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-- ·-

CONCEITO E TRAGÉDIA DA CULTURA

l, ao
O fato de que o hom em não pertence, de modo inquestionáve
afastar,
estado natu ral do mundo, ao contrário do animal, mas dele se
impondo-
confrontando-o, fazendo-lhe exigências, lutando contra ele,
grande
-lhe sua violência e sofrendo sua violência, constitui o primeiro
entre o
dualismo a dar origem a um processo infindável de interacão '
encontra
sujeito e o objeto. Uma segunda instância desse dualismo
ano cria
espaço no interior do próprio espírito humano. O espírito hum
-- -- -- -
inúmeras formas que continuam a existir com peculiar inde_P.en_
çiênci~
o que as
mante dess a mes ma alm a que as criou ou de qualquer outr
religião,
aceite ou rejeite. Assim é que o sujeito vê-;; - diantê da~lei, dà
lido pelo
da tecnologia, da ciência e da moral - ora atraído, ora repe
s formas
conteúdo que lhe é oferecido, às vezes fundindo -se com essa
nciado
como se fossem part e de seu próprio Eu, outras vezes delas dista
momen-
e evitando inte ncio nalm ente o contato com elas. Em outros
aind a, é sob uma form a rígida, coag ulad a, como num a existência
tos
opõ~-se à
congelada, que o espírito, assim transformado em objeto,
d~ si e do
vitalidade fluída, à própria responsabilidade pessoal diant~
etiva. Pelo
mundo, às cambiantes tensões interiores de sua psyche SUbJ
9
, . d tar espírito estreitamente vinculado a si mesmo 1
propno fato e es O . ,e e
. , eras tragédias surgidas desse profundo conflito ent
passa por inum . . . . . re
. entre a vida subjetiva, incessante mas finita no ternp
formas opostas • _ . , . o,
, dos que uma vez criados, sao inamoviveis e permanece
e seus cont eU , rn
indefinidamente válidos.

A ideia de cultura vive no meio desse dualismo. Na origem dessa


ideia encontra-se um fato interno que só pode ser expresso plena-
mente por meio de uma parábola - uma parábola algo nebulosa:
0 caminho da alma rumo a si. ~!~ ca é apenas aquilo que
é neste momento, é sempre algo mais que isso, algo superior e mais

-------------------------------~~~--------- ~----------
perfeito, algo que já estava pré-formado e constituído nele mesmo,
algo irreal mas de algum modo existente. Não nos referimos a um
ideal ingênuo localizado em a gum ponto do mundo espiritual, mas
ao ser-livre, à liberação das energias potenciais nele existentes, ao
desenvolvimento de seu próprio ser mais profundo que obedece a
uma pulsão formal interior. Assim como a vida - em seu ponto mais
alto de desenvolvimento consciente - contém, de forma imediata,

~ -__ -----------
seu próprio passado como uma parte de seu inorgâni~
__ ,_ na_
- ~ - - - ---- --
o passado
'-
segue vivo
im corno
consciência com seu conteúdo original e não
--
-
apenas como causa mecânica de ulteriores tr~ orm-Ê-~s, do mesmo
-------
modo a vida abarca o próprio futuro de uma forma que não tem qual-
quer analogia com o mundo do inanimado. Em todos os momentos
da existência de um organismo que pode crescer e reproduzir-se,
sua forma futura está nele presente como uma necessidade e uma
pré-moldagem tão profundamente interior que de modo algum pode
ser comparada, por exemplo, ao processo de uma mola tensionada que
em si mesma contém sua subsequente liberação e expansão~
-~~ que é não-vivo possui como seu apenas o instante presente,
0
--s~ r ....vivo
_..,......-~ ____...---, _____ de maneira incomparável por seu assado e
estende-se
seu futuro. Todos os movimentos da alma como a vontade, 0 senso
de dever, â:' vocação, a esperança, são prolongamentos espirituais da
determinação fundamental da vida que é esse fato de conter O futuro
em seu propno, · presente de uma forma específica que so, exis· te no

