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Resumo
O presente artigo tem por objetivo apresentar os resultados e reflexões acerca do processo de
realização do mapeamento participante na identificação das áreas de manejo da piaçaba do
território do povo Werekena, no Rio Xié, Município de São Gabriel da Cachoeira, Alto Rio
Negro/AM. Foi adotada a pesquisa participante, através da metodologia de gestão do
conhecimento. O estudo resultou em um mapa participante das trilhas de extração e áreas de
manejo dos piaçabais, tecnologia social que pode ser aplicada na gestão territorial, valorização
da língua e signos culturais e na educação escolar indígena pelo povo Werekena.
INTRODUÇÃO
1
Ecólogo, Mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Professor do Curso de Licenciatura
Indígena: Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável (UFAM), pesquisador do Laboratório e Grupo
de Pesquisa Dabukuri – Planejamento e Gestão do Território na Amazônia.
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Geógrafa, mestre e doutora em Geografia com Pós doutorado em Gestão Territorial e do Conhecimento,
Coordenadora do Laboratório e Grupo de Pesquisa Dabukuri – Planejamento e Gestão do Território na Amazônia
da Universidade Federal da Amazônia.
concentração populacional e necessidade de aquisição de alguns bens industrializados tem
aumentado a pressão de uso sobre os bens comuns.
Eles têm hoje a necessidade de repensar o território de várias formas, entre elas, práticas
de conservação e manejo de áreas cujos recursos já estão se esgotando, formas de valorização
dos lugares históricos, definição e zoneamento para determinados tipos de produção como
extração de cipó e outras fibras, manejo de lagos, sitio de caça. Entre eles também está o manejo
dos piaçabais do rio Xié.
A sub-bacia do Rio Xié é uma das poucas áreas do Alto Rio Negro, que detêm na
composição de suas fitofisionomias a presença de piaçabais, áreas em que indivíduos de piaçava
(Leopoldinia piassaba) ocorrem de forma agregada. Esta espécie de palmeira produz uma fibra
bastante versátil, de difícil degradação, com grande maleabilidade, que são utilizadas
tradicionalmente pelos povos dessa região e comercializadas à séculos, estando presente como
produtos de importância econômica desde os relatos dos primeiros naturalistas que viajaram
pelo rio Negro.
Os altos preços manejados pelos regatões3e as estratégias utilizadas para que as dívidas
nunca findassem impuseram uma relação em que os indígenas tinha de extrair grandes
quantidades da fibra para conseguir adquirir os víveres industrializados básicos, como sabão,
açúcar, café e roupas, o que promoveu a sobre exploração dos piaçabais. A extração da piaçava
não é uma extração predatória, ou seja, para a extração da fibra não é necessário provocar a
mortalidade da palmeira. Contudo, uma pequena porção de fibra se desenvolve a cada folha que
nasce na palmeira, de forma que o retorno à uma área já extraída só é viável após 5 anos.
Assim, a intensa exploração da piaçava, que ocorria em ritmo mais acelerado que a
regeneração fez com que as áreas de extração ficassem cada vez mais distantes das
comunidades, ampliando o esforço necessário para a extração da fibra e comprometendo a
sustentabilidade da atividade. Este fato, somado aos baixos preços pagos pela fibra, fizeram
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Regatões são os comerciantes fluviais, operadores do sistema de aviamento, que vendem produtos
industrializados a preços abusivos em troca de bens produzidos pela atividade polivalente dos povos indígenas
(agricultura, caça. Pesca extrativismo, artesanato), em uma relação de poder exploratória em que eles detêm os
meios de produção e comercialização.
com que os indígenas da região decidissem paralisar a atividade de extração da piaçava, decisão
tomada durante a assembleia da Associação das Comunidades Indígenas do Rio Xié, em 1998.
Desde então, o extrativismo da piaçava tem sido uma atividade de baixa intensidade,
complementar, em que se extraem pequenas quantidades da fibra para a fabricação de vassouras
de piaçava e artesanatos ou para a comercialização de pequenas quantidades da fibra. Nessas
duas últimas décadas em que a atividade não foi muito pronunciada os piaçabais recuperaram
os estoques e hoje existem diversas áreas passíveis de extração próximas às comunidades.
