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Manual de Cuidados Paliativos.
Manual de Cuidados Paliativos.
net/publication/308902043
Terapia da Dignidade
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1 author:
Miguel Julião
Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos de Sintra Portugal
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All content following this page was uploaded by Miguel Julião on 06 October 2016.
Editores:
António Barbosa, Paulo Reis Pina, Filipa Tavares, Isabel Galriça Neto
Coleção
Cuidados Paliativos
Publicação
Núcleo de Cuidados Paliativos
Centro de Bioética
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Editores
António Barbosa, Paulo Reis Pina, Filipa Tavares, Isabel Galriça Neto
Impressão
Secção Editorial da Associação de Estudantes da FMUL
ISBN
978-972-9349-37-9
ISSN
1646-5687
Depósito legal
408831/16
Edição
Lisboa, 2016
Distribuição
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Assessoria Técnica
Vivelinda Guerreiro
AUTORES VII
INTRODUÇÃO XIII
António Barbosa, Paulo Reis Pina, Filipa Tavares e Isabel Galriça Neto
PREFÁCIO XV
João Lobo Antunes
1| CUIDADOS PALIATIVOS: PRINCÍPIOS E CONCEITOS FUNDAMENTAIS 1
Isabel Galriça Neto
2| PROGNÓSTICO EM CUIDADOS PALIATIVOS 23
Filipa Tavares
3| MODELOS DE CONTROLO SINTOMÁTICO 43
Isabel Galriça Neto
4| CONTROLO DA DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS 49
Paulo Reis Pina
5| O CONTROLO DE NÁUSEAS E VÓMITOS EM CUIDADOS PALIATIVOS 101
Paulo Reis Pina
6| DISFAGIA 121
Madalena Feio
7| SOLUÇOS EM CUIDADOS PALIATIVOS 131
Paulo Reis Pina
8| O CONTROLO DA OBSTIPAÇÃO EM CUIDADOS PALIATIVOS 149
Paulo Reis Pina
9| A GESTÃO DE UMA OCLUSÃO INTESTINAL EM CUIDADOS PALIATIVOS 167
Paulo Reis Pina
10| A SÍNDROME DE ANOREXIA-CAQUEXIA 185
Paulo Reis Pina
11| ASTENIA/ FADIGA 211
Cristina Galvão, Catarina Pazes
12| DISPNEIA 219
Madalena Feio
13| TOSSE 231
Madalena Feio
14| PRURIDO 239
Alice Cardoso
15| ANSIEDADE 249
Ana Bernardo, Fátima Leal, António Barbosa
16| DEPRESSÃO 257
António Barbosa, Fátima Leal, Ana Bernardo
17| DESEJO DE ANTECIPAÇÃO DA MORTE 269
António Barbosa
18| PERTURBAÇÕES DO SONO EM CUIDADOS PALIATIVOS 281
Helena Bárrios
19| CONFUSÃO/DELIRIUM 297
António Barbosa, Georgiana Marques da Gama, Peter Lawlor
20| CUIDADOS NA AGONIA 317
Isabel Galriça Neto
21| HIDRATAÇÃO E NUTRIÇÃO EM FIM DE VIDA 331
Aida Cordero Botejara, Isabel Galriça Neto
22| ABORDAGEM DOS LÍQUIDOS NO COMPARTIMENTO EXTRACELULAR: EDEMAS, ASCITE E
DERRAMES 345
Margarida Damas de Carvalho
23| CUIDADOS À BOCA 367
Emília Fradique
24| ÚLCERAS DE PRESSÃO E FÍSTULAS 379
Amélia Matos
AUTORES v
25| FERIDAS MALIGNAS 401
Helena Vicente
26| CUIDADOS À PESSOA COM ESTOMA RESPIRATÓRIO, DE ELIMINAÇÃO INTESTINAL E VESICAL
EM CUIDADOS PALIATIVOS 417
Sandra Neves
27| CIRURGIA PALIATIVA 437
J. C. Mendes de Almeida, Hugo Domingos
28| CUIDADOS PALIATIVOS E INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA CRÓNICA 447
Paula Pamplona, Cristina Bárbara
29| CUIDADOS PALIATIVOS E INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA CRÓNICA 467
Joana Carvalho, Mariana Vasconcelos, Pedro Costa, Rui Tato Marinho