10
vida. E isso se aplica não apenas ao d .
Processo da- . . ,. s esenvolv1mentos
e realizaçoes parciais do esp1nto: também a personal'd
. 1 adecomoum
todo, e como uma urudade, traz dentro de si uma imag .
em previamente
desenhada com linhas invisíveis, imagem que realizad ...
. . . ' a, perm1tina
à personalidade, por assim dizer, sua realidade plena e n-
ao sua mera
possibilidade. Por mais que o amadurecimen to e O refinamento das
forças do espírito possam consumar-se sob aspectos parciais, em acões
e interesses parciais e, digamos, provinciais, abaixo ou acima d~sse
plano encontra-se a exigência de que a totalidade do espírito como
tal cumpra a promessa nele mesmo contida de tal modo que todos os
aperfeiçoamentos parciais do espírito surjam, com efeito, corno uma
multiplicidade de caminhos pelos quais o espírito chega a si mesmo. se
for o caso de dizê-lo assim, esse é um pré-requisito metafísico de nossa
natureza prática e emocional- por mais que também essa expressão
simbólica mantenha-se a uma ampla distância do comportamento
real, isto é, do fato de que a unidade da alma não é simplesmente
um vínculo formal que permite o desenvolvimento de suas forças
parciais sempre da mesma maneira, mas que, através dessas forç~
parciais, dá-se um desenvolvimento do espírito corno um todo - e
esse desenvolvimento do todo antepõe-se, internamente no espírito,
ao objetivo de um desenvolvimento para o qual todas essas faculda-
des e perfeições parciais surgem como meios para a consecução do
objetivo final.

Eassim vem à tona a primeira determinação do conceito de cultura


que, a título provisório, serve-se dos recursos da linguagem para ser
expressa. Ainda não estamos cultivados, ainda não somos cultos,
quando apenas desenvolvemos em nós este ou aquele conhecimento l/:JY
ou capacidade parcial, mas somente quando tudo que se relaciona t V

com o desenvolvimento pleno do espírito -por certo relacionado c~


seus desenvolvimentos parciais mas sem se reduzir a eles - serv~
c,:ntralidade do espírito. Nossas aspirações conscientes e direcioná-
veis aplicam-se a interesses e potencialidades parciais e é por isso
que o desenvolvimento de todo ser humano, visto em termos de sua
11
'd d de ser assim nomead o, surge como um feixe de linhas d
capac1 a e . _ d ' e
desdobr am em dueçoes 1versas e com corn .
crescimento que se _ Pri-
bem distinto s. Mas o ser humano nao se cultiva e
mentas de on d a . . , . o:rn
. uas perfeiçõ es parc1a1s : so se cultiva com o signific d
essas llnhas em s . ao
ter para O desenvo lviment o de sua integral idade pess
que possam , . oa1
. f' , Em outras palavra s, - a cultura e o camznh o da unidad
1nde 1n1ve1. - - - -- - - - -- -:.:.: e,
i mesma rumo à unidade desenvo lvida passand o pe/
encerra d a em S ' . a
--l7 ~ idade aberta. Em todas as circunst âncias, porém, esse só po~
ser um desenvo lviment o rumo a um fenôme no enraizad o nas forças
germinais da persona lidade e que, por assim dizer, está nela delineado
como seu próprio plano ideal.

Também aqui os usos da linguag em sugerem um outro modo


adequad o de dizer a mesma coisa. Dizemo s cultivad a a fruta de um
pomar que o trabalho do jardinei ro extraiu de uma árvore lenhosa
com frutos antes não comestí veis. Dizemo s também que essa árvore
selvagem foi cultivad a até transfor mar-se em árvore frutífera. Se, de
outro lado, um mastro de navio for feito dessa mesma árvore, e a ele
aplicar-se um trabalho teleológico, finalísti co, em nada menor que o
trabalho com a fruta, não diremos de modo algum que esse tronco foi
cultivado até transfor mar-se em mastro. Essa nuance da linguagem
indica claramente que a fruta, mesmo não podendo surgir sem o esforço
humano, emerge das forças interiore s da árvore e corresponderá apenas
à possibilidade prefigur ada em seus próprio s desígnio s, ao passo que a
forma do mastro é acresce ntada ao tronco a partir de um conjunto de
finalidades a ele em tudo estranh as e que carece, em suas tendências
próprias e essenciais, de toda prefigu ração com esse objetivo._!Jess,:
senti~ o, todo conheci mento possível, t.Qgas as virtuosi dades, todos os
~~finam ~~os de uma pess~ a ; ão nos per~ it~ m dizer que ela tem de
( ' f
~
- - - - - - -- - - - - - - - - - -=------ -
qualidad.:_ de um ser cultivad o caso esse;.ir aço; operem a~
com9 acr~scim os que-Che gam à sua persona lidade a--p artÚde um valor
ª ela ~xterior e g~ , em últi~~ tância, a ela perman ecem ig~
extenore s · Nesse , 1t· dos
- _ caso, a pessoa certame nte exibira aspectos cu iva
-- ---:-
mas não é uma pe ssoa cu 1_!a; ela so: se- tor:fiã t u'dos
culta quand~ os co:: e /
12
- - -- -----
a:--s_up~r_a~p_e_ss:.. o.: . .a:::::.l.!:p~ar~ecem d d
_ a_e_st_e:---r-:
Ov,r~iu=n:.:_d_o_s_d_e_u_m
- . -...__ es obrar em sua al
corno por uma secreta harmonia, aquilo que n 1 -:-- ~ a, /
--- . , . . . - - - e e existe como pulsão
P rópria e proJeto previo interior de sua perfeição b' . - - -
-----~ - -- - - - - -----.J-~ ..:..:::~

