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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Estudos da Linguagem


Departamento de Teoria Literária

Projeto de Pós-Doutorado
Antonio Candido: a crítica literária como controle da sociologia

Pesquisador:
João Paulo Lima e Silva Filho

Supervisor:
Alfredo Cesar Barbosa de Melo

Resumo:
Este projeto de pesquisa propõe um estudo sociológico da relação fronteiriça entre crítica
literária e sociologia em Antonio Candido, de maneira a situar a relação das duas disciplinas na
obra do autor e o seu papel na construção de uma posição social-acadêmica hegemônica no trato
da sociologia da literatura no Brasil. A hipótese inicial desse trabalho – a ser testada durante o
estágio pós-doutoral – é a de que Antonio cristaliza e canoniza certos modos de emprego da
sociologia nos estudos literários, descartando outros como pouco sofisticados. A crítica literária
de Antonio Candido exerce assim um controle disciplinar sobre a sociologia, sugerindo assim
modos mais perspicazes de captar as conexões entre literatura e sociedade que outros O trabalho
analítico se concentrará na identificação das diferentes fases e usos dos recursos sociológicos na
obra, na delimitação histórica do significado de cada uso, articulando as análises a um debruçar
paralelo ao histórico institucional do percurso acadêmico do autor de Literatura e Sociedade.
Espera-se que o projeto engendre um primeiro esboço de crítica sociológica da crítica literária,
entendida como descrição do trabalho da crítica como processo de mediação legitimadora das
obras e autores da literatura brasileira.

Julho 2014

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Universidade Estadual de Campinas
Instituto de Estudos da Linguagem
Departamento de Teoria Literária

Postdoctoral Research Proposal


Antonio Candido: Literary Criticism as a Way to Control Sociology

Researcher:
João Paulo Lima e Silva Filho

Supervisor:
Alfredo Cesar Barbosa de Melo

Abstract:
This research project proposes a sociological study of the frontier relation between literary
criticism and sociology in Antonio Candido works, in order to situate the relationship of the two
disciplines in his works and their role in building a hegemonic social - academic position in
dealing with the sociology of literature in Brazil. The initial hypothesis of this project – to be
tested during post-doc period is that Candido establishes and canonizes certain sociological
approaches to literature and neglects others. Candido then controls the ways in which literary
criticism engages with sociology. Our analytical work will focus on identifying the different
phases and sociological uses of resources in his work , the historical outline of the meaning of
each use , linking the analysis to an address parallel to the institutional history of the academic
journey of the author of Literature and Society. It is expected that the project engenders a first
draft of sociological critique of literary criticism, understood as a description of legitimizing
process of the critical mediation of works and authors in Brazilian literature.

July 2014

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Antonio Candido: a crítica literária como controle da sociologia

1. Apresentação

Egresso de um departamento de sociologia, onde defendi minha tese de doutorado, no


