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LEITURA RECOMENDADA: Capítulo 1 (Parte 1) do livro: YANAZE,

M.H..GESTÃO DE MARKETING E COMUNICAÇÃO: AVANÇOS E


APLICAÇÕES”, Editora Saraiva, São Paulo, 2011.

Capítulo 1 : Marketing: Conceitos e Preconceitos


 Conceituação de Marketing
 Usos Indevidos do Termo Marketing
 Usos Adequados do Termo Marketing
 Marketing e Consumo Como Realidades da Cultura
 Desdobramentos da Oposição: Academia versus Mercado
 Marketing versus Comunicação

Conceituação de Marketing

Marketing pode ser entendido como a definição e o conhecimento de um


determinado produto ou serviço e a forma como eles são elaborados e colocados no
mercado. Portanto, marketing nada mais é que o planejamento adequado da relação produto
—mercado.

Assim, atualmente, quando falamos em marketing, estamos pensando nas estratégias


implementadas por uma empresa para a colocação de um determinado produto ou serviço
no mercado, com o objetivo de atender e satisfazer às demandas e necessidades de seu
público-alvo, identificado como cliente. Ao mesmo tempo que procura focar suas ações no
mercado, o marketing, como forma de gestão empresarial, pressupõe um compromisso de
investimentos internos e externos e a previsão de seu conseqüente retorno.

A American Marketing Association (AMA), a mais antiga associação de profissionais


e pesquisadores ligados à atividade, assim define marketing:

Marketing é o processo de planejar e executar a concepção, estabelecimento de


preço, promoção e distribuição de idéias, bens e serviços, para criar trocas que
satisfaçam objetivos individuais e organizacionais (AMA, 2004) .

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Na prática, essa relação é um pouco mais complexa, pois nem sempre as
organizações conseguem definir com clareza os produtos que oferecem ou mesmo definir e
conhecer o mercado em que atuam.

Nas organizações, sejam com ou sem fins lucrativos, a presença e a necessidade do


marketing é bem evidente. Não há organização que não tenha um produto ou serviço a ser
oferecido a um mercado. Indústrias, lojas, prefeituras, governos estaduais e federais,
autarquias, instituições de ensino, ONGs, clubes, partidos políticos e seitas, todos possuem
produtos e ou serviços para serem direcionados a mercados e a públicos-alvo específicos.
Essa simples constatação já pressupõe a necessidade de as organizações implementarem os
conceitos de marketing para traçar e alcançar seus objetivos.

Por outro lado, por ter se tornado uma necessidade comum, a busca incessante de
novas estratégias de marketing para potencialização dos próprios negócios leva a muitos
equívocos, a generalizações e a deformações conceituais. Uma breve revisão dos conceitos
e de suas transformações ao longo de sua ainda breve história torna-se, portanto, necessária.

Antes dessa revisão, entretanto, consideramos oportuno sinalizar e desfazer alguns


dos equívocos de conceito e usos indevidos que se generalizaram na prática comum.

Usos Indevidos do Termo Marketing

Atualmente, o termo marketing está bastante desgastado. Não só por seu uso
generalizado, mas principalmente por seu uso inadequado, denominando as mais variadas
atividades.

A mais comum é chamar vendas de marketing, e tentar sofisticar venda direta ou


por telefone com as expressões marketing direto e telemarketing. Na verdade, vendas é
apenas uma das ações em uma cadeia muito mais ampla da estratégia de marketing. Outras
dessas designações impróprias surgiram de expressões forjadas por autores em busca de
originalidade e de efeito mobilizador de compra de seus livros, apresentando-as como
novidade ou como ‘a última palavra na área’.

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Com freqüência, tais expressões passam a ser utilizadas de forma bastante
estereotipada e até distante de sua intenção original.

Muitos destes termos são cotidianamente utilizados no mundo dos negócios:


marketing de guerra, marketing pessoal, endomarketing, telemarketing, marketing direto,
marketing cultural, marketing de relacionamento, marketing promocional, marketing viral,
marketing digital, marketing político, marketing esportivo, entre outros. Com o uso
indiscriminado, observa-se a consagração e a banalização de termos e expressões que
incluem tanto os inevitáveis erros de adjetivação de uma simples ação parcial de marketing
quanto os equívocos que identificam atividades de comunicação como se fossem atividades
de marketing. Vejamos alguns exemplos.