E aqui enfim surge a condicionalida de da cultur t ,


_ _ _ a, a raves da qual
.
se propoe uma soluçao para a equaçao suJ· eito-obJ.eto. N-ao aceitamos
0 conceito de cultura nos casos em que a perfeição n ~
ao e percebida
corno interior ao núcleo do espírito; mas esse concei·to t ampouco se ✓
ap ica a i onde se apresenta apenas como um autodesenvolvimento
que não requer meios e mediações objetivos e externos. Inúmeros
movimentos de fato conduzem a alma na direção de si mesma tal
como o exige seu ideal, isto é, levam-na à realização de um ser pleno
e o mais adequado possível mas que, de início, existe apenas como
possibilidade. Na medida, porém, em que o espírito apenas lograr
esse objetivo exc us1vamente a partir de seu interior - por meio de
impulsos ~ligiosos, abn~ação moral, intelectualidade predominante,
~globa l da existência - ele pode não se adequãrao que
entendemos por culto, cultivado. Não se trata do fato de que careça
desse algo total ou relativamente exterior que o uso linguístico reduz
à condição de civilização. Isso não importa. É que o cultivado, em seu
sentido mais puro, mais profundo, não reside ali onde o espírito per-
cÕrre, exclusivamente com suas forças subjetivas pessoais, o caminho v
que o conduz de si para si mesmo, desde a possibilidade de nossoJ.!!
mais autêntico até sua plena realização - embora seja certo, talvez,
T_Ie, de um ponto de vista mais elevado, essas realizações sejam as mais
valiosas. E assim se demonstraria que a cultura não é o único valor do
espírito, o definitivum. O significado específico da cultura, no entanto,
s~é alcançado quando os seres humanos incorporam em si algo qu!_é ~
~xterior a esse desenvolvimento, quando o caminho do.espírito pas~
por valores e avanços que não são, eles mesmos, animicament~?@~-
~ As~rmas objetivamente espirituais de que falei no início- _ .~rte ~/
e moral, ciência e objetos formatados para fins específicos, rehgiao e
direito, tecnologia e normas sociais - são, tog_as. estacões pelas quais
~ o precisa passar para lograr o valor intrínseco especial a que_
13
~o/
f
/,r' se dá O nom e de sua cult ura . O suje ito tem de
aba rca r ess a~ çõ es

,J 4
em si mes mo : não pod e per mit ir que exi s~m
. res.
ape nas co ~ va l~
--- --- -
~ 'o bj etif icad os, a ele ext eno

i-
par ado xo da cul tura con sist e em que a vid a sub jeti va, que sent
0
a imp ulsi ona -se rumo
mo s em seu flux o con tínu o e que por si me sm
feiç ão (con side rad a na
à per feiç ão inte rior , não pod e alca nça r ess a per
de si me sma : só a pode
per spe ctiv a da ideia de cult ura ) a par tir ape nas
fica ram com plet ame nte
con seg ui-l a pas san do por aqu elas form as que
had o e autossuficiente.
fora del a e que se cris tali zar am em um tod o fec

,.,_ \
~
--
A cul tura sur ge - e isso é abs olu tam ent
pre ens ão - ao reu nire m-s e os doi s ele me nto
isol ada men
-- ----
te
-
a
-
con
-
tém
-: o--esp-:--:-
-
írit
:---
o
~~
sub
-- -- - - - -
~-
jeti vo
-
e as
--
e cru cial par a a sua com-
s, nen hum dos quais
- çõe s espirituais
-cria

objetifi~ag_ªs, ext er~ das .

for ma hist óric a. Um


Aqu i resi de o sign ific ado met afís ico des sa
ana s dec isiv as ergue
gra nde núm ero das açõ es ess enc ialm ent e hum
o sem pre rep etid ame nte
pon tes inconclusas - e que, se concluídas, serã
l, com o o conhecimento,
des tru ída s-e ntr e o suje ito e o obj eto em gera
em alg um as de suas
de mo do esp ecia l o trab alh o, a arte e a reli gião
par a o qua l a compulsão
significações. O esp írito dep ara- se com um ser
; ma s ele per man ece
e a esp ont ane ida de de sua nat ure za o diri gem
vim ent o, em um cír-
eter nam ent e con tido em si me smo por esse mo
que , des vian do- se pela
culo que o ser ape nas roça de leve ; e tod a vez
ser, a ima nên cia de sua
tan gen te de seu cam inh o, des ejar pen etra r no
círc ulo enc erra do em
lei inte rna arra sta- o out ra vez par a a rota ção do
obj eto com o correlatos,
si mes mo. Na form açã o dos con ceit os suje ito-
no out ro, exis te o desejo
cad a um dos quais enc ont ra significado ape nas
o rígi do e últi mo. Pois
e a ante cipa ção de um a sup eraç ão des se dua lism
par a atm osfe ras espe-
bem, aqu elas ações men cion ada s tran spõ em-no
ent es des se dualismo
cíficas nas qua is a estr anh eza rad ical dos com pon
ém, só pod em ocorrer
é redu zida e per mit e cert as fusões. Como elas, por
con diçõ es atmosféricas
sob as m odificações cria das pela s, dig amo s,
sup era r a estr anh eza
des sas pro vín cias específicas, elas não pod em

