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DESENVOLVIMENTO HUMANO PARA A

PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

Prof. Me. Vinicius do Prado Manoel


Docente na Universidade de Santo Amaro - UNISA
Mestrando pela Universidade Estadual de Maringá - UEM; Maringá, PR; Brasil.
Pós-Graduando em Neuropsicologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São
Paulo - FCMSCSP; São Paulo, SP; Brasil
DESENVOLVIMENTO HUMANO

• L. S. Vigotski (1896-1934) e colaboradores A. R. Luria (1902-1977) e A. N.


Leontiev (1903-1979), autores e fundadores da Psicologia Histórico-Cultural.

• Um psiquismo forjado pela cultura historicamente,


• Caráter das funções psicológicas superiores (FPS) é mediado, pelo uso de
instrumentos de trabalho (ferramentas) e instrumentos psicológicos (signos)
• FPS - Mutável ao longo do desenvolvimento histórico das formas de
produção e relações sociais de uma dada sociedade.

• O funcionamento psicológico e neuropsicológico se desenvolve a partir da


atividade cultural dos homens (Beatón, 2014b).
DESENVOLVIMENTO HUMANO

Vigotski (1996) assinala que o diferencial da Psicologia Geral que estava


propondo referia-se ao método de análise.

O autor russo considerava que as ideias formuladas em determinada época


sobre os fatos estão relacionadas com o substrato sociocultural da
época, com as exigências da realidade objetiva.
DESENVOLVIMENTO HUMANO

A abordagem metodológica e epistemológica de Vigotski pode ser vista


como uma resposta às visões extremas do positivismo. Vigotski explica o
processo sem negar a continuidade histórica, usando a negação dialética
e levando em conta o conhecimento prévio para encontrar a essência e o
princípio explicativo que resolva as contradições existentes.

Ele se move em um esquema geral de ciência que inclui as ciências naturais,


mas sem ignorar suas limitações e os prejuízos que uma interpretação
empirista, experimentalista e positivista produziria nas ciências sociais.
DESENVOLVIMENTO HUMANO

No que se refere ao processo de avaliação, a partir dos pressupostos da


Psicologia Histórico-Cultural, é fundamental compreender a formação e o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores (FPS). Para essa
compreensão, Vigotski (2000b) defendeu que a investigação da ontogênese
não deve abrir mão do estudo filogenético das formas superiores de
comportamento, demonstrando, portanto, a necessidade de analisar como as
funções psicológicas superiores (FPS) e o sistema interfuncional foram
historicamente sendo constituídos a partir da atividade humana.
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A Psicologia Histórico-Cultural defende que as formas superiores do


psiquismo não se explicariam pelo simples processo de maturação das
estruturas internas previamente herdadas, ou de forma passiva como
apareciam nas explicações ambientalistas (Pasqualini & Tsuhako, 2016).
FILOGENESE

No campo da filogênese, Leontiev (2004) divide o desenvolvimento


psíquico dos animais em três distintos estágios:

1) estágio do psiquismo sensorial elementar; 2) estágio do psiquismo


perceptivo; 3) estágio do intelecto. Para o autor, a análise das atividades
animais em cada estágio se faz necessária para a compreensão da origem do
reflexo psíquico e, por conseguinte, do desenvolvimento psíquico.
FILOGENESE

1) O primeiro estágio caracteriza-se pelo aparecimento de organismos


vivos dotados de sensibilidade, originária a partir da complexidade na
formação de processos da atividade exterior que mediatizam as relações entre
os organismos e as propriedades do meio onde vivem e que garantiram a
conservação e o desenvolvimento de sua espécie. Essa sensibilidade
elementar em relação aos estímulos exteriores seria então o primeiro indício de
reflexo psíquico.
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2) A partir de uma mudança na estrutura da atividade animal, ocorre a


passagem para o segundo estágio, no qual aparecem no animal as
representações sensitivas. Desenvolve-se a capacidade do animal em refletir
sobre a realidade exterior. Segundo Leontiev (2004), a passagem a este
estágio está aparentemente ligada à passagem dos animais para a vida
terrestre, onde as operações complexas, que exige a vida nesse meio,
provocam grandes mudanças morfofisiológicas e, dentre elas, o
desenvolvimento dos órgãos da motricidade exterior.
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Nessa fase, originam-se os “hábitos” (pois a função mnemônica


manifesta-se na motricidade), tomados pelo autor como as operações
fixadas e que são possíveis apenas em animais que desenvolveram o córtex
cerebral. Há, nesse estágio, uma mudança no que diz respeito aos processos
de diferenciação e de generalização da realidade objetiva.
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3) O terceiro estágio, no qual se encontram os mamíferos superiores


