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ESCREVER BOLETINS-

ALEGRIAS E SOFRIMENTOS
Autor : Dieter Centmayer
Extraído de Arte de Educar abril/07

Ouvindo professores Waldorf falarem, às vezes tem-se a impressão de que escrever


boletins tornou-se um peso para um grande número de professores. Quase como uma
montanha intransponível amontoa-se esse trabalho para muitos professores, cônscios de
sua obrigação. Em nossas classes Waldorf, onde freqüentemente há mais de trinta
crianças o trabalho puramente físico pode ser doloroso. A pressão do tempo reforça o
estresse e a exaustão. Por sua vez, para os professores de matéria, que acompanham
diversas classes, o número de boletins a serem escritos muitas vezes supera facilmente o
número de 100 e eventualmente também ultrapassa o número de 200.
Fundamentalmente coloca-se a pergunta: os textos precisam ser tão longos, como
muitas vezes os encontramos? Será que textos menores ou mais concisos, seriam
melhores ou dariam mais resultados?
A extensão dos boletins origina-se principalmente no fato de, para a aula principal, por
exemplo, se relatar sobre todas as épocas de um ano escolar. E para as aulas de matéria
cada professor escreve o relatório "em sua própria cela". Assim cada qual quer
expressar com a maior brevidade muitas coisas importantes. Somam-se, assim, no
boletim os muitos textos e afirmações dos diversos professores formando uma grande
quantidade. Mas a pergunta é, até onde as particularidades encaixam-se para formar um
todo, ou uma unidade? O uso cada vez mais freqüente do computador apóia a tendência
de ampliar cada vez mais os textos e multiplica, dessa forma, o trabalho para os
professores e para os pais.
Acontece que os boletins são uma fonte importante de informações para os pais sobre
os seus filhos. Os pais devem ler tudo isso e compreender de maneira adequada. No
entanto, quanto mais afirmações um boletim contiver, tanto mais a afirmação individual
perde sua força de expressão. Para aquilo que muitas vezes o colegiado de professores
pretende expressar com o boletim, na verdade __ necessitaria de pais com escolarização
específica, para poder estudar de forma correta esses conteúdos, digeri-los e assimilá-
los.
Os caminhos que poderíamos seguir, para tornar mais eficaz a ação dos boletins e
estruturar o trabalho do professor de uma outra forma, serão exemplificados nas
exposições do texto a seguir, que podem ser extraídas das indicações de Rudolf Steiner.

Sobre a história dos boletins descritivos

No "Curso de Natal para professores", dado em Dornach em 30.12.1921, Rudolf


Steiner caracteriza os novos boletins Waldorf da seguinte maneira:- “A criança recebe,
sem dúvida, um boletim no fim do ano quando entra em férias. Neste encontramos uma
espécie de imagem espelhada, concebida pelo professor bem individualmente para a
criança, algo biográfico sobre o ano e, evidenciou-se freqüentemente, que as crianças o
recebem com grande satisfação. Elas lêem sobre a sua imagem que foi desenvolvida
com uma certa benquerença, mas nunca tingida, de modo que, talvez com isso, se
exercite "o tornar mais bonito". Elas aceitam-no com grande satisfação. Segue por fim
um poema bem individualizado para cada criança, que cada uma encontra escrito dentro
do seu boletim.
E esse poema constitui uma espécie de companheiro de vida para o próximo ano."¹
É especialmente esclarecedor buscar o desenvolvimento histórico dos boletins
descritivos baseado nas "Conferências com os professores". O boletim descritivo
pertence, como toda a pedagogia Waldorf, às inovações mais revolucionárias no sistema
educacional até hoje.
Depois da fundação da primeira escola Waldorf em Stuttgart foi necessário encontrar
um caminho de como esses boletins deveriam ser estruturados. Havia a pergunta de
quantos boletins seriam necessários. Inicialmente Steiner fala de dois boletins: o
intermediário e o boletim anual. “Nós podemos emitir dois boletins, um no meio do ano
como boletim intermediário e um no fim do ano. Nesse boletim, à medida que as
determinações vigentes o permitam, deve ser falado apenas de forma genérica sobre o
aluno. O aluno deve ser caracterizado e só quando uma matéria for especialmente
acentuada, deve então ser mencionada. Tudo deve ser avaliado de forma bem positiva.
[...] Na passagem para uma outra escola é preciso avaliar o que é exigido pela referida
escola.-"²
Como é possível deduzir de uma observação posterior de Steiner, parece que a
exigência dos pais de um segundo boletim, não foi cobrada. Dessa maneira manteve-se
o boletim anual. Se os pais o tivessem solicitado, então haveria um boletim
intermediário. Desconhece-se muitas vezes o quanto Rudolf Steiner, em muitos casos,
atendia às perguntas e necessidades das pessoas em sua volta. Ele, diretamente, sempre
esperava por perguntas e então oferecia soluções inovadoras.
Hoje podemos vivenciar por parte de muitos pais uma necessidade acelerada de
informações sobre o desenvolvimento de seus filhos. Percebe-se isso na busca de
horários marcados para conversas dos pais com os professores ou de dias marcados para
conversas com pais. Dessa forma talvez vale repensar e incluir um tipo de boletim
informativo intermediário para os pais. Justamente para pais que, por motivos diversos,
não facilmente comparecem para conversas, parece sensato elaborar uma comunicação
sucinta na metade do ano. O informativo durante o desenvolvimento do trabalho tem
um caráter totalmente diferente do que a retrospectiva sobre o ano completo. Muito
nesse sentido acontece nas conversas com os pais, porém muitos pais são atingidos
melhor através de algo escrito.

