Você está na página 1de 6

NOMENCLATURAS, GRADUAÇÃO E TÍTULOS NO KARATE-DŌ

Tiago Oviedo Frosi (28 de fevereiro de 2018)

Muitos títulos honoríficos e nomenclaturas diversas tem sido usadas no Brasil para designar professores de
Karate. Muitas vezes acompanhadas de faixas corais e suas variações mirabolantes sem nenhum tipo de
reconhecimento de organizações internacionais de Karate. Na massiva maioria dos casos os títulos são auto-
proclamados, inclusive baseados em graduações auto-outorgadas. Essa preocupante situação nos incita a
registrar aqui o significado das principais nomenclaturas usadas no Karate-Dō e alguns exemplos de
exigências de organizações sérias para outorga de títulos como Shihan (mestre modelo).

NOMENCLATURAS COMUNS

- Seito [生徒]: estudante, pupilo. Quem recebe instruções do professor e dedica seu esforço e respeito ao
treinamento.

- Sensei [先生]: Palavra comum do idioma japonês que significa “aquele que nasceu antes”, usada para
professores, médicos, legisladores, políticos, clérigos e outras figuras de autoridade. No Karate é o
responsável pela transmissão dos conhecimentos dentro do Dōjō e soberano do local. Não existe autoridade
superior ao sensei dentro do Dōjō. Na antiguidade, mesmo o Imperador devia respeitar esta premissa.

- Shihan [師範]: mestre/modelo, um notável professor de alta graduação e responsável por grandes
contribuições ao Karate em sua carreira. Geralmente possuem muitos alunos com o status de Sensei. No
Japão, a condecoração de Certificado de Licença de Especialista é designada através de qualificação de
virtudes comprovadas e endossado pela Associação de Instrutores Chefes (Shidoin/Shihan-kai) ou pelo
Quadro Administrativo de uma Associação. Shou-gou [称号] é o sistema de titulação de mestres estabelecido
pela Dai-Nippon Butoku-kai (Associação das Virtudes Militares do Grande Japão, fundada em 1895 em Kyoto).
Apenas um longo processo de examinação e apresentação de documentos comprovados e válidos valida o
título.

Muitas discussões e opiniões sobre sistemas de graduação de Karate vêm povoando os fóruns e grupos de
discussão de Karate na internet, especialmente nas redes sociais. O problema é que essas discussões nunca
são sobre o programa técnico dos estágios de aprendizagem, que é o que realmente importa e acaba se
restringindo a coisas vazias como a cor das faixas que devem ser usadas pelos Seito ou que “meu mestre
mandou fazer assim”. Acabam como discussões sem sentido iguais a conversas de bar, sem embasamento
em nenhum autor ou programa de ensino oficial, acabando sempre de forma improdutiva e vencidas ou
encerradas “no grito”.
Quanto a definições sobre programa técnico e sistema de graduação no estilo Shotokan, via de regra, deve-
se observar as escolas japonesas de Karate como a Japan Karate Association (JKA) e a Japan Karate
Shotorenmei (JKS). Todas essas escolas utilizam o sistema Kyu-Dan originalmente desenvolvido por Jigoro
Kano (o fundador do Judo) para a Dai Nippon Butokukai e aplicado a todas as formas de Budo no início do
século XX. Atualmente as escolas utilizam formas modificadas do sistema Kyu-Dan original, como uma
evolução natural do processo de ensino-aprendizagem. Conforme necessidades foram aparecendo, ou
outras metodologias de ensino foram se mostrando mais eficazes, o número de Kyu e os programas técnicos
foram alterados e aperfeiçoados. Junto com isso em alguns casos modificou-se também as cores das faixas
que representavam os Kyu, o que causa em muitos praticantes e instrutores brasileiros um profundo calafrio
na espinha. A JKA Japão utiliza atualmente: faixa branca para mukyu e de 10º a 9º kyu (crianças em alguns
dojo recebem a faixa amarela), 8º e 7º faixa verde, de 6º a 4º kyu faixa roxa e de 3º a 1º marrom. No estilo
Shotokan, todos os Dans usam faixa preta, em outros estilos e outras artes marciais japonesas (outros Budo)
pode-se usar kohaku obi (vermelha e branca) de 6º a 8º Dan e akai obi (vermelha) para 9º e 10º Dan. Na JKS
Japão também se usa a sequência de faixas coloridas idêntica à da JKA Japão, exceto em alguns Dojo
especializados no ensino de crianças como o Kaishi Kids de Tokyo. Nesse Dojo é usado faixa branca para
mukyu, amarela 10º kyu, laranja 9º, azul 8º, verde 7º, roxa de 6º a 4º kyu e marrom de 3º a 1º. Há livros,
DVDs e fotos com essas informações publicadas, divulgando os programas atualizados da JKA e da JKS, só
que não foram publicados no Brasil por que aqui tudo parou na década de 1970.