(símios), apresenta novamente uma mudança na estrutura da atividade,
que passa a apresentar uma fase preparatória e a fase da execução, o
que, segundo Leontiev (2004), constitui o traço característico do
comportamento intelectual. Também destaca que o animal, na atividade
bifásica, não apresenta simples movimentos de exploração, mas tentativas de
novas operações para alcançar a finalidade.
DESENVOLVIMENTO HUMANO

O que nos interessa é compreendermos como a complexificação das


atividades exigidas pelo ambiente para a conservação e o
desenvolvimento da vida permitiram a origem do reflexo psíquico e o
desenvolvimento motor dos animais.

Entende-se que, enquanto havia uma mudança na estrutura da atividade,


alterava-se o reflexo da realidade. Nos mamíferos superiores, a
complexificação e as mudanças estruturais de suas atividades permitiram a
origem de um aparato morfofisiológico novo.
DIFERENÇA DO SIMIO E HUMANO

No entanto, ainda que não seja totalmente oposta às características do


psiquismo dos mamíferos superiores (símios) e dos humanos, surge, neste
segundo, algo fundamentalmente novo (determinado por uma nova
mudança na estrutura de sua atividade vital), a consciência humana. A
passagem à consciência é o início de uma etapa superior ao desenvolvimento
psíquico. O reflexo consciente, diferentemente do reflexo psíquico próprio
do animal, é o reflexo da realidade concreta destacada das relações que
existem entre ela e o sujeito, ou seja, um reflexo que distingue as
propriedades objetivas da realidade.
DIFERENÇA DO SIMIO E HUMANO
Conforme Leontiev (2004), o surgimento de uma atividade nova, o
trabalho, foi fundamental para permitir um salto ontológico do ser social,
possibilitando a transição de indivíduos de uma espécie para sujeitos
históricos. O trabalho exigiu a criação de instrumentos e o
desenvolvimento da linguagem, elementos que foram determinantes para a
gênese do desenvolvimento superior do psiquismo e, consequentemente, da
humanização. Além disso, o trabalho possibilitou o desenvolvimento do
cérebro e de outros órgãos internos e externos do ser humano, resultando
em mudanças morfofisiológicas que causam uma "transformação global do
organismo" (p. 79).
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De acordo com Vigotski (2020), o trabalho foi uma atividade que exigiu
uma grande necessidade de comunicação, levando à criação dos signos
como instrumentos psicológicos. Esses signos são estímulos-meios
artificiais criados pelo homem para dominar a própria conduta ou a conduta dos
outros. Além disso, como afirma Leontiev (2004), o nascimento da linguagem
só pode ser compreendido em relação à necessidade de comunicação que
surgiu do trabalho. A nomeação dos instrumentos e a descrição de ações
foram necessárias para que as pessoas se comunicassem sobre o trabalho e
as tarefas a serem realizadas.
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Linhares e Facci (2021) afirmam que, durante a realização de atividades,


como o trabalho, há uma mediação entre o sujeito e o objeto envolvido,
feita por meio de símbolos e signos presentes na cultura. Essas relações
sociais são acumuladas e transmitidas ao longo da história, gerando um salto
qualitativo no psiquismo humano a partir do desenvolvimento dos signos como
mediação fundamental. A introdução desses estímulos intermediários
altera a própria estrutura de todo o processo, possibilitando
transformações significativas no psiquismo como sistema funcional e na
construção das atividades culturais humanas.
DESENVOLVIMENTO HUMANO

De acordo com Vigotski (2000a), o desenvolvimento cultural causa


mudanças profundas nas relações sociais e, portanto, nas funções
psicológicas, o que leva ao surgimento de novas estruturas que
estabelecem novas correlações com as partes.
DESENVOLVIMENTO HUMANO

As funções psicológicas podem ser definidas como capacidades ou


propriedades do nosso psiquismo que nos permitem compreender a realidade
objetiva (Martins, 2013).

