Você está na página 1de 16

ARQUITETURA

E URBANISMO
Programa de necessidades
e anteprojeto
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer as etapas iniciais do projeto.


 Sintetizar o estudo do partido geral.
 Selecionar técnicas de avaliação do partido geral.

Introdução
A construção de um edifício é um fenômeno complexo. Ela envolve
relações de interdependência entre recursos, profissionais e saberes
distintos. Uma tentativa de simplificação desse fenômeno pode ser feita
para trazer maior clareza quanto a sua estrutura, ressalvadas as distorções
inerentes a operações redutivas. Sendo assim, podemos afirmar que a
construção de um edifício apresenta duas fases: projeto e obra, e que a
fase projetual, por sua vez, divide-se em etapa inicial, intermediária e final.
Neste capítulo, você estudará as etapas iniciais do projeto: do pro-
grama de necessidades ao anteprojeto. Reconhecerá que são essas as
etapas garantidoras da qualidade da edificação, uma vez que representam
o momento em que o projetista tem controle do todo, e as consequências
das decisões tomadas podem ser rapidamente reavaliadas. Além disso,
você reconhecerá o partido geral, além de técnicas para sua avaliação.

Etapas iniciais de um projeto de arquitetura


Imagine que você está planejando uma viagem internacional. Em um pri-
meiro momento, escolheu o país, as cidades, os hotéis e até mesmo separou
alguns restaurantes e pontos turísticos que gostaria de visitar. Passada uma
semana, alguns amigos se empolgaram com a ideia e resolveram viajar junto,
desde que o destino fosse alterado para um país vizinho do destino original.

Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1


2 Programa de necessidades e anteprojeto

Como até aquele momento a viagem era apenas uma ideia, uma mudança no
planejamento original seria fácil e envolveria apenas um redirecionamento
para outro destino. Agora, imagine que a mesma alteração fosse proposta na
véspera da sua viagem, quando as passagens aéreas já estivessem compradas,
o hotel confirmado a reserva e algumas agências de turismo já houvessem
enviado para o seu e-mail orientações sobre os passeios programados. Certa-
mente seria possível abandonar o planejamento, esquecer os gastos feitos até
aquele momento e elaborar um roteiro alternativo. No entanto, não há dúvida
de que a mudança no segundo cenário seria mais custosa, tanto em termos
de recursos como de energia.
Algo semelhante ocorre com o projeto arquitetônico. A origem do verbo
projetar é a palavra latina proiectus, que é a união do prefixo pro (à frente)
com iactus (particípio passado do verbo iacere, jogar). Esse "jogar à frente"
chegou até nós com o sentido de planejar algo. Logo, o projeto arquitetônico
corresponde ao planejamento da arquitetura. Trata-se de uma ferramenta para
testar, validar e invalidar hipóteses de concretização de um edifício. Assim
como no exemplo da viagem, nas etapas iniciais desse projeto, correções
ou alterações de curso são mais fáceis, pois envolvem menos interferência
no trabalho de outras pessoas e menor custo. Tradicionalmente, os teóricos
dividem o projeto de arquitetura em três fases: inicial, intermediária e final.
A nomenclatura não é consensual, Ludovico Quaroni (1980) afirma existir
uma fase inicial de “aproximação”; uma fase de “anteprojeto”, intermediária,
na qual uma proposta é desenvolvida em nível esquemático levando em conta
as críticas apresentadas pelo cliente e pelo projetista; e uma fase “executiva”,
destinada aos executores do projeto arquitetônico. Alfonso Corona Martínez
(2000) chama essas fases de “croquis preliminares”, “anteprojeto” e “projeto”.
A nomenclatura mais comum, no entanto, que é a mesma adotada pela Norma
Técnica (NBR) 6492, que disciplina a representação de projetos de arquitetura,
é a divisão do projeto em estudo preliminar, anteprojeto e projeto executivo
(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS — ABNT, 1994).
Essas etapas dizem respeito à maneira de desenvolver um projeto arquitetô-
nico. Em relação ao objeto, existe outra ferramenta chamada programa de
necessidades, que é um documento que descreve as necessidades, exigências
e expectativas do cliente.

Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1


Programa de necessidades e anteprojeto 3

Programa de necessidades
O programa de necessidades é um instrumento cujo objetivo é trazer maior
entendimento para o que deve ser feito; qual será o objeto do projeto. Conforme
a NBR 6492, não se trata de uma fase do projeto, mas sim da “(...) caracterização
do empreendimento cujo(s) edifício(s) será(ão) projetado(s)” (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE NORMAS TÉ CNICAS — ABNT, 1994, p. 4). Ao enco-
mendar um projeto de arquitetura, o cliente, em geral, tem uma ideia do que
está contratando: uma casa ou um edifício para determinado terreno, uma
loja em uma sala comercial etc. Essa noção inicial também já pode estar um
pouco desenvolvida: uma casa com três quartos ensolarados e uma piscina. O
programa de necessidades é a formalização dessas demandas, daí seu nome.
Quanto a sua forma, geralmente é apresentado como uma lista de ambientes
ou funções que podem vir acompanhados de informações complementares,
como áreas e dimensões mínimas e máximas, dimensões de equipamentos
que devem ser considerados e alturas.
Trata-se, portanto, de um documento que reúne expectativas (conside-
rações objetivas e subjetivas em relação ao projeto) e exigências de ordem
técnica (previstas em normas, por exemplo). Portanto, sua elaboração tem
chances maiores de êxito se for elaborada em conjunto pelo cliente (pois
conhece melhor do que ninguém suas expectativas) e pelos projetistas, que
contam com o saber técnico para auxiliá-los. Esse instrumento individualiza
o objeto; logo, é possível utilizar desde técnicas simples (questionário para os
clientes) a técnicas sofisticadas como pesquisa de marketing e levantamentos
a partir de bancos de dados de projetos semelhantes, como em projetos
de incorporação imobiliária. Independentemente das técnicas adotadas,
sua função é criar subsídios para que os projetistas possam elaborar uma
proposta precisa com base em critérios objetivos e na formalização de
critérios subjetivos.
Por fim, adiantando os pontos que veremos a seguir, a congruência entre
o projeto e o programa de necessidades é uma das técnicas de avaliação da
solução adotada.

Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1


4 Programa de necessidades e anteprojeto

No livro Manual do arquiteto: planejamento, dimensionamento e projeto, de Pamela


Buxton, você encontra exemplo de programa de necessidades e mais informações
sobre o tema.

Estudo preliminar
O estudo preliminar é a primeira aproximação feita pelo projetista em relação
ao problema. É, por definição, uma etapa de alto grau de abstração. Imagine,
por exemplo, que você desenha um esquema de distribuição dos espaços de
uma residência em uma folha de papel. As linhas que o grafite de sua lapiseira
deixou no papel representam paredes de alvenaria? Se representam, qual a sua
espessura? 15, 25, 30 cm? É natural, e veremos que também é desejável, que
essas e outras definições não sejam abordadas nesse primeiro momento. É mais
importante que a atenção e a energia do projetista estejam concentradas em
aspectos mais amplos do projeto, como a relação das partes da edificação com
o entorno, dos espaços previstos no programa de necessidades entre si, e em
estratégias compositivas, para citar alguns exemplos. Uma das críticas feitas
ao lançamento de projetos de arquitetura diretamente no computador, seja em
softwares de CAD (Computer Aided-Design ou, em português, “desenho assis-
tido por computador”), ou ainda ferramentas mais sofisticadas como softwares
BIM (Building Information Model ou, em português, Modelo da Informação
da Construção), é o grau de precisão e definição que essas ferramentas exigem
desde os estágios iniciais, o que pode constituir uma distração principalmente
para aqueles que estão iniciando o estudo da arquitetura.
A NBR 6492 destaca que nesta primeira fase do projeto “(...) devem estar
representados os elementos construtivos, ainda que de forma esquemática,
de modo a permitir a perfeita compreensão do funcionamento do programa e
partido adotados, incluindo níveis e medidas principais, áreas, acessos, deno-
minação dos espaços, topografia, orientação” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE NORMAS TÉCNICAS — ABNT, 1994, p. 5).
Giorgio Grassi (2003) é um arquiteto e teórico italiano que sustenta que uma
boa solução arquitetônica sempre expressa o problema de onde se parte. Uma
das interpretações que pode ser dada a essa afirmativa é que um bom projeto

Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1


Programa de necessidades e anteprojeto 5

deve responder às premissas das quais parte, aos condicionantes do projeto


(programa de necessidades, exigências normativas, condições topográficas,
clima, etc.). Esses fatores nunca apontarão para uma única solução. Por isso,
é normal que durante o estudo preliminar coexistam soluções distintas para
o projeto, que o projetista poderá apresentar ou não para o cliente, conforme
um juízo de conveniência. O mais usual, contudo, é que o cliente não chegue
a conhecer a maioria das alternativas consideradas nesta etapa, uma vez que é
normal o descarte de muitas soluções por se mostrarem inviáveis ou inferiores.
A Figura 1, a seguir, mostra a etapa preliminar de um projeto, onde é realizado
um estudo de zoneamento do ambiente.

Figura 1. Planta baixa esquemática produzida em etapa de estudo preliminar de um projeto


comercial. Observe que nessa etapa acontece um estudo mais geral de zoneamento dos
ambientes.

Anteprojeto
O Instituto de Arquitetos do Brasil (2007, documento on-line) define o anteprojeto
como “[...] a configuração final da solução arquitetônica proposta para a obra,
considerando todas as exigências contidas no programa de necessidades e o estudo
preliminar aprovado pelo cliente”. Se no estudo preliminar é comum, e desejável,
que soluções distintas sejam colocadas à prova, há um momento, no entanto, em
que essa postura se mostra inviável. Imagine que, para um determinado edifício,
um escritório de arquitetura chegasse a três opções viáveis para construção e
desenvolvesse as três até o nível de detalhamento. Isso seria ignorar uma das
finalidades de um projeto, que é promover o uso racional e otimizado de recursos.
Ao mesmo tempo que um projeto de arquitetura define uma possibilidade ele exclui

Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1


6 Programa de necessidades e anteprojeto

inúmeras outras, promovendo a concentração de recursos financeiros, materiais


e humanos em uma alternativa que se julgou superior às demais.
No anteprojeto, uma das alternativas apresentadas no estudo preliminar é
desenvolvida. Esse avanço é feito em dois sentidos: no aprofundamento das
questões globais consideradas na etapa anterior com cognição sumária, e na
investigação de soluções técnicas da edificação. Um exemplo da primeira
afirmativa seria o seguinte: imagine um projeto residencial em que a piscina
foi locada em determinado lugar porque ali haveria insolação mais favorável.
No âmbito do anteprojeto, um modelo poderia ser feito com as informações
geográficas pertinentes à aferição da quantidade de horas que aquela piscina
estaria exposta aos raios solares no período do verão e do inverno. Um exemplo
da segunda afirmativa seria o desenvolvimento de um edifício de escritórios
em que os projetistas estejam considerando a viabilidade técnica de soluções
estruturais distintas, como estrutura metálica ou em concreto armado, ou
ainda, dentro de uma estrutura de concreto armado, entre o uso de laje plana
e laje nervurada. O diferimento dessas decisões para uma segunda etapa é
compreensível, uma vez que não faria sentido tal aprofundamento para todas
as alternativas rejeitadas. Isso não significa, porém, que não exista conside-
ração por questões técnicas e construtivas no estudo preliminar; apenas que
o refinamento dessas questões é feito em etapa posterior.
É no anteprojeto que são chamados ao processo de projeto outras pessoas que
atuarão como parceiros: consultores (p. ex., sustentabilidade, conforto térmico),
representantes de soluções industrializadas (p. ex., tipos de revestimentos, soluções
para piso, aquecimento), projetistas complementares (p. ex., projeto estrutural,
hidrossanitário, elétrico). A NBR 6492 salienta que esta segunda fase é a “(...)
definição do partido arquitetônico e dos elementos construtivos, considerando
os projetos complementares (estrutura, instalações, etc.). Nesta etapa, o projeto
deve receber aprovação final do cliente e dos órgãos oficiais envolvidos e pos-
sibilitar a contratação da obra” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS
TÉCNICAS — ABNT, 1994, p. 5). A complexidade do projeto aumenta nesta
etapa, e é impossível que o arquiteto domine todas essas competências. Contudo,
é necessário que ele atue como coordenador desta equipe multidisciplinar, pois é
o arquiteto que tem a imagem “do todo” em mente. Como disse René Descartes
(2011), não há tanta perfeição nas obras feitas pelas mãos de vários mestres quanto
naquelas trabalhadas por um único artista. Na Figura 2, vemos o mesmo projeto
do exemplo anterior (Figura 1), mas agora na fase de anteprojeto.

Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1


Programa de necessidades e anteprojeto 7

Figura 2. O mesmo projeto do exemplo anterior representado agora na fase de anteprojeto,


na qual podemos observar maior detalhamento, como disposição e tamanho do mobiliário.

A NBR 6492 – Representação de projetos de arquitetura (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE


NORMAS TÉCNICAS — ABNT, 1994), visando a perfeita interpretação, trata das condições
exigíveis para a representação gráfica destes projetos, elencando as definições das
representações gráficas, as condições gerais e técnicas de como devem ser apresen-
tadas e as condições gerais de cada uma das três fases do projeto, que envolvem o
Estudo Preliminar, o Anteprojeto e o Projeto Executivo. Neste capítulo estamos nos
reportando apenas aos dois primeiros, que compreendem as fases iniciais, antes da
execução do projeto.

Estudo do partido geral


O termo partido pode ser definido como o resultado formal dos fatores consi-
derados pelo projetista. Para formar essa imagem, é realizada uma sucessão de
operações racionais e de menor racionalidade, dependendo da complexidade
da operação sensível contemplada (QUARONI, 1980). O que significa dizer
que projetistas diferentes darão respostas diferentes para o mesmo problema.

Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1


8 Programa de necessidades e anteprojeto

O termo partido, usado com frequência nas escolas e escritórios de arqui-


tetura, tem uma série de significados. Fernando Aliata (2013) cita a expressão
francesa prende parti, ou “tomar partido”, como parte do léxico da École de
Beaux-Arts. Edson Mahfuz (1995, p. 16) oferece uma análise mais extensa
da origem do termo:

(a) na Heráldica (estudo de brasões), “parti” é “emblema”, ou um objeto


que representa outro; (b) também poderia representar um grupo de pessoas
que compartilham uma mesma opinião, ex.: “parti politique”; (c) também
pode ser uma conjugação do verbo "partage", que significa parcelar; e (d) “a
expressão ‘parti’ é a resolução que alguém toma a respeito da melhor maneira
de abordar um problema”.

Quando o arquiteto adota um partido arquitetônico, está expressando uma


série de decisões valorativas que são expressas através da forma. Ao fazê-lo,
demonstra preferência por certas soluções e condicionantes em detrimento
de outros.
Um conceito que pode gerar confusão com o de partido, em arquitetura,
é o de tipo, ainda que sejam coisas bastante diferentes. Enquanto o partido é
uma decisão, uma manifestação de tomada de posição do projetista, o tipo é
um princípio ordenador segundo o qual uma série de elementos, governados
por relações precisas, adquirem uma determinada estrutura (MARTÍ ARÍS,
2014). O tipo pressupõe uma série de objetos que compartilhem características
comuns; um exemplo é a planta em cruz latina para igrejas ou a casa-pátio
romana. É equivocado, portanto, dizer que o projetista elaborou um tipo de
projeto, uma vez que este é fruto da história e do acúmulo de experiências
ao longo do século; ainda que os tipos arquitetônicos possam influenciar
na solução individual. Segundo nosso exemplo, é possível que um arquiteto
contemporâneo use a configuração da casa-pátio romana como partido de um
projeto. Uma representação da casa-pátio romana pode ser vista na Figura 3,
a seguir.

Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1


Programa de necessidades e anteprojeto 9

Figura 3. Representação da casa-pátio romana, estruturada ao redor de um pátio central.


Fonte: Morphart Creation/Shutterstock.com.

O partido geral em arquitetura é, portanto, uma tomada de posição. É uma


síntese do que se estudou, analisou e testou em etapas anteriores, e apresenta-se
como uma solução viável para o problema em questão. É importante lembrar
que sua manifestação se dá pela forma, mas que intrinsecamente carrega
decisões importantes em relação aos condicionantes do projeto. Assim, deve
resistir ao escrutínio quanto à sua validade como alternativa projetual viável
— o que analisaremos a seguir.

Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1


10 Programa de necessidades e anteprojeto

Técnicas de avaliação do partido geral


Até meados do séc. XVIII, boa arquitetura era aquela que apresentava um
equilíbrio entre os três componentes da tríade vitruviana: firmitas, utilitas e
venustas (QUARONI, 1980). Edison Mahfuz (2003) propõe uma redefinição de
seus aspectos essenciais através de um quaterno composto por três condições
internas e uma externa ao problema projetual: lugar, construção ( firmitas),
programa (utilitas) e materiais de projeto (venustas), respectivamente. Piñón
transpõe para a arquitetura quatro conceitos de textos de Le Corbusier e Ozenfant
sobre o purismo: economia, rigor, precisão e universalidade (MAHFUZ, 2003).
Francisco de Gracia Soria (2013) apresenta como valores universais da arquitetura
— cujo resgate acredita necessário — os ideais de ordem e de perfeição. Esse
panorama demonstra o esforço constante para formular categorias, conceitos e
critérios que sejam aceitos como válidos para projetar e para avaliar a arquite-
tura produzida; são exemplos de um processo de racionalização da experiência
precedente enquanto noções culturais através das quais se procura obter um
resultado justo (GREGOTTI, 2010). Demonstra também que um consenso sobre
quais sejam esses critérios não foi alcançado. Ainda assim, é possível elencar
algumas técnicas de aferição de validade das soluções projetuais.
A primeira dela, como mencionado no início deste capítulo, é a congruência
entre o programa de necessidades e a solução proposta. Segundo Alfonso
Corona Martínez (2000), Guadet dizia que os arquitetos deveriam utilizar o
programa de necessidades dado pelo cliente sem interferir neste, enquanto
Viollet-le-Duc “[...] mencionava como origem ou motor do processo projetual
um programa escrito” (MARTINEZ, 2000, p. 89). Imagine o projeto de um
edifício institucional que preveja espaço para 500 funcionários, e cuja proposta
contemple 100 espaços de trabalho. Independentemente dos méritos que a
proposta possa ter, é difícil sustentar que se trate de uma proposta adequada.
Além dos aspectos objetivos, a compatibilidade com demandas subjetivas dos
clientes também deve ser avaliada, embora sua avaliação seja mais difícil.

A tríade vitruviana
Marcus Vitruvius Pollio apresentou, na sua obra De architectura, uma tentativa de sistema-
tização daquilo que seriam os três elementos fundamentais da arquitetura: firmitas, que se
refere à estabilidade e ao aspecto construtivo da arquietura; utilitas, associada à utilidade
ou finalidade da construção; e venustas, correspondente à beleza e à apreciação estética.

Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1


Programa de necessidades e anteprojeto 11

O paradigma do funcionalismo restrito (mensuração da qualidade do projeto


levando em consideração estritamente o atendimento ao programa de necessi-
dades) foi superado. Obviamente, o atendimento ao programa continua sendo
um critério importante, porém, um rol significativo de outras preocupações se
faz presente, como as de ordem ambiental e social, por exemplo. Edson Mahfuz
(2003) coloca o atendimento ao programa como um dos quatro pilares para a
construção do que ele chama de “forma pertinente”, ou, em outras palavras, um
projeto arquitetônico de qualidade. Na Figura 4, vemos resumido o quaterno
contemporâneo de Mahfuz.

condição INTERNA ao projeto condição INTERNA ao projeto

LUGAR CONSTRUÇÃO

FORMA
condição INTERNA ao projeto PERTINENTE

ESTRUTURAS
PROGRAMA
FORMAIS

condição EXTERNA ao projeto

Figura 4. Imagem resumo do quaterno contemporâneo de Mahfuz.

