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5º $XOD

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XPDDWLWXGHFU¯WLFD

Estamos iniciando mais uma aula, na qual estaremos estudando


e refletindo sobre a atitude crítica ou filosófica. É neste momento
que precisamos verificar se estamos mesmo tendo uma atitude
perante o conhecimento. Ou seja, estou assumindo o compromisso
de analisar as coisas com o olhar filosófico?
Tenho me dedicado na busca de entender o objeto de estudo?
Procuro conceituar a palavra, antes de pedir uma explicação para o
outro?
Essas, dentre outras questões, nos levam a ter atitude diante
do novo.
Nesta aula precisamos conhecer, para compreender e depois
explicar, e não fazer o inverso.

Boa aula!

2EMHWLYRVGHaprendizagem

Ao término desta aula, o aluno será capaz de:

‡ H[HUFHU VXD SURILVVmR GH IRUPD DUWLFXODGD DR FRQWH[WR VRFLDO HQWHQGHQGRD FRPR XPD IRUPD GH SDUWLFLSDomR H
contribuição social;
‡UHVSHLWDURVSULQFtSLRVpWLFRVLQHUHQWHVDRH[HUFtFLRSURILVVLRQDO
‡DWXDULQWHUHPXOWLSURILVVLRQDOPHQWHVHPSUHTXHDFRPSUHHQVmRGRVSURFHVVRVHIHQ{PHQRVHQYROYLGRVDVVLPRUHFRPHQGDU
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Ciência propriamente.
6H©·HVGHestudo A história da Ciência nos mostra que sua marcha e
progresso vão uniformemente no sentido da elaboração de
1 - Filosofia: uma atitude crítica conceitos, ou melhor, “conceituação”, cada vez mais abstrata
2 - Reflexão filosófica e geral. Isto é, de sistemas conceptuais mais inclusivos, que
3 - Onde está a necessidade da filosofia? por isso mesmo cobrem e representam conjuntos mais
amplos da realidade universal — não no sentido de mais
extensos simplesmente, quantitativamente maiores, e sim
1)LORVRȴDXPDDWLWXGHFU¯WLFD mais complexos e abrangentes, de feições mais diferenciadas.
Vamos relembrar de um modo filosófico: Comparam-se a esse propósito os dois setores do
O que é filosofia... Conhecimento que se encontram contemporaneamente nos
Nesta aula, extremos da linha ascendente do progresso científico: de um
vamos fazer um lado as Ciências sociais, de outro as Físicas.
“memorandum”, No primeiro desses setores encontramo-nos em face de um
pois é essencial para conhecimento empírico ainda solidário, diretamente, com dados
podermos entender imediatos da observação e experimentação. A conceituação
o como e o porquê representativa desses dados que refletem os fatos sociais é de
ΖPDJHPH[WUD¯GDHPKWWSZZZPDRLPSRVVLYHO
de todas as coisas com/2011/12/banda-mais-atitude-forro-em-sao-luis- insignificante generalidade; os conceitos que a constituem se
na Administração. ma.html entrosam mal e frouxamente entre si, e não se englobam em
A Filosofia é a base para construir através da visão, estratégia e sistemas amplos capazes de formar, por sua vez, outros tantos
objetivo os pontos concretos de um bom administrador. conceitos de mais elevado nível de abstração e generalidade.
Não precisamos buscar na infinidade de conceitos de E assim, pelo seu objeto, e somente por ele, que
“Filosofia” — talvez um para cada autor de certa expressão, a Filosofia se há de distinguir da Ciência, e com isso se
e que à vagueza das formulações acrescentam às vezes até legitimar como disciplina à parte. Mas se à Ciência cabe,
posições contraditórias — não precisamos procurar aí a como objeto, a realidade universal, isto é, o universo e seu
incerteza e a imprecisão que reinam e, sobretudo em nossos conjunto de ocorrências, feições, circunstâncias que envolvem
dias, no que concerne o objeto da especulação filosófica. e também compreendem o homem, o que ficará de fora para
Muito mais ilustrativa é a consulta aos textos filosóficos eventualmente constituir objeto próprio da Filosofia? Note-
ou qualquer exposição ou análise do desenvolvimento histórico se que estamos aqui empregando a expressão “ciência” onde
deveríamos com mais propriedade dizer “conhecimento”.
