Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Renata C. O. B. Cunha
renata_bcunha@yahoo.com.br
Resumo: A formação continuada dos professores, pautada na reflexão sobre a prática que
acontece no interior da escola, vem sendo valorizada por autores como Porto (2000),
Santos (2002), Canário (2000), Pimenta (1998), Sacristán e Pérez Gómez (1998) sob o
argumento de que o saber e o fazer reflexivo precisam estar contextualizados, uma vez que
a transformação da realidade educacional decorre do confronto entre teoria e prática. Nesse
sentido, questiona-se quem seria o profissional responsável por mediar o coletivo docente e
articular os momentos de formação. O coordenador pedagógico passa a ser considerado o
interlocutor da formação docente na medida em que proporciona a reflexão sobre a prática
e a superação das contradições entre o pensar e o agir. A produção de Placco (1994; Placco
et al., 1998, 2000; Placco e Almeida, 2001, 2003) aponta o coordenador como articulador
da consciência das dimensões políticas, humano-relacionais e técnicas da ação dos professores.
A revisão do papel do coordenador pedagógico, entretanto, implica a consideração das
crenças dos coordenadores, uma vez que as decisões dos mesmos são influenciadas pelas
crenças, valores, rotinas, representações. A explicitação das crenças como possibilidade de
reorganização do pensamento e consciência das ações (Sadalla, 1998; Krüger, 1993)
apresenta-se como condição para uma formação mais autêntica e produtiva.
Abstract: Continued teacher education, based on the reflection on the practice that
occurs in the school, is valued by authors such as Porto (2000), Santos (2002), Canário
(2000), Pimenta (1998), Sacristán e Pérez Gómez (1998), with the argument that knowledge
and reflective action must be contextualized, since the transformation of educational reality
originates from the comparison between theory and practice. The article discusses who
would be the professional responsible for the mediation of the teachers’ group and the
articulation of the training moments. The pedagogical coordinator is considered to be the
interlocutor of teacher education insofar as he/she provides reflection on practice and the
overcoming of the contradictions between thinking and action. Placco’s work (1994; Placco
et al., 1998, 2000; Placco and Almeida, 2001, 2003) sees the coordinator as the articulator
of the consciousness of the political, human-relational and technical dimensions of the
teachers’ actions. However, the revision of the pedagogical coordinator’s role implies the
consideration of the coordinators’ beliefs, since their decisions are influenced by their beliefs,
values, routines and representations. The explanation of the beliefs as a possibility of
reorganizing the thinking and the awareness of actions (Sadalla, 1998; Krüger, 1993) is a
condition for a more authentic and productive education.
Educação Unisinos
meio à ação presente) e reflexão sobre pela tarefa e desafio de incentivar a sujeito ativo, participando de forma
a reflexão na ação (reflexão sobre a re- constituição do professor reflexivo e decisiva em todas as etapas do tra-
flexão da ação passada e que influi di- estimular a discussão coletiva dos balho escolar (Leite, 2000).
retamente em ações futuras, colocan- saberes produzidos na escola? Torres (1994) defende a idéia de
do à prova uma nova compreensão do Além da possibilidade de auto-or- que o coordenador pedagógico é um
problema). Propôs uma epistemologia ganização dos professores, a equipe agente responsável pela formação
assentada na reflexão na ação, defen- de especialistas precisa apoiar, in- continuada dos professores, subsi-
dendo que, ao refletir na ação, o profis- centivar e criar condições materiais diando e organizando a reflexão, es-
sional pode encontrar soluções para o concretas para viabilizar esse proje- timulando o processo de decisão vi-
problema que se apresenta no contex- to de formação. sando à proposição de alternativas
to do cotidiano. A formação do profis- Embora cada escola tenha um para superar os problemas da práti-
sional reflexivo, capaz de encontrar res- organograma, destacando atribuições ca. Acredita que ele é uma figura es-
postas aos dilemas que o exercício pro- e competências diferentes para cada sencial nesse processo integrador e
fissional impõe e que não estão pres- especialista, a produção recente or- articulador de ações.