sub-campo da sociologia da literatura, sempre me chamou a atenção a preferência de muitos
colegas sociólogos por Antonio Candido em detrimento de Pierre Bourdieu e Sérgio Miceli, (que
seriam sociólogos de ofício), para analisar sociologicamente a literatura. Muitos de meus colegas
se referiam às imensas qualidades de Candido como crítico, sempre ressaltando o seu
refinamento analítico e sua sóbria mas sólida erudição para pensar a sociedade por meio do
literário. Sociólogos como Bourdieu e Miceli eram vistos com suspeição de reducionismo
sociológico, por se afastarem mais do texto e incluir outros fatores para análise sociológica da
literatura. Se entre os sociólogos do departamento de sociologia da Universidade Federal de
Pernambuco, o prestígio de Candido era imenso, nos departamentos de letras a predominância de
Candido – comparada ao ostracismo de um Bordieu e um Miceli – era ainda mais consolidada.
Foi a partir da reflexão dessa tensão na sociologia da literatura que surgiu a hipótese que
pretendo testar no meu pós-doutorado: a de que Candido cristaliza e canoniza certos modos de
emprego da sociologia nos estudos literários, descartando outros como pouco sofisticados. A
crítica literária de Antonio Candido exerce assim um controle disciplinar sobre a sociologia,
sugerindo assim modos que considera mais perspicazes para captar as conexões entre literatura e
sociedade, e desaconselhando ou desautorizando outros métodos sociológicos.
Os termos “crítica literária” e “sociologia” sempre vão juntos quando nos referimos à
obra de Antonio Candido. Muitos estudos já esmiuçaram a maneira como Candido integra, em
suas análises, esses dois domínios do conhecimento. (ARANTES, 1991; MERQUIOR, 1979;
SCHWARZ, 1989; WAIZBORT, 2007; RAMASSOTE, 2008) Apenas para citar dois estudos
mais recentes, Leopoldo Waizbort (WAIZBORT, 2007) discute, em sua tese de livre-docência, o
modo como, sob inspiração auerbachiana, Candido funde erudição filológica e insights
sociológicos na sua prática de crítico literário. Por sua vez, Rodrigo Ramassote (RAMASSOTE,
2008) traça conexões importantes entre as incursões iniciais de Candido nas ciências sociais
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(sobretudo na sociologia da família) e os resultados mais profícuos de sua análise literária da fase
mais madura (o estudo “Dialética da Malandragem”).
Proponho, neste projeto, voltar ao estudo da relação entre “crítica literária” e
“sociologia” figurada na obra de Antonio Candido, mas a partir de outros pressupostos. Meu
foco de análise incide menos sobre a maneira como a sociologia é apropriada pela economia
interna da obra de Candido, e mais sobre o modo como a crítica literária de Candido – com todo
o peso institucional que essa crítica irá ganhar a partir da fundação do Departamento de Teoria
Literária e Literatura Comparada da USP (DTTLC-USP) em 1960 – controla, hierarquiza e
limita os usos da sociologia quando voltada para o estudo da literatura. Note-se que trata de uma
operação muito mais sutil e nuançada que aquela realizada pelos formalistas, que simplesmente
rechaçam a sociologia. Antonio Candido constrói um método de estudo para abordar as relações
entre literatura e sociedade1, tornando-o hegemônico e colocando-o numa posição superior a
outras abordagens sociológicas2. Essa tomada de posição metodológica está enunciada no texto
clássico de Literatura e Sociedade3, no qual, citando Lukács, Candido afirma que a sociologia
ajuda a iluminar o enquadramento social de uma obra, isto é, estuda os fatores que
“possibilita[m] a realização do valor estético”, enquanto a crítica se debruçaria sobre o “essencial
na obra enquanto obra de arte”, determinando o “seu valor estético” (p. 14). Embora, nesse
mesmo capítulo de Literatura e sociedade, Candido mencione outras possíveis abordagens
sociológicas da literatura, e considere muitas delas válidas e legítimas, a atividade intelectual
mais importante – a saber, a atribuição de valor a uma obra de arte – estará sempre restrita ao

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Trata-se do método da redução estrutural, no qual o crítico estuda o processo de estruturação da obra literária, isto
é, como o fator externo – social – se transforma em fator interno da estrutura literária.
2
Em Literatura e sociedade, na segunda secção do primeiro capítulo (Crítica e sociologia), Candido lista 6 tipos de
análise sociológica da literatura: 1) o método tradicional de relacionar o conjunto de uma literatura com seus
condicionamentos sociais; 2) o que toma a obra como reflexo; 3)o que estuda as relações entre obra e público; 4)o
que examina a função social do escritor; 5) o que se detem na função política das obras; 6) o que investiga a gênese
social de um gênero literário (CANDIDO, 2000,pp 18-21). Depois de elencar todas essas possíveis abordagens,
Candido expõe o seu método de redução estrutural, que seria aquele a se tornar hegemônico nessa tradição de
estudos literários focados na relação entre literatura e sociedade.
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É importante notar que Candido inicia sua vida intelectual universitária com a tese de livre-docência O método
crítico em Sílvio Romero, defendida em 1945, tendo ocmo objetivo uma delimitação de quais seriam os melhores
usos da sociologia na crítica literária. Na época, sua crítica era contra o determinismo sociológico de Silvio Romero.
Candido fazia a crítica ao determinismo sociológico, mas sem jogar fora o bebê junto com a água de banho, isto é,
sem descartar o imenso valor heurístico da sociologia para analisar o texto literário. O método crítico em Silvio
Romero é o germe da reflexão que encontrará seu amadurecimento no programa de estudos contido em Literatura e
sociedade, publicado 20 anos depois.