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A pesquisa foi financiada pelas agências de fomento CNPQ e FAPEAM e seus resultados podem ser encontrados
em OSOEGAWA (2017).
TERRA INDÍGENA ALTO RIO NEGRO, RIO XIÉ E OS PIAÇABAIS
A Terra Indígena Alto Rio Negro, onde encontra-se a área de estudo desta pesquisa, foi
homologada em 1998 com 8.150 milhões de ha com 95% da população indígena, 22 povos das
famílias Tukano Oriental, Arawak e Japurá Uaupés falantes de 19 línguas indígenas das 04
famílias linguísticas Tukano Oriental, Arawak, Japurá-Uaupés e Tupi (FARIA, 2003).
Além da grande diversidade cultural existente no Alto Rio Negro, esta região também
abriga grande diversidade de ecossistemas, contendo variações quanto às comunidades
biológicas, produtividade primária, biomassa, e a as potencialidades de aproveitamento agrário
(FARIA, 2003).
Esta região é banhada bela sub-bacia do Rio Negro, que nasce na Colômbia e deságua
na margem esquerda do rio Amazonas, próximo a Manaus, no Brasil. Tem como principal
afluente o Rio Branco. (FARIA, 2003).
Os rios Negro e Xié são denominados regionalmente de rios de “água preta” e são
associados geralmente a solos pouco férteis, inadequados à agricultura intensiva (MORÁN,
1990). A diversidade cultural e as a utilização de tecnologias sociais (técnicas de manejo,
derrubada, roçado e queima da vegetação) integradas às práticas culturais e aos ciclos
ecológicos da floresta é que permite que estes os povos indígenas vivam e produzam em
situações de baixa fertilidade de solo. O rio Xié é um dos principais afluentes do Rio Negro,
localizado no Município de São Gabriel da Cachoeira – AM.
Às suas margens do Xié e de seus afluentes existem piaçabais, regiões em que a piaçava
ocorre em abundância, de forma agregada, nas áreas de terra firme da floresta amazônica que
são entre cortadas por zonas alagadiças de antigos canais ou igarapés.
A sub-bacia do Rio Xié apresenta duas regiões em que ocorrem os piaçabais. Uma no
rio Tewapuri e seus afluentes (igarapés), território da comunidade de Anamoim e outro à
margem esquerda do Rio Xié, próximo às comunidades de Umarituba, Kunuri e Tukano.
Dessa forma foram utilizados os conhecimentos dos moradores do Rio Xié sobre seu
território, suas formas de orientação, pontos de referência e denominações aos lugares,
conjuntamente tecnologias de imageamento de satélite e técnicas de Sistemas de Informação
Georreferenciadas (SIG) para se produzir um terceiro conhecimento, resultando no
mapeamento dos piaçabais, conforme indicado na figura 2.
Conhecimentos sobre o Tecnologias SIG aplicada à Tecnologia social: Mapa
Território gestão do conhecimento Participante
Figura 2 - Etapas do mapeamento participante à luz da gestão do conhecimento. ORG. Osoegawa, Diego Ken.
Este foi realizado em 3 etapas. A primeira foi por meio dos cartogramas participantes,
para sistematizar o conhecimento coletivo sobre o território a partir das referências locais e
marcos de localização; a segunda pela técnica do Over Lay, que faz a interface entre os
conhecimentos da comunidade e a plataforma SIG, em que uma imagem de satélite da região é
disposta e os participantes são convidados a demonstrar todos os elementos referenciados no
cartograma coletivamente. E a terceira e última etapa, é a utilização de técnicas de Mapeamento
em SIG para elaborar um mapa.
Não se propôs a criação de um mapa dos piaçabais por dois motivos. Primeiro, que
mesmo os indígenas mais experientes na extração da piaçava não conhecem o fim dos piaçabais
e sim, até onde foram explorados durante a época de exploração mais intensa, até 1998. Ou
seja, a extensão desta região de ocorrência dos piaçabais não é conhecida mesmo por eles.
