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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS


Programa de Pós-Graduação em Tratamento da Informação Espacial

O ESPÍRITO GEOGRÁFICO *

- Em que consiste o espírito geográfico ?

Quem é geógrafo sabe abrir os olhos e ver. Não vê quem quer. Em Geografia, a
aprendizagem, a visão das coisas e das realidades da superfície da Terra, será o primeiro
estágio e não o mais fácil. Como consequência, “o método geográfico” em todos os domínios
onde pode ser empregado, é um método que dá sempre a primazia ao estudo, o mais completo
e preciso possível, do que existe hoje em dia, em sua distribuição na superfície da Terra.

Os geógrafos devem sempre se esforçar para constatar, com a exatidão possível, onde se
produz o fenômeno estudado. Esta preocupação com o lugar deverá traduzir-se em mapas ou
representações esquemáticas, sobre os quais se acharão representadas duas ordens de fatos: os
pontos e/ou zonas onde o fato se revela (...) e, por outro lado, o limite que marca a extensão
geral extrema do fenômeno.

(...) Os geógrafos não podem, porém, esquecer-se de que essas distribuições e fenômenos
atuais resultaram de processos temporais. Portanto, torna-se sempre necessária uma geografia
histórica, que deverá ser conduzida com prudência e paciência. As relações espaço –
temporais, para serem verdadeiras, só poderiam ser cheias de nuanças, sempre inspiradas por
um grande relativismo, e fundamentadas também sobre firmes bases técnicas.

Até a história da Filosofia e a história das religiões (...) se preocupam, cada vez mais, com a
consideração da extensão geográfica dos fatos.

Seguindo-se passo a passo todos os traços humanos sobre o terreno, renovaram-se e


elucidaram-se várias questões que, os métodos da história econômica ou da história política,
ou da história artística, ou ainda da história literária, sozinhos, foram ou seriam incapazes de
resolver.

(...) Victor BÉRARD (1902 / 1903), percorrendo as margens insulares e peninsulares do


Mediterrâneo – com os poemas homéricos em mãos – e comparando as antigas descrições às
atuais Instruções Náuticas do Serviço Hidrográfico da Marinha, testemunhou a exatidão
daquelas e interpretou a Ilíada como uma espécie de périplo de informação:

“É um documento geográfico. É a pintura poética, porém não deformada, de um


certo Mediterrâneo, com seus hábitos de navegação, suas teorias do mundo e da
vida naval, sua língua, suas instruções náuticas e seu comércio”.

(...) É conveniente larçarmos os olhos à História propriamente dita, que se faz dia a dia mais
geográfica. (...) Toda grande obra de História (...) começa por um excelente quadro
geográfico; mas, também , esforçam-se todos para explicar (...) a História pela Geografia.

(*) Adaptado, pelo Prof, Oswaldo Bueno Amorim Filho, de: BRUNHES, J. Geografia Humana. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1962
(original francês de 1910 / 1925).

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(...) O que há de novo nesta maneira de tratar a História, senão olhá-la e ver, na superfície da
Terra, a realidade e as variações de tudo o que nós tínhamos chamado os fatos essenciais da
Geografia Humana ?

Há um sentido geográfico, que exige uma espécie de percepção mais realista de todoas as
manifestações da atividade humana. (...) Ver as formas precisas da realidade terrestre, vê-las
em toda a sua extensão material, e até suas zonas-limites, discernir as representações variadas
em diferentes pontos do espaço, eis o que preside o espírito geográfico.

(...) O hábito de ver as realidades onde estão e como são produz sobre o espírito o efeito de
lhe inculcar uma justa desconfiança das simples etiquetas e aparências e de lhe emprestar um
sentido crítico do valor variável das realidades geográficas.

(...) Entre os fatos de ordem física, existem, às vezes, relações de causalidade; entre os fatos
de Geografia Humana, só existem relações de conexão. Forçar o elo que une os fenômenos
uns aos outros é realizar obra de falsa ciência; e o espírito de crítica será aqui bem necessário,
para permitir precisar com discernimento os múltiplos casos em que a conexão não é, de
maneira alguma, uma causalidade.

(...) Daí advém uma complexidade que torna, algumas vezes, bem difícil a determinação da
ligação existente entre os homens e a Natureza. Este traço de conexão é, com efeito variável,
pois repousa sobre as necessidades do homem, seus apetites espontâneos ou refletidos e, como
estes elementos psicológicos são muito variáveis, fazem forçosamente oscilar a própria
relação entre a terra e o homem.

Assim chegamos a uma nova ordem de complexidades, que resultam da sucessão, através dos
tempos, de diferentes fenômenos sobre um só espaço. O quadro geográfico continua o
mesmo, porém, os homens que vivem neste quadro tem necessidades que, sem cessar,
modificam-se, crescem e se complicam.

(...) O poder e os meios de que o homem dispõe são limitados e o próprio homem se choca
contra limites intransponíveis. Da mesma forma, nossa atividade na superfície da Terra se
acha detida por condições restritivas. Dentro de certos limites, pode variar seu jogo e seus
movimentos; não pode, porém, conseguir que este quadro (natural) deixe de existir: muitas
vezes, é possível modificá-lo, mas nunca suprimí-lo.

Por outro lado, como se traduzem as condições geográficas influentes na ordem dos fatos
humanos ? É o que a Geografia Humana deve, em todo o seu conjunto, procurar e elucidar.
Nunca deve esquecer que os fatos da Geografia Humana não encontram sua explicação
completa, nem seu único princípio de coordenação, nas causas geográficas somente (...).

(...) Assim, as manifestações mais rudimentares de nossa atividade terrestre revelam, em si


mesmas, a estreita solidariedade da Geografia Física, dita, erradamente, “passiva”, e da
geografia Humana, dita, também erradamente, “ativa” ou “dinâmica”.

(...) O homem nunca é completamente passivo, porque tem a grande faculdade da escolha.

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(...) A geografia Humana é o domínio dos ajustes; nada é absoluto nem definitivo para a
espécie humana sobre a Terra; (...) porém, se os homens não são capazes de fazer recuar,
indefinidamente, todos os limites, quer de altitude, quer de latitude ou profundidade, etc.,
pode, ao menos, forçar ou modificar um pouco alguns deles.

Em contradição, dentro do domínio onde pode viver, nunca tem uma atividade absolutamente
sem limitações.

(...) Pelo fato de que as forças humanas crescem e se concentram, não se deveria, por isso,
acreditar que a dependência dos homens em relação às condições naturais tenha sido
suprimida; torna-se diferente, nada mais. E alguns fatos geográficos vêm a ser, cada vez mais,
os “senhores absolutos” do homem. Tais fatos, que tendem a influenciar cada vez mais o
destino dos grupos humanos (...) são os seguintes: as diferenças de níveis (altimétricos), a
distância, o espaço.

(...) Todos esses fatos, fenômenos, ou condições apresentam grande complexidade e se


revelam como grandes desafios para o espírito geográfico de todos os tempos. Para se tentar
compreendê-los melhor e, assim, tornar a adaptação humana possível e menos custosa, um
conjunto de requisitos interligados é necessário: uma base teórico-metodológica sólida, uma
observação e uma análise, minuciosas e cada vez mais abrangentes. Cumpre, portanto, para o
futuro, ampliar e aprofundar o espírito geográfico.

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