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Graduada em Licenciatura em Teatro pela Universidade Federal de Sergipe

Contato: (79) 9 9630-5846 - e-mail: grazifreitass@outlook.com


DRT/SE.: 01033 – SATED/SE
Itabaiana - Sergipe

ROTEIRO

GRAZI FREITAS
Roteiro e Direção

WILL RUMÃO
Coreografia

Espetáculo para o Sarau Literário 2023 do Colégio Magnus

MODERNISMO BRASILEIRO: UM ESPELHO SOCIAL

“Os Operários – Tarsila do Amaral”

“E para começar uma grande manifestação artística tão importante


como foi o modernismo, antes sempre tem um cenário de guerra,
não é? Afinal a arte sempre salva as almas ruins [...]”

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ABERTURA DO ESPETÁCULO
(Villa Lobos tocando, uma das músicas compostas para fazer
parte da Semana de Arte Moderna, pode ser tocada ao vivo ou
essa versão)
Trilha sonora: Villa Lobos – Danças Africanas:
https://www.youtube.com/watch?v=_ssse5vvEWU
(No palco e por toda a plateia vamos fazer uma representação
da “Semana de Arte Moderna”, a qual marcou o início do
modernismo no Brasil. Estarão espalhadas obras de arte dos
artistas que fizeram parte desse momento. Cavaletes com
pinturas, dançarinos, atores, autores, músicos, enfim,
diversos artistas. Essa primeira cena vai acontecer como se
fosse um “teatro do invisível”, em que os alunos vão fazer
os personagens dos artistas expondo suas artes e os
professores estarão passeando por essa galeria como se fossem
a crítica. Os professores vão agir normalmente, como se
estivessem analisando os “artistas”. A cena será
interrompida quando os alunos começarem a declamar o poema
“Sapos” de Manuel Bandeira, com a vaia dos professores.)
POEMA PARA SER DECLAMADO:
(O ideal é que seja declamado por uma dupla.)
ATOR 1: Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
— “Meu pai foi à guerra!”
— “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”
ATOR 2: O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
ATOR 1: O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

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Vai por cinquenta anos


Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.”
ATOR 2: Clame a saparia
Em críticas céticas:
“Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”
Urra o sapo-boi:
— “Meu pai foi rei” — “Foi!”
— “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”
ATOR 1: Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
— “A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quando é vário,
Canta no martelo.”
ATOR 2: Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
— “Sei!” — “Não sabe!” — “Sabe!”
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
(Nesse momento as vaias começam a parar)
ATOR 1: Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No porão profundo
E solitário, é
ATOR 1 e 2: Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…
(Costurador vindo da plateia vestido com um figurino
inspirado nas principais obras do modernismo. Ele tem voz de
robô)
COSTURADOR 1: (Vem da plateia) Vocês entenderam alguma coisa?
Entenderam? (Para no meio do palco, se posiciona em frente
ao pedestal do microfone e pergunta para a plateia) Calma,

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eu vou explicar essa confusão toda. Convenhamos que estamos


