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102 REVISTA DO SERVIÇO PÚBLICO ----- OUTUBRO DE 1953

Notas sôbre a Competência Tributária dos


Municípios
F r a n c is c o M achado V il l a

O D r . Francisco Machado Villa, Consultor chado Villa “Noturno” , “Limbo” e outras obras
Jurídico do Departamento das Municipalidades poéticas e de ficção que enriqueceram a litera­
do R io Grande do Sul e membro do Conselho de tura-do R io Grande do Sul. Como integrante do
Energia Elétrica do mesmo Estado, alia à invul­ Conselho Deliberativo da A . B . M . , há anos con­
gar cultura um excepcional ezpírito público. Ba­ tribui, desinteressada e positivamente, com sua
charel em direito, com extensa íôlha de serviços oração, seus escritos e, também, com a impressão
prestados com o advogado e juiz no interior gaú­ sempre favorável que sua personalidade comu­
cho, o autor do presente artigo dedicou seus es­ nica, para imprimir cunho prático às diretrizes
forços à causa dos municípios brasileiros através municipalistas do país. É, por conseguinte, com
do estudo do Direito M unicipal. Como síntese de prazer que a Revista do Serviço Público divulga,
seu pensamento nes?a esfera particular, escreveu
neste número, um dos muitos artigos de autori­
a magistral obra que é uma das fontes de doutrina
e história do movimento que hoje arregimenta dade tão com petente na matéria, o que faz com
tôdas as unidades de govêrno local do Brasil: “O especial permissão do Boletim do Departamento
município no regime constitucional vigente” . Como das Prefeituras Municipais, do Rio Grande do Sul,
expoente da inteligência, escreveu ainda o Dr. M a - . que o publicou em primeira mão.

I - ciam a um critério regular, e muito menos a um


sistema estabelecido, a tal ponto que o próprio
1. A competência das Câmaras Municipais tesouro português não sabia exatamente a quan­
em matéria tributária, no regime colonial, se ex­ tia que recebia e aplicava no Brasil-colônia.
primia em algumas autorizações especiais, mas se
Tal situação não se modificou inteiramente
•achava consubstanciada, de modo geral, nas Or­
na época imperial. Continuou, nesse período, o
denações, L . 1.°. tit. 66, §§ 40 e seguintes, de
estado de confusão, desigualdade e desordem no
acôrdo com os quais as Câmaras tinham a admi­
nistração dos bens do Conselho, faziam obras, es­ processo de arrecadação de tributos, sendo que,
tabeleciam posturas, marcavam taxas, impunham no tocante às contribuições municipais, não pas­
fintas, dependentes estas de aprovação do Corre­ savam as mesmas de “meros expedientes ou alvi-
gedor ou Governador-geral. tres de rotina” . “Lançadas e cobradas sôbre o co ­
mércio e as indústrias locais, mas sem a devida
Não quer isso dizer, entretanto, que vigorasse
então um critério de discriminação tributária com reflexão e critério, as posturas fiscais dos Muni­
órbitas de competência precisamente delimitadas. cípios eram, em muitos casos, verdadeiros vexa­
Reinava nesse assunto uma confusão que não foi mes para a produção e consumo dos respectivos
corrigida pela Constituição do Império, nem, de munícipes” . (1 )
maneira completa, per leis posteriores que regu­ Atribuem alguns autores,, em grande parte,
laram a atividade impositiva da União, das Pro­
a fatores de ordem política, semelhante situação
víncias e dos Municípios.
de anarquia do regime tributário dêsse período,
Na época colonial, as contribuições, recolhi­ taisi como a revolução riograndense do sul, a ab­
das de modo vexatório e humilhante, pelo sistema dicação, o regime de centralização absoluta, a lei
de arrematação, dando lugar a prisões e devassas de 15 de dezembro de 1830, que distínguiu a re­
violentas nas casas de famílias, se destinavam à
ceita geral da cota destinada às despesas pro­
magistratura, ao clero e ao fisco, sendo as mais
vinciais, dando origem à discórdia entre as pro­
importantes, como se sabe, os direitos régios, os
víncias, as leis de 24 de outubro de 1832 e 8 de
quintos e os dízimos reais, e se consumiam no
atendimento às despesas exigidas pela metrópole
e pela família real portuguêsa. Mas a arrecada­ (1 ) A m a r o C a v a l c a n t i — Elementos de Finanças,
ção dêsses tributos e a sua aplicação não obede- 1896, págs. 312-313,
ADM INISTRAÇAO LOCAL 103