critas nas teorias e técnicas, só encon- ganizada por Placco (1994; Placco et Diante dessas expectativas, é pre-
tra suporte numa epistemologia que al., 1998, 2000; Placco e Almeida, 2001, ciso, como indica Torres (1994), iden-
permite que o profissional reflita sobre 2003) indica que são os coordenado- tificar primeiramente as representa-
a própria prática. res pedagógicos os interlocutores pri- ções do papel de coordenador peda-
Em trabalho mais recente, Pimenta vilegiados entre os professores em gógico internalizado pelos docentes
(2002) constrói sua crítica ao concei- suas reflexões sobre a prática. e não docentes (especialistas), clari-
to de “professor reflexivo” e também Adotando a definição de Leite ficando as relações, com vistas às
se reporta aos trabalhos de Schön, (2000, p. 63-64), a coordenação pe- relações assimétricas construtivas:
destacando sua proposta de valori- dagógica está sendo entendida nes- relações de trocas significativas, es-
zação da prática profissional como te texto como um “conjunto de ati- paços de negociação, participações
oportunidade de construção de co- vidades executadas no sentido de igualitárias entre coordenador e pro-
nhecimento através da análise e re- garantir que ocorra a organização fessores. As interações ocorrem a
flexão da mesma. Segundo a autora, docente em todos os níveis previs- partir das internalizações de formas
o ensino como prática reflexiva tem tos. Tais atividades implicam desde culturais de comportamento, que se
um aspecto positivo, apontando para garantir as condições logísticas até mantêm ocultas até serem explicitadas
a valorização da produção de saber o acompanhamento de cada etapa e compreendidas pelos parceiros do
docente a partir da prática, colocan- do processo de organização. Cabe, processo educativo.
do em destaque o protagonismo do também, à coordenação pedagógica A busca do sentido da ação do
professor. Entretanto, nos processos detectar as dificuldades e necessi- coordenador pedagógico e sua cons-
de mudança e inovações, pode-se dades dos grupos de professores, tituição como formador precisam ser
gerar a supervalorização do profes- na medida em que organiza e orienta refletidas e explicitadas coletivamen-
sor como indivíduo, perdendo-se de a discussão coletiva a respeito do te para que cada um tenha a oportu-
vista o contexto social mais amplo e planejamento das práticas pedagó- nidade de vir a se tornar mais consci-
o trabalho coletivo. gicas, garantindo espaço para que ente de sua forma de atuação e mais
todos explicitem as suas opiniões e crítico com relação às
O coordenador sugestões”. (pre)concepções e perspectivas que
Ainda segundo o mesmo autor, a nutre a respeito de seu trabalho.
pedagógico e sua tarefa
formação continuada de professores Segundo Placco (1994), a constru-
de formador de
é aquela que assume o desafio de ção da identidade profissional e o
professores
conceber e construir a escola como fortalecimento de seu compromisso
um ambiente educacional em que a com o grupo de professores e alunos
Assumindo-se a importância do formação e a prática pedagógica não dependem da consciência crítica que
trabalho de formação centrada na sejam atividades distintas e divorci- professores e coordenadores têm
escola, é possível propor alguns adas e estejam articuladas com a ges- frente à sincronicidade das dimen-
questionamentos: Quem são os agen- tão escolar, as práticas curriculares e sões políticas, humano-relacionais e
tes da promoção da formação conti- as necessidades profissionais. Nes- técnicas de sua ação. Somente a 199
nuada dos professores nos espaços se processo, o professor tem oportu- consciência do dinamismo dessas
escolares? Quais os responsáveis nidade de assumir o seu papel de dimensões permite o redirecio-
Educação Unisinos
próprios coordenadores que, como res, buscando promover a consciên- desenvolvimento dos profissionais
aponta Garcia (1995), pressupõem cia crítica da sincronicidade dos da educação, a formação centrada na
que os professores estejam educa- componentes políticos, humano- escola e a mediação do coordenador
dos e formados para as suas ativida- interacionais e técnicos da ação dos pedagógico supõe pensar as crenças
des docentes depois de concluídos professores. Essa perspectiva, defen- que orientam o trabalho dos mesmos
seus estudos. dida por Placco (1994), permite um e dão suporte à sua ação. A
A revisão do papel do coordena- movimento que produz novas com- explicitação das crenças como possi-
dor pedagógico, portanto, implica preensões do processo educativo, bilidade de reorganização do pensa-
também considerar a necessidade de uma reestruturação entre esses com- mento e consciência das ações
se perguntar pelas crenças dos co- ponentes e a (re)definição do proje- (Sadalla, 1998; Krüger, 1993) apresen-
ordenadores. Perguntar pelas cren- to pedagógico coletivo. ta-se como condição para uma forma-
ças, solicitando sua descrição, pro- Estudar as crenças dos professo- ção mais autêntica e produtiva.
voca uma reflexão sobre as próprias res é deter-se nas perspectivas, con-
ações, contribuindo para que as mes- vicções, teorias, princípios de práti- Referências
mas reflexões passem a nortear o pla- cas desses profissionais. Qual a im-
nejamento de ações futuras. Conhe- portância desse estudo? Segundo ALMEIDA, L.R. 2000. A dimensão
cer e avaliar as próprias crenças per- Krüger (1993, p. 14), “a pesquisa de relacional no processo de formação
mite ainda reorganizar o pensamento crenças e sistemas de crenças con- docente. In: E.B BRUNO; L.R.
