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Capítulo 31

Trabalho e Alienação2
ODAIR FURTADO
BERNARDO P. SVARTMAN

I - O trabalho e consciência: bases filogenéticas e ontogenéticas

O objetivo deste capítulo é retomar a importância do conceito de trabalho para


a Psicologia Sócio-Histórica a partir da categoria atividade. Abordaremos a relação
existente entre a categoria atividade e a categoria consciência, defendendo a
importância dessa relação e da compreensão que permitem da condição de alienação
em nossa sociedade moderna capitalista.
Sabemos que a categoria trabalho é de vital importância para a Psicologia
Sócio-Histórica porque é a partir da atividade consciente de transformação do mundo
que o ser humano adquiriu o reflexo consciente da realidade e desenvolveu suas
funções psíquicas superiores (Vygotski, 1995[1931] O.E. vol III). A partir desse marco,
adquirimos a capacidade de simbolizar, passamos a utilizar signos e nos engendramos
coletivamente no campo da cultura.
A idéia corrente supõe que a maneira como nos apropriamos do mundo foi
uma forma de adaptação. Esta concepção é inspirada no modelo darwinista que
estuda a adaptação evolutiva de formas de vida na relação com seus predadores e
ambiente natural e supõe que deve ter se dado a mesma coisa com os humanos. Em
parte, a idéia está correta já que somos organismos vivos em relação com o meio e,

1
Arquivo original dos autores. Publicado em BOCK, Ana M. B.; GONÇALVES, M. Graça M. (orgs) – A
dimensão subjetiva da realidade: uma leitura sócio-histórica. São Paulo: Cortez, 2009, p. 73-115.
2
Em função do espaço destinado aos capítulos deste livro em colaboração com a estimada equipe de
psicologia sócio-histórica optamos por trabalhar com a referência dos autores soviéticos que originaram
esse campo de pesquisa. Entretanto, estão presentes aqui muitos outros com quem trocamos
frequentemente nossas inquietações teóricas e metodológicas. Queremos mencionar particularmente
os professores Bader B. Sawaia, Antonio da Costa Ciampa, José Moura Gonçalves e Fernando González-
Rey. Agradecemos também os comentários e leitura cuidadosa de Wanda M. J. Aguiar, Bronia Liebesny
e Edna P. Kahhale.

1
portanto, seguimos as leis naturais da evolução. Há quarenta milhões de anos atrás
ainda não havia se produzido a separação entre os primatas (lêmures, símios, macacos
e antropóides) e éramos todos semelhantes a uma espécie de lêmure que mais se
parece um esquilo é conhecido como plesiadapis (55 milhões da anos atrás) e devem
ser considerados como primatas arcaicos (Mithen, 2002). Há sete milhões de anos
atrás as espécies atuais estavam já esboçadas e essa data marca, aproximadamente, a
nossa separação de nosso primo mais próximo: o chimpanzé. As condições naturais
que incluem clima, vegetação, predadores, alimentos foi determinante para a
constituição dessas divisões. Entretanto, o aparecimento do gênero homo, reunindo as
características já presentes no grupo anterior como o andar ereto, ausência de cauda,
capacidade maior da caixa craniana, dedos opositores (permitindo a apreensão),
comportamento gregário, propiciou um salto de qualidade que avança para uma
solução que vai além do modelo evolutivo. O próprio Vigotski (1995 op.cit.) analisa
essa condição dizendo que:

“É difícil supor, de antemão, que a sociedade não crie formas supra-


orgânicas de comportamento. É improvável que o emprego de
ferramentas, que se distingue essencialmente da adaptação orgânica, não
conduza para a formação de novas funções, a um novo tipo de
comportamento. Mas esse novo comportamento, que surgiu no período
histórico (do aparecimento) da humanidade, que denominamos
convencionalmente de comportamento superior para diferenciá-lo das
formas das quais evoluíram biologicamente, terá forçosamente um
processo de desenvolvimento próprio e diferenciado...” (p. 35)

Vigotski enfatiza o emprego da ferramenta e nisto se aproxima da concepção


marxista do aparecimento da humanidade e de sua característica essencial: a
consciência3. São as funções da consciência que ele está mencionando quando cita as

3
De acordo com Steven MITHEN (2002), avaliando a pré-história da mente, o uso de ferramenta foi
importante, mas não foi o único fator a produzir o tipo de consciência complexa dos humanos. O domínio
especializado do que ele chama de “inteligência social” ajudou a produzir uma nova organização cerebral
e uma nova forma de pensamento que permitiu ao gênero homo possuir percepção mental do próprio
conhecimento e cognição da fabricação e uso de instrumentos que são integrados e fazem parte do
processo social. Os chimpanzés fazem uso de instrumentos e possuem interação social, mas não

2
formas supra-orgânicas de comportamento. É com o aparecimento da consciência
humana que nossa espécie combina as formas naturais de evolução com as formas
históricas (de sua própria história) de evolução. Com a apropriação cada vez maior dos
processos históricos e a produção de uma condição especial, representada pelas
formações econômicas e sociais que permitem o controle da produção humana e a
constituição da cultura humana, as formas históricas de evolução se impõe sobre as
formas naturais. Isso significa dizer que a humanidade interfere em sua própria história
natural.
A consciência pode ser considerada como elemento central da constituição do
psiquismo humano. Mas o que é a consciência? Toassa (2006) identifica três aspectos
distintos na obra de Vigotski sobre essa categoria. O primeiro aspecto é definido
“como um processo e seu produto. Neste sentido, o termo utilizado costumeiramente
pelo autor é o de tomada de consciência com respeito ao meio, ao próprio eu e às
vivências subjetivas, realizada por um complexo mecanismo psicológico.” O segundo
aspecto aparece como atributo: “Vigotski qualifica diversas funções ou conteúdos
psíquicos com o termo consciente: é comum encontrarmos idéias como concepção
consciente, memória consciente, ato consciente; bem como o estado existente ou
inexistente de uma relação de compreensão com a realidade externa ou vivencial.
Também utiliza a idéia de estado psíquico consciente referindo-se ao estado de vigília
de uma pessoa.” Por fim, o terceiro aspecto “como sistema psicológico em relação
com o meio e com a própria pessoa. Um tipo de mecanismo que se desenvolve e
resulta em graus variáveis de tomada de consciência que integra sistemas novos e
antigos de conduta.” (PP 73-77). É neste último aspecto da consciência que se expressa
o que Vigotski chama de “funções psíquicas superiores” e que pode ser definido como
a articulação dos dois primeiros aspectos mencionados por Toassa. Assim, a
consciência é ao mesmo tempo o receptáculo da informação do mundo e a recepção e
articulação da estimulação nervosa (maneira como se integram as várias sensações,
como se articulam as volições, como se definem os motivos, como se identificam as
necessidades, como se reconhecem e denominam as emoções e sentimentos).

relacionam um ao outra. Essa “inteligência social” permite a consciência reflexiva incluindo os


pensamentos referentes a todos os domínios de atividade.

3
Para Leontiev (1978[1974]), “A consciência em seu caráter imediato é o quadro
do mundo que se revela ao sujeito, no qual estão incluídos ele próprio, suas ações e
estados.”(p. 99) Definição relativamente simples para um fenômeno extremamente
complexo.
De acordo com Leontiev (2004), ao falar de um sistema consciente, Vigotski,
formula a questão central da Psicologia, o NEXO das funções entre si no lugar da sua
função e localização. Isto permitirá a Vigotski elaborar a noção de SISTEMA
PSICOLÓGICO no qual a categoria consciência joga papel preponderante. Vigotski,
avant la lettre, analisando o processo consciente antecipa a noção de integração
neurológica que somente nos dias de hoje as neurociências estão identificando.
Buscar em Vigotski os NEXOS que engendram a consciência não é tarefa das mais
tranquílas. Entre outras coisas, pela trajetória do próprio autor, incansável pesquisador
e arguto escritor que produziu de forma incansável em um curto tempo vida. Vigotski
foi vitimado por uma tuberculose falecendo aos 38 anos de idade e suas obras
escolhidas consolidadas no final do século XX reúnem seis caudalosos volumes.
Tomamos como referência a publicação de 1925, La consciencia como problema de la
psicologia del comportamiento, de 1931 Historia del desarollo de las funciones
psíquicas superiores e de 1933 El problema de la consciência. Há uma evidente
evolução da discussão nestas três obras e a obra de 1933, na realidade, é praticamente
um programa de trabalho, mas fundamental para indicar-nos os caminhos que seriam
seguidos por Vigotski se sua vida não fosse interrompida. Na realidade, trata-se de
apontamentos4 realizados em reunião do grupo coordenado por Vigotski no qual
participavam seus colaboradores Leontiev, Luria, Bozhóvich, Zaporózhets, Liévina,
Morózova e Slávina. A leitura do Desenvolvimento das Funções Psíquicas Superiores
cotejada a esse relatório é bastante esclarecedora sobre as posições de Vigotski a
respeito da categoria consciência, sua relação com o pensamento e com a linguagem,
particularmente sobre sentido e significado.
Cabe mencionar que Vigotski desde o primeiro texto reconhece a importância do
trabalho de Pavlov e do reflexo condicionado, mas separa o que considera importante
do ponto de vista psicofisiológico e o das funções psíquicas inferiores (aquelas
4
Esses apontamentos foram sistematizados a partir de anotações com comentários de Leontiev. No texto
há trechos que reproduzem as falas de Vigotski na reunião e que utilizaremos para os nossos comentários.
Sempre que isso ocorrer mencionaremos a obra em questão como “apontamentos”.

4
comandadas pela estruturas cerebrais mais antigas como o rinencéfalo e o sistema
límbico) e o sistema de produção de consciência. Chega mesmo a utilizar a referência
de reflexo indireto para mencionar forma de inputs cerebrais, mas conclui que:
“Cremos que a luz de todas essas considerações não se pode considerar o
comportamento humano como um mecanismo que logramos desvelar graças à chave
do reflexo condicionado. Sem uma hipótese de trabalho prévia sobre a natureza
psicológica da consciência é impossível revisar criticamente todo o capital científico
deste campo, selecioná-lo, separá-lo e traduzi-lo a um novo idioma, elaborar novos
conceitos e criar uma nova área de problemas” (O. E. vol. I p. 44)5
A consciência é composta de signos e se expressa através da linguagem. É a
linguagem seu instrumento, sua forma de mediação com o mundo (com as demais
pessoas). Mas não se trata da palavra propriamente dita, mas das formas de
generalização que ocorrem através dos significados. Nos apontamentos Vigotski diz
que o que move os significados é a cooperação entre consciências que ele considera
como o processo de alienação da consciência.6 Há diferença entre pensamento, fala e
consciência. A consciência é a conceituação mediata e imediata do mundo e das
pessoas e o pensamento é expressão do mundo interno (incluindo a consciência do
mundo em geral já que se trata de processo complexo) considerando afetos e
emoções, considerando a produção mental que reúne memória, percepção, motivos,
necessidades e que é maior do que se pode expressar através da fala. Assim, a fala é
expressão prática dos pensamentos (mediados pela consciência) e ao mesmo tempo
não coincide com ele. Ela expressa parcialmente os pensamentos.7
O pensamento, pelas suas bases psicofisiológicas, tem existência independente
dos significados e por isso é necessário encontrar uma determinada construção de
significados para expressar o pensamento como é o caso do texto e do subtexto.
(apontamentos, p. 127). É o caso da ironia. O sujeito tem consciência da dificuldade

5
As traduções do espanhol das obras aqui citadas são de responsabilidade dos autores deste capítulo.
6
Não está claro se o que Vigotski considera como alienação está intimamente relacionado com a
concepção marxista de alienação que vamos expor neste capítulo. O fato é que os escritos econômicos e
filosóficos vieram à luz depois da morte de Vigotski e o mais provável é que ele esteja se referindo a
forma como Hegel aplica o termo na Fenomenologia do Espírito. Tudo indica que Vigotski aplica aqui a
noção de alienação como forma de superar um conteúdo presente na consciência expressando a negação
da negação dos conteúdos na sua relação dialética com o mundo (atividade) e na substituição do não
conhecido pelo conhecido. Assim, a alienação aqui seria tratada como Entfremdung- exteriorização,
conforme discutiremos mais adiante.
7
Vigotski, ([1933]1982 op. Cit.