preciso reformar o ato adicional na parte que diz


outubro de 1833, e a reforma constitucional, rea­
respeito às municipalidades. E ’ preciso sair do
lizada pelo Ato Adicional — lei de 12 de agôsto
sistema e da base sôbre a qual as assentaram entre
de 1834. (2 )
nós. E ’ preciso dar-lhes liberdade, e que não sejam
2. Ê sse A to Adicional, aplaudido por uns, meras pupilas no que lhes é mais peculiar” . (3 )
malsinado por outros, m anteve, em relação «os
Por sua vez, T a v a r e s B a s t o s , embora de­
tributos municipais, de certa maneira, o sistema
fendesse em parte o sistema implantado pelo Ato
pôsto em vigor pela lei d e 1 de outubro de , ,
Adicional, combatendo certas modificações intro­
que deu nova forma às Câm aras Municipais, mai
duzidas pela lei de interpretação de 1840, mencio­
cou suas atribuições e o processo para a sua e ei
nada, não pôde deixar de reconhecer que “a ex­
ção e dos Juizes de P a z . Segundo o art. / es^e
periência havia de manifestar a necessidade de
diplcm a legal, cabia às Câmaras Municipais, no
interpretar os citados §§ do ato adicional; havia
concernente ao provim ento de recursos,
propor ao Conselho-G eral de Província os rn
ela de patentear que se devia tirar às Assembléias
de aum entar suas rendas” , encamxnhanao o> on
dominadas da paixão centralizadora pretextos
para embaraçarem a autonomia do município.
selho-Geral de Província à Assem bleia o P
A interpretação, que então se fizesse, seria certa­
rio as propostas form uladas por a q u - es o 6
mente para um fim mui diverso do de 1840” . E
para a criação de tributos municipais, antes
acrescentava: “Para se fazerem despesas munici­
m etidos ao regim e das Ordenações.
pais de qualquer natureza; para remunerarem os
O Ato Adicional veio atribuir às Assembléias respectivos empregados; para aplicarem suas ren­
Legislativas provinciais competência para egis ar das a obras locais de qualquer importância; para
sôbre a fixação das despesas municipais e os^ fixarem as taxas dos impostos existentes ou cria­
postos para elas necessários, contanto que es es rem novas fontes de renda, salvo o direito da as­
não prejudicassem as imposições gerais os sembléia revogar as que prejudicassem o interêsse
dos” (art. 10, § 5 .°), bem como s o b r e a repart- provincial ou nacional; para decretarem posturas
Ção da contribuição direta pelos Municípios d a bem da economia e polícia puramente munici­
Província, e sôbre a fiscalização d ° ^ pais; e até mesmo para contraírem empréstimos,
rendas públicas municipais, e das ccm as ltor; nos casos e com a forma prefixados por lei pro­
ceita e despesa “ (art. 10.. § 6.°), e sobre a autori­ vincial; ou para desapropriações na forma igual­
zação para empréstimos locais (ar , mente de lei anterior: fôsse reconhecida a plena
A chamada lei de interpretação, de 12 de autonomia das municipalidades” . (4 )
maio de 1840, destinada a esclarecei a gu No regime das leis mencionadas, e em espe­
positivos do Ato Adicional, não alterou o r g cial da de n.° 99, de 1835, a primeira, como se
implantado em relação aos Municípios. * disse, a fixar entre nós um sistema de competên­
pouco a Lei n.° 99, de 31 de outubro de 1835, que cia tributária, a desordem fiscal não deixou de
deu início à discriminaçao de rendas en ' produzir os seus efeitos perniciosos, agravada pela
trouxe qualquer inovação no tocante a P1 circunstância de que, feita a especificação dos im­
cia tributária dos Municípios. O mesmo estado postos que deviam caber privativamente ao orça­
de confusão fiscal perdurou, esper an , mento geral., os que ficavam para as Províncias,
ras críticas da parte de estudiosos e de pailam por não terem sido reservados à receita geral,
tares da época. eram muitos dêles, no dizer do V i s c o n d e d o U r u ­
Verberando o espírito centralizador do g u a i , “anômalos, quase obsoletos, inteiramente nu­

Adicional escrevia o Visconde do rugu • los, de difícil arrecadação, mais próprios para avo­
Assembléias provinciais compete pe o a o lumarem a escrituração e para dar ocasião a vexa­
nal legislar sôbre a polícia e e c o n o m i a t0g mes do que para auxiliarem as Assembléias no
legislar sôbre a fixação das despesas ^ P desempenho de importantíssimas atribuições que
municipais; sôbre a criação e supressão o acabavam de ser-lhes entregues” . (5 )
Pregos municipais. As Câmaras municipais sa
meras pupilas. O ato adicional descentralizo Se assim era em relação às Províncias, que
Poder-Geral completamente, com razão, o que era se viam forçadas a aumentar os seus impostos
puramente provincial sôbre muitos pontos. en exageradamente e a criar outros,, inconstitucionais,
tralizou, porém, vigorosa e completamente nas s não raro, para se poderem manter, o que não di­
sembléias provinciais o que era puramente mu zer quanto aos Municípios, que deviam viver dc
nicipal. Não temos nas Províncias verdadeiras que as Assembléias Legislativas provinciais hou­
municipalidades. Foram entregues amarradas as vessem por bem decretar para atenderem às des­
Assembléias provinciais” . (■ • •) ‘‘Tem-se quen o pesas locais?
remendar o sistema da lei de 1 de outu ro e
1828, filha da inexperiência de seu tempo, sistema
municipal completamente desvirtuado pelo ato (3 ) VISCONDE DO URUGUAI — Estudos Práticos TO-
adicional. Na minha opinião o que existe hoje não fore a Administração das Províncias no Brasil, 1865, to ­
mo I, págs. V I I Í - I X .
admite remendos. Exige completa reforma. E
(4 ) T a v a r e s B a sto s — A Província, e d . de 1937,
págs. 1 5 0 -1 5 1 .