Marketing esportivo

Qual é o objetivo da Parmalat: vender derivados de leite ou jogos de futebol?


Muitos acreditavam que a Parmalat realizava marketing esportivo, na época em que
patrocinava o time de futebol Palmeiras, quando, na realidade, ela fazia e faz marketing de
alimentos. O patrocínio esportivo era apenas mais uma ferramenta de comunicação
utilizada para apoiar seu marketing de produtos, pois admitia que o ambiente esportivo era
favorável para aproximar-se do público que lhe interessava. Como o esporte não se
constituía no produto final oferecido ao mercado, quando as dificuldades financeiras se
avolumaram, a Parmalat interrompeu o patrocínio. Marketing esportivo é praticado por
empresas como a Traffic, que têm o esporte como produto final. Marketing esportivo é
desenvolvido em causa própria por promotores de eventos esportivos, clubes, academias e
escolas de diferentes modalidades, empresas que vendem material esportivo, organizadores
de torneios, como a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), os Comitês Olímpicos, a
Federação Internacional de Futebol (FIFA), entre outros. Os atletas e preparadores físicos
também fazem parte do marketing esportivo (veja o Capítulo 26).

Marketing cultural

Outra confusão bastante comum é a relacionada ao chamado marketing cultural.

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Dizemos que determinado banco realiza marketing cultural porque mantém ou
patrocina casas de espetáculos, galerias, exposições. Na realidade, o negócio principal dos
bancos é fazer marketing dos produtos bancários e financeiros, que são a razão de sua
existência. O que esse banco faz ao patrocinar atividades culturais é utilizar produtos
culturais — peças de teatro, cinema, shows — como meios de comunicação de sua marca e
de seus próprios produtos. A menção de sua marca como patrocinadora na divulgação de
um evento cultural é apenas uma forma privilegiada de comunicação com seu público-alvo.

Diferentemente, uma Fundação criada com o objetivo de promover a cultura, como


a Itaú Cultural, passa a desenvolver seu próprio marketing cultural porque seu principal
objetivo agora é a colocação de produtos culturais. A instituição financeira Itaú, no
entanto, continua sendo, em seus fundamentos, uma instituição financeira com seus
esforços de vender seus produtos e serviços. Essas diferenciações correspondem, em parte,
à definição dada para marketing cultural por Gil Vaz (1995, p. 217), entendendo-o,
genericamente, como “o conjunto das ações de marketing utilizadas no desenvolvimento de
um projeto cultural”, aplicadas tanto em relação aos objetivos e critérios que orientam a
concessão de fundos quanto aos procedimentos para a arrecadação de recursos.

Por isso, quando se menciona marketing cultural, deve-se, em primeiro lugar,


identificar o setor de atuação da empresa que está utilizando produtos ou eventos culturais
para o desenvolvimento de seus negócios. Um banco tem como objetivos de negócio
promover a abertura de conta bancária, incentivar aplicações e financiamentos, vender
seguros etc., e, em torno deles, pratica seu marketing. Por outro lado, quando investe em
cultura como um canal de disseminação de sua marca e de seus produtos, ele está
desenvolvendo apenas uma das ações de seu Plano de Comunicação, que é uma das partes
estratégicas do seu Plano de Marketing.

Marketing cultural, na acepção correta da expressão, é o conjunto de ações de


marketing que são praticadas por entidades, cuja finalidade principal é criar e distribuir
produtos exclusivamente culturais, utilizando recursos próprios ou dotações, doações e
patrocínios de terceiros (veja o Capítulo 24).

Muitas vezes, ainda em um âmbito bastante próximo das confusões em torno da


idéia de marketing cultural, também são utilizadas erroneamente expressões como

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marketing institucional, marketing social, marketing de responsabilidade e outras, para dar
nome a campanhas de utilidade pública ou voltadas para causas sociais, promovidas ou
apoiadas por uma ou mais empresas, como as de prevenção à aids, as antidrogas e as de
apoio a instituições carentes. É também o caso de empresas, sindicatos e associações que
promovem campanhas sobre categorias de produtos, como as de esclarecimento sobre a
importância do consumo do leite ou do café brasileiro, sem fazer alusão diretamente a uma
determinada marca.