Segundo Edson Mahfuz (2003), o atendimento ao programa de necessi-


dades não deve ser utilizado apenas como uma lista de espaços necessários,
mas sim como um conjunto de atividades humanas que serão realizadas
naquele espaço. Levar em consideração apenas o atendimento ao programa
de necessidades seria desconsiderar que as construções são objetos perenes.
Aldo Rossi (2001), no clássico Arquitetura da Cidade, chama a atenção para
aquilo que denomina “funcionalismo ingênuo”, uma vez que as edificações
serão usadas por décadas ou até mesmo séculos. Por este motivo, é preciso
que o projeto seja flexível o suficiente para receber, de maneira satisfatória,
novos usos.
Além dos aspectos funcionais, as soluções adotadas podem ser avaliadas
quanto a sua eficiência energética. Nos últimos anos, os selos de qualificação
ambiental se tornaram um verdadeiro fetiche no mercado arquitetônico. À

Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1


12 Programa de necessidades e anteprojeto

parte da função mercadológica, também sustentam preocupações legítimas


como as consequências sociais e ambientais da construção.
Como foi dito no início deste tópico, os critérios utilizados para avaliar a
qualidade de um projeto variam de acordo com a época e os valores vigentes.
Alguns permanecem constantes, como o atendimento ao propósito da edifi-
cação — feita a ressalva de que podem acumular tipos diferentes de usos ao
longo da sua existência. Preocupações mais recentes, como as reflexões sobre
os impactos sociais e ambientais da construção, começar a ser apontadas como
critérios de avaliação.
O partido arquitetônico deve traduzir o programa de necessidades, levando
em consideração os condicionantes internos e externos ao projeto, e responder
aos problemas e necessidades apresentados. A solução projetual apontada
deve organizar as partes e fornecer condições para a materialização do projeto
em uma obra construída. Como já tratado por J.N.L Durand no século XIX.

Combinar entre si os diversos elementos, passar seguidamente às diferentes


partes do conjunto; este é o caminho que deve ser seguido quando se aprende a
compor [...]. Dado o programa de um edifício, deve-se examinar antes de tudo
se, de acordo com o uso a que está destinado esse edifício, todas as partes que
o compõem devem estar reunidas ou separadas, e se, consequentemente, deve
oferecer em sua planta uma única massa ou várias; se essa massa ou massas
devem ser cheias ou vazadas [...], examinar quais são as partes principais e
quais que estão subordinadas a elas [...] (MARTINEZ, 2000, p. 20).

Esta definição vai de encontro ao conceito do quaterno contemporâneo


de Mahfuz, no qual os condicionantes internos ao projeto — programa, lugar
e construção — devem ser sintetizados através do repertório de estruturas
formais. A composição das partes deve responder a esses condicionantes para
que exista uma arquitetura coerente com seu lugar, seu tempo e sua função.

ALIATA, F. Estrategias proyectuales: los géneros del proyecto moderno. Buenos Aires:
Sociedad Central de Arquitectos, 2013.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS — ABNT. NBR 6492: representação
de projetos de arquitetura. Rio de Janeiro, 1994.

Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1


Programa de necessidades e anteprojeto 13

DESCARTES, R. Discurso do método. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.


GRACIA SORIA, F. Pensar, componer, construir: una teoría (in)útil de la arquitectura. San
Sebastián: Nerea, 2013.
GRASSI, G. Arquitectura lengua muerta y otros escritos. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2003.
GREGOTTI, V. Território da arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 2010.
INSTITUTO DE ARQUITETOS DO BRASIL. Roteiro para desenvolvimento do projeto de
arquitetura da edificação. 2007. Disponível em: http://www.iab.org.br/sites/default/
files/documentos/roteiro-arquitetonico.pdf. Acesso em: 13 jul. 2019.
MAHFUZ, E. C. Ensaio sobre a razão compositiva. Viçosa: UFV/AP, 1995.
MAHFUZ, E. C. Reflexões sobre a construção da forma pertinente. In: LARA, F.; MAR-
QUES, S. (org.). Projetar: desafios e conquistas da pesquisa e do ensino de projeto. Rio
de Janeiro: Editora Virtual Científica, 2003.
MARTÍ ARÍS, C. Las variaciones de la identidad: ensayo sobre el tipo en arquitectura.
Barcelona: Fundación Caja De Arquitectos, 2014.
MARTINEZ, A. C. Ensaio sobre o projeto. Brasília: UNB, 2000.
QUARONI, L. Proyectar un edificio: ocho lecciones de arquitectura. Madrid: Xarait, 1980.
ROSSI, A. A arquitetura da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1


Identificação interna do documento 9RPS73OHKU-X3BNCF1

Você também pode gostar