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Se invertermos este método, então o aluno colhe uma espécie da razão antes ainda que se
tenham formado nele o entendimento, eleva uma ciência emprestada que, por assim dizer
nele foi a pena colada, mais não desenvolvida, pelo que a sua capacidade de espírito se torna
ainda mais estéril do que nunca e ao mesmo tempo muito mais corrompida pela ilusão de
sabedoria.
Esta é a causa por que não raro se encontra sábios (mais propriamente, gente que fez estudos)
que dão mostras de pouco entendimento e porque as academias em via para o mundo mais
cabeças destituídas de senso do que qualquer outro estudo da República.
A regra conduta é pois esta: antes de tudo, amadurecer o entendimento e a acelerar o seu
crescimento exercendo-o nos juízos de experiência tornando-o atento ao que podem ensinar-
lhe as sensações dos seus sentidos compradas entre si. A partir destes juízos os conceitos
deve ele tentar não um salto audacioso para outros mais elevados e mais distante chegar lá
através da senda natural e trilhada dos conceitos inferiores que a pouco e pouco o conduzem
mais longe; mais tudo isso conforma com aquela capacidade de entendimento que o anterior
exercício deve ter necessariamente produzido nele, é não segundo aquela, o professor percebe
ou crê perceber em si mesmo e que falsamente supõe insistir também no seu ouvinte. Em
poucas palavras, ele não deve aprender pensamentos, mas aprender a pensar; não se deve
levá-lo, mas guia-lo, se pretende que no futuro ele seja capaz de caminhar por si mesmo.
É uma maneira de ensinar deste tipo que exigem a natureza peculiar da Filosofia
(Weltweisheit). Dado, porém, que esta é propriamente uma ocupação apenas para a idade
adulta, não é de admitir que surjam dificuldades quando se quer adapta-la as capacidades não
exercida e da juventude. O adolescente que saiu da instituição escolar estava habituado a
aprender. Agora, ele pensa que vai aprender a Filosofia, o que é, porém, impossível,
porque agora tem de aprender a filosofar. Quero explicar-me com mais clareza. Todas as
ciências que em sentido próprio se podem aprender, reduzem se a duas espécies: as
Históricas e as Matemáticas. As primeiras pertence, para além da história propriamente dita,
a História natural, a Filosofia, o Direito Positivo, etc. Ora, dado que a experiência pessoal ou
o testemunho de outrem é tudo que é história, e intuitividade “Augenscheinlichkt” dos
conceitos e infalibilidade da demonstração de tudo o que é matemático, constituem algo que é
dado de facto e que, consequentemente, se possui de antemão e basta, por assim dizer, toma-
lo, é possível nos dois casos aprender, isto é, imprimir, ora, na memória, ora no
entendimento, o que nos pode ser apresentado como uma disciplina acabada. Assim, para
aprender também a Filosofia, antes de mais nada teria de existir realmente uma. Dever-se-ia
poder apresentar um livro e dizer: “vede, aqui esta a sabedoria e o critério (Einscht) seguro;
aprendei a entende-lo e a aprende-los, constrói seguidamente sobre ele e assim sereis
filósofos”. Até que alguém me mostre um tal livro de Filosofia do qual pudesse servir um
pouco mais ou menos como do Políbio para explicar o acontecimento de história, ou de
Euclides para explicar uma proposição da doutrina das grandezas seja me permitindo dizer
que se abusa da confiança da República, em vezes de se aumentar a capacidade do
entendimento da juventude que nos é confiada e de formar para uma Filosofia já
pretensamente acabada, que para seu bem, teria sido pensada por outros: do que resulta uma
ilusão de ciências, que só em certo lugar entre certas pessoas passa por moeda autêntica, mas
que fora disso é rejeitada. O método próprio do ensino na Filosofia é zetético, como alguns
antigos denominaram (de zetein), isto é, investigativo, é só, numa razão jamais exercida em
diferentes domínios se tornará dogmático, isto é, decidido. Assim, o autor filosófico que
serve de base para instrução deve ser considerado não, como modelo do juízo mas
simplesmente como uma oportunidade para cada qual pronunciar um juízo sobre ela, ou
mesmo contra ele; e o método de reflectir e concluir por si mesmo é aquilo cuja prática o
estudante é essencialmente procura, o que, aliás é a única coisa que lhe pode ser útil, e os
juízos firmes que eventualmente tenha adquirido devem ser considerados como corolários
contingentes , para Cunha rica profissão ele apenas tem de plantar em si as fecundas raízes.