Alguns autores definem marketing institucional ou marketing corporativo (do inglês


corporate marketing) sempre que uma organização se volta para atividades que visem
construir ou consolidar uma imagem corporativa positiva com seu público, transcendendo,
assim, ao próprio produto ou serviço que oferecem.

Nesse sentido, o apoio ao esporte, à cultura, à ecologia, ao meio ambiente e às ações


sociais pode ser entendido hoje como um importante diferencial para manter a
competitividade, de uma maneira até mais eficaz que as tradicionais estratégias centradas
em publicização de produtos e serviços, principalmente se considerarmos um mundo de
horizontes mercadológicos cada vez mais amplos e diversificados, o que, em contrapartida,
faz com que a vida de uma corporação centrada em seus próprios produtos e serviços se
torne cada vez mais curta.

Entendemos que a construção de uma imagem positiva é um aspecto do marketing


empresarial e é objetivo das atividades de Relações Públicas que, por sua vez, devem estar
sempre em sintonia com as ações publicitárias e promocionais da empresa, fortalecendo o
conceito de Comunicação Integrada de Marketing, previsto no Plano Geral de Marketing.

Usos Adequados do Termo Marketing

Duas expressões que contêm a palavra marketing contribuem efetivamente para a


compreensão das inúmeras possibilidades de ampliação coerente e adequada de seu uso
estratégico: marketing reverso e demarketing.

Marketing reverso

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Marketing reverso refere-se à gestão estratégica visando o mercado fornecedor. O
enunciado “só vende bem quem compra bem” faz parte do ideário do meio comercial, mas
também se constitui verdade em qualquer situação empresarial: uma escola só pode vender
bons cursos quando consegue atrair bons professores; uma indústria consegue bons
contratos quando obtém de seus fornecedores boa matéria-prima e uma organização não
governamental só consegue prestar bons serviços à comunidade quando é respaldada por
parceiros e patrocinadores comprometidos com suas causas.

Assim, a empresa não deve mobilizar-se apenas no sentido de conhecer seu mercado
comprador, mas deve preocupar-se também em identificar, selecionar, monitorar, persuadir,
motivar e estabelecer relações profícuas com seu mercado fornecedor.

É necessário ressaltar que a coerência do uso do termo marketing está no fato de que
na adequada abordagem do mercado fornecedor de recursos necessários à empresa, ou seja,
créditos financeiros, mão-de-obra, materiais, informações e tecnologia, devem ser
efetivamente considerados também os resultados exteriores da atividade da empresa —
produto, preço, distribuição e comunicação.

No que se refere ao produto, a empresa compradora deve fortalecer nas empresas


fornecedoras a convicção de que a relação comercial a ser estabelecida será benéfica para
ambas, valorizando e melhorando a qualidade dos produtos e serviços.

Quanto ao preço, o desafio está em cumprir pontualmente com todos os seus


compromissos de pagamento e passar a imagem de empresa justa na negociação com seus
fornecedores.

No item distribuição, a empresa que compra deve esforçar-se em facilitar a


recepção dos produtos adquiridos, estabelecendo pontos de recebimento adequados à
logística dos fornecedores.

Finalmente, em relação à variável comunicação, devem ser implementadas ações


efetivas de comunicação administrativa, comercial e institucional, para facilitar o fluxo de
informações, propiciar negociações mutuamente interessantes e promover a melhoria da
imagem de todos os envolvidos.

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Assim agindo, a empresa atrairá a atenção do mercado fornecedor, incrementando
suas possibilidades de escolha dos melhores parceiros.

O processo do marketing reverso não se restringe apenas à aquisição de matéria-


prima, mas aplica-se também na obtenção de recursos financeiros, de recursos humanos, de
informações e de tecnologia. Entendemos que os setores da empresa responsáveis pela
captação de tais recursos devem ser capacitados a administrar suas atividades com base nos
conceitos de marketing reverso.

