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net/publication/378106532
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DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.10535388
INTRODUÇÃO
1
Professor da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT – Campus Diamantino). Mestre em Direito
pela Universidade Federal de Mato Grosso (PPGD/UFMT). Graduado em Direito pela Universidade Federal do
Tocantins (UFT). E-mail: andrade.brendhon@unemat.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8204-651X.
2
Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (2004), Pós-Doutor em Direito pela
UFSC (2014). Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina nas disciplinas de Filosofia do Direito
e Teoria do Direito II. Professor permanente no programa de Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade
Federal de Santa Catarina, Líder do Grupo Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para uma Sociedade Sustentável
(CNPQ). E-mail: quintaveras@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1620-6017.
3
Este texto apresenta resultados parciais da dissertação de mestrado intitulada “Os direitos sexuais nas ruínas do
neoliberalismo e neoconservadorismo: um panorama crítico acerca da cidadania LGBTI na democracia brasileira
(1986-2020)”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMT, aprovada e defendida em 2021.
As discussões traçadas no trabalho se articulam ao Projeto de Pesquisa “Liberdade, Democracia e Cidadania”, uma
vezque os objetivos se propõem a analisar as concepções e manifestações sobre liberdade, democracia e cidadania
nos poderes constituídos na realidade brasileira, além de identificar historicamente as expressões teórico-políticas
conservadoras e suas apropriações das categorias liberdade, democracia e cidadania – tendo o trabalho amplo
diálogo com os objetivos almejados na pesquisa coordenada pelo Prof. Dr. Josiley Carrijo Rafael.
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1
Miskolci (2012, p. 3) aponta que “O termo biopolítica se refere à emergência e expansãohistórica de um conjunto
de saberes e práticas que atuam sobre a vida dos corpos e populações”.
2
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos.
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o autor que, embora a concepção política de nação apontasse para o futuro, os pés estavam
fincados na manutenção da ordem.
O autor buscou analisar a formação de um novo imaginário social entre 1870-1900,
que “se consolidou por meio de uma mudança política e cultural que reinscreveu a ordem social
anterior dentro da nova, pautada por valores sintetizados no modo positivista de ordem e
progresso” (Miskolci, 2012, p. 10). O desejo de ordem que “se cristalizou neste período primava
pelo autoritarismo, por um modernismo de ideais associado a um forte conservadorismo
político, um desejo de mudança sem alterar hierarquias e privilégio”. Já o progresso:
[...] é um ideal de civilização futura a ser alcançada por meio da evolução humana.
Seu culto por nossa elite modernizante do XIX mostra – ao mesmo tempo – a
avaliação negativa sobre seu próprio povo e as esperanças nutridas no futuro,
vislumbrando um olhar dirigido à Europa [...] (Miskolci, 2012, p. 1).
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Naquela época, o Império necessitava de uma codificação jurídica, e foi assim que
surgiram os primeiros cursos jurídicos do país (em São Paulo e Pernambuco), com fins a
responder aos interesses burocráticos do Estado. As nascentes Faculdades de Direito surgiram
para sistematizar e irradiar o liberalismo enquanto ideologia política-jurídica e criação de
quadro administrativo-profissional, uma elite burocrática.
Tal movimento é responsável por formar a base do pensamento jurídico nacional, ao
qual Wolkmer (2019, p. 278) nomeia de “bacharelismo liberal”, o qual é marcado por uma
“uma tradição advocatícia desvinculada de atitudes mais comprometidas com a vida cotidiana
e com uma sociedade em constante transformação”. Isso porque “A postura técnica e casuística
fecha-se ante o dinamismo dos fatos e resiste a um direcionamento criativo, não conseguindo
mais responder a novas e emergentes necessidades” (Wolkmer, 2019, p. 278). A partir dessa
reflexão, conclui o autor que:
[...] a tradição das ideias liberais no Brasil não só conviveu, de modo anômalo, com a
herança patrimonialista e com a escravidão, como ainda favoreceu a evolução retórica
de singularidade de um “liberalismo conservador, elitista, antidemocrático e
antipopular, matizado por práticas autoritárias, formalistas, ornamentais e ilusórias.
(Wolkmer, 2019, p. 254).
3
Em referências àqueles cidadãos que nasceram livres.
