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Referëncia Lisboa, S. & Garattoni, B. (2018). O mundo secreto do inconsciente. Revista superinteressante .

Postado
em- https://super.abril.com.br/ciencia/o-mundo-secreto-do-inconsciente/

Quando tinha pouco mais de cinquenta anos, o médico africano T.N. sofreu dois derrames
cerebrais devastadores. Eles destruíram totalmente seu córtex visual, a região do cérebro que
nos permite enxergar. T.N. ficou completa e irremediavelmente cego. Mas, ainda no
hospital, um grupo de cientistas ingleses decidiu recrutá-lo para um estudo estranho.
Colocaram um laptop na frente de T.N. e pediram a ele que identificasse qual figura aparecia
na tela, que poderia ser um círculo ou um quadrado. O homem identificou corretamente 50%
das figuras – o que é de se esperar num cego, pois esse índice de acerto é o mesmo que se
consegue fazendo escolhas aleatoriamente. T.N. estava apenas chutando. Mas aí, num

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segundo teste, os pesquisadores trocaram as imagens exibidas no laptop. Agora, aparecia
uma sequência de rostos, alguns amigáveis e outros hostis. T.N. deveria dizer se cada face
era amiga ou inimiga. Para perplexidade geral, ele identificou corretamente dois terços dos
rostos. Sorte? Os cientistas repetiram o teste, mas o índice de acerto se mantinha. T.N. estava
tendo alguma reação aos rostos. Ele dizia que não estava vendo nada – e, clinicamente, de
fato era impossível que enxergasse. Como explicar isso, então? Um fenômeno sobrenatural?
Não.

Ser capaz de ler expressões faciais é uma habilidade extremamente importante. Para o
homem das cavernas, saber se um indivíduo era amistoso ou hostil poderia significar a
diferença entre a vida e a morte. E era preciso fazer isso no ato; não dava tempo de conversar
e analisar racionalmente a pessoa para saber se ela era boazinha ou não. Por isso, ao longo da
evolução, uma região cerebral se especializou em julgar rostos. Ela se chama área fusiforme
e é um pedaço fininho e comprido da parte de baixo do cérebro. Quando você vê uma pessoa
pela primeira vez, sua área fusiforme analisa o rosto dela. O processo dura frações de
segundo e é inconsciente, ou seja, você não percebe que está acontecendo. Sabe aquela
primeira impressão instantânea, que parece puro instinto e sempre temos ao conhecer
alguém? É um julgamento feito pela área fusiforme.

No cérebro de T.N., esse pedaço estava intacto. O córtex dele não conseguia processar as
imagens enviadas pelos olhos, mas a área fusiforme sim. É por isso que, mesmo estando
cego, T.N. ainda conseguia ver rostos. Seu cérebro consciente não enxergava mais nada. Mas
o inconsciente dele ainda conseguia ver – e, mais do que ver, julgar os rostos das pessoas.

Há diversos casos como o de T.N., tantos que a ciência até criou um termo para designá-los:
blindsight, ou visão cega. Todos seguem o mesmo padrão. Conscientemente, a pessoa está
cega – mas partes do cérebro dela ainda conseguem enxergar. A visão cega é apenas uma das
demonstrações do poder do inconsciente, que interessa cada vez mais aos cientistas.

Agora, o lado oculto da mente não é apenas um assunto de psicanalistas; ele também virou
uma das áreas mais interessantes da neurociência moderna. Essa transformação aconteceu
porque as técnicas de mapeamento cerebral finalmente estão permitindo que os cientistas
comecem a desbravar o inconsciente – um mundo inexplorado e muito maior que a
consciência.

Quão maior? Em 2012, a emissora inglesa BBC fez essa pergunta a sete dos maiores experts
do mundo em cérebro e cognição, de quatro grandes universidades (Oxford, Montreal,
Columbia e Londres). Cada um deles deu seu palpite – sim, palpite, pois a ciência ainda está
longe de ter um catálogo completo dos processos cerebrais. Pelas estimativas dos
especialistas, a consciência ocupa no máximo 5% do cérebro. Todo o resto, 95%, é o reino
do inconsciente.
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Muito do que você faz, o tempo inteiro, é inconsciente. Falar, por exemplo. Você
simplesmente pensa no que quer dizer (as ideias), e não precisa selecionar conscientemente
as palavras – elas simplesmente aparecem. Isso acontece porque o seu inconsciente trabalha
nos bastidores durante o papo, vasculhando o seu vocabulário e abastecendo o consciente
para ajudar você a se expressar. Enquanto você escuta outra pessoa falar, acontece algo
parecido. Você não precisa analisar e decodificar conscientemente cada palavra do que ela
está dizendo – porque o seu inconsciente se encarrega de transformar em ideias os sons que
estão saindo da boca dela. Quando você lê um texto, é a mesma coisa: o inconsciente
transforma automaticamente os símbolos gráficos (as letras e palavras) da página em ideias,
que só então são transmitidas para a sua consciência. É por isso que é tão difícil aprender
outro idioma. Quando você começa a falar ou ler textos em outra língua, só usa a consciência
– porque o inconsciente ainda não assumiu a tarefa (mais sobre isso daqui a pouco), e você
tem de escolher ou analisar as palavras uma por uma. “Falar outro idioma é quase
experimentar ser outra pessoa. Precisamos reunir os sentidos usando outra lógica”, diz Luiza
Surreaux, doutora em estudos da linguagem e professora da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS).