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campo da crítica literária. E a crítica literária de inspiração sociológica seria aquela que consegue
captar o social na imanência da forma literária.
Tais pressupostos tornam-se mais claros, em 1979, com a publicação da tese de
doutoramento do sociólogo Sérgio Miceli, Intelectuais e classe dirigentes no Brasil. Candido
havia participado da banca de doutorado de Miceli, a quem havia criticado por questões
metodológicas pertinentes à abordagem sociológica da literatura. Mesmo sabendo das reservas
de Candido, Sergio Miceli o convida para escrever o prefácio de seu livro, o que resultou num
dos elementos paratextuais mais interessantes da história intelectual brasileira, uma vez que o
prefácio, em vez de endossar o texto, como costuma ser o caso, levanta uma série de críticas e
objeções ao argumento de Miceli. Candido alerta para o
perigo de misturar desde o começo do raciocínio a instância de verificação com a
instância de avaliação. O papel social, a situação de classe, a dependência burocrática, a tonalidade
política – tudo entra de modo decisivo na constituição do ato e do texto de um intelectual. Mas
nem por isso vale como critério absoluto para os avaliar. A avaliação é uma segunda etapa e não
pode decorrer mecanicamente da primeira. Apesar da cautela metodológica e do esforço para ver
com clareza, Miceli incorre por vezes nessa contaminação hermenêutica.(CANDIDO, 2001: pp.
73-74).

Perpassando toda a sua objeção a Sergio Miceli, está a preocupação de Candido, já


presente nos textos metodológicos de Literatura e sociedade, pela questão do valor (instância de
avaliação). Para Candido, verificar o liame entre intelectual e Estado não é o suficiente para
aferir valor à obra autônoma de um intelectual.
O prefácio tenso de Candido é bastante rico para o sociólogo da cultura pois trata-se de
um exemplo bem acabado do que a melhor polêmica pode ser. Segundo João Cézar de Castro
Rocha, a polêmica constitui “um elemento dinâmico que favorece a estruturação sistêmica, seja
do sistema intelectual, seja do sistema de artes, pois a necessidade de desautorizar a
argumentação do adversário depende da exposição dos próprios pressupostos” (ROCHA, 2011,
pp. 70-71). Podemos ver então como Candido e Miceli explicitam seus pressupostos. De um
lado, Candido com todo o instrumental já consolidado desde os anos 1950, centrado na ideia de
estruturação literária (ou redução estrutural) com a maneira mais profícua de apreender o social
na literatura. Do outro lado, Miceli, vindo de uma temporada parisiense com Pierre Bourdieu,

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utilizando-se de outros instrumentais – como trajetória pessoal, campo literário, tomada de
posição, etc - para iluminar o nexo entre literatura e sociedade.
O desacordo, no entanto, está longe de ser meramente metodológico. André Botelho tem
razão em comentar que “[n]ão deve ser minimizado [...] o fato de a polêmica suscitada por
Intelectuais e classes dirigentes no Brasil estar relacionada, em grande medida, à “devassa” nele
operada nas relações dos autores canônicos do modernismo”(Botelho 2002, p. 164). Miceli
coloca em xeque a representação celebratória do modernismo como movimento da ruptura e da
revolução estética, para apontar, nas palavras de Silviano Santiago, “os custos políticos” do
modernismo (Santiago 2000, p. 195). Em outras palavras, Miceli analisa como o Estado
autoritário varguista oferece as condições de possibilidade para a criação, circulação e
institucionalização de uma variedade de obras modernistas. Ora, a afronta não poderia ser maior,
uma vez que Antonio Candido desempenhou um papel central na legitimação do modernismo
como assunto acadêmico. Até 1963, o currículo do curso de Letras da Universidade de São Paulo
só cobria até os naturalistas (Ramassote, 2008, p.66). Foi Antonio Candido que trouxe o
modernismo para a universidade, estimulando seus alunos de pós-graduação a investigarem o
movimento nas suas mais diferentes facetas. São os casos de José Miguel Wisnik (O coro dos
contrários), João Luiz Lafetá (1930: a crítica e o modernismo), Antonio Arnoni Prado
(Itinerários de uma falsa vanguarda), Vera Chalmers (3 linhas e 4 verdades: o jornalismo de
Oswald de Andrade), Tele Ancona Lopez (Mário de Andrade: ramais e caminhos), Ligia
Chiappini (Regionalismo e modernismo).
Faz-se necessário então estudar como o método crítico de Candido, que prioriza certas
abordagens sociológicas da literatura em detrimento de outras, institucionalizou-se no DTLLC-
USP, tornando hegemônico tal método, entre os estudiosos que vinculam literatura e sociedade.
Também é importante salientar que ao investigar a maneira como o método crítico de Candido se
institucionalizou através da obra de seus discípulos, não pretendo projetar no DTLLC-USP
nenhum espartilho de escola. É necessário examinar as tensões tácitas, as continuidades e
rupturas entre mestre e discípulos. O objetivo maior desse projeto é mostrar a destacar a imensa
diversidade (mas uma diversidade nada harmoniosa, sempre com suas partes em disputa) dos
estudos sobre a literatura e sua relação com a sociedade.