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conviver com estruturas de dominação, pois, a pergunta básica que deve ser feita é: liberalismo
para quem? A tradição liberal do Estado Mínino e das liberdades negativas visa a proteção de
um pequeno núcleo de cidadãos alçados pela renda e pela cor ao privilégio de classe e da
branquitute como imaginário do embranquecimento gerado pelo racismo estrutural, ou como
ideário fabricado no século XX dentro do mito da democracia racial construído dentro do
sociologismo antropológico de Gilberto Freyre (Carvalho, 2013).
Desde seu implemento na construção do Estado liberal na era Imperial, os princípios,
filosofias e ideias do liberalismo sempre foram aplicadas às camadas da sociedade que alocam
as elites: Liberdade para as elites! Aos negros, às mulheres, à população dissidente sexual e de
gênero, aos indígenas, aos despossuídos e aos outros: a escravidão e a legislação penal. Tanto
é verdade que, o Código Penal Imperial servia para punir as camadas populares, enquanto o
domínio da cidadania constitucional era direcionado às elites da época, como se retira das
leituras de Wolkmer (2019), Neves (2018) e dos textos normativos da época.
O Código Penal de 1890 (Brasil, 1890) previa a criminalização de mendigos e ébrios
no capítulo XII, bem como da vadiagem e capoeiras no capítulo XIII. Destaque para o crime de
vadiagem, no art. 399 “Deixar de exercitar profissão, ofício, ou qualquer mister em que ganhe
a vida, não possuindo meios de subsistência e domicílio certo em que habite, prover a
subsistência por meio de ocupação proibida por lei, ou manifestamente ofensiva da moral ou
bons costumes” (Brasil, 1880). Já a Constituição Política do Império do Brazil de 1924, em seu
título 2 – Dos Cidadãos Brasileiros, previa em seu inciso I que são cidadãos “Os que no Brazil
tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos [...]” (Brasil, 1924). No art. 179 desta Carta
Magna estavam previstos os direitos políticos e garantias individuais destinadas aos cidadãos,
local onde se visualizava espectros de exercício de cidadania e direitos.
Outro elemento importante que essa construção histórica do saber jurídico nacional
coloca é que os elementos conservadores e autoritários sempre fizeram parte do receituário do
projeto nacional. Conservadorismo para manutenção da ordem social, autoritarismo como
recurso de sanção e poder (Wolkmer, 2019). Mascaro (2014, p. 90) explica que em
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O autor deste trabalho, entende, em primeiro lugar, que o direito, como se conhece
hoje, é fruto do desenvolvimento do capitalismo – isso não quer dizer que a justiça e regulações
sociais por meio de normas nasça na modernidade. Em segundo, compreende o direito como
relação social, a qual “as relações que se formam a partir da estrutura social e econômica das
sociedades contemporâneas é que determinam a formação das normas jurídicas” (Almeida,
2020, p. 139).
Soma-se a esse entendimento a compreensão de que o direito é parte das relações de
poder, inspirada em Michel Foucault, tendo em vista que “A concepção do direito enquanto
manifestação do poder admite que a criação e aplicação das normas não seriam possíveis sem
uma decisão, sem um ato de poder antecedente” (Almeida, 2020, p. 134). Para essa concepção,
o direito seria um dos domínios de poder e instrumento de dominação social.
Em ambas as perspectivas, seja como poder (Foucault), seja como relação social
(Mascaro), significa que o direito é resultado de construções sociais e reflete as relações de
poder e relações sociais daquele momento histórico, numa posição expressamente contrária à
ideologia liberal de pureza do direito, ou de separação do direito e da sociedade, ou como se o
direito fosse algo vivo per si, anterior às relações humanas e não resultado das relações sociais.
As abordagens positivistas dentro de uma miragem de neutralidade cientificista positivista, ou
de um direito organicista importado por formas jurídicas derivadas do fascismo italiano ou o
direito como encarnação de um ideal caricato de justiça dentro de uma visão do bacharelismo
caracterizando a ambiguidade de uma visão ornamental do fenômeno jurídico; seja pelo
cientificismo ou pelo ecletismo liberal afastando da definição do direito o seu caráter classista
derivadas da forma mercantil, sempre brotando da necessidade de impor a força diante de
desigualdades sociais produzida pela fratura escravista colonial, pelo mercado de trabalho
excludente do capitalista mitigada por alguns setores que conseguem a conquista de direitos
sociais ou de afirmação de conquistas dentro das dinâmica da intersecionalidade envolvendo
classe, raça, gênero fornecendo visibilidade para os corpos invisibilizados pela sexualidade,
raça ou direitos ecológicos com a perspectiva contemporânea da natureza como sujeito de
direitos dentro do biocentrismo da Pashamama (Zaffaroni, 2017) advindo sempre da luta de
movimentos sociais, dos povos originários, do movimento negro, LGBTQI+, dos povos
originários, de quilombolas, de trabalhadores, do MST.
