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Observação prévia
Por razões que serão notadas mais adiante, tomo como ponto
de partida uma diferença muito conhecida pela "razão teórica",
embora nem sempre lembrada pela "razão prática": a diferença
entre universidade e ensino superior, pura e simplesmente. Isso
não constitui novidade, é uma distinção que tem sido apontada
por muitos estudiosos, mas vale a pena enfatizá-la. Uma
universidade tem, geralmente, características próprias, que a
diferenciam do ensino de 3º grau, também ministrado em
instituições não universitárias (faculdades, institutos isolados
etc.). Essa distinção nos orienta para perguntar em que direção
vai a universidade (para onde tende a ir e para onde deve ir).
Como se repete com freqüência, a universidade tende a ter,
pelo menos, quatro características específicas:
(...)
Certamente deveria ficar claro que a academia
deve fazer seu próprio julgamento sobre o valor
social das tarefas que ela é chamada a realizar.
Mesmo que o Governo Federal queira pesquisa
bélica ou estudos sobre estabilidade política ou
treinamento de oficiais, os professores e
estudantes da universidade podem decidir que o
Governo está errado e que devem resistir aos
seus desejos. (1993, pp. 67-68)
Notas
1. Nos próximos parágrafos, aliás, apenas retomo, sem referir a
cada momento, argumentos desenvolvidos por outros autores,
a eles sendo devido qualquer eventual crédito quanto à
originalidade. Para detalhadas e renovadas revisões da
literatura e dos temas em discussão nessa área, ver Vanilda
Paiva, 1985; Paiva 1995. Ver ainda, sob outro ângulo: Paiva e
Warde 1993. Cf. também Neubauer e Mello 1992; Paiva 1993.
Para uma crítica dessas abordagens, ver Costa 1994 e Ferreti
1997.
2. O grifo pretende chamar atenção para um argumento
equivocado, embutido na frase. Parece bastante discutível a
afirmação de que tal "competitividade" exige esse tipo de
formação relativamente sofisticada para o conjunto da
população. Sobretudo quando lemos documentos do Banco
Mundial nos quais se sugere que continentes inteiros são
"dispensáveis". E quando se observa que a tal reestruturação
produtiva está decretando como dispensáveis - inempregágeis
ou inintegráveis - segmentos cada vez maiores da população
potencialmente ativa, mesmo no interior de "países não
dispensáveis". A esse respeito, veja-se, por exemplo Forrester
1997. Aliás, as recomendações do BM quanto às políticas
públicas na América Latina, tanto quanto as muito correlatas
políticas do governo brasileiro (União e estados), têm seguido
esta lógica, mais cinza e crua, e não o argumento mais
temperado e otimista da professora Rose Neubauer.
3. Em debate recente, pesquisadores da Escola de
Comunicações da USP lembraram-me sondagem realizada
entre egressos de seus cursos - jornalismo, publicidade, mídia
em geral. Curiosamente, a quase totalidade dos entrevistados
disse que nos primeiros dois anos de profissão revelaram-se
mais úteis as disciplinas mais "técnicas" e dirigidas ao treino
profissional estrito senso. Contudo, a partir desse patamar
imediato, de inserção primária no emprego, foram as
disciplinas teóricas que os capacitaram a permanecer (e
progredir) nesse mercado de trabalho altamente mutante.
4. Para entender avaliações que chamamos de particularmente
"otimistas", cf. o artigo já citado de Rose Neubauer e G. Namo
de Mello (Neubauer e Mello 1992). Ver também Paiva 1993.
