Cortes em agir enquanto judiciário.
Não existe uma exata definição do que signifique agir enquanto judiciário, mas existem alguns
parâmetros para tal. O judiciário precisa se utilizar de ‘aceitáveis métodos interpretativos’. Isto
significa que ele precisa interpretar os textos de uma maneira razoável, não distorcendo o seu
significado para atingir um fim especial. Uma aceitável metodologia jurídica também exige fidelidade
aos precedentes e coerência com as decisões anteriores. Embora este modelo legal de julgar
dificilmente seja simplesmente ‘captado’, ele exige decisões de acordo com elementos de Direito
externos, não preferências internas do juiz. O oposto de agir enquanto judiciário é normalmente
chamado de decisões orientadas pelo seu resultado. A principal razão pela qual juízes não atuam
enquanto judiciário e, sim, engajam-se em um inapropriado ativismo judicial, se dá para fazer valer
os resultados que mais lhe agradam.” CROSS, Frank; LINDQUIST, Stefanie. The scientific study of
judicial activism. Minnesota Law Review, Forthcoming; Vanderbilt Law and Economics Research
Paper, n. 06-23; Univeristy of Texas Law, Law and Economics Research Paper, n. 93.

25 Entretanto, devemos compreender que o ativismo não se confunde com um erro ou um equívoco
do julgador: equívocos pressupõem a existência de boa-fé, e o ativismo judicial refere-se a uma
“deliberada imposição das próprias preferências do julgador. Nesse sentido, diz French que:
“Activism is more than error, and the next step is thus to argue that the error is so blatant that it
cannot be a good faith mistake; it must be the deliberate imposition of the judge’s own preferences in
defiance of the Constitution”. FRENCH, op. cit., 2008, p. 61.
Página 14
Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

26 Não por outro motivo, Clarissa Tassinari conceitua o ativismo judicial como “uma postura ou um
comportamento de juízes e tribunais, que, através de um ato de vontade, isto é, de um critério não
jurídico, proferem seus julgamentos, extrapolando os limites de sua atuação”. TASSINARI, Clarissa.
Ativismo judicial uma análise da atuação do Judiciário nas experiências brasileira e norte-americana.
Dissertação. São Leopoldo, 2011.

27 “Um juiz ou tribunal pratica ativismo quando decide a partir de argumentos de política, de moral,
enfim, quando o direito é substituído pelas convicções pessoais de cada magistrado (ou de um
conjunto de magistrados)”. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e
teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 598.

28 Sobre o tema, em outra oportunidade: “Em suma, ativismo, em termos brasileiros, deve ser
considerado o pronunciamento judicial que substitui a legalidade vigente pelas convicções. Daí
nossa crítica à discricionariedade judicial, uma vez que, é por meio dela que atualmente se legitima a
utilização das convicções pessoais do julgador em vez das fontes normativas.” ABBOUD, Georges.
Op. cit., 2014.

29 Nesse sentido, vale consignar a lição de Geoffrey R. Stone: “It is often assumed that liberals like
judicial activism and conservatives like judicial restraint. It is not so simple. For one thing, judicial
activism and judicial restraint do not necessarily correlate with liberal and conservative outcomes. For
example, on such questions as the constitutionality of affirmative action, regulations of commercial
advertising, gun control laws, and campaign finance regulation, judicial restraint would lead to
politically ‘liberal’ results, and judicial activism would produce politically ‘conservative’ results. Not
surprisingly then, at some times in our history, judicial activism has been embraced by conservatives
and criticized by liberals, and at other times, judicial activism has been embraced by liberals and
criticized by conservatives.” STONE, Geoffrey R. Citizens United and Conservative Judicial Activism.
Illinois Law Review. 485. 2012.

30 Sobre o caso, explica Streck que: “o art. 212, alterado em 2008, passou a conter a determinação
de que ‘as perguntas serão formuladas pelas partes, diretamente à testemunha, não admitindo o juiz
aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na
repetição de outra já respondida.’ No parágrafo único fica claro que ‘sobre pontos não esclarecidos, é
lícito ao magistrado complementar a inquirição’ Consequentemente, parece evidente que,
respeitados os limites semânticos do que quer dizer cada expressão jurídica posta pelo legislador,
houve uma alteração substancial no modo de produção da prova testemunhal. Repito: isso até nem
decorre somente do ‘texto em si’, mas de toda a história institucional que o envolve, marcada pela
opção do constituinte pelo modelo acusatório. Por isso, é extremamente preocupante que setores da
comunidade jurídica de terrae brasilis, por vezes tão arraigados aos textos legais, neste caso
específico ignorem até mesmo a semanticidade mínima que sustenta a alteração. Daí a minha
indagação: em nome de que e com base em que é possível ignorar ou ‘passar por cima’ de uma
inovação legislativa aprovada democraticamente? É possível fazer isso sem lançar mão da jurisdição
constitucional?” STRECK, Lenio Luiz. Aplicar a letra da lei é uma atitude positivista? Revista Novos
Estudos Jurídicos –Eletrônica. vol. 15. n. 1. p. 158-173. jan.-abr. 2010. Disponível em:
[www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/2308]. Acesso em: 28.01.2011.