do assunto. De tudo se trata, pode-se dizer, ou se tem tratado
Isso porque Ciência não é senão conhecimento sistematizado,
na “Filosofia”; até os mesmos assuntos, ou aparentemente
advertida e intencionalmente elaborado, não se distinguindo
os mesmos, são considerados em perspectivas de tal modo
senão por essa sistematização em nível elevado e elaboração
apartadas uma das outras que não se combinam e entrosam
intencional do conhecimento comum ou vulgar, aquele de
entre si, tornando-se impossível contrastá-las. Para alguns, essa
que todo ser humano é titular, por mais rudimentar que seja
situação é não apenas normal, mas plenamente justificável.
seu nível de cultura.
A Filosofia seria isso mesmo: uma especulação infinita e
O conhecimento é essencialmente de uma só natureza, e
desregrada em torno de qualquer assunto ou questão, ao sabor por mais elementar e grosseiro que seja, tem fundamentalmente
de cada autor, de suas preferências e mesmo de seus humores. o mesmo caráter do mais complexo e refinado conhecimento
Há mesmo quem afirme não caber à Filosofia “resolver”, e científico. Não há, aliás, nenhuma fronteira marcada, ou
sim unicamente sugerir questões e propor problemas, fazer possível de marcar, nessa complexidade, nem mesmo
perguntas cujas respostas não têm maior interesse, e com o fim separação possível, pois o conhecimento científico de hoje
unicamente de estimular a reflexão, aguçar a curiosidade. E já será o vulgar de amanhã.
se afirmou até que a Filosofia não passava de uma “ginástica” Realmente é o que se verifica no desenvolvimento
do pensamento, entendendo por isso o simples exercício e histórico do pensamento humano logo que o progresso do
adestramento de uma função — no caso, o pensamento em conhecimento atinge certo nível. Isto é, um retorno reflexivo
vez dos músculos — sem outra finalidade que essa. da elaboração cognitiva sobre si mesma, passando o próprio
Que a Filosofia é Conhecimento, e que de certa forma se conhecimento a se fazer objeto do conhecer. Fato esse
ocupa dos mesmos objetos que as ciências em geral, não há suficientemente marcado para dar lugar a uma ordem de
dúvida. Mas tudo está nessa restrição “de certa forma”. Isso cogitações bem caracterizadas e distintas do conhecimento
porque a Filosofia não é e não pode ser (logo veremos por que) ordinário. E se bem que pensadores e elaboradores do
uma “superciência” que a ela se sobrepõe e que a completa. conhecimento não se tenham desde logo dado plenamente
Não há lugar para esse simples prolongamento. Ou melhor, conta da diferenciação e partição interior dos objetos de
qualquer legítimo prolongamento da Ciência é e sempre será, que se ocupavam (do que, aliás, resultariam mal-entendidos
tudo indica, Ciência e não outra coisa. Isso se pode concluir do e confusões de largas consequências) a sua obra não deixará
fato de que o desenvolvimento da Ciência, quando se excluem de refletir a duplicidade do assunto tratado e o novo rumo
indevidas extrapolações, se faz sempre num sentido único que que tomava o pensamento e a elaboração do conhecimento;
é o da crescente generalização. E não há nenhum ponto fixado isto é, a par do conhecimento, e a do conhecimento do
no passado, ou previsível no futuro, nem mesmo fronteira conhecimento. O que cronologicamente coincide no Mundo
difusa naquele processo além do qual não caberia mais falar em Antigo (e não terá sido por certo uma simples coincidência)
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com a eclosão daquilo que teria sido “filosofia”. como de fora e sobranceiro, ele contempla, interpreta e assim
domina — à feição do racionalismo clássico. Não é tampouco
(PRXWUDVSDODYUDV«SHORSHQVDPHQWRHFRQKHFLPHQWRTXHRFRQVWLWXL o homem confundido no conjunto da natureza e com ela
HLQVSLUD SRLVQ¥RK£SHQVDPHQWRȊSXURȋHYD]LRGHFRQKHFLPHQWR nivelado; dominado por contingências a que passivamente se