O inconsciente se encarrega de tudo o que fazemos sem esforço perceptível, como


andar na rua ou escovar os dentes. Por causa disso, ele opera em potência máxima o tempo
todo – e é uma exceção no organismo. Se você se levantar e sair correndo, por exemplo, os
seus músculos vão gastar aproximadamente 100 vezes mais energia do que se você estivesse
imóvel (e coração e pulmão também serão mais exigidos). Mas o cérebro é diferente.
Quando você faz alguma coisa mentalmente intensa, como jogar xadrez, ele gasta apenas 1%
a mais de energia do que se você estivesse olhando para o teto, sem pensar em nada. Isso
acontece graças ao inconsciente – que trabalha freneticamente até quando estamos relaxados.
“O cérebro é abastecido pelos olhos, ouvidos e outros sentidos, e o inconsciente traduz tudo
em imagens e palavras”, diz o psicólogo e neurocientista Ran Hassin, professor da
Universidade Hebraica de Jerusalém e um dos autores do livro The New Unconscious (“O
novo inconsciente”, ainda não lançado no Brasil). “Novo inconsciente”, aliás, é o termo que

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os cientistas têm utilizado para definir essa nova abordagem – que propõe uma explicação
puramente neurológica para o lado oculto da mente. Mas também confirma a principal ideia
de Freud.

PSICANÁLISE X CIÊNCIA

Sigmund Freud não foi o “descobridor” do inconsciente. Já durante o Iluminismo, no


século 18, se discutia a existência dele – entendido como um pedaço da mente dotado de
vontades que escapavam ao controle consciente. A contribuição específica (e enorme) de
Freud foi transformar uma noção vaga num conjunto de ideias, teorias e técnicas: a
psicanálise. Como explica o biógrafo Peter Gay em Freud – Uma Vida para Nosso Tempo
(Companhia das Letras, 2012), Freud acreditava que o inconsciente era “uma prisão de
segurança máxima” na qual os traumas sofridos na infância ficavam aprisionados, e nisso
estaria a raiz das infelicidades humanas.

A neurociência nunca deu muita bola para a psicanálise. Mas os novos estudos sobre
inconsciente trazem comprovação para um conceito central dela. Uma experiência liderada
pelo psiquiatra Eric Kandel, que ganhou o prêmio Nobel de Medicina de 2000 por estudos
sobre neurotransmissores, mostra como o inconsciente pode funcionar como amplificador
das emoções. Antes da experiência, os voluntários preencheram questionários que mediam
seus níveis de ansiedade. Depois, enquanto seu cérebro era monitorado pelos cientistas, cada
voluntário via uma série de rostos com expressões de medo. Foram duas sessões. Na
primeira, as fotos passavam bem devagar, com tempo suficiente para o voluntário analisar os
detalhes de cada uma. Na segunda, as imagens passavam tão rápido que os voluntários não
conseguiam identificar nada – não tinham nem certeza de ter visto um rosto ou qualquer
outra coisa. A intenção de Kandel e seus colegas era provocar emoções conscientes e
inconscientes. Quando a foto ficava por um bom tempo na tela, o voluntário tinha tempo de
perceber conscientemente a expressão de medo da imagem. No outro experimento, era tudo
tão rápido que não era possível ter uma reação consciente. Essas imagens rápidas
estimulavam diretamente o inconsciente, e provocavam atividade muito alta no núcleo
basolateral da amídala cerebral – área ligada às sensações de medo. Já as imagens lentas, que
eram interpretadas de forma consciente, não geravam nenhuma atividade nessa área. Quanto
mais ansiosa a pessoa era, maior a diferença entre a interpretação consciente e inconsciente
da mesma coisa (as imagens). Para Kandel, o estudo é a comprovação neurocientífica de
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uma teoria central da psicanálise: a interpretação inconsciente de coisas negativas é a fonte
de muitas das aflições humanas. Freud tinha razão.