31 ABBOUD, Georges, op. cit.,2014, p. 421.

32 WOLFE, op. cit., 1997, p 2.

33 “The critique of judicial activism essentially challenges this sincerity and claims that justices are
simply imposing their political preferences on society, without electoral accountability or fidelity to the
Constitution.” CROSS; LINDQUIST. op. cit.

34 Sobre o tema, ver: TUSHNET, Mark. Democracy versus judicial review. Dissent Magazine, spring,
2005. Disponível em: [www.dissentmagazine.org/article/?article=248].

35 Por opção, utilizamos nesse trabalho, justamente, a primeira edição da obra, que hoje já se
encontra em sua 15.ª edição (2013).
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Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

36 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Ed. RT, 1987, p. 10.

37 “A preponderância metodológica da jurisdição, ao contrário do que se passa com a preferência


pela ação ou pelo processo, corresponde à preconizada visão publicista do sistema, como
instrumento do Estado, que ele usa para o cumprimento de objetivos seus. (…) O que justifica a
própria ordem processual como um todo é a sua função de proporcionar ao Estado meios para o
cumprimento de seus próprios fins, sendo que é mediante o exercício do poder que estes são
perseguidos (e a ação, a defesa e o processo constituem o contorno da disciplina da jurisdição).”
Idem, 1987, p. 111.

38 “Preestabelecidos os fins do Estado, ele não dispensa o poder para caminhar na direção deles; e,
precisando exercer o poder, precisa também o Estado-de-direito estabelecer as regras pertinentes,
seja para endereçar com isso a conduta dos seus numerosos agentes (no caso, os juízes), seja para
ditar condições limites e formas de exercício do poder. Em torno deste, portanto (no caso, em torno
da jurisdição), é que gravitam os demais institutos do direito processual e sua disciplina.” Idem, 1987,
p. 105.

39 “O aspecto dinâmico do poder, portanto, para o processualista não é o poder (jurisdição), mas o
meio de seu exercício (processo)”. Idem, 1987, p. 159.

40 “É vaga e pouco acrescenta ao conhecimento do processo a usual afirmação de que ele é um


instrumento, enquanto não acompanhada da indicação dos objetivos a serem alcançados mediante o
seu emprego. Todo instrumento, como tal, é meio; e todo meio só é tal e se legitima, em função dos
fins a que se destina. O raciocínio teleológico há de incluir então, necessariamente, a fixação dos
escopos do processo, ou seja, dos propósitos norteadores da sua instituição e das condutas dos
agentes estatais que o utilizam. Assim é que se poderá conferir um conteúdo substancial a essa
usual assertiva da doutrina, mediante a investigação do escopo, ou escopos em razão dos quais
toda ordem jurídica inclui um sistema processual”. Idem, 1987.

41 Idem, 1987, p. 207.

42 Idem, 1987, p. 223.

43 Idem, 1987, p. 224.

44 Idem, 1987, p. 234.

45 Idem, 1987, p. 447.

46 Idem, 1987, p. 302.

47 Idem, 1987, p. 382-383.

48 Idem, 1987, p. 385.

49 Essa aposta já existiu em outros sistemas e foi fortemente criticada. Sobre tema, ver: HIRSCHL,
Ran. Towards juristocracy. The origins and consequences of the new constitutionalism. Cambridge:
Harvard University Press, 2007. Há também textos traduzidos para o português e publicados
recentemente na Revista de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas: Ran HIRSCHL. O
novo constitucionalismo e a judicialização da política pura no mundo, In: Revista de Direito
Administrativo, n. 251, maio/agosto de 2009, p. 139-175.

50 DINAMARCO, op. cit., 1987, p. 49.

51 Idem, 1987, p. 51.

52 Idem, 1987, p. 50.

53 Idem, 1987, p. 42.


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Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

54 ABBOUD, Georges. Op. cit., 2014, passim.

55 GARAPON, Antonie. Guardador de promessas. Lisboa: Piaget, 1996. p. 54.

56 NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas
processuais. Curitiba: Juruá, 2008, p. 45.

57 Idem, 2008, p. 48

58 DINAMARCO; op. cit., 1987, p. 42.

59 Idem, 1987, p. 274.

60 Para uma melhor compreensão das origens e crítica ao modelo de magistrado adotado pela
corrente instrumentalista do processo ver: LEAL, André Cordeiro. Instrumentalidade do processo em
crise. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008.