Podemos, também, inserir os preceitos do marketing e do marketing reverso nas


relações funcionais entre os diferentes setores das empresas. O Departamento de Produção
tem uma relação de marketing reverso com o Departamento de Suprimentos (seu
fornecedor interno), ao mesmo tempo que tem uma relação de marketing normal com o
setor de vendas (seu comprador interno). O setor de vendas, por sua vez, deve implementar
uma gestão de marketing reverso com o Departamento de Produção, enquanto estabelece
uma relação de vendas com seus clientes. O setor de finanças tem uma relação de compra e
de venda com praticamente todos os demais setores das empresas. O mesmo ocorre com o
Departamento de Recursos Humanos. Todos os setores e todas as pessoas de uma empresa
têm insumos a receber e produtos/serviços a fornecer a outros setores e pessoas da própria
empresa.

Assim sendo, as relações estabelecidas poderão ser potencializadas com a


implementação dos preceitos de marketing, com as devidas adaptações, como convém ao
marketing reverso.

Para um maior aprofundamento sobre o assunto, recomenda-se a leitura do livro


Marketing reverso, de Michiel R. Leenders e David L. Blenkhorn.

Demarketing

Por outro lado, as empresas, às vezes, enfrentam situações incontroláveis, que


resultam em problemas na oferta de seus produtos e/ou serviços. Surpresas climáticas,
greves e boicotes, avarias em equipamentos de produção, acidentes e outras causas

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imprevistas podem ocasionar queda na quantidade de produtos e/ou serviços a ser
disponibilizada no mercado.

Com a demanda se mantendo em patamar normal, a empresa pode escolher dois


caminhos: o antimarketing, aumentando o preço arbitrariamente e fazendo valer seu poder
de barganha sobre seus clientes, ou pode implementar o processo estratégico conhecido
como demarketing. Aqui, o prefixo de significa em vez de, movimento contrário.

Assim, podemos definir demarketing como gestão estratégica que visa


compatibilizar a relação entre os potenciais, as necessidades e expectativas (veja o Capítulo
5) da empresa e de seus clientes em situações especiais, em que a demanda supera a oferta
ou quando a empresa, por alguma razão, tem de inibir o consumo ou mesmo retirar o
produto do mercado momentaneamente.

Caso decida por se aproveitar da situação, indo contra as expectativas e


necessidades de seus clientes, a empresa poderá ter sua imagem prejudicada, o que
dificultará a relação quando a situação se normalizar.

O processo do demarketing pressupõe o uso de pesquisas para se identificar o nível


e a natureza das expectativas dos clientes, avaliar o potencial de atendimento da empresa a
fim de tomar decisões (de quantidades e de preços) que possam satisfazer tanto as
necessidades da empresa quanto a de seus clientes. Neste contexto, a comunicação
desempenha um papel importante para ajustar o nível de conhecimento mútuo da situação,
minimizando potenciais conflitos.

Podemos citar como exemplos de demarketing:

 O recall de veículos acontece quando a montadora se dá conta de que vendeu produtos


com alguma deficiência, por menor que seja, e incentiva os compradores a se dirigirem
às concessionárias para o devido reparo. Obviamente, a ocorrência repetida deste tipo
de ação resultará em antimarketing.

 Produtos como Kinder Ovo e bombons Ferrero Rocher são praticamente retirados do
mercado no alto verão, pois as temperaturas elevadas podem comprometer a boa
qualidade e a consistência desses produtos. Essa ação requer um trabalho de
comunicação aos distribuidores, nos pontos-de-venda e aos consumidores.

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 O laboratório norte-americano Merck Sharp & Dohme retirou do mercado mundial,
emergencialmente, em setembro de 2004, seu produto estrela, o antiinflamatório Vioxx.
A empresa implementou uma operação logística complexa para, no menor prazo
possível, retirar o remédio das prateleiras dos pontos-de-venda em cerca de 80 países.
Além disso, empreendeu um esforço imenso de comunicação, sustentando diante da
opinião pública mundial que seus executivos desconheciam que o uso continuado do
produto poderia causar sérias conseqüências aos usuários. Se a empresa não conseguir
provar que agiu de boa-fé, este se constituirá em um gigantesco exemplo de
antimarketing.