3HQVDPHQWRHFRQKHFLPHQWRQRȴQDOVHFRQIXQGHP «DVVLPTXHRVHU submete, sem mesmo a consciência disso, arrastado por rígido
UDFLRQDOTXH«RKRPHPOLYUHPHQWHVHGHWHUPLQDHGHOLEHUDVXDD©¥R determinismo geral e igual para todas as coisas. Do que se trata
0DVHVVHSHQVDPHQWRHFRQKHFLPHQWRGHWHUPLQDQWHVVHIRUMDPQDV é do homem simultaneamente nessas duas situações, passando
FLUFXQVW¤QFLDVGDYLGDHGRPHLRI¯VLFRHKXPDQRHPTXHRKRPHP permanentemente de uma para outra, tornando-se uma e outra
VRFLDOSRUH[FHO¬QFLDDJHGHVHQURODVXDD©¥RHVHWRUQDFRPLVVRR em eterno devir.
VHUUDFLRQDOTXH«$D©¥RGHOHVHID]SHQVDPHQWRHFRQKHFLPHQWR Ao mesmo tempo parte e
SRUTXHHVWHVVHHVWLPXODPHIRUPDPHVVDD©¥RWDOFRPRSHQVDPHQWR parcela do todo universal, mas Todas as ciências que hoje
conhecemos brotaram da
HFRQKHFLPHQWRVHȴ]HUDPD©¥RSRUTXHV¥RHOHVTXHDSURPRYHPH também nele progressivamente ȴORVRȴDVHQGRDPHVPD
LPSXOVLRQDP(RSURFHVVRFRQWLQXDDVVLPLQLQWHUUXSWRHQWURVDQGR se discriminando e destacando; um marco no pensamento
ocidental. Podemos mesmo
VHQHOHKRPHPSHQVDQWHFRQKHFHGRUHKRPHPDJHQWH fazendo-se pelo pensamento e GL]HUTXHDSUHQGHUȴORVRȴD
corresponde a aprender a
conhecimento no ser racional que, pensar de forma crítica e
O homem pensante e conhecedor transformando-se consciente e intencionalmente, atalquestionar a realidade
qual se apresenta. Num
em homem agente; e inversamente este naquele. E trata-se modifica e transforma com a sua mundo conturbado como o
aí, note-se bem, não de uma alternância monótona e que se nosso, cada vez se faz mais
ação e para seus fins, o meio físico presente a necessidade
repete sempre igual. Longe disso, e muito pelo contrário, o e o humano das relações sociais de GHUHȵHWLPRVVREUHQRVVD
realidade a partir da
processo (que é tanto da história do indivíduo, o desenrolar que participa; e, consequentemente, ȴORVRȴDGD¯RQR5HȵH[·HV
de sua existência individual, como da coletividade em que os VREUHDȴORVRȴDVHSURS·H
se transformando, também ele justamente a instigar a
indivíduos se comunicam, e da espécie em que eles se sucedem próprio com as transformações todos a pensar criticamente,
destinando um pequeno
e continuam uns aos outros) se renova permanentemente, em que determina, e que passam a PRPHQWRGHVXDH[LVW¬QFLD
cada ciclo que é sempre diverso do anterior, mas rico de ação, determiná-lo.
DUHȵH[·HVVREUHDSUµSULD
vida e aio estar vivo em um
de experiência realizada, de pensamento desenvolvido, de Esse é o tema central da FRQWH[WRVRFLDO
conhecimento acrescido. Filosofia. O desenvolvimento dessa
Acumulação essa, cuja possibilidade constitui no dialética do ser humano, que a partir de sua indiferenciação no
Universo privilégio do Homem e o fator que precisamente faz seio da Natureza em que se emparelha com as demais feições
dele o Ser racional que é. E graças a essa faculdade de se valer e ocorrências, com as quais nela coabita, como simples parcela
do seu passado a fim de utilizá-lo no presente e projetá-lo no envolvida no conjunto universal em pé de igualdade, e nele (no
futuro com o acréscimo das novas aquisições do presente, homem) arrastado passivamente na mesma determinação geral
graças a esse privilégio, que o Homem ocupa a posição ímpar que é do todo e transcende as suas partes. A partir daí vai (o ser
que é a sua no Universo. Que logra marchar para frente, humano) progressivamente e de forma cada vez mais acentuada
progredir, se transformar e renovar em ritmo quantitativo e e generalizada, fazendo-se ele próprio, em si e por si, poderoso
qualitativo, sem paralelo em outras feições da Natureza. fator determinante e consciente dessa sua determinação
Essa é a perspectiva dialética do Homem que permite do todo universal de que participa. Fator determinante em
considerá-lo no ângulo adequado e devidamente conceituar particular naquele setor que mais proximamente o atinge e
