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INSTITUTO SUPERIOR DO LITORAL DO PARANÁ

JOÃO VICTOR PRZYGOCKI

A TRANSIÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO: DE CIVIL LAW A


COMMON LAW

PARANAGUÁ 2023
JOÃO VICTOR PRZYGOCKI

A TRANSIÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO: DE CIVIL LAW A


COMMON LAW

Trabalho de conclusão de Curso em Direito, do


Instituto Superior do Litoral do Paraná, como requisito parcial
para obtenção do Título de Bacharel.

Orientador: Professor Doutor Carlos Augusto Martins

]PARANAGUÁ
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1.1 Tema

A história do direito é um campo importante e complexo que reflete a evolução


das tradições jurídicas em diferentes sociedades ao longo do tempo. No contexto
brasileiro, essa evolução é particularmente visível, uma vez que o país tem sido
historicamente influenciado por dois sistemas jurídicos distintos: o da Civil Law,
herdado da colonização portuguesa com forte influência no direito romano, e o da
Common Law, presente nos países anglófonos, em especial o Reino Unido e os
Estados Unidos da América. Este trabalho de pesquisa se propõe a explorar essa
transição única no Brasil, examinando como a nação, ao longo dos anos, tem se
afastado gradualmente das tradições do Civil Law e abraçado cada vez mais os
princípios e práticas do Common Law.

O processo de transição do sistema jurídico brasileiro é uma jornada complexa


que envolve uma série de fatores históricos, sociais e políticos. Este trabalho se
concentrará em identificar os principais marcos dessa transição, desde os primórdios
da colonização até os desenvolvimentos legais e institucionais mais recentes. Ao
analisar como o Brasil está gradualmente moldando seu sistema jurídico em direção
ao Civil Law, este estudo busca lançar luz sobre as implicações dessa mudança para
a sociedade, a justiça e a eficácia das instituições legais no país, bem como como ela
se alinha com as tendências globais no campo do direito.

1.2 Delimitação do Tema

A transição do sistema jurídico brasileiro: de Civil law a Common law.

1.3 Problematização
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Nos últimos anos, o sistema jurídico brasileiro tem experimentado uma


transição notável, movendo-se gradualmente de um sistema de Civil Law,
profundamente enraizado em tradições romano-germânicas, para um sistema que
demonstra uma crescente influência das práticas e princípios do Common Law. Esta
mudança levanta questões significativas e desafia a compreensão convencional do
sistema legal brasileiro. Como essa transição se manifesta em termos de práticas
judiciais, tomada de decisões, criação de jurisprudência e na interação entre o sistema
judiciário e a sociedade civil e quais são os principais fatores impulsionadores dessa
transformação? Como essa evolução do sistema jurídico brasileiro se compara com os
sistemas de Common Law em outras partes do mundo e quais são as implicações
disso para a eficácia e a justiça do sistema legal no Brasil?

1.4 Justificativa

A transição do sistema jurídico brasileiro de Civil Law para Common Law é uma
questão de notável relevância e complexidade que merece ser minuciosamente
examinada. Esta mudança de paradigma no cenário legal do país representa uma
virada crucial em sua história jurídica e levanta uma série de implicações que exigem
uma investigação aprofundada. Portanto, a justificativa para esta pesquisa é
fundamentada em diversos argumentos que corroboram a sua importância e
relevância.

Em primeiro lugar, é imperativo reconhecer que o sistema jurídico desempenha


um papel fundamental na organização da sociedade e na garantia dos direitos dos
cidadãos. A transição de um sistema de Civil Law, baseado em códigos legais e
jurisprudência restrita, para um modelo de Common Law, que depende de precedentes
e jurisprudência extensa, não é apenas uma mudança técnica, mas uma transformação
que impacta profundamente a maneira como a lei é aplicada e interpretada. É preciso,
portanto, compreender as implicações práticas dessa transição para o funcionamento
do sistema de justiça brasileiro, bem como para os cidadãos que buscam justiça.

Além disso, a transição para o Common Law não ocorre no vácuo, mas é
influenciada por fatores históricos, políticos e sociais. Explorar as origens dessa
mudança e as forças motrizes por trás dela é crucial para a compreensão abrangente
do processo em andamento. Além disso, essa transição ocorre em um contexto global,
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onde muitos países estão debatendo os méritos dos sistemas jurídicos e adaptandoos
às necessidades da sociedade contemporânea. O estudo desta transição no Brasil
pode contribuir para o diálogo internacional sobre sistemas legais e oferecer lições
valiosas.