30| CUIDADOS PALIATIVOS EM PESSOAS COM DEMÊNCIA AVANÇADA 489
Isabel Galriça Neto
31| CUIDADOS PALIATIVOS PEDIÁTRICOS 503
Ana Forjaz de Lacerda
32| URGÊNCIAS EM CUIDADOS PALIATIVOS 529
Edna Gonçalves, José Eduardo Oliveira
33| O LUTO EM CUIDADOS PALIATIVOS 553
António Barbosa
34| LUTO NA CRIANÇA 631
Miguel Barbosa, António Barbosa
35| APOIO À FAMÍLIA EM CUIDADOS PALIATIVOS 653
Jacinta Fernandes
36| SER PESSOA, VULNERABILIDADE E SOFRIMENTO 665
António Barbosa
37| AGIR RESPONSAVEL E DECISÕES EM FIM DE VIDA 691
António Barbosa
38| ESPIRITUALIDADE 737
António Barbosa
39| A ESPERANÇA EM CUIDADOS PALIATIVOS 781
Ana Querido
40| TERAPIA DA DIGNIDADE 797
Miguel Julião
41| COMUNICAÇÃO 815
Ana Querido, Helena Salazar, Isabel Galriça Neto
42| A RELAÇÃO CLÍNICA EM CUIDADOS PALIATIVOS 833
António Barbosa
43| BURNOUT E AUTOCUIDADOS 899
Ana Bernardo, Joaquina Rosado, Helena Salazar
44| TRABALHO EM EQUIPA 907
Ana Bernardo, Joaquina Rosado, Helena Salazar
45| ORGANIZAÇÃO DE SERVIÇOS 915
Manuel Luís Capelas, Isabel Galriça Neto, Sílvia Patrícia Coelho
46| QUALIDADE E CUIDADOS PALIATIVOS 937
Manuel Luís Capelas
47| COMO AVALIAR SINTOMAS EM CUIDADOS PALIATIVOS: DA INVESTIGAÇÃO À PRÁTICA 963
José Ferraz Gonçalves
Miguel Julião
CASO CLÍNICO
Homem de 54 anos, casado, dois filhos (um dos quais morto em adolescente). Reformado de
trabalhador rural. Viveu toda a sua vida em Sesimbra, sem nunca de lá ter saído a não ser para
ser internado.
Internado num Serviço de Medicina Interna há 1 mês por hemoptises no contexto das quais
foi diagnosticado adenocarcinoma do pulmão grau IV com metastização óssea lombar, cerebral
e carcinomato
Imediatamente após o médico de Medicina Paliativa se apresentar, o doente diz que não su-
porta viver mais assim, perdeu o sentido para a sua vida, nada mais faz sentido e preferia morrer
mais cedo.
À observação apresentava fácies desconfortável, não assumindo posição tranquila no leito.
ação estranha
O médico pediu licença para se sentar na sua cama, mais junto de si, referindo que tinha
tempo para o escutar e para falarem, se pretendesse, um pouco sobre a sua vida. Perante a
permissão do doente e, sobretudo, perante o seu olhar mais atento, o médico formulou a per-
gunta: -
Por breves momentos, esta pessoa em fim de vida parou, refletiu brevemente e emocionou-se.
Relatou de seguida algumas das suas características mais particulares.
Seguiu-se mais uma pergunta:
-
s
No final desta breve mas próxima conversa, este doente em fim de vida mostrou interesse em
continuar a falar sobre a sua vida, recordar os acontecimentos mais relevantes da sua existência.
O médico de Medicina Paliativa falou-lhe da Terapia da Dignidade (TD) e como essa interven-
ção poderia ser benéfica e executada brevemente, sugestão que o doente aceitou.
Neste primeiro contacto em que se falou sobre a vida e a dignidade, acerca do que ele era e
do que se sentia mais orgulhoso, -
797
Quadro I - Principais categorias, temas, subtemas e itens do modelo da dignidade nos doentes em fim de vida
(Adapt.de Chochinov et al. (2002a) por Julião & Barbosa (2012a).