(2 ) Veiga F ilh o — Manual das Ciências das Fi­ (5 ) V isc o n d e do U r u g u a i — Op. e v, cits. pá­
gina 2 4 2 .
nanças, 1917, 3.a ed ., págs.174-175.
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A tal ponto chegara a confusão, a desordem tiva da União, dos Estados e Municípios, com
tributária, que houve quem sugerisse, em face da certas limitações quanto à matéria tributada ou
impraticabilidade da distribuição das rendas es­ não por leis federais, a Carta Federal de 1891,
tabelecida pela Lei n.° 99, de 1835, um novo sis­ além de discriminar os impostos privativos da
tema, consistente na concessão franca dos impos­ União, adotou, no seu art. 12, a competência tri­
tos adicionais às Províncias e aos Municípios pois butária cumulativa da União e dos Estados per­
“criando-se o impôsto geral com adicionais pro­ mitindo a essas entidades a criação de outros tri­
vinciais, feita pelos mesmos agentes a arrecada­ butos não incluídos na competência privativa de
ção, além da vantagem de menor dispêndio goza­ uma delas.
riam os contribuintes de maior facilidade no pa­ Êsse regime não deu os resultados esperados,
gamento, constituindo isso alívio na imposi­ como se sabe, porquanto a desordem fiscal conti­
ção” . (6 ) nuou, sobretudo devido à circunstância de que,
3. A Constituição republicana de 1891, que julgando-se prejudicados, e com alguma razão,
instituiu um sistema de discriminação de rendas na partilha das rendas públicas, os Estados, ale­
um tanto mais preciso e razoável, não deu, entre­ gando falta de recurso para a sua manutenção,
tanto, à autonomia do Município uma conceitua- passaram a exorbitar da competência tributária
ção mais adequada ao regime federativo que se traçada, instituindo impostos muitas vêzes incons
inaugurava, pois não garantiu a essa entidade lo­ titucicnaic.
cal, especificadamente, uma competência tributá­ Increpavam alguns, justamente, como fonte
ria própria, com independência da vontade dos da anarquia fiscal, o princípio da imposição cumu­
Estados, a respeito. lativa, permitida no art. 12, do citado diploma
Contudo, forçoso é admitir que a primeira básico. A propósito, vale lembrar que, ainda na
Carta republicana, como não podia deixar de ser, Constituinte republicana de 1890-1891, Júlio de
concedeu maior poder aos Municípios, em com­ Castilhos, secundado por Assis Brasil, Homero Ba­
paração com o que lhes era atribuído no regime tista e outros, condenava o sistema de competên­
centralizador do tempo do Império, obrigando os cia tributária cumulativa, dizendo que o art. 12
Estados a se constituírem de forma a respeitar a do projeto erradamente consagrava o princípio
autonomia dos Municípios em tudo o que se rela-' dos impostos duplos lançados pela União e pelos
cionasse com o seu peculiar interêsse.' Estados, princípio êsse que por tanto tempo —
acrescentava — trouxe anarquizada a vida eco­
Pertenciam aos Municípios os tributos que
nômica e financeira do país sob o detestável re­
lhes fôssem deferidos pelas Constituições ou por
gime do Império e viria a produzir a mesma anar­
leis) dos Estados, mas cabia às entidades, munici­
quia funesta sob a República. (8 )
pais, é certo, a competência para os decretar, com
liberdade de ação. embora com as limitações que Em vista dessa situação, sentia-se a necessi­
explícita ou implicitamente decorressem das Cons­ dade de se realizar uma alteração fundamental
tituições e das leis federais ou estaduais. no critério de distribuição das rendas, pelo esta­
belecimento de um regime de discriminação tri­
Era a realização pelo menos parcial do que
butária mais satisfatório e mais consentâneo com
já aspiravam, nesse assunto, na época imperial.
o sistema federativo. Na vigência da Carta de
Se ao contrário do que escreve A g e n o r d e R o u r e
1891, foi proposta a sugestão de uma reforma tri­
não era essa, todavia, a autonomia municipal de­
butária, baseada num plano consistente em se en­
sejável, pelo menos significava mais uma franquia
tregarem à União os impostos indiretos, aos Es­
concedida aos Municípios. Essa franquia — de­
tados os impostos diretos e aos Municípios os im­
cretação dos seus impostos, ao lado da arrecada­
postos locais ou que afetassem a sua economia in­
ção e aplicação próprias das rendas deixadas aos
terna. Tal plano, inspirado, conforme então se
Municípios pelas Constituições estaduais — já vi­
disse, no sistema adotado com êxito na Prússia
nha figurando nos programas dos partidos, depois
em 1898, como se sabe, não foi aceito. Nem, por
da Abdicação, e por ela se batiam os partidos pro ­
outro lado, se operou qualquer modificação im­
gressista e liberal, a partir de 1862, bem como o
portante em matéria tributária, até à vigência da
partido republicano fundado em 1870 e o partido
Constituição Federal de 1934.
republicano paulista, o qual, segundo refere A g e ­
n o r d e R o u r e , nas bases constitucionais de 1873, 4. Foi êsse diploma básico de 1934 que,
art. 42, advogava para os conselhos municipais no seu art. 13, fixando os elementos fundamentais
a prerrogativa de fixar a despesa municipal e a de mínimos da autonomia municipal, enumerou co­
decretar impostos para a satisfação da mesma. mo um dos dados essenciais dessa autonomia, a
(7) serem respeitados pelos Estados no seu poder de
Consagrando, no tocante à distribuição das organizar os Municípios, a competência tributária
rendas, o sistema que sç baseia na livre inicia- (art. 13, 11), que se exercia originàriamente so­
bre os tributos especificados (art. 13, § 2.°, e res­
pectivos incisos) .
(6 ) Opinião do Conselheiro F r a n c is c o B e l is ár io ,
em relatório de 1886 e 1887, apud V eiga F il h o , op. ci­
tada, pág. 176, nota 3. (8 ) A naij da Constituinte Republicana de 1889 —
(7 ) A g enor de R o u r e — A Constituinte Republi­ 1891, vol. 11, pág. 150 — V . A g e no r de R o u r e , op. c lt.,
cana, 1920, v o l. 11, pág. 219. vol. 1, págs. 9 e segts.
ADM INISTRAÇÃO LOCAL 105

