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Texto 18

Immanuel Kant, —«Informação acerca da orientação dos seus


cursos no semestre do Inverno de 1765-1766»

Toda a instrução da juventude tem em si o inconveniente de sermos obrigados a participar-


nos aos anos com o critério (Einsicht) e, sem esperarmos pela maturidade do entendimento,
temos de dar conhecimentos tais que, segundo a ordem natural, só poderiam ser
compreendidos por uma razão mais exercida e experiente. Daí nasce os eternos preconceitos
das escolas, os quais muitas vezes tenazes e mais absurdos do que os vulgares, e a
verbosidade presunção e mais incurável do que a ignorância. Mesmo assim não é de evitar
completamente este inconveniente, pois na época de uma constituição civil muito referida, os
critérios (Einsicht) mais rebuscados constituem meios para progredir e tornam se
necessidades que segundo a natureza, deveriam propriamente ser tidas apenas como
ornamento da vida, algo assim como as belezas supérfluas possível, porém, mesmo neste
aspecto, acomodar mais o ensino público a natureza, ainda que não se possa pô-lo
inteiramente de acordo com ela. Pois, dado que o progresso natural do conhecimento humano
e de tal natureza que, em primeiro lugar, forma-se o entendimento até chegar, mediante a
experiência, a juízos intuitivos e, mediante a razão em relação com os fundamentos e
consequência, e, finalmente, são conhecidos num todo ordenado mediante a ciência, assim a
instrução terá de seguir precisamente o mesmo caminho. Por seguinte, de um professor
espera-se que, nos seus ouvintes, firme principalmente, o homem que entende, o que
relaciona e, finalmente, o sábio. Um tal procedimento tem a seguinte vantagem: mesmo que
o estudante não chegue a atingir o último grau, como geralmente acontece, terá no entanto
tirado proveito instrução e ter-se-á tornado mais hábil e prudente se não para a escola, pelo
menos para a vida.

Se invertermos este método, então o aluno colhe uma espécie da razão antes ainda que se
tenham formado nele o entendimento, eleva uma ciência emprestada que, por assim dizer
nele foi a pena colada, mais não desenvolvida, pelo que a sua capacidade de espírito se torna
ainda mais estéril do que nunca e ao mesmo tempo muito mais corrompida pela ilusão de
sabedoria.

Esta é a causa por que não raro se encontra sábios (mais propriamente, gente que fez estudos)
que dão mostras de pouco entendimento e porque as academias em via para o mundo mais
cabeças destituídas de senso do que qualquer outro estudo da República.

A regra conduta é pois esta: antes de tudo, amadurecer o entendimento e a acelerar o seu
crescimento exercendo-o nos juízos de experiência tornando-o atento ao que podem ensinar-
lhe as sensações dos seus sentidos compradas entre si. A partir destes juízos os conceitos
deve ele tentar não um salto audacioso para outros mais elevados e mais distante chegar lá
através da senda natural e trilhada dos conceitos inferiores que a pouco e pouco o conduzem
mais longe; mais tudo isso conforma com aquela capacidade de entendimento que o anterior
exercício deve ter necessariamente produzido nele, é não segundo aquela, o professor percebe
ou crê perceber em si mesmo e que falsamente supõe insistir também no seu ouvinte. Em
poucas palavras, ele não deve aprender pensamentos, mas aprender a pensar; não se deve
levá-lo, mas guia-lo, se pretende que no futuro ele seja capaz de caminhar por si mesmo.
É uma maneira de ensinar deste tipo que exigem a natureza peculiar da Filosofia
(Weltweisheit). Dado, porém, que esta é propriamente uma ocupação apenas para a idade
adulta, não é de admitir que surjam dificuldades quando se quer adapta-la as capacidades não
exercida e da juventude. O adolescente que saiu da instituição escolar estava habituado a
aprender. Agora, ele pensa que vai aprender a Filosofia, o que é, porém, impossível,
porque agora tem de aprender a filosofar. Quero explicar-me com mais clareza. Todas as
ciências que em sentido próprio se podem aprender, reduzem se a duas espécies: as
Históricas e as Matemáticas. As primeiras pertence, para além da história propriamente dita,
a História natural, a Filosofia, o Direito Positivo, etc. Ora, dado que a experiência pessoal ou
o testemunho de outrem é tudo que é história, e intuitividade “Augenscheinlichkt” dos
conceitos e infalibilidade da demonstração de tudo o que é matemático, constituem algo que é
dado de facto e que, consequentemente, se possui de antemão e basta, por assim dizer, toma-
lo, é possível nos dois casos aprender, isto é, imprimir, ora, na memória, ora no
entendimento, o que nos pode ser apresentado como uma disciplina acabada. Assim, para
aprender também a Filosofia, antes de mais nada teria de existir realmente uma. Dever-se-ia
poder apresentar um livro e dizer: “vede, aqui esta a sabedoria e o critério (Einscht) seguro;
aprendei a entende-lo e a aprende-los, constrói seguidamente sobre ele e assim sereis
filósofos”. Até que alguém me mostre um tal livro de Filosofia do qual pudesse servir um
pouco mais ou menos como do Políbio para explicar o acontecimento de história, ou de
Euclides para explicar uma proposição da doutrina das grandezas seja me permitindo dizer
que se abusa da confiança da República, em vezes de se aumentar a capacidade do
entendimento da juventude que nos é confiada e de formar para uma Filosofia já
pretensamente acabada, que para seu bem, teria sido pensada por outros: do que resulta uma
ilusão de ciências, que só em certo lugar entre certas pessoas passa por moeda autêntica, mas
que fora disso é rejeitada. O método próprio do ensino na Filosofia é zetético, como alguns
antigos denominaram (de zetein), isto é, investigativo, é só, numa razão jamais exercida em
diferentes domínios se tornará dogmático, isto é, decidido. Assim, o autor filosófico que
serve de base para instrução deve ser considerado não, como modelo do juízo mas
simplesmente como uma oportunidade para cada qual pronunciar um juízo sobre ela, ou
mesmo contra ele; e o método de reflectir e concluir por si mesmo é aquilo cuja prática o
estudante é essencialmente procura, o que, aliás é a única coisa que lhe pode ser útil, e os
juízos firmes que eventualmente tenha adquirido devem ser considerados como corolários
contingentes , para Cunha rica profissão ele apenas tem de plantar em si as fecundas raízes.

Se com isto compararmos o procedimento comum que tanto dele se afasta compreender-se-ão
varias coisas que de outro modo pareciam estranhas. Como por exemplo, por que razão não
existe nenhuma espécie de saber profissional em que se encontram tantos mestres como em
Filosofia e, enquanto muitos que aprenderam História, Direito, Matemática, etc. confessam
para si mesmos que não aprenderam bastante para poderem ensina-las, por que razão, por
outro lado, é tão raro encontrar que não imagine, com toda a seriedade, que para além das
suas restantes ocupações, lhe seria perfeitamente possível expor eventualmente Lógica,
Moral, etc, se por acaso quisesse envolver-se com tais bagatelas. A razão disto está em que
naquelas ciências há uma medida comum, ao passo que nesta cada qual tem a sua própria. De
mesmo modo se vera claramente que é muito contra a natureza da Filosofia que ela seja uma
arte de ganhar o pão na medida em que contraria a sua condição essencial o conformar-se
com a ilusão da procura e com a lei da moda, e soa necessidade, cujo poder se exerce ainda
sobre a Filosofia, pode obrigá-la a sujeitar-se à forma comummente aprovada.
Texto 19

Immanuel Kant —“Crítica da Razão Pura”