De uma forma sucinta, a TD é uma nova intervenção psicoterapêutica projetada para respon-
der à angústia psicossocial e existencial de doentes em fim de vida. Esta abordagem breve e indi-
vidualizada convida os doentes a relatar e discutir questões de vida que lhes são mais importantes,
articulando-as para que sejam lembradas após a morte que se aproxima. Estas discussões e lem-
branças são gravadas em registo áudio, transcritas e editadas num documento de legado final que,
normalmente, é entregue a familiares ou outros entes queridos, segundo indicação do doente.
No processo de criação da TD, três elementos serviram de pilares fundamentais a partir dos
quais esta psicoterapia breve se erigiu: Forma Criação de um Legado; Tonalidade e Conte-
údo.
para além do tempo limitado pela morte, colocando-as ao serviço dos outros. Na verdade, quando
falamos nesse período de tempo limitado pela morte, falamos também em eternidade. Mas fala-
remos em egoísmo? Em egocentrismo? Falaremos na necessidade de imposição de uma presença
eterna? Estas questões, por mais estranhas e obscuras que possam parecer, podem não ter uma tão
grande relevância na vida real para quem padece e a quem resta pouco tempo de vida. Com a TD
passa-se o mesmo. O legado pode ser alcançado, concretizado e reduzido a uma simplicidade
absolutamente admirável. Cada doente terá no seu pensamento e, na capacidade física e psicoló-
gica que a doença lhe permita, a ideia do legado perfeito a construir.
Na sua essência, o legado serve o propósito de salvaguardar aspetos do futuro dos entes que-
ridos enlutados. O legado, embutido no conceito de generatividade, permite tornar o futuro ine-
xistente de quem morre em algo tangível, numa influência prolongada, na presença tangível,
sustendo a memória ao serviço de quem vive para além da perda de quem se ama. O legado que
do aspeto físico definhado e caquético, da astenia marcada, da dispneia que se ouve ou da inter-
rupção pelo episódio de vómito inesperado e que fica gravado.
Antes da entrega do documento de legado final, o processo de edição permite aumentar a
concordância do discurso, o seu encadeamento lógico e fluido e a escolha do final apropriado. A
entrega de um documento escrito a quem mais se ama devolve o sentimento de orgulho e confi-
ança. Apesar da doença e da sua enorme labilidade, o resultado capturado nessas folhas de papel
fala de e pela pessoa e não pelos sintomas da doença que a habita.
O legado é como uma representação ou uma obra única que reflete quem a erigiu. Ele repre-
senta e espelha apenas o resultado final e não o processo ou a dificuldade de elaboração.
Portanto, a TD envolve a criação de um documento escrito cuidadosamente construído e
editado, constituído pelos fragmentos da sessão de psicoterapia, que os doentes em fim de vida
querem transmitir acerca de si a quem mais amam, depois da sua morte.
Como refere Chochinov: (2011,
p.40) e, sem ele, uma das principais fundações desta abordagem psicoterapêutica seria perdida,
não podendo atingir uma das fontes de sofrimento e ameaça de dignidade em fim de vida.
A importância do documento de legado prende-se com dois aspetos distintos mas interliga-
dos: em primeiro lugar, o aumento do sentido de intensidade presente durante a TD pela
Tonalidade
Enraizada nos princípios da honra, estima e respeito inerentes aos Cuidados Paliativos, a TD
baseia a sua atuação na tonalidade do cuidar que reforça a cada momento a afirmação da pessoa e
do genuíno suporte à sua fragilidade. Enquanto o legado projeta a relação terapeuta-doente no
futuro, a tonalidade do cuidar do estar com é experienciado no aqui e no agora. A tonalidade
do cuidar e do estar no momento da psicoterapia é o tempo da oportunidade presente, daquilo que
interessa no imediato, das vivências mais profundas, recebidas com total abertura e consideração.
O terapeuta ouve, recebe integralmente e absorve tudo, como se não existisse nada mais prepon-
derante a considerar para além da pessoa, em sofrimento, que relata.
