Você está na página 1de 32

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/378106532

Que cidadania as estruturas de dominação permitem no sul global? Um estudo


sobre o Brasil Império e Contemporâneo

Chapter · February 2024


DOI: 10.5281/zenodo.10535388

CITATIONS READS

0 444

2 authors, including:

Brendhon Andrade Oliveira


State University of Mato Grosso
19 PUBLICATIONS 53 CITATIONS

SEE PROFILE

All content following this page was uploaded by Brendhon Andrade Oliveira on 10 February 2024.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


Capítulo 6

QUE CIDADANIA AS ESTRUTURAS DE


DOMINAÇÃO PERMITEM NO SUL
GLOBAL?
Um estudo sobre o Brasil Império e Contemporâneo

Brendhon Andrade Oliveira1


Francisco Quintanilha Véras Neto2

DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.10535388

INTRODUÇÃO

O presente trabalho3 centra-se no tema da construção dos direitos e cidadania de


grupos vulneráveis, sobretudo, considerando as estruturas de dominação e exploração de classe,
sexualidade, gênero e raça-etnia, no cenário nacional. Objetiva-se apresentar um paralelo entre
a formação do Brasil Império – uma vez que, considerando a Independência, é nesse período
que surgem as primeiras experiências de Estado e Direito notadamente brasileiras– e o contexto
contemporâneo, tomando como marco a promulgação da Constituição Federal de 1988.

1
Professor da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT – Campus Diamantino). Mestre em Direito
pela Universidade Federal de Mato Grosso (PPGD/UFMT). Graduado em Direito pela Universidade Federal do
Tocantins (UFT). E-mail: andrade.brendhon@unemat.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8204-651X.
2
Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (2004), Pós-Doutor em Direito pela
UFSC (2014). Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina nas disciplinas de Filosofia do Direito
e Teoria do Direito II. Professor permanente no programa de Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade
Federal de Santa Catarina, Líder do Grupo Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para uma Sociedade Sustentável
(CNPQ). E-mail: quintaveras@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1620-6017.
3
Este texto apresenta resultados parciais da dissertação de mestrado intitulada “Os direitos sexuais nas ruínas do
neoliberalismo e neoconservadorismo: um panorama crítico acerca da cidadania LGBTI na democracia brasileira
(1986-2020)”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMT, aprovada e defendida em 2021.
As discussões traçadas no trabalho se articulam ao Projeto de Pesquisa “Liberdade, Democracia e Cidadania”, uma
vezque os objetivos se propõem a analisar as concepções e manifestações sobre liberdade, democracia e cidadania
nos poderes constituídos na realidade brasileira, além de identificar historicamente as expressões teórico-políticas
conservadoras e suas apropriações das categorias liberdade, democracia e cidadania – tendo o trabalho amplo
diálogo com os objetivos almejados na pesquisa coordenada pelo Prof. Dr. Josiley Carrijo Rafael.

94
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

Disso, parte-se da seguinte pergunta: quais relações e paralelos são possíveis de


estabelecer entre a constituição da cidadania e direitos para grupos vulneráveis do Brasil
Império e o Brasil contemporâneo? A origem de um país inaugurado como colônia de
exploração, e que no século XIX se constitui como democracia censitária a liberal democracia
que também caracterizava a luta pela cidadania no império britânico já sob o peso da ascensão
da classe operária sindicalizada (Carvalho, 2013). No nosso contexto instituições como a
escravidão suprimida formalmente pelo assalariamento propiciado pelo desenvolvimento do
capitalismo industrial inglês se tornam parte da estrutura e da mentalidade escravagista. Nos
marcos deste novo ciclo hegemônico do capital, o domínio de oligarquias do colonialismo
interno sucessoras da metrópole portuguesa; se transformam nas classes dominantes subalternas
que são albergadas sob a dependência da pax britânica que já se impõe com a vinda da família
real ao Brasil e a abertura dos portos aos ingleses, como consequência do bloqueio continental
napoleônico. A história brasileira é a da segregação de índios, negros e pardos são parte do
tecido social de um país que adotou teorias eugenistas de embranquecimento no século XIX
com a utilização das teorias de Arthur Gobineau que se reproduzia inclusive no ambiente
intelectual dos recém inaugurados cursos jurídicos do Brasil expressos no discurso racista de
Silvio Romero e de outros dentro da tradição da ideologias edificadas nas narrativas do racismo
ocidental com a construção de estereótipos e estigmatizações pela ideologias raciais (Moritiz,
1993; Munanga, 1984). Esse discurso racializado mantinha intencionalmente a cidadania como
aspiração sonegada para esses grupos pelo seu fenóptico, além dos pobres em um contexto geral
de forte desigualdade social.
Assim, em primeiro momento aborda-se a formação do direito brasileiro no período
Imperial em sua relação com os fatores biopolíticos1 que alocava os diversos sujeitos, a partir
de suas marcas da diferença, em seus devidos lócus sociais. Em sequência, volta-se à análise de
que, embora existam diversos mecanismos jurídicos protetivos, como as estruturas de
dominação e exploração ainda se colocam como óbices à efetividade da cidadania e acesso aos
direitos da população pobre, negra, de mulheres e LGBTI.2 No ambiente do patriarcalismo
colonial sob a batuta de um catolicismo conservador, na verdade, nem se podia cogitar a
consideração destes direitos, salvo sob o viés anacrônico de direitos para esses segmentos
populacionais racializados, para mulheres, ainda mais para as negras sempre bestializadas, e
menos ainda para pessoas hoje designadas como LGBTQI+(FRY), o crime de sodomia era

1
Miskolci (2012, p. 3) aponta que “O termo biopolítica se refere à emergência e expansãohistórica de um conjunto
de saberes e práticas que atuam sobre a vida dos corpos e populações”.
2
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos.

95
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

previsto na legislação Filipina sob a égide da contra-reforma. Embora a perseguição da


homosexualidade também fosse efetivada por protestantes fanáticos e depois pelo
pseucientificismo da psquiatria positivista denunciada por Focault com seu discurso acerca dos
anormais dentro de instituições de sequestro de tempo (Foucault, 2002; Foucault, 2003). A
criminalização da homosexualidade se mantém intacta até Stonewall nos anos 70 do século XX,
casos como os de Alain Touring e tantos outros demonstram a demora das aspirações do
reconhecimento dos direitos da comunidade LGBTQI+ ser minimamente considerada. Mesmo
no século XX, a internações psiquiátricas de gays e lésbicas ainda faziam parte da patologização
dos comportamentos dentro de uma concepção de heteronormatividade hegemônica, a
criminalização também ocorria em países socialistas, e em vários países capitalistas ocidentais,
homossexuais, mulheres e indígenas ingressam no cenário de reconhecimento apenas nos anos
70 do século XX (Okita, 2007).
Muito embora o estudo faz uso de dados estatísticos e numéricos, “o objeto das
Ciências Sociais [é] essencialmente qualitativo”. A pesquisa adota a pesquisa qualitativa por
compreender que “ela trabalha com o universo de significados, motivações, aspirações, crenças,
valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e
dos fenômenos [...] (Minayo, 1994, p. 22).
Enquanto procedimentos técnicos utiliza-se da pesquisa bibliográfica e pesquisa
documental. A primeira “abrange toda a bibliografia já tornada pública em relação ao tema de
estudo” (Marconi; Lakatos, 2017, p. 123), como artigos e livros. Utiliza-se de autores/as como
Wendy Brown, Alysson Mascaro, Antônio Carlos Wolkmer, Bruna Irineu, Silvio de Almeida,
Ivanete Boschetti e Judith Butler, que contribuem teoricamente no tema proposto.
Empregou-se a pesquisa documental, que toma como fonte de coleta de dados os
documentos, tendo em vista “a importância dessa estratégia como alternativa de investigação
dadas as contribuições que uma análise crítica e aprofundada de determinados documentos pode
aportar” (Prates; Prates, 2009, p. 120). Entre os documentos que foram utilizados, destaca-se a
Constituição Federal de 1824 e de 1988, o Código Penal de 1890, o Projeto de Lei 2.893/2019
e diversos outros que serão abordados no decorrer do texto.