O sistema original de graduações Kyu-Dan foi desenvolvido, como mencionamos no início, por Jigoro Kano
que era o chefe da Dai Nippon Butokukai, não por que os outros Budo copiaram o Judo, o Judo fazia parte do
mesmo sistema. Originalmente as graduações no Japão consistiam de mukyu (sem classe, faixa branca), faixa
marrom (classe de intermediários) e faixa preta (de 1º a 5º Dan). Depois foram introduzidos os graus antigos
(kodansha - de 6º a 10º Dan para diferenciar os mestres antigos dos mais jovens que estavam recebendo
graduações de faixa preta (yudansha).
Gichin Funakoshi possuía a maior graduação possível na época, de 5º Dan. Foi só no início da década de 1960
que foram incluídos os graus de 6º a 10º Dan no sistema Kano, após a morte de Funakoshi. Concluímos, com
isso, que o Pai do Karate Moderno nunca usou a faixa coral (kohaku - inserida no sistema para diferenciar os
possuidores de grau Dan -Yudansha- dos peritos que eram antigos no grau Dan -Kodansha- e que era
outorgada a partir do 6º Dan). A Japan Karate Association resistiu até o final da década de 1960 para incluir
os outros cinco Dan e a Shotokai nunca os incluiu. Esse tipo de fato histórico está bem registrado em livros
como “Kodokan Judo” de Jigoro Kano e “Moving Zen” de Randal Hassel. Esse é o motivo pelo qual ninguém
nunca usou a faixa “coral” no Shotokan. Nenhum grande mestre gostaria de ofender a memória de Funakoshi
sensei usando uma faixa que representa um nível superior ao dele (coral ou vermelha), portanto mesmo
aqueles graduados 9º e 10º Dan, como Masatoshi Nakayama, Hirokazu Kanazawa ou Tetsuhiko Asai sempre
usaram a faixa preta.

Primeiramente vale lembrar que Gichin Funakoshi sensei era considerado um “estrangeiro” e não um japonês
de fato, por ter nascido em Okinawa, então ele teria que se colocar em uma posição de inferioridade para
registrar o Karate como uma arte japonesa, e para isso ele teve que seguir algumas regras que na época eram
impostas pela instituição que controlava as artes marciais japonesas, a Dai Nippon Butoku Kai.

As exigências impostas pela Dai Nippon Butoku Kai eram:

1- Usar o sufixo “DO (道)” como parte do nome;

2- Adaptar-se a metodologia de ensino das artes marciais japonesas;

3- Usar o Dogi (que era o uniforme do Judô e que foi imposto a todas as artes);

4- Adotar o sistema de graduação Kyu-Dan existente na época, como comentamos, que era composto da
faixa branca para iniciantes, marrom para intermediários, preta para os avançados. Esse sistema de
graduação era chamado de sistema Kano (pois fora desenvolvido por Jigoro Kano, fundador do Judo, Ministro
da Educação, primeiro japonês membro do Comitê Olímpico Internacional e a maior autoridade das artes
marciais japonesas da época).

Os estágios intermediários de Kyu para diferenciar melhor os faixas-coloridas foram sendo inseridos aos
poucos. Primeiro a faixa roxa (às vezes azul), e mais tarde a verde. Outras cores são recentes no sistema
japonês (sistema Kano). Uma última curiosidade sobre esse sistema é que na faixa das mulheres era
costurada uma fita branca no centro da faixa, de ponta a ponta. Hoje em dia alguns Dojo estão usando essas
faixas horizontais para diferenciar Kyu dentro da mesma cor de faixa. Esse sistema Kyu-Dan japonês (sistema
Kano) é composto atualmente de 10 Kyu e 10 Dan.