A busca de agroecologia, da segurança alimentar, de direitos de crianças e
adolescentes, a conquista da liberdade sexual, intelectual dependem de lutas conjunturais
alicerçadas nestes sujeitos coletivos de direito constituidores de direito e de uma perspectiva de
alteridade dentro de uma comunidade de vítimas invisibilizada pela totalidade de uma
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Para Lyra Filho (1982, p. 3), “a lei emana do Estado e permanece, em última análise,
ligada à classe dominante, pois o Estado, como sistema de órgãos que regem a sociedade
politicamente organizada, fica sob o controle daqueles que comandam o processo econômico”.
Essa posição juspositivista-liberal que orientou a formação do pensamento jurídico nacional
deixou seus resultados, expressados nos termos de Mascaro (2019, p. 12):
[...] o jurista tecnicista, que em geral quer esconder a relação do direito com o todo
[...] identifica o direito apenas com a norma jurídica. Pinça um fenômeno isolado do
direito e quer fazer dele a razão de ser da explicação jurídica, sem relacionar a norma
com os demais fenômenos. Estes são os juristas limitadores, que procedem a um
reducionismo na explicação do direito, escondendo os liames do direito com a
sociedade para não explicitarem os seus reais vínculos.
4
O jusnaturalismo entende que o direito está incluído numa ideia de justiça e que para a validade das normas
estatais elas devem estar em conformidade com o direito natural. Falha essa concepçãoem permitir que sob seu
domínio se justifique a exploração de pessoas, como o foi à época da escravidão e reiterar a ideia de justificações
metafísicas para o direito, das ciências naturais e expressões religiosas, que, historicamente, tem fundamentado
opressões sobre mulheres, LGBTI e populações negra (Almeida, 2020).
5
Utiliza-se o termo neoliberalismo inspirado em Brown (2019) que mescla a corrente foucaltiana e neomarxista.
Em termos foucaultianos, Brown (2019, p. 32) aponta que este “revela como governos, sujeitos e subjetividades
são transformadas pela remodelação neoliberal darazão neoliberal, considera o neoliberalismo como revelador de
como o capitalismo [...] é sempre organizado pelas formas de racionalidade política”. Nos termos neomarxistas,
se “concebe o neoliberalismo como um ataque oportunista dos capitalistas e seus lacaios políticos aos Estados de
bem-estar keynesianos, às sociais-democracias e ao socialismo de Estado” (BROWN, 2019, p. 29).
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mulheres e população negra, é comum ver análises jurídicas juspositivistas que ignoram o
contexto social dessasparcelas sociais, o veto de participação política e apontam que o Supremo
está invadindo competência ao “legislar” – ainda que um dos desdobramentos do pós-guerra
tenha sido o surgimento do controle de constitucionalidade como instrumento de efetivação de
direitos fundamentais. Apontam esses autores que a competência de legislar é do Legislativo,
ao passo que ignoram que os projetos de lei voltados ao reconhecimento de direitos da
comunidade LGBTI, por exemplo, estão em debate desde 1995 sem êxitos (Irineu, Oliveira,
Freitas, 2021).
Moreira (2019, p. 88) aponta que o “regime liberal não elimina relações assimétricas
e arbitrárias”. Pois, ainda que se “possa fazer parte de regimes supostamente democráticos, sua
inserção social será sempre de marginalização porque o projeto de dominação social opera em
quaisquer regimes políticos, mesmo aqueles baseados no princípio da igualdade de direitos”.
Para o autor,
É nesse sentido que Almeida (2018, p. 29) entende a legalidade como reivindicação
conservadora, embora dela eventualmente há que se recorrer.
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Mascaro (2013, p. 60) compreende que a forma jurídica e a forma política do Estado
capitalista foram conformadas, embora sejam diferentes. Para o autor, “A dinâmica das lutas de
entre as classes, grupos e indivíduos se apresenta politicamente, no capitalismo, perpassada
sempre pela forma estatal”. O Estado não representa a extinção das lutas em favor de uma
classe, pelo contrário, é a manutenção da contradição entre classes, considerando que “Sua
forma política não é resolutória das contradições internas do tecido social capitalista, sendo,
antes, a própria forma de sua manifestação” (Mascaro, 2013, p. 60).
