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Uma fotografia, muitas memórias...

Olhando as fotos do acervo da Biblioteca da Câmara o Sr. Toninho Neto, membro da


Comissão de Registros Históricos, rememora os fatos ali congelados no tempo. Na capa
do álbum preservada na coleção, está gravado o nome do fotógrafo João Batista com a
seguinte dedicatória “Ao Snr. Octávio Barreto Prado DD Prefeito de Marília. Recordação
dos festejos comemorativos do 34º aniversário de Marília 04/04/1963 – fotos de João
Batista” . O Sr. Toninho lembrou-se que aqui em Marília neste encontro deu-se o início
do racha político entre o então Presidente que fez aqui um discurso inflamado contra as
forças conservadoras, e o governador de São Paulo, Sr. Adhemar de Barros. As
expressões são sérias, vê-se pelas fotos que o Presidente do Senado Sr. Auro de Moura
Andrade que futuramente seria protagonista de grandes momentos históricos do país
também está com o semblante tenso. Nesta data houve um desfile cívico onde a população
de Marília compareceu em peso, o filme que está no acervo da Comissão mostra a
chegada das autoridades e o majestoso desfile que contou com grandes atrações como
Escolas, Bandas e Fanfarras e também o Tiro de Guerra de Marília. A atração especial foi
o desfile dos Oficiais da Escola de Cadetes da Polícia Militar de Barro Branco. João
Goulart foi o único Presidente da República que fez visita Oficial ao município até hoje.
Lembrando que Juscelino Kubitchek esteve aqui, porém, ainda como Senador e Getúlio
Vargas embora tenha vindo à região de Marília não veio em viagem oficial e na época
hospedou-se na Fazenda Matsubara. Segundo o Sr. Toninho a segurança pessoal do
Presidente João Goulart chegou aqui com dois dias de antecedência e foram vistoriados
todos os locais por onde ele passaria, checaram as saídas de emergência, hospedagem e
tudo que fosse necessário para a segurança do Presidente. Podemos perceber quantas
informações estão presentes nestas fotos, quantas lembranças elas reavivam em nossa
memória! A fotografia pode ser uma narrativa histórica, as roupas, os objetos, alimentos,
cenários, expressões e gestos. A pose é inseparável do retrato, o riso comprimido de
crianças e adolescentes que eram forçados a fixar desconfortavelmente para a câmera
aguardando o trabalho do fotógrafo até clarão do estouro do flash que utilizava pólvora
produzindo fumaça e cheiro característico. Nas fotos do fundo do baú, temos aquelas
feitas pelo lambe-lambe que registravam as pessoas que passavam pela praça. As grandes
câmeras ficavam posicionadas em locais turísticos estratégicos e tinha ao fundo a atração
turística local como a Igreja de Nossa Senhora Aparecida, no Rio, a Urca ao fundo, em
São Paulo defronte a Igreja da Sé. Nos estúdios eram feitas as fotos oficiais da família,
sempre todos muito bem vestidos, iam com a “roupa de missa” geralmente aquela
escadinha, pois as famílias eram numerosas. Também as fotos de primeira comunhão,
formatura, batizados, casamentos, aniversários, e outros momentos de celebração da
família. A figura lírica da noivinha com seu véu e grinalda, a criança com asas de anjo no
ensaio fotográfico da primeira comunhão, o menino rechonchudo no cavalinho de pau,
todas estas cenas fizeram parte de nossas vidas ou da de nossos antepassados e agora
repousam em álbuns de fotografias muitas já amarelecidas pelo tempo. Nos álbuns, a capa
era sempre de madeira em marchetaria com cenas do Rio de Janeiro ou de Curitiba. Era
uma alegria ganhar um álbum destes de presente, garantindo a memória preservada e
organizada. O silêncio das fotografias que apresentam muitas vezes fotos recortadas,
eliminando as “ovelhas negras”, não se conservando foto de desafetos. Até os anos 60
não se tiravam fotos de mulheres grávidas e só depois da fotografia de Leila Diniz com
seu barrigão é que se quebrou este tabu no Brasil. Fato curioso os passaportes japoneses
traziam fotos da família toda, a família Miura de Marília, guarda o passaporte original
com a imagem de quando a família chegou ao Brasil, tornou-se uma lembrança. Nos
chamados “Santinhos” de missas de 7º dia a fotografia do falecido é oferecida aos
presentes para sempre ser lembrado.

