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O SER PROFESSOR:
CONCEPÇÕES PRESENTES EM UM CURSO
DE FORMAÇÃO DOCENTE
To be a Teacher: The concepts present in a teacher training course
ECCO, I.
BOMBARDELLI, A. P.
as suas fantasias, suas construções de ideal Em síntese, o professor “[...] não pode
e suas idealizações”. ser nem um puro e simples prático, nem um
O significado social de ser professor puro e simples teórico. Ele está entre os dois”
influencia direta e significativamente a cons- (LIBÂNEO, 1998, p. 27), ou seja, a ligação
trução da identidade profissional. Referente entre teoria e prática deve configurar-se
à esta questão, Pimenta (1999, p. 19) afirma: permanentemente em todos os contextos do
exercício profissional.
Uma identidade profissional se constrói,
pois, a partir da significação social da
Nogaro (2002) em sua pesquisa com sujei-
profissão, da revisão constante dos signi- tos, também participantes de um determinado
ficados sociais da profissão: da revisão de curso de formação de professores, observou
tradições. Mas também da reafirmação que os mesmos apresentam distintas razões
de práticas consagradas culturalmente e no ato de optar pela escolha profissional, isto
que permanecem significativas. Práticas é, uns encontram no curso a possibilidade de
que resistem a inovações porque prenhes desenvolver uma atividade baseada na trans-
de saberes válidos às necessidades da formação e formação de novas gerações, e
realidade. Do confronto entre as teorias outros, justificam porque pai e mãe julgam ser
e as práticas da análise sistemática, à luz uma boa opção profissional. Silva e Sudbrack
das teorias existentes, da construção de (2006, p. 08) observam que esses profissio-
novas teorias. Constrói-se, também, pelo nais frequentam os cursos “[...] deixando
significado de cada professor, enquanto em segundo plano a busca de novos conhe-
ator e autor, confere à atividade docente cimentos e o processo de aperfeiçoamento”.
no seu cotidiano a partir de valores, de Deduz-se que essa situação é um dos fatores
seu modo de situar-se no mundo, de sua que contribui para gerar crise de identidade.
história de vida, de suas representações, E, por sua vez, Pimenta e Lima (2004, p. 62)
de seus saberes, de suas angústias e advertem que “A identidade do professor é
anseios, do sentimento que tem em sua
construída ao longo de sua trajetória como
vida o ser professor.
profissional do Magistério.”
Observa-se, no cotidiano da docência, a No seguimento do texto, apresentar-se-ão
correlação dos saberes pedagógicos com os diferentes concepções da função do profes-
desafios da prática educativa. Oliveira (2006) sor, do conceito de aprender de educação,
ressalta que todo profissional docente, ao da profissão docente e do ser professor que,
firmar-se em sua condição de professor, adota indubitavelmente, interferem na construção
como identificador de sua profissão dois fato- da identidade dos referidos sujeitos.
res imprescindíveis em sua tomada de ofício:
os saberes teóricos e práticos. A correlação
destes elementos é o que possibilitará que os 2 Concepções presentes em um
professores constituam e aprimorem os seus curso de formação docente
saberes, adquirindo, pois, a renovação e/ou As concepções sistematizadas, no segui-
a (re)construção de uma nova identidade. mento do texto, apresentam os dados obtidos
(GADOTTI, 2003). por meio do questionário anônimo1 aplicado
É praticamente impossível, porém, articu- em duas turmas concluintes do Magistério
lar os fatores citados anteriormente - a saber, de uma escola de formação de professores
teoria e prática - se esta dinâmica não estiver localizada na região norte do Alto Uruguai
envolvida de forma efetiva com o processo gaúcho entre os meses de setembro e outubro
de formação do docente. de 2010.
essa temática, Gadotti (2003, p. 71) afirma No geral, a interpretação das transcri-
que “Ser professor, na acepção mais genu- ções bibliográficas, bem como a análise de
ína, é ser capaz de fazer o outro aprender, conteúdo dos dados coletados pelo instru-
desenvolver-se criticamente”. mento de pesquisa utilizado - questionário
Faz-se mister destacar que, considerando anônimo- permite-nos ponderar que cursos
os dados coletados e registrados, o conceito de formação docentes, neste particular, o
de ser professor(a) deve ser repensado, dis- curso objeto desta pesquisa, convive com o
cutido à luz de referencial teórico pertinente, enfrentamento de grandes desesperanças. O
especialmente por se tratar de um curso for- cenário educacional que se apresenta, por-
mador de profissionais da educação formal. tanto, remete-nos a muitas incertezas, apon-
tando para o mal-estar docente, misturado,
como afirma Gadotti (2003, p.14), “[...] a
Considerações finais
decepções, irritação, impaciência, ceticismo,
perplexidade [...]”.