em termos científicos esse aspecto ou feição do universo que é envolve, e que vem a ser o da convivência humana, das relações
a humanidade, o fato humano. — ou a razão, que vem a dar no sociais. Setor esse em que ensaia apenas, em nossos dias, seus
mesmo, para empregar a terminologia consagrada da Filosofia. primeiros, ainda tímidos, hesitantes e incertos passos.
— E elaborar com isso o “Conhecimento do Homem”. É essa dialética que cabe essencialmente à Filosofia
Nisso precisamente consiste a especificidade e considerar e compreender, pois é dessa compreensão que
singularidade do homem: a sua potencialidade racional que, resultará coroamento da tarefa de verdadeiro conhecimento
da indistinção e confusão originárias no seio do universo, o integral do ser humano em suas possibilidades e limitações. E
faz emergir e progressivamente destacar como ser racional ter-se-á o que afinal mais importa para a projeção futura do
em que se torna não somente conhecedor, mas, sobretudo, processo dialético em que o homem se acha engajado.
plenamente consciente de seu conhecimento, o que lhe Essa matéria não é nem pode ser objeto do conhecimento
permite utilizá-lo intencionalmente e não apenas como ordinário, da Ciência propriamente, uma vez que esta tem por
simples reflexo nervoso; e isso em nível e extensão cada vez objetivo específico a simples representação mental da realidade;
mais elevados e amplos. E na mesma medida e progressão,
como essa realidade, com suas feições e ocorrências, se há de
o faz imprimir sua marca na Natureza, inclusive a humana
representar no pensamento e se tornar com isso conhecida
— sua última conquista, em plena eclosão, nos dias de hoje,
pelo indivíduo pensante. Isso, inclusive, no que respeita o
em moldes científicos modernos —, transformando-a e
terreno do “Conhecimento do Homem”.
se fazendo com isso senhor dela e de seu destino próprio.
“Senhor e possuidor do universo”, na predição de Descartes.
É nesse devir racional que consiste a dialética do homem 2WUDEDOKRȴORVµȴFR«HVVHQFLDOSDUDDGLVSRVL©¥RGRHQWHQGLPHQWRH
e de sua “história”. E é na consideração dessa dialética que se UHȵH[¥RUDFLRQDOHUDGLFDO9HUHPRVDVHJXLUHVVHREMHWLYR
esclarece o problema filosófico. Nela se configura o verdadeiro
Homem, o seu Ser real e integral que não é o homem Essa é matéria que vai além daquela que cabe à
situado, com uma razão “absoluta”, à parte do universo que, Ciência propriamente. Nem é acessível simplesmente aos
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procedimentos ordinários da elaboração científica. Pertence assim e não de outra maneira. O que é? Por que é? Como
assim, necessariamente, a outra ordem de conhecimentos que, é? Essas são as indagações fundamentais da atitude filosófica.
a respeitar nomenclatura consagrada, não pode ser senão aquilo De acordo com Chauí (2000), a face negativa e a face
que se tem entendido por “Filosofia”, sob cuja designação se positiva da atitude filosófica constituem o que chamamos de
reúne de ordinário, embora de maneira, no geral, informe e DWLWXGHFUtWLFD e SHQVDPHQWRFUtWLFR.
dispersa, particularizada e confusa, boa parte das questões que A Filosofia começa dizendo não às crenças e aos
precisamente, direta ou indiretamente, dizem respeito à matéria preconceitos do senso comum. Começa, portanto, dizendo
que estamos considerando. que não sabemos o que imaginávamos saber. Por isso, o
Mas esse último ponto é de segunda importância. Mais patrono da Filosofia, o grego Sócrates, afirmava que a primeira
uma questão de nomenclatura. O que importa é a delimitação e fundamental verdade filosófica é dizer: “Sei que nada sei”.
com um mínimo de precisão e a sistematização naquilo que Para o discípulo de Sócrates, o filósofo grego Platão, a Filosofia
é aproveitável deste variegado material que se tem entendido começa com a admiração; já o discípulo de Platão, o filósofo