Por fim, a pesquisa neste campo é também justificada pela sua relevância
acadêmica. Contribuir para o entendimento das dinâmicas que moldam os sistemas
jurídicos é fundamental para o avanço da teoria e da prática jurídica. Ao investigar a
transição do sistema jurídico brasileiro, esta pesquisa pode enriquecer a literatura
acadêmica sobre direito comparado, além de fornecer insights e recomendações para
futuras reformas do sistema legal no Brasil.

Assim, o presente trabalho visa preencher uma lacuna importante na


compreensão do sistema jurídico brasileiro, além de fornecer uma análise aprofundada
da transição de Civil Law para Common Law e de suas implicações nos aspectos
sociais, legais e políticos do país.

1.5 Objetivos

1.5.1 Objetivo Geral

Compreender a transição em curso do sistema jurídico brasileiro de um modelo


de Civil Law para um modelo de Common Law, investigando os fatores que
impulsionam essa mudança, as implicações práticas para o funcionamento do sistema
jurídico e a influência dessa transformação nas práticas judiciais e na sociedade.

1.5.2 Objetivos Específicos

Identificar as origens e as raízes do sistema jurídico brasileiro em termos de


Civil Law, destacando os principais princípios, códigos e tradições que moldaram o
sistema legal do país.
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Explorar as influências e os eventos históricos que têm contribuído para a


transição em direção ao Common Law no Brasil, destacando marcos significativos,
como reformas legislativas e decisões judiciais emblemáticas.

Analisar as implicações práticas da transição para o sistema de justiça


brasileiro, incluindo o impacto nas práticas judiciais, na criação de jurisprudência e nas
relações entre tribunais, advogados e cidadãos.

Comparar a transição do Brasil de Civil Law para Common Law com a


experiência de outros países que adotaram ou consideraram essa mudança,
destacando semelhanças, diferenças e lições aprendidas.

Avaliar as implicações sociais, políticas e econômicas da transição do


sistema jurídico brasileiro, examinando como essa mudança afeta os direitos e as
expectativas dos cidadãos, bem como seu papel no contexto das instituições
democráticas do país.

1.5 Hipótese

Com a incorporação de elementos da Common Law no sistema jurídico


brasileiro, haverá uma mudança na abordagem dos juízes, com maior ênfase em
precedentes e casos similares na formulação de decisões.

1.7 Metodologia

Será utilizado o método dedutivo na produção deste trabalho, tendo como base
a pesquisa bibliográfica para análise e discurso, com o intuito de responder à
problematização apresentada no trabalho.

A pesquisa será abordada com foco na transição dos sistemas jurídicos


brasileiros já mencionados, além disso, será baseada em obras relevantes ao tema a
ser abordado, como a obra dos doutrinadores Luiz Roberto Barroso (2016), Mauro
Cappelletti (1999), Elsevier Caenegem (2010), Maurício Ramires (2010), Lenio Sreck
(2013), Georges Abboud (2013), René David (2002), Júlio César Rossi (2015), .
Também será utilizada a legislação em vigor no Brasil, em especial o Código de
Processo Civil (2015) e análises jurisprudenciais.

REFERENCIAL TEÓRICO
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Origem, abrangência e formação da CIVIL LAW

A Civil Law é uma tradição jurídica antiga, influente e amplamente difundida,


com raízes que remontam a 450 a.C., quando foi promulgada a Lei das Doze Tábuas
em Roma. Ela abrange principalmente a Europa Continental, a América Latina e partes
da Ásia e da África. Sua formação e desenvolvimento são fortemente influenciados
pelo antigo direito romano, pelas ideias iluministas e pela Revolução Francesa.

O direito romano desempenha um papel central na Civil Law, especialmente


na forma como foi compilado e codificado sob Justiniano no século VI d.C., com o
Corpus Juris Civilis se tornando a base da tradição. Após a queda do Império Romano
no Ocidente, houve uma fusão entre o direito romano e o germânico trazido pelos
invasores, criando o chamado direito romano "barbarizado".