Um documento para a vida

Um boletim Waldorf é um documento de vida muito importante. Quem tem um pouco


de experiência na elaboração de um boletim profissional para um colaborador de uma
empresa, sabe quão cuidadoso é preciso ser, na vida profissional, com a avaliação
escrita. Toda a formulação negativa pode ser judicialmente questionada, pois as pessoas
facilmente se sentem ofendidas em sua honra. Também com nossas crianças - mais
fortemente com cada nova geração de crianças - se torna perceptível o sentimento do
próprio Eu e a honra das crianças é igualmente vulnerável como a do adulto.
Porém há uma diferença iminente se eu, por exemplo, faço uma repreensão verbal ou se
o transmito por escrito. Se a coisa está em preto no branco, ou mesmo em "tinta azul
real no branco" diante de mim, então ela está como manifesta. Os meus atos passados
serão arquivados. Não mais é possível livrar-se deles. Se forem manifestados
verbalmente, permanece uma certa liberdade. Esta atua mais em direção ao futuro, dá
chances e esperança. Por esta razão a citação acima, de Rudolf Steiner, fala que tudo
deve ser avaliado de forma bem positiva. Além disso, é importante estar em contato
com os pais; naturalmente também com os alunos. Os alunos sempre devem saber onde
eles se encontram. Aqui é exigido constantemente um feedback aberto.
Via de regra pode-se dizer: A comunicação escrita é favorável quando tudo for
iluminado por uma luz positiva. As situações difíceis são transmitidas melhor de forma
verbal na conversa com os pais.

Boletins de matéria e aula principal

A questão da consonância do boletim da aula principal e das aulas de matéria é


fundamental. É de praxe, ao escrever os boletins proceder de forma orgânica ou
conforme a vida. Permitam-me fazer uma comparação: O texto do professor de classe é
como o tronco de uma árvore do qual saem os galhos, os textos dos professores de
matéria. Assim como os galhos pertencem organicamente ao tronco e correspondem à
sua força de estruturação, assim deveriam também estar em consonância, as descrições
das matérias com a da aula principal. Cada árvore tem obviamente galhos de suporte
mais fortes ao lado de galhos menores e mais fracos; assim uma criança tem tendências
mais fortes ou mais fracas. Mas um carvalho não pode fazer surgir um galho de bétula.
Quando isso aparece dessa maneira no boletim então, de alguma maneira, não se atingiu
a essência da criança ou não se a percebeu profundamente. O colérico, por exemplo,
sempre permanece colérico, tanto na escrita como na euritmia. Mesmo que ele apresente
desordens em uma matéria e apresente grandes rendimentos na outra. Mas quando cada
professor não apenas aborda a parte exterior, porém sempre também deixa transparecer
um pouco o respeito e o amor à individualidade de uma criança, então os conteúdos por
si só crescem juntos.
Steiner o imaginava assim que inicialmente o professor de classe faria o texto principal
e então os professores de matéria adeririam. "Cada um, conforme o seu gênio,
caracteriza o aluno. Havendo mais professores, cada um precisa escrever. Mas seria
desejável que as afirmações individuais não se contradissessem demasiadamente;
quando um diz: <Ele lê perfeitamente>, o outro também diga algo semelhante a isso.
Um começa a caracterizar o aluno, aquele que é o seu o professor de classe, os demais
o seguem. Não é possível o professor de classe escrever: < É um aluno exemplar>, e
depois um outro escrever: < É um pequeno monstro. > Isso precisa ser amalgamado.
[...]" 3
Na prática muitas vezes é assim que os colegas escrevem seus boletins separadamente
em casa e depois tudo é juntado. Se as coisas estão em consonância fica mais por conta
do acaso.
Se o boletim deve dar uma imagem homogênea do aluno então é recomendável que
primeiro o professor de classe apresente o seu texto aos professores de matéria, em
seguida estes formulam a sua imagem da criança.

