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2. Construção da teoria quântica I: Mecânica ondulatória

2.1 Formulação da Equação de Schrödinger


2.1.1 Equação dependente do tempo
Vamos considerar uma partícula de massa m com energia total:
E = T +V, (2.1)
onde T = p2 /2m representa a energia cinética desta partícula, p o
momento linear e V a energia potencial. Consideramos também
y(x,t) como a função de onda* na posição x em determinado tempo
t. Considerando que estamos tratando de uma onda, podemos
escrever:
wt)
y(x,t) = Aei(kx , (2.2)
onde k = 2p/l é o vetor de onda, que está associado com a relação
de de Broglie l = h/p. Concluímos, sem dificuldade, que: Figura 2.1: Acesse o material
2p de suporte no QR-code acima.
k= p ) p = h̄k (2.3)
h
sendo a equação acima uma importante relação que será utilizada frequentemente ao longo deste
livro.
Uma equação diferencial que tem como solução a função de onda da equação 2.2 pode ser
escrita como:
∂2
y(x,t) + k2 y(x,t) = 0. (2.4)
∂ x2
Podemos multiplicá-la, pela esquerda, por T = p2 /2m:
p2 ∂ 2 p2
y(x,t) + T 2 y(x,t) = 0, (2.5)
2m ∂ x 2

*O significado físico da função de onda será descrito na seção 2.3.

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42 Capítulo 2. Construção da teoria quântica I: Mecânica ondulatória

o que leva à:

h̄2 ∂ 2
y(x,t) = T y(x,t). (2.6)
2m ∂ x2
Por enquanto, vamos guardar o resultado acima.
Uma outra equação diferencial que tem como solução a função de onda da equação 2.2 pode
ser escrita como:

y(x,t) + iwy(x,t) = 0. (2.7)
∂t
Considerando E = h f = h̄w, temos:


ih̄ y(x,t) = Ey(x,t). (2.8)
∂t
Por enquanto, vamos também guardar o resultado acima.
Como último passo, vamos aplicar a função de onda y(x,t) pelo lado direito da equação 2.1.
Teremos:

Ey(x,t) = T y(x,t) +V y(x,t); (2.9)

e, agora, podemos recuperar as equações 2.6 e 2.8, levando-as acima. Encontramos:

h̄2 ∂ 2 ∂
y(x,t) +V y(x,t) = ih̄ y(x,t) (2.10)
2m ∂ x 2 ∂t
sendo esta a Equação de Schrödinger dependente do tempo (ESDT).

2.1.2 Equação independente do tempo


A ESDT permite que a função de onda proposta (equação 2.2) seja separada por variáveis:

y(x,t) = y(x)f (t)


= Aeikx e iwt
, (2.11)

de tal forma que podemos rescrever a equação 2.10 como:

h̄2 ∂2 ∂
f (t) 2 y(x) +V y(x)f (t) = ih̄y(x) f (t). (2.12)
2m ∂x ∂t
Ao dividirmos a equação anterior, pelo lado esquerdo, por y(x,t) = y(x)f (t), obtemos:
⇢ ⇢
h̄2 1 ∂ 2 ih̄ ∂
y(x) +V (x) f (t) = 0, (2.13)
2m y(x) ∂ x 2 f (t) ∂t
| {z } | {z }
g g

onde assumimos V = V (x). Esta condição é necessária para podermos agrupar nas primeiras chaves
apenas a variável espacial x; enquanto nas segundas chaves, apenas a variável temporal t. Para que
a equação acima seja verdadeira, cada chaves deve ser igual a uma constante, no caso g. Temos
então:
d
ih̄ f (t) = gf (t). (2.14)
dt

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2.2 Operadores 43

Comparando a equação acima com a equação 2.8, concluímos que g = E. Conhecendo agora a
constante g, podemos estudar as primeiras chaves da equação 2.13:
h̄2 ∂ 2
y(x) +V (x)y(x) = Ey(x) (2.15)
2m ∂ x2
sendo esta a Equação de Schrödinger independente do tempo (ESIT). Esta equação fornece infor-
mações a respeito dos estados (estacionários) do sistema, bem como do seu respectivo espectro de
energia.
A solução desta equação dependerá do potencial escolhido V (x), podendo ser generalizada
em duas ou três dimensões, como estudaremos em capítulos à seguir. A função de onda y(x)
também poderá ter índices associados: y{n} (x), onde os índices representam os números quânticos
do problema.

2.2 Operadores
A onda plana que consideramos na equação 2.2 pode ser reescrita como:
y(x,t) = Aei(px Et)/h̄
, (2.16)
sendo esta forma mais fácil para obtermos os operadores que iremos estudar a seguir.

2.2.1 Operador momento linear


Vamos considerar o caso estacionário, sem perda de generalidade. Desta forma, a função de onda
será:
y(x) = Aeipx/h̄ . (2.17)
Se derivarmos esta função de onda com respeito a x, encontramos:
∂ i ∂
y(x) = py(x) ) ih̄ y(x) = py(x), (2.18)
∂x h̄ ∂x
o que nos permite comparar a equação acima com a equação de autovalor:
p̂y(x) = py(x) (2.19)
onde p̂ é o operador (momento linear), y(x) a autofunção e p o respectivo autovalor.
Comparando as equações 2.18 e 2.19, notamos que é possível designar as funções de onda
como autofunções e, ainda, determinar o operador momento linear:

p̂ = ih̄ (2.20)
∂x
sendo p o autovalor associado.

2.2.2 Operador posição


De forma análoga ao que foi feito para o operador momento linear, podemos agora escrever:
xAeipx/h̄ = xAeipx/h̄ . (2.21)
Comparando a equação acima com a equação de autovalor:
x̂y(x) = xy(x), (2.22)
concluímos que o operador posição x̂ é dado pela coordenada x; que, por sua vez, também representa
os autovalores da equação 2.22.

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44 Capítulo 2. Construção da teoria quântica I: Mecânica ondulatória

2.2.3 Operador Hamiltoniano


Para discutir este operador, vamos reescrever a ESIT (equação 2.15):

h̄2 ∂ 2
y(x) +V (x)y(x) = Ey(x), (2.23)
2m ∂ x2
e comparar com a equação de autovalor para a energia:

Hˆ y(x) = Ey(x) (2.24)

Concluímos, portanto, que E representa os autovalores de energia e

h̄2 ∂ 2
Hˆ = +V (x̂) (2.25)
2m ∂ x2
representa o operador Hamiltoniano.
A partir da equação acima podemos escrever Hˆ = T̂ + V̂ , onde V̂ = V (x̂) representa o operador
energia potencial e

p̂2 h̄2 ∂ 2
T̂ = = (2.26)
2m 2m ∂ x2
representa o operador energia cinética.