Ora, todo o conhecimento racional é um conhecimento por conceitos ou por construção de


conceitos; o primeiro chama-se filosófico e o segundo, matemático. Da diferença intrínseca
entre ambos já trarei no primeiro capítulo. Um conhecimento pode assim ser objectivamente
filosófico e, contudo, subjectivamente histórico, como é o que acontece com a maior parte
dos discípulos e com todos aqueles que não vêem nunca mais longe do que a escola e ficam
toda a vida discípulos. Mas é estranho que o conhecimento matemático, seja qual for a
maneira como tenha sido aprendido, possa valer também, subjectivamente, como
conhecimento racional, e nele não se possa fazer a mesma distinção como no conhecimento
filosófico. A causa reside em que as fontes de conhecimento, que só o mestre pode alcançar,
apenas se encontram nos princípios essenciais e verdadeiros da razão, e, portanto, não podem
ser extraídas de outra fonte pelos discípulos, nem podem ser de qualquer modo contestados e
isto porque o uso da razão não se faz aqui a não ser in concreto, embora a priori, a saber,
numa intuição pura e por isso mesmo infalível, excluído toda a ilusão e todo o erro. Entre
todas as ciências racionais (a priori) só é possível, por conseguinte, aprender a matemática,
mas nunca a filosofia (a não ser historicamente): quando ao que respeita apenas se pode, no
máximo, aprender a filosofar.
O sistema de todo conhecimento filosófico é então a filosofia. Deve-se tomá-la
objectivamente, se entendermos por isso o arquétipo de apreciação de todas as tentativas de
filosofar, apreciação essa que deve servir para julgar toda a filosofia subjectiva, cujo edifício
muitas vezes é tão diverso e tão mutável. Desta maneira, a filosofia é uma simples ideia de
uma ciência possível, que em parte alguma é dada in concreto, mas de que procuramos
aproximar-nos por diferentes caminhos, até que se tenha descoberto o único atalho que
conduz, obstruído pela sensibilidade, e se consiga, tanto quanto ao homem é permitido, tirar a
cópia, até agora falhada, semelhante ao modelo. Até então não se pode aprender nenhuma
filosofia; pois onde está ela? Quem a possui? Porque caracteres se podem conhecer? Pode-se
apenas aprender a filosofar, isto é, a exercer o talento da razão na aplicação dos seus
princípios gerais em certas tentativas que se apresentam, mas sempre com a reserva do direito
que a razão tem de procurar esses próprios princípios nas suas fontes e confirmá-los ou
rejeitá-los.
Mas, até aqui o conceito de filosofia é apenas um conceito escolástico, ou seja, o conceito de
um sistema de conheci mento, que apenas é procurado como ciência, sem ter por fim outra
coisa que não seja a unidade sistemática desse saber, por consequência, a perfeição lógica do
conhecimento. Há, porém, ainda um conceito cósmico (conceptus cosmicus) que sempre
serviu de fundamento a esta designação, especialmente quando, por assim dizer, era
personificado e representado no ideal do filósofo, como um arquétipo. Deste ponto de vista a
filosofia é a ciência da relação de todo o conhecimento aos fins essenciais da razão humana
(teleologia rationis humanae) e o filósofo não é um artista da razão, mas o legislador da
razão humana. Neste sentido, seria demasiado orgulhoso chamar-se o si próprio um filósofo e
pretender ter igualado o arquétipo, que não existe a não ser em ideia.
Reflexão sobre os textos
Numa primeira fase o texto nos conduz a questão da ensinabilidade da filosofia que é
um algo que envolve, que é urgente resolver e que é preciso ter coragem para resolver com
honestidade. A outra questão é querer saber em que contexto se insere nas duas linhas de
reflexão, uma reflexão sobre a pedagogia geral e a outra sobre a didáctica de Filosofia? Como
se ensina a pensar? Porque o termo Filosofia para Kant não é unívoco? A Filosofia deve ser
vista como actividade perene do espírito, como paixão pela verdade essencial e, nesse
sentido, realiza em seu mais alto grau e consequência a qualidade inerente à toda ciência: a
insatisfação dos resultados e a procura cuidadosa de mais claros fundamentos sem outra
finalidade além da puramente especulativa. Isto não significa porém, que o filósofo não possa
ou não deva empenhar-se por suas ideias: o que é incompatível com a pesquisa filosófica é
conversão da acção prática e, sobretudo, do empenho político social.
Em que razão é meta do filosofar porquê a para Kant, a pedagogia sempre mostrou
como algo que vai além de um viés prático e metodológico, revelando-se então como algo
que vai além de viés prático e metodológico, revelando-se então como algo a ser pensado
sobre o prisma da filosofia. A pedagogia torna-se objecto filosófico principalmente quando se
percebe que o sujeito não nasce moral, mas sim se torna moral pela educação. Assim sendo,
segundo Kant a educação teria como principal objectivo despertar o carácter crítico e
autónomo do aluno, o importante é que o aluno pense “não é suficiente treinar as crianças;
urge que aprendam a pensar”.
Filosofia se distingue da matemática, História, Direito, depois da análise do texto qual
foi a conclusão de Kant em torno da problemática da ensinabilidade da filosofia? Nesse
programa seriam leccionadas programas de Metafísica, Lógica, Estética e Geografia. É um
texto de reflexão, de apresentação e de resposta. Wolf sobre a Filosofia e o seu ensino, ele faz
aproximar a filosofia da matemática. É contra esta perspectiva que Kant reage. O texto tem
duas entradas complementares, podendo de interpretar: como reflexão sobre a pedagogia
geral e como sobre a didáctica de filosofia.

Com a Crítica de Razão Pura, Kant se pergunta se se ensina a Filosofia ou


simplesmente ensina-se a filosofar. Na Crítica da Razão Pura, ele procura distinguir os dois
termos, ele considera o filosofar como um processo e a Filosofia como produto, isto é, como
resultado do processo do filosofar. Para ele, a Filosofia não pode ser ensinada, porque ela é
sempre inacabada ela, portanto, não pode ser aprendida nem apreendida. Podemos aprender a
história daquilo que já foi pensada, mas isso não é aprender Filosofia. Na visão kantiana, só é
possível aprender a filosofar, por assim dizer, exercitar o talento da razão e pensar
autonomamente.
Ainda no mesmo texto, Kant tenta fazer a diferença de conhecimento por conceitos e
conhecimento por construção de conceito, ou melhor, faz a diferença entre o conhecimento
filosófico e o matemático, visto que o conhecimento filosófico é tão objectivo e subjectivo no
que tange ao seu contexto/processo histórico como é o caso de Sócrates, Platão e Aristóteles,
Sócrates é mestre de Platão e Platão mestre de Aristóteles.
Ainda Kant, sustenta que o conhecimento matemático seja de que maneira possa se
aprender, de maneira nenhuma possa vir a ser subjectivo como o conhecimento dito racional
(filosófico) que não se pode fazer a mesma distinção como no conhecimento filosófico, visto
que, o conhecimento filosófico exige muita reflexão e muita hermenêutica para puder
entendê-lo ao passo que o conhecimento matemático é totalmente padronizado.