O ressurgimento do direito romano ocorreu no século XI em Bolonha, que se


tornou o centro jurídico da Europa, com o Corpus juris civilis como foco de estudo. O
direito romano continuou a influenciar e expandir-se na Europa, mesmo após o
surgimento dos Estados-Nação. No século XIX, a era das codificações teve início na
maioria dos Estados europeus, e o Código de Napoleão de 1804, na França, serviu
como modelo e fonte de inspiração para muitos outros códigos. O conteúdo desse
código era semelhante às Institutas de Justiniano, cuja fonte primária era o antigo
direito romano, tornando-se parte fundamental da tradição Civil Law.

A contribuição efetiva do direito romano para a formação inicial da Civil Law foi
principalmente no âmbito do direito privado, uma vez que esse era seu domínio
predominante. O direito público só ganhou relevância na tradição continental após a
Revolução Cultural que ocorreu na Europa no século XVIII, especialmente nas
Revoluções Americana e Francesa. Esses eventos políticos, culturais e ideológicos
moldaram o direito público na Civil Law, influenciando sua estrutura, aplicação e
conteúdo dos códigos baseados no direito romano.

A Ilustração desempenhou um papel fundamental na promoção da separação


de poderes, particularmente a distinção entre o legislativo, o executivo e o judiciário.
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Isso visava prevenir a interferência do judiciário em áreas reservadas aos outros dois
poderes. Na França, os juízes foram alvos da Revolução Francesa devido à associação
com o antigo regime e à falta de distinção entre aplicar e criar o direito. Isso levou a um
foco na total separação dos poderes e na limitação do papel do juiz à mera aplicação
da lei, sem interpretação.

Na tradição da Common Law, por outro lado, os juízes tiveram um papel mais
ativo e progressivo, com a capacidade de moldar o desenvolvimento do direito. A
defesa rigorosa da separação de poderes na Civil Law foi impulsionada pela história
dos juízes vinculados ao antigo regime, o que resultou em uma restrição de sua
margem de interpretação. No entanto, nas últimas décadas, a introdução de
constituições rígidas e o controle judicial de constitucionalidade começaram a mudar o
papel dos juízes na Civil Law, permitindo-lhes um envolvimento mais significativo na
interpretação das leis e na defesa da constitucionalidade.

CIVIL LAW E COMMON LAW: COMO ELAS SE DISTANCIARAM

Os códigos legais, que surgiram na chamada era das codificações no século


XIX, não foram o ponto de partida da formação da tradição continental de direito, mas
podem ser considerados o resultado final e mais completo desse processo. É
importante notar que esse fenômeno, que contribuiu para consolidar a diferença entre
as tradições de direito, não ocorreu isoladamente, mas esteve fortemente ligado a
fatores políticos, sociais, culturais e ideológicos que abalaram a Europa a partir do
século XVI.

Tanto na Europa Continental como na Inglaterra, existia uma base jurídica


comum conhecida como "jus commune," que resultava da combinação do direito
romano e canônico, também chamado de romano-canônico. No entanto, essa base
comum acabou tendo destinos diferentes no Continente e na ilha, levando ao
desenvolvimento de duas tradições jurídicas distintas, embora inicialmente tenham
compartilhado um caminho semelhante.
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Na Inglaterra, o "jus commune" foi preservado e evoluiu para o que


conhecemos como Common Law. Na Europa Continental, por outro lado, esse sistema
foi rejeitado. A diferença fundamental reside no fato de que a Common Law inglesa se
desenvolveu com base em princípios diferentes daqueles que caracterizaram a
tradição continental.

Outro aspecto crucial na formação da tradição continental foi o surgimento do


Estado-Nação. Esse desenvolvimento marcou a ruptura com o "jus commune," que
havia sido aceito como fonte comum de direito na Idade Média e no início da Idade
Moderna. Com a centralização do poder em torno do monarca durante o período do
absolutismo e a afirmação da soberania dos Estados nacionais, a principal fonte de
direito passou a ser o Estado, e o "jus commune" foi gradualmente substituído por
códigos legais. Nesse cenário, a autoridade do monarca tornou-se a própria lei, embora
o "jus commune" e o direito consuetudinário ainda pudessem ser aplicados,
dependendo da vontade do soberano.