 A Johnson & Johnson, em 1982, teve algumas unidades de seu produto Tylenol
adulteradas por um indivíduo insano, o que resultou na morte de alguns usuários. A
constatação do fato levou a empresa a disseminar uma campanha de comunicação,
desestimulando a compra e o consumo de tal produto. A retirada do produto das
prateleiras dos pontos-de-venda e a posterior modificação do produto, de cápsulas para
comprimidos, além do desenvolvimento de embalagens mais resistentes à adulteração e
de uma campanha de esclarecimento, fizeram deste caso um dos exemplos eficientes do
demarketing e do uso posterior de ações mercadológicas de sucesso para a recuperação
da imagem do produto no mercado.

Marketing e Consumo como Realidades da Cultura

Alguns efeitos negativos das concepções fragmentadas e, às vezes, equivocadas do


marketing, que freqüentemente embutem os mais diversos preconceitos e bastante
arraigados em todos, nos levam a algumas observações e reflexões.

A televisão de rede aberta ajuda a pensar sobre o tema. Durante longo tempo, as
redes de tevê educativas restringiram seu espaço comercial exclusivamente para campanhas
de caráter cultural institucional. O argumento não chegava a ser injustificado. Essa restrição
garantia-lhes a apresentação de programas considerados de maior qualidade por não
estarem atrelados à feroz concorrência por audiência das demais emissoras, concorrência

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essa que sempre faz aumentar significativamente o valor do tempo mensurado para
veiculação de mensagens publicitárias em suas redes. Além disso, argumentava-se, em
contrapartida, que o baixo índice de audiência dessas emissoras educativas tornava-as
pouco atraentes para os anunciantes, assegurando-se, assim, a permanência de um círculo
vicioso.

As redes educativas de tevê podiam sustentar-se em sua posição diferenciada e até


mesmo elitista de oferta de uma programação de qualidade, não palatável a todos os
públicos. As redes comerciais de tevê podiam justificar sua escolha de uma programação de
caráter mais popular pela audiência — “Oferecemos o que o grande público gosta.” —,
assim como as empresas e agências de publicidade podiam, sem grandes conflitos,
considerar a baixa relação custo—benefício na consideração da possibilidade de produzir
campanhas publicitárias para veiculação nas redes educativas, deixando de apoiar, portanto,
os programas considerados de melhor qualidade. Como resultado, para essas redes ficavam
reservadas as campanhas de marketing cultural ou institucional, veiculadas nos poucos
intervalos da programação, e, mesmo assim, restritas a poucas corporações, aptas a oferecer
produtos e serviços a um público considerado, de antemão, diferenciado e com alto capital
cultural.

Hoje, esse quadro não está muito diferente do que observávamos há alguns anos.
Entretanto, com mais freqüência, nos deparamos com campanhas de produtos e serviços —
campanhas comerciais — sendo veiculadas lado a lado com as tradicionais campanhas
culturais e institucionais nessas redes educativas. Com essa estratégia, redes como a TV
Cultura têm não só conseguido se sustentar financeiramente, de forma a manter sua
programação diferenciada, como vêm inserindo, ainda que discretamente, alterações em sua
programação, levando ao ar programas mais populares, de auditório, por exemplo, sem,
entretanto, necessariamente caírem no mau gosto de muitos apresentados em outros canais
em nome de um suposto gosto popular.

É interessante pensar que, subjacente a essas verdadeiras lutas concorrenciais por


diferenciação de qualidade, de gosto, e, mais importante ainda, do que é cultura e do que é
mercado, encontramos tantos equívocos como os que expusemos até o momento em relação
ao próprio conceito de marketing.

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Vejamos, primeiro, o problema do público. Tornou-se noção comum a idéia de que
as classes menos favorecidas social e educacionalmente, apresentam um gosto estético
menos refinado, mais grosseiro do que aqueles que tiveram oportunidades de acesso a bens
culturais por conta das oportunidades sociais e educacionais. Essa é uma noção que, perante
os índices de audiência dos programas populares, tende a se confirmar, embora, não raro,
seja forçada a uma revisão. Quando, por exemplo, se promove com ampla divulgação em
várias mídias um evento de alta cultura — como a já famosa e histórica exposição das
esculturas de Rodin, em 1995, na Pinacoteca do Estado; as exposições de obras de artistas
internacionalmente importantes do Museu de Arte de São Paulo (Masp); as Bienais; além
de peças de teatro a preços populares, concertos gratuitos ou com ingressos a preços
simbólicos no Teatro Municipal, isso apenas na cidade de São Paulo —, observa-se uma
surpreendente afluência de público de todos os segmentos sociais; um público que, longe de
‘torcer o nariz’ ao que vê, manifesta francas expressões de encantamento e prazer com o
que lhe é apresentado, e, geralmente, para uma maior surpresa, sem quaisquer
manifestações de desrespeito aos espaços sagrados da cultura, comumente reservados às
elites.E o mais fundamental ainda: isso rompe com um dos preconceitos em relação aos
mais carentes social e economicamente.