Foi uma inovação de base no regime de dis­ Por sua vez, o art. 29 enumera os impostos
tribuição de rendas, entre nós., e também na con- da competência privativa dos Municípios e o ar­
ceituação constitucional da autonomia municipal. tigo 30 declara quais os tributos, comuns que a
A esta instituição era dada, pela primeira vez, em União, os Estados, o Distrito Federal e os Muni­
nossa história constitucional, um conteúdo orgâ­ cípios podem cobrar.
nico, não mais repousando a mesma sôbre o vago De outra parte, o art. 21 estabelece a com­
conceito do peculiar interêsse, mas se apoiando em petência tributária concorrente da União e dos
um suporte econômico-financeiro, sem o qual a Estados, permitindo a essas entidades a decreta­
autonomia dos Municípios se esmaeceria e ficaria ção de outros tributos além dos que lhes são atri­
na dependência de que os Estados, ao organiza­ buídos pela Constituição, com prevalência do im­
rem as suas entidades locais, resolvessem adotai . posto federal sôbre o estadual idêntico.
Já agora, a área da competência tributaria O problema se cifra em saber se, diante do
dos Municípios não ficaria submetida totalmente critério firmado pela Carta Federal, em matéria
à vontade dos Estados. Deviam êstes respeitar
tributária, podem os Municípios decretar outros
a discriminação dos tributos estabelecidos, a qual,
tributos além dos expressamente enumerados nos
sem embargo de não constituir, já então, o melhor
artigos 29 e 30.
critério, pelo menos representava um ponto de
partida aceitável no momento. 7. Entendem, alguns que atento o conceito
de autonomia municipal, vigente em nosso regime
constitucional desde o diploma básico federal de
II 1934, com a interrupção verificada na vigência
5. A partir da Constituição Federal de da Carta de 1937, não se pode recusar aos Muni­
1934, reconheceu-se no Município, efetivamente cípios a* faculdade de decretar outros impostos,
de modo mais preciso, o caráter de unidade fe­ além dos que lhes são privativos, porquanto, a par­
derada, de “subdivisão de soberania , correspon­ tir da referida Constituição de 1934, a competên­
dendo a uma ordem de competência definida, cia assegurada aos Municípios para legislar sôbre
quase equivalente, em substância, a dos Estados- os assuntos de seu interêsse, não é mais uma com­
petência delegada, mas, sim, originária em relação
membros, posição essa do Município que adqui­
aos pressupostos constitucionais que dão base à
riu contornos mais acentuados por efeito do ar­
autonomia municipal,
tigo 28 da Constituição de 1946.
Realmente, dados os elementos essenciais que Aliás, diga-se de passagem, que, ainda no re­
Configuram constitucionalmente a autonomia do gime da Constituição de 1891, era admitida essa
Município, não seria lícito negar semelhante con- faculdade impositiva residual dos Municípios, en­
ceituação dessa entidade local, em nosso direito tendendo alguns que essas entidades locais podiam
constitucional positivo. Desde a Constituição de criar os impcstos não pertencentes à União, den­
1934, a autonomia municipal revestiu-se, efetiva­ tro, porém, das limitações estabelecidas, porven­
mente, de maior amplitude e relêvo, assentando tura. nas Constituições dos Estados. (9 )
em elementos nitidamente discriminados, e ape­ Entretanto, outros autores negam semelhante
nas se tendo modificado no regime de centraliza­ ampliação da competência dos Municípios em ma­
ção da Constituição de 1937., especialmente quan­ téria de decretação de tributos, observando que
to a um traco fundamental da autonomia, qual se depreende dos próprios têrmos do art. 21 da
seja a eletividade dos órgãos da administração lo­ Constituição Federal essa vedação posta aos M u­
cal, uma vez que por fôrça do art. 29 o Prefeito nicípios de criarem outros tributos além dos espe­
era de nomeação do govêrno do Estado. cificados no art. 29 e dos constantes do art. 3G
Não resta dúvida que, no sistema do atual do mesmo diploma constitucional, não tendo im­
Estatuto básico federal, o conceito de autonomia portância decisiva, assim, a questão de saber se
municipal se encheu de um conteúdo que melhor a competência dos Municípios, quanto aos pres­
corresponde à idéia de uma organização federa­ supostos da autonomia municipal fixados na Cons­
tiva, de cunho mais genuinamente democrático, tituição, é, por sua natureza, delegada ou origi­
sem embargo de não haver atingido a Carta Su­ nária .
prema o extremo que era de esperar, relativa­ 8 . Esta última corrente, que é a dominante,
mente à discriminação das rendas e à definição exprime a nosso ver o ponto de vista mais com­
dos encargos atribuídos aos Municípios, bem co­ patível com o critério adotado pela Constituição
mo no tocante à organização municipal. Federal sôbre a competência tributária.
Será interessante examinar, em breves têr-
Na verdade, não interessa em nada discutir
mos, a compreensão da competência tributaria dos
sôbre se é delegada ou originária a competência
Municípios, em face dêsse conceito de autonomia
dos Municípios, quanto aos pressupostos consti­
municipal.
tucionais da autonomia municipal, porque tal
6. Pelo art. 28, II, da Carta Federal, vê-se
questão não tem a influência necessária para al­
que um dos pressupostos da autonomia do Muni­
terar os dados fundamentais do problema. Êste
cípio é a cdministração própria no que concerne
ao seu peculiar interêsse e, especialmente, à de­
cretação e arrecadação dos tributos de sua com­ (9) ALCIDES C ru z - - Direito Administrativo Brasi­
petência e à aplicação das suas rendas (al. a ) . leiro, 1914, p ág. 154.
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decorre de um texto da Constituição — o citado o fenômeno escapará às linhas características da