Se com isto compararmos o procedimento comum que tanto dele se afasta compreender-se-ão
varias coisas que de outro modo pareciam estranhas. Como por exemplo, por que razão não
existe nenhuma espécie de saber profissional em que se encontram tantos mestres como em
Filosofia e, enquanto muitos que aprenderam História, Direito, Matemática, etc. confessam
para si mesmos que não aprenderam bastante para poderem ensina-las, por que razão, por
outro lado, é tão raro encontrar que não imagine, com toda a seriedade, que para além das
suas restantes ocupações, lhe seria perfeitamente possível expor eventualmente Lógica,
Moral, etc, se por acaso quisesse envolver-se com tais bagatelas. A razão disto está em que
naquelas ciências há uma medida comum, ao passo que nesta cada qual tem a sua própria. De
mesmo modo se vera claramente que é muito contra a natureza da Filosofia que ela seja uma
arte de ganhar o pão na medida em que contraria a sua condição essencial o conformar-se
com a ilusão da procura e com a lei da moda, e soa necessidade, cujo poder se exerce ainda
sobre a Filosofia, pode obrigá-la a sujeitar-se à forma comummente aprovada.
Texto 19
Ensinar a filosofia para Kant, pressupõe a existência de uma área em questão, mas se
não existe um problema eterno, então não se pode ensinar a filosofia, mas sim, a filosofar.
Não se pode ensinar a filosofia segundo Kant, porque estaríamos a ensinar doutrinas, ou seja,
assuntos acabados.
Para Kant o que se ensina é a filosofar. Todavia, nem tudo o que é da filosofia é
ensinável, podemos instituir um ensino de filosofia, poi existe um aspecto como os
‘conceitos’. Segundo Kant, pretende-se que a partir dos ‘conceitos’ o aluno produza
conhecimentos, isto como tentativa de suscitar no aluno o espirito de pensar.
Kant encontra na filosofia duas funções: Arquitectónica (Edificante) e Crítica.
Segundo Kant quando estivermos na função Arquitectónica podemos ensinar a filosofia. A
missão da função arquitectónica é a de construir ou edificar um sistema de ensino, o que quer
dizer podemos dar um espaço para o ensino de filosofia. Quando estivermos na função
Crítica diz Kant, não se pode ensinar a filosofia, mas sim, a filosofar (MARNOTO, 1989).
Kant ao dar a possibilidade de ensinar a filosofia é num ‘sistema escolar’, onde é um
espaço que cria condições para o aluno reflectir. Nesta vertente, nota-se a aquisição de
determinadas habilidades e capacidades.
Návia (2004) comenta sobre as dificuldades do ensino secundário da filosofia.
Ressaltando as precárias condições materiais do ensino médio público, onde encontra-se
turmas com excesso de alunos, falta de materiais didácticos, o baixo salário pago aos
docentes, professores não formados em filosofia ministrando aulas de filosofia, no que se
refere a questão ideológica e política as discussões sobre o assunto são muito superficiais ou
quase não existem.
A questão, se a filosofia é ensinável torna-se um paradoxo, uma vez que, a filosofia é
saber instituído e legitimado curricularmente. A dificuldade de ‘como ensinar’ tende-se na
própria natureza da filosofia, daí que o ensino de filosofia com questão de necessidade de
esclarecimento do próprio conceito de filosofia.
Para afirmar-se que é possível ensinar a filosofia, deve-se definir o que vai ser
ensinado. O ensinável em filosofia é os ‘conceitos em função das regras de como pensar’. Se
considerarmos a filosofia como ‘um conjunto de doutrinas’ podemos afirmar que a filosofia é
ensinável. Porém, se considerarmos a filosofia como ‘reflexão autónoma’, não se pode
ensinar.