por “Filosofia”. É que de fato corresponde nos seus traços Aristóteles, acreditava que a Filosofia começa com o espanto.
gerais, embora no mais das vezes vagamente apenas, com a Admiração e espanto significam: tomamos distância
fundamental dialética humana. Uma tal sistematização se do nosso mundo costumeiro, através de nosso pensamento,
fará, assim penso, sobre a base e em torno da consideração olhando-o como se nunca o tivéssemos visto antes, como
metódica do processo em que se centraliza a atividade racional se não tivéssemos tido família, amigos, professores, livros e
do homem, e que vem a ser o fato do conhecimento como outros meios de comunicação que nos tivessem dito o que o
circunstância específica da dialética humana. mundo é; como se estivéssemos acabando de nascer para o
É no conhecimento e por ele que se gera a potencialidade mundo e para nós mesmos e precisássemos perguntar o que
humana como motor da dialética do homem. O objeto da é, por que é e como é o mundo, e precisássemos perguntar
Filosofia seria, assim, o conhecimento considerado em toda sua também o que somos, por que somos e como somos.
amplitude, a partir do processo da elaboração cognitiva, que é Se, portanto, deixarmos de lado, por enquanto, os
propriamente o pensamento e a comunicação dessa atividade objetos com os quais a Filosofia se ocupa, veremos que a
pensante. Em especial pela sua expressão verbal, a linguagem atitude filosófica possui algumas características que são as
discursiva que torna o pensamento plenamente consciente e o mesmas, independentemente do conteúdo investigado. Essas
faz amplamente comunicável e registrável, e, pois socializa o características são:
processo de elaboração cognitiva e concede permanência ao
conhecimento elaborado. E temos aí o que ordinariamente se - perguntar o que a coisa, ou o valor, ou a ideia, é. A
Filosofia pergunta qual é a realidade ou natureza e qual é a
entende por Teoria do Conhecimento.
significação de alguma coisa, não importa qual;
Daí, a consideração e o exame do fato do conhecimento
- perguntar como a coisa, a ideia ou o valor, é. A Filosofia
se estenderiam para a função dele, seu objetivo e papel que
indaga qual é a estrutura e quais são as relações que constituem
desempenha na existência humana, e que vem a ser a sua uma coisa, uma ideia ou um valor;
utilização, ou seja, a determinação e orientação da ação. - perguntar por que a coisa, a ideia ou o valor, existe e é
Determinação e orientação que se realizam pela mediação como é. A Filosofia pergunta pela origem ou pela causa de
do conhecimento reduzido a diretivas da ação, normas de uma coisa, de uma ideia, de um valor.
comportamento: hábitos, costumes, normas de civilidade,
princípios éticos, instituições jurídicas, técnicas... O conjunto, A atitude filosófica inicia-se dirigindo essas indagações
enfim, de diretivas que regulam a ação e conduta humana. Ação ao mundo que nos rodeia e às relações que mantemos com
e comportamento que relacionam o Homem com o meio que ele. Pouco a pouco, porém, descobre que essas questões
o envolve e com isso o situam no universo de que participa. se referem, afinal, à nossa capacidade de conhecer, à nossa
Esse exame do conhecimento, do fato cognitivo em sua capacidade de pensar.
generalidade, se reduz, como se vê, à consideração sistemática do Por isso, pouco a pouco, as perguntas da Filosofia se
essencial dos sucessivos fatos ou momentos em que se compõe dirigem ao próprio pensamento: o que é pensar, como é
e desdobra a dialética humana: da prática ao conhecimento e pensar, por que há o pensar? A Filosofia torna-se, então, o
desse conhecimento de retorno à prática. O que representaria, pensamento interrogando-se a si mesmo. Por ser uma volta
esquematicamente, a linha de desenvolvimento teórico do que que o pensamento realiza sobre si mesmo, a Filosofia se
haveria de ser a Filosofia. realiza como UHIOH[mR.