5
que está enfrentando com o interlocutor (em situação superior, por exemplo) e não
diz tudo o que está pensando, mas deixa entrever sua posição crítica através da fala
irônica que se transmite através do que Bakhtin (2000) chama de gênero do discurso.
Há também o não-dito, algo que pertence ao pensamento e não pode ser dito, como
os casos de amnésia (seja ela patológica ou não) ou lapsos do pensamento ou o que
Vigotski chama de “fracasso” do pensamento, sua não realização. Neste caso, o
pensamento que existiu na forma de sentido não se expressou pela palavra e se perde
ou se mantém nos recônditos de nossa memória. A consciência nos permite articular
todo o processo e organizar o pensamento. O instrumento é o mesmo: os significados.
Por isso, Vigotski afirma que a semiótica – no sentido de estudo e compreensão dos
signos - é o instrumento para a elucidação dos conteúdos da consciência. De uma
forma bem resumida poderíamos dizer que o pensamento depende da palavra (o
pensamento se realiza na palavra) e da consciência, por ser conhecimento associativo
e generalizado, da linguagem (o campo dos significados). Por generalização entende-se
a desconexão das estruturas tangíveis e a conexão com o pensamento e com o sentido
(apontamentos, p.131). Ao mesmo tempo, o significado e o sistema de funções
(funções superiores e inferiores) guardam conexão entre si. O pensamento como
expressão dessas funções e dos sentidos está articulado com a consciência e, através
dela, com o campo de significados (sociais) assim como a consciência está conectada
com o pensamento e sua produção de sentido. Podemos, seguramente afirmar que
não existe pensamento sem significado e consciência sem sentido, ambos,
pensamento e consciência tem uma dinâmica que garantem o trabalho do psiquismo
humano e juntamente com a atividade, que é a base material desse processo,
constituem categorias importantes para a compreensão desse fenômeno (o nosso
psiquismo).
Por fim, o sentido é a forma de articulação do pensamento e não depende da
fala (não precisa necessariamente ser expresso, emitido fonicamente), na medida em
que não precisa ser transformado em signo quando se trata do conteúdo que não se
expressou através da fala (interna ou externa). O sentido somente será transformado
em signo quando se transformar em fala, quando for dirigido a um interlocutor,
mesmo quando o interlocutor é o próprio sujeito. Através do pensamento elegemos os
signos que irão expressar em parte nosso pensamento – as palavras exatas que irão

6
expressar a fina ironia que poderá passar desapercebida pelo interlocutor central e
será apreciada pela platéia interessada. O que é dito o é através de signos e o que é
pensando, para além do que foi dito, é a fala interna que não depende dos signos
(segundo Vigotski, precede a fonação). Desta forma, o pensamento tem função de
articulação da produção de emoções, da expressão da memória (produzindo o que
Vigotski chama de memória lógica), articula as expressões de conteúdo significado da
cosnciência, avalia as tensões fisiológicas e as propriocepções. Esse cadinho que
organiza nosso contato com o mundo é a expressão de nossa singularidade, do ponto
de vista personalizado, daquilo que dará o contorno ao indivíduo.
Assim, é possível dizer que o sentido é mais abrangente que o significado. Ele é
mais abrangente porque está aberto e pode seguir rumo incerto. Posso me identificar
com o interlocutor e tratá-lo com simpatia e a um sinal de estranhamento no diálogo
encetado por ambos, reverter minha posição e agredi-lo verbalmente. Isso é produzido
pelo sentido dado a sua fala e a maneira como decodifiquei os signos de sua fala e as
dimensões de minhas emoções, minhas experiências, meu estado de consciência. Por
exemplo, conversamos animadamente em uma festa com um interlocutor
desconhecido que se mostra simpático e falamos sobre cinema. No decorrer da fala o
interlocutor denota posição de preconceito e isso me atinge fortemente e respondo de
forma agressiva em franca dissonância com minha forma anterior de expressão. O
campo que me leva a avaliar a expressão preconceituosa é minha consciência através
do campo social de significados. Expressões preconceituosas, negativamente avaliadas
pela consciência, desperta forte emoção e a descarga de adrenalina é incontrolável.
Imediatamente, gira em meu pensamento um misto de ódio e de receio promovido
pela expressão e ao mesmo tempo pela falta de maior conhecimento do interlocutor
(terá sido apenas um deslize?). A fala controladamente agressiva e severa, mas
relativamente cordial, foi o que possivelmente conseguimos articular na forma de
signos. Não foi tudo o que pensamos, não foi tudo o que produzimos internamente
através dos sentidos na forma de fala interna, mas foi o que pudemos transformar em
discurso oral naquela circunstância. Algumas vezes vamos além do que gostaríamos e
outras, muitas outras, ficamos aquém. Há aqui instâncias sociais de controle que foram
internalizadas e que equivalem à noção de eu e mim de George H. Mead (1982),
entretanto não foram suficientemente desenvolvidas (Vigotski conhecia muito bem o

7
trabalho de Freud, chegou a traduzir seus textos e conhecia a noção de superego,
apesar de não citá-la).
Para Vigotski, no sentido a palavra se restringe e se enriquece no contexto. A
palavra inclui o sentido dos contextos, no que se assemelha à aglutinação, processo
em que a palavra seguinte inclui a anterior. A palavra interna se constrói de forma
predicativa. (apontamentos, p. 127). O sentido apresenta caráter aberto e suscita a
capacidade do sujeito de reconstruir significados. É o sentido que produz a dinâmica
da reconstrução constante dos significados. Ao mesmo tempo ele responde a condição
imanente da base material da produção da consciência. Ele é dinâmico, mas responde
as condições materiais de produção social e nunca estará descolado dessa condição.
Por isso, ele é histórico e social.
Cabe ressaltar que Vigotski aponta o motivo como a chave para a elucidação do
campo dos sentidos. Outros autores, como Agnes Heller (1986), por outra via e com
outro interesse, se debruçaram sobre a relação motivo e necessidade e, de fato, do
ponto de vista material, tem sido um bom caminho para a psicologia sócio-histórica
desenvolver suas pesquisas empíricas.
O caráter aberto e amplo do sentido não o torna superior ao significado e nem
tira sua importância na compreensão do psiquismo humano. Na realidade, os sentidos
fazem parte de um processo que culmina com a formulação de significados que são
mais perenes e mais consolidados, ao mesmo tempo que são formados por ele.
Questionando sobre a importância da fala para a consciência e de como se transforma
o significado, o grupo formulador dos apontamentos diz que a palavra, instalando-se
na consciência, modifica todas as relações e todos os processos e o próprio significado
das palavras evolui em função das transformações da consciência. (apontamentos, p.
128)
Portanto, por essa qualidade, tem a consciência uma condição mais estável que
congrega nossas crenças e valores. É ali que buscamos nossas referências de mundo e
balizamos nossas ações. Como foi dito anteriormente, esse conteúdo é dinâmico e em
constante mudança, mas seu caráter é o de consolidação do conhecimento adquirido.
Serve como baliza para a ação, entretanto a ação é desencadeada através de duas
relações: 1) motivo-necessidade e 2) pensamento-sentido. A consciência paira como
referência de significados. Significados da cultura, significados sociais, significados

8
históricos de sua relação de classes, significados constituídos na vivencia e inserção
concreta do indivíduo no mundo. As relações de produção e o momento histórico
interferem diretamente sobre o processo de construção do repertório da consciência.
Se a relação de produção é estável e o tipo de vida e sociabilidade são pautadas por
relações perenes como ocorria na vida do período feudal a consciência será mais
estável e a relação motivo-necessidade e pensamento-sentido serão menos exigidas.
Se a relação de produção é dinâmica como ocorre no capitalismo tardio com a pressão
e rapidez das comunicações e da exigência compulsiva do consumo a consciência será
afetada assim como a relação motivo-necessidade e pensamento-sentido.
É importante notar que Vigotski e seu grupo buscavam compreender e construir
uma teoria que explicasse o psiquismo humano de forma dialética e material. Há uma
preocupação com o fenômeno e com o método. Assim, acompanhando essa
construção, a consciência aparece aqui como construto psicológico. Mas ela não se
resume a isso. A consciência, da forma como a define o grupo de Vigotski, está para
além da sua expressão individual. Ela é ao mesmo tempo o que nos constitui como
indivíduos e como ser social. Assim como há uma memória coletiva, a memória de um
povo, a memória social (Halbswach, 2006) há também uma consciência social que está
para além do aparato psicológico e representa a construção coletiva do campo de
significados de um povo, de uma cultura, de uma classe e que Lukács (1976) chama de
ser social fazendo uma metáfora com o processo individual. Mas não se trata de uma
psicologização do campo social e sim de apontar um continuum na relação produzida
(e produtora) dos processos individuais e coletivos. São qualidades diferentes e o
corpo social (para insistir na metáfora) não guarda semelhanças com o corpo do
indivíduo, nem com seus processos, mas é o indivíduo (coletivamente por paradoxal
que pareça) quem constrói na sua ação cotidiana tanto a memória quanto a
consciência coletiva. Ao mesmo tempo a consciência e a memória coletiva passam a
ser a sua referência e constitui a identidade de um grupo, de um povo (Elias, 1994 e
Ribeiro, 1995), de uma classe social. A resultante dos processo sociais e coletivos é o
que Lukács chama de ser social.
Assim, a consciência aparece como duplo fenômeno, o de caráter psicológico
como constituição de subjetividade individual e recurso do sujeito para seu
posicionamento no mundo e o de caráter social como constituição da subjetividade

9
social e recurso coletivo de referência para a compreensão de um determinado
momento histórico. Não bastasse essa duplicidade, tal referência depende da disputa
pela hegemonia (Gramsci, 1978) do confronto entre as classes sociais e, portanto, o
que denominamos de referência é também um campo de disputa entre classes e
grupos de interesses. Isso significa dizer que serão produzidas diferentes referências,
algumas em plena contradição (devido à contradição de classes) e que sobrevivem
dessa maneira por largo tempo e relativizam a noção de verdade. Grupos dominados
geralmente tomam como referência valores e crenças dos grupos dominantes e, ao
mesmo tempo, a vivência da condição dominada permite uma experiência pessoal
(motivo-necessidade/pensamento-sentido) que contradiz a referência.8
O fenômeno da disputa dos interesses de classe e dos interesses de grupos, na
maior parte das vezes, não se dá de forma clara e aberta, mas camuflada pelo
processo de reprodução das relações de produção. A dinâmica econômica e o
interesse no resultado do processo produtivo (direito a propriedade, mais valia etc.)
obnubilam a possibilidade de interpretação dos fenômenos sociais e produzem uma
espécie de falsa consciência, que vem a ser a consciência parcial de um determinado
fenômeno, a consciência possível de um determinado ponto de vista: o ponto de vista
do interesse da classe ou grupo dominante confrontados a disputa possível dos
interesses imediatos das classes dominadas. Esta forma obnubilada oculta o interesse
mediato (a superação das formas de dominação) e se consolida como valor universal e
coletivo. É o caso da noção de propriedade na sociedade capitalista que possui valor
individual, diferente do valor coletivo da propriedade como se apresenta entre os
ianomâmis. Mas essa forma não se apresenta de maneira mecânica ou estereotipada.
Exatamente por ser o processo individual dinâmico (relação sentido-significado) é que
a realidade é interpretada de forma multifacetada e a consciência coletiva é o
conjunto de acordos possíveis com uma direção determinada.
Em uma sociedade de caráter aberto como a capitalista teremos inúmeros jogos
de interesse e incontáveis possibilidades de formulação e interpretação dos interesses
de classes que muitas vezes aparecem como contraditórios entre si. No entanto, em

8
Um clássico de Hollywood, Spartacus, trabalha muito bem com essa dimensão subjetiva da realidade e a
passagem da consciência individual para a coletiva. Considere que há também o contrário, como ocorre
com movimentos como o MST que congregam um repertório coletivo de caráter contra-hegemônico que
objetiva conquistar mentes e corações para transforma a estrutura agrária no Brasil.