O ensino de filosofia difere de outras ciências através da sua exigência de
demostração, racionalização e exposição, uma vez que, o ensino de filosofia deve estimular a
coragem de pensar. O ensino de filosofia deve orientar o aluno ‘como deve pensar
correctamente’ e não ‘o que deve pensar, ou seja, uma aula de filosofia deve colocar-se como
uma verdadeira aprendizagem do exercício do pensar.
Segundo Danilo Marcondes “o grande desafio para o ensino da filosofia consiste em
motivar aquele ainda não possui qualquer conhecimento do pensamento filosófico, ou sequer
sabe para que serve a filosofia, a desenvolver o interesse por este pensamento, a compreender
sua relevância e a vir a elaborar suas próprias questões” (MARCONDES, 2004: 64).
Uma aprendizagem de filosofia deve garantir ou produzir transferência de
competências, daí a necessidade do aluno à aprender a pensar. Com o ensino de filosofia
pretende-se que a partir das suas abordagens problemáticas a aprendizagem se processa de
modo simultâneo ‘informativo e formativo’, visando a familiarização do aluno com os temas,
a sua introdução no universo conceptual, domínio do vocabulário específico, enquadrando o
aluno no jogo da linguagem e desenvolvendo assim, a capacidade cognitiva.
Gallo e Kohan (2000) descrevem três formas dominantes para o ensino da filosofia:
um ensino baseado na história da filosofia (o ensino da filosofia é o ensino da história da
filosofia... ensinar filosofia significa ensinar o que a história da filosofia produziu até hoje.
Há duas formas: baseado nos filósofos (Heráclito, Platão, Descartes, Heidegger...) os
conceitos os conteúdos filosóficos (liberdade, verdade, justiça...); a outra um ensino baseado
em problemas filosóficos (em torno de problemas: relação corpo-mente, a existência de Deus
o conhecimento); e a última um ensino baseado em habilidades cognitivas e o atitudes
filosóficas (propiciar aos alunos um conjunto de habilidades de pensamento).
Gallo afirma que ensinar filosofia é um exercício de apelo a diversidade, ao
perspectivismo; é um exercício de acesso a questões fundamentais para a existência humana;
é um exercício de abertura ao risco, de busca de criatividade, de um pensamento sempre
fresco; é um exercício da pergunta e da desconfiança da resposta fácil. Quem não estiver
disposto a tais exercícios, dificilmente encontrará prazer e êxito nesta aventura que é ensinar
filosofia, aprender filosofia (GALLO, 2002: 199).
Ao longo dos tempos, o ensino de Filosofia passou por uma série de modificações,
desde a sua introdução. A problemática do ensino de filosofia torna-se tema de discussões,
pois como pensar em direccionar a aplicabilidade desta disciplina, cujas suas raízes mais
profundas, ela usa a reflexão e a análise crítica sobre os mais diversos problemas expostos
pela História da Filosofia.
O ensino de filosofia deve levar em consideração que ela é um produto do
pensamento, deve estar aberta ao diálogo e possibilitar uma postura crítica frente as
discussões surgidas no processo de conhecimento.
Cerletti (2004) distingue três questões problemáticas sobre o ‘ensinar filosofia’: a
delimitação de um campo teórico e contextual (a filosofia); o reconhecimento de uma
actividade ou uma prática singular (filosofar); e por último a possibilidade de levar o outrem
neste campo teórico e textual e de inicia-lo nesta prática (ensinar filosofia/a filosofar).
A filosofia como diálogo comunicativo torna-se difícil encontrar os caminhos da sua
comunicação, este é o problema central da Didáctica de Filosofia, isto é, ‘pensar como se
ensina a filosofia’. No entanto, nem todo o ensino de filosofia é filosófico, porque muitas
vezes este é deculpado, pois corre-se o risco de se transformar o ensino de filosofia num
conjunto de ideias que se transmite e que se recebe como herança, pelo uso excessivo da sua
didactização, ou seja, transformação do ensino de filosofia num conjunto de estratégias que
tornam em si mesmo num fim.