em fevereiro de 1922, alguém já ouviu falar na “Semana de
Arte Moderna”? Eu creio que sim, se não, vou resumir um
pouco. Essa noite em especial vamos falar do Modernismo no
Brasil, enfatizando da sua 2º geração em diante. E para
começar uma grande manifestação artística tão importante
como foi o modernismo, antes sempre tem um cenário de guerra,
não é? Afinal a arte sempre salva as almas ruins. Pois bem,
a “Semana de Arte Moderna” aconteceu entre 13 a 17 de
fevereiro do ano de 1922, vale ressaltar que a 1º Guerra
Mundial estava no fim. E nessa semana foi integrada várias
expressões artísticas que buscavam uma única coisa: sair do
convencional e valorizar a independência cultural própria.
Deve ser por isso que se falam que o modernismo nunca tem
fim, porque desde então me sinto nessa busca para fugir dos
padrões estéticos convencionais. E eu amo isso. Olha só como
me preparei para apresentar essa noite para vocês. Gostaram?
Voltando aqui: “A semana de Arte Moderna” marcou o início do
movimento artístico no Brasil, e é claro que tudo que é novo
causa esse estranhamento, as vaias dos nossos queridos não
foram atoa, até porque nossos artistas não vão levar desaforo
para casa, eles afrontaram mesmo. E concordo com eles, cadê
a liberdade de expressão? Enfim, a noite foi um show de
talentos, muito babado, gritaria e confusão.
COSTURADOR 2: Mas... Tudo isso foi necessário para marcar o
início do Modernismo no Brasil, o qual não só influenciou o
campo das artes, viu? Acho que vocês já entenderam bem sobre.
Vamos para segunda fase desse babado todo. Tudo começou lá
na semaninha de 1922 e esse processo levou anos. Entre 1930
a 1945 foi marcada sua segunda fase, estávamos na Era Vargas
e os princípios buscados no início já estavam mais que
consolidados. É válido lembrar que nesse período rolou a 2º
Guerra Mundial, então imagina só como estavam a cabecinha
desses artistas né? Fervendo! Aqui o político e social ganham
vez, e não poderia ser diferente. Bom, já falei demais, né?
O assunto é extenso, mas, está na hora do show começar! Para
tratar desse assunto nos escolhemos quatro grandes autores
que fizeram história nessa época! E são eles e suas histórias
que aqui serão apresentados: João Cabral de Melo Neto, Jorge
Amado, Carolina Maria de Jesus e ninguém mais ninguém menos
que... Vinicius de Moraes! Produção? Solta os 3 toques que
o espetáculo vai começar! Senhoras e senhores, bem vindes a
segunda geração do modernismo, no Brasil.
(3 Toques como no teatro para iniciar o espetáculo)

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Trilha sonora: 3 Toques iniciais para o teatro começar:


https://www.youtube.com/watch?v=r2cLkeGX4SQ

PRIMEIRO ATO – JOÃO CABRAL DE MELO NETO - 1º ANO A

CENA 1 – APRESENTAÇÃO DO ARTISTA


ATOR 1: Começaremos o espetáculo não com o cenário de Guerras
que salvam almas ruins. A guerra que falo são as de bombas
atômicas que são capazes de destruir toda uma nação, tá?
Chegaremos lá. Enfim, nosso poeta engenheiro, que fez parte
da geração de 45, o queridinho João Cabral de Melo Neto, de
uma maneira equilibrada ele se destacou por seu rigor
estético, e sua obra mais conhecida e que o consagrou chama-
se: Morte e vida Severina. E é essa que vamos contar pra
vocês nas vozes dos nossos Severinos.
CENA 2 – SEVERINO SE APRESENTA
Trilha sonora: Marcelo Caldi e Nelson Faria | Lamento
Sertanejo https://www.youtube.com/watch?v=IMpH1odfnLM Entre
1 a 2 minutos os atores entrando em cena.

(Entra cortejo de severinos e população sertaneja. Todos se


posicionam no palco e os Severinos na frente)

SEVERINO 1: O meu nome é Severino,


como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.

SEVERINO 2: Mais isso ainda diz pouco:


há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.

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SEVERINO 3: Como então dizer quem falo


ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.

SEVERINO 4: Mas isso ainda diz pouco:


se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas
Marias mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.

SEVERINO 5: Somos muitos Severinos


iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.

SEVERINO 1: E se somos Severinos


iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte Severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

SEVERINO 2: Somos muitos Severinos


iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar terra
sempre mais extinta,

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a de querer arrancar
alguns roçados da cinza.

SEVERINO 3: Mas, para que me conheçam melhor


Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o
TODOS OS SEVERINOS: Severino
que em vossa presença emigra.

(Todos saem, inclusive os Severinos. O cortejo volta


trazendo uns dos Severinos dentro da rede, este será o
defunto. O cortejo se encontra com Severino 1)

CENA 2 – O VELÓRIO
Trilha sonora:
(Encontra dois homens carregando um defunto numa rede,
cantando de "ó irmãos das almas! Irmãos das almas! Não fui
eu quem matei não!")

