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Transcrição:

Contar a história do meu casamento. Eu me casei aos 16 anos de idade.


Aí me casei sem namorar com esse rapaz que eu casei.
Aí eu me casei, ele perguntou se eu queria casar com ele, aí eu falei que queria.
Aí quando foi na outra semana, nós casamos. Sem namorar de jeito nenhum. Eu não
gostava dele, não.
Mas a gente falava que ele era uma boa pessoa, né? Mas ele era uma boa pessoa.
Ele era de uma família boa.
Só que ele já era separado da primeira mulher dele. Aí a primeira mulher dele meteu
chifre nele, sabe?
Aí ele ficou agoniado da cabeça, né? Aí o homem estava desmantelado já, por causa
disso.
E aí ele nunca pensava que a mulher ia fazer isso com ele, a mulher fez, né? Ele vivia
uma vida boa. Mas aí eu não sabia que ele tinha ficado desse tipo, né?
Aí fui, me casei com ele pra me livrar daquele problema que eu lhe falei. Que ele
também era um dos problemas mais piores. Eu estava sofrendo também.
Aí eu tinha vindo pra casa da minha mãe de novo. Aí minha mãe morava já no Olho
d'Água Grande. Esse terreno era até dele, desse homem que eu casei com ele.
O terreno era dele. Minha mãe morava lá.
Aí eu disse que ia casar com ele, porque eu ia me casar com o primeiro que eu
quisesse casar comigo. Só pra não voltar lá mais pra casa da minha avó.
Aí nós fomos a pé. Lá pro Coroatá, pra eu me casar. Só fui eu. E ele é um irmão dele.
Não teve festa, não teve nada. Aí foi de noite que nós chegamos de novo nesse
povoadinho no Olho D'água Grande, né?
E aí fiquemos lá. Ficamos lá no bairro há uns seis meses. Depois casamos.
Na casa que ele morou, mas essa primeira mulher é dele. Aí essa mulher é minha
avó. A mulher dele passava, sempre passava lá na estrada, que era na beira da
estrada, né?
Aí ele tinha raiva que ela passava lá. Mas não tinha por onde ela passar, o jeito dela
passar era lá. Aí ele disse que ia se embora. Daquele lugar ele não ia mais morar,
não.
Eu digo, mas aqui tá tão bom, rapaz. vamos ter que abandonar as coisas. Eu era
novinha, mas até tinha uma cabecinha já boa, né?
Mas não, ele queria ir pra Barra do Corda. Lá pra onde minha avó tava. Eu não queria
ir.
Aí ele começou a me rebaixar. Começou com conversa. Dizendo que não confiava
em mulher. Porque mulher é tudo igual.
Aquelas conversas dele. Ele nunca me bateu não. Mas essas conversas dele eram
sempre assim, ele falava. Que não confiava em mulher nem dormindo.
Aí eu dizia, mas por que tu quis casar de novo se não confia em mulher? É, eu casei,
mas não confio não.
Aí ele foi pra Barra do Corda. Chegou lá. Aí depois com 15 dias eu fui. O irmão dele
me levou lá pra Barra do Corda.
Aí eu... Eu fui. Aí quando... Quando tinha 10 meses nasceu o primeiro filho.
Aí nós fomos morar lá numa garaginha que seu... Que sua paciência deu pra nós
morar. Que era um vizinho lá da... Nós... Que eu já conhecia ele, né?
Aí... Meu filho nasceu lá. O primeiro filho. Tava faltando pouco pra mim. Ele tinha 17
anos. Eu tive ele.
Aí quando foi no outro dia, ele morreu. Meu menininho morreu. Aí eu fiquei muito
triste, chorando lá.
Aí ele morreu pela manhã. Quando foi de tarde... Aí não tinha nem dinheiro pra
comprar o caixão do menino. Nem pra mandar fazer.
Aí só fizeram enrolar ele nos paninhos dele mesmo. E aí... Enrolaram ele nos
paninhos.
Aí enterraram lá debaixo do... Do pé de manga. No pé de manga. Aí ele... Aí de lá...
Nós fomos embora pra Formiga. Um lugar que se chama Formiga. Na Barra do
Corda. Município da Barra do Corda. E aí...