2.2.4 Propriedades dos operadores


Os operadores lineares em mecânica quântica obedecem à algumas propriedades básicas, que
passamos agora em revista.

Propriedade 2.1 Adição de operadores.

 = B̂ + Ĉ (2.27)

Demonstração.

Ây(x) = B̂y(x) + Ĉy(x) = (B̂ + Ĉ)y(x) ) Â = B̂ + Ĉ (2.28)

Propriedade 2.2 Proporcionalidade de operadores.

 = b B̂ (2.29)

Demonstração.

Ây(x) = b [B̂y(x)] = (b B̂)y(x) ) Â = b B̂ (2.30)

Propriedade 2.3 Potência de operadores.

 = B̂n (2.31)

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2.2 Operadores 45

Demonstração.

Ây(x) = B̂B̂ · · · [B̂y(x)] = (B̂n )y(x) ) Â = B̂n (2.32)

Definição 2.1 Quando estudamos dois ou mais operadores, é comum encontrarmos a seguinte
condição entre dois destes operadores: ÂB̂ 6= B̂Â. Por este motivo, é conveniente definirmos o
comutador entre  e B̂ como sendo o operador:

[Â, B̂] = ÂB̂ B̂Â (2.33)

Este comutador pode ser zero (Â e B̂ comutam), ou diferente de zero (Â e B̂ não comutam).

⌅ Exemplo 2.1
Podemos calcular o comutador [x̂, p̂] aplicando uma função de onda y = y(x) pela direita
deste operador:
∂ ∂
[x̂, p̂]y(x) = ih̄x y(x) + ih̄ [xy(x)]
⇥ ∂x ∂x ⇤
= ih̄ xy 0 (x) + y(x) + xy 0 (x)
= ih̄y(x) (2.34)
Logo, obtemos para este comutador:
[x̂, p̂] = ih̄ (2.35)

O resultado do exemplo acima é de extrema importância em mecânica quântica e está fortemente


relacionado com o Princípio de Incerteza, conforme discutiremos com os resultados da equação
2.A.54. Assim como os operadores, os comutadores também possuem suas propriedades, que
passamos agora em revista (algumas das mais importantes).

Propriedade 2.4

[a Â, B̂] = a[Â, B̂] (2.36)

Demonstração.

[a Â, B̂] = (a Â)B̂ B̂(a Â)


= a(ÂB̂ B̂Â)
= a[Â, B̂] (2.37)

Propriedade 2.5

[Â, Â] = 0 (2.38)

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46 Capítulo 2. Construção da teoria quântica I: Mecânica ondulatória

Demonstração.

[Â, Â] = ÂÂ ÂÂ = 0 (2.39)

Propriedade 2.6

[Â, f (Â)] = 0 (2.40)

Demonstração. Toda função f (z) pode ser escrita através de uma série de Taylor (em torno
de um determinado ponto z0 ), de tal forma que o comutador de interesse será proporcional à
[Â, Ân ] = 0. Esta condição demonstra a equação 2.40. ⌅

Propriedade 2.7

[Â, B̂Ĉ] = B̂[Â, Ĉ] + [Â, B̂]Ĉ (2.41)

Demonstração.

[Â, B̂Ĉ] = (ÂB̂Ĉ B̂ĈÂ) + (B̂ÂĈ B̂ÂĈ) (2.42)


= B̂[Â, Ĉ] + [Â, B̂]Ĉ (2.43)

Propriedade 2.8

[ÂB̂, Ĉ] = Â[B̂, Ĉ] + [Â, Ĉ]B̂ (2.44)

Demonstração.

[ÂB̂, Ĉ] = (ÂB̂Ĉ ĈÂB̂) + (ÂĈB̂ ÂĈB̂) (2.45)


= Â[B̂, Ĉ] + [Â, Ĉ]B̂ (2.46)

Definição 2.2 Para completar esta subseção, introduzimos o conjugado transposto de um


operador, dado por:

† = (Â⇤ )T (2.47)

que pode atuar nas funções de onda da seguinte forma:


Z Z ⇥ ⇤⇤
y ⇤ (x)Ây(x)dx = † y(x) y(x)dx (2.48)

Se a condição † =  for satisfeita, chamamos o operador  de Hermitiano, sendo esta uma
condição própria dos observáveis (voltaremos à esta observação mais à frente no texto). Em

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2.2 Operadores 47

outras palavras, para ser um operador Hermitiano, este deve obedecer a seguinte condição:
Z Z ⇥ ⇤⇤
y ⇤ (x)Ây(x)dx = Ây(x) y(x)dx (2.49)

⌅ Exemplo 2.2
Vamos considerar o operador momento linear p̂ = ih̄∂ /∂ x e verificar, utilizando a equação
2.49, que este operador é Hermitiano. Temos portanto:
Z • Z •
⇤ ∂ ⇤
[ p̂y(x)] y(x)dx = ih̄ y (x) y(x)dx
• • ∂x
 Z •
• ∂
= ih̄ y (x)y(x)| •

y ⇤ (x) y(x)dx (2.50)
• ∂ x
onde esta integral está sendo resolvida por partes* . Uma vez que as funções de onda y(x)
devem se anular no infinito, temos, portanto:
Z Z •

[ p̂y(x)]⇤ y(x)dx = ih̄ y ⇤ (x) y(x)dx
• ∂x
Z •
= y ⇤ (x) p̂y(x)dx. (2.52)

Verificamos, portanto, que o operador p̂ é Hermitiano.