SEVERINO 1: A quem estais carregando, irmãos das almas,


embrulhado nessa rede?
HOMEM 1: A um defunto de nada, irmão das almas, que há
muitas horas viaja à sua morada.
SEVERINO 1: E sabeis quem era ele, irmãos das almas, sabeis
como ele se chama ou se chamava?
HOMEM 2: (Pausa Dramática) Severino Lavrador, irmão das
almas, Severino Lavrador, mas já não lavra.
SEVERINO 1: E de onde que o estais trazendo, onde foi que
começou vossa jornada?
HOMEM 2: Onde a Caatinga é mais seca, onde uma terra que
não dá nem planta brava.
SEVERINO 1:E foi morte morrida ou matada?
HOMEM 1: Até que não foi morrida, esta foi morte matada,
numa emboscada.
SEVERINO 1: E o que guardava a emboscada, com que foi que o
mataram, com faca ou bala?
HOMEM 2: Este foi morto de bala.
SEVERINO 1: E quem foi que o emboscou? E o que havia ele
feito, irmãos das almas?
HOMEM 2: Ter um hectare de terra, irmão das almas, de pedra
e areia lavada que cultivava.
SEVERINO 1: E onde o levais a enterrar?

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HOMEM 1: Ao cemitério de Torres, que hoje se diz Toritama,


de madrugada.
SEVERINO 1: E poderei ajudar? Vou passar por Toritama, é
minha estrada.
HOMEM 1: Bem que poderá ajudar, irmão das almas, é irmão
das almas quem ouve nossa chamada.

(Saem em cortejo levando o defunto)

CENA 3 – O RIO CAPIBARIBE


Trilha sonora:
SEVERINO 2: Vejo que o Capibaribe, como os rios lá de cima,
é tão pobre que nem sempre pode cumprir sua sina e no verão
também corta, com pernas que não caminham. Tenho que saber
agora qual a verdadeira via entre essas que escancaradas
frente a mim se multiplicam. Mas não vejo almas aqui, nem
almas mortas nem vivas; ouço somente à distância o que parece
cantoria. Será novena de santo, será algum mês-de-Maria;
quem sabe até se uma festa ou uma dança não seria?
(Sai de cena o outro Severino entra)
CENA 4 – O OUTRO VELÓRIO
(Severino se depara com um outro funeral)
Trilha sonora:

SEVERINO 3: Desde que estou retirando só a morte vejo ativa,


só a morte deparei e às vezes até festiva; só a morte tem
encontrado quem pensava encontrar vida, e o pouco que não
foi morte foi de vida Severina (aquela vida que é menos
vivida que defendida, e é ainda mais Severina para o homem
que retira). Penso agora: mas por que parar aqui eu não podia
e como Capibaribe interromper minha linha? ao menos até que
as águas de uma próxima invernia me levem direto ao mar ao
refazer sua rotina? Na verdade, por uns tempos, parar aqui
eu bem podia e retomar a viagem quando vencesse a fadiga. Ou
será que aqui cortando agora minha descida já não poderei
seguir nunca mais em minha vida? (será que a água destes
poços é toda aqui consumida pelas roças, pelos bichos, pelo
sol com suas línguas? será que quando chegar o rio da nova
invernia um resto de água no antigo sobrará nos poços ainda?)
Mas isso depois verei: tempo há para que decida; primeiro é
preciso achar um trabalho de que viva. Vejo uma mulher na

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janela, ali, que se não é rica, parece remediada ou dona de


sua vida: vou saber se de trabalho poderá me dar notícia.
(Sai de cena o outro Severino entra)

CENA 5 – A REZADEIRA
(Severino vai até a janela da casa e para ao lado da
rezadeira)
Trilha sonora:

SEVERINO 4: Muito bom dia, senhora, sabe dizer se é possível


algum trabalho encontrar?
REZADEIRA: Trabalho aqui nunca falta a quem sabe trabalhar;
o que fazia o compadre na sua terra de lá?
SEVERINO 4: Pois fui sempre lavrador, lavrador de terra má;
não há espécie de terra que eu não possa cultivar. Também lá
na minha terra de terra mesmo pouco há, mas até a calva da
pedra sinto-me capaz de arar. Conheço todas as roças que
nesta chã podem dar: o algodão, a mamona, a pita, o milho,
o caroá. Melhor do que eu ninguém sei combater, quiçá, tanta
planta de rapina que tenho visto por cá
REZADEIRA: Isso aqui de nada adianta... Mas diga-me,
retirante, sabe benditos rezar? sabe cantar excelências,
defuntos encomendar? sabe tirar ladainhas, sabe mortos
enterrar?
SEVERINO 4: Já velei muitos defuntos, na serra é coisa
vulgar; mas nunca aprendi as rezas, sei somente acompanhar.
REZADEIRA: Pois se o compadre soubesse rezar ou mesmo cantar,
trabalhávamos a meias, que a freguesia bem dá.
SEVERINO 4: Como a senhora, comadre, pode manter o seu lar?
REZADEIRA: Como aqui a morte é tanta, vivo de a morte ajudar.
SEVERINO 4: É aqui uma profissão trabalho tão singular?
REZADEIRA: É, sim, uma profissão, e a melhor de quantas há:
sou de toda a região rezadora titular. De um raio de muitas
léguas vem gente aqui me chamar; a verdade é que não pude
queixar-me ainda de azar.
SEVERINO 4: Não existe outro trabalho para mim nesse lugar?
REZADEIRA: Como aqui a morte é tanta, só é possível trabalhar
nessas profissões que fazem da morte ofício ou bazar. Imagine
que outra gente de profissão similar, farmacêuticos,
coveiros, doutor de anel no anular, remando contra a corrente
da gente que baixa ao mar, retirantes às avessas, sobem do
mar para cá. Só os roçados da morte compensam aqui cultivar,
e cultivá-los é fácil: simples questão de plantar; não se

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precisa de limpa, de adubar nem de regar; as estiagens e as


pragas fazemos mais prosperar; e dão lucro imediato; nem é
preciso esperar pela colheita: recebe-se na hora mesma de
semear.
(Sai de cena o outro Severino entra)

CENA 6 – ZONA DA MATA


(Severino vai até a janela da casa e para ao lado da
rezadeira)
Trilha sonora:
SEVERINO 5: Bem me diziam que a terra se faz mais branda e
macia br quando mais do litoral a viagem se aproxima. Agora
afinal cheguei nesta terra que diziam. Como ela é uma terra
doce para os pés e para a vista. Os rios que correm aqui têm
água vitalícia. Cacimbas por todo lado; cavando o chão, água
mina. Vejo agora que é verdade o que pensei ser mentira.
Quem sabe se nesta terra não plantarei minha sina? Não tenho
medo de terra (cavei pedra toda a vida), e para quem lutou
a braço contra a piçarra da Caatinga será fácil amansar esta
aqui, tão feminina. Mas não avisto ninguém, só folhas de
cana fina; somente ali à distância aquele bueiro de usina;
somente naquela várzea um banguê velho em ruína. Por onde
andará a gente que tantas canas cultiva? Feriando: que nesta
terra tão fácil, tão doce e rica, não é preciso trabalhar
todas as horas do dia, os dias todos do mês, os meses todos
da vida. Decerto a gente daqui jamais envelhece aos trinta
nem sabe da morte em vida, vida em morte, Severina; e aquele
cemitério ali, branco de verde colina, decerto pouco funciona
e poucas covas aninha.
(Todos os Severinos entram em cena para fazerem parte da
coreografia. A dança inicia com severino assistindo ao
enterro)

DANÇA: Trilha sonora: Funeral de um lavrador – Elba


Ramalho: https://www.youtube.com/watch?v=1kCZfXCG87Y
(SAEM DE CENA TODOS)
CENA 7 – CHEGADA AO RECIFE
Trilha sonora:
(Severino 1 chega ao Recife e senta-se para descansar e ouve,
sem ser notado, a conversa de dois coveiros)

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COVEIRO 1: É a gente retirante que vem do Sertão de longe.