ALMEIDA e L.H.S. CHRISTOV
e buscar fundamentar um corpo de tribui para o nosso entendimento do
(orgs.), O coordenador pedagógico e
conhecimentos (Sadalla, 1998, p. 36). mundo, da sociedade, da cultura e
a formação docente. São Paulo, Edi-
O conceito de crenças desenvol- de nós mesmos, inclusive de nossa ções Loyola, p. 77-88.
vido por Krüger (1993) é de que elas cognição, quer dizer, dos processos ALMEIDA, L.R. O relacionamento
são conteúdos psíquicos, represen- e conteúdos de nossa mente, dila- interpessoal na coordenação pedagó-
tações simbólicas, oriundos da nos- tando o nosso grau de consciência”. gica. 2001. In: V.M.N.S. PLACCO e
sa experiência e dos resultados que Envolvidos com a formação con- L.R. ALMEIDA (orgs.), O coordena-
dela advêm e que estão incluídas em tinuada de professores e coordena- dor pedagógico e o espaço da mu-
dança. São Paulo, Loyola, p. 67-80.
nosso mundo mental. Elas estão pre- dores, temos que considerar que as
BATISTA, S.H.S.S. 2001. Coordenar, ava-
sentes em nossa subjetividade e em decisões dos mesmos são influenci- liar, formar: discutindo conjugações
processos sociais, instalando-se na adas, sobretudo, pelas crenças, es- possíveis. In: V.M.N.S. PLACCO e L.R.
cultura e influenciando nossa exis- cala de valores, ideologia, rotinas, ALMEIDA (orgs.), O coordenador
tência pessoal e a vida coletiva. As estilo pedagógico e reações pesso- pedagógico e o espaço da mudança.
fontes de nossas crenças são as ais (Sadalla et al., 2002). As respos- São Paulo, Loyola, p. 109-118.
interações sociais e a experiência, tas aos problemas de natureza com- CAMPOS, S. e PESSOA, V.I.F. 1998. Dis-
cutindo a formação de professoras e
tanto sensorial quanto cognitiva, e plexa e imprevisível, marcadas por
professores com Donald Schö. In:
são reconhecidas especialmente pela incertezas e conflitos de valores do C.M.G. GERALDI; D. FIORENTINI e
linguagem (e outros indícios cotidiano da escola e expressas por E.M.A. PEREIRA (orgs.), Cartografi-
comportamentais). São elas que comunicações, ações e comporta- as do trabalho docente: professor(a)-
norteiam nossas ações, fornecendo- mentos, estão assentadas, princi- pesquisador(a). Campinas, Mercado de
lhes sentido e direção. Os sistemas palmente, nas crenças dos professo- Letras, p. 183-206.
de crenças – conjunto estruturado res. As mesmas autoras destacam que CANÁRIO, R. 2000. A experiência portu-
guesa dos Centros de Formação das
de argumentos e teorias, associados os pressupostos que sustentam o
Associações de Escolas. In: A.J.
de forma lógica – fornecem explica- paradigma que estuda o pensamento
MARIN (org.), Educação continuada.
ções e alimentam expectativas em do professor durante sua atividade Campinas, Papirus, p. 63-88.
relação ao futuro, conferindo moti- profissional são os de que “o profes- CHRISTOV, L.H.S. 2001. Sabedorias do
vação e norte à conduta. Convém sor é um sujeito reflexivo, racional, coordenador pedagógico: enredos do
ressaltar, entretanto, que as relações que toma decisões, emite juízos, tem interpessoal e de (com) ciências na
interpessoais, além de gerar, também crenças e engendra rotinas próprias escola. São Paulo, SP. Tese de Douto-
podem modificar ou eliminar crenças. de seu desenvolvimento profissional; rado em Educação. Pontifícia Univer-
sidade Católica de São Paulo – PUC-
O coordenador, em seu próprio os pensamentos do professor guiam
processo de formação contínua, deve e orientam sua conduta” (p. 101).
SP, 161 p.
CLEMENTI, N. A voz dos outros e a nos-
201
se preparar para trabalhar com as Se tendemos a ser e a viver de acor- sa voz. 2001. In: V.M.N.S. PLACCO e
crenças do seu grupo de professo- do com as nossas crenças, pensar o L.R. ALMEIDA (orgs.), O coordena-
dor pedagógico e o espaço da mu- PIMENTA, S.G. 1998. Formação de pro- A.J. MARIN (org.), Educação conti-
dança. São Paulo, Loyola, p. 53-66. fessores: saberes da docência e identi- nuada: reflexões e alternativas. Cam-
GARCIA, M. 1995. Coordenação Peda- dade do professor. In: I. FAZENDA pinas, Papirus, p. 11-38.
gógica: ação, interação, transforma- (org.), Didática e interdisciplinaridade. SACRISTÁN, J.G. e PÉREZ GÓMEZ, A.I.