14
desses componentes em seu interior mais profund
. . . .
tentativas finitas de resolver uma tarefa infinit 0 e continuam sendo
. M
. ª·
com os obJetos com os uais nos cultivamos incorp as nossa relação
- - - -,---: - ---:d:---_ __:__
mesmos, e de outra natureza porque eles mes , oran o-os em nós
- . . mo s - ,.
se tornou obJehvado naquelas formas éticas e intesao o esp1nto que
. . __ __ lect •
__ . .
estéticas, religiosas e tecnológicas: o dualismo com ua1s, soc1a1s e
_ - ~ -- -- -: -- -- - - - q
O ua1 ..
e:1cerrado em se~s próprios limites, 02õe-se ~o_o o su1e ito, i
bje ~is ten te por
si mesmo, expenmenta uma conformação singular
- -- - - - - - quando amb
os componentes são, tornam-se espírito. Assim, o os
espírito subjetiv~
deve sair de sua subjetividade, mas não de sua esp
iritualidade, para
experimentar a relação com o objeto através do qua
l seu cultivo ocorre.
Essa é a única maneira pela qual a forma dualista
da existência, que
se define a partir da existência do sujeito, organiz
a-se rumo a um
relacionamento internamente uniforme. É aí que
o sujeito torna-se
objetivo e o objetivo se torna subjetivo, o que cara
cteriza a especifici-
dade do processo cultural no qual, para além dos con
teúdos parciais, ele
exibe sua forma metafísica. Sua compreensão mais
profunda, portanto,
requer uma análise mais detalhada dessa objetiva
ção do espírito.

Estas páginas partiram da constatação da profunda


estranheza ou
hostilidade que existe entre a vida e o processo cria
tivo da alma, por
um lado, e seus conteúdos e produtos, por outro.
À vida vibrante do
espírito, inquieta e sem limites, criativa, opõe-se ~
seu produto rí jgQ,
i ealmente imutável, com seu inquietante efeito
contrário ca az
de paralisar aquela mesma vivacidade, enrijecê-1~
Com frequência,
êêomo se amobilidade criativ; cia alma morres
se em seu próprio
produto e por causa dele. Aqui reside uma forma bás
ica do sofrimento
que nos é imposto por nosso próprio passado, nos
so próprio dogma,
nossos próprios fantasmas. Essa discrepância que
existe, por assim
dizer, entre os estados agregados da vida interior e
seus conteúdos, é
em certa medida racionalizada e pressentida de mod
o menos intenso
pelo fato de que, por meio de seu trabalho teórico ou
prático, o homem
confronta seus produtos ou conteúdos espirituais
como um cosmo
do espírito objetivado, um cosmo em certo sentido
determinado e

15
~ b
autonomo. A O ra exter na ou imat erial na. qual merg ulha .
a vida do
,. ,
esp1nto e perceb·da 1
como um valor especial - por mais que a Vida
, ,
. ·nteri or enve rede por um beco sem saida ou seja levada
fluindo em seu 1 , ,
pelas ond as da corre nteza que deix am para tras essas form as imóveis•
. . . . ,
e esse va1or esp ecial cons titui a nque za espe cific amen te hum ana
.
1.e., o
fato de que os prod utos da vida objet iva perte ncem ao mesmo,
temp o a uma orde m objetivada de valores, que não flui, a uma ordem
lógica ou moral, a uma orde m relig iosa ou artís tica, a uma ordem
tecnológica ou jurídica. Ao se reve larem porta dore s de tais valores,
como mem bros de tais séries, esses prod utos da vida objet ivada são,
não apen as libertados de seu rígido isola men to do processo vital, em
virtude do entre laçam ento e siste mati zaçã o de ambo s, como tamb ém
alcançam, ness a mesm a malh a, um signi ficad o a que não poderiam
aspirar dado o carát er irrefreável de sua dinâ mica .