⌅ Exemplo 2.3
Podemos também verificar que o operador energia cinética:
p̂2
T̂ = (2.53)
2m
é Hermitiano. Analogamente ao exemplo anterior, vamos recorrer à equação 2.49. Temos
então:
Z •⇥ Z
⇤⇤ 1 • ⇤
T̂ y(x) y(x)dx = p̂ [ p̂y(x)]⇤ y(x)dx
• 2m •
Z
1 • ⇤ ⇤
= p̂ y (x) p̂y(x)dx (2.54)
2m •
onde a última linha do desenvolvimento acima foi possível uma vez que o operador p̂ é
Hermitiano. Dando continuidade, chegamos à:
Z •⇥ Z •
⇤⇤ 1
T̂ y(x) y(x)dx = y ⇤ (x) p̂2 y(x)dx
• 2m •
Z •
= y ⇤ (x)T̂ y(x)dx. (2.55)

Verificamos, portanto, que o operador T̂ também é Hermitiano. ⌅

*
Z Z
u dv = uv v du (2.51)

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48 Capítulo 2. Construção da teoria quântica I: Mecânica ondulatória

2.3 Interpretação da função de onda


Podemos iniciar esta discussão com o operador momento linear p̂ = ih̄ ∂∂x e, em seguida, generali-
zar o valor quadrático deste operador em três dimensões:
 2
2 2 ∂ ∂2 ∂2
p̂ = h̄ + + = h̄2 —2 . (2.56)
∂ x2 ∂ y2 ∂ z2
Com este resultado, a ESDT (equação 2.10), pode ser escrita como:

h̄2 2 ∂
— y +V y = ih̄ y, (2.57)
2m ∂t
onde y = y(~r,t). Para o desenvolvimento desta seção, precisamos do complexo conjugado da
equação acima, sendo dado por:

h̄2 2 ⇤ ∂
— y +V y ⇤ = ih̄ y ⇤ . (2.58)
2m ∂t
Multiplicaremos a equação 2.57 por y ⇤ e a equação 2.58 por y, sempre pela esquerda, encontrando:

h̄2 ⇤ 2 ∂
y — y + y ⇤V y = ih̄y ⇤ y (2.59)
2m ∂t
e
h̄2 ∂
y—2 y ⇤ + yV y ⇤ = ih̄y y ⇤ . (2.60)
2m ∂t
Fazendo a subtração das equações 2.59 e 2.60 obtemos:
h̄ ~ h ⇤~ i ∂
— · y —y y~—y ⇤ = (y ⇤ y) . (2.61)
2mi ∂t
O resultado acima pode ser rescrito como:

~— · ~j + ∂ r = 0 (2.62)
∂t
onde
h i
r = y ⇤y e ~j = h̄ y ⇤~—y y~—y ⇤ (2.63)
2mi
A equação 2.62 é a equação de continuidade, que representa a conservação de uma determinada
quantidade, dependendo do problema em questão. Na teoria eletromagnética, por exemplo, r
representa a densidade de carga; enquanto ~j representa a densidade de corrente. Analogamente,
para o problema em questão, interpretamos r como sendo a densidade de probabilidade e ~j como
sendo a densidade de corrente de probabilidade.
Podemos agora retornar para o estudo de sistemas estacionários unidimensionais e escrever, de
forma simples, a probabilidade de encontrar a partícula em um intervalo x e x + dx:

dP = |y(x,t)|2 dx = |y(x)|2 dx, (2.64)

onde r(x) = |y(x)|2 é densidade de probabilidade acima definida. Para obter o resultado acima,
utilizamos a equação 2.11: y(x,t) = y(x)e iEt/h̄ . Vale ainda notar que a probabilidade de encontrar
a partícula em um intervalo [a, b] é dada por:
Z b
Pab = |y(x)|2 dx, (2.65)
a

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2.4 Superposição de estados 49

enquanto a integral em todo o espaço


Z +•
|y(x)|2 dx = 1 (2.66)

deve ser igual a unidade, garantindo, assim, a normalização da densidade de probabilidade. Desta
forma, temos que a função de onda está associada, através do seu módulo quadrado, com a
probabilidade de encontrar a partícula em uma determinada região do espaço.

2.4 Superposição de estados


Uma condição necessária para a superposição de estados é a ortogonalidade das autofuções norma-
lizadas yn (x). A condição de ortogonalidade pode ser escrita como:
Z •
yn⇤ (x)ym (x)dx = dnm (2.67)

onde

1, n = m
dnm = (2.68)
0, n =
6 m
é a delta de Kronecker. Vale mencionar que funções ortogonais podem ser utilizadas como base de
um espaço de funções. Em outras palavras, podemos escrever uma função de onda total Y(x) como
uma superposição de estados yn (x), ou seja:
Y(x) = Â Cn yn (x) (2.69)
n

O significado físico dos coeficientes Cn será discutido mais à frente no texto. Antes desta discussão,
vamos abordar algumas propriedades gerais da função de onda total Y(x).

2.4.1 Normalização
Assim como a condição de normalização da função de onda que descreve o estado yn (x) (equação
2.66), podemos escrever:
Z •
Y⇤ (x)Y(x)dx = 1. (2.70)

2.4.2 Significado físico dos coeficientes Cn


A partir das equações 2.69 e 2.70, encontramos:
Z •✓ ◆✓ ◆


 Cn yn (x)  Cm ym (x) dx = 1,
⇤ ⇤
(2.71)
n m

o que implica em:


Z •
 Cn⇤Cm •
yn⇤ (x)ym (x)dx = 1, (2.72)
nm

onde a integral acima foi definida na equação 2.67. Temos portanto:

 Cn⇤Cm dnm =  |Cn |2 = 1. (2.73)


nm n

Com este resultado, podemos considerar:


Pn = |Cn |2 (2.74)
como sendo a probabilidade normalizada de encontrar o sistema no estado yn (x).

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2.4.3 Como determinar os coeficientes Cn ?


Podemos multiplicar ambos os lados da equação 2.69 por ym⇤ (x), pela esquerda; e, em seguida,
integrar em todo o espaço. Teremos assim:
Z • Z •
ym⇤ (x)Y(x)dx = Â Cn ym⇤ (x)yn (x)dx (2.75)
• n •

= Â Cn dmn . (2.76)
n

Determinamos assim os coeficientes da equação 2.69:


Z •
Cm = ym⇤ (x)Y(x)dx (2.77)

A partir do coeficiente Cm , podemos rescrever a probabilidade Pn de encontrar o sistema no


estado yn (x) (veja equação 2.74):
Z • 2
Pn = yn⇤ (x)Y(x)dx (2.78)

2.4.4 Valor esperado


Considere que o operador  satisfaça a equação de autovalor

Âyn (x) = an yn (x). (2.79)

Podemos escrever o valor esperado deste operador como sendo a média ponderada destes autovalo-
res:

hÂi = Â Pn an (2.80)
n

onde Pn = |Cn |2 (vide equação 2.74). Entretanto, esta probabilidade pode ser rescrita:

Pn = Â Cm⇤ Cn dmn
m
Z •
= Â Cm⇤ Cn ym⇤ (x)yn (x)dx
m •
Z •
= Â Cm⇤ ym⇤ (x) [Cn yn (x)] dx.