96
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

2. O LIBERALISMO JURÍDICO INCORPORADO À


FORMAÇÃO DO DIREITO NO SUL GLOBAL

A formação do pensamento jurídico brasileiro remonta ao Período Imperial, que


compreende a Independência do Brasil em 1822 até a Proclamação da República em 1889,
considerando que anteriormente se vivia sob o prisma do estrito colonialismo português.
Naquele momento, a invasão napoleônica sobre Portugal, em 1808, consequentemente fez com
que a família real fugisse para o Brasil, levando à instalação da Capital do Império na então
Colônia de exploração que, após a volta de Dom João à Europa, Dom Pedro I declararia, às
margens do Ipiranga, a Independência. Tal fato histórico é revelador de que, embora pareça um
movimento de ruptura, o novo Estado nascia dos interesses da elite imperial e com a exclusão
do povo (Wolkmer, 2019).
Devido ao histórico colonial, não havia uma identidade nacional à época, o que levou
o novo Estado de regime monárquico reunir esforços na criação de uma imagem de nação e
povo que justificasse sua independência através de uma unidade política e cultural (Miskolci,
2012). Miskolci (2012), apoiado em Eric Hobsbawn, aponta que na Era dos Impérios, o
nacionalismo era uma preocupação das elites políticas, econômicas e intelectuais. Na primeira
metade do século se acionou a imagem idealizada do indígena como símbolo de brasilidade,
ignorando, todavia, os massacres coloniais e as condições precárias e escravagistas que viviam
a população formada por negros, mestiços e os próprios indígenas.
As contradições são evidentes nesse período e produzem resultados até a
contemporaneidade. Naquele momento embora precisasse de elementos sociais e culturais que
justificassem uma nova nação, as massas populares sempre foram as últimas capturadas e
incorporadas pela “consciência nacional” – pois se orientava para a experiência europeia como
modelo civilizatório (Miskolci, 2012). Portanto, o povo europeu (leia-se brancos), seu modelo
econômico, de direito, de cultura, de produção de conhecimento etc., serviram de base para
formação do novo projeto nacional.
Nesse sentido, Miskolci (2012, p. 2) aponta que a partir da segunda metade do século
XIX, “o desejo da nação era um desejo de modernidade compreendido como a necessidade de
reformar a ordem social por meio de uma intervenção orientada estrategicamente”. Isso se
constituiu mediante de uma avaliação negativa do povo e do passado, por decisões políticas
como a abolição da escravatura sem políticas indenizatórias e por adoção de políticas de
imigração europeia como política de embranquecimento e de higienismo da população. Aponta

97
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

o autor que, embora a concepção política de nação apontasse para o futuro, os pés estavam
fincados na manutenção da ordem.
O autor buscou analisar a formação de um novo imaginário social entre 1870-1900,
que “se consolidou por meio de uma mudança política e cultural que reinscreveu a ordem social
anterior dentro da nova, pautada por valores sintetizados no modo positivista de ordem e
progresso” (Miskolci, 2012, p. 10). O desejo de ordem que “se cristalizou neste período primava
pelo autoritarismo, por um modernismo de ideais associado a um forte conservadorismo
político, um desejo de mudança sem alterar hierarquias e privilégio”. Já o progresso:

[...] é um ideal de civilização futura a ser alcançada por meio da evolução humana.
Seu culto por nossa elite modernizante do XIX mostra – ao mesmo tempo – a
avaliação negativa sobre seu próprio povo e as esperanças nutridas no futuro,
vislumbrando um olhar dirigido à Europa [...] (Miskolci, 2012, p. 1).

Nesse cenário de continuidade colonial, observando na Europa a ascensão da burguesia


e ideologia liberal, que segundo Wolkmer (2019, p. 249) é uma “concepção de mundo,
impregnada de princípios, ideias e interesses, de cunho individualistas, “traduzíveis em regras
e instituições” e vinculado “à condução e à regulamentação da vida pessoal em sociedade”, o
liberalismo se constituiu como doutrina que subsidiaria os interesses do novo projeto de nação.
A concepção de soberania jurídica se edifica com o nacionalismo jurídico do século XIX que
imprime a supressão de direitos declarados pelo iluminismo na revolução francesa (Hunt, 2009)
ainda que eurocentrados para homens brancos, burgueses e dotados de patrimônio e de razão
pela tradição patriarcal até que erupções de partidos de massa da classe trabalhadora
modifiquem esse estado de coisas.
Em relação ao liberalismo brasileiro, Wolkmer (2019, p. 250) aponta que “desde os
primórdios de sua adaptação e incorporação, tiveram de conviver com uma estrutura político-
administrativa patrimonialista e conservadora, e com uma dominação econômica escravista das
elites agrárias”. Nesse sentido, “o liberalismo brasileiro [foi] canalizado e adequado para servir
de suporte aos interesses das oligarquias, dos grandes proprietários de terra e do clientelismo
vinculado ao monarquismo imperial” (Wolkmer, 2019, p. 251). Se no contexto europeu o
liberalismo nascia contra o absolutismo da monarquia e tornou-se conservador à medida que a
classe trabalhadora ameaçava sua hegemonia política-ideológica:

Já no Brasil, o liberalismo expressaria a “necessidade de reordenação do poder


nacional e dominação das elites agrárias”, processo esse marcado pela ambiguidade
da junção de “formas liberais sobre estruturas de conteúdo oligárquico”, ou seja, a
discrepante dicotomia que iria perdurar ao longo de toda a tradição republicana: a

98
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

retórica liberal sob a dominação oligárquica, o conteúdo conservador sob a aparência


de formas democráticas. Exemplo disso é a paradoxal conciliação “liberalismo-
escravidão” (Wolkmer, 2019, p. 251).

Naquela época, o Império necessitava de uma codificação jurídica, e foi assim que
surgiram os primeiros cursos jurídicos do país (em São Paulo e Pernambuco), com fins a
responder aos interesses burocráticos do Estado. As nascentes Faculdades de Direito surgiram
para sistematizar e irradiar o liberalismo enquanto ideologia política-jurídica e criação de
quadro administrativo-profissional, uma elite burocrática.
Tal movimento é responsável por formar a base do pensamento jurídico nacional, ao
qual Wolkmer (2019, p. 278) nomeia de “bacharelismo liberal”, o qual é marcado por uma
“uma tradição advocatícia desvinculada de atitudes mais comprometidas com a vida cotidiana
e com uma sociedade em constante transformação”. Isso porque “A postura técnica e casuística
fecha-se ante o dinamismo dos fatos e resiste a um direcionamento criativo, não conseguindo
mais responder a novas e emergentes necessidades” (Wolkmer, 2019, p. 278). A partir dessa
reflexão, conclui o autor que:

[...] a tradição das ideias liberais no Brasil não só conviveu, de modo anômalo, com a
herança patrimonialista e com a escravidão, como ainda favoreceu a evolução retórica
de singularidade de um “liberalismo conservador, elitista, antidemocrático e
antipopular, matizado por práticas autoritárias, formalistas, ornamentais e ilusórias.
(Wolkmer, 2019, p. 254).

Autores de linha socialdemocrata e/ou liberais tendem a apontar que na América


Latina faltaram os pressupostos para implementação do liberalismo em seus termos originários,
como é o caso de Marcelo Neves (2018) em sua análise sobre a constitucionalização na
modernidade periférica. Elenca o autor diversas incompatibilidades entre a concepção liberal
da época e a Constituição de 1824 (Brasil, 1824), como o voto censitário para as oligarquias, a
liberdade dos ingênuos3 e a manutenção da escravidão.
Não é preciso percorrer um longo caminho na historicização do Brasil para lembrar
que além da Independência, a Proclamação da República também não contou com apoio das
massas populares; o período republicano foi conturbado por golpes de Estado; a Era Vargas é
marcada pelo autoritarismo populista; a ditadura militar foi um longo e intenso período de
políticas de extermínio; bem como os fenômenos recentes da ascensão antidemocrática pós-
Constituição de 1988, com o golpe de 2016 e governos de Temer e Bolsonaro. Em contexto de
Sul Global, especificamente na América Latina, o liberalismo sempre conviveu e sempre irá

3
Em referências àqueles cidadãos que nasceram livres.

99
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

conviver com estruturas de dominação, pois, a pergunta básica que deve ser feita é: liberalismo
para quem? A tradição liberal do Estado Mínino e das liberdades negativas visa a proteção de
um pequeno núcleo de cidadãos alçados pela renda e pela cor ao privilégio de classe e da
branquitute como imaginário do embranquecimento gerado pelo racismo estrutural, ou como
ideário fabricado no século XX dentro do mito da democracia racial construído dentro do
sociologismo antropológico de Gilberto Freyre (Carvalho, 2013).
Desde seu implemento na construção do Estado liberal na era Imperial, os princípios,
filosofias e ideias do liberalismo sempre foram aplicadas às camadas da sociedade que alocam
as elites: Liberdade para as elites! Aos negros, às mulheres, à população dissidente sexual e de
gênero, aos indígenas, aos despossuídos e aos outros: a escravidão e a legislação penal. Tanto
é verdade que, o Código Penal Imperial servia para punir as camadas populares, enquanto o
domínio da cidadania constitucional era direcionado às elites da época, como se retira das
leituras de Wolkmer (2019), Neves (2018) e dos textos normativos da época.
O Código Penal de 1890 (Brasil, 1890) previa a criminalização de mendigos e ébrios
no capítulo XII, bem como da vadiagem e capoeiras no capítulo XIII. Destaque para o crime de
vadiagem, no art. 399 “Deixar de exercitar profissão, ofício, ou qualquer mister em que ganhe
a vida, não possuindo meios de subsistência e domicílio certo em que habite, prover a
subsistência por meio de ocupação proibida por lei, ou manifestamente ofensiva da moral ou
bons costumes” (Brasil, 1880). Já a Constituição Política do Império do Brazil de 1924, em seu
título 2 – Dos Cidadãos Brasileiros, previa em seu inciso I que são cidadãos “Os que no Brazil
tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos [...]” (Brasil, 1924). No art. 179 desta Carta
Magna estavam previstos os direitos políticos e garantias individuais destinadas aos cidadãos,
local onde se visualizava espectros de exercício de cidadania e direitos.
Outro elemento importante que essa construção histórica do saber jurídico nacional
coloca é que os elementos conservadores e autoritários sempre fizeram parte do receituário do
projeto nacional. Conservadorismo para manutenção da ordem social, autoritarismo como
recurso de sanção e poder (Wolkmer, 2019). Mascaro (2014, p. 90) explica que em