Nem o cérebro nem o psiquismo podem ser reduzidos para entender os


sistemas funcionais cerebrais em relação aos comportamentos humanos. É
importante compreender as conexões e as relações interfuncionais que
compõem a complexidade do psiquismo humano, conforme expõe Martins
(2013).
DESENVOLVIMENTO HUMANO

Vigotski (2000a) afirmou que as funções psicológicas superiores (FPS) estão


inicialmente localizadas no ambiente externo, no plano das relações sociais, e
somente podem ser internalizadas de forma mediada. Portanto, o
desenvolvimento do psiquismo “segue não para a socialização, mas para
a individuação de funções sociais (transformação das relações sociais
em funções psicológicas)” (Vigotski, 2000a, p. 29). Desse modo, o processo
de individuação das funções sociais ocorre por meio da mediação simbólica, e
não por socialização direta.
DESENVOLVIMENTO HUMANO

De acordo com Vigotski (2018), a realidade social determina o


desenvolvimento humano, afetando não apenas o psiquismo, mas
também a correlação entre as funções psíquicas. Em cada estágio do
desenvolvimento, há uma especificidade no sistema de relações entre essas
funções. Isso porque o processo de desenvolvimento da consciência
envolve a introdução de novos elementos no psiquismo e mudanças nas
atividades, que são determinadas pelas relações sociais em cada idade.
Por isso, é fundamental compreender o conceito de atividade para entender o
desenvolvimento humano (Vigotski, 2018).
DESENVOLVIMENTO HUMANO
DESENVOLVIMENTO HUMANO

Segundo Leontiev (2004), o conceito de atividade refere-se à maneira como


o ser humano estabelece uma relação com o mundo externo para atender
às suas necessidades. Portanto, a análise da atividade de uma criança é
diferente da de um adulto, uma vez que confirma a importância da educação
infantil no processo de mediação consciente. A atividade é estruturada a partir
de operações e de um conjunto de ações articuladas entre si, mobilizadas por
um motivo (relação entre uma necessidade e uma finalidade específica), que
está orientado para um objeto (um fim específico).
DESENVOLVIMENTO HUMANO

De acordo com Leontiev (2004) e Martins (2013), a atividade humana é


estruturada a partir da presença de uma necessidade, um motivo e um
objeto, diferentemente dos animais que se limitam às necessidades biológicas.
As necessidades humanas são social e historicamente produzidas, e a
atividade consciente do ser humano se desvincula das necessidades biológicas
e cria motivos humanos, que têm uma origem social. A atividade humana
supera as condições sensoriais e perceptivas imediatas da realidade e
incorpora os resultados da experiência da humanidade. À medida que as
necessidades são atendidas, novas necessidades e motivos são produzidos.
DESENVOLVIMENTO HUMANO

Veira (2020) aponta que é importante, para o processo avaliativo, considerar


que, durante o desenvolvimento humano, as atividades e as relações
estabelecidas com o meio passam por mudanças, o que acarreta
transformações na personalidade e na reorganização dos processos psíquicos.
É importante compreender esse processo de forma dialética e não
determinista. A partir disso, a autora, inclusive, destaca a importância de um
processo avaliativo que considere a periodização do desenvolvimento.
PERIODIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Elkonin (1987) chama a atenção para a importância de um enfoque histórico


do processo de desenvolvimento, revelando que certos estágios do
desenvolvimento infantil delineiam-se no curso da história da humanidade,
com a alteração do lugar ocupado pela criança nas sociedades. Sua análise
acerca da origem histórica do jogo protagonizado ilustra com clareza essa tese.
Apoiado em estudos antropológicos e etnográficos, Elkonin (1998) demonstra
que o jogo de papéis é muito raramente observado em comunidades
primitivas e mesmo em sociedades de economia baseada em formas
rudimentares de agricultura e pecuária, nas quais as crianças são
precocemente integradas ao trabalho dos adultos.
PERIODIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Vygotski (1995) refuta a compreensão do desenvolvimento infantil como um


processo estereotipado de crescimento e maturação de potências internas
previamente dadas, perspectiva conhecida como pré-formismo. Tal
concepção remete à analogia entre o desenvolvimento infantil e os
processos de crescimento das plantas, reduzindo o complexo processo de
desenvolvimento psíquico a determinações quase exclusivamente
biológicas.
PERIODIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Essa relação entre biológico e cultural fica especialmente clara na análise de