Quando... Nós chegamos nessa Formiga... Lá era um lugar seco. Só que esse
terreno era nosso. E o INCRA andou lá cortando as terras. E ele tirou 50 hectares de
terra.
Era bastante terra. Só que era um lugar seco. A gente tinha que buscar água, né? Em
animal, né?
Aí fez uma barraquinha assim... Um 4x4. Uma barraquinha bem miudinha. Coberta
de tabuinha, né? De cavaco, nós chamamos lá.
E aí nós ficamos lá. Passei muito tempo lá. Nasceu minha... Minha primeira filha,
que é... Gorete. Aí depois nasceu...
Isaac, que é meu filho. Aí... Depois nasceu outro filho. Aí esse morreu. Não estava
com seis meses. Ele morreu.
Assim que ele nasceu, ele adoeceu, né? Aí porque ele vivia doente. Aí a gente... De
vez em quando levava ele pra Barra do Corda pra consultar.
Aí quando ele chegou de lá, estava mais doente. Porque a gente saía de madrugada.
Lá da formiga para Barra do Corda.
Lá da formiga para Barro Branco. Pra beira da estrada, pra ir pra Barra do Corda. Aí...
A gente levava ele na rede. Ele pegava de um lado e eu do outro. Aí chegava lá, o
médico passava só o Atroveran pra ele, pra dor de barriga.
E... E... Novalgina. Só isso. Mandava voltar. Aí quando o menino chegava em casa,
era pior do que o que foi.
Não pedia um exame da criança. Não pedia nada. E eu voltava com meu filho nos
braços. Tanto chorava ele, como eu. Ele chorava...
Acho que ele tinha uma infecção no intestino dele. Só podia ser. Porque ele chorava
demais. Eu vivia bem magrinha, porque não dormia.
A gente com um filho doente, nos braços, chorando. A gente não pode estar... Nem
comer direito, a gente não come. E aí ele foi e disse...
Eu vou alugar uma casa lá na Barra do Corda. Que é pra ficar mais perto do médico.
Pra gente conhecer o menino doente. Aí eu fiquei na Barra do Corda.
Já tinha o primeiro, o segundo e o terceiro filho. O terceiro filho era doente. Aí...
Quando...
Aí eu fiquei lá em Altamira. A água também lá era difícil. Era de... Lá no... Tinha um
chafariz assim na... Lá na outra rua, é lá que a gente pegava água.
Lá no balde. Pra poder levar pra casa. A casinha era toda... Era de taipa, né? Casinha
de taipa. Em redor de barro.
A areia chegava no pé da... Da gente. Cobria o pé da gente dentro de casa. E eu
ficava lá com as crianças. Passando fome.
Sem ter nem um pingo de gordura pra botar num feijão. E meus meninos ficaram
todos doentes, desnutridos. Esse já era doente. Mas os outros não eram. Aí nós
ficamos.
Lá, nesse lugar. Quando ele vinha... Final de semana, trazia um dinheirinho. A gente
só pagava a conta lá da... Da quitanda que a gente tirava lá, né?
Aí foi o menino, morreu. Ele chorou a noite todinha. Aí ele... De manhãzinha a gente
levou ele pro médico. Chegou lá, o médico...
Continuou passando o mesmo remédio. Pra ver o meu filho. Aí eu... A gente foi no
médico... Cedinho, umas seis horas.
Aí quando foi umas sete horas do dia, ele morreu. Lá na Altamira. Aí quando foi...
Por causa da morte de meu filho, aí... Abriu outras portas pra nós. Aí...
Chegou a tarde, a gente não sabia como era que... Porque na cidade não enterrava
assim. Não saia enrolado nos panos, não. Aí não tinha dinheiro pra comprar o
caixão.
Aí foi que um... Um amigo dele falou pra ele. Rapaz, tem um... Tem um Dilamar lá no
centro. Ele mora lá no centro.
E ele compra arroz... Ele compra arroz assim... Pra gente... Na paia.
Tem gente que plantar... Que vendia o arroz antes de plantar. Aí ele foi lá. Lá nesse
homem. Aí... Vendeu...
Ele tinha um pedacinho de roça e vendeu o arroz. Ele dava... Era... Ele dava um saco
de arroz pilado. Por dez sacos de arroz com casca.