Filosofia versus Filosofar: Kant e o Ensino de Filosofia

Ensinar a filosofia para Kant, pressupõe a existência de uma área em questão, mas se
não existe um problema eterno, então não se pode ensinar a filosofia, mas sim, a filosofar.
Não se pode ensinar a filosofia segundo Kant, porque estaríamos a ensinar doutrinas, ou seja,
assuntos acabados.
Para Kant o que se ensina é a filosofar. Todavia, nem tudo o que é da filosofia é
ensinável, podemos instituir um ensino de filosofia, poi existe um aspecto como os
‘conceitos’. Segundo Kant, pretende-se que a partir dos ‘conceitos’ o aluno produza
conhecimentos, isto como tentativa de suscitar no aluno o espirito de pensar.
Kant encontra na filosofia duas funções: Arquitectónica (Edificante) e Crítica.
Segundo Kant quando estivermos na função Arquitectónica podemos ensinar a filosofia. A
missão da função arquitectónica é a de construir ou edificar um sistema de ensino, o que quer
dizer podemos dar um espaço para o ensino de filosofia. Quando estivermos na função
Crítica diz Kant, não se pode ensinar a filosofia, mas sim, a filosofar (MARNOTO, 1989).
Kant ao dar a possibilidade de ensinar a filosofia é num ‘sistema escolar’, onde é um
espaço que cria condições para o aluno reflectir. Nesta vertente, nota-se a aquisição de
determinadas habilidades e capacidades.
Návia (2004) comenta sobre as dificuldades do ensino secundário da filosofia.
Ressaltando as precárias condições materiais do ensino médio público, onde encontra-se
turmas com excesso de alunos, falta de materiais didácticos, o baixo salário pago aos
docentes, professores não formados em filosofia ministrando aulas de filosofia, no que se
refere a questão ideológica e política as discussões sobre o assunto são muito superficiais ou
quase não existem.
A questão, se a filosofia é ensinável torna-se um paradoxo, uma vez que, a filosofia é
saber instituído e legitimado curricularmente. A dificuldade de ‘como ensinar’ tende-se na
própria natureza da filosofia, daí que o ensino de filosofia com questão de necessidade de
esclarecimento do próprio conceito de filosofia.
Para afirmar-se que é possível ensinar a filosofia, deve-se definir o que vai ser
ensinado. O ensinável em filosofia é os ‘conceitos em função das regras de como pensar’. Se
considerarmos a filosofia como ‘um conjunto de doutrinas’ podemos afirmar que a filosofia é
ensinável. Porém, se considerarmos a filosofia como ‘reflexão autónoma’, não se pode
ensinar.
O ensino de filosofia difere de outras ciências através da sua exigência de
demostração, racionalização e exposição, uma vez que, o ensino de filosofia deve estimular a
coragem de pensar. O ensino de filosofia deve orientar o aluno ‘como deve pensar
correctamente’ e não ‘o que deve pensar, ou seja, uma aula de filosofia deve colocar-se como
uma verdadeira aprendizagem do exercício do pensar.
Segundo Danilo Marcondes “o grande desafio para o ensino da filosofia consiste em
motivar aquele ainda não possui qualquer conhecimento do pensamento filosófico, ou sequer
sabe para que serve a filosofia, a desenvolver o interesse por este pensamento, a compreender
sua relevância e a vir a elaborar suas próprias questões” (MARCONDES, 2004: 64).
Uma aprendizagem de filosofia deve garantir ou produzir transferência de
competências, daí a necessidade do aluno à aprender a pensar. Com o ensino de filosofia
pretende-se que a partir das suas abordagens problemáticas a aprendizagem se processa de
modo simultâneo ‘informativo e formativo’, visando a familiarização do aluno com os temas,
a sua introdução no universo conceptual, domínio do vocabulário específico, enquadrando o
aluno no jogo da linguagem e desenvolvendo assim, a capacidade cognitiva.
Gallo e Kohan (2000) descrevem três formas dominantes para o ensino da filosofia:
um ensino baseado na história da filosofia (o ensino da filosofia é o ensino da história da
filosofia... ensinar filosofia significa ensinar o que a história da filosofia produziu até hoje.
Há duas formas: baseado nos filósofos (Heráclito, Platão, Descartes, Heidegger...) os
conceitos os conteúdos filosóficos (liberdade, verdade, justiça...); a outra um ensino baseado
em problemas filosóficos (em torno de problemas: relação corpo-mente, a existência de Deus
o conhecimento); e a última um ensino baseado em habilidades cognitivas e o atitudes
filosóficas (propiciar aos alunos um conjunto de habilidades de pensamento).
Gallo afirma que ensinar filosofia é um exercício de apelo a diversidade, ao
perspectivismo; é um exercício de acesso a questões fundamentais para a existência humana;
é um exercício de abertura ao risco, de busca de criatividade, de um pensamento sempre
fresco; é um exercício da pergunta e da desconfiança da resposta fácil. Quem não estiver
disposto a tais exercícios, dificilmente encontrará prazer e êxito nesta aventura que é ensinar
filosofia, aprender filosofia (GALLO, 2002: 199).
Ao longo dos tempos, o ensino de Filosofia passou por uma série de modificações,
desde a sua introdução. A problemática do ensino de filosofia torna-se tema de discussões,
pois como pensar em direccionar a aplicabilidade desta disciplina, cujas suas raízes mais
profundas, ela usa a reflexão e a análise crítica sobre os mais diversos problemas expostos
pela História da Filosofia.
O ensino de filosofia deve levar em consideração que ela é um produto do
pensamento, deve estar aberta ao diálogo e possibilitar uma postura crítica frente as
discussões surgidas no processo de conhecimento.
Cerletti (2004) distingue três questões problemáticas sobre o ‘ensinar filosofia’: a
delimitação de um campo teórico e contextual (a filosofia); o reconhecimento de uma
actividade ou uma prática singular (filosofar); e por último a possibilidade de levar o outrem
neste campo teórico e textual e de inicia-lo nesta prática (ensinar filosofia/a filosofar).
A filosofia como diálogo comunicativo torna-se difícil encontrar os caminhos da sua
comunicação, este é o problema central da Didáctica de Filosofia, isto é, ‘pensar como se
ensina a filosofia’. No entanto, nem todo o ensino de filosofia é filosófico, porque muitas
vezes este é deculpado, pois corre-se o risco de se transformar o ensino de filosofia num
conjunto de ideias que se transmite e que se recebe como herança, pelo uso excessivo da sua
didactização, ou seja, transformação do ensino de filosofia num conjunto de estratégias que
tornam em si mesmo num fim.

Kant: Dilema de ensino de filosofia

Um dos problemas levantados em torno da insanabilidade ou não da Filosofia tem a


ver com a idade dos alunos: a partir de que idade se pode considerar alguém apto à
aprendizagem do filosofar? É a este propósito que se convoca Kant para perceber a resposta
que ele dá a essa questão. São objectivos desse subtema: discutir a questão da Didáctica de
Filosofia na perspectiva kantiana; analisar a relação que este autor estabelece entre a
aprendizagem do filosofar e a idade do aprendiz; comparar o pensamento didáctico de Kant
com a realidade do Ensino de Filosofia em Moçambique; encontrar, a partir de Kant,
conclusões sobre os mecanismos para uma prática filosófica sustentável.Há duas invenções
do homem que Kant considera mais difíceis: a arte de governar e a arte de educar. Ao apelar
ao Homem para que se sirva da própria razão, Kant quer promover a autonomia desse
Homem em relação ao mundo. A liberdade e a autonomia da razão subsistem enquanto não
existir, para Kant, uma distinção entre o que é filosófico da razão e o que é pedagógico da
humanidade.Kant gostava de privacidade, mas a morte do seu Pai (em 1746) obrigou-lhe a
dar aulas para sobreviver. Depois de um longo período como professor secundário de
Geografia, as duas teses (artigos) que publicou em 1755 deram-lhe o direito de leccionar na
Universidade, como professor particular (pago pelos seus próprios estudantes). A carreira
universitária começou em 1755, ensinando Matemática e Física na Universidade de
Königsberg. Em 1770, obteve a cátedra em Metafísica. A carreira universitária e os seus
escritos conferiram-lhe honra e fama. A sua vida celibatária, regrada por um aproveitamento
rigoroso do tempo permitiu-lhe consagrá-la inteiramente à investigação e ao ensino99.Kant
foi professor de Filosofia durante quatro décadas (1756-1797). Esta experiência deu-lhe a
oportunidade de reflectir sobre o ensino de Filosofia. Para ele, o homem é o único animal que
precisa de ser educado, numa restrita relação entre o ensino e a política. A função da
educação é de desenvolver os germes/potencialidades que a natureza colocou na mente da
espécie humana, facto possível somente com a maturidade. Kant não falou de ensino de
Filosofia, mas da aprendizagem do filosofar. Filosofia é essencialmente metafísica,
representação mental dos conceitos que estão na origem de qualquer demonstração. O que
está em causa é a possibilidade de um conhecimento objectivo. Na opinião deste autor, a
criancice e a imaturidade são grandes obstáculos à aprendizagem do filosofar. Se para Kant,
as crianças e as mulheres nunca deveriam ser considerados indivíduos aptos à discussão
filosófica, então não se trata de uma idade somática, mas mental; trata-se da maturidade da
razão e do entendimento.