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última instância, obedecem a um único senhor: o capital, que mesmo assim aparece
como um soberano Mefistófeles travestido de consumo, de moda, de
conservadorismo, de mesquinharias, atuando de forma parcial ao apresentar o mundo
através de suas migalhas. Será isso o que Marx chama de alienação? Veremos mais
adiante a relação entre consciência (na sua forma social) e a alienação. Antes, vamos
concluir a base psicológica da constituição da consciência.
O sistema psicológico necessita, entretanto, de outro elemento para garantir sua
constituição: a ATIVIDADE. É a atividade que garante que o processo entre o externo e
o interno no sistema psicológico tenha base material e que o externo (a contrário do
que pensa o senso comum e a psicologia vulgar) seja preponderante nessa relação. A
categoria atividade deriva da relação primordial por nós mencionada anteriormente: o
uso da ferramenta como indutor da consciência quando o homo habilis passa a
transformar deliberadamente a natureza como forma de garantir sua sobrevivência. A
transformação consciente da natureza significa trabalho humano. Isso significa dizer
que o fazemos intencionalmente e essa conquista humana produziu um correlato
psicológico, um elemento do sistema psicológico que Vigotski denominou de atividade.
Não há compreensão do mundo, abstração intelectual, expressão emotiva que não
tenha passado pelo crivo da atividade. Isso quer dizer que a atividade deriva da forma
como os seres humanos passaram a transformar conscientemente a natureza (o
trabalho humano), mas ela não se reduz somente à atividade laboral, mas passa a ser a
relação de ação concreta no mundo. Assim, podemos considerar que o lazer, como
expressão do ócio, do não-trabalho, é fundamentalmente atividade. Atividade nasce
com o trabalho, mas através da própria ação concreta e consciente dos seres humanos
(o processo de hominização) se coloca para além do trabalho e isso é o que nos faz
humanos definitivamente.
Se o sentido é o campo da singularidade humana, a atividade é sua
particularidade. É na atividade que se configurará a dimensão histórica do campo dos
significados, através da ação concreta e a singularidade das escolhas possíveis dos
repertórios da cultura que constitui o contorno peculiar de cada pessoa. É nessa
relação dialética que se realiza a PRAXIS e que se constitui a consciência. A PRAXIS
humana é um conjunto que depende da atividade e da consciência como elos de uma
cadeia. Na realidade, o processo que une esses elos que são o NEXOS.

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Estamos falando do ponto de vista filogenético e é esta condição que constitui
coletivamente a humanidade que permitirá a expressão ontogenética, que singulariza
nossa condição humana. A singularização permite a expressão individual e a
elaboração de uma consciência de si. Neste nível, como se tomássemos a arvore pela
floresta, recortando um processo longo e complexo nos vemos pelo inverso como
donos de um intelecto que parece produzir-se a si mesmo, descolado de seus
determinantes históricos. É possível que um indivíduo, por absurdo que pareça, passe
sua vida inteira voltado para seus mais íntimos pensamentos, criando um mundo
imaginário interno e descolado da realidade, mas isso somente seria possível porque,
do ponto de vista filogenético, foi possível construir a capacidade de abstração
humana. Essa capacidade de abstração depende dos múltiplos mediadores que vão da
cultura às formas sociais de transformação da natureza.
Leontiev (2004) coloca o problema da seguinte forma: “O mérito de Liev
Semiónovitch [Vigotski] constitui em conseguir demonstrar a partir do método
histórico-genético que os sistemas psicológicos se formam através dos signos devido
ao caráter mediado das funções psíquicas.” E, mais adiante, “A formulação desse
problema por parte de Liev Semiónovitch exige uma análise específica. Naturalmente,
pareceria que ao situar a consciência no mundo de produtos da cultura tão depurados
como são o signo e o significado, Vigotski estaria renunciando ao programa psicológico
dirigido inicialmente ao estudo da atividade prática com a ajuda de objetos, atividade
laboral do homem, estudo para o qual estavam todos os esforços de Vigotski”... [Ele],
“Inicia nos anos 30 um novo caminho na trajetória de suas investigações para passar a
considerar como tarefa central a análise do âmbito motivacional e emocional, porque
por meio dele a atividade estaria determinando os processos psíquicos, a
consciência.”(468-9)

É possível admitir que Leontiev esteja exercendo certa torção conceitual e nos
apresentando um Vigotski mais interessado na categoria atividade do que pensam
outros leitores especializados nessa obra, mas o programa definido por Leontiev, que
ele curiosamente coloca na forma negativa, nos interessa: o programa psicológico do
estudo da atividade prática mediados pelos objetos e pela atividade laboral humana.
Mesmo considerando que Vigotski irá priorizar o campo da subjetividade para

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compreender como se constituem os nexos e para tanto centrará seus últimos
esforços no estudo do signo e significados no âmbito motivacional e emocional, é
possível concordar com Leontiev que a categoria atividade é importante e central na
análise do sistema psicológico quando nosso objetivo é a análise da relação do homem
com o mundo, mundo criado e controlado por ele próprio e que o constitui na medida
em que ele o reconstrói. Na realidade, esse programa é proposto por Marx já nos seus
primeiros escritos e encontrará expressão na definição da mercadoria e de seus
aspectos fantasmagóricos, em O Capital, como forma de produção de subjetividade no
mundo capitalista. Uma produção de ideologia e de ocultamentos que garantem a
forma de controle constante e invisível, pedra de toque do controle de classes nesse
sistema econômico.
Agora podemos apontar com maior consistência a relação entre trabalho e
psiquismo, através do papel da atividade na constituição do sistema psicológico. A
relação dialética do ser humano com a natureza através da atividade consciente
produz relações de sociabilidade e de cultura. Ao produzir os meios de sobrevivência e
construir seu mundo, o homem não age de forma meramente natural, instintiva,
antes, desenvolve potencialidades e formas de relacionamentos entre os homens, cria
formas de compreender a natureza e a si mesmo, cria e apropria-se de sua história. A
organização social do trabalho materializa não apenas produtos para consumo e
sobrevivência, mas também materializa e estabiliza formas de compreensão de si
mesmo e do mundo, sustenta o desenvolvimento concreto de projetos e
potencialidades especificamente humanas. O mundo resultante do trabalho humano já
não é um mundo meramente natural, mas é um mundo social e histórico, repleto de
sentidos e significados construídos nos atos coletivos da produção. Isto significa que é
impossível compreender a própria formação do homem sem observar o meio real no
qual se desenvolve socialmente e historicamente por meio da atividade. Suas
experiências marcantes serão mediadas pelas formas concretas em que a atividade
está organizada socialmente. Abre-se um campo de ação social mediado pela
apropriação de signos e instrumentos construídos historicamente, abrigados pela
cultura de um grupo humano, e que sustentam a formação de um sistema psicológico
com seus elementos específicos, como a memória, a volição e o raciocínio.

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Essa constatação nos leva ao seguinte ponto: o homem se materializa enquanto
tal pelo processo de objetivação \exteriorização (Lessa, 2007). Ao mesmo tempo em
que o ser humano transforma seu mundo, ele mesmo é transformado nesse processo.
Ao construir, ao estabelecer formas de comunicação e de relacionamentos sociais, os
sujeitos desenvolvem habilidades e conhecimentos que não possuíam antes. A
aquisição de novos conhecimentos e habilidades instaura novas necessidades e
potencialidades. Assumindo este fato, podemos entender melhor o programa
psicológico do estudo da atividade já citado anteriormente: nessa relação dialética de
transformação do homem e do mundo no processo social de produção, quais são as
potencialidades desenvolvidas, que tipo de relacionamento entre os homens e deles
com a natureza se estabelece, como todo esse sistema apóia formas especificas de
formação dos sujeitos sociais? Exatamente sobre esse tema é que o campo marxista
lança critérios importantes de investigação.
É importante ressaltar que essa produção coletiva da humanidade é feita
através de suas formações econômicas e, desde a antiguidade (ao menos sete mil
anos), ela é feita através da vida no interior de sociedades de classe. A humanidade
passou por diferentes formas de dominação até chegarmos à divisão que temos entre
os que possuem os meios de produção e os que não possuem, assim como toda a
complexa relação entre os diferentes estratos sociais produzida pelas relações sociais
capitalistas. As formas de controle no capitalismo representam a pedra de toque desse
sistema. O controle até o advento do capitalismo era realizado de forma direta. Havia
produção de valores e crenças e, muitas vezes, a igreja articulou esse campo (como o
faz até os nossos dias) garantindo o controle subjetivo dos segmentos dominados. Um
servo da gleba se concebia como servo e acreditava que esse era o seu destino traçado
por Deus. A condição dos trabalhadores no sistema capitalista é outra, já que é menos
fatalista e qualquer pessoa se considera livre para fazer o que bem entende e reúne
(ou não!) as condições para mudar de patamar, de circular entre as classes. Neste
caso, as formas de controle são sutis e dependem de um circuito subjetivo que deverá
atuar naquilo que Vigotski chama de âmbito motivacional e emocional. A produção
individual, singularização das formas objetivas (mas ocultas) de dominação, se dá
através da formulação de crenças e valores, principalmente os de cunho individualistas
(Bock, 1999, 2001 e Bock & Gonçalves, 2003). Coletivamente eles se expressam através

14
do quadro ideológico regulador das relações sociais no capitalismo e das formas de
alienação a que são submetidos os trabalhadores nas suas relações de trabalho e
produção.
Para aprofundarmos a discussão dessa relação entre consciência e atividade tal
como se desenvolve no modo de produção capitalista, realizaremos alguns
comentários sobre o conceito de alienação na obra de Marx. Já nos manuscritos é
possível observar uma discussão dessa relação. Diversos autores marxistas posteriores,
aproveitando esse legado, discutiram a maneira pela qual o fazer humano delimitava
formas de consciência e ocultamento da realidade, assim como procuraram
estabelecer o papel da reflexão e da crítica nas transformações sociais. Para
compreender o papel da atividade na constituição do sistema psicológico e a
importância do trabalho como atividade laboral vital na constituição do sujeito, vamos
acompanhar inicialmente as elaborações de Marx a respeito da relação entre atividade
e consciência. A idéia é esboçar uma reflexão a partir das contribuições de Marx sobre
o papel da atividade na constituição da subjetividade humana e relacioná-las ao
desenvolvimento da psicologia sócio-histórica.