Desenrolam todo o barbante e chegam aqui na jante. E que
então, ao chegar, não tem mais o que esperar. Não podem
continuar pois têm pela frente o mar. Não têm onde trabalhar
e muito menos onde morar. E da maneira em que está não vão
ter onde se enterrar.
COVEIRO 2: Eu também, antigamente, fui do subúrbio dos
indigentes, e uma coisa notei que jamais entenderei: essa
gente do Sertão que desce para o litoral, sem razão, fica
vivendo no meio da lama, comendo os siris que apanha; pois
bem: quando sua morte chega, temos que enterrá-los em terra
seca.
COVEIRO 1: Na verdade, seria mais rápido e também muito mais
barato que os sacudissem de qualquer ponte dentro do rio e
da morte. — O rio daria a mortalha e até um macio caixão de
água; e também o acompanhamento que levaria com passo lento
o defunto ao enterro final a ser feito no mar de sal.
COVEIRO 2: E não precisava dinheiro, e não precisava coveiro,
e não precisava oração e não precisava inscrição. Mas o que
se vê não é isso: é sempre nosso serviço crescendo mais cada
dia; morre gente que nem vivia.
COVEIRO 1: E esse povo de lá de riba de Pernambuco, da
Paraíba, que vem buscar no Recife poder morrer de velhice,
encontra só, aqui chegando, cemitério esperando.
COVEIRO 2: Não é viagem o que fazem vindo por essas
caatingas, vargens; aí está o seu erro: vêm é seguindo seu
próprio enterro.
(Sai de cena desolado, sem esperanças)

CENA 8 – COGITA O SUICÍDIO E ENCONTRA SEU JOSÉ


Trilha sonora:
(Todos os Severinos se encontram e começam a perguntar ao
Seu José, num jogo de cena eles fazem um círculo se Seu José
fica no meio)

SEVERINO 1: Seu José, mestre carpina, que habita este


lamaçal, sabes me dizer se o rio a esta altura dá vau? sabes
me dizer se é funda esta água grossa e carnal?
SEU JOSÉ: Severino, retirante, jamais o cruzei a nado; quando
a maré está cheia vejo passar muitos barcos, barcaças,
alvarengas, muitas de grande calado.

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SEVERINO 2: Seu José, mestre carpina, para cobrir corpo de


homem não é preciso muito água: basta que chega o abdome,
basta que tenha fundura igual à de sua fome.
SEU JOSÉ: Severino, retirante pois não sei o que lhe conte;
sempre que cruzo este rio costumo tomar a ponte; quanto ao
vazio do estômago, se cruza quando se come.
SEVERINO 3: Seu José, mestre carpina, e quando ponte não há?
quando os vazios da fome não se tem com que cruzar? quando
esses rios sem água são grandes braços de mar?
SEU JOSÉ: Severino, retirante, o meu amigo é bem moço; sei
que a miséria é mar largo, não é como qualquer poço: mas sei
que para cruzá-la vale bem qualquer esforço.
SEVERINO 4: Seu José, mestre carpina, e quando é fundo o
perau? quando a força que morreu nem tem onde se enterrar,
por que ao puxão das águas não é melhor se entregar?
SEU JOSÉ: Severino, retirante, o mar de nossa conversa
precisa ser combatido, sempre, de qualquer maneira, porque
senão ele alarga e devasta a terra inteira.
SEVERINO 5: Seu José, mestre carpina, e em que nos faz
diferença que como frieira se alastre, ou como rio na cheia,
se acabamos naufragados num braço do mar miséria?
SEU JOSÉ: Severino, retirante, muita diferença faz entre
lutar com as mãos e abandoná-las para trás, porque ao menos
esse mar não pode adiantar-se mais.
SEVERINO 1: Seu José, mestre carpina, e que diferença faz
que esse oceano vazio cresça ou não seus cabedais se nenhuma
ponte mesmo é de vencê-lo capaz?
SEVERINO 2: Seu José, mestre carpina, que lhe pergunte
permita: há muito no lamaçal apodrece a sua vida? e a vida
que tem vivido foi sempre comprada à vista?
SEU JOSÉ: Severino, retirante, sou de Nazaré da Mata, mas
tanto lá como aqui jamais me fiaram nada: a vida de cada dia
cada dia hei de comprá-la.
SEVERINO 3: Seu José, mestre carpina, e que interesse, me
diga, há nessa vida a retalho que é cada dia adquirida?
espera poder um dia comprá-la em grandes partidas? — SEU
JOSÉ: Severino, retirante, não sei bem o que lhe diga: não
é que espere comprar em grosso tais partidas, mas o que
compro a retalho é, de qualquer forma, vida.
SEVERINO 4: Seu José, mestre carpina, que diferença faria se
em vez de continuar tomasse a melhor saída:
S
TODOS OS SEVERINOS: a de saltar, numa noite, fora da ponte
e da vida?