Uma tônic a axiológica recai sobre a objet ivaçã o do espírito, o valor


surge na consciência subje tiva mas o que essa cons ciênc ia com ele faz
é apon tar para algo além dela mesm a. O valor nem semp re precisa
ser
positivo no senti do do bem, daqu ilo que é bom , da coisa certa ; antes,
o
mero fato form al de que o sujei to pôs-se a cons idera r algo objetivo, de
que sua vida assu miu corpo fora dele mesm o, é perce bido como signi-
ficativo porq ue some nte a auto nom ia do obje to mold ado pelo espírito
libera a tensã o básic a entre o processo e o cont eúdo da consciência.Pois,
assim como as repre senta ções parti cula rmen te natu rais apaziguam
a estra nhez a que é persi stir dent ro do proc esso de fluxo contínuo da
consciência como algo com pleta men te solidificado, legit iman do essa
estabilidade em sua relação com um mun do obje tivam ente externo, do
mesm o mod o a objet ivida de do mun do do espír ito pres ta um serviç
o
equi valen te. Sent imos toda a viva cida de do noss o pens amen to na
firme za das norm as lógicas, toda a espo ntan eida de de noss as ações
nas norm as morais, todo o curso de noss a cons ciênc ia pree nchido com
conh ecim ento s, tradi ções , impr essõe s de um amb iente de algum modo
mold ado pelo espírito; a rigid ez e, por assim dizer, a insolubilidade
quím ica de tudo isso reve lam um dual ismo pers isten te dian te dos

15
ritmos irrequietos do processo sub. t ·
Je ivo de nosso -·
entanto, surge como uma represent _ espinto, no qual, no
. açao,comoum t 'd ..
subjetivo. Mas por pertencer a um d . con eu o esp1ntual
mun o ideal a · d .
. cima ª consc1encia
A •

individual, esse contraste fundament


a-se e se Justifica.

Quanto ao sentido cultural do obJ·et , .


. . . o, que em ultima instância é
0 que interessa aqui, o importante é que -
• A • • • • • ne1e reunem-se vontade e
intehgencia, individualidade e impulso aním • A •

, . ico, potencia e estado de


ânimo dos espintos parciais (e também do conJ·u t d ) -
no e1es .E somente
assim que esses significados espirituais alcançam O p t fi d
on o na1 e seu
percurso.

Na felicidade que o criador sente diante de sua obra, por mais rele-
vante ou menos importante que ela seja, talvez exista uma satisfacão
objetiva, por assim dizer, ao lado da descarga das tensões internas, ao
longo da criação, ao lado da comprovação da força subjetiva, ao lado
da satisfação de ver sua própria expectativa atendida - ao lado de
tudo isso continua existindo, por assim dizer, uma satisfação objetiva
pelo fato de que o cosmo das coisas com valor tornou-se mais rico
com essa parte a ele agora agregada. Sim, talvez não exista um prazer
pessoal sentido de modo mais sublime com nossa própria obra do que
quando a percebemos em sua impessoalidade e em seu distanciamento
de nosso ser subjetivo. E assim como as objetificações do espírito são
valiosas para além dos processos subjetivos da vida que atuaram
como suas causas, também o são para além dos outros processos que
delas dependem como consequência. Por mais que apreciemos os
modos pelos quais a sociedade se organiza e os formatos técnicos dos
fenômenos naturais, das obras de arte e do conhecimento científico
da verdade, dos costumes e da moral, e embora saibamos o quão
influentes são em sua incidência sobre a vida e o desenvolvimento
dos espíritos, apesar de tudo isso muitas vezes, talvez sempre, está
implícito o reconhecimento do que são essas formas em geral e de que
0 mundo também compreende
essa conformação do espírito. Trata-se,
aqui, de uma diretriz de nossos processos de valoração que se detém

17
na natureza do dua is
r mo objetivo-esp iritual sem indagar, além d
. e
. .. - essas coisas, a respeito de suas consequência
uão definitivas sao . s
q .. . d do prazer subjetivo fornecido pelo fato de que
espirituais. Ao 1a O a
emplo é percebida como algo que se torna parte de
obra de arte, por ex , .
, . d. er reconhecemo s como um valor especial o fato de
nos, por assim iz , , .
, •t criou esse recipiente de conteudos assim proposto a
que um espin o . .
sobra Assim como pelo menos uma duetnz da vontade
que ch amamo • _ . , . .
artística desemboca na persistencia propna da obra de arte e implica
uma valoração em tudo objetiva do desfrute da força criativa eviden-
ciada por suas energias vitais, do mesmo modo existe uma diretriz
semelhante, de igual orientação, no interior da atitude do receptor
dessa mesma obra.