Como mostra um estudo de Chochinov et al. (2002b) a TD per si não é suficiente para acres-
centar um valor psicológico positivo ou dignificante, necessitando de uma componente de res-
peito, consideração e bondade. O documento de legado, mesmo que bem editado e completo, não
poderia atingir o seu objetivo, se a TD que lhe deu origem não tivesse sido desenvolvida com
base na disponibilidade, na total entrega de atenção, respeito e bondade.
É a tonalidade do cuidar que veicula a forma como alguém debilitado se vê desejado, aceite e
considerado apesar da sua vulnerabilidade.
Rogers (1951). A tonalidade do cuidar preconizada por Chochinov engloba todas as atitudes
críticas apontadas como necessárias por Rogers (1951): genuinidade, apoio positivo incondicional
e entendimento empático.
A genuinidade refere-se à atitude de autenticidade que permite revelar ao terapeuta o que é,
sem interpor uma representação de impersonalidade.
O apoio positivo incondicional revela simplesmente que o terapeuta aceita sem restrições ou
preconceitos quem o doente é, veiculando durante a terapia um cuidado genuíno de não-julga-
mento.
Por fim, o entendimento empático transporta para a pessoa em fim de vida o sentimento de
conexão e total compreensão com o seu sofrimento, principalmente através de gestos de escuta
ativa, atenta e sensível ao que é contado e aos sentimentos ou sensações que esses acontecimentos
provocam.
Para todos os doentes a mensagem passada pelo terapeuta durante a TD a mensagem espe-
lhada on the eyes of the beholder (Chochinov 2004) deve ser a de que
todo o meu tempo, toda a minha dispon
Esta atitude de entrega ao outro permite anular questões fraturantes que muitos doentes colo-
cam em surdina no fundo do seu ser: ,
outros estão interessados no ,
Se, no reflexo dos olhos do terapeuta, a pessoa doente sente que a sua história não gera en-
cantamento, sentimento de surpresa e agrado, ou que parece ser banal e não incomparável e única,
o seu sentido de dignidade será ameaçado; a TD não atingirá o seu objetivo primordial.
Assim, e nas palavras de Chochinov (2001, p.78), os terapeutas devem ser -
, lado-a-lado num esforço de cooperação para atingir uma psicoterapia eficaz e signifi-
cativa. Na TD, o terapeuta deve realizar o esforço de participar nesses momentos únicos que,
Conteúdo
Esta psicoterapia baseia-se num conjunto de perguntas flexíveis e orientadoras que permitem
ao terapeuta conduzir a evolução da TD (Quadro II).
Este conjunto de perguntas deriva da categoria
Modelo da Dignidade, nomeadamente dos subtemas Continuidade do Eu, Preservação de Pa-
péis, Manutenção de Orgulho Próprio, Manutenção de Esperança e Autonomia/Controlo e do
Quadro II - Protocolo de perguntas orientadoras da Terapia da Dignidade (Adapt. de Chochinov et al. (2005)
por Julião & Barbosa (2012a).
1. Fale-me um pouco da sua história de vida, particularmente as partes que recorda ou pensa serem as mais im-
portantes?
2. Quando é que se sentiu mais vivo?
3. Existem coisas específicas que quisesse que a sua família soubesse sobre si; existem coisas particulares que
quisesse que a sua família recordasse?
4. Quais são os papéis mais importantes que desempenhou na sua vida? (familiares, profissionais, etc.).
5. Porque é que estes papéis são tão importantes para si e o que pensa ter atingido com eles?
6. Quais são os seus maiores feitos e de quais se sente mais orgulhoso?
7. Existem coisas específicas que quisesse dizer aos seus entes queridos?
8. Qual é o seu desejo para o futuro relativamente aos seus entes queridos?
9. O que é que aprendeu com a vida que gostasse de passar aos outros?
10. Que conselho ou palavras gostaria de deixar para (filho/a, esposa, marido, amigos, outros).
11. Existem palavras ou instruções que gostasse de deixar à sua família para os ajudar a preparar o futuro?
12. Na criação deste documento, gostaria de deixar outras coisas ditas?
TERAPIA DA DIGNIDADE
A realização da TD na prática clínica segue um conjunto de passos orientadores definidos,
sem os quais pode certamente não alcançar alguns dos objetivos definidos (aumento de dignidade
e diminuição do sofrimento global dos doentes em fim de vida).