Assim, parte-se da consciência de que o direito materializado no Sul Global serve ao
domínio do capital e às relações sociais hierarquizadas. Nos termos de Mascaro (2019, p. 14),
o fim do capitalismo impõe o fim desse direito notadamente técnico, impessoal e abstrato, essa
forma social-jurídica que ao tornar todos juridicamente iguais legitima o domínio das classes
que detém do domínio do capital, “porque somente numa sociedade socialista que se preocupe
com cada qual e com todos, um outro tipo de manifestação poderá então ser a medida justa das
coisas, das pessoas, dos fatos e das situações, deixando se ser uma estrutura mecânica que
chancela a exploração do capital”.
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O conservadorismo acredita que sua base moral serve de base para a regulação da vida social e reprodutiva da
sociedade (Birolli; Machado; Vaggione, 2020). O neoconservadorismo denomina as novas configurações do
conservadorismo clássico. Para Almeida (2018, p. 28), “o neoconservadorismo estrutura-se como reação ao
Welfare State [Estado de bem-estar social], à contracultura e à nova esquerda, fenômenos atrelados ao pós-
Segunda Guerra Mundial e ao advento do regime de acumulação fordista”.
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Ocorre que, do ponto de vista histórico, também se elegeu um governo que, no espectro
político tradicional, se aloca no campo das esquerdas, que foi o Partido dos Trabalhadores (PT),
com a eleição do Presidente Lula em 2002. Conforme Ricci (2010, p. 9), o PT optou por um
pacto social pelo desenvolvimento pautado na conciliação de classes e interesses, utilizando-se
daquilo que o autor nomeou de “modernização conservadora”, que é um movimento que
fragmenta as demandas da sociedade civil e promove a inclusão social pelo consumo,
culminando num conservadorismo de classe média individualista, fundamentalista religioso e
avesso aos movimentos populares e agenda de direitos.
Nesse cenário dos governos petistas e desde a promulgação da CF/88, os grupos que
antes estavam solapados na base da sociedade conseguiram alguns avanços. Leis raciais foram
aprovadas como a de cotas para o ensino superior (Brasil, 2012), o Estatuto da Igualdade Racial
(Brasil, 2010) e a lei de que define os crimes de racismo (Brasil, 1989).
As mulheres também conseguiram alguns avanços como a Lei Maria da Penha (Brasil,
2006), Lei do Feminicídio (Brasil, 2015), Lei de cotas para participação política (Brasil, 2022),
a primeira Presidenta foi eleita, além de diversas políticas públicas para mulheres. A população
LGBTI também, de forma mais restrita que as parcelas da população acima mencionadas,
conseguiu avançar no campo dos direitos e das políticas, ainda que de forma precária, e com
isso ganhou visibilidade política, social e midiática (Irineu, 2019).
A população empobrecida do país também contou com diversas políticas sociais e de
distribuição de renda que possibilitaram algum tipo de ascensão social e melhora das condições
de vida. Todos esses avanços, são carregados de limites da própria cidadania no contexto do
capitalismo – ou seja, não foram e não são capazes de alterar significativamente a vida da
população brasileira de forma emancipatória (Boschetti, 2018) – mas gerou um ressentimento
nas classes dominantes e privilegiadas. Brown (2019, p. 215) argumenta que
O ressentimento descrito por Brown (2019) faz parte do movimento do que a autora
nomeou de “ascensão da política antidemocrática no ocidente”, por articular nuances do
neoliberalismo e do neoconservadorismo, o que no Brasil restou evidente nos governos de
Michel Temer, e, sobretudo, de Jair Bolsonaro. Para Brown (2019, p. 10):
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faixa etária, deficiência, dentre outros marcadores, como é o caso do projeto de lei abaixo
ilustrado – muito embora acredita-se que é preciso ter equidade entre números, já que conforme
o IBGE (s.d.), as mulheres são maioria nacional por uma margem considerável.