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2. Resultados Esperados:

2.1 Ponto de vista do conhecimento


Espero com esse projeto dois tipos de resultados interdependentes. Um de propósito
teórico-metodológico e o outro de cunho mais substantivo.
Sob o ponto de vista teórico, o que mais se espera desse projeto é o estabelecimento de
uma gramática da sociologia da literatura. Não raro as referências à sociologia, nos debates da
crítica literária, são arbitrárias e por demais generalizantes. Uma análise sistemática da
sociologia da literatura mostraria inúmeras tensões dentro do seu próprio campo de estudos. Há
os que prefiram um estudo sociológico da forma literária (no caso de Candido e muitos de seus
discípulos, configurando um exemplo de análise internalista da obra), enquanto outros preferem
estudar as sociabilidades que estruturam a vida literária de um país (é o caso de Miceli,
preocupado com as instituições, trajetórias sociais, etc, constituindo uma análise externalista).
Em muitos estudos sobre história cultural ou sociologia dos intelectuais, essas abordagens –
internalista e externalista - são enunciadas como se fossem recursos à disposição do
sociólogo/crítico na sua caixa de ferramentas analíticas4. Pretendo mostrar, através da gramática
da sociologia da literatura a ser construída nesse projeto, que esses diferentes modos de estudar
sociologicamente a literatura estão em constante tensão e disputa metodológica no Brasil. Em
outras palavras, pretendo sociologizar e historicizar essas abordagens sociológicas da literatura.
Esse refinamento analítico se faz necessário não apenas para evitar generalizações e
reducionismos – como se a crítica de inspiração sociológica fosse homogênea -, como para
salientar as potencialidades da sociologia da literatura e seus resultados na cultura brasileira.
Sob o ponto de vista histórico, de ordem propriamente substantiva, visa produzir
conhecimento a respeito das dinâmicas sociais que organizam o significado dos debates
propriamente acadêmicos, tomando como objeto de estudo a figura emblemática de Antonio
Candido no momento-chave de sua carreira intelectual, elaborando análise detida do seu papel no

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Para dar exemplo desses estudos, em que as análises internalistas e externalistas são apresentadas como recursos
analíticos da história cultural e sociologia dos intelectuais, conferir duas obras premiadas nas ciências sociais,
MAIA, 2007; ALONSO, 2002.

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agenciamento do alcance e limite de uma forma hegemônica de encarar a sociologia da literatura
nos principais departamentos de literatura no país.

2.2 Ponto de vista da produção

 Artigos a respeito sobre o papel de Antonio Candido no agenciamento do que hoje


entendemos por sociologia da literatura nos principais departamentos de literatura no
país.
 Artigos sobre as diferentes abordagens da perspectiva da pesquisa sociológica em estudos
de objetos literários. (ver ponto 4.2, mais adiante).