Essa mudança deu origem ao positivismo estatal na Europa Continental, onde


o processo legislativo se concentrou no Estado centralizado. Essa tendência foi
reforçada pelas mudanças introduzidas pela Revolução Francesa, ao contrário do que
ocorreu na Inglaterra, onde a Revolução Inglesa não teve efeitos tão radicais.

Essas diferenças explicam por que a codificação ganhou força na Europa

Continental, enquanto na Inglaterra a influência do "jus commune" foi


preservada. A Inglaterra manteve muitas das características do feudalismo, o que
contribuiu para a aceitação contínua do "jus commune," ao contrário do que ocorreu no
continente. O resultado disso foi o monopólio do processo legislativo pelo Estado,
reforçado pelo princípio da separação estrita dos poderes, que exigia que as leis
fossem elaboradas apenas pelo Poder Legislativo, composto por membros eleitos pelo
povo.

Mais importante de tudo, a common law nativa da Inglaterra, que havia se


desenvolvido em linhas diferentes daquelas que caracterizaram a common law
continental, não sofreu rejeição em favor do interesse do estatismo,
nacionalismo, positivismo e da soberania. Ao contrário, a common law da
Inglaterra foi uma força positiva no surgimento da Inglaterra como estado-
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nação, e neste sistema legal foi vigorosamente adotado como demonstração


da identidade e gênio nacionais. No continente, a revolução parecia requerer
uma rejeição da antiga ordem legal; na Inglaterra, ela parecia requerer sua
aceitação e mesmo sua glorificação. As implicações desta diferença de
atitudes em relação à codificação nos mundos da civil law e da commnon law
são óbvias. No continente, onde se pressupunha necessária a rejeição ao jus
commune, era natural que o novo sistema legal fosse codificado; na Inglaterra,
onde se julgava importante manter a common law, nenhuma necessidade de
codificação foi sentida (MERRYMAN e PÉREZPERDOMO, 2009, p. 47-48)

Portanto, a rejeição ou a preservação do "jus commune" desempenhou um


papel fundamental na formação das duas tradições jurídicas distintas (Civil Law e
Common Law). A rejeição levou à ênfase na codificação como característica marcante
da tradição continental, enquanto a preservação permitiu que os precedentes judiciais
se tornassem o principal ponto focal na Inglaterra. Essas distinções são essenciais
para entender por que as duas tradições seguiram caminhos separados, apesar de
terem compartilhado uma base inicial.

Todas essas questões contribuíram para a formação do senso comum de que


a Civil Law é caracterizada por normas codificadas, enquanto a Common Law não
envolve codificação e se baseia fortemente em precedentes judiciais. No entanto, essa
simplificação excessiva não captura completamente a complexidade dessas tradições
jurídicas, e, portanto, algumas exceções devem ser consideradas. Além disso, essa
distinção também alimentou a ideia de que as duas tradições estão convergindo, e
alguns até sugerem uma possível fusão no futuro.

Origens da COMMON LAW

A Common Law é, em comparação com a Civil Law, uma tradição jurídica mais
recente em sua origem. De fato, enquanto já era possível identificar elementos da Civil
Law por volta do ano 533, com a publicação do Corpus Juris Civilis por Justiniano em
Constantinopla, a Common Law tem sua origem registrada em 1006, quando os
normandos conquistaram a Inglaterra.
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Além disso, a Common Law possui uma área de influência mais restrita.
Originalmente limitada à Inglaterra, sua expansão ocorreu principalmente durante o
período colonial, quando o Império Britânico se expandiu. Hoje, a Common Law é
predominante na Grã-Bretanha, Estados Unidos, Irlanda, Canadá, Austrália, Nova
Zelândia e influencia o direito de vários países na Ásia e na África.

A Common Law é, essencialmente, o resultado das atividades dos tribunais


reais da Inglaterra após a conquista normanda, marcando o início dessa tradição. Em
contraste com o Continente Europeu, especialmente a França, a Common Law na
Inglaterra não sofreu influências significativas das revoluções para sua formação. Além
disso, ao contrário da Civil Law, que tem uma ênfase na fonte legal predominante, as
principais fontes do direito na Common Law são as decisões judiciais e práticas
costumeiras desenvolvidas ao longo do tempo, baseadas em profundas raízes
históricas, e não como resultado de um processo revolucionário, como ocorreu na
França.