II - Sobre o conceito de alienação em Marx

Partimos dos manuscritos econômico-filosóficos de Marx (2004) para observar


quais são os primeiros critérios adotados pelo autor na crítica da organização do
trabalho capitalista e quais as pistas deixadas ali para a formação de uma psicologia
sócio-histórica9. Discutiremos alguns desenvolvimentos desses critérios, presente
principalmente no conceito de “reificação” tal como foi cunhada por Lukács (2003) e
desenvolvida na tradição marxista. Consideramos que os primeiros escritos de Marx
sobre o “trabalho alienado” contêm formulações que se desenvolvem ao longo de sua
obra e que por isso merecem ser discutidas. Não acreditamos numa ruptura entre o

9
De acordo com Lessa (2002) os termos utilizado utilizados por Marx, Entäusserung e Entfremdung,
geralmente traduzidos por alienação e estranhamento, seriam melhor traduzidos por exterirização e
alienação (seguindo orientação de Konder e Tertulian). Isso porque há caráter positivo e negativo no
binômio e seria estranho considerar o termo português alienação como positivo. Entretanto, no caso deste
capítulo seguiremos o que já está consolidado nas traduções utilizadas, considerando o estranhamento
como alienação e, quando for o caso de utilizar o sentido de Entfremdung, optaremos pela solução
apontada por Lessa com o termo exteriorização.

15
trabalho de um jovem Marx e seu trabalho maduro, mas num desenvolvimento de
idéias e conceitos que apóiam uma crítica do modo de produção capitalista também
sobre bases psicossociais, sobre categorias sócio-históricas. Ainda assim,
apresentaremos os manuscritos à luz das contribuições posteriores de Marx, com o
intuito de não incorrer numa visão idealista da crítica da economia política.
Ao estudarmos esses manuscritos, principalmente o capítulo “trabalho estranhado
e propriedade privada”, encontramos ao menos três determinações do caráter
estranhado do trabalho humano na organização capitalista da produção:
1) a relação estranhada do homem com o objeto produzido
2) a relação estranhada do homem com sua própria atividade produtiva
3) a relação estranhada do homem com seu próprio ser genérico.

A primeira determinação: o objeto de trabalho, as máquinas e instrumentos,


confrontam o trabalhador como um poder estranho, que não estão sob seu controle.
Ele muitas vezes desconhece seu processo de formação, suas determinações, e a
objetivação de seu trabalho pertence a um outro, pertence aos proprietários dos
meios de produção. Isso terá como conseqüência, segundo Marx, o fato de que o
homem receba trabalho. Há uma passividade determinada pela organização capitalista
da produção que fere o essencial da forma humana da atividade: a capacidade de
planejamento consciente, livre, e o uso de recursos criativos no trabalho.

A segunda determinação: além da relação do trabalhador com os instrumentos e com


o produto de seu trabalho, Marx investiga algo que considera mais importante: “o
estranhamento não se mostra somente no resultado, mas também, e principalmente,
no ato da produção, dentro da própria atividade produtiva” (Marx, 2004, p.82). Nesse
ponto o texto revela um conjunto de análises dialéticas, discute o trabalho à luz de
categorias críticas:

“Primeiro, que o trabalho é externo ao trabalhador, isto é, não pertence


ao seu ser, que ele não se afirma, portanto, em seu trabalho, mas nega-
se nele, que não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhuma
energia física e espiritual livre, mas mortifica sua physis e arruína o seu

16
espírito. O trabalhador só se sente, por conseguinte e em primeiro lugar,
junto a si [quando] fora do trabalho e fora de si [quando] no trabalho.
Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa.
O seu trabalho não é portanto voluntário, mas forçado, trabalho
obrigatório. O trabalho não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas
somente um meio para satisfazer necessidades fora dele. Sua estranheza
evidencia-se aqui [de forma] tão pura que, tão logo inexista coerção física
ou outra qualquer, foge-se do trabalho como de uma peste. O trabalho
externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza, é um trabalho de
auto-sacrifício, de mortificação” (Marx, 2004, p. 82)

Podemos pensar sobre os critérios utilizados nessa passagem para analisar a


atividade do trabalho. Esta passagem está carregada de elementos psicossociais. Quais
são as condições sociais que permitiriam o “desenvolvimento de uma energia física e
espiritual livre” no trabalho, as condições sociais para que o trabalho não seja externo
ao trabalhador, para que não seja feito sob ameaça, coação¿ A reflexão sobre as
condições sociais da organização do trabalho que respeite necessidades humanas está
colocada.

A terceira determinação do trabalho estranhado: a questão que permeia a discussão


aqui é que o trabalho pode nos colocar em situação de estranhamento com o próprio
gênero humano, pode nos tornar sujeitos isolados, estranhados do mundo e do outro.

“Pois primeiramente o trabalho, a atividade vital, a vida produtiva


mesma aparece ao homem apenas como um meio para a satisfação de
uma carência, a necessidade de manutenção da existência física. A vida
produtiva é, porém, a vida genérica. É a vida engendradora de vida. No
modo da atividade vital encontra-se o caráter inteiro de uma species, seu
caráter genérico, e a atividade consciente livre é o caráter genérico do
homem. A vida mesma aparece só como meio de vida”. (Marx, 2004,
p.84)

17
Podemos considerar algumas interpretações sobre o que representa a idéia de
vida genérica nesse texto. Apenas o homem constrói e elabora seu mundo objetivo,
apenas ele toma a natureza como seu corpo inorgânico. Apropria-se da natureza e
pode reconhecer-se no mundo que produz e, além do mais, pode relacionar-se na
atividade produtiva com o gênero humano, pode apropriar-se da cultura e da história à
medida que produz.

“Precisamente por isso, na elaboração do mundo objetivo é que o


homem se confirma, em primeiro lugar e efetivamente, como ser
genérico. Esta produção é a sua vida genérica operativa. Através dela a
natureza aparece como a sua obra e sua efetividade. O objeto do
trabalho é portanto a objetivação da vida genérica do homem: quando o
homem se duplica não apenas na consciência, intelectualmente, mas
operativa, efetivamente, contemplando-se, por isso, a si mesmo num
mundo criado por ele”. (Marx, 2004, p. 85)

A análise se orienta para as condições sociais em que a atividade do trabalho


permitiria ao homem reconhecer-se em seu mundo, enraizar-se, contemplar-se a si
mesmo num mundo criado por ele. A consciência é aqui apresentada não como puro
fenômeno interior, mas como vida operativa, como uma apropriação da história por
meio de sua efetividade, ou seja, por meio da atividade planejada e consciente de
transformação do mundo junto a outros homens. A vida da consciência tem sua base
sobre o modo como efetivamente nos engajamos nas atividades sociais de
transformação e apropriação do mundo. Essa forma de atividade coletiva produz
sentidos e projetos compartilhados. Neste ponto podemos observar que a análise
expõe uma das principais características da alienação capitalista: os homens trabalham
como se fossem “átomos dispersos”, sem qualquer forma de ligação entre eles que
não passe pelo cálculo de rentabilidade. A finalidade de reprodução do capital se
separa e domina o sentido produtivo. Marx analisa que se o produto não pertence ao
trabalhador, se não é definido pela participação ativa do trabalhador no processo, e
quem comanda esse processo objetiva a reprodução e ampliação de seu capital, nessa
circunstância o trabalho transforma-se simplesmente em meio de vida para ambos. Há

18
um critério presente nessa crítica que aborda o caráter impensado, não planejado da
produção, a completa anarquia produtiva baseada em movimentos determinados
pelas necessidades de reprodução do capital em suas diversas formas. De forma mais
clara: a organização do trabalho não nos coloca numa relação real e direta com
necessidades humanas, a atividade produtiva não tem o sentido de ser o
desenvolvimento e a satisfação de necessidades e potencialidades compartilhadas,
antes, o trabalho torna-se meio de sobrevivência, e apenas indiretamente, por meio
das relações de compra e venda e no mercado, é que qualquer tipo de necessidade
pode ser criada e atendida.
Ou seja, o ser humano quando trabalha é capaz de levar em conta toda a
natureza (o que Marx chama nesse momento de “medida das próprias coisas”) e
também produz universalmente, pode relacionar sua atividade com necessidades
humanas e com a vida social de que faz parte. A idéia de ser genérico refere-se á
possibilidade de que o trabalho seja feito sobre a forma de apropriação da história de
uma cultura, de todos os seus meios e técnicas (e não sobre a base da diferenciação
entre os que estudam-planejam e os que executam), sobre a forma de uma
comunidade real de interresses e necessidades humanas e sobre a base democrática
de governabilidade dos meios de produção. A questão importante apontada nesse
texto é: quais seriam as condições sociais de uma atividade consciente livre? O
trabalho livre e consciente é seu critério, mas existe a compreensão de que apenas
certas condições sociais e históricas permitiriam o desenvolvimento real dessa
possibilidade.
Uma das manifestações do caráter alienado da produção, ou seja, da
exterioridade do trabalhador em relação à sua atividade produtiva e sua organização
social, encontra-se no papel desempenhado pelo dinheiro na sociedade capitalista,
como revela a análise de Marx ainda nos manuscritos:

“O dinheiro é o bem supremo, logo, é bom também seu possuidor, o


dinheiro me isenta do trabalho de ser desonesto, sou, portanto,
presumido honesto; sou tedioso, mas o dinheiro é o espírito real de
todas as coisas, como poderia seu possuidor ser tedioso? Além disso,
ele pode comprar para si as pessoas ricas de espírito, e quem tem o

19
poder sobre os ricos de espírito não é ele mais rico de espírito do que o
rico de espírito¿ Eu, que por intermédio do dinheiro consigo tudo o que
o coração humano deseja, não possuo, eu, todas as capacidades
humanas¿ Meu dinheiro não transforma, portanto, todas as minhas
incapacidades no seu contrário?” (Marx, 2004, p.159).

Nesse ponto explicitam-se duas idéias que serão desenvolvidas ao longo da


tradição crítica de autores marxistas. O dinheiro apresentado como “espírito real de
todas as coisas” mostra como a relação do homem com seu mundo e com os outros
está mediada por um poder estranho que não é mais percebido como criado pelos
próprios homens. Este poder exterior, o poder gerado pela acumulação de capital,
determina os movimentos sociais, determina as possibilidades de troca, a criação e
atendimento de necessidades, determina essencialmente o poder de governo de uma
classe de homens sobre outra. Nos Manuscritos, o capital já é caracterizado como
“poder de governo sobre o trabalho”, implicando uma necessária relação entre
economia e dominação, economia e política. O dinheiro passa a assumir o papel de
mediação no desenvolvimento de necessidades sociais e humanas. Uma das críticas
fundamentais já formuladas por Marx a esse modo de produção é a proliferação de
“apetites imaginários”, formas de manipulação do desejo com o único intuito de venda
de mercadorias, de reprodução do capital em escala cada vez mais ampliada, já não
importando o sentido verdadeiramente humano do que é produzido e consumido. O
trabalho perde seu caráter concreto, ele se torna meio de sobrevivência, de aquisição
de dinheiro, para que então necessidades humanas possam ser desenvolvidas e
satisfeitas. Todas as potencialidades humanas são derivadas e dependentes de um
poder de acumulação. Essa inversão é apontada nos manuscritos como um dos
principais fatores da alienação no capitalismo.
A análise realizada por Marx nos manuscritos faz ver que na organização
capitalista da produção, o principio do bellum omnium contra omnes (guerra de todos
contra todos) torna-se um dos elementos característicos das relações sociais
(Mészáros, 2006). Na forma burguesa de organização da produção, o homem constrói
uma concepção de individualidade abstrata, o self-made man, o homem guiado pelo
imperativo do lucro e do consumo privatizado. O importante nos manuscritos é como