3. Desafios científicos

Há dois grandes desafios a serem superados nesse projeto: 1) desnaturalizar o esquema


teórico de Candido, tão incutido que está no imaginário da cidade letrada brasileira; 2)
Destrinchar analiticamente que ideia de sociedade de cada contendor desse debate; 3) estudar a
figura do Candido já maduro e professor titular do DTLLC-USP, uma vez que são vários os
estudos sobre as hesitações profissionais do jovem Candido – dividido entre a crítica literária e a
sociologia -, mas há poucos estudos que focam no sem momento de madureza intelectual e
institucional.
1) O grande desafio científico do presente projeto é o de estabelecer uma medida equilibrada
para equacionar certas dificuldades geradas pela natureza instável do uso da linguagem natural
no tratamento de questões substantivas da sociologia da literatura. Ao analisar uma disputa real
inscrita na taxonomia da crítica à Candido, quero inquirir sobre as maneiras de abordar a relação
entre literatura e sociedade. Os principais obstáculos ao conhecimento nos termos apontados por
esse projeto incidem no fato de que existe uma impressão difusa, derivada da importância que o
próprio Antonio Candido alcançou no meio acadêmico, de que ele já teria apontado o que
deveria ser atribuição da crítica (uma análise detida interna à obra), por um lado, e o que deveria
ser função da sociologia (estudos de cunho externo), por outro lado. Dessa dinâmica oriunda do
próprio campo decorre uma hierarquia de práticas intelectuais que precisa ser explicitada em

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seus efeitos propriamente intelectuais. O prioritário na visão de Candido seria sempre o valor da
obra (sua economia interna). Acontece que, por mais que pareça natural essa hierarquia, há
formas discordantes de a conceber e entender sua constituição. No presente projeto considero
como ganho heurístico o trabalhar sem parcimônia de certas dimensões sociais, comumente
minimizadas por Candido, demonstrando como e por quais razões elas deveriam ganhar mais
atenção e rendimento analítico nos estudos sobre literatura e sociedade.
2) Outro aspecto que deve ser lembrado com mais frequência e que também faz parte da
arquitetura analítica aqui proposta: quando Antonio Candido estuda o social na forma literária,
ele está sempre estudando o Social, com maiúscula. Ele se filia, nesse sentido. à tradição do
pensamento social brasileiro, preocupada em apreender as grandes dinâmicas da sociedade
brasileira, como já foi observado argutamente por Luiz Carlos Jackson no seu A tradição
esquecida (2002). É exemplo disso sua preocupação com a dialética da ordem e da desordem em
Memorias de um sargento de milícias, ou a dialética do espontâneo e dirigido em O Cortiço de
Aluísio Azevedo, em que os princípios constitutivos desses romances fazem referência a
dinâmicas sociais centrais da sociedade brasileira (a dialética da malandragem organizaria nossa
sociabilidade, enquanto a dialética do espontâneo e dirigio ditaria o ritmo da acumulação
primitiva do capital em terras brasileiras). Desde Formação da Literatura Brasileira, Candido
afirma que a literatura nos oferece um tipo de autognose. Neste projeto procuro tento analisar o
conflito entre o “Social” com "social" em minúscula, um “ social” mais pedestre por assim
dizer. Trata-se do “social” trabalhado pela sociologia de Sergio Miceli que, ao burilar biografias,
alianças políticas, trajetórias profissionais, grupos de socialização, estigmas, handicaps,
estabelece uma visão mais rente à matéria prima daquilo que chamamos de sociedade.
Destrinchar analiticamente o que vem a ser o “social” nesse debate é um passo essencial
para montar a gramática dos estudos sociais dirigidos à literatura que pretendemos montar.
O grande ganho produzido por uma tal demarche consiste no esclarecimento em relação
ao peso real desse "social" (com minúscula) no debate sobre qual a melhor maneira de estudar a
relação entre literatura e sociedade. Pensar fora do esquema de Antonio Candido, mas a partir
dele, nos faz pensar que talvez - e é preciso levar a sério esse talvez - tal crítica não esteja dando
a relevância devida a essa dimensão social mais mundana.
3)Há bons estudos que incidem sobre a relação entre ciências sociais e crítica literária na
obra de Antonio Candido, seja de uma perspectiva internalista, como externalista (ou