E isso em clara distinção dos valores que revestem aquilo que é


dado de forma puramente objetiva, como esse objetivo que é a natu-
reza. É que todas as coisas naturais, o mar e as flores, os Alpes e o
céu estampado de estrelas, somente têm valor quando refletidas nas
almas subjetivas. Assim que pomos de lado as humanizaçõ es místi-
cas e fantasiosas da natureza, também ela revela-se apenas um todo
continuamen te coerente cuja lei, indiferente a nossa existência, não
admite qualquer sentido baseado em sua existência objetiva, nem
mesmo numa existência objetivamen te diferenciada das demais. São
apenas as nossas categorias humanas que recortam as fatias parciais
dessa natureza às quais vinculamos nossas reações estéticas, solenes e
simbolicamente significativas; a ideia de que o belo da natureza é "uma
bênção em si mesmo" só existe como ficção poética; para a consciência
que se esforça por alcançar a objetividade , não existe na natureza
valor algum além do que em nós suscita. Assim, enquanto o produto
das energias absolutamen te objetivas só pode ter valor em nossa
esfera subjetiva, de modo contrário o produto das forças subjetivas
tem um valor objetivo para nós. As formas materiais e imateriais nas
quais ª vontade do ser humano, sua capacidade, seu conheciment o e
sentimento estão inves
· t·d - aquelas que existem objetivament e
i os, sao
e que percebemos com0 sign1· ·f·1cativas
• · - ·a
e enriquecedo ras da existenci
18
mes mo qua ndo as abst raím os d
ser- usad a ou ser- desf ruta da Emba natu reza de s
eu ser-contemplada
imp ortâ ncia orig inem -se excl. ora valor e sign1·f ,
usiv icado, sentido e
são vistos corno exis tent es na natuame
r
nte no espírit O h
d
. . umano, eles
o valor obje tivo daq uela s form as naseza ada; mas iss 0 - .
. nao pre1udica
subjetivos - criativos e formativos _ quai s essas energias al
., t - .
1a es ao investidos Um e v ores
sol que nen hum olho hum ano obse rva n ~ t ~ d
. . · por 0
algu m, mai s vali oso ou mag nífic o porq ue ao orna o mun do, de modo
f . .
não com port a essa cate gori a; mas quan do um sua actic1dade objetiva
· t
pin
ima gem do sol nasc ente seu esta do de espírito or colo ca em uma
. al , .
ideia de form a e cor, sua expr essi vida de considerpess amo
o , sua prop na
_ . , b
s essa o ra por(
enq uan to nao entr am em Jogo suas even tuai s categori
as metafísi-
cas) como um enri que cim ento, um acréscimo ao valor
da existência
em gera l; o mun do nos pare ce, por assi m dizer, mai s
digno em sua
existência, mai s próx imo de seu significado, quan do a
font e de todo
valor, o espí rito hum ano , faz-se pres ente ness e fenô men
o que agora
tam bém pert ence , com o obra, ao mun do objetivo (nes
se significado
pecu liar, inde pen den tem ente do fato de que algu m
espí rito poss a
depois cap tar o valo r assi m prod uzid o e dissolvê-lo no
fluxo de seus
sent ime ntos subjetivos). O sol nasc ente natu ral e a pint ura
desse nascer
do sol exis tem com o real idad es, mas o prim eiro só tem
valor enqu anto
perm anec er vivo na esfe ra psicológica; qua nto à segu nda
, porém, que
já recobriu aqu ela vida natu ral e a tran sfor mou em um
obje to no qual
nosso sens o de valo r deté m-s e com o dian te de um defi
nitivum, de algo
acabado, essa inde pen de de toda subj etiv ação.

Se obse rvar mos esse s mov ime ntos sob a ótic a de uma
pola rida de,
veremos, por um lado , uma aval iaçã o que pert enc e ape
nas à vida sub-
jetivamente mot ivad a, na qua l todo sent ido, valor, sign
ificação, são não
apenas gera dos com o nela perm ane cem cont idos . Por
outr o lado, não é
menos com pree nsív el a ênfa se radi cal no valo r que se
torn ou objetivo.
Certamente, esse valo r obje tivo não está vinc ulad o à prod
ução orig inal
das obras de arte , das relig iões, tecn olog ias e con heci men
tos; mas O que
quer que uma pess oa faça, para ser con side rado com o algo
de valo r deve

19
t •buir para O universo ideal, histórico e materializado do e .
con n . . _ spirito
- cabe ao imediatismo subjetivo de nosso ser e açao fazê-l o, Inas·
Nao . . .
•ma seu conteúdo objetivament e normalizado e ordenado de zno~·
s1 ,
que no final das contas, apenas essas normas e ordens contenh
, . azn a
substância do valor e a comuniquem aos eventos ~essoais que fluem.
Mesmo a autonomia da vontade moral em Kant nao envolve nenhu
valor próprio em sua facticidade psicológica, mas a vincula à realizaç:
de uma forma existente na idealidade objetiva. Também o espírito e a
personalidade têm sua significação, para o bem e para o mal, na medida
em que pertencem a um domínio suprapessoal . A cultura formata
sua unidade comparando e contrastando essas avaliações do espírito
subjetivo e objetivo: é que a cultura significa esse tipo de perfeição
individual que só pode ser alcançada por meio da incorporação de uma
forma suprapessoal que de algum modo situa-se fora do sujeito. o valor
específico de ser-culto é inacessível ao sujeito se ele não chegar a esse
valor através de realidades espirituais objetivadas; estas, por sua vez,
são valores culturais apenas na medida em que fornecem o caminho
do espírito que vai de si para si mesmo, um caminho que vai do ponto
que pode ser chamado de seu estado natural ao ponto descrito como
seu estado cultural.