art. 21----- e não da natureza da competência re­ bitributação. Um dos impostos traduzirá exorbi­
conhecida aos Municípios pela Carta Federal. Em­ tância da competência, tributária privativa” . (1 1 )
bora se queira considerar que, ao instituir-se com E ’ o que se dá igualmente quando coexistirem
a Carta de 1 9 3 4 um novo e mais amplo conceito impostos decretados pela União e por um Esta-
de autonomia municipal, a competência dos M u­ do-membro, no terreno dos impostos privativos.
nicípios, no que diz respeito aos elementos cons­ Neste caso, tratando-se de impôsto enumerado
titucionais dessa autonomia, tornou-se originária, pela Constituição como pertencente a uma ou a
não mais exprimindo uma delegação dos Estados, outra dessas entidades, um dos impostos decreta­
ainda assim o que se impõe é a conclusão de que, dos será inconstitucional por exprimir violação da
em face dos termos precisos do a rt.21. a compe­ competência tributária exclusiva. Ou, como diz
tência tributária concorrente se restringe ao cam­ P o n t e s d e M i r a n d a , ressaltando a improprieda-
po da, iniciativa impositiva da União e dos Esta- de de redação do art. 11 da Carta de 19 3 4 o ví­
dos-membros, não se estendendo de nenhum mo­ cio que, em verdade, invalida o impôsto não é a
do, originàriamente, aos municípios. bitributação: “é o da violação de preceitos discri-
minadores da competência privativa da União, do
Com efeito, reza êsse dispositivo constitucio­ Estado-membro ou do Município” . E assim, “não
nal: “A União e os Estados poderão decretar ou­ é nulo o impôsto porque já haja outro, mas por­
tros tributos além dos que lhes são atribuídos por que não podia ser decretado” . (1 2 ) Isto signi­
esta Constituição, mas o impôsto federal excluirá fica que, para que se verifique o fenômeno da bi
o estadual idêntico. Os Estados farão a arreca­ tributação , é preciso, que ambos os impostos sejam
dação de tais impostos e, à medida que ela se efe­ válidos, quer dizer, que tenham sido criados por
tuar, entregarão vinte por cento do produto à entidades igualmente competentes para decretá-
União e quarenta por cento aos Municípios onde los. E essa hipótese só pode ocorrer no campo da
se tiver realizado a cobrança” . E ’ a reprodução, competência tributária concorrente, como se dei­
com algumas modificações de forma., do disposto xou consignado.
nos arts. 11, da Constituição de 1 9 3 4 ; e 2 4 da
Carta de 1 9 3 7 , contendo o princípio da não bitri- Dêste modo, em princípio, como frisa a dou­
butação, expressa nestas últimas disposições, e trina, não se pode dar a bitributação entre o Es­
implícita naquela. tado e o Município, por não possuir êste, a teor
do que se demonstrou,, a competência'concorrente
A o fazer ò com entário do art. 24 citado originária, mas êsse fenômeno é suscetível de se
P o n t e s d e M ir a n d a deixou ver que a com petên­
dar entre o Município e a União. Isto acontece
cia federal e m unicipal som ente pode ser concor­
em relação a um impôsto não pertencente priva­
rente quando se tratar d e im pôsto atribuído aos