ção. São Paulo, SP. Dissertação de Campinas, Papirus, p. 161-178. 1998. Compreender e transformar o
Mestrado. Pontifícia Universidade Ca- PIMENTA, S.G. 2002. Professor reflexi- ensino. Porto Alegre, ArtMed.
tólica de São Paulo – PUC-SP, 134 p. vo: construindo uma crítica. In: S.G. SADALLA, A.M.F.A. 1998. Com a pala-
GARRIDO, E. 2000. Espaço de formação PIMENTA e E. GHEDIN (orgs.), Pro- vra, a professora: suas crenças, suas
continuada para o professor coordena- fessor reflexivo no Brasil: gênese e crí- ações. Campinas, Ed. Alínea.
dor. In: E. B. BRUNO; L.R. ALMEIDA tica de um conceito. São Paulo, Cortez, SADALLA, A.M.F.A.; SARETTA, P. e
e L.H.S. CHRISTOV (orgs.), O coor- p. 17-52. ESCHER, C.A. 2002. Análise de cren-
denador pedagógico e a formação PLACCO, V.M.N.S. 1994. Formação e ças e suas implicações para a educa-
docente. São Paulo, Edições Loyola, prática do educador e do orientador: ção. In: R.G. AZZI e A.M.F.A.
p. 9-16. confrontos e questionamentos. Cam- SADALLA (orgs.), Psicologia e for-
GUIMARÃES, A.A. e VILLELA, F.C.B. pinas, Papirus. mação docente: desafios e conversas.
2000. O professor-coordenador e as PLACCO, V.M.N.S. GUIMARÃES, A.A; São Paulo, Casa do Psicólogo, p. 93-
atividades de início de ano. In: E.B. MATE, C.H.; BRUNO, E.B.; VILLELA, 112.
BRUNO; L.R. ALMEIDA e L.H.S. F.C.; ALMEIDA, L.R.; CHRISTOV, SANTOS, J.M.T.P. 2002. O limite da ne-
CHRISTOV (orgs.), O coordenador L.H.S. e SARMENTO, M.L.M. 1998. cessidade: as condicionalidades inter-
pedagógico e a formação docente. São O coordenador pedagógico e a edu- postas á realização do trabalho
Paulo, Edições Loyola, p. 37-54. cação continuada. São Paulo, Edições educativo na escola. In: N.S.C.
KRÜGER, H. 1993. Crenças e sistemas de Loyola. FERREIRA, Supervisão educacional
crenças. Arquivos Brasileiros de Psi- PLACCO, V.M.N.S.; BRUNO, E.B.; para uma escola de qualidade: da for-
cologia, 1-2:3-15. ALMEIDA, L.R. e CHRISTOV, L.H.S. mação à ação. São Paulo, Cortez, p.
LEITE, S.A.S. 2000. Desenvolvimento (orgs.). 2000. O coordenador peda- 205-222.
profissional do professor: desafios gógico e a formação docente. São Pau- TORRES, S.R. 1994. OUVIR/FALAR – Um
institucionais. In: R.G. AZZI; S.H.S.S. lo, Edições Loyola. exercício necessário na interação de
BATISTA e A.M.F.A. SADALLA PLACCO, V.M.N.S. e ALMEIDA, L.R. docentes e não-docentes. São Paulo,
(orgs.), Formação de professores: dis- (orgs.) 2001. O coordenador pedagó- SP. Dissertação de Mestrado. Pontifícia
cutindo o ensino de Psicologia. Cam- gico e o espaço de mudança. São Pau- Universidade Católica de São Paulo –
pinas, Alínea, p. 39-66. lo, Edições Loyola. PUCSP, 227 p.
ORSOLON, L.A.M. 2001. O coordena- PLACCO, V.M.N.S. e ALMEIDA, L.R. VIEIRA, M.M.S. 2002. Mudança e senti-
dor/formador como um dos agentes de (orgs.). 2003. O coordenador peda- mento: o coordenador pedagógico e
mudança da/na escola. In: V.M.N.S. gógico e o cotidiano da escola. São os sentimentos dos professores. São
PLACCO e L.R ALMEIDA, O coor- Paulo, Edições Loyola. Paulo, SP. Dissertação de Mestrado.
denador pedagógico e o espaço da PORTO, Y.S. 2000. Formação continua- Pontifícia Universidade Católica de
mudança. São Paulo, Loyola, p. 17-26. da: a prática pedagógica recorrente. In: São Paulo – PUCSP, 182 p.
Renata C. O. B. Cunha
Universidade de Campinas
202
Educação Unisinos