61 Também criticando a posição conferida ao magistrado no âmago da teoria instrumentalista do


processo e seus riscos a democracia, Rafael Tomas de Oliveira e Georges Abboud: “Assim, a
instrumentalidade do processo, uma vez confrontada com o modelo estatalista, descrito por
Fioravanti nos permite atentar para três coisas: (1) De como a jurisdição como categoria central da
teoria geral do processo concentra na figura do juiz todas as atenções. Essa concentração de
atenções, paradoxalmente, ao invés de limitá-lo em sua atividade, amplia demasiadamente seus
poderes, caindo num relativismo próprio da filosofia da consciência; (2) De como esse tipo de teoria
separa radicalmente Estado e indivíduo e reitera uma relação de sujeição deste para com aquele; (3)
Como há riscos democráticos para a figuração do processo nos postulados da instrumentalidade,
posto que nos vemos dentro das teorias positivistas mais puras em que os cidadãos ao invés de
titulares de direitos, recebem apenas a sujeição de deveres impostos pelo Estado.” ABBOUD,
Georges; OLIVEIRA, Rafael Tomas de. O dito e o não-dito sobre a instrumentalidade do processo:
críticas e projeções a partir de uma exploração hermenêutica da teoria processual. Revista de
Processo. vol. 166. São Paulo: Ed. RT, 2008.

62 DINAMARCO; op. cit., 1987, p. 224.

63 Idem, 1987, p. 309.

64 Diz Dinamarco: “Pela visão tradicional de justiça e do processo, à moda do Estado liberal
oitocentista e da processualística das primeiras décadas deste século, no fazer cumprir a lei
exauria-se a ideia de promover justiça mediante exercício da jurisdição; e o processo achava-se já
então dissociado do pensamento social do tempo, mas a mais autorizada voz doutrinária, presa
daquele espírito conservador que despia o sistema processual de qualquer vestimenta ideológica (o
neutralismo ideológico), encarava a situação com surpreendente fatalismo, ao preconizar que se
procurasse ‘na própria natureza do processo a causa primeira do distanciamento entre as normas
processuais e a vida, da sua refratariedade a assumir o espírito do tempo’. O que mudou de lá para
cá, na mentalidade do processualista, foi a sua atitude em face das pressões externas sofridas pelo
sistema processual: ele quer que o processo se ofereça à população e se realize e se enderece a
resultados jurídico-substanciais, sempre na medida e pelos modos e mediante as escolhas que
melhor convenham à realização dos objetivos eleitos pela sociedade política. Como escopo-síntese
da jurisdição no plano social, pode-se então indicar a justiça, que é afinal expressão do próprio bem
comum.”(grifo nosso) Idem, 1987, p. 216.

65 E de toda sorte, conforme bem pontua Calmon de Passos: “Nenhuma teoria da justiça elaborada
até hoje foi satisfatória. Nem as de bases jusnaturalista, nem as de bases pragmáticas. Nem Del
Vecchio nem Rawls. Agnes Heller em seu livro Beyound justice, que a Civilização brasileira editou
com o título Além da justiça, analisa um conceito formal, um conceito ético-político, um conceito de
justiça dinâmica, um conceito sócio-político e conclui por afirmar que a resposta está além da justiça
– numa vida boa que pede uma pessoa correta. Mas essa pessoa correta é algo não
institucionalizável. Um ethos, não uma solução. Faz-me recordar a “boa vinda humana da multidão”,
preconizada por Maritian. Carecemos, no entanto, de instrumentos para objetivamente definirmos e
determinarmos o justo. Será sempre a avaliação de alguém.” CALMON DE PASSOS, José Joaquim.
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Ativismo judicial e instrumentalidade do processo

Revisitando o direito, o poder, a justiça e o processo. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 50.

66 DINAMARCO; op. cit., 1987, p. 280.

67 ABBOUD, Georges. Op. cit., 2014, p. 459-460.

68 NUNES; op. cit., 2008, p. 49.

69 DINAMARCO, op. cit., 1987, p. 280.

70 Idem, 1987, p. 52.

71 Idem, 1987, p. 289.

72 Idem, 1987, p. 279.

73 Idem, 1987, p. 289.

74 Idem, 1987, p. 279.

75 Nesse ponto uma ressalva coloca-se fundamental: não estamos aqui afirmando que os juízes
estejam vinculados à legalidade estrita ou adstritos a “letra fria lei”. O que asseveramos, sim, é que o
texto jamais poderá ser afastado pela vontade do julgador, salvo se inconstitucional. Esse é o ônus
de se viver em Estado Democrático. Sobre o tema, ver: STRECK, Lenio Luiz. Op. cit., 2010; e
ABBOUD, Georges. Op. cit., 2014.

76 ABBOUD, Georges. Op. cit., 2014, p. 460

77 RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2010.

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