Neste ensaio, Vanilda Paiva afirma a existência (passageira) de
"felizes coincidências" entre projetos políticos à primeira vista
antagônicos: "Em síntese: pensando em termos políticos,
demanda-se maior cooperação entre trabalhadores com
formação a mais diversa e empresários (ou seja, uma política
de reconciliação de classes). No entanto, do ponto de vista das
tradicionais demandas dos trabalhadores, na área da educação
houve um ganho definitivo, mesmo quando o raciocínio possa
mover governos e empresas numa direção acentuadamente
instrumental" (Paiva 1993, p. 317). E mais adiante: "As
tendências indicadas neste texto no que se refere ao tipo de
qualificação requerida nos nossos dias parecem compor um
quadro de razoável consenso. O empresariado, sob pressão da
renovação tecnológica, desembocou em posições que
tradicionalmente têm sido reivindicadas pelos trabalhares"
(Paiva 1993, p. 322). Radicalizando o argumento, mas de
forma alguma violentando sua lógica, pode-se vislumbrar aqui
uma "astúcia da razão" a induzir identificação (ou subsunção)
dos interesses de uma das classes aos de seus antagonistas. Ou
talvez fosse mais correto chamá-los, ainda uma vez, de
"companheiros de viagem", pelo menos em determinada
"etapa" da história.
5. Para quem quiser ler o argumento original de Wolff, sem
minhas frases, confira a p. 111 do livro citado.
6. Em tempo me foi lembrado, com justiça, em certa ocasião:
não quer dizer que o façam ou queiram fazer...
7. O exemplo da Coréia é, em primeiro lugar, sofístico e
simplificador, não levando em conta as particularidades
históricas recentes daquele país. Mas é também desastroso. E
não estou me referindo aos fatos deste último mês, quando a
referência adquiriria um tom macabro - a comparação com a
Coréia é desastrosa justamente para sustentar essa afirmação
do ministro, no terreno estrito da educação superior. Temos
perto de 1,5 milhão de universitários, num país de 150 milhões
de habitantes. O professor Jacques Velloso levanta alguns
dados interessantes sobre a Coréia: também 1,5 milhão de
universitários, mas para uma população de 45 milhões. E é
verdade que a Coréia envia estudantes para especializar-se no
exterior. Para ser mais exato, tinha 30 mil bolsistas no exterior
em 1990 (último ano para o qual Velloso tinha números
comparáveis). Naquele ano o Brasil tinha perto de 9 mil
estudantes. Proporcionalmente, teria de ter algo em torno de 90
mil. Se o ministro quiser "colar" o modelo coreano vai se
meter em algumas dificuldades... até porque o Brasil talvez
corte mais bolsas e verbas de pesquisa do que a Coréia... Os
dados são extraídos de introdução de Velloso à coletânea por
ele organizada: Universidade pública, política, desempenho,
perspectivas. Campinas, Papirus, 1991, pp. 24-25.
8. A rigor, muitas das observações feitas aqui foram sugeridas
pelo livro de Kerr, que chegou a ter uma edição brasileira
(Kerr 1982).
9. Talvez valha a pena mencionar um caso muito especial de
serviços, o da Assistência médico-hospitalar. Reproduzo a
seguir argumentação de Jacques Veloso (Veloso 1991). Cerca
de 60% das universidades federais mantêm hospitais;
considerando o conjunto das universidades públicas do país, o
número se fixa perto dos 40%. Segundo os dados de 1989-
1990, eles constituem um sistema mais amplo do que a rede
própria do Inamps. Em várias dessas universidades, perto de
1/3 do pessoal técnico-administrativo trabalha no hospital.
Além disso, são essas casas de saúde que tratam de doenças
que exigem tratamento complexo e equipamento sofisticado.
10. Nessa direção vale consultar os dados reproduzidos pela
revista The Economist (edição de 4/10/1997) - em um
interessante dossiê sobre as universidades contemporâneas - de
uma pesquisa da Carnegie Foundation for the Advancement of
Teaching. É certo que tais dados têm um caráter indicativo e
devem ser tomados com muitas ressalvas, sobretudo quanto à
extensão das inferências daí resultantes.
11. Também para essa tendência são mencionados indicadores
interessantes no mencionado dossiê da Economist.
12. Sem falar em outras diferenças e conflitos, como por
exemplo aquele relativo a sigilos e patentes, difusão ou
apropriação de resultados etc.
Bibliografia
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