Era assim. Mas aí ele deu... Foi o dinheiro pra comprar o caixão. O caixão do neném.
Que o menino tava lá em cima de uma mesa.
Sem caixão. Aí quando foi... Ele chegou com o caixão. Aí botou... O corpinho do meu
filho aí...
Que enterrou o neném. Aí ele falou que o Dilamar tinha chamado ele pra trabalhar
pra ele.
Ele ia abrir umas fazendas lá no... No Choa. E aí ele ia ter serviço. Podia levar a
família. E tudo.
Aí quando foi no outro dia, ele falou pra mim. Aí eu digo... Aí tu não falou o que
queria aí? Ele disse... Não, eu vim falar contigo. Eu digo...
Pois vai lá e diz pro homem que nós vamos. Porque se nós ficar aqui, Nossos filhos
vai morrer tudinho. Não vai ficar nenhum pra contar a história. E aí foi a hora que ele
foi lá.
E aí o homem disse assim... Então vamos. Já tá pronto. O nome do próprio era
Manuel. (MANOEL É O NOME DO EX MARIDO DELA)
Aí quando foi no outro dia de tarde, aí o dilamar foi buscar nós. Aí quando nós
chegamos lá, foi outra vida. Outra vida boa.
O Dilamar trouxe carne, trazia carne. Trazia arroz. Eu trabalhava muito. Mas era com
a barriga cheia. Eu cozinhava com aquele tanto de honra.
que ele trabalhava com muita gente, fazendo derrubada para fazer fazenda, né?
E eu era alegre, meus meninos ficaram tudo bom, ficaram gordos, brincavam, lá era
grande o lugar.
Era na beirinha do rio e eu de tarde ia pescar, pegava bastante peixe.
Ele trouxe canoa, rede, tudo. Eu aprendi a governar a canoa, pescava.
Todo dia de tarde eu pescava, a dona Raimunda tinha uma vizinha minha lá que ela
gostava de pescar também.
Aí sim, estava tudo bem, mas o homem, aí o homem começou a fazer couro com
óleo de novo. Sem querer trabalhar, sem querer.
Não era para ele trabalhar, era só para ele ir lá na roça administrar os trabalhadores,
mas não. Ele começou a ter ciúmes de mim com o Seu Dilamar.
E o Seu Dilamar era casado com uma mulher nova, bonita, e ele ainda tinha ciúme de
mim. Tanto ela era boa para mim, que era a Graça, o nome dela é Graça.
Era a Graça e o Seu Dilamar. Eles eram muito, era bom para mim. Quando eu fui
ganhar a Raquel lá, foi outra coisa, outra vida.
A Graça comprou tudo para mim, nunca tinha dormido numa cama. E a Graça
comprou a cama para mim. Aí eu tive minha filha em cima da cama.
Eu só tinha meus filhos em cima de girau. Girau, em vez de madeira. De vara.
E lá, eu não queria sair de lá, mas o homem, enquanto ele não saiu de lá, ele não se
aquietou.
Porque o Dilamar já estava começando a reclamar para ele, porque ele não ia lá. E
os homens faziam do jeito que queriam.
E ele disse que não gostava de ser mandado daquele tipo, não. Aí eu disse para ele,
homem, mas aqui está tão bom. Vai lá, vai olhar.
Vai olhar como é que os homens, se os homens estão fazendo um serviço bem feito,
direito, do jeito que o Dilamar gosta. Aí ele dizia que não era para me mandar ele,
não.
Eu estava, era a favor do Dilamar toda a vida. Aí eu digo, mas tu sabe como foi que
nós chegamos aqui.
Tudo fraquinho, tudo doente. Até eu estava desnutrida, porque não comia nada. Não
tinha nada para comer.
E agora que tem tudo, tu não agradece. Aí acabamos saindo de lá.
Aí passamos outros tempos lá na Formiga, sofrendo lá. Aí depois saímos de lá,
fomos para o Amarante.
Um lugarzinho, lá perto do Sítio Novo, Amarante. Amarante do Maranhão. E lá
também eu achei bom. Mas o homem não queria. Não trabalhava.
Era só eu trabalhando, aí eu ficava pobre cada dia mais. Aí lá no Amarante foi ele.