Economias que se posicionaram internacionalmente como colonialistas, imperialistas


ou exploradoras de outras sociedades puderam ter margens para o incremento de suas
formas políticas e de participação democrática. Por outro lado, economias coloniais,
dependentes ou exploradas externamente tiveram grande dificuldade em assentar
bases de liberdade política aos seus próprios grupos e classes explorados
internamente.

100
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

O autor deste trabalho, entende, em primeiro lugar, que o direito, como se conhece
hoje, é fruto do desenvolvimento do capitalismo – isso não quer dizer que a justiça e regulações
sociais por meio de normas nasça na modernidade. Em segundo, compreende o direito como
relação social, a qual “as relações que se formam a partir da estrutura social e econômica das
sociedades contemporâneas é que determinam a formação das normas jurídicas” (Almeida,
2020, p. 139).
Soma-se a esse entendimento a compreensão de que o direito é parte das relações de
poder, inspirada em Michel Foucault, tendo em vista que “A concepção do direito enquanto
manifestação do poder admite que a criação e aplicação das normas não seriam possíveis sem
uma decisão, sem um ato de poder antecedente” (Almeida, 2020, p. 134). Para essa concepção,
o direito seria um dos domínios de poder e instrumento de dominação social.
Em ambas as perspectivas, seja como poder (Foucault), seja como relação social
(Mascaro), significa que o direito é resultado de construções sociais e reflete as relações de
poder e relações sociais daquele momento histórico, numa posição expressamente contrária à
ideologia liberal de pureza do direito, ou de separação do direito e da sociedade, ou como se o
direito fosse algo vivo per si, anterior às relações humanas e não resultado das relações sociais.
As abordagens positivistas dentro de uma miragem de neutralidade cientificista positivista, ou
de um direito organicista importado por formas jurídicas derivadas do fascismo italiano ou o
direito como encarnação de um ideal caricato de justiça dentro de uma visão do bacharelismo
caracterizando a ambiguidade de uma visão ornamental do fenômeno jurídico; seja pelo
cientificismo ou pelo ecletismo liberal afastando da definição do direito o seu caráter classista
derivadas da forma mercantil, sempre brotando da necessidade de impor a força diante de
desigualdades sociais produzida pela fratura escravista colonial, pelo mercado de trabalho
excludente do capitalista mitigada por alguns setores que conseguem a conquista de direitos
sociais ou de afirmação de conquistas dentro das dinâmica da intersecionalidade envolvendo
classe, raça, gênero fornecendo visibilidade para os corpos invisibilizados pela sexualidade,
raça ou direitos ecológicos com a perspectiva contemporânea da natureza como sujeito de
direitos dentro do biocentrismo da Pashamama (Zaffaroni, 2017) advindo sempre da luta de
movimentos sociais, dos povos originários, do movimento negro, LGBTQI+, dos povos
originários, de quilombolas, de trabalhadores, do MST.
A busca de agroecologia, da segurança alimentar, de direitos de crianças e
adolescentes, a conquista da liberdade sexual, intelectual dependem de lutas conjunturais
alicerçadas nestes sujeitos coletivos de direito constituidores de direito e de uma perspectiva de
alteridade dentro de uma comunidade de vítimas invisibilizada pela totalidade de uma

101
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

exterioridade ocultadora de populações dominadas pelos processos de invasão, daí a


importância do método analético e da transmodernidade baseada em uma ética material da
alteridade (Dussel, 1995) como parte desta crítica do eurocentrismo imposto pela expansão
capitalista deste o mercantilismo.
Essa redução do direito às normas jurídicas se dá o nome de positivismo jurídico.
Mascaro (2019, p. 46) alerta que “O positivismo jurídico é o método por excelência da redução
do problema jurídico aos limites do normativismo”. Essa concepção é a mais comum e a
difundida tanto nos cursos de direito, como socialmente falando, uma vez que direito e lei são
facilmente confundidos, até mais que direito e justiça representada pela concepção
jusnaturalista4. Entretanto, como assertivamente aponta Lyra Filho (1982, p. 3):

A identificação entre Direito e lei pertence, aliás, ao repertório ideológico do Estado,


pois na sua posição privilegiada ele desejaria convencer-nos de que cessaram as
contradições, que o poder atende ao povo em geral e tudo o que vem dali é
imaculadamente jurídico, não havendo Direito a procurar além ou acima das leis.

Para Lyra Filho (1982, p. 3), “a lei emana do Estado e permanece, em última análise,
ligada à classe dominante, pois o Estado, como sistema de órgãos que regem a sociedade
politicamente organizada, fica sob o controle daqueles que comandam o processo econômico”.
Essa posição juspositivista-liberal que orientou a formação do pensamento jurídico nacional
deixou seus resultados, expressados nos termos de Mascaro (2019, p. 12):

[...] o jurista tecnicista, que em geral quer esconder a relação do direito com o todo
[...] identifica o direito apenas com a norma jurídica. Pinça um fenômeno isolado do
direito e quer fazer dele a razão de ser da explicação jurídica, sem relacionar a norma
com os demais fenômenos. Estes são os juristas limitadores, que procedem a um
reducionismo na explicação do direito, escondendo os liames do direito com a
sociedade para não explicitarem os seus reais vínculos.

Atualmente, esse arcabouço teórico juspositivista-liberal ainda é utilizado como


argumento para manutenção da ordem conservadora e neoliberal5. No caso dos direitos LGBTI,

4
O jusnaturalismo entende que o direito está incluído numa ideia de justiça e que para a validade das normas
estatais elas devem estar em conformidade com o direito natural. Falha essa concepçãoem permitir que sob seu
domínio se justifique a exploração de pessoas, como o foi à época da escravidão e reiterar a ideia de justificações
metafísicas para o direito, das ciências naturais e expressões religiosas, que, historicamente, tem fundamentado
opressões sobre mulheres, LGBTI e populações negra (Almeida, 2020).
5
Utiliza-se o termo neoliberalismo inspirado em Brown (2019) que mescla a corrente foucaltiana e neomarxista.
Em termos foucaultianos, Brown (2019, p. 32) aponta que este “revela como governos, sujeitos e subjetividades
são transformadas pela remodelação neoliberal darazão neoliberal, considera o neoliberalismo como revelador de
como o capitalismo [...] é sempre organizado pelas formas de racionalidade política”. Nos termos neomarxistas,
se “concebe o neoliberalismo como um ataque oportunista dos capitalistas e seus lacaios políticos aos Estados de
bem-estar keynesianos, às sociais-democracias e ao socialismo de Estado” (BROWN, 2019, p. 29).

102
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

mulheres e população negra, é comum ver análises jurídicas juspositivistas que ignoram o
contexto social dessasparcelas sociais, o veto de participação política e apontam que o Supremo
está invadindo competência ao “legislar” – ainda que um dos desdobramentos do pós-guerra
tenha sido o surgimento do controle de constitucionalidade como instrumento de efetivação de
direitos fundamentais. Apontam esses autores que a competência de legislar é do Legislativo,
ao passo que ignoram que os projetos de lei voltados ao reconhecimento de direitos da
comunidade LGBTI, por exemplo, estão em debate desde 1995 sem êxitos (Irineu, Oliveira,
Freitas, 2021).
Moreira (2019, p. 88) aponta que o “regime liberal não elimina relações assimétricas
e arbitrárias”. Pois, ainda que se “possa fazer parte de regimes supostamente democráticos, sua
inserção social será sempre de marginalização porque o projeto de dominação social opera em
quaisquer regimes políticos, mesmo aqueles baseados no princípio da igualdade de direitos”.
Para o autor,

As transformações dos regimes políticos pelas quais passamos afetaram positivamente


a vida de muitas pessoas brancas, mas elas não modificaram de forma essencial o
status cultural e material da vasta maioria das pessoas negras. Os projetos de
dominação racial utilizados durante os períodos colonial e monárquico foram
diferentes daqueles presentes na era republicana, mas todos foram bem-sucedidos em
manter a dominação branca (Moreira, 2019, p. 89).