tivamente ao Estado, que êste transfira ao Municí­
M unicípios pelas Constituições e leis dos E sta ­
pio, se a União já o estiver cobrando ou venha a
d o s. ( 1 0 ) E quais serão êsses im postos transfe­
cobrá-lo. Neste caso, o choque impositivo se trans­
ridos pelos E stados aos M unicípios suscetíveis de
fere para, o âmbito em que se situaram, neste par­
se incluírem no dom ínio da com petência concor­ ticular, a União e o Município, porquanto, desde
rente? E stá claro que apenas os im postos que não que foi autorizado por Constituição ou lei do Es­
pertencem privativam ente aos E stados, pois é evi­ tado a cobrar um determinado impôsto não pri­
dente que a com petência exclusiva repele, por de­ vativo o Município adquiriu, por extensão, com­
finição, a possibilidade de com petência tributária
petência concorrente quanto a êsse impôsto. E o
concorrente. P or isso acentua a doutrina dom i­
conflito se resolverá naturalmente a favor da
nante sôbre bitributação, fenôm eno intim am ente União, dada a prevalência do impôsto federal
ligado ao regim e d e com petência tributária que
idêntico sôbre o de outro ente público, no caso de
a m esm a só pode verificar-se entre tributos de
competência residual. A “imposição federal, que
com petência concorrente. Seabra F ag u n d es, a
sobrevem, corta a imposição municipal, como cor­
êsse respeito, criticando um a decisão dõ Senado
taria a imposição estadual”, observa P o n t e s d e
Federal, então com petente para declarar politica­
M i r a n d a . ( 1 3 ) Ou, segundo escreve S e a b r a F a ­
m en te a bitributação, por haver adm itido a “du­
g u n d e s : “Percebido o impôsto pelas municipali­
plicidade tributária entre E stado e M u n icípio” ,
dades e decretado um idêntico pelo Congresso
conclui: “N a d a m ais distante do conceito estrito
Nacional, o conflito imediato tem lugar entre os
de bitributação, que se veio a firmar na doutrina,
fiscos federal e do Município, conquanto a sua
partindo das referências do próprio texto consti­
origem mediata seja um ato legislativo do órgão
tucional (refere-se ao a rt. 21 da Constituição F e ­
legiferante estadual. A prevalência do impôsto
deral v ig en te) à com petência concorrente e da
da União sôbre o instituído nas leis do Estado
prevalência, nos casos de dupla incidência, do im ­
refletir-se-á, economicamente, na arrecadação das
pôsto federal” . E m ais adiante: “D esd e que os
M u n icípios não são contem plados, pelo a rt. 21,
com qualquer parcela de com petência tributária (1 1 ) M . SEABRA F a g u n d e s — Bitributação, in “ Re­
residual ou concorrente, se entre êles e a U nião pertório Enciclopédico do Direito Brasileiro” , de J . M .
ou os E stados ocorrer duplicidade de imposição, d e C a r v a l h o S a n t o s , vol. V I, pág. 3 9 .
I ✓ -
(1 2 ) P o n t e s DE M i r a n d a — Comentários a Cons­
tituição de 1946, vol. 1, pág. 46 0.
(1 0 ) P ontes de M ir a n d a — Comentários à Com (1 3 ) P O N TE S DE M i r a n d a — Comentários à Cons­
iituição Federal de 1937, 1, p » s • 566, tituição de 1946, vol. 1, pág. 490,
ADM INISTRAÇÃO LOCAL 107