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institucionalista). Do ponto de vista internalista, Merquior (1979) e Schwarz (1987) investigam
como análise sociológica e a atenção à forma literária se mesclam na obra de Candido. Do ponto
de vista institucionalista, Heloísa Pontes (1998) e Luiz Carlos Jackson, cada um a seu modo,
mapeiam as hesitações e oscilações do jovem Antonio Candido, tendo que navegar, em seus anos
formativos, entre crítica de rodapé e academia; a prosa de ensaio e a monografia científica; a
tradição do pensamento social brasileiro e a autonomização de uma sociologia mais
profissionalizada. Tratam-se de dilemas institucionais que o jovem Candido tem que enfrentar no
inicio de sua carreira. Se a fase formativa do jovem crítico foi bastante estudada, muito ainda
precisa ser feito em relação ao Antonio Candido maduro, criador de instituições como o DTLLC.
Este projeto pretende focar nessa fase, em que Candido investe intensamente na
institucionalização de seu método literário e no estabelecimento do modernismo como assunto
acadêmico.
Daí a importância de uma investigação em torno polêmica entre Candido e Miceli. Pois é
nesse prefácio em que Candido defende com grande agudeza o seu método, e uma certa visão do
modernismo. Tal polêmcia não tem recebido a devida atenção e teorização. É interessante notar
que a polêmica de Antonio Candido com Haroldo de Campos, em torno do sequestro do barroco
em Formação da literatura brasileira tem sido mais bem estudada, em parte porque a rivalidade
entre Candido e Haroldo de Campos se empreste a dicotomias mais óbvias como sociologia X
formalismo; mimesis X poiesis. Ou como diria Alcir Pécora, é uma polêmica que justapõe
críticos “sociológicos da USP contra formalistas da PUC” (PÉCORA, 2011, p.4).Bastante
diferente da polêmica de Candido com Miceli, uma vez que se trata de uma disputa interna sobre
os modos de estudar a relação entre literatura e sociedade, mostrando assim a pluralidade de
abordagens e possibilidades teóricas nesse campo.

4. Objetivos específicos desse projeto

1) Traçar a trajetória teórica de Antonio Candido, descrevendo como suas ideias em torno da
relação entre literatura e sociedade se desenvolveram ao longo dos anos.

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2) Pesquisar todo o material e documento didático produzido por Candido no processo de
fundação do DTLLC-USP.
3) Estudar os livros publicados a partir das dissertações e teses de doutoramento orientadas por
Antonio Candido. Estudar os prefácios de Antonio Candido para todos os seus discípulos.
Verificar como a questão metodológica da relação literatura e sociedade está figurada em
cada uma dessas obras.
4) Descrever o contracampo dessa polêmica, isto é, a trajetória de Sergio Miceli, o tipo de
sociologia que ele propunha, as raízes bourdieusianas de suas reflexões sobre literatura e
sociedade.

5. Cronograma de atividades de pesquisa e ensino

5.1 Atividades de pesquisa


Tendo em vista os objetivos listados, organizamos as atividades de pesquisa da seguinte
forma:

Atividade/ Mês 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Fichamento das obras de
Antonio Candido
X X X
Identificação e
Fichamento dos X X X
Prefácios
Fichamento das obras
dos discípulos de X X X X
Antonio Candido
Fichamento da obra de
Sergio Miceli
X X
Levantamento e
fichamento do material
didático produzido por
Candido para produção
X X X
da DTLLC-USP

Entrevistas X X X X X
Tratamento das
entrevistas
X X X
Redação do relatório
final
X X X

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5.2 Ensino

Além das atividades de pesquisa relacionadas acima, planejo ministrar, com a devida
autorização da Fapesp e do Departamento de Teoria Literária/IEL, uma disciplina de graduação.
Um curso de sociologia da literatura, mais panorâmico, que trate da vitalidade da leitura
sociológica da literatura sob os diferentes focos empíricos da perspectiva da pesquisa
sociológica. Trabalho de arquivo, leitura interna dos componentes literários do texto, uso da
análise biográfica, recurso à estatística, à entrevista sociológica. Pretende-se organizar uma
publicação que compartilhe um olhar comparativo entre essas formas e suas possíveis
combinações para o enquadramento do conteúdo social no fenômeno literário.

6. Bibliografia

ALONSO, Angela. Idéias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil Império. São
Paulo: Paz e Terra, 2002.

ARANTES, Paulo. O sentimento da dialética: Dialética e dualidade segundo Antonio Candido e


Roberto Schwarz. São Paulo: Paz e Terra, 1992

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Conversas com sociólogos brasileiros. São Paulo: Editora 34, 2006.

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12
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__________. A tradição esquecida: Os Parceiros do Rio Bonito e a sociologia de Antonio


Candido. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

LAFETÁ, João Luiz. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1974.

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