Segundo Spinoza citado por Isabel Mamoto, aprendemos a pensar pensando, como os
homens aprenderam o que era um martelo construindo -o e usando -o. A aula de
filosofia exige uma permanente actividade. Kant considera que a tarefa da filosofia é
numa primeira instancia critica, é o exame das condições e dos limites do conhecer, a
filosofia coloca se como a legisladora da razão humana, instaura um tribunal para a
razão, analisando lhe os princípios quer ao nível formal, quer ao nível dos conteúdos.
A questão do ensino de filosofia em Hegel não somente revela suas ideias sobre o
processo pelo qual uma dada área do conhecimento deve ser transmitida, mas também sua
concepção sobre educação na qual a figura do professor ocupa a posição central. Para Hegel o
aprendizado é sempre uma actividade mediada, pois não se dá de forma natural ou
espontânea. A mediação realiza-se no embate entre o que predomina e insiste em permanecer
está e o que dai brota, ou melhor, como sua negação sob o aspecto de superação, como um
vir-a-ser. Com isso se torna evidente que a tarefa do professor não se caracteriza pela
calmaria da adequação, mas sim pela agitação do que destabiliza para se estabelecer.
Hegel: importância dos conteúdos e do professor no ensino da Filosofia
A filosofia sempre corre riscos se ela se compromete com o seu tempo. Este
comprometimento não desconsidera as questões particulares ou localizadas, mas não reduz
sua análise ao dado imediato. Daí, as várias relações precisam ser tratadas para que a
fragmentação do real seja superada. Hegel sabe que o homem vive no imediato, mas não
pode fazê-lo sem mediação sob o risco de se tornar presa do momento que sempre se põe
como exclusivo. É interessante mencionar sobre este aspecto a sugestão de Hegel de que o
ensino de filosofia para os ginasianos, de acordo com sua experiência em Nürnberg,
considere inicialmente as questões mais imediatas ou próximas do cotidiano, por terem sua
existência confirmada e estabelecida na vida diária. Somente então se deve partir para "elevar
a consciência para o mais alto, para o pensamento" (Hegel, 1989 b, p.367).
Contudo, Hegel aponta que o ensino de filosofia não se deve render ao interesse único
pelo imediato, pois mesmo este já está envolto por questões que exigem um certo
distanciamento para serem respondidas. Por isso, a filosofia, para Hegel, ganha voz e vez
quando se trata de reunir o que se separou. Hegel ilustra muito bem em sua "Fenomenologia
do Espírito", que apesar de o sensível ser o ponto de partida, ele não é adequadamente
compreendido em si mesmo. É no momento seguinte, no caso o momento da percepção, que
o sensível se revela inclusive para si mesmo, e pode então ser mais e melhor compreendido
(Pedro Geraldo, 2005).
Assim, o ensino de Filosofia no Secundário deve ser disposto em três etapas: inferior
(Unterklasse), média (Mittelklasse) e superior (Oberklasse). Na primeira, os alunos adquirem
conhecimentos de religião, do direito e dos deveres; na média ensina-se a Cosmologia
(Teologia Natural) e Psicologia; na etapa final, os alunos aprendem a enciclopédia filosófica
(toda a dimensão da Filosofia). Essa disposição dos conteúdos ajuda, segundo Hegel, a
preparar o estudante no exercício da abstracção, aspecto primordial para o pensamento
filosófico (Hegel apud Gilamo 2009).
A Lógica não poderia ser uma disciplina inicial, porque não desperta tanto interesse
nos alunos quanto aquelas que têm determinações práticas, como é o caso da liberdade. A
preocupação de Hegel não está apenas na apresentação dos conteúdos de ensino, mas também
na sua acessibilidade. Por isso, procura encadear os assuntos de forma a aproximar os alunos
do gosto pelo estudo, sem perder o rigor filosófico (ibidem, p.67-68).