1.1 - A atitude crítica 25HȵH[¥RȴORVµȴFD


A primeira característica da atitude filosófica é QHJDWLYD,
isto é, um dizer não ao senso comum, aos “pré-conceitos”, aos
“pré-juízos”, aos fatos e às ideias da experiência cotidiana, ao
que “todo mundo diz e pensa”, ao estabelecido.
A segunda característica da atitude filosófica é SRVLWLYD,
isto é, uma interrogação sobre RTXHVmR as coisas, as ideias,
os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós
mesmos. É também uma interrogação sobre o porquê disso
tudo e de nós, e uma interrogação sobre como tudo isso é ΖPDJHPH[WUD¯GDHPKWWSZZZLQVWLWXWRUHFULDQGRRUJEUUHȵHWLUDVS
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O primeiro ensinamento filosófico é perguntar: O que é o
(P QRVVD YLGD FRWLGLDQD DȴUPDPRV QHJDPRV DFHLWDPRV RX útil? Para que e para quem algo é útil? O que é o inútil? Por que
UHFXVDPRV FRLVDV SHVVRDV RX VLWXD©·HV )D]HPRV SHUJXQWDV FRPR e para quem algo é inútil?
ȊTXHKRUDVV¥RRXTXHGLD«KRMH"ȋ O senso comum de nossa sociedade considera útil o que
dá prestígio, poder, fama e riqueza. Julga o útil pelos resultados
(VWDSHUJXQWDVXVWHQWDXPDFUHQ©DDFUHQ©DTXHRWHPSRH[LVWHH visíveis das coisas e das ações, identificando utilidade e a
SRGHVHUPHGLGR$VVLPFRPRDȴUPD©·HVGRWLSRȊ$SURIHVVRUDIRL famosa expressão “levar vantagem em tudo”. Desse ponto de
LQMXVWDȋ WUD] HP VL D FUHQ©D HP QRVVD LGHLD GH MXVWL©D 1R HQWDQWR vista, a Filosofia é inteiramente inútil e GHIHQGHRGLUHLWRGH
QXQFD SDUDPRV SDUD LQGDJDU R TXH HQWHQGHPRV SRU ȊWHPSRȋ RX VHULQ~WLO.
ȊMXVWL©Dȋ $FRVWXPDGRV FRP R FRWLGLDQR GHL[DPRV QRVVDV LGHLDV H Não poderíamos, porém, definir o útil de outra maneira?
FUHQ©DVVHPIXQGDPHQWD©¥RHYDPRVDFHLWDQGRRPXQGRFRPRVH Platão definia a Filosofia como um saber verdadeiro que
HOHIRVVHµEYLRHPVLPHVPR deve ser usado em benefício dos seres humanos.
Descartes dizia que a Filosofia é o estudo da sabedoria,
$5$1+$0/$
conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos
podem alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde e a
5HIOH[mR significa movimento de volta sobre si mesmo invenção das técnicas e das artes.
ou movimento de retorno a si mesmo. A reflexão é o Kant afirmou que a Filosofia é o conhecimento que a
movimento pelo qual o pensamento volta-se para si mesmo, razão adquire de si mesma para saber o que pode conhecer e
interrogando a si mesmo. o que pode fazer, tendo como finalidade a felicidade humana.
A reflexão filosófica é UDGLFDO porque é um movimento Marx declarou que a Filosofia havia passado muito
de volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer-se a si tempo apenas contemplando o mundo e que se tratava, agora,
mesmo, para indagar como é possível o próprio pensamento. de conhecê-lo para transformá-lo, transformação que traria
Não somos, porém, somente seres pensantes. Somos justiça, abundância e felicidade para todos.
também seres que agem no mundo, que se relacionam com os Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é um despertar
outros seres humanos, com os animais, as plantas, as coisas, para ver e mudar nosso mundo.
os fatos e acontecimentos, e exprimimos essas relações tanto Espinosa afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e
por meio da linguagem quanto por meio de gestos e ações. difícil, mas que pode ser percorrido por todos, se desejarem a
A reflexão filosófica também se volta para essas relações liberdade e a felicidade.
que mantemos com a realidade circundante, para o que Qual seria, então, a utilidade da Filosofia?
dizemos e para as ações que realizamos nessas relações. Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso
A reflexão filosófica organiza-se em torno de três comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias
grandes conjuntos de perguntas ou questões: dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar
compreender a significação do mundo, da cultura, da história
 Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes,
dizemos e fazemos o que fazemos? Isto é, quais os PRWLYRV, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à
as UD]}HV e as FDXVDV para pensarmos o que pensamos, nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas
dizermos o que dizemos, fazermos o que fazemos? ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para