O inconsciente pode ser fonte de angústias – e também de algumas injustiças, cujos efeitos
são perceptíveis desde a infância. O queridinho do professor, provavelmente, será o aluno
com as melhores notas da classe. Não porque ele seja necessariamente o melhor, mas porque
os professores acreditam que seja – e acabam atuando inconscientemente a favor dele. Esse
fenômeno, que se chama incentivo inconsciente, tem respaldo em diversos estudos
científicos. Um dos mais engenhosos (e mais polêmicos também) foi conduzido na década
de 1960 por Robert Rosenthal, hoje um octogenário professor de psicologia da Universidade
da Califórnia.

Na experiência, os alunos de uma escola americana foram submetidos a uma prova.


Rosenthal e sua equipe disseram aos 18 educadores do colégio que se tratava de um teste
especial, desenvolvido na Universidade Harvard para analisar o potencial de
desenvolvimento de cada criança. Mentira. Era apenas um reles teste de QI, sem nada de
especial. O objetivo da lorota era aumentar as expectativas dos professores. Os alunos
fizeram a prova, e a grande sacada de Rosenthal veio na hora de anunciar o resultado. Antes
mesmo de calcular a pontuação de cada aluno, os pesquisadores escolheram aleatoriamente
três a seis crianças de cada série e disseram aos professores que aqueles alunos haviam se
destacado e teriam um desempenho extraordinário nos anos seguintes. Era outra mentira.

No final do ano escolar, a equipe de Rosenthal voltou à escola e repetiu o teste. Os alunos
que haviam sido falsamente diagnosticados como gênios haviam ganho, em média, 3,8
pontos de QI a mais que os demais. O resultado foi ainda mais surpreendente entre alunos da
primeira série: a diferença entre os ungidos e o resto foi de assombrosos 15,4 pontos de QI a
mais. Ou seja: as crianças que haviam sido apresentadas como mais inteligentes de fato se
tornaram mais inteligentes – porque inconscientemente, sem querer, os professores haviam
dado mais atenção e estímulo a elas. “O resultado mais importante desse experimento foi
mostrar como a expectativa dos professores faz toda a diferença para o desenvolvimento dos
alunos”, analisa Rosenthal. É impossível ser completamente justo e imune a esse tipo de
influência, mas existe um antídoto eficaz contra as distorções induzidas pelo inconsciente:
saber que ele sempre está pronto para nos enganar.
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APRENDER SEM SABER

Se, por um lado, é impossível controlar o inconsciente de maneira consciente, é possível


influenciá-lo. “Podemos mudá-lo. Ele é tão maleável quanto a consciência, ou talvez mais”,
afirma o neurologista Ran Hassin. Como se faz isso? Praticando alguma coisa até que ela se
torne uma segunda natureza, ou seja, vire um processo automático. Qualquer profissional de
elite, seja um pianista profissional, um jogador da seleção brasileira de futebol, um médico-
cirurgião ou uma bailarina do Theatro Municipal, depende de anos de prática para chegar ao
topo da carreira. Cerca de dez anos de prática – ou 10 mil horas de treino, segundo uma
famosa pesquisa do psicólogo Anders Ericsson, da Universidade da Flórida. Ericsson
estudou violinistas de uma das melhores escolas de música de Berlim. Eles começaram com
cinco anos de idade, todos no mesmo ritmo. Mas, a partir dos oito anos, as horas de ensaio
começaram a variar entre os estudantes. Quando chegaram aos 20 anos, os melhores
violinistas haviam somado 10 mil horas de treino, enquanto os demais não passavam de 8
mil horas – e os piores da turma tinham apenas 4 mil horas de estudo.

A dedicação trouxe recompensa porque, quando se pratica muito alguma coisa, ela
fica gravada num tipo especial de memória: a memória não-declarativa, que faz parte do
inconsciente e registra ações e movimentos do corpo. É ela que permite que o violinista
consiga tocar bem. Se dependesse apenas do consciente, ele não daria conta de todos os
procedimentos envolvidos na tarefa (ler a partitura, equilibrar o instrumento no ombro,
posicionar os dedos, mover o arco, respirar e, ainda por cima, tocar de maneira natural e
relaxada). E ninguém conseguiria aprender a falar fluentemente um segundo idioma. Em
suma: a chave para ensinar uma nova habilidade ao próprio inconsciente é treinar, treinar e
treinar. É um processo bem demorado. Mas já existe gente tentando deixá-lo mais rápido.