O segundo motivo é que os piaçabais são pequenas áreas esparsas ao longo das trilhas,
ou seja, não se pode precisar exatamente em que locais estão, mas sabem que ocorrem ao longo
das trilhas. Desta forma, não foram identificados cada um dos piaçabais, optou-se por identificar
as áreas de manejo da piaçava. A definição destas áreas ocorreu a partir das trilhas de extração
utilizadas para o acesso aos piaçabais, o que possibilitou estimar um buffer a partir das trilhas
para fazer o zoneamento dessas áreas.
Esta é uma prática que segue os pressupostos de uma pedagogia indígena, em que gera
um espaço de aprendizagem em que há o intercâmbio entre as gerações, os mais novos trocando
conhecimento dos mais velhos. Acontece durante uma atividade prática fundamentada em um
objetivo, nesse caso do mapeamento participante. Como a atividade tem esse objetivo prático,
a aprendizagem é significativa, pois ocorre através da utilização e socialização de
conhecimentos aplicados à uma finalidade.
O povo Werekena têm língua própria, com denominação homônima, sendo enquadrada
no tronco linguístico Aruak. Contudo, hoje em dia a língua predominante no rio Xié é a língua
Nheengatu, seguida pela língua portuguesa. Essas duas línguas têm sobreposto a língua
Werekena, que está criticamente ameaçada de extinção, de acordo com a UNESCO5,
estimando-se a presença de cerca de 20 falantes, todos idosos.
As pressões sociais operam continuamente sobre a utilização das línguas, sendo reflexo
de processos históricos, mas estando em constante movimento, modificação, a partir da situação
presente. A escolha sobre a utilização das línguas perpassa por relações de poder que exercem
entre si, em que duas ou mais maneiras de dizer a mesma coisa se enfrentam (TARALLO,
2007).
Essas relações de poder estabelecem relação diglóssica entre as línguas no Rio Xié, que
é uma relação hierárquica de uma língua em relação à outra, em que uma é adotada como
preferencial. Esse tipo de relação tende a deslocar o uso das línguas para as línguas/variáveis
prestigiadas.
Monte (1992) sintetiza bem o conceito, aplicado à realidade vivida pelos povos
indígenas e a opressão histórica às suas culturas e línguas, que permanece até hoje,
conceituando a diglossia da seguinte forma:
É o caso do Rio Xié, em que o Werekena, anteriormente língua mais falava por esse
povo, foi deslocada para a utilização do Nheengatu, que hoje é a língua dominante na região. A
segunda tendência se observa com o reconhecimento da importância da Língua Werekena entre
os moradores do Xié, contudo esse reconhecimento não tem se concretizado em atitudes e ações
práticas para a salvaguarda deste saber, que segue cada vez mais ameaçado com a morte dos
mais velhos.
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Atlas Mundial de Línguas Ameaçadas (MOSELEY, 2010)
que é o marco legal que representa a mudança do paradigma integracionista para o direito à
diversidade cultural.
No sede do município de são Gabriel da Cachoeira esta foi uma língua de extensiva
utilização até a década de 70 sendo utilizada cotidianamente, quando graças aos esforços da
missão salesiana e a chegada dos meios de comunicação em massa foi efetivamente sendo
substituída pelo português (TAYLOR, 1985).
Como o nheengatu era língua franca, língua difundida todo Rio Negro, exerceu grande
pressão sobre a língua Werekena, tendo grandes contribuições dos internatos católicos, que
proibiam que os estudantes falassem as línguas maternas – a partir de repressões físicas e morais
violentas – e dos patrões do extrativismo, que tiveram importante papel na dinâmica de
migrações, levando indígenas para os polos de extração.
A diglossia reflete em vários aspectos da utilização cotidiana das línguas nesse ambiente
plurilíngue. Uma das consequências observadas é a mudança dos topônimos (nomes dados aos
lugares) ao longo do tempo que mediante processos sociolinguísticos vão tomando novas
denominação nas línguas dominantes. No rio Xié se observa a alteração dos nomes tradicionais,
muitos nas línguas Baré ou Werekena, foram sendo substituídos por novos nomes nas línguas
Nheengatu, Português e mesmo nomes em espanhol, pela proximidade da fronteira com a
Colômbia e Venezuela.