Impossibilidade da demonstração, outro obstáculo


Kant, no seu intelectualismo, explica que o homem tem duas fontes de conhecimento:
a sensibilidade e a razão. Tudo que recebemos da sensibilidade precisa de passar pela análise
da razão para ser validado ou reprovado. Lembra ele que a demonstração é dos métodos de
ensino mais eficientes. Por exemplo, para que os alunos aprendam mais facilmente o que é
um trapézio, triângulo, planta, avião, fumo etc., o professor pode simplesmente representar
esses elementos no quadro ou levar os alunos até junto desses objectos, o que é possível. Kant
constata que, se essa demonstração é possível em outras disciplinas, em Filosofia/Metafísica
não funciona, porque os conceitos Deus, Essência, Substância, Ser, Ente, Possibilidade,
Qualidade, Intuição, Fenómeno, Númeno, Dialéctica, Beleza, Transcendência etc., não
podem ser analisados a partir da demonstração.O professor de Filosofia (filósofo) é um
“técnico” habilitado a lidar com conceitos que nunca pode demonstrar aos seus alunos. Em
Filosofia acontece uma representação mental, por meio de mecanismos que só a razão, a
maturidade e o entendimento podem oferecer. Portanto, Filosofia só pode ser aprendida por
indivíduos capazes de abstrair, indivíduos adultos e experientes.

Como se ensina a pensar?

Segundo Spinoza citado por Isabel Mamoto, aprendemos a pensar pensando, como os
homens aprenderam o que era um martelo construindo -o e usando -o. A aula de
filosofia exige uma permanente actividade. Kant considera que a tarefa da filosofia é
numa primeira instancia critica, é o exame das condições e dos limites do conhecer, a
filosofia coloca se como a legisladora da razão humana, instaura um tribunal para a
razão, analisando lhe os princípios quer ao nível formal, quer ao nível dos conteúdos.

Assim numa segunda instância podemos afirmar que a tarefa da filosofia é


arquitectónica visando construir um sistema com princípios puro do conhecimento, a este
nível podemos falar dela como de uma ciência e como tal ensinável. Kant distingue entre uma
filosofia num sentido escolar (schulbgriff) é uma filosofia no sentido geral (weltbegriff). A
filosofia escolar é um sistema de conceitos que se elaborou dedutivamente, corresponde a
uma dimensão teórica, onde partimos de conceito para chegar a outros conceitos. O seu
objectivo é meramente formal, pretendendo se encontrar uma consistência interna no sistema
dos conceitos, designa esta filosofia de doutrina da habilidade, este sentido a filosofia é
transmissível e ensinável e é algo que se domina e que pode se k saber. A weltbegriff é a
sabedoria dotada de uma conotação prática. Um conceito escolar da filosofia não diz respeito
aos fins últimos do homem, mas sim a aquisição de uma determinada capacidade, portanto é
meramente teórico, enquanto um conceito geral da filosofia, encara a filosofia como
sabedoria, coloca a no plano da utilidade e não da habilidade
A Questão da imaturidade do entendimento
Kant entende que toda a instrução da juventude tem em si o inconveniente de
antecipar com os critérios sem esperar pela maturidade do entendimento dos alunos. Damos
conhecimento tais que, segundo a ordem natural, só poderiam ser compreendidos por uma
razã mais experiente. Será que os alunos que hoje temos no médio têm maturidade suficiente
para compreender os conteúdos filosóficos aí transmitidos?
Aqui ele diz que a instrução dos jovem muitas das vezes não respeita a ordem
natural do entendimento que é primeiro o entendimento, a razão e finalmente se torna
sábio.
O facto de se olhar para Filosofia como antídoto da ignorância é o que faz com que
muitos países (ocidentais) estejam hoje a implementar essa disciplina a partir de classes cada
vez mais baixas de escolaridade. Aos olhos de Kant, a aprendizagem do filosofar deve
basear-se na maturidade da razão e do entendimento dos alunos visados, quanto mais adultos
forem, mais proveito haverá.
Que não se ensine Filosofia, mas a filosofar
Quando se trata de ensinar, uma das preocupações fundamentais é saber escolher o
método, em função dos alunos, dos conteúdos e das condições oferecidas. O professor Kant
também se deu conta de analisar este aspecto. Depois de descobrir que o método mais
adequado para o ensino na infância é a ilustração (desenhos no quadro), para a aprendizagem
do filosofar é a análise. É no método que Kant se assemelha a Descartes. No entanto,
enquanto Descartes pregava Filosofia para todos, Kant reserva esta actividade só para
indivíduos adultos, porque o exercício de análise exige alguma experiência do analista, o que
as crianças não têm.
As crianças aprendem por ilustração ou demonstração e a filosofia sendo apenas
conceitos ( algo abistrato), razão pela qual as crianças não podem aprender pois não é
capaz de analisar.
Ele se assemelha com o descarte nesse aspecto de método analítico a diferença
está enquanto que descarte pregava filosofia para todos, Kant reservava apenas para os
adultos.
O filósofo não pensa fabricando conceitos, mas pensa por meio de conceitos que
adquire mediante muita experiência ajudada pela maturidade do entendimento. Todo aquele
que pensa deve chegar por si à verdade: as opiniões alheias são apenas matérias-primas para
o exercício do próprio talento filosófico. A verdade filosófica não se encontra dada em
nenhuma parte, cada um a extrai da sua própria razão.É neste sentido que se deve entender a
afirmação kantiana “não se aprende a Filosofia, mas a filosofar”. Significa que em Filosofia
não se ensinam pensamentos, mas a pensar; não há lugar para imitação, mas para invenção
(pensar por si). Portanto, não se deve ensinar Filosofia, porque fazer isso é dar ênfase aos
conteúdos em detrimento da própria aprendizagem do filosofar. Com o ensino baseado em
conteúdos, aprende-se tão-somente os conteúdos, uma autêntica história da Filosofia, e não é
este o propósito da Filosofia, defende Kant.2.2.4. Maturidade do entendimento como
condição para filosofar.
Kant concebe que a razão humana tem uma natureza orgânica e biológica em
processo de crescimento e maturação. A arquitectura que a razão precisa, enquanto faculdade
de princípios, deve culminar com a maturidade do entendimento. Segundo Kant, na
sequênciadesse desenvolvimento orgânico da razão, a Filosofia é a última disciplina que a
razão humana pode aprender. Quer dizer, a Filosofia não pode ser ensinada a
crianças/adolescentes, mas a pessoas de mentes maduras. Platão, Aristóteles e Descartes já
tinham previsto que pensar metafisicamente não era uma brincadeira, mas é, no dizer de
Kant, uma revisão da razão diante de uma matéria sobre a qual tem experiência acumulada:
“poderá haver um matemático ou um lógico precoce, mas nunca um filósofo precoce”.
Homem é o ser que progressivamente adquire a sua humanidade, e fâ-lo através da
Educação, processo inevitavelmente necessário, posto que vai ao encontro da natureza
humana e não contra ela. Assim, Educação é a experiência da humanidade ao longo da
História, e a humanidade é definida a partir da sua possibilidade de se educar.Kant via a
Educação como algo natural, que não carece de exigências, porque só criam sequelas. Quer
dizer, a educação deve conduzir à libertação e autonomização do indivíduo, em três fases:
educação da sensibilidade; educação do intelecto e; educação moral. Para justificar essa
sequência, Kant alerta que, no processo de ensino, há que formar primeiramente um homem
que entende, depois um homem que raciocina e finalmente, um homem sábio108.
Compreende-se, para este filósofo, a educação não se resume às fronteiras da escola: “ao
educar não visamos apenas transmitir conhecimentos, mas tornar os alunos hábeis e
prudentes para a vida”. Trata-se de educar os alunos a saberem dar resposta a estas quatro
questões fundamentais: quem sou eu? Que posso saber? Que posso fazer? Que me é
permitido esperar?
Há diferença entre instrução e formação para a vida. Na primeira, o professor seria
responsável por formar o aluno no respeito pelas regras e leis sociais (inserção social). Na
segunda, formação para a vida, o professor ajuda o aluno a saber fazer o uso público da razão,
o que lhe permitiria pensar livremente, possibilitando o engrandecimento de si e da
humanidade. Educar para a vida é conduzir o indivíduo à liberdade e à autonomia. Assim,
não basta a instrução, pois aquilo que afasta o homem da menoridade – e, consequentemente
o torna esclarecido – é o bom uso da razão, como atitude. Segundo Kant, o professor deve
levar o aluno ao esclarecimento, tirando-o do estado de menoridade (incapacidade do
indivíduo fazer uso da própria razão)