20
a própria economia política é utilizada para mostrar que o fenômeno da alienação tem
sua base na atividade produtiva real dos homens. A atividade produtiva que aparecia
como universal e sem história na análise dos economistas políticos da época, é agora
olhada como uma forma histórica de mediação do homem com a natureza com
profundas implicações sobre sua própria existência social. É assim que Marx pôde
denunciar a redução da condição do trabalhador a um instrumento da produção,
instrumento utilizado como qualquer outro recurso na reprodução do capital.
Exatamente por compreender essa forma de organização do trabalho na sua
historicidade que Marx pode apresentá-la de forma crítica, imaginado outras formas
de organização do trabalho onde não apenas a riqueza fosse distribuída de forma
justa, mas na qual a atividade produtiva pudesse respeitar o que é propriamente
humano, a capacidade de ação livre e coletiva. Dessa forma, a organização dos
trabalhadores livremente associados passa a ser um critério pelo qual a análise da
opressão capitalista se realiza na obra marxista. O homem está alienado de sua
capacidade de agir livre e conscientemente, de apropriar-se de sua história, podendo
coletivamente construir e reconhecer-se no mundo construído. O importante é que
Marx alcança a base material que sustenta essa forma alienada de existência: a
mediação propriedade privada - intercâmbio mercantil - divisão do trabalho tal como
se apresentam no capitalismo (Mészáros, 2006).
Segundo Mészáros (2006), as concretizações e modificações ulteriores na obra
de Marx foram feitas sobre a base conceitual das grandes aquisições filosóficas
presentes nos Manuscritos. Como argumenta este autor, são muitas as evidências de
que Marx não abandonou sua teoria da alienação, mas que as análises econômicas e
políticas desenvolveram-se sem abandonar essa perspectiva de análise. De certa
forma, Marx aprofunda a análise econômica como forma de explicitar concretamente
as bases materiais da existência social alienada formada sob o capitalismo. O autor
considera a contraposição entre um jovem Marx e um Marx maduro enganosa e não
dialética10. O texto segue com uma interessante compilação de trechos de diversas
obras de Marx que confirmam sua hipótese. Citaremos alguns deles que nos ajudarão

10
Durante as década de 1970 e 80, discutiu-se muito a posição de Louis Althusser sobre o corte
epistemológico em Marx. Althusser defendia que havia uma Marx hegeliano na primeira fase (jovem
Marx) e uma Marx marxista na segunda fase (velho Marx). É essa tese que Mészáros está refutando que
assumimos como orientação.

21
a prosseguir na reflexão sobre consciência e atividade. O primeiro é um trecho do
texto Esboço de uma crítica da economia política:

“A ênfase não recai no ser objetivado, mas no ser alienado, estranhado,


externalizado; sobre o fato de que o imenso poder objetivo criado pelo
trabalho social, como um de seus momentos, é usado contra si próprio, não
pertence ao trabalhador, mas às condições personificadas de produção, isto
é, ao capital. Na medida em que, do ponto de vista do capital e do trabalho
assalariado, a produção desse corpo objetivo de atividades se desdobra em
oposição à força de trabalho direta, esse processo de objetivação surge, de
fato, como um processo de alienação, do ponto de vista do trabalho; surge
como apropriação do trabalho alheio, do ponto de vista do capital; essa
deformação e transferência é real, não imaginária: não existe apenas na
mente dos trabalhadores e capitalistas”. (Marx, apud Mészáros, 2006, p. 203)

Mészáros cita também alguns trechos do livro O Capital, entre os quais destacamos o
seguinte:

“Dentro do sistema capitalista todos os métodos para aumentar a


produtividade social do trabalho são produzidos às custas do trabalhador
individual; todos os meios para o desenvolvimento da produção se
transformam em meios de domínio sobre os produtores e exploração deles:
eles transformam o trabalhador num homem fragmentado, degradam-no ao
nível de apêndice de uma máquina, destroem todo resto de interesse do seu
trabalho e o transformam num sacrifício odiado; alienam-no do potencial
intelectual do processo de trabalho, na mesma proporção em que a ciência é
incorporada nele como um poder independente”. (Marx, apud Mészáros,
2006, p. 205).

Outro exemplo de que a crítica do modo de produção capitalista não tem um


mero caráter economicista, revelando o desenvolvimento de temas e questões
discutidos nos Manuscritos, pode ser encontrado na idéia de fetichismo da

22
mercadoria, presente no primeiro capítulo do Capital. A condenação do modo de
produção capitalista não se dá apenas pela constatação de um problema econômico
ligado à iniqüidade da produção e distribuição da riqueza, mas pela constatação de
uma forma de vida social que fere necessidades e possibilidades humanas de
existência. As relações sociais invertidas, relações materiais entre homens e relações
sociais entre coisas, apresentam homens estranhos uns aos outros e, por
consequência, alienados de sua própria existência social. A consciência que se forma
sob essa forma de produção é atomizada, mesquinha, produz a ilusão de olhar-se num
espelho de forma isolada, incapaz de apreender-se no interior de forças sociais e
coletivas. Produz-se um egoísmo de base: os outros são vistos como aliados em
projetos privados ou então como competidores e rivais. Um pouco à frente deste
capítulo, surge o ponto-de-vista que sustenta a crítica: uma sociedade de homens
livres dependeria de que os meios de produção fossem comuns, e que o emprego
consciente das múltiplas forças individuais de trabalho resultaria numa força de
trabalho social (Marx, 1980, p.87).
Esses trechos nos fazem pensar no fenômeno da alienação como a crítica da
relação entre consciência e atividade sob a forma capitalista de produção. A crítica
recai na redução do homem à condição de instrumento, no fato de que a organização
social do trabalho, ao invés de sustentar o controle coletivo dos produtores livremente
associados, o desenvolvimento de potencialidades por meio da atividade social,
determina a subjugação de uma classe de homens sobre outra, transforma a atividade
produtiva em meio de dominação. Portanto, a exteriorização do homem sob o modo
de produção capitalista carrega contraditoriamente um processo de estranhamento,
de não efetivação. O homem formado sob essas condições da atividade social é um
homem abstrato, incapaz de reconhecer-se como homem social em função de forças
objetivas, está de certa forma exilado de sua própria história. Talvez a resposta ao
longo da obra de Marx seja a de que é preciso superar o modo de produção capitalista
para que os trabalhadores deixem a condição de instrumentos da produção, para que
efetivamente o desenvolvimento das forças produtivas se subordine às necessidades
humanas e não às de acumulação, e que finalmente, a organização social da produção
se assentasse sobre bases radicalmente democráticas.

23
III – Consciência Fragmentada: uma discussão no campo
da psicologia social.

O caráter estranhado da atividade produtiva e do mundo construído no


capitalismo, encontrando apresentação condensada na idéia de fetichismo da
mercadoria (relações sociais escondidas atrás das relações entre coisas), será
posteriormente desenvolvido por Lukács (2003) através do conceito de “reificação”11.
Lukács parte exatamente da análise feita por Marx sobre a essência da mercadoria
para fazer derivar aspectos psicossociais implicados nessa forma de produção.
Descreve fenômenos objetivos e subjetivos ligados às características da produção
capitalista. Entre os fenômenos psicossociais salienta: a auto-objetivação imposta ao
trabalhador (tomar-se a si mesmo como instrumento da produção), o impacto da
redução de todos os aspectos concretos da atividade produtiva humana ao cálculo
racional de produtividade e lucro, a fragmentação contínua da atividade e o
desenvolvimento de uma atitude contemplativa frente às máquinas e objetos de
trabalho.
Na economia capitalista, o homem é confrontado com sua própria atividade,
com seu próprio trabalho como algo objetivo, independente dele e que o domina por
leis próprias, que lhe são estranhas (Lukács, 2003, p. 199). Os movimentos produtivos,
as crises, as formas de consumo, a transformação e a destruição do mundo, tudo isso
está determinado por leis objetivas às quais os homens se submetem. Como afirmava
Lukács, “(...) quando surge um mundo de coisas acabadas e de relações entre coisas (o
mundo das mercadorias e de sua circulação no mercado), cujas leis, embora se tornem
gradualmente conhecidas pelos homens, mesmo nesse caso se lhes opõem como
poderes instransponíveis, que se exercem a partir de si mesmos” (Lukács, 2003, p.199).
Mesmo no caso em que alguém possa se aproveitar desse conhecimento, como um
economista que estuda as tendências da bolsa para realizar aplicações vantajosas, ou

11
O termo reificação tem origem no termo latino res que tem o sentido de coisa.Portanto, o termo é a
forma elegante de mencionarmos coisificação. Reificação refere-se a essa condição de relação de
produção e de troca no capitalismo que separa o produto de quem o produz (o trabalhador) estabelecendo
relações de consumo descoladas do campo das necessidades humanas. É isso que se está querendo dizer
com relações entre coisa: a desumanização da produção. O valor social que ganha o produto transformado
em mercadoria e que estádescolado da sua base produtiva é o que Marx chama de enfeitiçamento ou
fetiche da mercadoria. Esse processo é vital para compreendermos as formas de produção social e
individual da consciência.

24
um economista que estuda o efeito das taxas de juros sobre os níveis de produção,
isso não contradiz o fato de que estruturalmente não temos o menor poder de
interferir no funcionamento objetivo das leis de mercado. Um dos exemplos dessa
contradição está na crise do capitalismo de 2009: como explicar a pessoas
desempregadas, com dificuldades para garantir a mera sobrevivência, que a atual
dificuldade de se conseguir trabalho deve-se a uma contração da economia mundial
baseada numa desestabilização de todo o sistema bancário mundial?
Esse estranhamento tem profundas repercussões psicossociais. Como salienta
Lukács, esse estranhamento não é apenas objetivo, na medida em que o próprio
trabalho torna-se mercadoria e a atividade produtiva submete-se à mesma
objetividade estranhada. O trabalho abstrato não é apenas o denominador comum das
mercadorias nos atos de troca, mas passa a comandar o processo produtivo, ou seja, a
organização efetiva das atividades. O processo de trabalho passa a ser fragmentado
numa proporção antes inimaginável, dividi-se em operações abstratas e mecânicas,
interropendo a relação do trabalhador com o produto e reduzindo sua tarefa a uma
parte especializada de um conjunto muitas vezes incompreensível. O trabalho é
planejado sobre a base de um cálculo racional de lucratividade e, dessa forma, realiza-
se uma previsão e um cálculo cada vez mais exatos de todos os resultados a serem
atingidos, decompõem-se os conjuntos nos seus elementos, separam-se as prescrições
das habilidades e conhecimentos particulares, das tradições, de qualquer resquício de
uma ligação concreta com o sentido do trabalho. Reencontramos o sentido da frase do
jovem Marx: “o trabalho defronta o trabalhador como um poder estranho”. O homem
sente-se incorporado a um sistema mecânico, como mais uma das engrenagens desse
mecanismo, construído para que os cálculos de rentabilidade não deixem de se
realizar. Essa forma racional de trabalho tem como base o fato de que qualquer
aspecto individual precisa ser eliminado do processo, variações dependentes de
habilidades são consideradas erros de cálculo.
As interessantes observações dos ergonomistas de que o trabalho real nunca
corresponde ao prescrito (Dejours, 2007) não invalida a observação de que o
trabalhador deve submeter-se a uma estrutura mecanizada e abstrata, e mesmo
quando deve realizar adaptações para que o funcionamento do processo ocorra, esse
fato não chega a alterar a lógica do sistema produtivo. Como afirma Lukács:

25
“O homem não aparece, nem objetivamente, nem em seu
comportamento em relação ao processo de trabalho, como o verdadeiro
portador desse processo; em vez disso, ele é incorporado como parte
mecanizada num sistema mecânico que já encontra pronto e
funcionando de modo totalmente independente dele, e a cujas leis ele
deve se submeter” (Lukács, 2003, p. 204).