Como exemplo destas substituições podemos citar a cachoeira Kuati (significa quati, na
língua nheengatu), que anteriormente era chama de Waxi (que significa onça, na língua
Werekena). Essa substituição ocorre com diversos topônimos, em partes pelo desconhecimento
por parte dos mais jovens dos significados das palavras em Werekena, que acabam criando
novas denominações nas línguas que dominam (Nheengatu e Português).
Figura 4 - Cartograma Participante realizado na comunidade de Kunuri, utilizando a nomenclatura tradicional, “Waxi”,
2015.
Figura 5 - Cartograma Participante realizado na comunidade de Umarituba, utilizando a nomenclatura mais recente,
“Kuwati”, 2015.
No quadro 1 seguem mais alguns exemplos da mudança dos nomes de lugares do Rio
Xié.
Tipo do Topônimo
Signo Topônimo Atual Signo
Lugar Tradicional
- Umaritiwa
Majuba (Animal
Wata’rlu (Nheengatu)
Comunidade encantado da Umarizal
(Werekena) - Ponta Yurí
água)
(Espanhol)
Mar’lai Kamarãu Iwitera Serra do
Serra Desconhecido
(Werekena) (Nheengatu) Camarão
Kurubudar’le Yapuna Bῦda Forno de
Igarapé Boto
(Werekena) (Nheengatu) fazer farinha
Waxi Kuwati
Cachoeira Onça Quati
(Werekena) (Nheengatu)
Caminho
Francisco Nome de quem Kulῦbia Rape
Caminho para
Narciso abriu o caminho (Nheengatu)
Colômbia
Quadro 1 – Alteração dos signos da identificação dos lugares. ORG: Osoegawa, Diego Ken .2017.
Essa imposição das línguas nacionais (lembrando que o Nheengatu foi a língua nacional
no passado) promove um desmantelamento do significado desses lugares e de histórias e
características associadas aos seus nomes originais. Portanto a realização de mapeamentos
participantes em situação diglóssica deve ser orientado à valorização desses nomes, para
salvaguardar as línguas originárias, os mitos e histórias para firmar um posicionamento
contrário à visão integracionista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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A territorialidade linguística compreende o espaço de uso geográfico e social de uma língua ou variação
linguística. (ALTENHOFFEN, 2014). Assim, tem dois componentes: o meio onde ocorre – o espaço físico, o
território – e a forma como é expressa no território, em quais domínios sociais.
INSTITUTO DE T/ECNOLOGIA SOCIAL. Reflexões sobre a construção do conceito de
tecnologia social. In: REDE DE TECNOLOGIA SOCIAL. Tecnologia social – Uma estratégia
para o desenvolvimento. Rio de janeiro: Fundação Banco do Brasil, 2004.
MONTE, N. L. Educação Indígena e bilinguismo: o caso do Acre. Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, Vol. 73, n.173, p.07-29, 1992.
MORÁN, E.F. A Ecologia Humana das Populações da Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1990.
MOSELEY, C. Atlas of the World’s Languages in Danger. 3ª Ed. Paris: UNESCO Publishing,
2010. Disponível em: http://www.unesco.org/culture/en/endangeredlanguages/atlas
OSOEGAWA, D. K. Cadeia produtiva da piaçava no rio Xié/Alto rio Negro – Amazonas.
Dissertação (Mestrado em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia) – Centro de
Ciências do Ambiente, Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus, 2017.
SANCHEZ, M. C. A cartografia como técnica auxiliar da Geografia. Boletim de Geografia
Teorética, Vol. 3, n.6, p.31-46, 1973.
TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. 8ª ed. São Paulo: Ática, 2007.
TAYLOR, G. Apontamentos sobre o Nheengatu falado no Rio Negro, Brasil. Amerindia, n.10,
1985.
WEISS, Z. Tecnologia Social: Os Desafios de uma Abordagem Holística. In: Otterloo, A.; et
al. Tecnologias sociais – Caminhos para Sustentabilidade. Brasília: s.n., 2009.