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É possível também expressar a forma do conceito de cultura do
seguinte modo: não há valor cultural que seja apenas valor cultural;
para apresentar-se com esse valor, deve ainda ser um valor numa
série objetiva. No entanto, mesmo quando esse valor existe numa
série objetiva, e ainda que algum interesse ou capacidade de nosso ser
seja por ele estimulado, o valor cultural somente surgirá quando esse
desenvolvimento parcial elevar o Eu-total a um ponto mais próximo
de sua unidade e perfeição. Essa é a única maneira de entender dois
fenômenos negativos da história do espírito e que de algum modo
correspondem -se mutuamente: de um lado, o fato de que ~ s
com O mais profundo interesse cultural geralmente demonstram urna
n~ vFnd!fe~ à pelos conteúdos objetivos parciais da cultura~e
até
_ os · ·t
reJei am, ------=::-
por nao . , _ _
conseguirem~perceber o grau de cont n·buica
.1
0
__,

20
superespecializada que aportam à promo - d
çao as person 11·d
nas (e provavelmente não há qualquer prod t O h ª ades le-
~ u umano
demonstrar tal grau de contribuição embor , . que tenha de
- a, sem duvida ta
exista algum que nao possa demonstrá-lo) D ' mpouco
. e outro lado sur
fenômenos que parecem ser apenas valores cult . ' gern
urais por ostenta
certas formalidades e refinamentos do modo de . rern
viver que pertencem
a épocas maduras e por demais esgotadas. Ali ond .
. e a vida se tornou
estéril e sem sentido, todo desenvolvimento na dire - d .
, , . çao a plenitude
do ser, que e poss1vel .como man1festacão
, da vontade, n~ao passa de urn
esboco· de desenvolvimento e já não é capaz de extrai·r, do conteudo ,
das coisas e ideias, o necessário alimento e estímulo _ como ocorre
com o corpo doente que não mais consegue assimilar a substância dos
alimentos com os quais poderia recuperar suas forças e desenvolver-se.
Neste caso, o desenvolvimento individual apenas pode extrair das
normas sociais a conduta socialmente válida e, das artes, apenas O ✓
desfrute improdutivo, assim como dos avanços tecnológicos somente
0 ado negativo manifestado nas aci 1 a es e como idades propos~
à vida cotidiana. Surge nesse momento uma espécie de cultura formal-
--=;ubjetiva désprovida da trama interna com o elemento objetivo que
atende às exigências do conceito de cultura concreta. Assim é que, por
um lado, manifesta-se uma ênfase tão apaixonadamente centralizada
na cultura que o conteúdo objetivo de seus fatores objetivos torna-se
excessivo e com isso desvia-se de suas metas maiores uma vez que,
como tal, não cabe e não pode caber em sua função cultural. E, por outro
lado, manifesta-se também um tal enfraquecimento e esvaziamento
da cultura que ela não consegue absorver os fatores objetivos em sua
qualidade própria de conteúdos objetivos. Ambos fenômenos - que
surgem à primeira vista como contrapostos à vinculação da cultura
pessoal com os eventos impessoais - confirmam a necessidade de um
estudo mais preciso dessa relação.