É nesse sentido que Almeida (2018, p. 29) entende a legalidade como reivindicação
conservadora, embora dela eventualmente há que se recorrer.

A defesa do Estado de direito como defesa da legalidade é, no fundo, uma


reivindicação conservadora, uma vez que a legalidade é uma das manifestações mais
específicas da sociedade capitalista. Certamente que é possível compreender que, em
um contexto de Estado policial e de repressão, a defesa da legalidade se torne um fator
de vida ou morte para determinados grupos e indivíduos. Mas é importante que se
tenha em mente que o Estado capitalista é aquele que se desprende do poder pessoal
e que tem como base a legalidade. A legalidade só é uma pauta tida como progressista
em momentos de crise da sociedade capitalista em que o Estado, para preservar a
ordem de reprodução do capital, precisa ignorar os limites estabelecidos pela lei,
configurando-se o estado de exceção.

Considerando o acima registrado, a dimensão estrutural do racismo – e se inclui outras


diferenças e estruturas de dominação – não podem ser dissociadas do direito. Pois, “o direito,
ainda que possa introduzir mudanças superficiais na condição de grupos minoritários, faz parte
da mesma estrutura social que reproduz o racismo enquanto prática política e como ideologia”
(Almeida, 2020 p. 140). Ou seja, o direito não só convive com as estruturas sociais da opressão,
como as legitima histórica e atualmente, obviamente alterando suas tecnologias.

103
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

Por exemplo, a escravidão na história que se traduz hoje em prisões superlotadas de


pessoas negras e mercado de trabalho em piores condições para essa parcela da população.
Ambas têm a mesma estrutura: o racismo. Isso vale para outras estruturas de poder e dominação,
como o sexismo e LGBTIfobia, e, também, de exploração da classe trabalhadora, que, como
aponta Mascaro (2013, p. 87).

A democracia, lastreada no direito e nas formas da sociabilidade capitalista, representa


tanto um espaço de liberdade da deliberação quanto um espaço interditado às lutas
contra essas mesmas formas. Por isso, a democracia representa o bloqueio da luta dos
trabalhadores mediante formas que não sejam aquelas previstas nos exatos termos
jurídicos e políticos dados. Exclui-se, com isso, a possibilidade da luta que extravase
o controle e o talhe do mundo estatal e de suas amarras jurídicas. A ação
revolucionária é interditada.

Mascaro (2013, p. 60) compreende que a forma jurídica e a forma política do Estado
capitalista foram conformadas, embora sejam diferentes. Para o autor, “A dinâmica das lutas de
entre as classes, grupos e indivíduos se apresenta politicamente, no capitalismo, perpassada
sempre pela forma estatal”. O Estado não representa a extinção das lutas em favor de uma
classe, pelo contrário, é a manutenção da contradição entre classes, considerando que “Sua
forma política não é resolutória das contradições internas do tecido social capitalista, sendo,
antes, a própria forma de sua manifestação” (Mascaro, 2013, p. 60).
Assim, parte-se da consciência de que o direito materializado no Sul Global serve ao
domínio do capital e às relações sociais hierarquizadas. Nos termos de Mascaro (2019, p. 14),
o fim do capitalismo impõe o fim desse direito notadamente técnico, impessoal e abstrato, essa
forma social-jurídica que ao tornar todos juridicamente iguais legitima o domínio das classes
que detém do domínio do capital, “porque somente numa sociedade socialista que se preocupe
com cada qual e com todos, um outro tipo de manifestação poderá então ser a medida justa das
coisas, das pessoas, dos fatos e das situações, deixando se ser uma estrutura mecânica que
chancela a exploração do capital”.

104
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

3. BRASIL CONTEMPORÂNEO: ESTRUTURAS DE


DOMINAÇÃO CAPITALISTA, SEXISTA, RACISTA E
LGBTIFÓBICA E AS CONTRADIÇÕES DA CIDADANIA NO
NEOLIBERALISMO

Quando se pensa no cenário contemporâneo brasileiro, no que se refere aos direitos e


cidadania, é importante tomar como marco histórico a promulgação da Constituição Federal de
1988 (BRASIL, 1988), além dos impactos do contexto internacional advindos do pós-2ª Guerra
Mundial, como as aspirações do positivismo ético ou pós-positivismo, que produziram
mudanças no Direito, visto que os horrores do fascismo e do nazismo impuseram a necessidade
de um Estado de Direito que protegesse os direitos humanos e fundamentais do arbítrio e
autoritarismo estatal, trazendo a dignidade da pessoa humana para o centro do ordenamento
jurídico.
Como parte do pós-positivismo, tem-se a criação de uma Constituição forte e
independente prevendo mecanismos como o controle de constitucionalidade, que possibilita o
Poder Judiciário invalidar atos de outros poderes caso incompatíveis com a Carta Magna.
Também nesse cenário, ao menos na Europa, os Estados de Bem-Estar Social ganham
contornos jurídicos, centrados nas ideias da social-democracia.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 acompanha esse movimento e num contexto
pós-ditadura, buscou assegurar o máximo de direitos fundamentais, a descentralização dos
poderes e democratização do acesso da população à justiça e aos bens sociais – trata-se de uma
‘constitucionalização abrangente’.
Aliás, importante mencionar que “os movimentos sociais tiveram grande participação
na construção de direitos fundamentais e sociais previstos na Constituição de 1988” (Almeida,
2020, p. 151), muito embora, na Constituinte de 1986/87, os militares ainda mantivessem o
controle das instituições e do Poder Público (Costa; Marques, 2018), revelando a preocupação
em manutenção das velhas práticas conservadoras, autoritárias e liberais, que estariam
revelados na formação da nova Constituição.
Inspirada nas ideias do positivismo ético, contestando a pureza do direito, e buscando
o reconectar com a filosofia moral e política, trazendo para o mundo jurídico o plano ético e
valores morais que se traduzem nos princípios, objetivos e fins públicos da Constituição, a Carta
Maior de 1988, apesar de seus problemas e contradições, é notadamente um texto normativo

105
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

voltado à cidadania, à justiça social e ao combate das diversas desigualdades, marginalizações


e pobrezas, promoção do bem de todos sem preconceitos de qualquer origem, conforme se retira
de seus objetivos (art. 3º).
Possui como fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores
sociais do trabalho, a democracia e o pluralismo, se constituindo como um Estado Democrático
de Direito (art. 1º), com a prevalência dos Direitos Humanos (art. 4º), além de um rol extenso
de garantias individuais e fundamentais voltados à liberdade e igualdade (art. 5º), cuja aplicação
é imediata.
Além disso, os direitos e garantias previstos nela, não excluem outros decorrentes de
princípios ali adotados (parágrafo segundo, art. 5º), demonstrando que seu sentido normativo e
objetivo é sempre ao progressismo, adiante, nunca para o passado. Prevê diversos direitos
sociais, com especial atenção ao art. 6º, que menciona educação, saúde, alimentação, trabalho,
moradia, transporte, lazer, segurança, previdência e assistência (Brasil, 1988).
Com a Constituição de 1988 possibilitou-se um cenário de expansão dos direitos e
garantias aos diversos grupos sociais, sobretudo por considerar que do ponto de vista externo e
interno, o século XX, como um todo, é marcado pela organização dos movimentos feministas,
sexuais e étnico-raciais, na busca de legitimidade, desconstruções e ressignificações – que se
soma as lutas históricas dos movimentos do mundo do trabalho.
Com essa constitucionalização abrangente, devido aos períodos de horrores
autoritários, tais previsões podem se tornar pretensões dos sujeitos de direitos: as/os cidadãos
brasileiros/as. Mas o pós-CF/88, embora acompanhado de certa visibilidade e reconhecimento
formal de direitos da classe trabalhadora, de mulheres, negros/as e LGBTIs, também foi
marcado por ataques neoliberais e neoconservadores6 ao Estado Democrático de Direito que se
tentou garantir em 1988, como a Reforma Trabalhista de 2017 (BRASIL, 2017) e Reforma da
Previdência de 2019 (Brasil, 2019), heranças de Michel Temer e Jair Bolsonaro,
respectivamente.
E isso se evidencia em todo período pós-promulgação da Carta Maior, como percebe
Feitosa (2018, p. 440), todo clamor democrático pela CF/88 “não foi suficiente para impedir a
implementação do projeto neoliberal que se consolidara nos anos seguintes sob a regência dos
Ex-Presidentes Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso”.