Do perigo da aprendizagem precoce da Filosofia


A aprendizagem precoce da Filosofia torna absurda a actividade mental do jovem
pensador, diz Kant. O progresso natural do conhecimento humano é de tal forma que, em
primeiro lugar, forma-se o entendimento até chegar, mediante experiências, aos juízos e
conceitos. Finalmente, esses conceitos e juízos são conhecidos como um todo bem ordenado
(Ciência). Assim, a instrução terá que seguir precisamente o mesmo percurso: o professor de
Filosofia deve esperar que o seu aluno seja primeiro um homem que entende, depois um
homem que raciocina, e finalmente, um sábio. Se se inverter esta sequência do entendimento
antes da razão, será uma ciência emprestada, uma ciência colocada na mente do aluno sem
nenhum consentimento das suas faculdades e do entendimento, o que o torna estéril e com
ilusão do saber.Esta é a causa por que encontramos gente graduada, mas que demonstra
pouco entendimento sobre as matérias que estudou. Muitas universidades e academias
enviam para o mercado indivíduos destituídos de profundidade do saber e até sem
consciência do que fazem. Se perguntássemos a Kant qual é a idade ideal para começar a
filosofar, ele diria simplesmente que a tarefa de filosofar é para indivíduos de idade adulta, a
infância e a adolescência são fases destinadas à instrução, habilitação para futuras
aprendizagens.
Visto que a filosofia é para adulto devido a sua maturidade, se ela for dada a
crianças elas se tornam absurdas.

Perfil e papel do professor segundo Kant


Kant imputa à educação e aos educadores uma grande responsabilidade. Os bons
educadores seriam aqueles que são disciplinados e fazem bom uso da razão. Se o educador
não possuir essas características, não poderá ensinar. Assim, professor não poderia ser uma
pessoa qualquer, mas alguém que tivesse passado pela formação e que tivesse condições de
instruir seus educandos para além da sala de aulas. O professor deve desempenhar,
simultaneamente, dois papéis previstos por Kant no processo educacional: o de instruir e o de
formar para a vida.
Há diferença entre instrução e formação para a vida. Na primeira, o professor seria
responsável por formar o aluno no respeito pelas regras e leis sociais (inserção social). Na
segunda, formação para a vida, o professor ajuda o aluno a saber fazer o uso público da razão,
o que lhe permitiria pensar livremente, possibilitando o engrandecimento de si e da
humanidade. Educar para a vida é conduzir o indivíduo à liberdade e à autonomia. Assim,
não basta a instrução, pois aquilo que afasta o homem da menoridade – e, consequentemente
o torna esclarecido – é o bom uso da razão, como atitude. Segundo Kant, o professor deve
levar o aluno ao esclarecimento, tirando-o do estado de menoridade (incapacidade do
indivíduo fazer uso da própria razão).

O ensino da filosofia em Hegel

É possível ensinar filosofia? O filósofo alemão G. W. F. Hegel (1770-1831) não


somente responde afirmativamente à questão posta, como também indica o que deve ser
ensinado e como em filosofia. A resposta hegeliana tem como fonte sua actividade como
director do ginásio de Nürnberg, onde ele procura estabelecer directrizes e procedimentos
para que a filosofia seja ensinada aos jovens. Segundo Hegel, a filosofia sempre é pertinente
na medida em que se manifesta sobre o que é fundamental para o homem, isto é, sobre sua
vida com as questões que lhe dizem respeito. Para tanto, a filosofia deve assumir o homem
como seu objecto de consideração. Isto deve resultar na apreciação da realidade humana para
que a partir dela sejam levados e elevados à sua maior e melhor compreensão pela reflexão e
pela especulação (Pedro Geraldo, 2005).

A questão do ensino de filosofia em Hegel não somente revela suas ideias sobre o
processo pelo qual uma dada área do conhecimento deve ser transmitida, mas também sua
concepção sobre educação na qual a figura do professor ocupa a posição central. Para Hegel o
aprendizado é sempre uma actividade mediada, pois não se dá de forma natural ou
espontânea. A mediação realiza-se no embate entre o que predomina e insiste em permanecer
está e o que dai brota, ou melhor, como sua negação sob o aspecto de superação, como um
vir-a-ser. Com isso se torna evidente que a tarefa do professor não se caracteriza pela
calmaria da adequação, mas sim pela agitação do que destabiliza para se estabelecer.
Hegel: importância dos conteúdos e do professor no ensino da Filosofia

Hegel sempre esteve envolvido profissionalmente com o ensino (de Filosofia).


Inicialmente, Hegel foi professor particular nas cidades de Berna (1793 a 1796) e Frankfurt
(1797 a 1800), e depois, de 1801 a 1806, exerceu a função de professor de Filosofia na
Universidade de
Jena. Em 1813, tornou-se responsável por toda a actividade docente da cidade ao
assumir o cargo de Conselheiro Escolar. Nesse mesmo ano, deixou essas funções para se
dedicar ao ensino universitário, assumindo uma cátedra na Universidade de Heidelberg e,
posteriormente, em 1818, substituiu Fichte na Universidade de Berlim, onde permaneceu
como professor de Filosofia até a sua morte, em 1831.

O lugar que cabe à filosofia, segundo Hegel, é o do olhar da totalidade que se


interessa pela floresta e não somente pela árvore. Não se deve identificar, em Hegel, a
atenção dedicada à totalidade como um olhar generalista que não se especifica ou não se
determina. Como o próprio Hegel escreve em seus "Princípios da Filosofia do Direito":
Uma vontade que jamais se decide sobre coisa alguma não é
uma vontade efectiva, real; de igual modo o homem sem carácter
nunca chega a decisão alguma. A razão da indecisão pode residir no
fato de que a escolha significa uma limitação, um envolvimento com
o finito que nega o infinito. Muito embora tal disposição seja bela, ela
é, contudo, morta. (Hegel, 2000, p. 64)

A filosofia sempre corre riscos se ela se compromete com o seu tempo. Este
comprometimento não desconsidera as questões particulares ou localizadas, mas não reduz
sua análise ao dado imediato. Daí, as várias relações precisam ser tratadas para que a
fragmentação do real seja superada. Hegel sabe que o homem vive no imediato, mas não
pode fazê-lo sem mediação sob o risco de se tornar presa do momento que sempre se põe
como exclusivo. É interessante mencionar sobre este aspecto a sugestão de Hegel de que o
ensino de filosofia para os ginasianos, de acordo com sua experiência em Nürnberg,
considere inicialmente as questões mais imediatas ou próximas do cotidiano, por terem sua
existência confirmada e estabelecida na vida diária. Somente então se deve partir para "elevar
a consciência para o mais alto, para o pensamento" (Hegel, 1989 b, p.367).
Contudo, Hegel aponta que o ensino de filosofia não se deve render ao interesse único
pelo imediato, pois mesmo este já está envolto por questões que exigem um certo
distanciamento para serem respondidas. Por isso, a filosofia, para Hegel, ganha voz e vez
quando se trata de reunir o que se separou. Hegel ilustra muito bem em sua "Fenomenologia
do Espírito", que apesar de o sensível ser o ponto de partida, ele não é adequadamente
compreendido em si mesmo. É no momento seguinte, no caso o momento da percepção, que
o sensível se revela inclusive para si mesmo, e pode então ser mais e melhor compreendido
(Pedro Geraldo, 2005).

O pensamento de Hegel sobre o ensino da Filosofia divide-se em três momentos: no


primeiro, ele considera os conteúdos necessários para a formação do pensamento filosófico;
no segundo, fala dos métodos e sua relação com os conteúdos; finalmente, no terceiro, fala da
importância do professor no ensino. Para Hegel, o ensino da Filosofia não deve consistir na
simples reflexão sobre algo, mas numa autêntica oportunidade para os alunos se
desprenderem do mundo sensível e experimentar novas maneiras de pensar: a dialéctica e a
especulação (Gilamo, 2009, p.66).

Assim, o ensino de Filosofia no Secundário deve ser disposto em três etapas: inferior
(Unterklasse), média (Mittelklasse) e superior (Oberklasse). Na primeira, os alunos adquirem
conhecimentos de religião, do direito e dos deveres; na média ensina-se a Cosmologia
(Teologia Natural) e Psicologia; na etapa final, os alunos aprendem a enciclopédia filosófica
(toda a dimensão da Filosofia). Essa disposição dos conteúdos ajuda, segundo Hegel, a
preparar o estudante no exercício da abstracção, aspecto primordial para o pensamento
filosófico (Hegel apud Gilamo 2009).