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AS SENHAS INVISÍVEIS

Elas são um problema típico do mundo moderno. Ou você acaba esquecendo as suas, ou
escolhe uma bem bobinha e usa pra tudo – até que, por causa disso, alguém acaba invadindo
o seu e-mail ou conta bancária. Um grupo de cientistas da Universidade Stanford tem uma
solução melhor: senhas ultrassecretas, que ficam armazenadas no inconsciente. Funciona
assim. Primeiro, os cientistas pedem a voluntários que joguem um joguinho no qual bolinhas
caem, uma de cada vez, em uma das seis colunas que aparecem na tela. O objetivo é apertar
o botão do teclado correspondente à posição da bolinha na tela. Se a bolinha cai do lado
esquerdo, por exemplo, a pessoa aperta a letra S (porque ela fica bem à esquerda no teclado).
A ordem das bolinhas parece aleatória, mas não é. A pessoa não percebe, mas existe uma
sequência que se repete de tempos em tempos – cerca de 90 vezes ao longo de 30 minutos, a
duração do jogo. Essa sequência é definida pelo computador e é personalizada, ou seja,
diferente para cada jogador. Ela é a senha. E, graças à repetição, acaba sendo gravada no
inconsciente da pessoa.
Na segunda etapa da experiência, a pessoa joga o joguinho novamente. E as bolinhas vão
caindo na tela do mesmo jeito: sua ordem parece aleatória, mas uma sequência específica (a
senha) se repete de tempos em tempos. Como as bolinhas caem bem depressa, o jogador erra
muitas. Exceto as bolinhas daquela sequência que ficou gravada no inconsciente dele. Sem
perceber nem saber o motivo, a pessoa acerta todas. Está digitada a senha. Ela é reconhecida
pelo computador, que libera o acesso. Além de ser conveniente (você nunca mais precisará
se lembrar de uma senha), a tecnologia é extremamente segura. “O sistema torna
praticamente impossível para um assaltante forçar a vítima a revelar sua senha bancária, por
exemplo. Porque a senha está no cérebro da pessoa, mas não está acessível conscientemente
a ela”, explica Hristo Bojinov, um dos criadores da tecnologia.

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Segundo ele, o sistema de senhas inconscientes pode chegar ao mercado dentro de três anos,
mas ainda precisa ser aperfeiçoado. Por enquanto, ele é inviável para uso cotidiano – porque
é preciso jogar o joguinho durante 5 a 10 minutos até que a senha inconsciente seja digitada.
Dez minutos é bastante. Mas é bem menos do que as 10 mil horas do exemplo anterior. Ou
seja: a nova técnica mostra que é possível inserir informações simples no inconsciente muito
mais depressa do que se acreditava.

O Exército americano já percebeu, e está tentando tirar proveito disso. A ideia é ajudar os
analistas de imagens aéreas, funcionários do Pentágono que olham as fotos tiradas pelos
satélites espiões dos EUA – e dizem quais delas contêm algo relevante (como um reator
nuclear ou uma base militar inimiga, por exemplo). É um trabalho cansativo e difícil, pois
são milhares de fotos aparentemente iguais, com diferenças minúsculas. Mas o cientista Paul
Sajda, da Universidade Columbia, teve a ideia de monitorar o cérebro de um analista
enquanto ele olhava essas fotos. O analista vestiu uma touca de eletroencefalograma (EEG),
cheia de sensores que medem a atividade elétrica em determinadas regiões do cérebro. Aí
Sajda mostrou a ele uma foto relevante, ou seja, na qual se via claramente uma construção
suspeita. O eletroencefalograma registrou um pico de atividade cerebral – pois aquela
imagem havia despertado a curiosidade do analista. Normal.

Mas aí os pesquisadores resolveram acelerar as coisas, e começaram a exibir dez imagens


por segundo. Algumas das fotos eram relevantes, outras não, mas todas passavam rápido
demais para que o analista conseguisse prestar atenção em qualquer coisa. Mesmo assim,
quando aparecia uma foto relevante, algo incrível acontecia: o eletroencefalograma
registrava um pico de atividade no cérebro dele. O analista não conseguia perceber nada de
diferente nas imagens, mas o inconsciente dele sim – e estava identificando as fotos que
tinham pontos interessantes. De acordo com Sajda, o novo método permite aumentar em até
300 vezes a eficiência da análise de imagens militares. “Os processos inconscientes são
capazes de algum tipo de racionalidade, muito mais do que se pensa, e essa racionalidade
pode levar a boas decisões”, escreve o neurocientista Antonio Damasio no livro E o Cérebro
Criou o Homem.