6
O conservadorismo acredita que sua base moral serve de base para a regulação da vida social e reprodutiva da
sociedade (Birolli; Machado; Vaggione, 2020). O neoconservadorismo denomina as novas configurações do
conservadorismo clássico. Para Almeida (2018, p. 28), “o neoconservadorismo estrutura-se como reação ao
Welfare State [Estado de bem-estar social], à contracultura e à nova esquerda, fenômenos atrelados ao pós-
Segunda Guerra Mundial e ao advento do regime de acumulação fordista”.

106
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

Ocorre que, do ponto de vista histórico, também se elegeu um governo que, no espectro
político tradicional, se aloca no campo das esquerdas, que foi o Partido dos Trabalhadores (PT),
com a eleição do Presidente Lula em 2002. Conforme Ricci (2010, p. 9), o PT optou por um
pacto social pelo desenvolvimento pautado na conciliação de classes e interesses, utilizando-se
daquilo que o autor nomeou de “modernização conservadora”, que é um movimento que
fragmenta as demandas da sociedade civil e promove a inclusão social pelo consumo,
culminando num conservadorismo de classe média individualista, fundamentalista religioso e
avesso aos movimentos populares e agenda de direitos.
Nesse cenário dos governos petistas e desde a promulgação da CF/88, os grupos que
antes estavam solapados na base da sociedade conseguiram alguns avanços. Leis raciais foram
aprovadas como a de cotas para o ensino superior (Brasil, 2012), o Estatuto da Igualdade Racial
(Brasil, 2010) e a lei de que define os crimes de racismo (Brasil, 1989).
As mulheres também conseguiram alguns avanços como a Lei Maria da Penha (Brasil,
2006), Lei do Feminicídio (Brasil, 2015), Lei de cotas para participação política (Brasil, 2022),
a primeira Presidenta foi eleita, além de diversas políticas públicas para mulheres. A população
LGBTI também, de forma mais restrita que as parcelas da população acima mencionadas,
conseguiu avançar no campo dos direitos e das políticas, ainda que de forma precária, e com
isso ganhou visibilidade política, social e midiática (Irineu, 2019).
A população empobrecida do país também contou com diversas políticas sociais e de
distribuição de renda que possibilitaram algum tipo de ascensão social e melhora das condições
de vida. Todos esses avanços, são carregados de limites da própria cidadania no contexto do
capitalismo – ou seja, não foram e não são capazes de alterar significativamente a vida da
população brasileira de forma emancipatória (Boschetti, 2018) – mas gerou um ressentimento
nas classes dominantes e privilegiadas. Brown (2019, p. 215) argumenta que

O ressentimento, o rancor, a raiva, a reação à humilhação e ao sofrimento – certamente


todos estão em jogo no populismo da direita à liderança autoritária. No entanto, essa
política do ressentimento emerge nos indivíduos que historicamente dominaram
quando sentem tal dominação em declínio – na medida em que especialmente a
branquitude, mas também a masculinidade, fornece uma proteção limitada contra os
deslocamentos e perdas que quarenta anos de neoliberalismo produziam nas classes
trabalhadoras e médias.

O ressentimento descrito por Brown (2019) faz parte do movimento do que a autora
nomeou de “ascensão da política antidemocrática no ocidente”, por articular nuances do
neoliberalismo e do neoconservadorismo, o que no Brasil restou evidente nos governos de
Michel Temer, e, sobretudo, de Jair Bolsonaro. Para Brown (2019, p. 10):

107
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

Estas novas forças conjugam elementos já familiares do neoliberalismo


(favorecimento do capital, repressão do trabalho, demonização do Estado social e do
político, ataque às igualdades e exaltação da liberdade) como seus aparentes opostos
(nacionalismo, imposição da moralidade tradicional, antielitismo populista e
demandas por soluções estatais para problemas econômicos e sociais (Brown, 2019,
p. 10).

As bases dessas forças antidemocráticas articulam o “discurso de violência contra


minorias, de intolerância e de hiperindividualismo” (Almeida, 2018, p. 32), o que “permitiu
uma aproximação entre conservadorismo cristão e individualismo liberal, assim como entre
antipluralismo e neoliberalismo” (Biroli; Machado; Vaggione, 2020, p. 25).
É um movimento que se ancora em políticas que defende supostas maiorias de
tradições nacionais e religiosas que “promovem retrocessos que diminuem a possibilidade
participação [...] de grupos que atuam em defesa de direitos humanos, sobretudo nas pautas
feministas e LGBTQI” (Biroli; Machado; Vaggione, 2020, p. 190).
Ocorre que, além do ressentimento gerado, e muito embora, como demonstrado,
existem diversas legislações protetivas, os dados de violência no Brasil apontam para mortes
de mulheres, LGBTIs e pessoas negras em simples decorrência dos marcadores sociais da
diferença que carregam em seus corpos. A questão da seletividade, do etiquetamento dos
aparatos sociais repressivos e do controle social informal difuso derivado da mídia (Andrade,
2015), uma megamáquina criminalizadora e exterminadora de jovens negros, pessoas lgbtqui+,
assim como a própria noção da necropolítica de Achille Mbembe (2018) demonstrando a
perpétua natureza da exceção do mundo colonial imposta sobre populações na África, no Haiti
que firma uma resistência invisibilizada pela historiografia ocidental do povo do Haiti através
do jacobinismo negro (James, 2019), que derrota Napoleão e outros impérios coloniais
constituído pelo racismo, uma herança do ódio racial napoleônico, que posteriormente
influenciará Mussolini e Hittler no Holocausto e no ódio negrófobo gerado no seio do
negroceno, plantanoceno, capitaloceno (Ribbe, 2008; Ferdinand, 2020), e taxionomias de saque
baseadas na colonialidade do ser, do saber e do poder (Quijano, 2005)
A título exemplificativo, segundo os dados da Organização Não-Governamental
Transgender Europe (TGEU), o Brasil é o país que mais mata, em números absolutos, a
população trans (travestis e transexuais) em todo globo. Conforme apuração, em 2018 têm-se
369 casos de homicídios, sendo que 167 aconteceram somente no Brasil, seguido do México
com 71 e Estados Unidos com 28.

108
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

Importante ressaltar o comparativo percebido por Almeida e Vasconcellos (2018, p.


306) acerca da mortalidade trans: “Estima-se, ainda, que a expectativa de vida atual de pessoas
trans seja de 35 anos (próxima àquela dos brasileiros não escravizados em 1880), enquanto para
o restante da população é de 74 anos (mais que o dobro)”. Essas marcas foram utilizadas
historicamente como biopolíticas, ou seja, utilizam-se essas diferenças para produzir diferentes
categorias de pessoas que serão úteis ao processo tanto de exploração, como de opressão.
Não é de se estranhar que a média de magistrados/as brancos/as seja de 80% (CNJ,
2018), enquanto cerca de 67% dos encarcerados são pessoas negras – ou seja, dois a cada três
presos (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019). Essas estatísticas quando confrontadas
com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, s.d.) são reveladoras do
racismo estrutural, visto que cerca de 45% da população se declara como branca e o restante
como não-brancos (pretos, pardos, indígenas etc.).
Em termos de população carcerária majoritariamente negra, aponta Silvio de Almeida
(2019, p. 328) que “a desigualdade racial que marca o autoritarismo não é apenas “herança” da
escravidão; o racismo tornou-se independente da escravidão e se atualizou, ganhou novas
formas de se reproduzir para além da escravidão”.
Mas além disso, a população negra, sobretudo as mulheres negras, continuam a ser as
maiores vítimas das diversas violências, sejam elas letais ou econômicas, do setor público
(polícias) ou privado (violência doméstica ou do mercado, por exemplo) – a saber, como forma
demonstrativa, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, 2019) informou que 66% das vítimas de feminicídio são mulheres negras, uma
porcentagem que aumentou em relação aos anos de 2017 e 2018, que era de 61%.
As questões do racismo estrutural que atingem a população negra historicamente não
são isoladas, pois são interseccionadas às questões de classe, gênero, sexualidade e outros
marcadores da diferença. Quando se pensa em direitos sexuais e reprodutivos, por exemplo, e
se está falando de direitos que protegem a população de mulheres e LGBTI na sua pluralidade,
há uma ofensiva antigênero institucionalizada nos Poderes que integram o Estado Democrático
de Direito, sobretudo, no Poder Legislativo e Executivo – o que impede uma proteção integral
a essas populações.
Do ponto de vista da representatividade política institucional, conforme dados
retirados da Câmara dos Deputados (Brasil, s.d.), na legislatura 2019-2022, 85,19% das vagas
são ocupadas por homens e apenas 14,81% por mulheres. E mesmo assim, essa ínfima
representatividade não significa que todas as mulheres que foram eleitas representarão
interesses de outras mulheres nas suas intersecções com as demandas de classe, sexualidade,