Um dos primeiros sistemas com outras cores surgiu na Inglaterra, em 1927, elaborado por Gunji Koizumi
Sensei, que instituiu em Londres as cores para diferenciar os Kyu. Essa ideia se espalhou pelo mundo. Houve,
depois, um instrutor japonês que mudou-se para a Europa e criou um sistema com mais Kyu do que o sistema
do Japão na época. Ele era chamado Mikinosuke Kawaishi. Kawaishi adotou cores populares na época para
estimular os alunos ocidentais. Sua sequência de faixas era: branca, amarela, laranja, verde, azul (ou roxa),
marrom e preta. No sistema Kawaishi até onde se sabe, cada faixa representava um Kyu e a preta os Dan.
Recentemente professores europeus começaram a usar as faixas kohaku e vermelha para kodansha, o que é
repudiado pelas escolas japonesas do Shotokan. No Brasil o sistema adotado pelo Shotokan pode ser
chamado de Uriu-Tanaka, pois foi desenvolvido por esses dois mestres oriundos da Universidade de
Takushoku e alunos de Masatoshi Nakayama que se radicaram no Rio de Janeiro. Os dois criaram um sistema
de 6 Kyu com cores populares no Brasil, sendo essas: mukyu (faixa branca), 6º kyu (amarela), 5º (vermelha),
4º (laranja), 3º (verde), 2º (roxa) e 1º kyu (marrom). As graduações Dan sempre seguiram as diretrizes
japonesas e se usou apenas a faixa preta. Faixa kohaku e faixa vermelha e preta (que não existe no Karate)
deveriam ser banidas do Shotokan. De resto, as escolas tradicionais como a JKA, JKS e organizações como a
ITKF sempre autorizaram e apoiaram o sistema Uriu-Tanaka no Brasil pois cada país tem autonomia para
adotar o sistema simbólico que for mais adequado à cultura local. Vale a pena lembrar que no Japão a faixa
vermelha é a mais avançada, concedida para o 9º e 10º Dan, e no Shotokan do Brasil foi reduzida a uma mera
faixa de 5º Kyu. Essa “desvalorização” também ocorreu com o modelo esportivo, já que a World Karate
Federation adotou oficialmente a partir do ano de 2004 não apenas os protetores mas também as faixas azul
e vermelha para competidores (excluindo o uso das faixas normais de graduação Kyu-Dan).

Além da simbologia das cores que tem impacto maior ou menor em cada cultura local, há outra razão para a
forma como o número de Kyu foi aumentando ao longo do tempo. No Japão a razão principal está certamente
na ideia de que “tudo tem o seu lugar”, como nos ensina a antropóloga americana Ruth Benedict em seu
célebre “O Crisântemo e a Espada”. Ou seja, foi uma forma de reforçar a hierarquia, deixando bem claras as
posições de cada membro da comunidade de praticantes. No ocidente, apesar desse item também ter seus
efeitos, no passado e ainda mais no tempo presente, o maior número de faixas funciona como recompensa
extrínseca. Essas recompensas são usadas pelos instrutores como forma de estímulo aos estudantes. Com a
crescente “norte-americanização” da cultura nipônica esse efeito se vê presente também nas crianças
japonesas.

Apesar dos vários tópicos importantes a se pensar, dentre eles programa técnico, habilidades motoras e
estratégias que se quer ensinar em cada estágio, o crescimento moral dos alunos e a mercantilização da
prática, se perde tempo discutindo outras coisas quase irrelevantes. Há uma grande discussão em que os
instrutores estão mais preocupados com a cor da faixa do que com o conteúdo programático de cada Kyu,
ou seja, preocupam-se com aparências e não com o que aplicar de programa técnico e qual metodologia de
ensino utilizar. Na maioria dos casos nem sabem exatamente o que ensinar e cobrar em cada faixa e nem
mesmo o porquê das cobranças. É como se ficassem se debatendo na escolha do título correto de uma
redação que nem foi escrita (ou que está bem mal escrita). Há muito ainda o que se avançar em termos de
qualificação técnica e acadêmica e melhor estruturação do ensino, das qualificações e das competições do
Karate brasileiro. Evolução demanda mais estudo e mais qualificação, aspectos precários da atualidade. E por
falarmos de qualificação, outra sombra do Karate brasileiro atual são as graduações de mestre (Shihan), que
detalharemos a seguir.
TITULAÇÃO DAS GRADUAÇÕES DE MESTRE (SHOU-GOU DAI NIPPON BUTOKU-KAI)

- Renshi [錬士]: que significa “Pessoa polida”. Para ser Renshi se requer o 6º Dan ou superior, 40 anos de
idade no mínimo e apresentar uma pesquisa (kenkyu) relativa a alguma técnica, tática ou filosofia de sua
disciplina, já que este título é equivalente a uma Licenciatura universitária (graduação acadêmica).