Este fato está repleto de consequências. Uma delas é que a atitude do


trabalhador frente à máquina e aos instrumentos de trabalho é cada vez mais
contemplativa. Outro fato importante explorado por Lukács é que à medida que o
processo de racionalização progride, é possível separar os momentos produtivos no
espaço e no tempo. Isso significa, por exemplo, que um carro pode ser montado em
um país, mas não se pode dizer que ele foi produzido ali. Suas peças são produzidas
em diversos países, nos lugares mais distantes do planeta, e chegam até uma fábrica
montadora que também pode produzir algumas peças, mas cuja função principal é
reunir e montar todo o conjunto. Essa separação dos momentos produtivos é fruto da
super especialização do sistema produtivo na fase atual do capitalismo. Avaliemos
algumas das consequências desse processo. Como se comporta nossa consciência
frente a esse processo?
A implantação do toyotismo altera as relações de trabalho (Antunes, 2002) e
torna a planta de fábrica mais dinâmica. Os processos conhecidos como Just-in-time
favorecidos pela reestruturação produtiva (Furtado, 2003) a partir do avanço da
tecnologia da informação mudaram consideravelmente a maneira como os
trabalhadores se relacionam com a produção. O trabalho robotizado, como aparece no
exemplo clássico do filme Tempos Modernos de Chaplin, diminuiu consideravelmente
e hoje, nas empresas que utilizam tecnologia de ponta, é realizado por mecanismos
robotizados e é possível prever que em futuro bem próximo estes mecanismos estarão
utilizando inteligência artificial para tomar decisões por si mesmo substituindo os
humanos em funções rotineiras.
Podemos dizer que mesmo nas condições em que o que é produzido, do ponto
de vista da cadeia produtiva, está muito distante do produto final, o trabalhador

26
envolvido com o que produz saberá a finalidade do mecanismo, peça, equipamento
que fabricou. Ele sabe que o velocímetro que ele calibra equipará um automóvel.
Futuramente quando adquirir seu próprio automóvel poderá dizer ao filho – Esse
velocímetro fui eu quem fiz! Então do que estamos falando quando dizemos que o
trabalhador não tem consciência do processo produtivo? Tudo o que foi dito até o
momento, fala de uma impossibilidade de abstração do processo produtivo na relação
entre a produção e o consumo por parte do ser humano. Isso porque ao transformar a
força de trabalho em mercadoria descolamos uma coisa da outra. Eu não preciso mais
pensar na produção para satisfazer minhas necessidades. Como não estabeleço essa
relação, minhas necessidades se constituem como algo abstrato – o processo é
invertido. Quero porque existe e não porque preciso. Há uma hipostasia do consumo
que passa a ser o centro da relação. O trabalhador é transformado em objeto de
consumo (sua força de trabalho) e ao mesmo tempo é consumidor daquilo que se
produz. Aqui reside a alienação ou o estranhamento.
No Brasil os trabalhadores de uma fábrica são informados que precisam fazer
sacrifícios, pois estão competindo com trabalhadores da China e que provavelmente
haverá um corte de pessoal porque as encomendas nos Estados Unidos foram
reduzidas. Os trabalhadores sentem uma enorme dificuldade para perceber as reais
ligações entre suas atividades e o movimento de construção e manutenção do mundo,
o atendimento de necessidades humanas por meio do trabalho. Como afirma Lukács,
“(....) a desintegração mecânica do processo de produção também rompe os elos que,
na produção ‘orgânica’, religavam a uma comunidade cada sujeito do trabalho”
(Lukács, 2003, p.205). Esse caráter passivo da atividade reificada encontra-se não
apenas no chão-de-fábrica, mas também no trabalho administrativo. O trabalho
intelectual incorporado ao processo produtivo submete-se a processos burocráticos
estritos ou então sucumbem à finalidade última de ampliação da rentabilidade por
meio de mudanças e inovações no processo de trabalho.
Lucien Goldmann, explorando a contribuição de Lukács, reflete sobre as
conseqüências psicossociais de uma economia de mercado que se torna autônoma e
tende a apoderar-se de todas as esferas da vida humana. O mercado assume o aspecto
de uma realidade cega, objetiva e exterior (Goldmann, 1979, p.113). Essa forma
generalizada de troca, o grande mercado, tem como conseqüência o impedimento de

27
formação de laços de solidariedade (formam-se apenas em âmbito privado), e o
impedimento de formação de um plano comum de produção e consumo que pudesse
reverter a anarquia e o desperdício próprios à produção capitalista. Goldmann é claro
quanto ao assunto:

“O parentesco entre as duas análises é evidente: como o valor de uso, a


solidariedade consciente e deliberada entre os homens é relegada ao
domínio ‘privado’ das relações de família ou de amizade; nas relações
inter-humanas gerais e notadamente nas econômicas, pelo contrário, a
função de uma e de outra se tornou implícita, obscurecida pelos únicos
fatores que fazem agir o egoísmo do homo-oeconomicus, que
administra racionalmente um mundo abstrato e puramente
quantitativo de ‘valores de troca’ (Goldmann, 1979, p. 121).

Existem conseqüências psicossociais desse processo econômico que são


apresentados no texto. As conseqüências serão: 1) a progressiva substituição do
caráter qualitativo do trabalho por seus aspectos quantitativos (com profundo impacto
sobre a experiência de trabalho); 2) a formação de uma experiência social de
passividade em função do caráter autônomo e destacado dos processos econômicos;
3) e a dificuldade de apreensão do movimento histórico dos fenômenos sociais, uma
vez que a objetivação das relações sociais nos habitua com categorias estanques de
entendimento do mundo.
Essa descrição dos efeitos psicossociais do mundo estranhado permite a
compreensão de alguns dados sobre os principais problemas de saúde no nosso
século. Segundo dados da OMS publicados no relatório mundial da saúde (OMS, 2002)
a depressão será em poucos anos a principal causa de incapacidade no mundo, apenas
superada pelas doenças cardiovasculares. Além disso, os transtornos decorrentes do
stress crônico serão uma das maiores ameaças à saúde humana no século XXI. Não por
acaso a depressão e os transtornos de saúde ligados ao stress crônico são
considerados os grandes problemas de saúde no nosso século. A depressão revela a
impotência do homem contemporâneo frente ao mundo estranhado, um mundo de
certa forma impenetrável às suas potencialidades e habilidades. Se o característico da

28
depressão é a impossibilidade de sentir prazer e a falta de energia para a realização de
atividades, isto se deve de certa forma a uma ruptura: o passado e a história da cultura
são mergulhados num eterno presente, o tempo do homem contemporâneo é o
tempo descartável da mercadoria, tempo impossibilitador de qualquer experiência
mediada pela apropriação do passado e pela formação de projetos para o futuro. As
formas de participação no trabalho e nos espaços políticos sofrem os efeitos da
mesma racionalidade econômica, privilegiando as experiências abstratas de
instrumentalização de si e do outro em detrimento das experiências de participação e
de desenvolvimento de habilidades pessoais.
A necessidade de reprodução do capital nos mergulha numa corrente contínua
de produção e destruição, impossibilitadora de formação de projetos sociais de longo
prazo. Os transtornos de estresse revelam com clareza a ameaça contínua à mera
garantia de sobrevivência, a redução de todos à condição de mercadoria
potencialmente utilizável e descartável. Os transtornos de estresse são descritos pela
literatura médica e psicológica como formas de reação do organismo às experiências
ameaçadoras, gerando desequilíbrio fisiológico e psíquico em função do esforço de
adaptação. Hoje, esse esforço é abençoado pela psicologia organizacional: o homem
capaz de adaptar-se a todas às condições incertas de seu próprio uso como mera força
de trabalho é aquele selecionado nas dinâmicas e valorizado nos planos de carreira.
Portanto, o que argumentamos neste texto é que esse conjunto de sintomas expressa
um funcionamento social e será resolvido não por meio medicamentoso, (meio de
enorme interesse para a indústria farmacêutica e que revela uma das faces da
exterioridade do homem frente às suas próprias condições de saúde e
desenvolvimento), mas sim pela ampliação de espaços de atividades onde
verdadeiramente os homens possam encontrar meios de alimentar-se da história,
desenvolver habilidades e formas de participação pessoal e igualitária, assim como
partilhar de projetos de construção e transformação do mundo. Isso é fundamental
para a construção de uma psicologia social crítica: como atuar de forma a reverter a
passividade na qual fomos arremessados pela organização social do trabalho, como
ajudar na construção de práticas que tenham como objetivo a compreensão das forças
sociais que determinam nossas atuais condições de alienação?

29
Muitas pesquisas recentes na área da psicologia do trabalho revelam a
atualidade das experiências designadas pelo conceito de reificação. Numa pesquisa de
campo sobre as atuais características do trabalho fabril observamos como a
organização do trabalho é realizada com o objetivo de separar as esferas de
planejamento e de execução, elevando o controle sobre os trabalhadores e
aumentando o rendimento produtivo (Svartman, 2004). Muitas vezes esse objetivo de
racionalização do trabalho está cristalizado nas próprias máquinas. O maior exemplo
disto é o trabalho nas prensas: são máquinas que podem realizar qualquer tipo de
transformação em peças de ferro ou aço (em função da troca de ferramentas na sua
parte superior), mas que, independentemente disso, o trabalhador tem a única função
de alimentá-la continuamente. O rendimento do trabalhador é avaliado pelo número
de peças produzidas por hora. Toda a inteligência da operação está cristalizada na
ferramenta da prensa que, tendo sido previamente elaborada, irá direcionar a
transformação das peças. Muitas outras atividades nas máquinas revelam um
conteúdo limitado e repetitivo, muitas vezes restrito à atividade de alimentação de
máquinas. Essas características revelam a fragmentação do processo: alguns
trabalhadores apenas cortam, outros lixam, outros furam, outros juntam pedaços... Os
encarregados e supervisores coordenam as atividades parciais para obtenção dos
produtos encomendados por outras fábricas.
Passa a ser estratégica a racionalização da organização do trabalho que se
estende ao setor de serviços. Todas as pesquisas recentes sobre as condições de
trabalho na área de telemarketing apontam para o mesmo fenômeno de
racionalização intensa do trabalho. Os trabalhadores estão sujeitos a formas de
controle de produtividade baseados nos mesmos princípios de administração das
fábricas. Uma interessante pesquisa sobre o trabalho dos tele-atendentes recolheu e
analisou cartas enviadas pelos trabalhadores ao sindicato dessa categoria (Vilela e
Assunção, 2007). Nessas cartas, os trabalhadores comentam a experiência de
robotização, em função do controle das frases e até mesmo da entonação das falas. As
cartas revelam que muitas vezes os trabalhadores têm metas de ligações a serem
atendidas, devem seguir um script rígido e padronizado de comunicação e estão sob
constante vigilância de encarregados e supervisores. Os trabalhadores
frequentemente associam suas condições de trabalho à uma condição de dominação,