A legislação penal criminaliza o aborto, salvo naqueles casos em que há risco de vida
para a gestante, gravidez resultante de estupro e por anencefalia, sendo esta última decidida por
judicialização direcionada ao Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 442, de 2018 (Brasil,
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 442, DF/2018). A exemplo de
direitos reprodutivos, até mesmo aqueles abortos permitidos por lei – conhecidos como abortos
necessários: estupro, risco à vida da gestante e anencefalia – estão como objetos de discussão
no Congresso Nacional com fins a criminalizá-los, como é o caso do recente PL 2.893/2019.
Proposto pela Dep. Chris Tonietto (PSL/RJ) e Felipe Barros (PSL/RJ), o PL objetiva
revogar dispositivo que trata dos abortos necessários. Extrai-se da justificativa do projeto: “O
autor do estupro ao menos poupou a vida da mulher – senão ela não estaria grávida. Pergunta
que não quer calar: é justo que se faça com a criança o que nem sequer o agressor ousou fazer
com a mãe: matá-la?” (Brasil, Projeto de lei nº 2.893, de 2019).
Já no que diz respeito aos direitos sexuais voltados à comunidade LGBTI no
Congresso Nacional, há tentativas de inclusão de proteções jurídicas desde a Constituinte de
1986/87 e com a subsequente submissão de dois projetos de lei específicos em 1995 – o PL 70
(Brasil, Projeto de lei nº 70, de 1995), acerca de da alteração de prenome para pessoas trans –
e o PL 1.151 (Brasil, Projeto de lei nº 1.151, de 1995), que disciplinava a união civil entre
pessoas do mesmo sexo. Desde então, diversos projetos de lei foram submetidos à apreciação
tanto da Câmara de Deputados, quanto do Senado Federal, e todos, sem exceção, restaram
infrutíferos.
Todo esse cenário de neoconservadorismo legislativo levou o movimento LGBTI a
judicializar os direitos como forma de satisfação e reconhecimento, desembocando no Poder
Judiciário a tarefa de proteção jurídica dessa comunidade – isso significa que os direitos LGBTI
foram reconhecidos via judicialização, e não via legislação (Oliveira, 2021).
Irineu, Oliveira e Freitas (2021, p. 59), em estudos realizados pelo Núcleo de Estudos
sobre Relações da Mulher da Universidade Federal de Mato Grosso (NUEPOM/UFMT),
ilustram que a cruzada antigênero institucionalizada no Poder Legislativo, que faz parte de um
contexto maior de neoconservadorismo crescente no ocidente, possui três estratégias comuns:
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Além disso, tem se utilizado dos pânicos morais sob argumento de que a ideologia de
gênero tem por objetivo a destruição da família tradicional, da sociedade e das crianças, tendo
como foco os grupos de militância feministas e LGBTI. Assim,
Todo esse cenário delineado acaba por revelar que, além das opressões estruturais
como o sexismo, o racismo, a LGBTIfobia e a pobreza, em suas intersecções, a tradição jurídica
latino-americana é marcada pelo fetichismo da lei, que muitas vezes possui leis e direitos de
caráter meramente simbólico, que não garante sua efetividade. Nesse sentido,
Nas sociedades latinas, em geral, não pensamos a lei e o direito como uma espinha
dorsal do contrato social que pode e deve se transformar à medida que se transformam
os sujeitos que os produzem (e suas relações). Mas sim como um arcabouço quase
mítico (platônico, poderíamos dizer) que “determina a realidade”. Além disso, na
conjuntura atual, em face da crescente perda de capacidade indutiva e normativa dos
Estados nacionais, assistimos ao surgimento e intensificação de demandas políticas
no sentido de mais regulação e controle (Corrêa, 2006, p. 109).
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É nesse sentido que “Não se deve ter nenhuma ilusão sobre os limites do Estado Social
na socialização da riqueza socialmente produzida”, tampouco “conceber o Estado como
mecanismo de superação da desigualdade social, ou como possibilidade de redistribuição [...],
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Sugere a autora que “As alianças que têm se formado para exercer os direitos das
minorias sexuais e de gênero devem, na minha visão, formar ligações, por mais difícil que seja,
com a diversidade da sua própria população” e mais ainda, “todas as ligações com outras
populações sujeitas a condições de condição precária induzida de nosso tempo” (Butler, 2018,
p. 77).