Em contrapartida, encontramos o mesmo encantamento entre os cultores da alta


cultura perante as múltiplas manifestações populares, chamadas de folclóricas, preservadas
e transmitidas por gerações em todo o território nacional. A indústria do turismo há muito
agenda em suas programações as manifestações populares de cada região do País.

Esses breves exemplos nos levam a considerar que a própria diferenciação entre o
que é cultural e o que é do mercado precisa ser revista. Com o crescente avanço da
tecnologia e do consumo e, conseqüentemente, da indústria cultural, o que é considerado
como pertencente à alta cultura tende a ser absorvido ou mesmo favorecido pela indústria
cultural — como ocorre com a indústria fonográfica, de DVDs, de fascículos de Arte e
História —, que permite amplo acesso a obras antes só acessíveis a poucos privilegiados;
ou nos patrocínios culturais, livros, peças de teatro e filmes, que só podem ser realizados
por contarem com o apoio financeiro de grandes corporações em sua produção; ou o
desenvolvimento e a sofisticação das empresas de segurança e transporte, que possibilitam
que obras de arte possam ser expostas em museus de diversas partes do mundo sem que

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sejam postas em risco. Em todos os casos, a ampla comunicação de tais eventos, utilizando
a boa técnica publicitária, mobiliza multidões para esse contato com a cultura, como as já
citadas: exposição Rodin e Bienais. Caminhamos, mais e mais, para composições e
parcerias entre a cultura e o mercado que, longe de desvirtuarem as produções humanas
mais diferenciadas e nobres, as favorecem e as promovem.

A insistência em manter-se as divisões e hierarquias põe-se muito mais a serviço de


uma aspiração de distinção e de autolegitimação das elites culturais e econômicas que
opõem resistência aos processos de transformação (poderíamos dizer democratização)
sociocultural e econômica que vêm ocorrendo no mundo todo.

Mais adiante, demonstraremos que isso também ocorre no campo específico do


consumo de produtos e serviços mais cotidianos: as classes populares, contrariamente à
concepção corrente, aceitam consumir cada vez menos produtos de má qualidade, ou
produzidos com menores preços, quando percebem a intenção de atendê-las em seu desejo
de consumo limitado por seu baixo poder aquisitivo.

Pensamos que tais distorções espelham a própria separação que se faz hoje entre o
social e o mercado, como se fossem campos distintos e em permanente oposição.

Os que pensam em termos de oposição e distinção, sustentam com freqüência o


argumento de que o social foi devorado ou pervertido pelo mercado, considerando, assim,
fronteiras estanques, em que cidadania e consumo são mutuamente excludentes. Nos
limites definidos para um e outro, seria mais nobre o interesse pelo social do que o interesse
pelo mercado, preservando-se uma diferenciação que ignora a intrínseca dependência
dessas duas realidades, como a própria história da civilização ocidental o demonstra.

Sem nos estendermos em um debate com tais posições, registramos aqui uma feliz
observação do conhecido filósofo brasileiro, Renato Janine Ribeiro, que vê na atividade de
consumo, com todos os dispositivos de proteção ao consumidor hoje existentes, e que no
Brasil ainda aguardam por maior desenvolvimento, mais uma forma privilegiada do
exercício da cidadania. Diz ele:

É difícil, hoje, pensar em política — e em cidadania — sem pensar também no


consumo. A questão, para a cidadania, não é esquecer o sabonete, mas exigir que este seja
produzido com respeito ao meio ambiente, aos direitos trabalhistas, sem o uso de mão-de-