109
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

faixa etária, deficiência, dentre outros marcadores, como é o caso do projeto de lei abaixo
ilustrado – muito embora acredita-se que é preciso ter equidade entre números, já que conforme
o IBGE (s.d.), as mulheres são maioria nacional por uma margem considerável.
A legislação penal criminaliza o aborto, salvo naqueles casos em que há risco de vida
para a gestante, gravidez resultante de estupro e por anencefalia, sendo esta última decidida por
judicialização direcionada ao Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 442, de 2018 (Brasil,
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 442, DF/2018). A exemplo de
direitos reprodutivos, até mesmo aqueles abortos permitidos por lei – conhecidos como abortos
necessários: estupro, risco à vida da gestante e anencefalia – estão como objetos de discussão
no Congresso Nacional com fins a criminalizá-los, como é o caso do recente PL 2.893/2019.
Proposto pela Dep. Chris Tonietto (PSL/RJ) e Felipe Barros (PSL/RJ), o PL objetiva
revogar dispositivo que trata dos abortos necessários. Extrai-se da justificativa do projeto: “O
autor do estupro ao menos poupou a vida da mulher – senão ela não estaria grávida. Pergunta
que não quer calar: é justo que se faça com a criança o que nem sequer o agressor ousou fazer
com a mãe: matá-la?” (Brasil, Projeto de lei nº 2.893, de 2019).
Já no que diz respeito aos direitos sexuais voltados à comunidade LGBTI no
Congresso Nacional, há tentativas de inclusão de proteções jurídicas desde a Constituinte de
1986/87 e com a subsequente submissão de dois projetos de lei específicos em 1995 – o PL 70
(Brasil, Projeto de lei nº 70, de 1995), acerca de da alteração de prenome para pessoas trans –
e o PL 1.151 (Brasil, Projeto de lei nº 1.151, de 1995), que disciplinava a união civil entre
pessoas do mesmo sexo. Desde então, diversos projetos de lei foram submetidos à apreciação
tanto da Câmara de Deputados, quanto do Senado Federal, e todos, sem exceção, restaram
infrutíferos.
Todo esse cenário de neoconservadorismo legislativo levou o movimento LGBTI a
judicializar os direitos como forma de satisfação e reconhecimento, desembocando no Poder
Judiciário a tarefa de proteção jurídica dessa comunidade – isso significa que os direitos LGBTI
foram reconhecidos via judicialização, e não via legislação (Oliveira, 2021).
Irineu, Oliveira e Freitas (2021, p. 59), em estudos realizados pelo Núcleo de Estudos
sobre Relações da Mulher da Universidade Federal de Mato Grosso (NUEPOM/UFMT),
ilustram que a cruzada antigênero institucionalizada no Poder Legislativo, que faz parte de um
contexto maior de neoconservadorismo crescente no ocidente, possui três estratégias comuns:

1) “Barrar” qualquer aprovação de direitos sexuais e reprodutivos pela via legislativa,


se articulando e mobilizando no sentido de votar contrariamente às proposituras

110
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

progressistas. A título de exemplo tem-se os direitos de família, identidade de gênero


e criminalização da homofobia, cujas tentativas legislativas foram frustradas;
2) Criar mecanismos jurídicos que vedam expressamente qualquer avanço no que se
refere ao reconhecimento jurídico e político de mulheres e LGBTI. A exemplo disso
tem-se aquelas proposituras que vedam o reconhecimento de direitos, como foi o caso
da adoção e da alteração de prenome no registro civil;
3) Retroceder em posições jurídicas já alcançadas tanto pela via legislativa, quanto
pela judicialização. Pode-se observar tal postura por meio do Estatuto da Família que
visava retroagir às concepções de família formadas por heterossexuais, embora o STF
já havia reconhecido a constitucionalidade dos vínculos matrimoniais de casais gays-
lésbicos. O direito ao aborto também é alvo de PL que intenta criminalizar todas as
possibilidades, incluídas àquelas permitidas por lei.

Além disso, tem se utilizado dos pânicos morais sob argumento de que a ideologia de
gênero tem por objetivo a destruição da família tradicional, da sociedade e das crianças, tendo
como foco os grupos de militância feministas e LGBTI. Assim,

Para além de institucionalização do conservadorismo nas instituições democráticas, o


fundamentalismo religioso precisa recorrer à propagação ideológica de seu discurso
com vistas a reiterar privilégios e manter a hegemonia. Entre as ferramentas de
controle ideológico encontra-se aquilo que Weeks (1981, p. 20) nomeou de pânico
moral. Para o autor, “os pânicos morais cristalizam medos e ansiedades muito
difundidos [...]. A sexualidade tem tido uma centralidade particular em tais pânicos, e
os ‘desviantes’ sexuais têm sido bodes expiatórios onipresentes”. (Irineu, Oliveira,
Freitas, 2021, p. 59).

Todo esse cenário delineado acaba por revelar que, além das opressões estruturais
como o sexismo, o racismo, a LGBTIfobia e a pobreza, em suas intersecções, a tradição jurídica
latino-americana é marcada pelo fetichismo da lei, que muitas vezes possui leis e direitos de
caráter meramente simbólico, que não garante sua efetividade. Nesse sentido,

Nas sociedades latinas, em geral, não pensamos a lei e o direito como uma espinha
dorsal do contrato social que pode e deve se transformar à medida que se transformam
os sujeitos que os produzem (e suas relações). Mas sim como um arcabouço quase
mítico (platônico, poderíamos dizer) que “determina a realidade”. Além disso, na
conjuntura atual, em face da crescente perda de capacidade indutiva e normativa dos
Estados nacionais, assistimos ao surgimento e intensificação de demandas políticas
no sentido de mais regulação e controle (Corrêa, 2006, p. 109).

Apesar de haver um amplo conjunto de dispositivos protetivos positivados, o racismo,


o sexismo, a LGBTfobia estruturais, alinhadas a divisão de classes sociais, se tornam reais
impedimentos à efetividade dos direitos e da cidadania. A população negra, de mulheres e
LGBTI, portanto, tem seus direitos cada vez mais centrados no direito e na lei, mas não em
raras ocasiões, tem produzidos efeitos diversos daqueles que objetivam as lutas por
redistribuição e reconhecimento.

111
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

Os direitos das populações vulneráveis no Brasil no cenário contemporâneo ainda são


marcados por precariedades, inefetividades, simbolismos e formalismo jurídicos – e isso não é
um fato isolado da contemporaneidade, pelo contrário, é um resultado histórico e que tem
relação direta com a produção do direito e cidadania no Brasil Imperial. Isso porque possuía
essas mesmas características, além das formas conservadoras e autoritárias combinadas com o
discurso liberal possível aos colonizados países do Sul Global, que parte da meritocracia e dos
fatores biopolíticos. Liberdade e igualdade, mas depende de quem e para quem.
Todo esse cenário parece muito próximo àquilo que Fraser (2021, p. 40) nomeou de
Neoliberalismo Progressista, que é um conceito que “combinou um programa expropriativo e
plutocrático com uma política de reconhecimento liberal-meritocrática”. Isso porque

Servindo-se das forças progressistas da sociedade civil, eles difundiram um ethos de


reconhecimento superficialmente igualitário e emancipatório. No centro desse ethos
estavam os ideais de “diversidade”, “empoderamento” das mulheres, direitos
LGBTQ+, pós-racialismo, multiculturalismo e ambietalismo. Esses ideais foram
interpretados de maneira específica e limitada, totalmente compatível [...] com a
economia dos EUA: proteger o meio ambiente significava monetizar o carbono.
Promover a propriedade da casa própria significava agrupar os empréstimos subprime
e revendê-los como títulos de garantia hipotecaria. Igualdade significava meritocracia.