A Lógica não poderia ser uma disciplina inicial, porque não desperta tanto interesse
nos alunos quanto aquelas que têm determinações práticas, como é o caso da liberdade. A
preocupação de Hegel não está apenas na apresentação dos conteúdos de ensino, mas também
na sua acessibilidade. Por isso, procura encadear os assuntos de forma a aproximar os alunos
do gosto pelo estudo, sem perder o rigor filosófico (ibidem, p.67-68).

Com o seu Idealismo, em 1992, Hegel apresenta os seguintes temas que poderiam ser
trabalhados a partir de sua Fenomenologia do Espírito: a consciência, a auto-consciência e a
razão. Nesta última, apresenta a gradação de sentimento, intuição, representação e
imaginação. Isso permitiria o entendimento do modo como o espírito se manifesta. Hegel tem
o objectivo de explicitar a relação do espírito consigo mesmo como objecto de si mesmo e de
suas determinações, o espírito em si, e a relação do espírito com o para si, como caminho
percorrido pela consciência de si até a sua efectivação (ibidem, p.70).

Na enciclopédia filosófica, os alunos aprendem conteúdos estritamente filosóficos,


conteúdos que representem a universalidade da Filosofia e que correspondam aos conceitos
fundamentais. Para que não se amplie em demasia a quantidade de assuntos, o ensino deve-se
restringir aos conteúdos das três ciências filosóficas fundamentais: a lógica, a filosofia da
natureza e a filosofia do espírito.

Sobre a importância dos conteúdos no ensino, Hegel entende que um filosofar que se
detivesse apenas no ensino do uso da razão e que não estivesse marcado pelos conteúdos
filosóficos não seria em nada útil para o processo formativo dos alunos. O ensino da Filosofia
que separa conteúdo da forma de filosofar leva o aluno ao erro, por diferenciar algo que não
deve ser diferenciado. Não se pode filosofar sem conteúdos, porque “filosofar é filosofar com
conteúdos (Gilamo 2009).

Os conteúdos do ensino da filosofia são revestidos de três modos de pensamento: o


abstracto, o dialéctico e o especulativo. Hegel considera que o primeiro passo para se
aprender a pensar filosoficamente é o pensamento abstracto: “primeiramente, é preciso que se
subtraia da juventude a visão e a audição, tirar-lhes do concreto através da lógica”. Etapa
seguinte é estudo do pensamento dialéctico, que é mais complexo e mais árido do que o
abstracto. Enquanto o ensino do pensamento abstracto visa a criação de uma rotina (uma vez
que a juventude tem mais interesse pelas coisas materiais e concretas), a aprendizagem da
dialéctica permite que os jovens compreendam a relação que cada conteúdo ou conceito tem
com os outros conteúdos e conceitos, numa coesão sistemática. Na terceira etapa está o
pensamento especulativo, o mais difícil de ser aprendido pelos alunos. Não se pode confundir
aqui o pensamento especulativo com a especulação. Diferentemente da especulação, que é
um questionar inconsequente sem objectividade, a finalidade do pensamento especulativo é
criar unidade (ibidem, pp. 74-75).

Filosofar é apropriar-se de um conteúdo que é acessível pelo desenvolvimento de


atitudes condizentes com o almejado. Contrariamente a Kant, segundo o qual não se aprende
filosofia, mas tão somente a filosofar, Hegel sustenta não haver diferença entre aprender
filosofia e aprender a filosofar, pois somente é possível aprender a filosofar aprendendo
filosofia. A apreensão da história da filosofia exige o exercício do filosofar visto que o que
constitui o objecto desse exercício é o pensar ordenado e claramente, o buscar construir o
conhecimento, o valorizar condutas, o normalizar politicamente tais condutas, ou seja, eleger
o bem, o justo e o belo.

Hegel e o filósofo-professor
O professor de Filosofia é, para Hegel, o guardião da sabedoria. O tesouro da cultura,
dos conhecimentos e das verdades da História está com o professor que deve conservá-lo e
transmiti-lo à posteridade. O professor é guarda e sacerdote dessa luz sagrada, para que ela
não se apague e a humanidade não recaia na noite da antiga barbárie. Cabe ao professor
anunciar e transmitir esses saberes produzidos pela humanidade e pela Filosofia nas épocas
passadas. Nesse sentido, o filósofo-professor é essencial, ao ajudar o aluno a superar a
dicotomia entre o conteúdo e o método, entre a teoria e a prática (Gilamo 2009, p76-77).

Hegel entende que a filosofia deve ser ensinada e aprendida na mesma medida em que
qualquer outra ciência, sem restrições nem condicionalismos. Ensinar e aprender sempre são
actividade mediadas pelo professor. O homem não tem predisposições naturais suficientes
para o autodidactismo: “aprender é aprender sempre com alguém, por intermédio de alguém,
isto é, por um processo necessariamente mediado”. Portanto, o professor está além de alguém
que apenas explica ou encurta para seus alunos, ele precisa ser um paradigma do filosofar por
já ter uma vivência nessa actividade ( formação e experiencia) (ibidem,p.79).

Diferentemente de Kant, Hegel não reconhece no homem uma predisposição natural


para a aprendizagem. Dessa forma, qualquer autodidatismo está fora de hipótese. Hegel
parece propor uma complementação ao entendimento de Kant acerca da função da Filosofia e
do modo como é ensinada. Sua proposta reside na tese de que não basta ensinar alguém a
pensar, é necessário ensinar também os métodos e os conteúdos da Filosofia. Ele defende a
necessidade de um trabalho pedagógico intenso e sistemático para que o aluno compreenda a
enciclopédia filosófica e se localize no devir da História, escapando dessa forma da alienação
do Estado e da Natureza (ibidem, p.80).
O ensino da filosofia nos ginásios

Hegel já havia desenvolvido e até publicado parte de suas ideias filosóficas durante
sua actividade docente na universidade, iniciada em Jena; mas em Nürnberg, ao assumir a
direcção do ginásio local, ele empreende um esforço significativo de traduzir a filosofia,
assim como suas ideias, para os jovens.

Hegel reconhece as especificidades do ginasiano e, por isto, tem por objectivo


preparar os indivíduos para a recepção de certos conteúdos e também para o interesse pelos
mesmos:
"é mais fácil fazer-se incompreensível de uma forma sublime que ser
compreensível de uma forma coerente, e que, a instrução da juventude e a
preparação da matéria para ela constitui a última pedra de toque da claridade"
(Hegel, 1978 p.176).
O objectivo do ensino da filosofia aos jovens seria despertar neles o pensamento
especulativo que gradualmente conduziria ao estudo sistemático da filosofia. O sentido
comum atribuído à especulação considera esta como um caminhar a esmo, sem direcção e
sem jamais atingir uma positividade. Em Hegel, a especulação é compreendida como a
síntese das determinações da reflexão e da intuição intelectual. O que Hegel pretende é a
superação da dicotomia teoria-prática, análise e empírica, e isto é o que opera a especulação
que reconhece tanto uma quanto a outra, e que ainda indica uma relação absoluta entre ambas
((Pedro Geraldo, 2005).

A separação entre razão e sentidos, sujeito e objecto é fictícia e pretensiosa porque


afirma o carácter absoluto de um e de outro. Isto é, para Hegel, uma inverdade, pois não há
sujeito sem objecto, ou seja, a diferença é identificadora pela aproximação e pela unidade e
não pela separação. Nesse sentido, a característica principal da Spekulation em Hegel é a da
união de pensamentos e coisas, opostos e entendidos como distintos. Tal união é levada por
Hegel às últimas consequências Isto significa que o que pode ser conhecido é conhecido
directamente e não por imagens. Portanto, Hegel não assume o termo Spekulation como
espelho, pois ele não aceita a ideia de que algo não possa ser acessível por meio da cognição
directa (Pedro Geraldo, 2005).
Em suma, a Spekulation em Hegel é a afirmação do sujeito com o objecto, no objecto
e pelo objecto. Não se trata somente de que o sujeito reconheça o objecto, mas que se
reconheça nele, sendo desta forma um com o objecto.