30
tão baixa é a possibilidade de controle sobre a própria atividade e sobre o próprio
tempo. Existe sem dúvida uma continuidade das formas de sofrimento expostas por Lê
Guillant (2006) no célebre texto A neurose das telefonistas e aquelas encontradas
pelas pesquisas atuais sobre o trabalho nas centrais de teleatendimento.
Estas dimensões da fragmentação da atividade expressam uma outra ainda
mais fundamental, a fragmentação da noção de propriedade. Como vendedor da
minha força de trabalho eu deixo de ter a propriedade daquilo que produzo. Essa é a
chave para uma consciência fragmentada: não manter relação com o que está sendo
produzido. Neste caso, não importa se sou operário em uma fábrica ultra sofisticada,
ou operário em uma produção artesanal em que faço um produto inteiro, ou
funcionário do escritório de qualquer uma das duas, ou professor, ou advogado, ou
dono da fábrica, ou o projetista do produto sofisticado. Assim, quem produz não se vê
como consumidor e quem consome não se vê como produtor. Há um descolamento
(que é artificial e precisa de justificativa forte para se apresentar como verdadeiro) da
relação produtor/produto.
Essa relação chegou tardiamente ao meio rural (no caso brasileiro e de países
com essa mesma complexidade) e hoje a produção agrária (em menor intensidade)
também produz esse estranhamento. Mas não é porque sou somente tratorista
contratado por hora para arar a terra e sim porque o feijão que estou colhendo vai
virar um pacote no supermercado. Vamos imaginar que o trabalhador que faz a
colheita do feijão na grande propriedade leve um pouco dele para casa suficiente para
alimentar toda a família. Ele plantou na terra do outro, colheu, consumiu (uma
pequena parte) e domina toda a cadeia produtiva. Mas o sabonete ele irá comprar no
supermercado, o cd da dupla sertaneja ele irá comprar no supermercado, a sua botina
ele irá compra na loja de calçados. Assim, ele é obrigado a considerar o salário pago
pelo dono da terra como a maneira por excelência para conseguir as coisas que
precisa. Mesmo quando ele faz roupa em casa para os filhos, o faz para compensar o
que não consegue comprar no supermercado e o faz a partir do modelo consagrado de
consumo. Assim, a relação que produz o campo de significados é a relação de consumo
e não a relação de produção. Apesar disso, a relação de produção é a relação básica,
mas é ocultada no processo de alienação. O nosso tratorista quando leva o feijão que
colheu para casa, entende que está economizando parte do salário e não que está se

31
apropriando do que produziu. Ele não se percebe como dono do feijão, mas como
credor do soldo de sua jornada.
Neste caso estamos nos referindo a separação artificial que se efetiva entre o
trabalho e a produção e que se trata de um processo irreversível. Não basta a simples
compreensão do processo produtivo (como de certa maneira estamos fazendo aqui). O
processo não é consciente e não se transforma em significado Esse é o estranhamento.
Estamos nos referindo a primeira parte deste capítulo e ao desenvolvimento da teoria
de Lev S. Vigotski que diz que a consciência é plena de significados e estamos
afirmando que o ocultamento das condições que produzem a mais-valia
(desconhecimento do valor da força de trabalho depositada em um produto), é oculta
para o trabalhador porque não pode ser significada.12 Esta impossibilidade, que é a
chave da acumulação capitalista, é o que produz a fragmentação da consciência. Algo
que a consciência está impedida de conhecer e que é fundamental para se dar conta
da integralidade do processo produtivo. Mas alguma explicação nós precisamos para
justificar a necessidade de trabalhar e isso ocorre através de justificativas ideológicas
que estão por toda parte: no discurso religioso (Weber,1980) e nos valores e crenças
sociais, que na verdade são justificativas de cunho metafísico e de cunho moral,
descolada da base material que estabelece a relação entre produção e trabalho. A
consciência se fragmenta porque há algo que não pode ser dito, não se realiza, está
oculto no modo de produção - se expressa (ou não se expressa) na consciência uma
relação econômica que é a forma do ocultamento da mais-valia. Este campo simbólico
que justifica o trabalho (e porque trabalhar) faz parte do corpo de significados sociais e
o sujeito tem consciência disso. Esse repertório também faz parte da consciência
fragmentada, já que somente é possível um campo simbólico que sirva de ocultamento
da realidade se o que define concretamente a realidade esteja fora do campo de
significados. Assim, temos uma dinâmica que relaciona conteúdos ideológicos, morais,
jurídicos etc. a um não-saber, algo não significado transformando o signo de

12
Não pode ser significado porque está oculta na relação produzida pela expropriação da MAIS-VALIA.
É preciso esclarecer que o processo de ocultamento não é exclusivo dessa relação e que construções
inconscientes, no sentido que Vigotski da ao termo e que estamos aplicando aqui, fazem parte da
dinâmica de construção da relação sentido/significado do ponto de vista da negação da negação.
Entretanto, a superação dessa forma de ocultamento alienante (sem a mais-valia) poderá colocar o ser
humano na dimensão daquilo que Marx chama de exteriorização (Entfremdung) e, neste caso, a negação
da negação de dará de forma produtiva.

32
ocultamento em ersatz da realidade. A expressão do campo moral, ideológico, jurídico
passa a compor o repertório da consciência fragmentada e concretamente é o que
produz o necessário conformismo que garante a forma de dominação dos
trabalhadores em geral sem que se tenha consciência dessa dominação. Pelo
contrário, exatamente através de campo de justificativas nos consideramos livres,
livres para vender nossa força de trabalho.
O processo para essa fragmentação é produzido pelo fenômeno do fetiche da
mercadoria. Fragmentar a linha de produção é estratégia produtiva que faz sentido
para o trabalhador porque o critério que lhe é imposto é o da venda de sua força de
trabalho e o valor dessa força. Quanto mais especializado, mais valor terá a sua força
de trabalho e mais coisas ela poderá obter. O fetiche da mercadoria é o caráter
fantasmagórico adquirido pelo produto quando se separa a sua base produtiva da
força de trabalho que o produz. O produto se transforma em objeto de consumo e
perde a sua condição de objeto da produção. O trabalhador e qualquer pessoa
envolvida nesse processo (uma criança que não trabalha) irão se relacionar com os
valores produzidos pelo produto como objeto de consumo: uma mercadoria. Os
valores sociais passam a ser balizados por essa relação básica e somos avaliados pelo
que possuímos e não por aquilo que produzimos. O operário que fabrica qualquer
ícone de consumo (um automóvel da Ferrari ou uma bolsa da marca Vuitton) não
agrega o valor a si próprio. Nunca vimos um operário ganhar as páginas das colunas
sociais dos principais jornais ou espaço nos programas televisivos pelo fato de produzir
tais ícones, mas frequentemente nos deparamos com os ricos compradores desses
produtos nesses lugares. Somos o que consumimos e não o que produzimos. Essa é a
equação do capitalismo e é essa equação que está presente na fragmentação da
consciência
O adoecimento do trabalhador ocorre porque o processo é desumano. Exige
esforço para além de nossas capacidades físicas e mentais. É o caso dos trabalhadores
nos frigoríficos do Sul do país que trabalham em câmaras frigoríficas em baixas
temperaturas e com estimulação quase zero (uniforme branco que cobre todo o corpo
e cabeça, paredes brancas e bancadas de trabalho em material inox).13 O

13
Essa história nos foi relatada pelo professor e pesquisador Cláudio Hutz, da UFRGS, que realiza
pesquisa sobre o assunto e em breve será publicada.

33
estranhamento e a fragmentação da consciência fornecem o argumento lógico de que
preciso fazer isso porque ganho para fazê-lo e o emprego é garantia para sustentar
minha família e preciso de dinheiro no bolso para ter coisas. Como produzo coisas
descoladas da minha vida, acaba não dando a importância àquilo que produzo.
Mas não é o fato de cortar pescoço de frango que o descola de sua vida. Ele
pode ter escolhido o trabalho porque gosta de retalhar frango e se dá bem fazendo
aquilo. A questão é que a vida não se resume a cortar pescoço de frango 12 horas por
dia. E porque ele é obrigado a cortar pescoço de frango 12 horas por dia, 25 dias por
mês, 20 anos de sua vida? Porque é a forma de vida que lhe foi imposta e essa ele não
tem como mudar. Essa é a questão central do estranhamento e da fragmentação da
consciência: não há como mudar a não ser que coletivamente, com todos os que são
submetidos a essa lógica, superem o estranhamento e se disponham a transformar o
próprio modo de produção. O problema é que isso não depende da vontade, mas do
esgotamento das forças produtivas e da exigência social e econômica de novas
soluções. Também não se supera a fragmentação da consciência através de ações
isoladas, como as comunidades alternativas de pessoas que se retiram para uma
experiência peculiar de produção sem mais-valia. O fato de alguém viver do que
planta, do que colhe, do que fabrica coletivamente e voltado para o consumo
consciente dessa comunidade pode aliviar sua consciência crítica e melhorar a
qualidade de vida desse grupo, mas não serve como alternativa para toda a população.
Quem irá produzir aviões para o transporte ultramarino? Quem irá produzir a
tecnologia de comunicação para o contato entre os povos? Esse tipo de pergunta
poderá ser feita à exaustão sem mencionarmos a produção supérflua de uma
sociedade de consumo frívola e desproposital. Podemos dizer que mesmo os que
escolhem a vida alternativa manterão a sua condição de consciência fragmentada.
Parte do fracasso desse tipo de experiência se dá pelo retorno ao mundo do consumo
quando se esgota a novidade do tipo de vida monástica escolhido pelo grupo.
Queremos enfatizar que a superação da fragmentação da consciência se dará
somente com a superação das condições materiais concretas que a produz e que, ao
mesmo tempo que buscamos formas dessa superação, estamos constituindo um
conhecimento maior dessa condições. Há uma dimensão de constituição de
alternativas e de apropriação dessas alternativas pelo próprio modo de produção. O

34
capitalismo é o modo de produção mais flexível, deste ponto de vista, já produzido
pela humanidade e somente será superado quando a própria humanidade encontrar
um modo superior.

IV – Alternativas da Psicologia Sócio-Histórica para os


problemas produzidos nas relações de trabalho

A extrema complexidade do processo produtivo, como se apresenta na atual


fase do capitalismo e relatada até aqui é fator complicador desse processo de
fragmentação da consciência. Fica cada vez mais difícil a elucidação desse enigma e a
esfinge do capital se fortalece a cada momento14. Através de processos simples de
produção, como uma fábrica do século XVIII com poucos operários que fabricavam um
produto por vez, era possível estabelecer relação entre preço do produto e valor do
trabalho. Nos tempos atuais, com a crescente automação da relação de produção, isso
fica cada vez mais distante. Além disso, há o trabalho intangível, o trabalho que não
pode ser medido. Qual o valor da hora de um advogado, de um consultor, de um
artista ou de um jogador de futebol? É o valor atribuído abstratamente conforme a
importância social também abstratamente construída. Na realidade, importância social
construída a partir dos valores de consumo, seja o da liberdade, o do conhecimento,
da representação ou do espetáculo.
O que estamos chamando de consciência fragmentada está relacionado ao
processo extensamente discutido nesse capítulo de estranhamento (alienação) no
processo produtivo. Não discutimos que essa relação também está ligada às formas de
exteriorização, como forma de reconhecimento do trabalhador naquilo que produz e
que permite a superação da condição fragmentada. Isso porque nosso interesse é
esgotar a relação entre um campo de abstração das relações sociais e econômicas em
suas formas objetivas e a produção de consciência do ponto de vista das dimensões
subjetivas da realidade (veja cap. 4). Assim, vamos dar sequência ao tipo de argumento

14
Recentemente assistimos o debate produzido pela afirmação de Fukuyama de que o capitalismo
representava o fim da história e logo em seguida até mesmo a Social-Democracia inglesa chegou a
admitir que o neoliberalismo era, no momento, indestrutível. Bastou a crise de 2008 para colocar tudo por
terra e decretar a morte do neoliberalismo. Mais uma vez a famosa frase de Marx tornou-se bastante atual:
no capitalismo tudo o que é sólido, desmancha no ar! Entretanto, como uma quimera, tudo se reorganiza.
Até quando? Segundo Mészáros em Além do Capital (2002), até que, de fato, se esgotem as forças
produtivas e forças progressistas encontrem solução para a superação do capitalismo.