Esse programa reduz a igualdade à meritocracia, tendo em vista que o neoliberalismo


progressista “para uma ordem ‘mais justa’ não visava abolir a hierarquia social, mas
‘diversificá-la’”, no qual “seus principais beneficiários só poderiam ser aqueles que já
possuíssem o necessário capital social, cultural e econômico. Todos os outros continuariam
presos no porão” (Fraser, 2021, p. 42).
Muito embora, como já assinalado neste trabalho, ressalta-se a necessidade de
manutenção desses direitos e garantias advindas com o contexto da Constituição Federal de
1988, como forma de mediação com o Estado Capitalista, também deve-se observar que

O reconhecimento formal de direitos no âmbito do Estado Social Capitalista, se por


um lado possibilitou as melhorias de condições de vida, por outro, também revelou o
quanto é incompatível a igualdade substantiva e a emancipação humana com a
cidadania burguesa, contrariando suposições com as de Marshall (dentre outras), para
quem a cidadania é capaz de superar a desigualdade. Não são poucas asanálises que,
ao incorporar a perspectiva mashalliana de cidadania, compreendem a conquista de
direitos como possível caminho para a emancipação humana, confundido cidadania
com emancipação humana. (Boschetti, 2018, p. 82)

É nesse sentido que “Não se deve ter nenhuma ilusão sobre os limites do Estado Social
na socialização da riqueza socialmente produzida”, tampouco “conceber o Estado como
mecanismo de superação da desigualdade social, ou como possibilidade de redistribuição [...],

112
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

ou como estratégia de emancipação humana. Essa é perspectiva típica do reformismo,


alimentado pelo politicismo”. Atribui-se aos direitos, à cidadania e às políticas “uma capacidade
de superação da desigualdade social que elas não dispõem” (Boschetti, 2018, p. 87).
Certamente uma das frentes de luta e resistência deve observar a organização do
Estado como forma de garantir o mínimo existencial da população frente ao modo de produção
capitalista, articulando-se em defesa dos direitos da classe trabalhadora na sua diversidade
étnico-racial, de gênero, sexualidade e demais marcadores da diferença.
Nos termos de Santos e Rafael (2020, p. 154), é necessário encampar um conceito de
justiça possível na sociabilidade burguesa que precisa ser interpretada a partir um horizonte
mais amplo socialmente, considerando a superação do capitalismo e das opressões, em oposição
aos conceitos de justiça apresentados pelas concepções liberais. Desse modo,

Relegada ao próprio direito, a concepção burguesa de justiça, contribui para a


manutenção, estruturação do capitalismo, que em sua essência é desigual e opressor.
[...] Assim, feita essa primeira distinção, é necessário transcender a associação
imediata entre Direito e Justiça, para compreendermos a essência da justiça possível
na ordem burguesa, apontando interpretações que iluminam o enfrentamento das
diversas formas de opressão.

Mas para além da institucionalidade capitalista e do contexto atual que mescla


neoliberalismo com neoconservadorismo formando o caldo que da base à nova direita e ao
bolsonarismo, as alianças nas políticas das ruas entre os povos oprimidos e explorados se
colocam como a tarefa a se construir entre os movimentos anticapitalistas e antiopressões.
Butler (2018, p. 65) analisa que

A precariedade é a rubrica que une as mulheres, os queers, as pessoas transgêneras,


os pobres, aqueles com habilidades diferenciadas, os apátridas, mas também as
minorias raciais e religiosas: é uma condição social e econômica, mas não uma
identidade (na verdade, ela atravessa essas categorias e produz alianças potenciais
entre aqueles que não reconhecem que não pertencem uns aos outros)

Sugere a autora que “As alianças que têm se formado para exercer os direitos das
minorias sexuais e de gênero devem, na minha visão, formar ligações, por mais difícil que seja,
com a diversidade da sua própria população” e mais ainda, “todas as ligações com outras
populações sujeitas a condições de condição precária induzida de nosso tempo” (Butler, 2018,
p. 77).
Inclusive, é desse ponto de vista que se reitera a tese 11 da obra “Feminismo para os
99%” de Arruza, Bhattacharya e Fraser (2019, p. 93), a qual convoca a todos movimentos
radicais a se unirem em uma insurgência anticapitalista comum. As autoras rejeitam o
113
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

neoliberalismo progressista, bem como o populismo reacionário, devendo “unir forças com
outros movimentos anticapitalistas mundo afora – com movimentos ambientalistas, antirracista,
anti-imperialista e LGBTQ+ e com sindicatos”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho objetivou apresentar um paralelo entre a formação do Brasil


Império e a contemporaneidade, tomando como referência a promulgação da Constituição
Federal de 1988, apresentando a relação dos direitos e da cidadania em face das estruturas de
dominação, poder, exploração e opressão, considerando os marcadores sociais da diferença
como classe, raça, gênero e sexualidade.
Viu-se que a formação do direito no Brasil e a consequente noção de cidadania
remontam o período Imperial, considerando o fator Independência e seus desdobramentos,
como constituição de um Estado, do direito e da identidade nacional – na qual a Europa era o
modelo a ser seguido, tanto enquanto personificação de povo, quanto de organização política
inspiradas nos moldes do emergente liberalismo europeu.
O liberalismo jurídico que cabe aos países do Sul Global conviveu e ainda convive
com formas autoritárias, conservadoras, coloniais, formalistas e que se utilizam de fatores
biopolíticos para divisão da população, remetendo a diversidade e pluralidade de sujeitos aos
seus devidos lugares sociais. O domínio da cidadania e dos direitos como liberdade e igualdade
eram voltados às elites brancas e endinheiradas, enquanto a “cidadania penal”, a escravidão e a
marginalização social cabia aos negros, mestiços, indígenas, mulheres, dissidentes sexuais e de
gênero, despossuídos e pobres.
No cenário contemporâneo, apesar das garantias e direitos protegidos pela CF/88 e
pelos diversos instrumentos normativos, as estruturas de dominação capitalista, sexista, racista
e LGBTIfóbica continuam a ser reais impedimentos na concretização, acesso e efetividade dos
direitos dessas populações.
Isso porque a tradição jurídica latino-americana é eivada de fetichismo da lei, que se
caracteriza por precariedades, inefetividades, simbolismos e formalismos, sobretudo quando
tangencia os direitos e a cidadania de grupos submetidos às violências estruturais. E essas
vulnerabilidades sociais são potencializadas pelo neoliberalismo e neoconservadorismo, que
unidos pelo ressentimento, promovem desregulação do capital, ataques aos direitos sociais e
pânicos morais em sua agenda antigênero e antidiversidade.

114
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

Apesar dos diversos avanços nas últimas décadas, todo esse programa se aproxima do
neoliberalismo progressista – que não visa abolir o capitalismo, mas apenas diversificar a
hierarquia social, tomando a meritocracia como princípio organizador da vida.
Conclui-se que o reconhecimento formal de direitos no Estado capitalista, embora
necessário para os grupos historicamente discriminados, explorados e oprimidos, não dispõe de
nenhuma capacidade de superação das mais diversas desigualdades. Resta aos movimentos
sociais se insurgir em torno de alianças anticapitalistas e antiopressões como forma de resistir
e demarcar outras possibilidades de viver dentro de uma territorialidade e de um direito
insurgentes sempre surgido nas fissuras e nas brechas das lutas contra o status quo conservador.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Cecília Barreto de; VASCONCELLOS, Victor Augusto. Transexuais: transpondo


barreiras no mercado de trabalho em São Paulo? Rev. direito GV, São Paulo, v. 14, n. 2, p.
303-333, ago. 2018.

ALMEIDA, Silvio Luiz de. Neoconservadorismo e liberalismo. In: MIGUEL, L. F. et al. O


ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2018. p.
27-32.

ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaira,
2020.

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da


violência à violência do controle penal. 3. ed. rev., Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015.

ARRUZZA, Cinzia; BHATTACHARYA, Tithi; FRASER, Nancy. Feminismo para os 99%:


um manifesto. Boitempo Editorial, 2019.

BIROLI, F.; VAGGIONE, J. M; MACHADO, M. das D. C. Gênero, neoconservadorismo e


democracia: disputas e retrocessos na América Latina. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2020.

BOSCHETTI, Ivanete. Crítica Marxista do Estado Social e dos Direitos no Capitalismo


Contemporâneo. BOSCHETTI, Ivanete; BEHRING, Elaine Rossetti; DE LIMA, Rita de
Lourdes (Ed.). Marxismo, política social e direitos. Cortez Editora, 2018.

BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no


ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019. 256p.

BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria
performativa de assembleia. Editora José Olympio, 2018.

115
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro,


Civilização Brasileira, 2013. Descrição Física: 236p.

Corine Pelluchon. In: Felipe Rodolfo de Carvalho. (Org.). Vidas vulneráveis: Ensaios de
Ética e Filosofia dos Direitos Humanos. 1ed.Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2021, v. 1, p. 126-
155.

CORREA, Sonia. Cruzando a linha vermelha: questões não resolvidas no debate sobre
direitos sexuais. Horiz. antropol., Porto Alegre, v. 12, n. 26, p. 101-121, dez. 2006.

COSTA, Alexandre Bernardino; MARQUES, Magnus Henry da Silva. O processo


constituinte de 1987 e a passagem do tempo: Uma análise sobre um conflito. Revista Direito
e Práxis, v. 9, n. 3, p. 1169-1195, 2018.

DUSSEL, Enrique. Filosofia da libertação. Critica a ideologia da exclusão. São Paulo:


Paulus, 1995.

FEITOSA, Cleyton. A participação social nos 40 anos de Movimento LGBT brasileiro. In:
GREEN, James; QUINALHA, Renan; CAETANO, Marcio; FERNANDES, Marisa (Orgs.).
História do Movimento LGBT no Brasil. São Paulo: Alameda, 2018.