Concretizadas as pretensões delineadas
para esta investigação reportamo-nos, nesta As evidências apontadas permitem-nos
parte final, a breves considerações objeti- afirmar que os pressupostos que amparam
vando finalizar o estudo interpretativo aqui a formação dos sujeitos investigados, con-
exposto. cluintes do Magistério, estão vinculados a
Os apontamentos teóricos possibilitados ideologias que concebem o processo ensinar-
pela pesquisa bibliográfica e registrados aprender enquanto acúmulo de conhecimen-
textualmente atestam que um número sig- tos (ou informações) de forma estática e não
nificativo e variado de fatores influenciam de forma contínua na perspectiva da recons-
e interferem na construção da identidade trução do conhecimento, bem como da iden-
docente. O conceito de identidade, pois, tidade pessoal e profissional do professor.
abrange, em sua totalidade, um processo Essa observação é relevante, pois cons-
de construção social inacabado, constante e tatou-se que, em quatro das cinco perguntas
mutável, correlacionado às relações de poder. direcionadas ao grupo pesquisado, as concep-
Seguramente afirmamos com Silva (2003, p. ções que implicavam em adquirir, transferir e
96-97) que: repassar conhecimentos/conteúdos destaca-
[...] podemos dizer que a identidade é ram-se entre as mais pontuadas. E, conforme
uma construção, um efeito, um proces- Nogaro (2020), isso tende a ocorrer, pois nos
so de produção, uma relação, um ato cursos de formação como o Magistério, o pre-
performativo. A identidade é instável, domínio da prática sobre a teoria, na maioria
contraditória, fragmentada, inconscien- das vezes, reduz a aprendizagem em formas
te, inacabada. A identidade está ligada de como selecionar e de como transmitir as
a estruturas discursivas e narrativas. informações, limitando o processo em mera
A identidade está ligada a sistemas de transmissão de conteúdos.
representação. A identidade tem estreitas
Considerando o exposto, Becker (1993,
conexões com relações de poder.
p. 161) entende que o “[...] que lhes falta,
Os vínculos estabelecidos entre diferentes fundamentalmente, é uma teoria capaz de
sujeitos que pertencem à comunidade escolar ressignificar sua prática e, a partir desta
e as relações de poder possibilitam a proje- ressignificação, reestruturá-la”. No que diz
ção, construção e reconstrução da identidade respeito a essa desarticulação que compre-
docente. ende os elementos teóricos e práticos na
ação docente, Mizukami (1986) assegura a lizmente, não pode ser identificada nas falas
necessidade imprescindível de se repensar os das estudantes.
cursos de formação. Sugere, ainda, a referida É preocupante perceber que a quase tota-
autora,
lidade dos registros analisados aponta para
[...] a necessidade de análise de conteú-
dos usualmente veiculados em discipli- conceitos diversificados e superficiais com
nas pedagógicas, especialmente daquelas relação ao ser professor, configurando-se em
que analisam abordagens do processo concepções incorporadas no senso comum.
de ensino-aprendizagem, procurando Frente a essa situação descrita, é urgente e
articulá-los com a prática pedagógica, necessário, conforme atenta Becker (1993,
em suas diferentes manifestações, possi- p. 153), a “[...], superação da epistemologia
bilitando assim a compreensão cada vez
empirista. Superação como condição neces-
mais abrangente e significativa do real.
(MIZUKAMI, 1986, p. 108). sária; mas, [...] não suficiente.”.
NOTAS
1
Dos 52 questionários distribuídos entre os sujeitos da pesquisa, 32 retornaram, correspondendo 61,5%
do total de participantes.
2
O inatismo “Defende que as pessoas nascem com saberes adormecidos que precisam ser organizados
para se tornar conhecimentos verdadeiros. O professor só auxilia [...]” (SANTOMAURO, 2010, p.
78), o empirismo “Sustenta que o conhecimento está na realidade exterior e é absorvido por nossos
sentidos. O professor detém o saber.” (Id., 2010, p. 79) e por fim, o construtivismo “Estabelece que
a capacidade de aprender é desenvolvida e construída nas ações do sujeito por meio do contato ativo
com o conhecimento, que é facilitado pelo professor.” (Id., 2010, p. 79).
3
Todas as partes do texto que estão italicadas são afirmações dos sujeitos da pesquisa registras no
instrumento de coleta de dados e, posteriormente, transcritas.
4
Na transcrição dos registros escritos observou-se o princípio da fidelidade, isto é, considerou-se como
estava no original. Portanto, as palavras seguidas da expressão “[sic]” apontam para erros ortográficos
registrados no instrumento de coleta de dados.
AUTORES
Idanir Ecco - Mestre em Educação UPF/RS e Professor da Universidade Regional Integrada,
Campus de Erechim. idanir@uri.com.br.
Andréia Paula Bombardelli - Pedagoga formada pela Universidade Regional Integrada, Cam-
pus de Erechim.
REFERÊNCIAS
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