Através dos trabalhos de Chochinov (et al, 2005; 2011), conseguem perceber-se três mo-
mentos principais para a execução da TD: Preparação da Terapia, Execução da Terapia,
Elaboração do Documento de Legado.
Cada um destes momentos principais está dividido em diversos passos, explicados em maior
detalhe seguidamente.
1º Momento Preparação da Terapia, incluindo:
- Seleção de participantes (elegibilidade e exclusão);
- Apresentação formal da TD ao doente e família;
- Resposta a todas as perguntas do doente;
- Fornecimento prévio do protocolo de perguntas orientadoras da TD.
Seleção de Participantes
Aquando do seu desenvolvimento inicial, a TD foi pensada apenas para aqueles doentes que
apresentassem sofrimento psicossocial e/ou existencial. Como é conhecido, o sofrimento psicoló-
gico de doentes em fim de vida é apenas relatado em cerca de 11% dos indivíduos (Chochinov et
al., 2009). É também conhecido que o sofrimento existencial pode, muitas vezes, ser silencioso e
invisível à observação clínica superficial e puramente técnica (Chochinov 2011, p.57).
Neste sentido, Chochinov (2011, p.57) preconiza atualmente que a TD seja oferecida a todos
aqueles que, no confronto com a doença incurável expressem qualquer tipo de sofrimento.
A regra basilar da seleção é a de oferecer esta abordagem psicoterapêutica breve a qualquer
pessoa que queira, no confronto com o sofrimento resultante da doença, aumentar o sentido, o
propósito e o bem-estar nos seus últimos momentos de vida.
A oferta da TD não implica a existência de sofrimento psicológico e/ou existencial significa-
tivos. Há que ter em mente que, apesar de muitas pessoas estarem a lidar correta e tranquilamente
com a sua doença, sem sofrimento existencial ou psicossocial profundo, a TD oferece benefícios
terapêuticos importantes (Chochinov, 2011; Julião et al., 2013).
Exclusão de Doentes
Tal como refere Chochinov (2011, p.58):
. Na verdade, em qualquer terapêutica ou
intervenção médica, o balanço risco/benefício deve ser cuidadosamente ponderado.
Genericamente, também é verdade que, quanto mais potente é uma intervenção farmacoló-
gica ou não maior é a probabilidade de provocar efeitos adversos. Estas premissas são também
Desta forma, o doente é entendido como sujeito ativo, participante, autónomo e capaz. Esta ati-
tude prévia estimula o empowerment, atitude essencial e relevante para quem, confrontado com a
doença, perdeu uma considerável quantidade de capacidades. De facto, assumir o cocontrolo da
terapia deve ser sempre encorajado pelo terapeuta.
Por fim, o fornecimento das perguntas orientadoras contidas no protocolo permite ao doente
perceber quais as áreas de conversação que quer evitar e quais as que quer ver mais desenvolvi-
das.
Segundo Chochinov (2011, p.70):
apresenta preferências de conteúdo relevantes. Em vez disso, preferem confiar na experiência e
no juízo do terapeuta até que tenham um sentido mais aprofundado da direção que querem se-
gui .
Fica assim claro, mais uma vez, a fluidez e flexibilidade de todo o processo psicoterapêutico.
As perguntas constituintes do protocolo da TD emergem do Modelo da Dignidade
(Chochinov et al., 2002a), tendo sido desenhadas para atingir áreas intimamente relacionadas com
terminal.
Ao serem formuladas de forma tão central durante a sessão, os doentes sentir-se-ão conside-
rados, únicos e dignificados. Estas perguntas devem ser entendidas como um guião flexível,
maleável e orientador. Não devem ser formuladas de forma estéril e desajustada, nem utilizadas
o potencial alar-
gado da TD e de cada pessoa individual.
Em última análise, ela é um produto
resultante da criatividade, unicidade vivencial e dinâmica narrativa do doente, sendo o terapeuta
apenas um veículo facilitador.
Atitude
- A cada momento da terapia, o terapeuta deve estar totalmente sintónico com o doente, numa
atitude de escuta ativa.