FERDINAND, Malcon. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. São
Paulo: Ubu Editora, 2022. 320p.

FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Tradução Roberto Cabral de Melo


Machado e Eduardo Jardim Morais, supervisão final do texto Eduardo Jardim Morais, Léa
Porto de Abreu Novaes et al., Rio de Janeiro: NAU, 2003.

FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). São Paulo:


Martins Fontes, 2002.

FRASER, Nancy. O velho está morrendo e o novo não pode nascer. Autonomia Literária,
2021.

FRY, Peter; MACRAE, Edward. O que é homossexualidade. 7. ed. São Paulo: Brasiliense,
1985. (Coleção Primeiros Passos).

HUNT, Lynn Avery. A invenção dos direitos humanos – Uma história. Tradução R.
Eichenberg. São Paulo: Cia. das Letras, 2009.

IRINEU, Bruna Andrade. Nas tramas da política pública LGBT: um estudo crítico da
experiência brasileira (2003-2015). EdUFMT: Cuiabá, 2019.

IRINEU, Bruna Andrade; OLIVEIRA, Brendhon Andrade; FREITAS, Leana Oliveira.


Deslocamentos dos direitos LGBTI no Brasil: da arena política à
judicialização. Humanidades & Inovação, v. 8, n. 57, p. 48-62, 2021.

JAMES, C. L. R. Os jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São


Domingos. São Paulo, Boitempo, 2010.

116
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. Brasiliense, 1982.

MARCONI, Maria de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia


científica. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

MASCARO, Alysson Leandro. Crise e golpe. Boitempo Editorial, 2019.

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. Boitempo Editorial, 2013.

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao estudo do direito. 6. ed. São Paulo: Atlas,
2019.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte.


Tradução Renata Santini. São Paulo: 2018.

MINAYO, M. C. S. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social. In: MINAYO, M. C.


S. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

MOREIRA, Adilson José. Pensando como um negro: ensaio de hermenêutica jurídica.


Editora Contracorrente, 2019.

MUNANGA, Kapengele. Raízes cientificas do mito do negro e o racismo ocidental. Revista


Temas, Sao Paulo: 1984.

NEVES, Marcelo. Constituição e direito na modernidade periférica: uma abordagem


teórica e uma interpretação do caso brasileiro. WMF Martins Fontes, 2018.

OKITA, Hiro. Homossexualidade: da opressão à libertação. São Paulo: Editora Sundermann,


2007.

OLIVEIRA, B. A. Pensando direitos sexuais: diálogos com a filosofia de Judith Butler e


PRATES, Jane C.; PRATES, Flávio C. Problematizando o uso da técnica de Análise
Documental no Serviço Social e no Direito. Sociedade em Debate, Pelotas, v. 15, n. 2, pp.
111-125, jul./dez. 2009.

QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: Edgardo


Lander (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas
latino-americanas. Buenos Aires: Clacso, 2005. p. 227-278.

RIBBE, Claude. Os crimes de Napoleão. Tradução de S. Duarte. Rio de Janeiro: Record,


2008.

RICCI, Rudá. Um fordismo tupiniquim que concilia interesses. Revistado Instituto


Humanitas Unisinos, n. 352, p. 8-10, 2010.

SANTOS, Annelyse Cristine Cândido; RAFAEL, Josiley Carrijo. Concepção de justiça em


Ângela Davis e Nancy Fraser: aproximações para uma crítica do capitalismo. Revista
Brasileira de Estudos da Homocultura, v. 2, n. 3, 2019.

117
CRÍTICAS AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: DEBATES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial
no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito: tradição no Ocidente e no Brasil. – 11ª ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2019.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A Pachamama e o ser humano. Florianópolis: Editora UFSC,


2017.

118
Organizadores:
Antônio Leonardo Amorim
Francisco Quintanilha Véras Neto

CRÍTICA AO PROCESSO
PENAL BRASILEIRO
Debates sobre o Sistema de Justiça Criminal

ISBN: 978-65-982514-0-6
Prisma Editorial

1ª Edição
Florianópolis/SC
2024
CRÍTICA AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: Debates sobre o Sistema de Justiça
Criminal © 2024 by Antônio Leonardo Amorim e Francisco Quintanilha Véras Neto is licensed
under CC BY 4.0.

Esta obra é publicada em acesso aberto. O conteúdo dos capítulos, os dados apresentados, bem
como a revisão ortográfica e gramatical são de responsabilidade de seus autores, detentores de
todos os Direitos Autorais, que permitem o download e o compartilhamento, com a devida
atribuição de crédito, mas sem que seja possível alterar a obra, de nenhuma forma, ou utilizá-
la para fins comerciais.

Conselho Editorial: André Afonso Tavares; Camilla Martins dos Santos Benevides; José
Carlos Loitey Bergamini; Miriam Olivia Knopik Ferraz; Tássia Teixeira de Freitas Bianco
Erbano Cavalli.
Organizadores: Antônio Leonardo Amorim; Francisco Quintanilha Verás Neto.
Diagramação e Capa: Prisma Editorial
Contato: https://www.assessoriaprisma.com.br/

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Crítica ao processo penal brasileiro [recurso eletrônico] : debates sobre o


sistema de justiça criminal / Organização: Antônio Leonardo
Amorim, Francisco Quintanilha Véras Neto.— Florianópolis, SC : Prisma
Editorial, 2024.
1 arquivo texto (159 p.) : il. PDF ; 1,44 MB.

Modo de acesso: World Wide Web.


Disponível em formato PDF.
Título retirado da tela de abertura (visualizado em 25 jan. 2024).
eISBN 978-65-982514-0-6
Inclui bibliografias.

1. Direito penal - Brasil. 2. Processo penal - Brasil. 3. Organização


judiciária penal - Brasil. 4. Prisão preventiva. 5. Justiça restaurativa. 6.
Direito penal - Crítica e interpretação. I. Amorim, Antônio Leonardo. II.
Véras Neto, Francisco Quintanilha. III. Título.

CDDir: ed. 4 – 341.50981


CDD: ed. 23 – 364.0981
Bibliotecário: Adriano Lopes CRB-9/1429
CONSELHO EDITORIAL

André Afonso Tavares


Universidade de Santa Cruz do Sul

Camilla Martins dos Santos Benevides


Università degli Studi di Roma La Sapienza

José Carlos Loitey Bergamini


Universidade Federal de Santa Catarina

Miriam Olivia Knopik Ferraz


Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Tássia Teixeira de Freitas Bianco Erbano Cavalli


Centro Universitário Campo Real
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 9

Capítulo 1
CITAÇÕES DE SUJEITOS INDÍGENAS NO PROCESSO PENAL .............................. 10

Jefferson Virgílio

Capítulo 2
USO DE TECNOLOGIAS DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS PESSOAIS NA
PERSECUÇÃO PENAL: Controle biopolítico, impactos e violações de direitos
fundamentais........................................................................................................................... 23

Wagner Eno Lopes

Francisco Quintanilha Véras Neto

Capítulo 3
RACIONALIDADE GOVERNAMENTAL NA IMPLEMENTAÇÃO DAS UNIDADES
DE POLÍCIA PACIFICADORA: UPP, ou da razão pau de arara ................................... 39

Guilherme Filipe Andrade Dos Santos

Capítulo 4
A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA APLICAÇÃO PELO PODER
JUDICIÁRIO MINEIRO ...................................................................................................... 64

Jéssica Tayná Oliveira Campos

Antônio Leonardo Amorim


Capítulo 5
A BUSCA PELO SISTEMA PROCESSUAL PENAL ACUSATÓRIO: Quais as
contribuições da Lei n. 13.964/2019? .................................................................................... 78

Karoline Bassi Huber

Antônio Leonardo Amorim

Capítulo 6
QUE CIDADANIA AS ESTRUTURAS DE DOMINAÇÃO PERMITEM NO SUL
GLOBAL? Um estudo sobre o Brasil Império e Contemporâneo ..................................... 94

Brendhon Andrade Oliveira

Francisco Quintanilha Véras Neto

Capítulo 7
A JUSTIÇA RESTAURATIVA JUVENIL: Da ofensa a reintegração – em busca do
melhor interesse para as crianças e adolescentes .............................................................. 119

Fabiana Montanher Guedes

Antônio Leonardo Amorim

Capítulo 8
A CONSTRUÇÃO DO SER “MATÁVEL”: Uma análise da influência midiática na
construção do “eliminável” ................................................................................................. 135

Joicy da Silva Soares

Capítulo 9
ENCARCERADOS PREVENTIVAMENTE: O controle do Sistema de Justiça Criminal
sobre os corpos negros ......................................................................................................... 150

Antônio Leonardo Amorim

View publication stats

Você também pode gostar