Vygotski (1995) acerca do desenvolvimento das funções psicológicas. O autor
diferencia as funções psicológicas elementares, comuns a homens e animais
(tais como atenção e memória involuntárias) das funções exclusivamente
humanas, que denominou funções psicológicas superiores (tais como a atenção
voluntária, a memória mediada e o pensamento abstrato). As funções superiores
têm gênese fundamentalmente cultural – e não biológica. O autor não
estabelece, contudo, uma dicotomia entre as funções elementares e superiores;
afirma que as formas inferiores não se aniquilam, mas continuam existindo como
instância subordinada às funções superiores.
PERIODIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

A lei fundamental que rege a dinâmica das idades, para Vygotski (1996), consiste
em que as forças que movem o desenvolvimento da criança de uma idade a
outra acabam por negar e destruir a própria base do desenvolvimento da idade
anterior, determinando, como necessidade interna, o fim da situação social de
desenvolvimento, ou seja, o fim da etapa vigente em direção à etapa seguinte.
Para Vygotski (1996), o desenvolvimento caracteriza-se pela alternância de
períodos estáveis e críticos. Nos períodos estáveis, o desenvolvimento se deve
principalmente a mudanças “microscópicas” da personalidade da criança, que
vão se acumulando até certo limite e se manifestam mais tarde como uma
repentina formação qualitativamente nova.
PERIODIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Em cada fase novas formações psíquicas se formam na criança e reorganizam


sua personalidade. Nas palavras de Vygotski (1996, p. 262), “[...] em cada etapa
encontramos sempre uma nova formação central como uma espécie de guia
para todo o processo de desenvolvimento que caracteriza a reorganização de
toda a personalidade da criança em uma nova base”.

Na infância, a percepção afetiva é a formação central; na idade pré-


escolar é o desenvolvimento da memória; e, a partir da idade escolar, é
o pensamento, a capacidade de formações de conceitos.
PERIODIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

A dinâmica da idade, pode ser compreendida em três momentos fundamentais:


a situação social do desenvolvimento (ontogenética) do período; a
neoformação principal determinada no período; a consolidação da
neoformação principal ao final do período e que culmina com a
desintegração da situação social anterior. Deste modo, é imprescindível
compreender as neoformações, pois é a partir dela que “se pode determinar o
essencial em cada idade psicológica” (Vigotski, 2006, p.254).
PERIODIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

A situação social do desenvolvimento é o ponto de partida para todas


as mudanças dinâmicas que se produzem no desenvolvimento durante o
período de cada idade. Portanto, a primeira questão que devemos resolver,
ao estudar a dinâmica de alguma idade, é esclarecer a situação social do
desenvolvimento. (VYGOTSKI, 1996, p. 264, grifo nosso).
PERIODIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
PERIODIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
CONSIDERAÇÕES

Vygotski (1996) se dedicou mais ao aprofundamento das neoformações


psíquicas formadas ao final de cada período de crises, sem nunca dispensar a
influência da prática social nesse processo; inclusive chama as mudanças
ocorridas de situação social do desenvolvimento e as considera sempre como
ponto de partida para o período seguinte.

Leontiev (2004) investiga com maior empenho a atividade humana e suas


condições concretas que possibilitam o desenvolvimento psíquico. Para ele, o
jogo, o estudo e o trabalho são as atividades dominantes e é por meio delas que
os indivíduos se apropriam do mundo e formam sua personalidade.
CONSIDERAÇÕES

Elkonin (1961), por sua vez, dá continuidade e aprofunda os estudos de


Leontiev, acrescentando que, ao desenvolver as atividades, em todas as
etapas, ora predominam as relações entre as pessoas, ora predominam as
relações com o objeto de conhecimento.

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