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obra infantil, e que além disso seja de boa qualidade e preço adequado. Tudo isso é
altamente político. A cidadania, como Deus, pode estar nos detalhes. Os norte-americanos
aprenderam a ser cidadãos controlando para onde ia o dinheiro de seus impostos. (...) A
base das democracias anglo-saxãs está, assim, historicamente, na relação do indivíduo
com seu dinheiro. Não estranha, então, que hoje muitos aprendam a cidadania verificando
a qualidade do que compram. Aliás, como compramos porcaria toda semana, e só votamos
a cada dois anos, é pedagógico lutar por relações mais decentes de consumo. E isso, claro,
modifica o papel do publicitário. Ele deve deixar de ser um retórico da venda a qualquer
custo, para se tornar responsável pela qualidade do que vende (RIBEIRO, R. J., A ética
nas campanhas políticas).

O mesmo vale, acrescentamos, para o profissional de marketing seriamente


engajado no trabalho de planejamento e gestão de uma organização.

Desdobramentos da Oposição Academia versus Mercado

É necessário, ainda, discutir mais um aspecto, que não só expõe mais claramente o
equívoco da distinção entre o que pertence à cultura e o que pertence ao mercado, como
também diz respeito a algumas práticas e distinções no próprio campo acadêmico.

Como comentamos, um dos problemas mais freqüentes encontrados nos livros de


marketing é que, apesar de seu aparente pragmatismo e disposição de servir de imediato às
demandas dos que atuam no mercado, eles são, na verdade, excessivamente acadêmicos.

Essa qualificação merece uma melhor explicitação. Comentamos que esses livros,
escritos para professores e alunos das disciplinas de marketing, dificilmente funcionam para
os que desejam usá-los como ferramentas efetivas para suas atuações em ações de
gerenciamento ou de consultoria de marketing.

Por outro lado, há uma visível resistência da academia em assumir que as


disciplinas e a atividade de marketing têm alguma relação com a vida acadêmica. Se
considerarmos que a academia trabalha, freqüentemente, com modelos teóricos já
consagrados pela tradição (chega-se a falar em teoria ou ciência puras) e com o
desenvolvimento de metodologias e critérios de validação de hipóteses sob sofisticados
procedimentos de controle e reprodução, muitas vezes valendo-se de experimentos

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controlados em laboratórios; se assim é, efetivamente, torna-se difícil pensarmos no
marketing como uma atividade que se bastaria com o espaço protegido da academia para se
desenvolver.

O marketing, desde seu primeiro momento, busca respostas concretas para situações
reais em momentos determinados, e ele só se valida enquanto produz efeitos consistentes na
realidade da qual emerge e para a qual retorna com seus procedimentos. Assim, como em
todo campo de conhecimento, embora o marketing tenha também seus ‘clássicos’, ele só
existe como processo de observação contínua das transformações sociais e econômicas e
das novas necessidades que derivam dessas transformações sobre as quais ele intervém
efetivamente.

Contrariamente ao que ocorre com algumas áreas da academia — nas quais se


discute intensamente se aquilo que está em curso em seu interior, sob a forma de
desenvolvimentos teóricos ou de pesquisa, existe e se afirma em consonância com a
comunidade na qual a academia se insere —, no marketing, tal problema não tem como se
colocar, salvo se aquele que se dedica a pesquisá-lo colocar-se na posição de historiador, de
sociólogo ou se limitar a um trabalho estritamente teórico.

Como observa Di Nallo (1999), no meio acadêmico, em decorrência dessa


imanência do processo de marketing, coexistem duas formas não coincidentes de nos
acercarmos do marketing quanto à sua relação com o mundo externo e suas transformações.
A mais freqüente é a pragmática, fomentada pelos próprios pesquisadores e profissionais de
marketing, que trabalham sempre atentos às modificações do ambiente interno e externo
das organizações, de forma a identificar as tendências presentes no mercado e as
possibilidades internas da organização de fazer frente a elas mediante a melhor estratégia de
potencialização de seus negócios. A outra, menos freqüente e mais ligada às investigações
sociológicas, preocupa-se com os efeitos das ações de marketing na realidade
socioeconômica e histórica, e se desenvolve numa perspectiva mais analítica e de longo
prazo, sem que se coloque a atenção às demandas e necessidades imediatas dos mercados
como foco.