O ensino da filosofia nas universidades

Em carta ao real conselheiro do governo prussiano e professor Friedrich Raumer,


Hegel manifesta-se particularmente sobre o ensino da filosofia nas universidades que ele,
aliás, considerava o local ideal para o tratamento adequado da mesma. Segundo Hegel, a
filosofia deve partilhar com as demais ciências o fato de ser clara, profunda e minuciosa, mas
como sofreu as mesmas adequações das outras ciências também herdou a dificuldade do
estabelecimento de procedimentos científicos: "Vemos por um lado, cientificidade e ciências
sem interesse, por outro, interesse sem cientificidade" (Hegel, 1970, p.419).

Em 1816 já se percebe na Alemanha a preocupação com uma reforma significativa


em seu sistema de ensino universitário, e Hegel vê com suspeitas as possibilidades que se
vislumbram porque muitas disciplinas "antigas" (Lógica, Psicologia Empírica, Direito
Natural, etc.) estavam perdendo seu significado, sendo mantidas apenas pela sua forma sem
se atentar devidamente para o conteúdo específico de cada uma delas. Hegel atribui tal estado
à tendência facilitadora do ensino de sua época, que acabava por fazer concessões em termos
de conteúdo e exigências aos alunos. Isto se traduzia na concentração sobre o que era
considerado necessário, e este era compreendido como a apresentação do que pudesse ser o
mais sintético possível, evitando-se assim a concepção compendiosa das ciências e da
filosofia, tida como supérflua e até contrária e inferior à idéia.
O não ensino de filosofia em Spinoza
Texto 4
1. A reforma do entendimento
Spinoza <<tratado sobre a reforma do entendimento>>

§18

Assim postas estas regras, dispor-me-ei antes de mais ao que deve ser feito em primeiro
lugar, isto é, a emendar o entendimento e a torna-lo capaz de compreender as coisas por tal
modo necessário para atingirmos o nosso fim. Para que isto se faça, a ordem, que por
natureza temos, exige que se estabeleçam todos os modos de percepção de que usei até agora
para afirmar ou negar qualquer coisa sem nenhuma dúvida a fim de que, por esse meio,
escolha o melhor de todos e, ao mesmo tempo, comece a conhecer as minhas forças e a
natureza que desejo aperfeiçoar.

§19

Se considerar com cuidado podem ser reduzidos todos a quatro mais importantes.
I Existe uma percepção que temos por ouvir-dizer ou por um sinal arbitrariamente designado;
II Existe uma percepção que temos por experiência vaga, isto é, por uma experiência que não
é determinada pelo entendimento, mas se da tal só porque ocorre assim por acaso e não temos
nenhuma outra experiência que a combata; e por isso permanece em nós como sólidos. III
Existe uma percepção em que a essência de uma se conclui de outra coisa, mas não de uma
maneira adequada, o que acontece[…]quer quando de um efeito qualquer inferimos a causa
quer quando se conclui a partir de um universal que é sempre acompanhado por uma certa
propriedade. IV Finalmente, existe uma percepção em que a coisa é percebida unicamente
pela sua essência ou pelo conhecimento da sua causa próxima.
§20

Tudo isto ilustrarei com exemplos. Por ouvir-dizer sei somente o dia do meu
aniversário e que tive tais progenitores e outras coisas semelhantes das quais nunca duvidei.
Por experiência vaga sei que morrerei; afirmo isto porque vi morrerem outros semelhantes a
mim ainda que nem todos tenham vivido o mesmo espaço de tempo nem modo da mesma
doença. Depois sei ainda por experiência que o azeite é um alimento para nutrir a chama ao
passo que a água é boa para extinguir. Sei também que cão é um animal que ladra e o homem
um animal racional. E assim conheci quase tudo que se liga ao uso da vida.

§21

Ora, nós inferimos uma coisa da outra da seguinte maneira: depois de percebermos
claramente que sentimos tal corpo e nenhum outro, então inferimos claramente, digo eu,
que a alma está unida [...] ao corpo, união que é a causa de tal sensação. Mas [...] qual seja
essa sensação e essa união, não podemos ainda compreende-las de modo absoluto. Ou se
quiserem, depois que conheci a natureza da visão e, simultaneamente, que esta tem uma
propriedade tal que vemos uma e a mesma coisa, a uma distância grande, mais pequena do
que se a olharmos de perto, concluímos assim que o sol é maior do que para« e outras
coisas semelhantes.

§22

Finalmente, a coisa só é percebida pela essência da coisa quando, por conhecer um


objecto, sei o que seja conhecer esse objecto ou, por conhecer a essência da alma, sei que ela
está unida ao corpo. Por este mesmo conhecimento sabemos que dois e três são cinco e que
duas linhas paralelas a uma terceira serão também paralelamente entre si, etc. as coisas que
até aqui pude compreender por um tal conhecimento foram muito poucas.

§23

Mas que tudo isto seja compreendido melhor, usarei somente de um único
exemplo, este a saber, dados três números, pergunta-se qual e o quarto que esteja para o
terceiro como o segundo para o primeiro. Os mercadores dirão aqui confusamente que
sabe o que é preciso fazer para se encontrar o quarto (número) certamente porque não
esqueceram ainda aquela operação que, era e simples, sem demonstração, ouviram dos
seus mestres. Pelo contrário, outros, por experiência de casos simples, instituem um
axioma universal, isto é, onde o quarto número é evidente por si próprio, como no caso de
2, 4, 3, 6. Encontram por experiência que, multiplicando o segundo pelo terceiro e
dividindo depois o produto polo primeiro, se obtêm o quociente 6 B -orno vêem que se
obtém o mesmo número que, sem esta operação, sabiam já ser proporcional, concluem dai
que esta operação é sempre boa para descobrir o quarto número proporcional.

§24

Mas os matemáticos, por força da demonstração de Euclides (proposição 19,


livro 7), sabem quais são os números proporcionais entre si, isto é, pela natural e
propriedades da proporção, sabem sem dúvida que o número, que se obtém pela
multiplicação do primeiro pelo quarto, é igual ao número que se obtêm pela
multiplicação do segundo pelo terceiro no entanto, não vêm a proporcionalidade
adequada dos números dados e, se a vêem, não a vê por forca daquela proposição,
mas intuitivamente, sem fazerem nenhuma operação.

§25

Mas, para que se escolha o melhor modo de percepção, requerer-se que


enumeremos brevemente quais são os meios necessários para atingirmos nosso fim.
São os seguintes: I Conhecer exactamente a nossa natureza que desejamos
aperfeiçoar e, ao mesmo tempo, conhecer tanto quanto seja necessário sobre a
natureza das coisas; II Para enumerarmos por esse modo correctamente as diferenças,
as semelhanças e as oposições das coisas, III Para se conceber correctamente aquilo
que pode sofrer e aquilo que não podem; IV A fim de comparar isto com a natureza e
o poder do homem. E por aqui se verá facilmente a mais alta perfeição que o homem
pode alcançar.

§26

Consideradas assim estas coisas, vejamos qual é o modo de percepção que devemos
adoptar. Quanto ao primeiro, é evidente por si que por ouvir-dizer, além de ser coisa
bastante incerta, nada percebemos da essência da coisa, como se vê pelo nosso exemplo e
como a existência singular de uma coisa só é conhecida pelo conhecimento da essência,
como se verá depois, concluímos claramente que toda a certeza que temos por ouvir-dizer,
deve ser excluída das ciências. Porque, por simples ouvir-dizer onde o próprio intelecto não
procede, nunca alguém poderá ser afectado.

§27

Quanto ao segundo [ ...]. Também ninguém deve afirmar que tem a ideia da
proporção que procura. Além de que é coisa de algum modo incerta e sem fim, também
por esse modo nada se perceberá das coisas da natureza se não os acidentes, que não sejam
compreendidos claramente a não ser que sejam conhecidas previamente as essências. De
onde se segue que também este modo deve ser excluído.
§28

Pelo contrário, do terceiro modo é de dizer que temos a ideia da coisa e


também que concluímos sem perigo de erro. Contudo, não é por si o meio de
adquirirmos a nossa perfeição. Quarto modo compreende a essência da coisa e sem
perigo de erro. Deverá ser portanto, usando : eximiamente. Mas de que modo deve
ser aplicado para que as coisas desconhecidas sejam compreendidas por nós mediante
tal conhecimento e o mesmo tempo para que isto se faça o mais rapidamente
possível, é o que tentamos explicar.