2. O que queremos pensar quando pensamos, o que todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil
queremos dizer quando falamos, o que queremos fazer de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.
quando agimos? Isto é, qual é o FRQWH~GR ou o VHQWLGR do
que pensamos, dizemos ou fazemos? 32QGHHVW£DQHFHVVLGDGHGDȴORVRȴD"
3. Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que
dizemos, fazemos o que fazemos? Isto é, qual é a LQWHQomR ou Está no fato de que, por meio da reflexão (aquele
a ILQDOLGDGH do que pensamos, dizemos e fazemos? desdobrar-se, lembra-se?), a filosofia permite ao homem ter
mais de uma dimensão, além da que é dada pelo agir imediato
Essas três questões podem ser resumidas em: O que é no qual o “homem prático” se encontra mergulhado.
pensar, falar e agir? E elas pressupõem a seguinte pergunta:
Nossas crenças cotidianas são ou não um saber verdadeiro, &21&(,72
um conhecimento? De acordo com Aranha 24 (1993), é a filosofia que dá
Como vimos, a atitude filosófica inicia-se indagando: o distanciamento para a avaliação dos fundamentos dos atos
O que é? Como é? Por que é? Dirigindo-se ao mundo que humanos e dos fins a que eles se destinam; reúne o pensamento
nos rodeia e aos seres humanos que nele vivem e com ele se fragmentado da ciência e o reconstrói na sua unidade; retoma a
relacionam. São perguntas sobre a essência, a significação ou ação pulverizada no tempo e procura compreendê-la.
a estrutura e a origem de todas as coisas. Portanto, a filosofia é a possibilidade da transcendência
Já a reflexão filosófica indaga: Por quê? O quê? Para humana, ou seja, a capacidade que só o homem tem de superar
quê? Dirigindo-se ao pensamento, aos seres humanos no ato a situação dada e não escolhida. Pela transcendência, o homem
da reflexão. São perguntas sobre a capacidade e a finalidade surge como ser de projeto, capaz de liberdade e de construir o
humanas para conhecer e agir. seu destino.
O distanciamento é justamente o que provoca a
2.1ΖQ¼WLO"¼WLO" aproximação maior do homem com a vida. Whitehead, lógico
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e matemático britânico contemporâneo, disse que “a função buscar a essência do objeto, e com a filosofia encontramos a
da razão é promover a arte da vida”. A filosofia recupera o verdade, através da busca constante do saber.
processo perdido no imobilismo das coisas feitas (mortas
porque já ultrapassadas). A filosofia impede a estagnação. 2QGH(VWiD1HFHVVLGDGHGD)LORVRILD"
Por isso, o filosofar sempre se confronta com o poder, e Quando chegamos a essa pergunta, é porque estamos
sua investigação não fica alheia à ética e à política. preparados para as indagações constantes... Ou seja, do por
É o que afirma o historiador da filosofia François Châtelet: quê? Pergunta, onde! Conteúdo (conhecimento) e o para quê?
Resposta e busca da verdade. Devemos antes de responder
“Desde que há Estado - da cidade grega às algo, sobre algo, devemos nos preparar para as perguntas...
burocracias contemporâneas -, a ideia de
YHUGDGH VHPSUH VH YROWRX ÀQDOPHQWH SDUD R */266É5,2
lado dos poderes (ou foi recuperada por eles,
como testemunha, por exemplo, a evolução ‡(WLPRORJLD: é a parte da gramática que trata da história
do pensamento francês do século XVIII ao ou origem das palavras e da explicação do significado de
século XIX). Por conseguinte, a contribuição
palavras através da análise dos elementos que as constituem.
HVSHFtÀFD GD ÀORVRÀD TXH VH FRORFD D VHUYLoR
‡$WLWXGH: a disposição ligada ao juízo de determinados
da liberdade, de todas as liberdades, é a de
minar, pelas análises que ela opera e pelas ações objetos da percepção ou da imaginação - ou seja, a tendência
que desencadeia as instituições repressivas de uma pessoa de julgar tais objetos como bons ou ruins,
H VLPSOLÀFDGRUDV TXHU VH WUDWH GD FLrQFLD GR desejáveis ou indesejáveis.
ensino, da tradução, da pesquisa, da medicina, ‡&UtWLFD: descreve e opina sobre a maneira como uma
da família, da polícia, do fato carcerário, dos atividade foi desenvolvida, a fim de dar a conhecer.
sistemas burocráticos, o que importa é fazer
aparecer a máscara, deslocá-la, arrancá-la...”