Inclusive, é desse ponto de vista que se reitera a tese 11 da obra “Feminismo para os
99%” de Arruza, Bhattacharya e Fraser (2019, p. 93), a qual convoca a todos movimentos
radicais a se unirem em uma insurgência anticapitalista comum. As autoras rejeitam o
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neoliberalismo progressista, bem como o populismo reacionário, devendo “unir forças com
outros movimentos anticapitalistas mundo afora – com movimentos ambientalistas, antirracista,
anti-imperialista e LGBTQ+ e com sindicatos”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Apesar dos diversos avanços nas últimas décadas, todo esse programa se aproxima do
neoliberalismo progressista – que não visa abolir o capitalismo, mas apenas diversificar a
hierarquia social, tomando a meritocracia como princípio organizador da vida.
Conclui-se que o reconhecimento formal de direitos no Estado capitalista, embora
necessário para os grupos historicamente discriminados, explorados e oprimidos, não dispõe de
nenhuma capacidade de superação das mais diversas desigualdades. Resta aos movimentos
sociais se insurgir em torno de alianças anticapitalistas e antiopressões como forma de resistir
e demarcar outras possibilidades de viver dentro de uma territorialidade e de um direito
insurgentes sempre surgido nas fissuras e nas brechas das lutas contra o status quo conservador.
REFERÊNCIAS
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2020.
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Corine Pelluchon. In: Felipe Rodolfo de Carvalho. (Org.). Vidas vulneráveis: Ensaios de
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IRINEU, Bruna Andrade. Nas tramas da política pública LGBT: um estudo crítico da
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MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao estudo do direito. 6. ed. São Paulo: Atlas,
2019.
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SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial
no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito: tradição no Ocidente e no Brasil. – 11ª ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2019.
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Organizadores:
Antônio Leonardo Amorim
Francisco Quintanilha Véras Neto
CRÍTICA AO PROCESSO
PENAL BRASILEIRO
Debates sobre o Sistema de Justiça Criminal
ISBN: 978-65-982514-0-6
Prisma Editorial
1ª Edição
Florianópolis/SC
2024
CRÍTICA AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: Debates sobre o Sistema de Justiça
Criminal © 2024 by Antônio Leonardo Amorim e Francisco Quintanilha Véras Neto is licensed
under CC BY 4.0.
Esta obra é publicada em acesso aberto. O conteúdo dos capítulos, os dados apresentados, bem
como a revisão ortográfica e gramatical são de responsabilidade de seus autores, detentores de
todos os Direitos Autorais, que permitem o download e o compartilhamento, com a devida
atribuição de crédito, mas sem que seja possível alterar a obra, de nenhuma forma, ou utilizá-
la para fins comerciais.
Conselho Editorial: André Afonso Tavares; Camilla Martins dos Santos Benevides; José
Carlos Loitey Bergamini; Miriam Olivia Knopik Ferraz; Tássia Teixeira de Freitas Bianco
Erbano Cavalli.
Organizadores: Antônio Leonardo Amorim; Francisco Quintanilha Verás Neto.
Diagramação e Capa: Prisma Editorial
Contato: https://www.assessoriaprisma.com.br/
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 9
Capítulo 1
CITAÇÕES DE SUJEITOS INDÍGENAS NO PROCESSO PENAL .............................. 10
Jefferson Virgílio
Capítulo 2
USO DE TECNOLOGIAS DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS PESSOAIS NA
PERSECUÇÃO PENAL: Controle biopolítico, impactos e violações de direitos
fundamentais........................................................................................................................... 23
Capítulo 3
RACIONALIDADE GOVERNAMENTAL NA IMPLEMENTAÇÃO DAS UNIDADES
DE POLÍCIA PACIFICADORA: UPP, ou da razão pau de arara ................................... 39
Capítulo 4
A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA APLICAÇÃO PELO PODER
JUDICIÁRIO MINEIRO ...................................................................................................... 64
Capítulo 6
QUE CIDADANIA AS ESTRUTURAS DE DOMINAÇÃO PERMITEM NO SUL
GLOBAL? Um estudo sobre o Brasil Império e Contemporâneo ..................................... 94
Capítulo 7
A JUSTIÇA RESTAURATIVA JUVENIL: Da ofensa a reintegração – em busca do
melhor interesse para as crianças e adolescentes .............................................................. 119
Capítulo 8
A CONSTRUÇÃO DO SER “MATÁVEL”: Uma análise da influência midiática na
construção do “eliminável” ................................................................................................. 135
Capítulo 9
ENCARCERADOS PREVENTIVAMENTE: O controle do Sistema de Justiça Criminal
sobre os corpos negros ......................................................................................................... 150