(2.81)
m

Levando a equação 2.81 na equação 2.80, encontramos:


Z • 
hÂi = Â Cm ym (x) Â Cn an yn (x) dx
• m
⇤ ⇤
n
Z • 
= Â Cm⇤ ym⇤ (x) Â Â Cn yn (x) dx,

(2.82)
m n

e, consequentemente:
Z •
hÂi = Y⇤ (x)ÂY(x)dx (2.83)

Portanto, a equação acima representa o valor esperado hÂi de um observável  no estado Y(x).

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2.5 Poço de potencial infinito: um exemplo 51

2.5 Poço de potencial infinito: um exemplo


Vamos considerar uma partícula de massa m confinada em um poço de potencial infinito unidimen-
sional, descrito pela equação 1.D.5 e representado na Figura 1.16. Iremos determinar as funções
de onda deste problema, bem como os autovalores de energia. Em seguida, como propriedade
intrínseca dos sistemas quânticos, iremos considerar funções de onda descritas como superposição
de estados.

2.5.1 Funções de onda e autovalores de energia


A função de onda deste problema é nula nas regiões de potencial infinito. Por este motivo,
resolvemos a equação de Schrödinger independente do tempo apenas para região onde V (x) = 0.
Neste caso, temos:

h̄2 d 2 d2
y(x) = Ey(x) ) y(x) + k2 y(x) = 0 (2.84)
2m dx2 dx2
onde
2mE
k2 = . (2.85)
h̄2
A equação diferencial acima tem como solução:

y(x) = Aeikx + Be ikx


. (2.86)

Entretanto, a função de onda se anula onde o potencial é infinito (x > a e x < 0); e, desta forma,
para garantir a continuidade da função de onda, o problema possui a seguinte condição de contorno:

y(0) = y(a) = 0 (2.87)

Aplicando a condição de contorno em x = 0, encontramos:

y(0) = A + B = 0, (2.88)

o que implica em A = B. Portanto, temos:


⇣ ⌘
y(x) = A eikx e ikx = Ã sin(kx). (2.89)

A condição de contorno em x = a leva à:

y(a) = Ã sin(ka) = 0, (2.90)

o que implica em ka = np, onde n = 0, 1, 2, · · · ; e, consequentemente:


np
k= . (2.91)
a
Levando a equação 2.91 na equação 2.89, encontramos portanto:
⇣ x⌘
yn (x) = Ãn sin np , n = 1, 2, 3, · · · , (2.92)
a
onde descartamos n = 0 por ser uma solução trivial. Estas são, portanto, as autofunções do poço de
potencial infinito.

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52 Capítulo 2. Construção da teoria quântica I: Mecânica ondulatória

O próximo passo será normalizar 18 18


esta função de onda e determinar o pa- n=4
16 16
râmetro Ãn . Para este procedimento,
recorremos a condição de normaliza- 14 (a) (b) 14

ção: 12 12
Z a n=3
10 10
|yn (x)|2 dx = 1. (2.93)

En/ε
En/ε
0 8 8

Temos, portanto: 6 6

ψ1(a/2)1/2
Z a ⇣ x⌘ n=2
2 4 4
Ãn sin2 np dx = 1 (2.94)

ρ1a/2
0 a 2 n=1 2

e, consequentemente† : 0 0
0.0 0.5 1.0 0.0 0.5 1.0
r
2 x/a x/a
Ãn = . (2.96)
a
Figura 2.2: (a) Funções de onda e (b) densidades de pro-
Logo, a função de onda normalizada babilidade para o poço de potencial infinito - quantidades
será: superpostas nos correspondentes níveis de energia. Note
r que nestas figuras a função de onda yn (x) e a densidade de
2 ⇣ x⌘
yn (x) = sin np (2.97) probabilidade rn (x) foram multiplicadas por parâmetros de
a a
tal forma que estas quantidades não dependessem da largura
onde n = 1, 2, 3, · · · . Uma vez deter- a do poço. Ainda: e = h̄2 p 2 /2ma2 .
minada, podemos estudar os autova-
lores de energia. Para este propósito,
vamos recorrer às equações 2.85 e
2.91, de tal forma que encontramos:
✓ 2 2◆
h̄ p
En = n2 (2.98)
2ma2
Este espectro de energia é o mesmo daquele obtido utilizando a RQSC (veja o Apêndice 1.D).
A partir das funções de onda yn (x) acima apresentadas, bem como do espectro de energia En ,
podemos então compreender o sistema em mais detalhes. A Figura 2.2(a) apresenta o poço de
potencial infinito que estamos estudando com as funções de onda nos correspondentes níveis de
energia. Observe que:

! n ímpar (par) corresponde a uma função de onda par (ímpar) com relação ao centro do
potencial.

! O número de nós na função de onda, ou seja, o número de pontos onde a função de onda
se anula, está relacionado com a sua paridade. Mais precisamente, o número de nós é n 1,
onde n está relacionado com a paridade, conforme discutido acima.

Vale ainda analisar a densidade de probabilidade rn (x) = |yn (x)|2 , apresentada na Figura 2.2(b).
Observe que:

† Para solução da integral da equação 2.94, fizemos y = npx/a; e, então, utilizamos:


Z np
np
dy sin2 y = (2.95)
0 2

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2.5 Poço de potencial infinito: um exemplo 53

! Os mínimos da densidade de probabilidade representam os nós na função de onda.

! Os máximos da densidade de probabilidade representam os valores mais prováveis de


encontrar a partícula em determinadas posições do poço. O número de máximos aumenta
para maiores valores de n.

2.5.2 Superposição de estados


Para estudarmos uma função de onda como uma superposição de estados, primeiro precisamos
analisar a ortogonalidade destes estados - conforme discutimos na seção 2.4. A ortogonalidade
destes estados pode ser verificada pela equação 2.67, mais precisamente por:
Z a
yn⇤ (x)ym (x)dx = dnm , (2.99)
0

onde dnm é a delta de Kronecker. Levando a equação 2.97 na condição de ortogonalidade acima,
encontramos‡ :
Z a Z
2 a ⇣ x⌘ ⇣ x⌘
yn⇤ (x)ym (x)dx = sin np sin mp dx (2.101)
0 a 0 a a
Z
1 an h x i h x io
= cos p (n m) cos p (n + m) dx.
a 0 a a
A integral acima é de fácil solução:
Z a ⇢
1 sin[p(n m)] sin[p(n + m)]
yn⇤ (x)ym (x)dx = . (2.102)
0 p (n m) (n + m)

Uma vez que m e n são números inteiros, logo (n m) e (n + m) também serão e, assim, teremos:
sin[p(n m)] = sin[p(n + m)] = 0; e, com este resultado, verificamos a condição de ortogonalidade
para as funções de onda yn (x) do poço de potencial infinito unidimensional.
Sendo os estados yn (x) ortogonais, podemos escrever uma função de onda Y(x) como super-
posição destes estados, ou seja:
r
• •
2 ⇣ x⌘
Y(x) = Â Cn yn (x) = Â Cn sin np , (2.103)
n=1 n=1 a a

onde os coeficientes Cn são específicos de cada problema. Vamos à um exemplo.