Comentário 1
Spinoza deduz seu pensamento filosófico sobre ensinabilidade da filosofia a quatro (4)
aspectos importantes: no primeiro aspecto, ele afirma que existe uma percepção que temos
por ouvir-dizer ou por um sinal arbitrariamente designado. Isto nos leva a compreender que
Spinoza rejeita a possibilidade de ensino público, pois para ele a filosofia é uma actividade
de investigação individual. No segundo aspecto, afirma que existe uma percepção que temos
por experiência vaga, isto é, por uma experiência que não é determinada pelo entendimento,
isto é, o ser humano já nasce com umas verdades que não são humanas mas sim são
verdades divinas. Há certas coisas que não dependem de uma experiência adquirida mas o
entendimento vem ao acaso. No terceiro aspecto afirma que existe uma percepção em que a
essência de uma se conclui de outra coisa, isto é, as vezes quando nós lemos textos, quando
estudamos certa matéria sozinhos concluímos coisas a partir de certos conhecimentos
anteriores que eventualmente tínhamos. Finalmente, existe uma percepção em que a coisa é
percebida unicamente pela sua essência ou pelo conhecimento da sua causa próxima, isto é,
há certas coisas em que não precisamos fazer um grande esforço para conhecer essa coisas
mas a sua essência em si já nos traz uma luz.

A ideia chave do pensamento de Spinoza está patente no texto 20, quando por meio
de uma experiência dele tenta proferir as seguintes palavras: “Por ouvir-dizer sei somente o
dia do meu aniversário e que tive tais progenitores e outras coisas semelhantes das quais
nunca duvidei”. Esse trecho entre aspas dá nos entender que Spinoza a única coisa que aceita
ser dito ou ensinado é sobre data do seu nascimento, sobre o conhecimento dos seus pais, e
que a única experiência vaga que ele tem e aceita é de que vai morrer pois já viu outros
semelhantes a morrerem. “É evidente por si que por ouvir-dizer, além de ser coisa bastante
incerta, nada percebemos da essência da coisa, como se vê pelo nosso exemplo e como a
existência singular de uma coisa só é conhecida pelo conhecimento da essência, como se
verá depois, concluímos claramente que toda a certeza que temos por ouvir-dizer, deve ser
excluída das ciências. Porque, por simples ouvir-dizer onde o próprio intelecto não procede,
nunca alguém poderá ser afectado”. De acordo com o excerto entre aspas podemos
compreender que Spinoza nega que nós temos que ouvir, isto é, nega que temos que ser
ensinados coisas ou conhecimento/ filosofia pelos outros. Nega a ensinabilidade da
filosofia num espaço público, ele diz que essa actividade filosófica é individual porque se
nós nos mergulharmos ao público podemos perturbar os outros.

“Pelo contrário, do terceiro modo é de dizer que temos a ideia da coisa e também
que concluímos sem perigo de erro. Contudo, não é por si o meio de adquirirmos a
nossa perfeição”. De acordo com o excerto entre aspas podemos compreender que
Spinoza afirma que a verdade está no interior de cada um, porque nós sempre a ideia da
coisa conseguimos concluir sem nenhum receio. A ideia de não ouvirmos por dizer a
ideia do outro, isto é, não nos submetermos as ideologias infundadas nas academias
para consumirmos filosofia é devido também ao que já afirmou Kant de que a filosofia
não possui um conteúdo, isto é, não tem um conteúdo acabado em que o professor pode
mostrar aos seus alunos que está aqui um livro.
Espinosa encontrou uma incompatibilidade radical entre a investigação da Filosofia e a
actividade do seu ensino. Não só, segundo ele, a natureza das instituições públicas é outro
obstáculo: “todas as escolas criadas pelo Estado estão sujeitas à obediência coerciva, há
tendências para a imposição, o que é contrário à natureza libertária da Filosofia. A
investigação filosófica exige do filósofo um conjunto de virtudes (humildade, pobreza
voluntária, coragem, vida solitária, independência e liberdade”)
Espinosa não julga ser seu dever tentar explicar Filosofia a um indivíduo
provavelmente com problemas mentais ou sem vocação para tal, também porque, na opinião
dele, a verdade não é uma questão humana, mas divina: “cada um pode, na sua relação com
Deus, ter acesso à verdade”. Muitos filósofos concordam com Espinosa. Ensinar Filosofia é
desvirtuar a sua natureza reflexiva; é abandonar a perspectiva solitária da verdade e
adoptar procedimentos em tudo contrários às exigências meditativas; é atender à
natureza imposta pelo receptor; é reduzir-se às condições do receptor.
É daí que (MARNOTO,1990, p.13) conclui que as universidades cultivam pouco o
espírito e são coercitivos. Não somente isso, ele vê que a actividade de filosofar numa escola
é imposta a obedecer uma doutrina.
Segundo Espinosa, a prática filosófica exige a liberdade de filosofar, independência
face as doutrinas circunstanciais e determinações extrínsecas. Assim Espinosa neste
pensamento conclui afirmando que “a escola é considerada lugar impróprio para a filosofia”
(Espinosa, apud Marnoto: 1990: 20)

Analise das ideias de Spinoza


Dos argumentos acima expostos como razões para não se ensinar Filosofia
podemos chegar à conclusão de que Espinosa encontrou uma incompatibilidade
radical entre a investigação da Filosofia e a actividade do seu ensino. Não só,
segundo ele, a natureza das instituições públicas é outro obstáculo: “todas as escolas
criadas pelo Estado estão sujeitas à obediência coerciva, há tendências para a
imposição, o que é contrário à natureza libertária da Filosofia. A investigação
filosófica exige do filósofo um conjunto de virtudes (humildade, pobreza voluntária,
coragem, vida solitária, independência e liberdade) que só se obtém alheando-se do
“barulho” do mundo.

Portanto, há contrastes: enquanto a Filosofia é uma actividade essencialmente


meditativa/solitária (o que exige tranquilidade), o ensino é uma actividade pública (o que
suscita polémica e barulho). O posicionamento de Espinosa deveu-se ao modo como ele
concebia a Filosofia: forma individual de vida e de pesquisa mediante método monólogo, o
que é incompatível com as exigências retóricas de qualquer ensino. Segundo Espinosa, a
única saída para o filósofo comunicar o seu pensamento é a escrita, lá é livre de determinar o
texto como quer, pois tem um auditório não real. Numa aula, o filósofo é obrigado a reduzir-
se aos critérios da Didáctica, ajustando o seu discurso às limitações e imperfeições do aluno
concreto, imaturo, sem cultura académica, sem preparação nem motivação para filosofar:
enquanto verdade, não é dever da Filosofia nem do filósofo adaptar-se às imperfeições e
limitações do auditório, mas o contrário.
Espinosa não julga ser seu dever tentar explicar Filosofia a um indivíduo provavelmente com
problemas mentais ou sem vocação para tal, também porque, na opinião dele, a verdade não é
uma questão humana, mas divina: “cada um pode, na sua relação com Deus, ter acesso à
verdade”. Muitos filósofos concordam com Espinosa. Ensinar Filosofia é desvirtuar a sua
natureza reflexiva; é abandonar a perspectiva solitária da verdade e adoptar procedimentos
em tudo contrários às exigências meditativas; é atender à natureza imposta pelo receptor; é
reduzir-se às condições do receptor.
Na verdade, Espinosa leva-nos a uma situação dilemática: ou trair a Filosofia ensinando-a (o
que implicará, para ser percebida, simplificar o discurso filosófico, distorcer os conteúdos e
pôr de lado todo aquele rigor filosófico); ou continuar fiel à Filosofia (o que implicará não ser
percebido, uma vez que nem todos poderão entender a profundidade da Filosofia). Assim, de
Espinosa concluímos que o bom filósofo é aquele que se recusa a entrar numa escola pública
para ensinar Filosofia, aquele que não se submete às ideologias políticas impostas pelo
regime, é o autónomo.

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