Ofato de encontrarem-se unificados na cultura esses fatores últimos


e decisivos da vida manifesta-se exatamente no fenômeno de que 0
desenvolvimento de cada um deles pode ocorrer com uma autonomia
21
ap en as po de car ece r de mo tiv açã o pel o ide al cultural corno
qu e nã o
r pa ra um ou ou tro deles desv-.1aa
t mb ém reJ·eitá-lo. Isso po rqu e ate nta .
a
e foco qu e ele , de ve na sus ten tar : a neces s1.dade
atencão do sujeito daq uel ~ .
, sin tes e en tre os dois. Os es Pin ..
de definir-se em dec orr enc ia de um a . tos
me nto s obJ· t·
úd os du rad ou ros , qu.er dizer, os. ele e !Vos
que cri am co nte
am a ex tra u, da ide ia de cultura
da cultura, pro va ve lm en te se rec us an
to pró pri o. Pelo contrário ' pod e-se'
os motivos e as ide ias de seu pro du
da do r de um a religião e no artista
dizer qu e há um du plo efe ito no fun
no est ad ist a e no inv ent or, no cie nti sta e no legislador: a descarga d;
su a na tur eza às alt ura s em que ela
sua s forças essenciais, a asc en são de
r de si os co nte úd os da vid a cu ltu ral e, de ou tro lado, a paixão
dei xa sai
, de fin ida po r sua s leis próprias, 0
po r seu pro du to em cu ja per fei ção
sm o e se ex tin gu e dia nte do que
suj eit o tor na -se ind ife ren te a si me
. No gên io, ess as du as co rre nte s co nfu nd em -se : o desenvolvi-
cri ou
si me sm o, lev ado po r suas forças
me nto do esp írit o sub jet ivo rum o a
nte s, é ind ist ing uív el, pa ra ess e me sm o gênio, de sua dedicação
pre me
de si me sm o. A cul tur a objetiva,
à tar efa ob jet iva na qu al ele se sep ara
e. Ma s a sín tes e nã o é ne m a única,
com o foi dito, é sem pre um a sín tes
a ma is im ed iat a for ma da un ida de da do qu e sem pre pressupõe
ne m
is gru po s: os qu e a precedem e os
a sep ara ção do s ele me nto s em do
a ép oc a tão vo lta da pa ra a análise
qu e lhe são cor rel ato s. So me nte um
a mo de rna po de ria en co ntr ar na sín tese aqu ilo qu e existe de
co mo
da de da rel açã o for ma l do espírito
ma is pro fun do , a un ida de e a tot ali
qu e sub sis te, no ent ant o, uma
co m o mu nd o ao me sm o tem po em
À me did a qu e ess a un ida de expele
un ida de ori gin al e pré -di fer en cia l.
ele me nto s ana líti cos , do me sm o mo do corno o núcleo orgânico
de si os
ide -se na mu ltip lic ida de de pa rte s dis tin tas , ela coloca-se para
sub div
ser qu e ess as du as desenvolvam-se
alé m da aná lis e e da sín tes e - a nã o nd0
a em um pro ces so de int era ção , um a pressupo
a pa rti r de la pró pri
iss o só nã o aco nte ce se a síntese
a ex ist ên cia da ou tra em ca da nível• 1

ste rio rm en te os ele me nto s an ali tic am en te ·separados ª


con du zir po
ida de qu e, no en tan to, é dis tin ta da un ida de ex ist en te antes da
um a un .d d original
- d as du as. O gê nio cri ad or é do tad o de ssa un i a e
sep ara çao · · o tern de
. . e pe lo ob jet ivo , un ida de qu e pn me n
co mp ost a pelo sub3etivo

22
er desfeita para de certo modo ressuscitar, no processo de cultivo dos
:ndivíduos, de uma forma inteiramente diferente, uma forma sintética.
É or isso que o interesse pela cultura reside nesses dois movimentos:

0
puro autodesenvolvimento do espírito subjetivo e o puro emergir na
~ri a - não em um nível situado além do impulso axiológico ime-
~te rio r da matéria, mas apegando-se a ela mesma corno algo
sêwndário, abstrato. Assim, mesmo quando o percurso do espírito em
direção a si mesmo - único fator definidor da cultura - gera outros
fatores, a cultura permanece em ação como puro autodesenvolvimento
do próprio ser, seja como for que esse ser determine-se sob um ponto
de vista objetivo.

Vejamos o outro fator da__ç_ultura: aquela produção-do espírito que


amadureceu a ponto de lograr uma existência ideal própria, inde-
pendentemente de toda motivação psíquica. Considerada em seu
isolamento autossuficiente, seu sentido e valor mais próprios não
coincidem de modo algum com seu valor cultural; mais ainda, aquele
abandona por completo sua significação cultural. A obra de arte
deve ser perfeita de acordo com as normas da arte, que não buscam
nada além de si mesmas e que reconheceriam ou negariam o valor
da obra mesmo quando, por assim dizer, nada existisse no mundo
além dessa obra; o resultado da reflexão que levou à obra deve ser
verdadeiro e isso basta. A religião alcança seu sentido com a salvação
que proporciona à alma; o produto econômico quer ser perfeito como
produto econômico e não reconhece outro padrão de valor a orientá-lo
que não seja o econômico. Todas essas séries processam-se no âmbito
de uma normatividade puramente interior e qualquer valor que se
agregue à evolução dos espíritos subjetivos será avaliado pelas normas
meramente objetivas e válidas por si e em si mesmas. A partir dessa
situação objetiva, torna-se compreensível que encontremos, tanto nas
pessoas que se orientam apenas pelo sujeito quanto naquelas que se
orient am apenas pelo objeto, uma indiferença aparentemente notá-
vel pela cultura e mesmo uma aversão à cultura. Quem se interessa
1 1 -

apena s pela salvação da alma ou pelo desenvolvimento individual

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