⌅ Exemplo 2.4
Considere uma partícula de massa m em um poço de potencial infinito com a seguinte função
de onda:
⇣ x⌘
Y(x) = A sin2 p . (2.104)
a
1. Faça uma descrição qualitativa desta função de onda.
2. Normalize esta função de onda.
‡ Na equação 2.101 utilizamos a seguinte relação trigonométrica:

2 sin(q ) sin(f ) = cos(q f) cos(q + f ) (2.100)

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54 Capítulo 2. Construção da teoria quântica I: Mecânica ondulatória

Figura 2.3: Função de onda total Y(x)


(equação 2.109 - curva verde) em
comparação com o autoestado y1 (x)
(equação 2.97 - curva violeta). A fun-
ção de onda total pode ser escrita na
base dos autoestados yn (x), conforme
apresentado na curva em laranja (para
apenas n = 1 e n = 3 - veja equação
2.115).

3. Obtenha os coeficientes Cn .
4. Rescreva Y(x) na base yn (x).
5. Qual a probabilidade de encontrar o sistema no estado y1 (x)?

Solução:
1. A partir da função de onda proposta, conseguimos identificar um vetor de onda, dado por:
p 2p
k= = . (2.105)
a l
Logo, determinamos o comprimento de onda associado, dado por l = 2a. Uma vez que o
poço tem largura a, esta partícula, neste estado, possui meio comprimento de onda dentro
do poço. Assim, temos uma função de onda par com relação ao centro do poço, similar ao
estado y1 (x).
2. Para normalizar esta função de onda, recorremos a condição de normalização:
Z a Z a ⇣ x⌘
2 2
|Y(x)| dx = 1 ) |A| sin4 p dx = 1. (2.106)
0 0 a

Após integração da equação acima§ , encontramos:


r
8
A= ; (2.108)
3a
e, consequentemente, temos a função de onda total normalizada:
r ⇣ x⌘
8
Y(x) = sin2 p . (2.109)
3a a
Esta função de onda total normalizada está representada na Figura 2.3.

§ Fizemos y = px/a e, então, utilizamos a seguinte integral:


Z p
3p
dy sin4 y = . (2.107)
0 8

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2.5 Poço de potencial infinito: um exemplo 55

3. Os coeficientes Cn são aqueles que descrevem a probabilidade de encontrar o sistema


em determinado estado yn (x), bem como relacionam a função de onda total Y(x) com os
estados yn (x) (veja equação 2.103). Estes coeficientes podem ser determinados através da
equação 2.77, rescrita abaixo:
Z a
Cn = yn⇤ (x)Y(x)dx (2.110)
0
r r Z
2 8 a ⇣ x⌘ 2⇣ x⌘
= sin np sin p dx (2.111)
a 3a 0 a a
4
=p (2.112)
3p
onde
Z p
(
2 0, n par
= sin(ny) sin (y)dy = 4 (2.113)
0 n(n2 4)
, n impar.

Logo, temos:
16
Cn = p (n impar). (2.114)
3p n(n2 4)

4. A partir dos resultados acima, podemos escrever a função de onda total Y(x) na base dos
estados yn (x); e, para isso, utilizamos os coeficientes Cn acima determinados. A partir da
equação 2.103 podemos escrever:

p ⇣ x⌘
16 2/a
Y(x) = Â p sin np . (2.115)
n=1 3p n(4 n2 ) a
n impar

Esta função de onda total também está representada na Figura 2.3, porém, apenas conside-
rando n = 1, 3. Estes valores de n são suficientes para praticamente convergir para a função
de onda da equação 2.109.

5. A partir da função de onda total, expressa em termos dos estados yn (x), podemos agora
determinar a probabilidade de encontrar o sistema no estado y1 (x):
2
216 1
P1 = |C1 | = p 2
⇡ 0.96; (2.116)
3p 1(1 4)
ou seja, existe 96% de chance de encontrar a partícula no estado y1 (x). Este resultado é
relativamente previsível, uma vez que estimamos, no item (1) deste exemplo, que a função
de onda proposta (equação 2.104) possui meio comprimento de onda na cavidade, sendo, de
fato, análoga ao estado y1 (x). ⌅

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Apêndices

2.A Pacote de onda


Vamos considerar uma partícula de massa m, livre. Isto quer dizer que tal partícula não está
submetida a nenhum potencial, ou seja, V (x) = 0. A ESDT, de acordo com a equação 2.10, será:

h̄2 ∂ 2 ∂
y(x,t) = ih̄ y(x,t), (2.A.1)
2m ∂ x 2 ∂t
onde temos como solução uma onda plana:
wt)
y(x,t) = Aei(k0 x . (2.A.2)

Podemos observar que esta função de onda possui um vetor de onda k0 bem definido e, conse-
quentemente, um momento linear também bem definido p0 = h̄k0 . Entretanto, observe na figura
2.4: esta onda se propaga sem confinamento pelo espaço e, portanto, temos dificuldades em dizer
onde a partícula, associada com a onda, está. Concluímos, assim, antecipadamente, que há uma
relação qualitativamente inversa entre o que conhecemos a respeito do momento linear e posição da
partícula.
Outra observação importante diz respeito à fase da onda plana, que terá uma dependência tipo
w = w(k), uma vez que:

p2
E = h̄w = . (2.A.3)
2m
A partir da equação acima, temos:

h̄k2
w(k) = (2.A.4)
2m
Para termos uma localização espacial da onda, precisamos considerar uma superposição de
ondas com diferentes comprimentos de onda e amplitudes. Este procedimento irá criar interferências

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58 Capítulo 2. Construção da teoria quântica I: Mecânica ondulatória

construtivas e destrutivas, de tal forma a termos um pacote de onda localizado em certa região do
espaço. Esta superposição de ondas planas pode ser criada a partir de uma função de onda total:
• Z
1
Y(x,t) = p f (k)ei[kx w(k)t] dk (2.A.5)
2p •
p
onde o pré-fator 1/ 2p foi introduzido por conveniência (ficará evidente na próxima seção), o
termo exponencial representa as ondas planas e a integral representa um somatório em todos os
vetores de onda. Por fim |f (k)|2 representa a distribuição de números de onda.
Esta função de onda total cria um
pacote de onda localizado devido às
interferências construtivas e destruti-
vas das diversas ondas planas; entre-
tanto, qual função f (k) produzirá tal
efeito? Para começar a responder a
esta questão, vamos fazer t = 0.