entidades municipais. Praticamente os Municípios Vê-se que o elemento histórico fornece um


é que se desfalcarão no seu orçamento” . (1 4) argumento decisivo no sentido de se concluir, sem
9. Êsse modo de ver é o adotado também vacilações, que os Muncípios não participam ori-
pela jurisprudência dos nossos tribunais, bastando ginàriamente da competência tributária residual
citar acórdãos do Supremo Tribunal Federal, pro­ prevista no art. 2 1. Outra conclusão, aliás, não
feridos, na verdade, na vigência da Carta de 1937 seria admissível, diante dos têrmos claros dêsse
mas dentro de um critério de competência tribu­ dispositivo constitucional: “somente a União e os
tária semelhante ao atual, como vimos. Estados podem, em regra, decretar impostos em
concorrência, isto é desnecessário dizer,, os impos­
Assim, no acórdão de 13 de setembro de 1934, tos não reservados à competência privativa de uma
exarado no Recurso Extraordinário n.° 5.15 9 , foi das entidades de direito público.
acentuado por êsse nosso mais alto tribunal que
os Municípios só podem decretar os impostos que 11. Em resumo, a competência tributária
a Constituição lhes reservou. Frisou, assim, a dos Municípios se circunscreve, assim, aos tributos
exclusão do Município do campo da competência enumerados no art . 29 e aos de que cogita o ar­
tributária concorrente, reservado tanto pelas Cons­ tigo 30 da Constituição Federal.
tituições de 1934 e 1937 como pela atualmente Fora do círculo dos impostos enumerados no
em vigor à União e aos Estados. O acórdão de 16 primeiro dispositivo, e que por sua natureza lhes
de julho de 1945, proferido no Recurso Extraor­ pertencem privativamente, como se deixou ver a
dinário n.° 8 .4 1 1 , reproduziu o mesmo ponto de competência impositiva dos Municípios apenas se
vista, como não podia deixar de ser. (1 5) estende, por assim dizer, a título precário, excep­
cionalmente, quando se verificar a transferência
10. Por outro lado, a discussão, na Assem­
de impostos a essas entidades locais. Podem fa­
bléia Constituinte, sôbre o dispositivo do antepro­
zê-la os Estados no todo ou em parte, mediante
jeto constitucional que se converteu no art. 29
texto de sua Constituição ou lei ordinária.
da Carta de 1946, é de molde a desfazer qualquer
dúvida que porventura existisse sôbre se aos Mu­ Quando a transferência se realiza pela Cons­
nicípios é facultado criar outros impostos além tituição do Estado e por ela só se podem transfe­
dos que lhes são reservados privativamente pela rir os impostos privativos, evidentemente — so­
Constituição e dos que lhes forem transferidos mente mediante reforma da Carta Estadual é lí­
pelo Estado.' cito aos Estados retomarem os impostos transfe­
ridos. Salvo se a Constituição Estadual autorizar
A o ser examinada a conveniência de se acres­
ao Legislativo transferir ou reformar tais impos­
centar às expressões “impôsto predial e territo­ tos, mediante lei. ( 1 7 ) .
rial urbano” a cláusula inclusive sôbre valoriza­
ção aleatória de imóveis, como propunha o alu­ Por outro lado, podendo a transferência ser
dido anteprojeto, o deputado A l i o m a r B a l e e i r o feita no todo ou em parte, é claro que o Estado
argumentou que tal inclusão era necessária, con­ pode reservar para si a cobrança, dos impostos
tra a opinião que afinal foi a vencedora e que transferidos, na parte não concedida aos Municí­
achava que tal valorização já está compreendida pios. Se a transferência, porém, se der sem reser­
no cálculo do impôsto predial e territorial, e isto va, compreender-se-á que foram entregues aos
porque, aduziu aquele parlamentar, “se fôr um tri­ Municípios integralmente os impostos transferidos,
buto específico e não uma modalidade de cobrar os quais só poderão ser retomados pelo Estado, no
o impôsto territorial urbano, a conseqüência, é que, seu todo. ou em parte, por meio de reforma cons­
em vez de pertencer o tributo ao município, pas­ titucional .
sará ao campo da competência concorrente e de­ 12. Sôbre a questão de saber quais os im­
verá ser partilhado pela União e pelos Estados” . postos que seria lícito aos Estados transferirem
E frisou: “Se cortarmos a cláusula final, nada im­ aos Municípios, defrontaram-se dois pontos de vis­
pedirá que o Estado e a União criem um impôsto ta divergentes, no regime da Constituição ante­
sôbre valorização eventual dos imóveis, porque rior . Inclinava-se um dêles no sentido de consi­
parece; que não é pensamento da Comissão colo­ derar que somente os impostos privativos dos Es­
car um artigo capaz de proibir a tributação sôbre
tados seriam transferíveis aos Municípios, pois só
a. valorização eventual dos imóveis. Já que não
dêsses impostos os Estados dispõem livremente.
se cogita de fazer isso, nem é justo fazê-lo, em vez
e o outro, ao invés, tendia para defender a opinião
de deixar ao risco da competência concorrente da
de que essa faculdade dos Estados apenas podia
União e dos Estados, é preferível ficar entendido
que é da competência dos Municípios. (1 6 )
(1 7 ) P o n t e s d e M i r a n d a , op. c it., vol. 1, pági­
na 490. Observa ê s s e autor: “A Constituição estadual
(1 4 ) S e a b r a F a g u n d e s , o .c . , pág. 42; v . também pode transferir alguns dos impostos ao Município, e então
R omão C Ó r t e s d e LACER d a — Observações sôbre a Tri­ só pela reforma constitucional os reaverá. Salvo se só os
butação Municipal, in “ Revista de Direito Administra­ transferia sob condição ou a têrm o. Se os transferir com
tivo” , vol. 4, abril 1946. encargo, não os pode retirar o Poder Legislativo Estadual:
o Município será, apenas, obrigado ao cumprimento. T o­
(1 5 ) “ Revista de Direito Administrativo” , respecti­ davia, acrescenta, é possível que a Constituição estadual
vamente, vols. 1 e 3, págs. 63 e 126. permita a transferência por êsse, e disponha sôbre a lei
(1 6 ) V . JOSÉ D u a r t e — .4 Constituição B rasileira que os transfira e .g ., iniciativa do Governador, do Senado
de 1946, vol. 1, pág. 536. estadual, etc” .
108 REVISTA DO SERVIÇO PUBLICO ----- OUTUBRO DE 1953