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MULHER: (Gritando) Compadre José, compadre, que na relva


estais deitado: conversais e não sabeis que vosso filho é
chegado? Estais aí conversando em vossa prosa entretida: não
sabeis que vosso filho saltou para dentro da vida? Saltou
para dento da vida ao dar o primeiro grito; e estais aí
conversando; pois sabeis que ele é nascido.

(Todo cortejo entra em cena para comemorar a chegada do filho


do Seu José, fazem uma referência ao nascimento do menino
Jesus)

CENA 9 – AS PREVISÕES DAS DUAS CIGANAS


Trilha sonora: Bola de Fogo – Trilha Cordel Encantado:
https://www.youtube.com/watch?v=km9wDaZTdmk&list=PLqEwLLscK
tYzTZWCVmQfOmuJz8CG9SPyz&index=5
(Todos os Severinos participam as visitas do filho de Seu
José e as ciganas chegam)

CIGANA 1: Atenção peço, senhores, para esta breve leitura:


somos ciganas do Egito, lemos a sorte futura. Vou dizer todas
as coisas que desde já posso ver na vida desse menino acabado
de nascer: aprenderá a engatinhar por aí, com aratus,
aprenderá a caminhar na lama, como goiamuns, e a correr o
ensinarão os anfíbios caranguejos, pelo que será anfíbio
como a gente daqui mesmo. Cedo aprenderá a caçar: primeiro,
com as galinhas, que é catando pelo chão tudo o que cheira
a comida; depois, aprenderá com outras espécies de bichos:
com os porcos nos monturos, com os cachorros no lixo. Vejo-
o, uns anos mais tarde, na ilha do Maruim, vestido negro de
lama, voltar de pescar siris; e vejo-o, ainda maior, pelo
imenso lamarão fazendo dos dedos iscas para pescar camarão.

CIGANA 2: Atenção peço, senhores, também para minha leitura:


também venho dos Egitos, vou completar a figura. Outras
coisas que estou vendo é necessário que eu diga: não ficará
a pescar de jereré toda a vida. Minha amiga se esqueceu de
dizer todas as linhas; não pensem que a vida dele há de ser
sempre daninha. Enxergo daqui a planura que é a vida do homem
de ofício, bem mais sadia que os mangues, tenha embora
precipícios. Não o vejo dentro dos mangues, vejo-o dentro de
uma fábrica: se está negro não é lama, é graxa de sua máquina,
coisa mais limpa que a lama do pescador de maré que vemos
aqui vestido de lama da cara ao pé. E mais: para que não
pensem que em sua vida tudo é triste, vejo coisa que o

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trabalho talvez até lhe conquiste: que é mudar-se destes


mangues daqui do Capibaribe para um mocambo melhor nos
mangues do Beberibe.

CENA 10 – EXALTAÇÃO A VIDA


Trilha sonora:
(Todos os Severinos se aproximam do Seu José assim que são
chamados, vão para a lateral do palco enquanto o cortejo
ainda visita a criança)

SEU JOSÉ: Severino, retirante, deixe agora que lhe diga: eu


não sei bem a resposta da pergunta que fazia, se não vale
mais saltar fora da ponte e da vida; nem conheço essa
resposta, se quer mesmo que lhe diga é difícil defender, só
com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que vê,
Severina mas se responder não pude à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu com sua presença viva. E não há
melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu
fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova
vida explodida; mesmo quando é assim pequena a explosão,
como a ocorrida; como a de há pouco, franzina; mesmo quando
é a explosão de uma vida Severina.

(Coreografia saída dos Severinos)

DANÇA FINAL Trilha sonora: Retirantes:


https://www.youtube.com/watch?v=n2Wnp0mUlNY

FIM DO PRIMEIRO ATO.

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