2.A.1 Instante inicial


A equação 2.A.5 em t = 0 pode ser
Figura 2.4: Representação gráfica de uma onda plana unidi- reescrita como:
mensional. Z •
1
Y(x, 0) = Y(x) = p f (k)eikx dk,
2p •
(2.A.6)

onde podemos obter f (k), conhecendo Y(x), através de uma Transformada de Fourier¶ :
Z •
1 ikx
f (k) = p Y(x)e dx (2.A.7)
2p •

Vamos, portanto, considerar um pacote de onda dado por um termo oscilante, com um número
de onda k0 ; e, ainda, amortizado por um termos Gaussiano. Temos assim:
x2 /2a2
Y(x) = Aeik0 x e . (2.A.8)

Neste exemplo, fica mais fácil notar que existem dois termos: um descreve o comportamento
ondulatório da partícula (exponencial complexa), e outro que descreve o comportamento corpuscular
(envelope Gaussiano).
Precisamos normalizar a função de onda sugerida:
Z • Z •
2 2 x2 /a2
|Y(x)| dx = 1 ) |A| e dx = 1. (2.A.9)
• •

A integral acima tem solução analítica:


Z • r
ax2 p
e dx = , (2.A.10)
• a
de tal forma que podemos determinar a constante de normalização como:
1
A= . (2.A.11)
(a2 p)1/4
¶ E. Butkov, Física Matemática, editora Guanabara Koogan (1988).

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2.A Pacote de onda 59

Assim, a função de onda normalizada que representa o pacote de onda será dada por:
1 x2 /2a2
Y(x) = eik0 x e (2.A.12)
(a2 p)1/4
e, consequentemente:
1 x2 /a2
|Y(x)|2 = e (2.A.13)
(a2 p)1/2
Observe este pacote de onda na Figura 2.5.
Com a ajuda da equação 2.A.7 podemos determinar a função f (k), que leva à função de onda
da equação 2.A.12:
Z •
1 1 x2 /2a2
f (k) = p eik0 x e e ikx
dx
2p • (a2 p)1/4
Z •
1 i(k k0 )x x2 /2a2
=p e e dx. (2.A.14)
2p(a2 p)1/4 •

Analogamente a integral da equação 2.A.9, a integral acima também tem solução analítica, sendo
dada por:
Z • r
ax2 +b x p b 2 /4a
e dx = e . (2.A.15)
• a
Utilizando a equação acima para solucionarmos a equação 2.A.14, encontramos:
p
a 2 2
f (k) = 1/4 e (k k0 ) a /2 (2.A.16)
p
e, consequentemente:
a (k k0 )2 a2
|f (k)|2 = e (2.A.17)
p 1/2
Observe, portanto, que para obtermos um pacote de onda, é preciso de uma distribuição de
ondas planas com um máximo em k0 . Facilmente notamos que neste problema a distribuição de
números de onda k (equação 2.A.17) é Gaussiana, assim como a distribuição espacial do pacote
de onda proposto (equação 2.A.13). Este fato é consequência da Transformada de Fourier da
Gaussiana, que se transforma em outra Gaussiana.
A partir deste ponto, vamos discutir a variância de |f (k)|2 e |Y(x)|2 .
Variância e Introdução ao Princípio de Incerteza de Heisenberg (1a parte)
A variância var(q) é uma medida da dispersão de uma determinada distribuição f (q). Em termos
mais precisos, é a média quadrática da distância dos valores da distribuição até o valor médio hqi,
ou seja:

var(q) = h(q hqi)2 i


= hq2 + hqi2 2qhqii
2 2
= hq i + hqi 2hqi2 (2.A.18)

Logo, temos para a variância:

var(q) = hq2 i hqi2 (2.A.19)

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60 Capítulo 2. Construção da teoria quântica I: Mecânica ondulatória

Com a equação 2.A.19, vamos calcular


var(x), a variância para |Y(x)|2 . Para este fim,
precisamos calcular antecipadamente hxi e hx2 i,
como segue:
Z •
hxi = Y⇤ (x)xY(x)dx

Z •
= x|Y(x)|2 dx = 0, (2.A.20)

uma vez que x é uma função impar e |Y(x)|2


uma função par. Temos agora que calcular:
Z •
2
hx i = x2 |Y(x)|2 dx

Z •
1 x2 /a2
= 2 1/2 x2 e dx.
(a p) •
(2.A.21)
Para resolver a integral acima, vamos utilizar
um recurso matemático interessante. Para isto,
Figura 2.5: Pacote de onda Gaussiano. As oscila- fazemos a seguinte transformação: a = 1/a2 e,
ções representam o comportamento ondulatório em seguida, consideramos:
da partícula; enquanto o envelope descreve o com- Z • Z •
2 ax2 d 2
portamento corpuscular. x e dx = e ax dx. (2.A.22)
• da •
A integral à direita da equação acima foi discutida anteriormente (equação 2.A.10), sendo o
resultado dependente de a. Após a indicação de como solucionar a integral da equação 2.A.21,
chegamos então ao resultado de interesse:
a2
hx2 i = . (2.A.23)
2
Utilizando as equações 2.A.20 e 2.A.23, obtemos então a variância para |Y(x)|2 , sendo dada por:
a2
var(x) = (2.A.24)
2
Os cálculos que realizamos foram para determinar a variância var(x) para |Y(x)|2 ; entretanto,
podemos realizar um procedimento similar e determinar a variância var(k) para |f (k)|2 (em torno
de k0 ):
Z •
h(k k0 )i = (k k0 )|f (k)|2 dk = 0. (2.A.25)

A equação acima anula-se pelo mesmo motivo que a equação 2.A.20. Temos agora que calcular:
Z •
h(k k0 )2 i = (k k0 )2 |f (k)|2 dk

Z •
a (k k0 )2 a2
=p (k k 0 )2 e dk. (2.A.26)
p •

Para resolver a integral acima, façamos a seguinte mudança de variáveis: x = k k0 e, então,


teremos uma integral análoga aquela da equação 2.A.22. Desta forma, encontramos:
1
h(k k0 )2 i = . (2.A.27)
2a2

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2.A Pacote de onda 61

e, consequentemente:
1
var(k) = (2.A.28)
2a2
como a variância para |f (k)|2 .
A primeira conclusão a respeito destes estudos das variâncias refere-se com a dependência de
var(x) e var(k) com o parâmetro a. Considerando que a variância é uma medida da dispersão da
distribuição, concluímos que, enquanto |Y(x)|2 se alarga com o aumento de a; |f (k)|2 se estreita (e
vice-versa). Observe, portanto, a Figura 2.6.
Outra quantidade que merece
atenção é o produto:
|ψ(x)|2 |φ(k)|2
a2 1 1
a0 var(x)var(k) = = .
2 2a2 4
(2.A.29)

Podemos observar este produto atra-


vés do desvio padrão:
p
2a Dq = var(q), (2.A.30)
0

dado pela raiz quadrada da variância.