Com o seu Idealismo, em 1992, Hegel apresenta os seguintes temas que poderiam ser
trabalhados a partir de sua Fenomenologia do Espírito: a consciência, a auto-consciência e a
razão. Nesta última, apresenta a gradação de sentimento, intuição, representação e
imaginação. Isso permitiria o entendimento do modo como o espírito se manifesta. Hegel tem
o objectivo de explicitar a relação do espírito consigo mesmo como objecto de si mesmo e de
suas determinações, o espírito em si, e a relação do espírito com o para si, como caminho
percorrido pela consciência de si até a sua efectivação (ibidem, p.70).
Sobre a importância dos conteúdos no ensino, Hegel entende que um filosofar que se
detivesse apenas no ensino do uso da razão e que não estivesse marcado pelos conteúdos
filosóficos não seria em nada útil para o processo formativo dos alunos. O ensino da Filosofia
que separa conteúdo da forma de filosofar leva o aluno ao erro, por diferenciar algo que não
deve ser diferenciado. Não se pode filosofar sem conteúdos, porque “filosofar é filosofar com
conteúdos (Gilamo 2009).
Hegel e o filósofo-professor
O professor de Filosofia é, para Hegel, o guardião da sabedoria. O tesouro da cultura,
dos conhecimentos e das verdades da História está com o professor que deve conservá-lo e
transmiti-lo à posteridade. O professor é guarda e sacerdote dessa luz sagrada, para que ela
não se apague e a humanidade não recaia na noite da antiga barbárie. Cabe ao professor
anunciar e transmitir esses saberes produzidos pela humanidade e pela Filosofia nas épocas
passadas. Nesse sentido, o filósofo-professor é essencial, ao ajudar o aluno a superar a
dicotomia entre o conteúdo e o método, entre a teoria e a prática (Gilamo 2009, p76-77).
Hegel entende que a filosofia deve ser ensinada e aprendida na mesma medida em que
qualquer outra ciência, sem restrições nem condicionalismos. Ensinar e aprender sempre são
actividade mediadas pelo professor. O homem não tem predisposições naturais suficientes
para o autodidactismo: “aprender é aprender sempre com alguém, por intermédio de alguém,
isto é, por um processo necessariamente mediado”. Portanto, o professor está além de alguém
que apenas explica ou encurta para seus alunos, ele precisa ser um paradigma do filosofar por
já ter uma vivência nessa actividade ( formação e experiencia) (ibidem,p.79).
Hegel já havia desenvolvido e até publicado parte de suas ideias filosóficas durante
sua actividade docente na universidade, iniciada em Jena; mas em Nürnberg, ao assumir a
direcção do ginásio local, ele empreende um esforço significativo de traduzir a filosofia,
assim como suas ideias, para os jovens.
§18
Assim postas estas regras, dispor-me-ei antes de mais ao que deve ser feito em primeiro
lugar, isto é, a emendar o entendimento e a torna-lo capaz de compreender as coisas por tal
modo necessário para atingirmos o nosso fim. Para que isto se faça, a ordem, que por
natureza temos, exige que se estabeleçam todos os modos de percepção de que usei até agora
para afirmar ou negar qualquer coisa sem nenhuma dúvida a fim de que, por esse meio,
escolha o melhor de todos e, ao mesmo tempo, comece a conhecer as minhas forças e a
natureza que desejo aperfeiçoar.
§19
Se considerar com cuidado podem ser reduzidos todos a quatro mais importantes.
I Existe uma percepção que temos por ouvir-dizer ou por um sinal arbitrariamente designado;
II Existe uma percepção que temos por experiência vaga, isto é, por uma experiência que não
é determinada pelo entendimento, mas se da tal só porque ocorre assim por acaso e não temos
nenhuma outra experiência que a combata; e por isso permanece em nós como sólidos. III
Existe uma percepção em que a essência de uma se conclui de outra coisa, mas não de uma
maneira adequada, o que acontece[…]quer quando de um efeito qualquer inferimos a causa
quer quando se conclui a partir de um universal que é sempre acompanhado por uma certa
propriedade. IV Finalmente, existe uma percepção em que a coisa é percebida unicamente
pela sua essência ou pelo conhecimento da sua causa próxima.
§20
Tudo isto ilustrarei com exemplos. Por ouvir-dizer sei somente o dia do meu
aniversário e que tive tais progenitores e outras coisas semelhantes das quais nunca duvidei.