Manifestações repreensivas

É possível ler dentro de um boletim que a criança tem letra feia e não executa seu
caderno de forma bonita. Isso escreve o professor de classe. Formulação semelhante se
encontra com os professores de matéria. Um ano depois a observação é repetida. E
assim alguns anos em seguida. Talvez os professores da criança sejam da opinião de que
é importante comunicar isso repetidamente aos pais e esperam obter ajudas e a tomada
de medidas sobre a criança.
Neste caso desconhece-se a possibilidade dos pais de atuar verdadeiramente de forma
decisória sobre os seus filhos. Pais podem zelar para que a criança aprenda a arrumar
seu quarto, porém, elaborar os cadernos de época e a letra são principalmente
competências do âmbito escolar. O resultado de repetidas formulações negativas no
boletim fazem com que os pais fiquem chateados com os seus filhos, sem poder resolver
o problema.
Em um segundo estágio muitos pais deixam de reagir a tais observações e passam por
cima delas. Em um estágio seguinte começam a se chatear com os professores, pelo fato
de estes não serem capazes de passar as habilidades para a criança, que eles esperam
dela. Por esta razão é sensato refletir sobre quão forte e quão freqüente, expressões
negativas podem ser formuladas no boletim.
"Quando não individualizamos bem o que é difícil, então, ao formular frases
demasiadamente severas, muitos pais ficarão ressentidos. No caso de se tratar de algum
mandrião, que se escreva, que seria premente desejar que no próximo ano ele possa se
ativar melhor. Depende muito da formulação. Mesmo insuficiências devem ser
expressas de forma positiva, mas severas na sua formulação".4
Também poderia fazer efeito caracterizar com humor algo no boletim. Talvez um dia ou
ano não mencionar mais um determinado mau hábito, porém abordar outros aspectos.

Objetivo imagético, amoroso

Boletins são especialmente bem aceitos pelos pais quando logra ao professor
caracterizar a criança na moldura de uma imagem: "Como um viandante que trouxe as
pedras preciosas de regiões desconhecidas, assim ele se apresenta. As pedras mais
preciosas ele ainda mantém guardadas para somente distribuí-las quando chegar o
tempo certo... Claro como um sino e forte soa a voz ao recitar, como um pequeno
cristal... Diversas pedras naturalmente ainda precisam ser polidas e trabalhadas. Essa
impressão nós temos ao olhar o último caderno de época. Sempre novamente as letras
escorregam para abaixo da linha. Às vezes até dá medo de que elas rolem para fora do
caderno..."
Podemos considerar essa explanação capaz de ser melhorada. Porém o leitor tem a ajuda
do fio vermelho da imagem que aqui foi utilizada, a fim de manter o relato na memória
e compreender a criança. A descrição tem algo amoroso e se mantém objetiva, mesmo
nas coisas que ainda devem ser melhoradas. Acrescido ainda de um humor bem sutil
que se expressa através da formulação.
Não está escrito que a letra não é boa, porém, livre de avaliação, é descrito o que de
fato é possível observar na letra.
Isso em verdade é a chave fundamental para a caracterização nos boletins: a descrição
objetiva da observação a partir do amor pela criança. As avaliações por sua vez podem
passar para a retaguarda.
"Sobre isso nós precisamos dispensar o maior cuidado, de incluir mais fantasia na
formulação. É preciso dispensar mais atividade e amor para que a coisa não escape,
assim, se alguém, por exemplo, escrever: <mesmo que ainda nada sabe, mas no final
pode melhorar>, <comporta-se de maneira bastante inadequada> e assim por diante.
Não vale mais a pena, não tenho nada em contrário; quando for sentido como um peso
demasiadamente grande, temos que - morder a maçã verde - e apresentar o boletim
tradicional. Mas seria pena. Se evidentemente nos últimos oito dias é escrito qualquer
coisa, isso não deveria acontecer. Não é possível elaborar regras, senão deveria haver
uma regra especial para cada aluno. [...]" 5

Essas expressões de Steiner são bem claras e comoventes. Sempre é frutífero para nós
professores o pensamento, que a criança, com cada ano escolar, passa ou passou o ano
mais importante da sua vida na escola. É bom quando no boletim se torna claro como,
de maneira geral, de ano escolar para ano escolar a criança se desenvolveu. Quando isso
não for perceptível se, por exemplo, no próximo ano problemas semelhantes aparecem
em primeiro plano como no ano anterior, então forçosamente deve surgir a pergunta: - o
que o professorado, durante um ano inteiro, fez para a criança?

