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RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apresentar os desafios da adoção tardia e solo a partir da experiência vivida
pelo autor. Iniciarei com uma breve descrição conceitual do processo de adoção no Brasil e logo após relatarei
como se deu o processo de adoção em uma cidade do litoral leste do Ceará, no município de Cascavel. Um
processo de adoção não se faz sozinho, pois estamos falando de uma nova família, o bem mais importante de
qualquer ser humano, principalmente para uma criança. Dentre as principais dificuldades relatadas durante esse
processo, ressaltam-se o comportamento, dificuldades com regras e autoridade, a adaptação familiar, na escola e
seu modo de vida. Concluo esse relato expressando minha gratidão a todos que me apoiaram: família, amigos,
órgãos judiciais, ONG Acalanto e os profissionais do abrigo institucional, mas principalmente a meu filho, que
me permitiu ser seu pai. Precisamos ainda quebrar os preconceitos, as barreiras sanguíneas, partir da
convivência, do vínculo e do amor para se constituir uma família.
ABSTRACT
This article aims to present the challenges of late and solo adoption based on the experience lived by the author.
I will start with a brief conceptual description of the adoption process in Brazil and shortly after I will report
how the adoption process took place in a city on the east coast of Ceará, in the municipality of Cascavel. An
adoption process is not done alone, as we are talking about a new family, the most important asset of any human
being, especially for a child. Among the main difficulties reported during this process, behavior, difficulties with
rules and authority, family adaptation at school and their way of life stand out. I conclude this report by
expressing my gratitude to everyone who supported me: family, friends, judicial bodies, NGO Acalanto and the
professionals of the institutional shelter, but mainly to my son, who allowed me to be his father. We still need to
break down prejudices, blood barriers and start living together, bonding and loving in order to form a family.
** Psicólogo. Psicoterapeuta. Especializando em Saúde Mental. Atuou como Psicólogo Social em Acolhimento
Institucional. Membro da Coordenação Científica do Programa Cirandas (UFC). E-mail:
rogeriopaulopsi@gmail.com
INTRODUÇÃO
A referida lei sofreu alteração a partir da nova lei da adoção ( lei 13509/2017) que
dispõe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que estabeleceu o prazo
máximo de permanência da criança e do adolescente em acolhimento institucional não se
prolongará por mais de 1anos e meio, ou seja, dezoito meses e que prazo final para se
concluir um processo de adoção deverá ser 120 (cento e vinte) dias, porém essa não é ainda a
realidade vivenciada no Brasil.
De acordo com Camargo (2005) a adoção tardia é quando ocorre com crianças com
idade superior a dois anos. Após os três anos de idade, a adoção torna-se mais difícil, onde
grande parte das crianças mais velhas é adotada por estrangeiros ou permanecem em
instituições até completar maior idade.
Dessa forma, o presente texto propõe apresentar uma experiência exitosa no desafio
de adotar tardiamente e solo uma criança do sexo masculino, com nove anos de idade no ano
de 2018. Relatarei como se deu esse processo e das pessoas e instituições que fizeram parte
dele, o que culminou na constituição de minha família nada tradicional.
Destacarei também os desafios enfrentados desde a decisão por adotar uma criança
até o momento de nossa convivência atual, em meio uma sociedade que tem um modelo
ideal de família implantado.
O CAMINHO PERCORRIDO NA ADOÇÃO
Porém meu processo de Adoção iniciou-se bem antes, foi bastante influenciado pela
experiência que vivi durante os quatro anos que atuei como Presidente do Conselho de
Direito da Criança e do Adolescente de Cascavel. Minha vontade de adotar vem desde
quando era um jovem estudante do Ensino Fundamental, que se fortaleceu a partir do
conhecimento e aprofundamento do tema, da legislação, bem como do discernimento sobre
os mitos e verdades sobre adoção de crianças e adolescentes.
Ao longo dos anos o desejo e a vontade de se tornar pai e poder constituir uma família
foi se consolidando. Assim, sem nenhum tipo de receio por ser solteiro, por decisão própria
fui realizando um planejamento de vida e tomei a decisão de solicitar junto ao Fórum de
Cascavel no dia 17 de maio de 2017 o pedido de habilitação para adoção e após todas as
etapas vencidas o pedido de Adoção na 3ª Vara da Infância e Adolescência em Fortaleza/CE.
Momento de intensa ansiedade e espera diante da burocracia que se passa na Justiça
brasileira, entendo e apoio a rigidez do processo de adoção, diante de tantos exemplos de
abusos e maus-tratos a criança e adolescente no país, decidi também me preparar ao
psicologicamente, iniciei um processo terapêutico que me auxiliou bastante e foi de grande
aprendizado e autoconhecimento.
Conhecer o João Pedro não foi fácil, ele teve um comportamento esperado para o
momento, ficou curioso e acredito que muito ansioso também, no entanto um pouco retraído.
Momento em que percebi o quanto necessitaria do apoio nesta construção de vínculo. Diante
disso percebo a importância de toda equipe do Abrigo e da participação de todos os
profissionais envolvidos no processo. Tivemos muito diálogo e daquele dia já sai com o
cronograma de visita já acertado para segunda, quarta e sexta-feira pela manhã.
Os desafios da adoção tardia e solo vai muito mais do que ter sair de casa seis horas
da manhã, pegar ônibus, às vezes ir de carro fretado, voltar às pressas para poder trabalhar em
Cascavel e ainda voltar novamente a Fortaleza a noite para estudar na Universidade.
Necessitei me vincular a uma criança que já tinha seus medos e traumas, tinha uma história já
vivenciada, porém contei com ajuda da equipe de psicologia do abrigo que foi fundamental
nesse processo, as conversas e orientações do psicólogo da instituição me ajudaram bastante.