Por experiência vaga sei que morrerei; afirmo isto porque vi morrerem outros semelhantes a
mim ainda que nem todos tenham vivido o mesmo espaço de tempo nem modo da mesma
doença. Depois sei ainda por experiência que o azeite é um alimento para nutrir a chama ao
passo que a água é boa para extinguir. Sei também que cão é um animal que ladra e o homem
um animal racional. E assim conheci quase tudo que se liga ao uso da vida.
§21
Ora, nós inferimos uma coisa da outra da seguinte maneira: depois de percebermos
claramente que sentimos tal corpo e nenhum outro, então inferimos claramente, digo eu,
que a alma está unida [...] ao corpo, união que é a causa de tal sensação. Mas [...] qual seja
essa sensação e essa união, não podemos ainda compreende-las de modo absoluto. Ou se
quiserem, depois que conheci a natureza da visão e, simultaneamente, que esta tem uma
propriedade tal que vemos uma e a mesma coisa, a uma distância grande, mais pequena do
que se a olharmos de perto, concluímos assim que o sol é maior do que para« e outras
coisas semelhantes.
§22
§23
Mas que tudo isto seja compreendido melhor, usarei somente de um único
exemplo, este a saber, dados três números, pergunta-se qual e o quarto que esteja para o
terceiro como o segundo para o primeiro. Os mercadores dirão aqui confusamente que
sabe o que é preciso fazer para se encontrar o quarto (número) certamente porque não
esqueceram ainda aquela operação que, era e simples, sem demonstração, ouviram dos
seus mestres. Pelo contrário, outros, por experiência de casos simples, instituem um
axioma universal, isto é, onde o quarto número é evidente por si próprio, como no caso de
2, 4, 3, 6. Encontram por experiência que, multiplicando o segundo pelo terceiro e
dividindo depois o produto polo primeiro, se obtêm o quociente 6 B -orno vêem que se
obtém o mesmo número que, sem esta operação, sabiam já ser proporcional, concluem dai
que esta operação é sempre boa para descobrir o quarto número proporcional.
§24
§25
§26
Consideradas assim estas coisas, vejamos qual é o modo de percepção que devemos
adoptar. Quanto ao primeiro, é evidente por si que por ouvir-dizer, além de ser coisa
bastante incerta, nada percebemos da essência da coisa, como se vê pelo nosso exemplo e
como a existência singular de uma coisa só é conhecida pelo conhecimento da essência,
como se verá depois, concluímos claramente que toda a certeza que temos por ouvir-dizer,
deve ser excluída das ciências. Porque, por simples ouvir-dizer onde o próprio intelecto não
procede, nunca alguém poderá ser afectado.
§27
Quanto ao segundo [ ...]. Também ninguém deve afirmar que tem a ideia da
proporção que procura. Além de que é coisa de algum modo incerta e sem fim, também
por esse modo nada se perceberá das coisas da natureza se não os acidentes, que não sejam
compreendidos claramente a não ser que sejam conhecidas previamente as essências. De
onde se segue que também este modo deve ser excluído.
§28
Comentário 1
Spinoza deduz seu pensamento filosófico sobre ensinabilidade da filosofia a quatro (4)
aspectos importantes: no primeiro aspecto, ele afirma que existe uma percepção que temos
por ouvir-dizer ou por um sinal arbitrariamente designado. Isto nos leva a compreender que
Spinoza rejeita a possibilidade de ensino público, pois para ele a filosofia é uma actividade
de investigação individual. No segundo aspecto, afirma que existe uma percepção que temos
por experiência vaga, isto é, por uma experiência que não é determinada pelo entendimento,
isto é, o ser humano já nasce com umas verdades que não são humanas mas sim são
verdades divinas. Há certas coisas que não dependem de uma experiência adquirida mas o
entendimento vem ao acaso. No terceiro aspecto afirma que existe uma percepção em que a
essência de uma se conclui de outra coisa, isto é, as vezes quando nós lemos textos, quando
estudamos certa matéria sozinhos concluímos coisas a partir de certos conhecimentos
anteriores que eventualmente tínhamos. Finalmente, existe uma percepção em que a coisa é
percebida unicamente pela sua essência ou pelo conhecimento da sua causa próxima, isto é,
há certas coisas em que não precisamos fazer um grande esforço para conhecer essa coisas
mas a sua essência em si já nos traz uma luz.