Segundo Perez-Perdomo (2009), ao contrário da França e da Alemanha, o


domínio do Império Romano não deixou uma marca duradoura na Inglaterra. A
Common Law se desenvolveu como resultado das atividades dos tribunais reais de
justiça. Os juízes da Common Law são figuras conhecidas e muitas vezes têm seus
nomes lembrados, como Marshall e Holmes, pois a tradição foi construída e
desenvolvida pelas decisões cuidadosamente fundamentadas caso a caso. Isso
resultou na doutrina do "stare decisis," que vincula os juízes a seguir decisões
anteriores em casos semelhantes.

Na Inglaterra do século XVII, ao contrário da França, não havia uma


desconfiança generalizada em relação aos juízes. O Judiciário na Inglaterra se aliou
ao Parlamento contra a autoridade do rei. Na França, por outro lado, o Judiciário tinha
fortes laços com o antigo regime, levando à teoria da separação de poderes para
neutralizá-lo. Isso resultou em um direito dos juízes na Inglaterra e um direito dos
legisladores na França.

No entanto, na Inglaterra, a Common Law enfrentou desafios devido ao seu


próprio esgotamento, o que favoreceu o surgimento de um sistema paralelo. Esse
sistema alternativo, conhecido como Equity Law, rivalizou com a Common Law, com
base nas queixas de pessoas insatisfeitas com as decisões dos tribunais reais. Essa
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jurisdição de equidade foi inspirada no direito romano-canônico e não seguia os ritos


dos tribunais reais.

A Common Law enfrentou o risco de ser superada por esse sistema rival,
conhecido como "equity," e chegou a um ponto de quase integração com a tradição
romano-canônica. No entanto, houve um compromisso para manter os dois sistemas
em equilíbrio. Essa união resultou na preservação da tradição da Common Law, que
passou por reformas no século XIX, principalmente em relação à organização
judiciária.

A common law estava exposta a um perigo duplo: o de não poder desenvolver-


se com liberdade suficiente para dar satisfação às necessidades da época, e
o de uma esclerose resultante da rotina dos homens de leis. Depois da sua
notável expansão no século XIII, ela não escapou a qualquer desses perigos,
e veio, por isto, a correr um enorme risco: o de ver formar-se [...] um sistema
rival pelo qual seria, com o decorrer do tempo, abafada e suplantada [...]. Esse
sistema rival... é a equity. [...] Os obstáculos existentes na administração da
justiça pelos Tribunais de Westminster davam inevitavelmente origem a que,
em numerosos casos, não fosse dada uma solução justa aos litígios. Nestes
casos, aflorava naturalmente ao espírito da parte perdedora que lhe restava
ainda uma possibilidade de obter justiça: era o recurso direito ao rei, fonte de
toda a justiça e generosidade. [...] Consequentemente, aconteceu que, desde
o século XIV, os particulares, não podendo obter justiça pelos Tribunais Reais,
ou chocados pela solução dada à sua causa por esses tribunais, se dirigiram
ao rei para lhe pedir que interviesse [...]. O recurso, em semelhante caso,
passava normalmente pelo Chanceler; este transmitia-o ao rei, se o julgasse
oportuno, o qual decidia no seu Conselho a solução para este recurso. (DAVID,
2002, p. 370-371).

Portanto, como um resumo da formação da Common Law, podemos listar os


seguintes eventos: a conquista normanda, a aplicação do common law pelos tribunais
reais, o surgimento da jurisdição de equidade e a alteração da lei de organização
judiciária no século XIX.

COMO A COMMON LAW SE DISTANCIA DO CAMINHO


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Trata-se de uma pergunta recorrente. Como foi possível, dado que tanto o
Continente europeu quanto a Inglaterra viveram sob o domínio do Império romano,
surgir duas tradições distintas? A quem atribuir o desvio do caminho até então era
trilhado em conjunto? Segundo Caenegem (2010), a responsabilidade pelo desvio do
caminho compartilhado deve ser atribuída à tradição da Civil Law, em vez da Common
Law. Ele argumenta que a Civil Law, com suas características de basear-se em um
corpus juris autorizado e ser codificada, foi a responsável pela mudança de curso.
Caenegem (2010) destaca que a prática romana, que se assemelha mais à Common
Law, não envolvia a ideia de encontrar todo o direito em um livro antigo e atemporal,
como o Corpus Juris Civilis.