- A cada momento, para todos os doentes e em todas as circunstâncias, o terapeuta deve assumir
uma atitude de afirmação e conservação da dignidade do outro.
- O doente deve ser lembrado que aquele momento é único e que é o seu
(Chochinov 2011, p.94). O terapeuta deve mostrar-se inteiramente disponível e na sua atitude
deve transparecer essa mesma verdade.
-
do terapeuta deve transparecer maleabilidade, capacidade de aceitação e possibilidade de mu-
dança, sem transtorno ou juízos de valor.
Conteúdo
- O terapeuta deve utilizar a metáfora do álbum de fotografias. Deve sentar-se lado-a-lado com o
doente, observando atentamente um álbum de fotografias metafórico e imaginário:
s da sua vida. Se o abrirmos juntos
diga-me que fotografias vamos encontrar e descreva-mas com o maior detalhe que conseguir. Se
puder, fale-me das características destas fotografias, das sensações que lhe trazem, das pessoas
que as compõem, os cheiros, as
- O doente deve ser estimulado a fornecer informação detalhada e clara sobre as suas histórias.
e sabores. Desta forma, nesta viagem sensorial mais intensa, o doente poderá viajar para longe
Ao terapeuta cabe o papel ativo da defesa dos que irão sobreviver à morte de quem realiza a
TD e a quem é deixado um documento de legado.
Em última análise, e se o doente mantiver a vontade de manter o relato ou a descrição de as-
petos potencialmente nefastos para terceiros, o terapeuta deverá recusar realizar a terapia, pois o
seu papel estende-se muito para além da simples responsabilidade ética e de não-maleficência
para com o doente singular.
Estrutura
- Durante a TD, as ideias, pensamentos e histórias do doente devem ser orientadas de forma
coerente e linear, utilizando a imagem dos desenhos infantis de ligação dos pontos numerados
(Chochinov 2011, p.80). Na intensidade do relato de uma história de
vida, o doente poderá perder o encadeamento lógico entre factos ou datas, cabendo ao terapeuta a
função de ordenação e orientação. De forma metafórica, utilizando a imagem dos desenhos infan-
tis de ligação encadeada de pontos numerados, uma linha une o ponto 1 ao 2 e ao 3, seguindo para
o ponto 4 e não para o 10.
- Deve ser tentado um equilíbrio entre as perguntas de resposta aberta e os momentos de
maior concisão e descrição focada de acontecimentos relevantes de vida.
- Antes de ser desligado o áudio gravador, deve ser dada uma última oportunidade para deixar
dito o que o doente achar essencial e imprescindível. A TD termina apenas depois deste momento
de devolução de total autonomia e empowerment ao doente.
Transcrição verbatim
Após gravada a sessão psicoterapêutica cabe a um transcritor (ou ao terapeuta, na ausência de
um transcritor) ouvir a gravação e realizar a sua transcrição escrita fiel e sem alterações, ou seja,
verbatim.
Neste documento inicial de trabalho devem constar todas as histórias, todas as expressões uti-
lizadas, todas as palavras ditas (incluindo aquelas secundárias ou paralelas à história principal),
assim como uma referência explícita aos sentimentos observados (choro, sorriso, gargalhada, p.
ex.).
Tal como refere Chochinov (2011, p.102): -
. Mais acrescenta que os documentos de
transcrição verbatim as palavras de amor, arrependimento, angústia e pesar na
sua essência, o vasto panorama da experiência humana.
Nesse sentido, o processo de transcrição não deve perder de vista a natureza emocional da
gravação. Desta forma, as pessoas escolhidas para realizar esta fase de elaboração do documento
de legado devem possuir uma sólida maturidade e estar preparadas para ouvir e transcrever de
forma fidedigna este tipo de conteúdo.
Em todas as etapas da realização da TD, o tempo é um fator de crucial importância. Para os
doentes em fim de vida, particularmente para aqueles com prognóstico reduzido, o tempo escas-
seia a uma importante velocidade e, mais tarde, poderá ser tarde demais.