A ideia chave do pensamento de Spinoza está patente no texto 20, quando por meio
de uma experiência dele tenta proferir as seguintes palavras: “Por ouvir-dizer sei somente o
dia do meu aniversário e que tive tais progenitores e outras coisas semelhantes das quais
nunca duvidei”. Esse trecho entre aspas dá nos entender que Spinoza a única coisa que aceita
ser dito ou ensinado é sobre data do seu nascimento, sobre o conhecimento dos seus pais, e
que a única experiência vaga que ele tem e aceita é de que vai morrer pois já viu outros
semelhantes a morrerem. “É evidente por si que por ouvir-dizer, além de ser coisa bastante
incerta, nada percebemos da essência da coisa, como se vê pelo nosso exemplo e como a
existência singular de uma coisa só é conhecida pelo conhecimento da essência, como se
verá depois, concluímos claramente que toda a certeza que temos por ouvir-dizer, deve ser
excluída das ciências. Porque, por simples ouvir-dizer onde o próprio intelecto não procede,
nunca alguém poderá ser afectado”. De acordo com o excerto entre aspas podemos
compreender que Spinoza nega que nós temos que ouvir, isto é, nega que temos que ser
ensinados coisas ou conhecimento/ filosofia pelos outros. Nega a ensinabilidade da
filosofia num espaço público, ele diz que essa actividade filosófica é individual porque se
nós nos mergulharmos ao público podemos perturbar os outros.
“Pelo contrário, do terceiro modo é de dizer que temos a ideia da coisa e também
que concluímos sem perigo de erro. Contudo, não é por si o meio de adquirirmos a
nossa perfeição”. De acordo com o excerto entre aspas podemos compreender que
Spinoza afirma que a verdade está no interior de cada um, porque nós sempre a ideia da
coisa conseguimos concluir sem nenhum receio. A ideia de não ouvirmos por dizer a
ideia do outro, isto é, não nos submetermos as ideologias infundadas nas academias
para consumirmos filosofia é devido também ao que já afirmou Kant de que a filosofia
não possui um conteúdo, isto é, não tem um conteúdo acabado em que o professor pode
mostrar aos seus alunos que está aqui um livro.
Espinosa encontrou uma incompatibilidade radical entre a investigação da Filosofia e a
actividade do seu ensino. Não só, segundo ele, a natureza das instituições públicas é outro
obstáculo: “todas as escolas criadas pelo Estado estão sujeitas à obediência coerciva, há
tendências para a imposição, o que é contrário à natureza libertária da Filosofia. A
investigação filosófica exige do filósofo um conjunto de virtudes (humildade, pobreza
voluntária, coragem, vida solitária, independência e liberdade”)
Espinosa não julga ser seu dever tentar explicar Filosofia a um indivíduo
provavelmente com problemas mentais ou sem vocação para tal, também porque, na opinião
dele, a verdade não é uma questão humana, mas divina: “cada um pode, na sua relação com
Deus, ter acesso à verdade”. Muitos filósofos concordam com Espinosa. Ensinar Filosofia é
desvirtuar a sua natureza reflexiva; é abandonar a perspectiva solitária da verdade e
adoptar procedimentos em tudo contrários às exigências meditativas; é atender à
natureza imposta pelo receptor; é reduzir-se às condições do receptor.
É daí que (MARNOTO,1990, p.13) conclui que as universidades cultivam pouco o
espírito e são coercitivos. Não somente isso, ele vê que a actividade de filosofar numa escola
é imposta a obedecer uma doutrina.
Segundo Espinosa, a prática filosófica exige a liberdade de filosofar, independência
face as doutrinas circunstanciais e determinações extrínsecas. Assim Espinosa neste
pensamento conclui afirmando que “a escola é considerada lugar impróprio para a filosofia”
(Espinosa, apud Marnoto: 1990: 20)