A filosofia é, portanto, a crítica da ideologia, enquanto


9DOHDpena DVVLVWLU
forma ilusória de conhecimento que visa à manutenção de
privilégios (ver Capítulo 5 - Ideologia).
Atentando para a etimologia do vocábulo grego 2V ÓOWLPRV 5HEHOGHV. 1992 – EUA – Filme que
correspondente à verdade (a-létheia, a-lethetiein, ‘desnudar”), apresenta a ascensão do nazismo e a ideologia da consciência
vemos que a verdade é pôr a nu aquilo que estava escondido, da juventude alemã. Um grupo de jovens amigos se encontra,
e aí reside a vocação do filósofo: o desvelamento do que está devido ao momento histórico, exposto à ideologia nazista
encoberto pelo costume, pelo convencional, pelo poder. que, entre outras coisas, reprime toda forma de expressão
Finalmente, a filosofia exige coragem. Filosofar não é cultural que possa significar uma ameaça a seus valores.
um exercício puramente intelectual. Descobrir a verdade é ter Mississipi em chamas. 1988 – EUA – Filme clássico
a coragem de enfrentar as formas estagnadas do poder que sobre o racismo nos Estados Unidos dos anos de 1960 que
tentam manter o status quo. É aceitar o desafio da mudança. denuncia o problema da intolerância.
Saber para transformar.
2 GHVWLQR. 1997 – Egito/França – No século XII,
em Córdoba, os escritos do filósofo Averróis chocam os
5HWRPDQGRDaula islâmicos. Para apaziguar a situação, o califa Al Mansour
ordena que todas as suas obras sejam queimadas. É quando
os discípulos do filósofo decidem fazer cópias manuscritas
de suas obras, para levá-las para além das fronteiras do Islã.
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Nesta seção, verificamos a importância da atitude crítica.


Atitude é perseverança e exercício constante sobre o objeto 0LQKDVDQRWD©·HV
que estou estudando ou buscando compreensão. Crítica vem
a ser uma análise de conhecimento e reflexão sobre o que
você pode construir ou argumentar, mas para isso devemos
conhecer muito bem o objeto.

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A reflexão filosófica é um reflexo daquilo que conhecemos.


Para chegarmos a isso devemos primeiramente passar pela
atitude crítica, pois sem esse conhecimento não podemos
construir uma reflexão que seja autêntica. Refletir sobre algo é

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