Caenegem (2010) considera estranho que o mundo medieval tenha adotado o


direito do Corpus Juris Civilis como autoridade final, reformulando seu próprio direito
com base nesse texto sagrado, em vez de seguir o exemplo da Common Law, que
desenvolvia regras existentes, modernizava tribunais e processo, e permitia que os
profissionais jurídicos arguíssem e julgassem casos diariamente.

Portanto, a atribuição do desvio do caminho comum recai sobre os


continentais, que optaram pela codificação, subestimando a complexidade da vida,
enquanto a Common Law, ao preservar o jus commune, evitou as amarras da
codificação.

Como o Brasil vem se Precedentalizando: breve estudo crítico

O processo de valorização da jurisprudência e das decisões judiciais é uma


maneira de evidenciar a aproximação entre as tradições Civil Law e Common Law,
sendo a Civil Law vista como o principal objeto dessa interação. No Brasil, tem sido
argumentado que o país está passando por um processo de "commonlização" do
direito, com o Código de Processo Civil de 2015 servindo como um exemplo claro
desse movimento. Isso é evidenciado pelo artigo 927 do CPC, que introduz um sistema
de precedentes no direito brasileiro. Esse fenômeno tem sido chamado de
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"precedentalização à brasileira". Ademais, Rossi (2015, p. 254) diz que atualmente


“vários autores sugerem que estamos em franco avanço para o common law”, sendo
que, na sua visão, “há até os mais otimistas que sustentam a commonlização,
sugerindo que nossa tradição estaria deixando o superado civil law e migrando para
algo melhor como o common Law!”.

No entanto, essa questão é controversa, e diferentes juristas têm opiniões


divergentes sobre o assunto. Alguns acreditam que o Brasil está caminhando em
direção a um sistema de direito mais semelhante à Common Law, enquanto outros
discordam dessa avaliação.

Rossi (2015) argumenta que várias vozes sugerem que o Brasil está
avançando em direção ao Common Law, e alguns até afirmam que essa mudança é
positiva. No entanto, ele também enfatiza que a imposição da cultura de precedentes
por meio de legislação é problemática, pois difere das origens históricas dos
precedentes na Common Law.

Por outro lado, Luís Roberto Barroso (2016), ministro do STF, acreditam que a
adoção de um sistema de precedentes no Brasil é fundamental para melhorar o
funcionamento do Judiciário, garantir a segurança jurídica, a isonomia e a eficiência.
Eles destacam que essa mudança está alinhada com a evolução da jurisprudência e a
aproximação entre as tradições jurídicas ocidentais.

No entanto, há críticos, como Lenio Streck (2013), Georges Abboud (2015) e


Maurício Ramires (2010), que argumentam que a aplicação de precedentes no Brasil,
da maneira proposta, carece de fundamentação adequada e pode levar a resultados
controversos. Eles argumentam que a imposição legislativa de precedentes não leva
em consideração os métodos tradicionais do sistema legal brasileiro.

Em resumo, a questão da "commonlização" do direito no Brasil é um tema


complexo e controverso, que envolve diferenças de opinião sobre a adequação da
importação de elementos do sistema de precedentes da Common Law para o sistema
de Civil Law no país.

REFERÊNCIAS
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BARROSO, Luís Roberto; MELLO, Patrícia Perrone Campos. Trabalhado com uma
nova ordem: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro, 2016. In:
<http://s.conjur.com.br/dl/artigo-trabalhando-logica-ascensao.pdf>. Acesso em:
01 fev.2017
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 1999.
CAENEGEM, R. C. Van. Juízes, legisladores e professores. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2010.

RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto


Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

STRECK, Lenio; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as


súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

ABBOUD, GEORGES; CARINO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de.

Introdução à Teoria e à Filosofia do direito. São Paulo: RT, 2015.

DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo:


Martins Fontes, 2002.

ROSSI, Júlio César. Precedente à brasileira: a jurisprudência vinculante no CPC


e no novo CPC. São Paulo: Atlas, 2015.

Brasil. (2015). Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.

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