Se analisarmos as condições em que eram feitas estas fotos, os recursos técnicos com que
contavam, vamos considerar que nossos fotógrafos antigos eram verdadeiros heróis.
Quando vemos as fotos dos primórdios de Marília vemos a marcação “Foto Muzzi”.
Segundo o Sr. Toninho Neto, foi o primeiro estúdio da cidade surgido na década de 30 e
ficava localizado na Avenida 9 de Julho entre a Quinze de Novembro e a São Luiz. O
fotógrafo Kazuo Teranishi proprietário do Foto Honda, há mais de 35 anos localizado na
Rua 9 de Julho conta-nos que chegou em Marília em 1960 para aprender o ofício com o
tio, o fotógrafo Francisco Yassue que tinha estúdio na Rua São Luiz quase esquina com
a 9 de Julho. Tinha 16 anos e no início trabalhavam com grandes câmeras, tipo caixão.
Uma das especialidades da família era trabalhar com o acabamento nas fotos preto e
branco, o chamado retoque onde a foto era colorida em um processo muito minucioso e
que exigia paciência e talento. A mudança para o endereço atual deu-se na década de 70
após a aposentadoria de seu tio, quando passou a tocar o próprio negócio. Lembrou-nos
o Sr. Kazuo que as crianças terminavam a primeira comunhão e iam todas até o estúdio
para fazer a clássica foto. Vários foram os fotógrafos que tiveram estúdio em Marília
como O Foto Estúdio Inácio na Vila São Miguel, O Foto Marília do fotógrafo Fujio
Kobari na Cel Galdino, o Sr Mário Parente que era um dos maiores artistas até
nacionalmente conhecido na fotografia pintada a mão. O Príncipe Foto na Rua 9 de Julho
fundado por Sebastião Leme, inicialmente com nome Foto Leme – aqui abrimos um
parênteses para o mestre e artista da fotografia mariliense, inventor da câmera de 360
graus cujo filho Mauricio Leme é autor de muitas das belíssimas fotos aéreas que vemos
na cidade atualmente -, o fotógrafo João Batista que cobriu diversos casamentos, eventos
da Câmara e Prefeitura Municipal cujo sobrinho Mauro também fotógrafo é quem faz os
registros dos acontecimentos de Marília como fotógrafo oficial da Prefeitura Municipal.
O foto Lusitano de Manoel Joaquim Pires, que foi fundado pelo nosso grande talento na
fotografia que é também cônsul honorário de Portugal e cobriu grandes eventos,
sobretudo do clube de Cinema durante os famosos Festivais e Prêmio Curumim, O Foto
Ipiranga de propriedade do fotógrafo Akira que ao adquirir o foto Leme vende o Foto
Ipiranga para Angel Nigro, argentino comerciante que mudou o nome para Foto 5
Minutos, posteriormente passa a ser de propriedade de Abelardo Camarinha e hoje é de
propriedade de Carlos Coércio, o Guru. O Foto Moderno, do Sr. Matsuda especialista nas
fotos de formatura e era ele quem elaborava a lembrança em formato do mapa do Estado
de São Paulo com fotos de todos os formandos e professores. Lembrou-nos o fotógrafo
Mauricio Leme de Acássio Shodou Hatadani especialista em fotos 3X4 que foi um dos
precursores no associativismo das pessoas portadoras de deficiência na fala e audição
como portador, por isto conhecido como “mudinho”. Nos anos 70 as fotografias passam
a ser coloridas, a Empresa Iguatemy localizada na Rua Cel Galdino instalou seu
laboratório fotográfico na Rua XV de Novembro e foi pioneira na revelação a cores. A
fotógrafa Marlene, com sua equipe da qual participei, foi responsável pela revelação de
toda demanda dos fotos da cidade, pois antes de termos este serviço em Marília, os
fotógrafos encaminhavam seus negativos a cores para os laboratórios de São Paulo como
o famoso “Curts”.

O que seria da memória sem os fotógrafos? Graças a eles temos os acervos públicos e
pessoais e a partir destas imagens reconstruímos nossa história. Muitos deles anônimos,
hoje já falecidos, mas todos foram verdadeiros heróis, pois não contavam com a
tecnologia e as facilidades de hoje como as fotos digitais e os programas de tratamento
de imagens. Tudo era artesanal, os custos eram altos. Sem eles e os registros fotográficos
que deixaram, arquitetura e as paisagens urbanas que sofreram transformações estariam
esquecidas. São as fotografias as únicas imagens que restam daquilo que sofreu tantas
mudanças na maneira como foram vistos e retratados como ruas, praças, edifícios e
esquinas.

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