se exercitar no campo dos impostos concorrentes, criarem no uso dessa competência, embora a exis­
porquanto, “se os Estados pudessem transferir os tência da cláusula de prevalência a favor da
impostos de sua competência privativa aos Muni­ União.
cípios, poderiam ficar pela pressão das circunstân­ D o mesmo modo, entendemos que o segundo
cias, por injunções políticas, sem cs tributos que a ponto de vista não possui melhor fundamento.
Constituição lhes reservara e, destarte, estaria anu­ E ’ inaceitável, de fato, que sob a ação de circuns­
lado o escopo constitucional de garantir receita tâncias ou injunções políticas, possam os Estados
própria a cada um dos entes da federação” . (18) transferir impostos privativos até ao ponto de fi­
Sem descer a um exame minucioso dêsses carem despojados de receita própria necessária à
dois modos de ver, não será difícil verificar que sua administração. Custa crer que a tal extremo
nenhum dêles possui condições para prevalecer, possam chegar os legisladores estaduais, mesmo
dado que a Constituição não oferece base a qual­ sob a pressão de fatores políticos poderosos, as­
quer uma dessas interpretações. Efetivamente, a sim como seria inconcebível que os contribuintes
Constituição atual não contém, como não continha federais, na partilha das rendas públicas, aqui­
a anterior, no seu regime de discriminação tribu­ nhoassem os Estados com um volume de tributos
tária, qualquer princípio que estabeleça restrições tão grande que privassem a União de meios para
aos Estados, no tocante à transferência de impos­ a manutenção de seus serviços. Mas, se acaso
tos aos Municípios, a não ser, está visto, as que ocorresse ta! hipótese absurda, sempre haveria re­
decorram do sistema de competências tributárias curso tendente à anulação do ato constituinte ou
privativas, em virtude do qual, por exemplo, não legislativo considerado prejudicial aos interêsses
podem os Estados decretar os impostos privativos do Estado, provocando-se a ação equilibradora do
dos Municípios, mesmo que êstes o consintam. Judiciário,- e indo-se até à intervenção federal, se'
nem transferir, é óbvio, a essas entidades os im­ aquela política distributiva levasse o Estado à in-
postos reservados à União. Nesta questão, tudo solvabilidade.
dependerá da orientação que os Estados adota­ 13. Finalmente, cumpre assinalar que o
rem, na sua política de distribuição de impostos, Estado não pode estabelecer um regime de privi­
seja na sua Constituição ou em lei ordinária, com légio, no tocante à transferência de impostcis. Quer
base na mesma, respeitadas as normas da Carta
dizer, não lhe seria lícito tratar os Municípios de
Federal sôbre o assunto. modo desigual, transferindo impostos a uns, com
Sem dúvida, não nos parece que possa influir exclusão de outros, salvo na ocorrência de circuns­
no critério da transferência de impostos o argu­ tâncias ou condições especiais, justificativas de tal
mento de que os Estados podem ficar privados procedimento e que excluam a idéia de privilégio.
de impôsto concorrente, quando a União instituir
Também não pode o Estado impor aos M u ­
imposto idêntico, e assim não .lhes ser facultado
disporem livremente de dito impôsto. No uso da nicípios qualquer restrição na decretação ou na
competência tributária concorrente, aos Estados é utilização dos impostos transferidos pois, uma vez
reconhecido o direito de decretar todos os impos­ que se verifique a transferência, os Municípios
tos que não pertençam a um plano tributário pri­ adquirem quanto aos impostos transferidos a mes­
vativo. O que caracteriza, justamente como se ma liberdade de ação que possuem em relação aos
disse antes, êsse tipo de competência, é a legiti­ impostos que lhes são privativos, caso os impostos
midade da instituição do impôsto por qualquer dos lhes sejam transferidos sem condição, pelo Esta­
entes que detenha tal competência. E daí pode­ do, tanto no que diz respeito ao seu quantum, à
rem aos Estados, em nosso entender, transferir aos sua repercussão e ao seu modo de lançamento e
Municípios como jmpostos seus, os impostos que cobrança. Se a transferência fôr feita sob condi­
ção, porém, o Estado pode estabelecer normas sô­
bre a cobrança dos impostos transferidos, às quais
(1 8 ) A . G o n ç a l v e s d e O l i v e i r a , “Revista de D i­
reito Administrativo” , v o l. III, janeiro de 1946, pág. 130. deverão os Municípios obedecer.

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