- Kyoshi [教士]: que significa “Pessoa que ensina” ou seja, de quem se pode aprender, algo como “Filósofo”,
já que é capaz de ensinar a filosofia de sua arte. Para ser Kyoshi se requer o 7º Dan ou superior, 48 anos de
idade no mínimo, ter sido Renshi por pelo menos 6 anos e apresentar uma dissertação relativa a alguma
técnica, tática ou filosofia de sua disciplina, que passada a avaliação inicial deverá ser defendida ante um
Comitê (banca) já que este título é equivalente a um Mestrado universitário.

- Hanshi [範士]: que significa “Pessoa exemplar” que se refere a “Mestre” no mais amplo sentido do termo,
já que é a graduação mais alta. Para ser Hanshi se requer o 8º Dan o superior, 58 anos de idade no mínimo,
ter sido Kyoshi por pelo menos 8 anos e apresentar uma tese relativa a alguma técnica, tática, filosofia ou
pedagogia de sua disciplina que deverá ser defendida ante um Comitê (banca) já que este título é equivalente
a um Doutorado universitário.

GRADUAÇÃO DE MESTRE NO ESTILO SHOTOKAN


O caso da International Japan Karate Bujutsu Association - IJKA (fundada por Tetsuhiko Asai)

Segue regra escrita à mão por Asai sensei acerca do processo de titulação “Shihan”:

O título de “Karatedo Shihan” é outorgado e pode ser usado apenas quando um indivíduo possui graduação
mínima de 7º Dan e recebe a permissão do Shusei Shihan (Instrutor Chefe - no caso da JKS, por exemplo,
anteriormente Tetsuhiko Asai e atualmente Masao Kagawa), e:

1) pode atender ao seminário de certificação do título de Shihan;

2) adquire a certificação e comprovação de conclusão do curso especificado no seminário; e

3) obtém a certificação autenticada (“inkajo”) do título de Shihan.

O mestre Asai conclui: “O principal objetivo de um Shihan em Karate é evoluir o espírito das pessoas,
especialmente treinar os jovens para que possam se tornar membros decentes da sociedade. Isso é uma
importante tarefa, e é por isso que o processo de certificação para tornar-se Shihan é tão restrito. As pessoas
não podem apenas fugir de um exame duro e criar um grupo apenas para vender certificados de exames.”
GRADUAÇÕES OFERTADAS

Existem no Karate as graduações ofertadas, que são graduações dadas para alguém por mérito, falecimento
ou outro motivo.

Abaixo estão as graduações ofertadas conhecidas:

1- Meiyo-Dan (名誉段): Um faixa preta honorário, um título que é oferecido à pessoa que contribui para a
divulgação do Karate, em sua maioria não são praticantes de Karate, neste caso sua graduação não permite
examinar ou lecionar (como Nelson Mandela que recebeu o 10º Dan de Hirokazu Kanazawa);

2- Suisen-Dan (推薦段): Grau por antiguidade do praticante, em que ele treina regularmente, mas não
possuindo nível técnico para receber uma faixa preta, mas recebe a faixa preta como reconhecimento ao seu
empenho.

Quando um karateka é aprovado oficialmente para a faixa preta, se dá o nome de Jitsuryoku-Dan (実力段),
(grau real ou grau verdadeiro). Nas escolas tradicionais apenas um Jitsuryoku Yudansha (有段者)/Kodansha
(高段者) pode examinar alunos para novos graus Kyu e Dan, ser instrutor pago para dar aulas e árbitro em
competições oficiais.

Referências

DNBK, Dai Nippon Butokukai. Disponível em: <http://www.dnbk.org/history.cfm>. Acesso: 26 fev 2018.

IJKA, International Japan Karate Bujutsu Asociation. Coution. Disponível em:


<http://ijka.jp/en/coution/index.html>. Acesso: 28 fev 2018.

JISHO, Online Japanese Dictionary. Disponível em: <http://jisho.org>. Acesso: 28 fev 2018.

NAKAZATO, J.; OSHIRO, N.; MIYAGI, T.; TUHA, K.; KOHAGURA, Y.; HIGAONNA, M.; TAIRA, .; SAKUMOTO, T.
Karate de Okinawa e Artes Marciais com Armas. Okinawa: 2003. Disponível em: www.wonder-
okinawa.jp/023/eng, acesso em: 20 jun. 2005.

SHINJYO, K.; SENAHA, S.; ONAGA,Y. Three Major Schools of Okinawa Karate. Lake Forest, CA: YOE
Incorporated, 2004. 2 DVD.

Você também pode gostar