HANS, O CAVALO ESPERTO

O inconsciente não é apenas um depósito de traumas reprimidos e habilidades incríveis. Ele


também é especialista em fazer o contrário: colocar tud o pra fora. O psicólogo Paul Ekman,

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da Universidade da California, ficou famoso por ter catalogado mais de 10 mil conjuntos de
“microexpressões” – expressões faciais que fazemos inconscientemente enquanto
conversamos, e que podem revelar nossas verdadeiras emoções. Inclusive se o seu
interlocutor for um cavalo.
Em 1904, o alemão Wilhelm von Oster ficou famoso por suas apresentações com Hans – um
cavalo que era capaz de “quase tudo, menos falar”. Segundo o dono, Hans fazia cálculos
matemáticos complexos. Quando perguntavam a raiz quadrada de quatro, o bicho respondia
batendo o casco duas vezes no chão. A conexão era tanta que Hans acertava o resultado
mesmo quando seu mestre não fazia as perguntas em voz alta – e apenas pensava nelas.
Havia quem jurasse de pés juntos que o cavalo lia a mente de Von Oster. A dupla rodou a
Alemanha em apresentações fantásticas, e deixou estudiosos debruçados sobre o mistério
durante anos. Em 1907, o psicólogo Oskar Pfungst publicou um estudo que solucionava a
charada. Hans só acertava os resultados quando seu `entrevistador¿ (no caso, Von Oster) já
sabia a resposta certa. Pfungst descobriu um padrão: Von Oster se inclinava levemente para
frente quando terminava de propor uma questão. Esse era o sinal. Hans entendia e começava
a bater o casco no chão. Quando atingia o número certo de batidas, algum outro movimento
do dono denunciava a hora de parar. Von Oster era um charlatão, então? Talvez. Mas muitas
outras pessoas, que não sabiam de nada, desafiaram Hans com problemas matemáticos. O
cavalo acertou todos. É que elas, sem saber, também coordenavam com movimentos
inconscientes as respostas dele. Ou seja: cavalos talvez não saibam fazer contas, mas podem
ser capazes de ler o inconsciente alheio com mais precisão do que muito humano.

inda não existe uma fórmula que permita controlar o que dizemos de forma inconsciente.
Emitimos sinais inconscientes o tempo todo – a ponto de sermos transparentes até para
cavalos. É por isso que é tão difícil fingir: todo mundo percebe quando achamos que uma
festa está meio chata, por exemplo. Mas não vá culpar o seu inconsciente por isso. Se não
fosse ele, você sequer conseguiria dançar e conversar ao mesmo tempo.

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Memória subliminar

Como funciona o sistema que permite gravar senhas de computador no inconsciente

1. Você joga um game em que bolinhas caem na tela – e o objetivo é apertar a letra do
teclado correspondente à coluna na qual a bolinha está caindo.

2. A ordem das bolinhas parece aleatória, mas não é. Você não percebe, mas existe uma
sequência de 30 letras que se repete várias vezes durante o jogo. Ela é a senha – e, de tanto
ser repetida, fica gravada no seu inconsciente.

3. Para acessar o computador, você joga novamente o game. Como as bolinhas caem bem
rápido, você erra muitas delas – exceto aquela sequência de 30, que o seu inconsciente
gravou, e por isso você acerta. A máquina reconhece a senha e libera seu acesso.

Percepção acelerada

Exército dos EUA já sabe usar o poder do inconsciente para turbinar a visão humana

1. O militar veste uma touca de eletroencefalograma (EEG), aparelho que mede as correntes
elétricas do cérebro.

2. Uma tela mostra dez imagens por segundo. É rápido demais para que a pessoa tenha
qualquer reação consciente.

3. Mas quando aparece uma imagem relevante (mostrando uma base militar inimiga, por
exemplo), o inconsciente percebe – e o EEG registra um pico de atividade cerebral.

4. A técnica permite que um analista militar processe até 36 mil imagens por hora – e com
três vezes mais precisão do que se estivesse usando a consciência.

PARA SABER MAIS

Subliminal

Leonard Mlodinow. Pantheon Books, 2012.


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Em Busca da Memória

Eric Kandel. Companhia das Letras, 2009.

* Colaboração de Cristine Kist, Bianca Carneiroe e Ana Becker

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