Os primeiros dias do meu filho em sua nova casa não foi fácil, ele não conseguia
assistir um filme, sempre repetia as mesmas cenas, um comportamento muito ativo, dormia
muito tarde e acordava muito cedo. Me fez várias perguntas, principalmente sobre família,
porque eu morava em outra casa e meus pais em outra se era uma família?. Foi um desafio
confiar, demonstrava não acreditar em nada, encontrei na honestidade e na verdade a única
alternativa para trabalhar sua confiança em mim, até hoje ele ainda têm dificuldades em
acreditar e sempre questiona, necessita de uma prova sobre o assunto falado.
Na questão de alimentação meu filho escondia tudo debaixo dos armários, dentro de
gavetas e não tinha controle em nada do que ele fosse se alimentar. Diante disso, foi
trabalhado o cardápio escrito por ele em forma de cartaz fixado na parede da cozinha e não
tive muitas dificuldades no ato das refeições. Fui ensinando, pedindo participação dele,
fazendo bolo de chocolate, vitaminas e outras comidas preferidas dele. Hoje ele já faz o
próprio lanche, faz sanduíche, tapioca, vitamina, sucos de goiaba e laranja. Mas possui um
desejo muito intenso ainda por doces, sorvetes e salgados, sendo prioridades de todas as
crianças.
No ano de 2020 ele mesmo decidiu e pediu, e já era de meu interesse, para estudar
no Colégio Cascavelense - CC uma escola privada de grande porte na Cidade de Cascavel,
tendo uma excelente adaptação. Muito empolgado com a rotina não tem nenhuma dificuldade
de acordar no horário, nunca deixou de ir para escola, infelizmente chegou a pandemia e teve
que interromper as aulas e passou o restante do ano estudando on-line com lives e vídeos.
Conseguiu aprovação escolar e em 2021 continua na mesma escola.
No tocante a saúde mental e convivência possui muitas oscilações, meu filho tem
muita ansiedade para qualquer tipo de ocasião, já deixo para falar de última hora na maioria
das vezes. Se irrita com bastante facilidade, tendo dificuldades com frustrações, porém
melhorou bastante, antes tinha muita birra,chorava, gritava, batia as pernas e braços quando
não queria fazer algo, não presenciei mais esses comportamentos. Trabalhei muito os
conceitos, sentimentos, palavras de motivação e otimismo. Ainda no acolhimento
institucional começou acompanhamento psicológico individual, continuou depois da adoção,
mas no momento não está indo devido a pandemia e questões outras. Porém vez por outra
converso com o psicólogo que o acompanhou, e ainda acompanha mesmo de forma indireta,
o processo de adoção dele.
Temos sempre os momentos de conversa, mas tem dias que ele não quer conversar,
principalmente quando faz algo de errado. Gosta muito dos banho de piscina, praia, rio, das
galinhas, ovelhas, gatos e vacas, que ele tem uma paixão sem explicação. Foram os animais
que me possibilitaram trabalhar a responsabilidade, o cuidado, o carinho e a empatia, tem
funcionado bastante e percebo meu filho muito mais feliz e aliviado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Escrever esse trabalho me permitiu ver os resultados alcançados até aqui com o meu
filho, mas me fez refletir também o quanto é importante prestar a atenção em cada etapa do
processo da adoção e da história de vida das crianças e adolescentes, principalmente quando
se tratar de uma adoção tardia, porque essa criança chegará a sua nova família com uma
experiência de vida. Uma história perpassada muitas vezes pelo medo, abusos, traumas,
vários hábitos e costumes. Contudo, tenho percebido nessa minha experiência solo que é
possível traçar uma nova história de afeto, carinho e amor a partir da atenção, da honestidade,
da compreensão e também da desconstrução dos mitos, dos medos, dos preconceitos. Temos
a cada dia nos tornado pai e filho, grandes amigos, parceiros para viver uma nova história.
Um aspecto importante que quero mencionar em relação aos desafios da adoção tardia
é como encarei o meu processo, como respeitei o tempo e lidei com suas consequências. A
paciência foi de extrema importância. Necessitei entender o tempo do meu filho, busquei
ajuda em livros, artigos, palestras e com outros pais adotivos. Quando decidi adotar uma
criança de nove anos de idade, sozinho, precisei encarar que ele tinha traumas das
negligências sofridas na família biológica, tinha uma irmã mais nova adotada no mesmo
abrigo. Porém depois de um tempo percebo também um garoto feliz, com seu próprio quarto,
desenvolvendo sua nova identidade, seu caráter, sua personalidade, tendo acesso a plano de
saúde, educação de qualidade, morando em um sítio pertinho da praia, tendo uma família.
Concluo esse relato com um sentimento de gratidão a todo apoio recebido dos meus
amigos, família, órgãos judiciais e da ONG Acalanto, com toda estrutura de profissionais e
detentora de informações verdadeiras e realistas diante do processo de adoção. Gratidão aos
profissionais do abrigo institucional, uma equipe fundamental no processo de vinculação.
Ressalto que o processo de adoção não se faz sozinho, pois estamos falando de uma nova
família, o bem mais muito importante de qualquer ser humano, uma família que contribua
para ela se torne um adulto saudável, com um futuro de muita dignidade.
REFERÊNCIAS
Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009. (2009, 3 ago.). Dispõe sobre adoção; altera as Leis nos
8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. Acessado em 26 de
fevereiro de 2021.
Vargas, M. M. (2013). Adoção tardia: Da família sonhada à família possível (2. ed.). São
Paulo, SP: Casa do Psicólogo. (Original publicado em 1998)