Se deu a conhecer com um homem lá. E aí esse homem morava, trabalhava numa
fazenda, na fazenda do seu Edio.
Aí foi, ele adoeceu, esse homem, José Mastinho, o nome dele.
Ele adoeceu, aí era doença dele, não era doença que tinha cura, né? Ele até morreu
mesmo dessa doença, que era câncer, né? Aí ele perguntou se o Manoel queria ir
para lá.
O Manoel disse, eu vou. Aí acertou com o patrão e tudo, aí nós fomos para lá, para
essa casinha lá da fazenda. Não era de vaqueiro, não.
Era só de parroçar quinta. É. Cuidar do bode que tinha lá também, as cabras. Aí eu...
Ah, lá eu achava bom, porque tinha coco, tinha muito coco para mim quebrar. E eu
quebrava coco, lá ninguém passava fome, não. Eu quebrava coco e ia levar para...
Juntava 10 quilos de coco, levava para o Amarante, vendia, comprava as coisas para
casa. Lá tinha igarapé.
E eu pescava, tinha peixe, não faltava gordura, porque eu tirava do coco babassu, eu
tirava azeite.
Eu tirava de 20 litros de azeite para vender. Eu nunca, com toda a pobreza, eu nunca
desisti de ficar assim para baixo.
Eu ia em frente, eu lutava. Eu lutei até o fim, né? Até o fim, não. Porque eu ainda não
morri, né?
Mas ele era assim. Aí nós estávamos lá nessa fazenda. Ele endoidou de novo
(MANOEL). Aí ele estava ali no serviço com pouca... Eu caçava o homem lá no
serviço, não estava mais.
O homem já estava lá nos matos, andando por uns matos sem direção, sabe? Aí
quando não era, vinha lá para o pé da parede deitar. Ficava deitado lá. Agora a gente
chama depressão, né?
Ele até me chamava. Era preguiça. Era preguiçoso. Se fosse hoje, era depressão. Aí
vai se estragar também.
Porque do jeito que ele vivia, ele nunca se conformou com... Porque a mulher tinha
botado chifre nele, né? Nunca se conformou.
E aí ele começou a... Disse que ia caçar lugar. Eu digo, mas não vai caçar. Não vai
caçar lugar, que aqui está bom. Aqui tem coco. Eu quebrava o coco, eu fazia...
Da casca do coco, eu fazia o carvão. E tirava o azeite do coco.
E para mim estava muito bom.
Aí tinha piqui, tinha muriti, tinha murici, tinha bacaba. E tudo eu pegava.
Para comer. Era uma fartura. Eu fazia a sembereba de muriti.
Fazia a sembereba de bacaba. Aí comia farinha. Meu menino vivia com a barriguinha
cheia. E eu também.
Aí ele foi caçar lugar. Aí seu Ed chegava e perguntava.
Então, Dona Domingas, cadê seu marido, Seu Manoel? Eu falei que o Manoel queria
ir embora para caçar outro lugar, e eu ficava até com vergonha de falar. Mas eu falei.
Se eu tivesse ouvido, seu Ed. Seu Ed...
pq ele falou, Ó, mas aqui tem serviço para ele e ele não quer fazer, não?Eu disse , eu
acho que não quer, não? Porque ele não está fazendo.
Aí ele disse, não, mas eu quero uma pessoa para trabalhar aqui para mim, que eu
pago tudinho. Gente assim, não quero, não.
Aí ele perguntou se eu não tinha família se não estava perto. Eu disse, não, minha
família mora em Barra do Corda. Nesse tempo, a minha mãe tinha mudado para
Barra do Corda.
Aí eu tinha umas galinhas, criei galinhas. Aí ele disse que comprava minhas galinhas
para eu ir lá para a casa da minha família. Quando o Manoel chegasse, ele diria que
eu estava indo para lá. Aí ele comprou minhas galinhas e eu fui. (ELA FUGIU)
Aí quando foi, nos 15 dias ele chegou lá na Barra do Corto. (O MANOEL) Aí
perguntou por que eu não tinha esperado ele. Eu disse, não, o homem falou que não
queria gente que não quisesse trabalhar lá. Aí ele falou, não, não, não. Que tivesse
esperado eu chegar em casa
Eu disse, já estou aqui.

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