Na transcrição verbatim, o mesmo se passa. Dependendo da duração da entrevista gravada,
assim o tempo de transcrição poderá variar entre três a quatro horas. De uma forma aproximada
cerca de 2,5 a 3,5 vezes o tempo da terapia em si (Chochinov 2011, p.103). Completar a transcri-
ção verbatim a tempo permite que o processo global de transcrição seja mais célere, reafirmando,
acima de tudo, a importante mensagem veiculada ao doente de que
histórias, a sua vida é importante, assim como a tarefa de ouvi-las, transcrevê-las, documentá-las
permanentemente, de form .
Edição
Uma vez completo o documento de transcrição verbatim, o processo de edição deve ser inici-
ado.
Nesta tarefa, todas as palavras de legado proferidas pelo doente estão à disponibilidade do
editor. Este é o momento em que é pedida ao editor a maior concentração e responsabilidade
possíveis. Editar implica reformular, reposicionar momentos de descrição, encadeando-os logi-
camente, colocando as expressões e os sentimentos essenciais no documento final. Nas palavras
de Katherine Cullihall (2011), uma experiente terapeuta da dignidade da Universidade de
Aprovação final
Após ter sido escrito, editado e revisto pelo terapeuta, o documento de legado deve ser entre-
gue ao doente para a sua aprovação final.
Este processo de verificação permite a realização de últimas alterações de estilo ou mesmo de
conteúdo. As alterações podem ser breves (datas, nomes e pontuações, p. ex.) ou podem ser mais
alargadas. Por vezes, após a leitura do documento final encadeado, alguns doentes poderão ence-
tar um momento de breve insight acerca de uma pessoa, de um acontecimento. Poderão, por
exemplo, aperceber-se de que gostariam de falar mais sobre um determinado ente querido.
Este processo pode significar alguma ansiedade tanto para o doente como para o terapeuta.
Por um lado, e apesar da dúvida, o terapeuta deve estar certo de que a edição está correta e fiel às
palavras do doente, por outro, o doente pretende ler e sentir um documento final satisfatório.
Como afirma Chochinov (2011, p.114), no processo de aprovação final,
.
PONTOS-CHAVE
- A dignidade é, hoje, um conceito mais inteligível, concretizável, percetível e alcançável. Pe-
rante a medicina tecnologicamente avançada atual, a dignidade necessita, cada vez mais, de um
lugar a ser lembrado na prática clínica diária da relação face-a-face.
QUESTÕES
1. Todas as afirmações são verdadeiras, exceto:
a) A TD é uma intervenção psicoterapêutica breve desenhada para pessoas em fim de vida;
b) Um dos requisitos essenciais para uma boa realização da TD é a tonalidade do cuidar e a
atenção à história de vida da pessoa doente;
c) O protocolo de perguntas da TD é maleável e orientador e deve ser fornecido ao doente an-
tes da realização da psicoterapia;
d) Todos os doentes em fim de vida são elegíveis para realizar a TD.
2. Qual das seguintes afirmações é verdadeira:
a) Todos os profissionais de saúde podem realizar TD;
b) A última palavra quanto ao conteúdo e edição do documento de legado é do terapeuta;
c) Não é necessário clarificar previamente o que fazer com o documento de legado, caso este
não possa ser entregue ao sujeito da terapia por motivo da sua morte;
d) Ao terapeuta é dada a possibilidade de recuar na realização da TD, caso o doente insista em
manter no documento de legado palavras ou histórias que possam ferir ou causar sofri-
mento aos destinatários do documento.
BIBLIOGRAFIA
Chochinov HM, Hack T, McClement S, Kristjanson L, Harlos M. Dignity in the terminally ill: a developing
empirical model. Soc Sci Med. 2002 Feb;54(3):433-43.
Chochinov HM, Hack T, Hassard T, Kristjanson LJ, McClement S, Harlos M. Dignity in the terminally ill: a
cross-sectional, cohort study. Lancet. 2002 Dec 21-28;360(9350):2026-30.
Chochinov HM. Dignity and the eye of the beholder. J Clin Oncol. 2004 Apr 1;22(7):1336-40. Review.
Chochinov HM, Hack T, Hassard T, Kristjanson LJ, McClement S, Harlos M. Dignity therapy: a novel
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Chochinov HM, Hassard T, McClement S, Hack T, Kristjanson LJ, Harlos M, Sinclair S, Murray A. The
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