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Em contraste com as Ciências Humanas, e de modo mais efetivo que a Economia, o
Marketing observa, analisa, realiza experimentos e propõe soluções práticas para interagir
com seu objeto de estudo: o contexto socioeconômico-cultural.

Salientamos, pois, que neste trabalho procuramos atender tanto às necessidades


acadêmicas de ensino da disciplina, considerando sua inserção no contexto das
transformações sociais e econômicas, como as necessidades pragmáticas dos profissionais
que atuam nas organizações. Sob essa perspectiva, podemos afirmar que no marketing
pensamento e ação devem caminhar necessariamente juntos, em uma relação de
determinação recíproca, ou então não estaremos fazendo marketing.

Marketing versus Comunicação

Marketing e comunicação são atividades distintas, embora trabalhem sempre em


mútua colaboração e influência. Por essa razão, as atividades de marketing muitas vezes
são confundidas com atividades de comunicação e vice-versa. Vejamos alguns casos em
que se diluem- de tal forma as atividades de marketing e de comunicação que elas parecem
ser parte constitutiva de uma mesma estratégia.

É um caso típico de confundir causa e efeito, de tomar a parte como sendo o todo, a
ação como sendo a estratégia que lhe deu causa; a origem maior (marketing) por uma das
modalidades, dos instrumentos, das ferramentas utilizadas para realizar seus objetivos.

Alguns usam a expressão marketing promocional. Neste caso, está claro que se faz
marketing para promover alguma coisa, mas usa-se essa expressão para designar o
marketing que utiliza a promoção de vendas como ferramenta. Promoção de vendas é uma
das ferramentas de comunicação de marketing, e, portanto, não uma forma ou variação
diretamente do marketing — que é um só. Entretanto, tratando-se de uma empresa que
oferece para os seus clientes institucionais serviços de planejamento e implementação de
promoções e de organização de eventos, aí, sim, se poderia aceitar a expressão marketing
promocional, semelhantemente ao que já vimos quanto às adjetivações cultural, esportivo e
institucional.

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Outra expressão imprópria, mas muito difundida: marketing direto. O envio de mala
direta, visitas pessoais e teleatendimento ativo ou passivo são atividades que compõem a
comunicação direta da organização. Por essa razão, é muito estranho ouvir de um
profissional de marketing que sua empresa, além de veicular propaganda na TV e de
realizar promoção de vendas nas lojas, faz também marketing direto. A expressão correta
seria comunicação direta. Como a maioria dos contatos telefônicos é ativa, isto é, visa
vender algo, a expressão correta seria televendas. A expressão marketing direto é
adequadamente empregada quando caracteriza a ação estratégica de uma empresa que
oferece produtos, preços, distribuição e comunicação diretamente para seus clientes finais,
sem intermediários.

O uso da Internet como veículo de comunicação de uma organização levou à criação


da expressão marketing digital. O mais adequado seria comunicação digital, ou mesmo a
expressão marketing na era digital. Marketing digital é praticado pelas organizações que
vendem produtos relacionados a essa tecnologia.

Marketing de relacionamento é outra expressão comumente utilizada para


caracterizar o esforço da empresa em relacionar-se bem com seu mercado. Na realidade,
esta sempre foi, e é, a base do marketing como política empresarial. Afinal, a organização
deve manter uma boa relação não somente com os seus clientes, mas também com todos os
outros públicos que a cercam: fornecedores, instituições bancárias, órgãos do governo,
comunidade, ONGs, academia, mídia, distribuidores, funcionários, acionistas, entre outros.
Para tal, nenhuma expressão é mais adequada do que a originalmente cunhada para essas
atividades: “Relações Públicas” (YANAZE, 2000, p. 92).

Por esses poucos exemplos, podemos constatar que a palavra marketing é muito
usada. E, por estar na moda, é freqüentemente empregada de uma forma exagerada e até
mesmo banal.

Marketing, na verdade, é uma nova concepção de administração empresarial a partir


de uma disposição consciente e disciplinada de se inserir no mercado e construir estratégias
de planejamento e gestão dos próprios negócios.

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É dessas estratégias que trata este trabalho. Daí nos ocuparmos mais
demoradamente do marketing do que das estratégias de comunicação que lhe servem de
suporte.

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