35
que estamos delineando. Há uma grande diferença entre o que chamamos de
estranhamento/alienação como fenômeno do processo produtivo capitalista e que
induz a não-significação da relação produção-trabalho e o processo de produção de
sentido sobre as relações de trabalho e consumo, conforme apontamos na primeira
parte deste capítulo. Estas relações são mediadas pelas formas de ocultamento e serão
decodificadas pelos trabalhadores e por qualquer pessoa através das relações
imediatas que passam pelos processos de internalização dos conteúdos psíquicos
conforme definidos pela psicologia sócio-histórica. (Bock, Gonçalves & Furtado, 2001).
Dessa forma, percebemos que a redução do homem à condição de mercadoria,
à condição de instrumento da produção, trabalhando sob constante vigilância e
ameaça, fere a condição humana de participação política e de desenvolvimento das
potencialidades especificamente humanas por meio da atividade social. Essa forma de
dominação precisa necessariamente de táticas de ocultamento, formas de escamotear
essa redução do homem à condição de mercadoria. A ideologia cumpre assim seu
papel.
Ainda assim, não podemos afirmar que os homens simplesmente suportam
essas condições de dominação sem formas coletivas de reação. Como apontou uma
pesquisa sobre a formação de uma comissão de fábrica na região do ABC paulista
(pesquisa que será futuramente publicada), os trabalhadores também encontram
formas coletivas de enfrentar condições opressivas de trabalho. Os meios de
organização dos trabalhadores nos locais de trabalho para realizar transformações nos
processos e atividades revelam a resistência às condições de reificação. Na pesquisa
mencionada, os trabalhadores realizaram diversos embates com a empresa para
alterar processos de trabalho geradores de sofrimento, para frear a rotatividade dos
trabalhadores e até mesmo para extinguir os processos de avaliação que tinham como
objetivo estimular a competição entre eles. Nesse processo de organização e
resistência, a greve sempre foi o instrumento para forçar a fábrica a realizar
negociações. Aqui estamos falando da entäusserung, ou as formas de exteriorização
nas quais o trabalhador reconhece o seu trabalho na produção, mesmo que o faça
discutindo seus direitos trabalhistas ou esgarçando a noção de direito para além do
que é produzido no acordo social entre patrões e empregados nas formas
institucionalizadas dessa relação. Apesar dessa exteriorização ocorrer no plano

36
superficial nos limites dos acordos capital/trabalho, ele demonstra a relação dialética
do binômio entfremdung/ entäusserung (alienação/exteriorização) e a possibilidade
de superarmos a fragmentação da consciência. A exteriorização produz novos signos e
um novo campo de significados que permite ancoragens que antes não seriam
possíveis. O avanço na disputa dos direitos dos trabalhadores e o avanço das condições
materiais (economia) são condições objetivas e bases para as transformações
subjetivas. Ao mesmo tempo, a forma de pautar essa disputa depende de um
conhecimento consolidado e de uma base subjetiva que garanta a disposição para a
disputa desses direitos.
Vale a pena mencionar a pesquisa realizada por Calderoni (2008), analisando a
organização dos trabalhadores contaminados (por mercúrio, sílica etc.). Trabalhadores
que enfrenta essa situação de contaminação em geral, quando descobrem a doença
estão praticamente impossibilitados de trabalhar e são aposentados por invalidez. O
câncer é uma das patologias identificadas e, geralmente, produz a morte desse
trabalhador. Um fenômeno identificado por Calderoni foi que geralmente as
associações de trabalhadores que procuram alertar sobre os riscos de contaminação
têm entre seus participantes trabalhadores contaminados. Os trabalhadores não
contaminados e os que não sabem que estão contaminados se recusam ou não se
interessam por esse tipo de participação. Esse fator dificulta sobremaneira a
organização desses trabalhadores e prejudica a luta dos que buscam pelos seus
direitos.
Analisando essa condição o autor encontra a seguinte situação: quem não se
contaminou ou não sabe que está contaminado, não quer ouvir falar do problema.
Mais ou menos como ocorre com os tabagistas que conhecem os riscos do consumo
do cigarro, mas acham que o problema não ocorrerá com ele. Produz-se uma
resistência, uma defesa imaginária contra o adoecimento que garante o prazer (vício)
de fumar. Com os trabalhadores o problema é mais grave, já que o que está em jogo
não é nenhum prazer especial em conviver com a situação de risco, mas a busca da
garantia de emprego. Acrescente a isso o argumento insistente das empresas que
negam o fator de risco. A indústria do amianto proporcionou um triste exemplo
recentemente. Apesar de toda a comprovação de contaminação produziram inúmeros
laudos negando o risco e ameaçando o poder público com o desemprego em massa.

37
Tais argumentos são assimilados pelos trabalhadores que temem perder o emprego,
que vêem naquele emprego a melhor maneira de manter suas famílias. Resta a eles
acreditarem numa condição mágica que os protegerá da contaminação ou acreditar
que o risco não existe. Assim, quanto menos se falar no assunto mais seguro ele se
sentirá. Temos aqui um exemplo de como a fragmentação da consciência joga contra a
organização dos trabalhadores e como isso solapa sua própria organização. Do ponto
de vista do sentido, o trabalhador se recusa a conceber aquilo que a entidade de
defesa dos trabalhadores aponta como risco. O medo de perder o emprego,
particularmente quando se trata do melhor salário da região ou uma das poucas
alternativas de emprego formal, aliado aos desconhecimento do fator de risco pela
dificuldade de articular o conhecimento sofisticado da química e da biologia, produz a
lacuna que é obturada pelo argumento patronal, pelo valor masculino de que
trabalhador precisa enfrentar adversidades para provar sua masculinidade,15 pelo
sentimento pessoal de que a sua saúde não está afetada. Um campo de significados
que apóiam uma produção de sentido lacunar e favorece uma ação auto-destrutiva.
Atualmente, em relação à psicologia do trabalho, existem espaços de atuação
onde os psicólogos podem desenvolver práticas apoiadas numa perspectiva crítica e
sócio-histórica. Estes espaços são construídos em certa medida como contraponto dos
conhecimentos e práticas geradas no âmbito da psicologia organizacional. Como
diversos autores já salientaram (Jacques, Sato, Lima, Codo e Furtado que nos dias de
hoje elaboram a psicologia crítica do trabalho), o contexto no qual se desenvolve a
atuação profissional influenciará seus objetivos e as práticas. Uma psicologia funcional,
voltada para atender as necessidades das empresas, não terá como escapar do
principio último de busca de lucratividade. Os temas tradicionais da psicologia
organizacional revelam esse comprometimento: os estudos de gestão de pessoal,
motivação e liderança, de clima ou cultura organizacional, visam resolver “disfunções
organizacionais”, e por mais que se pense nas condições de trabalho e na saúde dos
trabalhadores, isso se faz sobre a base de um cálculo preciso de rentabilidade, que
pode justificar ou não certos investimentos em melhorias. Ou seja, todo o estudo das
interações humanas é feito com o objetivo de melhorar a produtividade de uma certa

15
Calderoni não estudou relações de gênero em sua pesquisa porque tais atividade eram exercidas
geralmente por homens. Mas a questão está aberta e merece atenção.

38
organização. Além disso, essa forma de atuação nunca problematiza a estrutura de
poder das organizações e os processos de racionalização do trabalho, deixando de lado
aspectos fundamentais para a análise e compreensão das experiências reais de
atividades e suas conseqüências para os trabalhadores. Procurar desenvolver
motivação e liderança em equipes, estabelecer programas de treinamento e planos de
carreira, tudo isso num ambiente racionalizado e de exploração da força de trabalho,
sempre terá como conseqüência uma prática adaptativa.
A experiência dos autores na assessoria de sindicatos em relação a saúde dos
trabalhadores nos permite pensar sobre as atuais demandas e possibilidades de
trabalho junto às organizações sindicais. Há uma demanda crescente para discussão
dos sofrimentos psíquicos relacionados ao trabalho, o que nos leva a pensar
exatamente como as relações entre consciência e atividade se desenvolve em
diferentes campos profissionais. Em primeiro lugar, é possível observar a necessidade
de contrapor os discursos da empresa sobre o adoecimento e sobre o sofrimento na
relação com o trabalho. Escutar os trabalhadores sobre a realidade das empresas leva
prontamente a uma conclusão: há todo um sistema montado com o objetivo de
ocultar as relações entre as formas de adoecimento e as condições e organização do
trabalho. Todo o discurso da empresa, assim como suas práticas, procuram justamente
culpabilizar o trabalhador pelo seu adoecimento e seu sofrimento. Nesse sentido, é
preciso fornecer argumentos técnicos a partir de uma psicologia critica que possam se
contrapor ao discurso da empresa. Essa demanda se mostra, por exemplo, no
crescente interresse pela discussão do assédio moral e do sofrimento psíquico no
trabalho. A realização dessa discussão, rompendo o manto naturalizante com que
geralmente está encoberta, terá profundas conseqüências sobre a organização e a luta
dos trabalhadores nos locais de trabalho, aumentando a mobilização para enfrentar
imposições das empresas e reivindicar melhorias das condições de trabalho. Ou seja,
espera-se que a compreensão das relações entre atividade e consciência, apoiando
também uma compreensão das relações entre saúde e trabalho, tenha como efeito
um aumento da mobilização e organização dos trabalhadores para transformação das
condições de trabalho.

39
A psicologia Sócio-Histórica, apoiada na compreensão de que a consciência se
desenvolve na relação com as condições sociais de trabalho, a partir da efetiva
atividade dos homens, coloca-se como um dos instrumentos de superação da
consciência fragmentada analisando, a partir de seu referencial, as condições
concretas das relações de trabalho. Como já dissemos, o estranhamento produzido
pela relação básica que constitui o modus operandi do capital somente poderá ser
resolvido com a superação do próprio capitalismo. Mas tanto o estranhamento quanto
as formas de exteriorização se apresentam nas relações mais imediatas e aqui a
psicologia pode cumprir importante papel tanto no cuidado (saúde do trabalhador)
quanto na promoção da saúde. Pode, também, servir como teoria elucidadora das
condições adversas a que são submetidos os trabalhadores e colocar-se a serviço
destes na sua organização assessorando sindicatos e movimentos de defesa dos
trabalhadores. Considerando que os próprios empresários, como ocorre em seu setor
progressista, podem se interessar por melhores condições de trabalho, a análise crítica
será instrumento de mudança que favorecerá a dialética
estranhamento/exteriorização em prol desta última, produzindo forma de superação
da consciência fragmentada. Estamos considerando que a dupla ilusão da consciência
como uma pura presença interior, ou como um mero reflexo do mundo objetivo, está
apoiada num modo de produção que separa e divide grupos de homens com a tarefa
de planejar, imaginar e pensar, e outro grupo de homens com a tarefa de executar e
servir. Nas duas formas representam um meio de escamotear a alienação do trabalho
determinada pela organização capitalista da produção, uma vez que ocultam o fato de
que a organização do trabalho não nos permite uma organização do trabalho
igualitária, capaz de ser expressão de um modo consciente e livre de trabalho.

40
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