Desta forma, a equação 2.A.29 pode
ser reescrita como:

3a

0 DxDp = (2.A.31)
2
onde escrevemos o desvio padrão em
x k termos do momento linear, utilizando
a relação p = h̄k.
Figura 2.6: |Y(x)|2 (painéis à esquerda) e |f (k)|2 (painéis Observamos, portanto, que o pro-
à direita), para valores crescentes do parâmetro a = a0 , 2a0 duto dos desvios padrões (ou variân-
e 3a0 . Observe que a distribuição |Y(x)|2 se alarga para cias), é uma constante. Este valor
maiores valores de a; enquanto a distribuição |f (k)|2 se está relacionado com o Princípio de
estreita (e vice-versa). Incerteza de Heisenberg, que será in-
troduzido na próxima seção.

2.A.2 Evolução temporal


Para o estudo da evolução temporal do pacote de onda, vamos considerar a função f (k) (equação
2.A.16) na função de onda total Y(x,t) (equação 2.A.5). Teremos, portanto:
Z • p
1 a (k k0 )2 a2 /2 i[kx w(k)t]
Y(x,t) = p e e dk. (2.A.32)
2p • p 1/4

Para resolver esta integral vamos, novamente, considerar x = k k0 e, também, w(k) = h̄k2 /2m.
Neste sentido, o argumento da exponencial do integrando pode ser reescrito como:

ax 2 + b x + g, (2.A.33)

onde
✓ ◆
1 2 h̄
a= a +i t , b = i(x vgt) e g = ik0 (x v f t). (2.A.34)
2 m

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62 Capítulo 2. Construção da teoria quântica I: Mecânica ondulatória

Nas equações acima:


k0 h̄ k0 h̄ vg
vg = e vf = = (2.A.35)
m 2m 2
representam, respectivamente, as velocidades de grupo e fase. Após solução da integral de equação
2.A.32, a interpretação física destas velocidades (fase e grupo) ficarão mais evidentes. Com estas
mudanças de variáveis, a equação 2.A.32 pode ser reescrita como:
p Z
1 a ik0 (x v f t) • ax 2 +b x
Y(x,t) = p e e dx , (2.A.36)
2p p 1/4 •

onde a integral acima tem solução conhecida (veja equação 2.A.15), de tal forma que a função de
onda total será:
p 
a eik0 (x v f t) (x vgt)2
Y(x,t) = 1/4 2 exp (2.A.37)
p (a + ih̄t/m)1/2 2(a2 + ih̄t/m)
Algumas conclusões importantes a partir destes resultados:

! O termo oscilatório, com número de onda bem definido k0 , propaga-se com velocidade de
fase v f .

! O envelope deste termo oscilatório, dado pelo termo Gaussiano e com comportamento
corpuscular, propaga-se com velocidade de grupo vg = 2v f .

Deixamos para que o leitor verifique que a função de onda total dependente do tempo (equação
2.A.37) recupera o resultado anterior (equação 2.A.12), para t = 0.
Variância e Introdução ao Princípio de Incerteza de Heisenberg (2a parte)
Nesta subseção, vamos calcular a dependência temporal das variâncias, ou seja, var(x,t) e var(k,t),
de forma a termos uma melhor compreensão a respeito da propagação do pacote de onda. Começa-
mos por escrever |Y(x,t)|2 , a partir da equação 2.A.37|| :
1 (x vg t)2 /a 2 (t)
|Y(x,t)|2 = e (2.A.39)
[a 2 (t)p]1/2
onde
 ⇣ t ⌘2
2 2 ma2
a (t) = a 1 + e t= . (2.A.40)
t h̄

Fácil notar que |Y(x,t)|2 possui a mesma estrutura que |Y(x, 0)|2 ; entretanto, o centro da distribui-
ção se propaga com velocidade vg .
Para obter a variância var(x,t) referente a |Y(x,t)|2 precisamos calcular:
Z •
h(x vgt)i = (x vgt)|Y(x,t)|2 dx = 0, (2.A.41)

|| Para
obtermos a equação 2.A.39, o argumento da segunda exponencial da equação 2.A.37 sofreu a seguinte
transformação:

(x vg t)2 (x vg t)2 (a2 ih̄t/m)


2
= . (2.A.38)
2(a + ih̄t/m) 2[a4 + (h̄t/m)2 ]

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2.A Pacote de onda 63

que se anula devido a paridade do integrando. Também precisamos calcular:


Z •
2
h(x vgt) i = (x vgt)2 |Y(x,t)|2 dx (2.A.42)

Z •
1 (x vg t)2 /a 2 (t)
= (x vgt)2 e dx. (2.A.43)
[a 2 (t)p]1/2 •

Fazendo x = x vgt na integral acima, encontramos:


Z •
1 x 2 /a 2 (t)
hx 2 i = x 2e dx (2.A.44)
[a (t)p]1/2
2 •

Ora, a equação acima tem a mesma estrutura da equação 2.A.21; e, portanto, temos como resultado:

a 2 (t)
hx 2 i = . (2.A.45)
2
A partir das equações 2.A.41 e 2.A.45 podemos então escrever a variância para |Y(x)|2 , dada
por:
 ⇣ t ⌘2
a2
var(x,t) = 1+ (2.A.46)
2 t

Note, portanto, que a variância para |Y(x,t)|2 aumenta com o tempo, aumentando, assim, sua
dispersão.
O próximo passo será calcular a variância var(k,t) para a distribuição |f (k,t)|2 . Para obter
esta quantidade, vamos comparar duas equações, que rescrevemos abaixo. Equação 2.A.5, onde
f (k) = f (k, 0):
Z •
1 w(k)t]
Y(x,t) = p f (k, 0)ei[kx dk (2.A.47)
2p •

e equação 2.A.6, para t 6= 0:


Z •
1
Y(x,t) = p f (k,t)eikx dk (2.A.48)
2p •

Comparando as duas equações acima, encontramos:


iw(k)t
f (k,t) = f (k, 0)e , (2.A.49)

o que implica em:

|f (k,t)|2 = |f (k, 0)|2 ; (2.A.50)

e, consequentemente:

1
var(k,t) = var(k, 0) = (2.A.51)
2a2
Assim, como no caso t = 0, podemos calcular o produto das variâncias:
 ⇣ t ⌘2
1
var(x,t)var(k,t) = 1+ , (2.A.52)
4 t

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64 Capítulo 2. Construção da teoria quântica I: Mecânica ondulatória

o que leva à:
 ⇣ t ⌘2 1/2

D(x,t)D(p,t) = 1+ (2.A.53)
2 t
onde observamos que:

D(x,t)D(p,t) (2.A.54)
2
Observe, portanto, que o menor valor possível para a quantidade DxDp é h̄/2, sendo este o
Princípio de Incerteza de Heisenberg. Se conhecermos, com maior precisão, a posição da partícula,
necessariamente estaremos perdendo informação a respeito do seu momento (e vice-versa). Este
conceito está intimamente relacionado com o comutador [x̂, p̂] = ih̄, discutido previamente na seção
2.2.4.

2.B Equação de movimento para o valor esperado


Começamos esta discussão considerando o valor esperado de um observável  em um determinado
estado com dependência temporal yn (x,t). Ao realizarmos a derivada total da equação 2.83
encontramos:
Z Z
dhÂi ∂ Â
= Y⇤ (x,t) Y(x,t)dx + x (x,t)dx (2.B.55)
dt ∂t
onde
∂ Y⇤ (x,t) ∂ Y(x,t)
x (x,t) = ÂY(x,t) + Y⇤ (x,t)Â . (2.B.56)
∂t ∂t
Considerando a ESDT (equação 2.10) e o respectivo complexo conjugado, temos:
∂ ∂
Hˆ Y(x,t) = ih̄ Y(x,t) e Hˆ ⇤ Y⇤ (x,t) = ih̄ Y⇤ (x,t), (2.B.57)
∂t ∂t
que podem ser inseridas na equação 2.B.56, resultando em:
i
x (x,t) = Y⇤ (x,t)[Hˆ , Â]Y(x,t). (2.B.58)

Acima, foi utilizada a condição de que o operador Hamiltoniano é Hermitiano (veja a equação
2.49): Hˆ ⇤ Y⇤ = Y⇤ Hˆ . Levando, portanto, a equação 2.B.58 na equação 2.B.55, encontramos:

dhÂi ∂ Â i Dh ˆ iE
= + H , Â (2.B.59)
dt ∂t h̄
Este resultado será importante para obtermos o Teorema de Ehrenfest, bem como outras
discussões importantes ao longo deste livro. Como exemplo, vamos considerar o operador posição
x̂ e utilizá-lo na equação 2.B.59. Temos então:
dhx̂i i Dh ˆ iE
= H , x̂ , (2.B.60)
dt h̄
onde o primeiro termo da equação 2.B.59 foi feito nulo, uma vez que não há dependência explícita
da posição com o tempo. O comutador
h i ih̄
Hˆ , x̂ = p̂ (2.B.61)
m

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2.B Equação de movimento para o valor esperado 65

foi resolvido no exercício 2.4 e, assim, a equação 2.B.60 pode ser rescrita como:
dhx̂i h p̂i
= (2.B.62)
dt m
De forma análoga, podemos considerar o operador momento linear p̂ na equação 2.B.59.
Considerando que o comutador
h i
Hˆ , p̂ = ih̄V 0 (x̂) (2.B.63)
também foi resolvido no exercício 2.4, a equação 2.B.59 será:
dh p̂i
= hV 0 (x̂)i (2.B.64)
dt
Acima, temos V 0 (x) = ∂V (x)/∂ x. As equações 2.B.62 e 2.B.64 representam o Teorema de Ehrenfest
e possuem um significado físico interessante: os valores esperados dos observáveis em mecânica
quântica obedecem a Segunda Lei de Newton.
Após demonstração de Teorema de Ehrenfest, vamos estudar outro importante teorema. Para
este propósito, recorremos, novamente, à equação 2.B.59; porém, utilizaremos o operador p̂x̂. Não
há dependência explícita deste operador com o tempo e, portanto, o primeiro termo da equação
2.B.59 é nulo. Temos assim:
dh p̂x̂i i Dh ˆ iE
= H , p̂x̂ . (2.B.65)
dt h̄
O comutador:
h i  2
ˆ p̂
H , p̂x̂ = ih̄ + x̂V 0 (x̂) (2.B.66)
m
também foi resolvido no exercício 2.4, de tal forma que a equação 2.B.65 será:
dh p̂x̂i
= 2hT̂ i hx̂V 0 (x̂)i. (2.B.67)
dt
Entretanto, o lado esquerdo da equação acima é nulo, uma vez que o valor esperado h p̂x̂i não possui
dependência temporal. Podemos verificar este fato e suas consequências:
Z

h p̂x̂i = ih̄ Y⇤ (x,t)
[xY(x,t)] dx. (2.B.68)
∂x
Porém, da equação 2.11, sabemos que:
iEt/h̄
Y(x,t) = Y(x)e ) Y⇤ (x,t) = Y⇤ (x)eiEt/h̄ (2.B.69)
e, consequentemente:
Z

h p̂x̂i = ih̄ Y⇤ (x) [xY(x)] dx. (2.B.70)
∂x
Portanto, o valor esperado h p̂x̂i é independente do tempo. Como consequência, temos dh p̂x̂i/dt = 0
e, assim:
2hT̂ i = hx̂V 0 (x̂)i (2.B.71)
sendo este o Teorema do Virial - muito útil para obter, por exemplo, a energia cinética média hT̂ i
de sistemas, conhecendo-se, a priori, apenas o potencial no qual a partícula está submetida.
O termo ‘Virial’ foi cunhado por Rudolf Clausius** , em 1870:

“We will therefore give to the mean value which this magnitude has during the stationary
motion of the system the name of Virial of the system, from the Latin word vis (force).”

** Clausius, R. On a mechanical theorem applicable to heat, The London, Edinburgh, and Dublin Philosophical
Magazine and Journal of Science, 40 (1870) 122

Texto em desenvolvimento Mario Reis

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