Métodos práticos

Especialmente rico é quando durante o ano escolar inteiro, sempre de novo, na


retrospectiva à tarde, forem feitas anotações sobre crianças individualmente. Para isso
são necessárias principalmente as observações diárias durante o ensino, onde de certa
forma se consegue abarcar o ser individual da criança. Deixam-se, por exemplo, as
crianças de qualquer ano escolar, durante a aula, virem até a lousa para fazer exercícios
de cálculos. Temos diante de nós todo o ser da criança expandido através do jeito de ela
vir até a lousa, se ela vem devagar ou de pronto se levanta, se pisa firme o chão ou tem
um passo dançante, como pega o giz, como leva o traço ao escrever, como resolve os
problemas, e assim por diante.
Geralmente só conseguimos guardar estas coisas apenas de poucas crianças, e somente
em poucas crianças esse processo também é bastante expressivo. Com outras pode
acontecer que ao desenhar ou na ginástica elas têm uma expressão especial. Mas se faça,
logo à tarde, algumas anotações sobre o observado.
Através destas mais tarde é possível desenvolver um bom boletim. Na descrição
concreta e viva de apenas um acontecimento está se caracterizando ao mesmo tempo o
comportamento geral da criança, sua forma de se movimentar, sua escrita e seus
conhecimentos em cálculos. É possível então ir mais adiante quando se acrescenta e
menciona que a criança, assim como no caso apresentado, da mesma maneira como
escreveu na lousa também conduz seus cadernos de época. Que, com a mesma força que
havia em seus pés ao andar, realiza o desenho de forma ou a geometria. A partir de uma
descrição central é possível deixar crescer para todos os lados as outras coisas. É bom
quando muitas coisas estão concatenadas, pois então temos abordado algo do ser
individual da criança e o repassamos para os pais. Essa forma de proceder sempre tem
algo de artístico. E cada criança, cada ser humano, é uma obra de arte e tudo nele se
encontra em uma relação.
Desenvolvendo o boletim dessa maneira, então não há necessidade de explicitar cada
época da aula principal detalhadamente, porém com poucas palavras pode se acrescentar
como a criança, de forma semelhante, também colaborou nas outras épocas. Às vezes
também pode ser suficiente descrever as demais épocas em apenas uma frase para cada.
Todas as épocas do ensino principal devem ser nomeadas.
Em uma árvore também não se vai descrever cada folha por si a fim de transmitir uma
imagem fiel, porém com uma descrição de apenas uma folha já se compreende o tipo, as
demais folhas são apenas como variações desse tipo.
Essa forma de escrever boletins poderia ser denominada uma forma goetheanística. Nos
fenômenos individuais, de certa forma, se expressa todo o ser. A questão apenas é
encontrar um ponto de partida. Às vezes para isso necessita-se de inspiração. É aquilo
que Rudolf Steiner indica, "colocam-se diante do nosso olho espiritual enigmas sobre
enigmas". O enigma é o ser da criança. Antes de escrever boletins nós estamos como
diante de duas a três dúzias de enigmas não resolvidos. Envolvendo-se com esses
processos arriscados então ao escrever cada um dos boletins resolve-se um pouco desses
enigmas. E isto é gratificante.

O autor: Dieter Centmayer, ano 1952, professor de classe desde 1980 em Braunschweig.
Docente no seminário de formação de professores em Kiel.
Notas:
1 Steiner, Rudolf: O desenvolvimento saudável do ser humano, palestras de 30.12.1921
GA303, Dornach 1987.
2 Idem: Conferência com os professores da escola livre Waldorf 1919 até 1924, Conferência
para professores de 23.12.19, GA 300/1, Dornach
3 Idem: Conferências de 14.6.20. GA 300/1
4 Idem: Conferência de 26.5.21, GA 300/1
5 Idem: o vol. III, Conferência de 2.6.24, GA 300/3

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