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AVALIAÇÃO DA IMPLANTAÇÃO DA

REFORMA UNIVERSITÁRIA (1)

ROBERTO FIGUEIRA SANTOS (2)

1. Introdução

1.1. Em discurso pronunciado ao assumir a Reitoria da


Universidade Federal da Bahia, em julho de 1967, assim procu_
rei resumir o que considerava - e ainda considero - a razão
principal para o esforço então incipiente no sentido de refor_
mar as nossas universidades :

"Processo assim tão complexo, como o da reestru_


turação que agora se pretende, comporta interpretações
de varia ordem. Entendemos nós que o seu verdadeiro mó_
vel tem sido a procura de maior soma de conhecimentos
científicos para consumo de uma sociedade que entrou em
fase acelerada de desenvolvimento e a qual já não podei
ria satisfazer o ensino superior ministrado em Escolas
Profissionais que se mantiveram didaticamente auto-sufi_
ciente, mesmo quando administrativamente reunidas em
universidades. Conforme procuraremos demonstrar, a no
va estrutura terá como vantagem maior ensejar o desen-
volvimento das ciências básicas em ritmo que a nossa
tradicional organização do ensino superior jamais permi_
tiu".

(1) Apresentação do tema perante o II Encontro dos Reitores


das Universidades Públicas e Diretores dos Estabelecimen_
tos Públicos Isolados de Ensino Superior

(2) Presidente do Conselho Federal de Educação


1.2. Pelo encadeamento de conseqüências benéficas que
suscitaria, o desenvolvimento do ensino e da pesquisa nos se
tores básicos do conhecimento humano se apresentava como ra
zão suficiente para justificar as complexas gestões de que de_
penderia o sucesso da Reforma. Os departamentos encarregados
das disciplinas profissionalizantes, então já operando em ní
vel razoavelmente elevado para a fase de desenvolvimento so
cial e econômico que havíamos alcançado, também viriam a bene_
ficiar-se da Reforma, embora de modo indireto e mais tardia
mente. Assim interpretávamos, em termos ajustados à nossa
realidade histérica, os objetivos do processo em causa assina
dos da seguinte maneira na Introdução do Relatório Geral do
Grupo de Trabalho para a Reforma Universitária, datado de
agosto de 196 8 :

"Do primeiro ponto de vista, a Reforma tem objeti_


vos práticos e tende a conferir ao sistema universita_
rio, uma espécie de racionalidade instrumental em ter
mos de eficiência técnico-profissional, que tem por con
seqüência o aumento de produtividade dos sistemas econo_
micos. Para tanto, impõe-se a metamofose de uma insti_
tuição tradicionalmente acadêmica e socialmente seleti_
va num centro de investigação científica e tecnológica
em condições de assegurar a autonomia da expansão da in_
dustria brasileira"... "Vista sob esta luz, a Reforma
tem por objetivo elevar a universidade ao plano da ra
cionalidade crítica e criadora, tornando-a instância de
reflexão sobre as condições e o sentido do desenvolvi_
mento. É a etapa em que a universidade transcende o
momento da instrumentalidade para afirmar-se em sua gra_
tuidade criadora e assumir o papel de liderança espiri_
tual".

1.3. Atendendo prazerosamente ao honroso convite do Ex_


celentíssimo Senhor Secretãrio-Geral do Ministério da Educa
ção e Cultura para apresentar perante os Reitores das Univer_
sidades Públicas e os Diretores dos Estabelecimentos Públicos
Isolados de Ensino Superior, o tema "Avaliação da Implantação
da Reforma Universitária", cuidarei inicialmente das conse_
quências da Reforma sôbre as atividades-fim das Universidades.
Não menosprezarei, contudo, os seus reflexos sôbre as ativida_
des-meio. Não raro ocorre, no afã de reformar, confundirem
se os meios com os fins, a ponto de recair a tônica sobre a
reforma pela reforma, quaisquer que sejam as conseqüências
desta sobre o desempenho da instituição, no cumprimento dos
seus verdadeiros objetivos. Em outras ocasiões, observa-se
preocupação obsessiva com os fins a impedir ou dificultar a
identificação das origens reais da insatisfação que gerou a
reforma, embora se esteja diante de situações nas quais nada
se alterará senão pelo aprimoramento das atividades-meio.

2. Raises históricas da nossa tradição de ensino superior.

2.1. Se lançarmos a vista sobre o passado das nossas


instituições de ensino superior, não será difícil reconhecer
a grande ênfase atribuída sempre aos aspectos profissionali_
zantes deste ensino, quando confrontado com o das discipli_
nas básicas e com a pesquisa pura ou aplicada. Razões de or_
dem histórica terão contribuído decisivamente para esta orien_
tação. As primeiras atividades no campo do ensino superior
entre nós se exerceram em escolas profissionais isoladas e au
to-suficientes do ponto de vista didático. Isoladas, já o sa_
bemos, por não estarem associadas a outras escolas superiores,
em organizações de tipo universitário. Tão pouco derivaram
os cursos com que se inaugurou o ensino superior entre nós,
no começo do século passado, de instituições que anteriormen_
te se dedicassem ã pesquisa científica, nem da ampliação dos
objetivos de escolas previamente voltadas ao ensino em nível
médio. Os nossos primeiros cursos superiores, desvinculados,
cada qual, do restante da rede escolar, relacionavam-se, tão
somente no âmbito da comunidade a que serviam, com o grupo
profissional a que pertencia o respectivo corpo docente. De
outra parte, eram estas escolas auto-suficientes do ponto de
vista didático, no sentido de que nelas o aluno realizava a
totalidade dos estudos universitários visando a obtenção do
diploma, desde os básicos, indispensáveis ã compreensão das
disciplinas profissionalizantes, como os destas últimas, qua_
se sempre caracterizadas como de ciência aplicada, e acompa_
nhadas por vezes da oportunidade para o início do adestramen_
to em tarefas próprias do exercício da profissão.

2.2. Assim evoluíram os primeiros cursos de Medicina -


na Bahia e no Rio de Janeiro e de Direito, em Recife e em
São Paulo, constituindo padrões mais tarde repetidos em mui.
tas centenas de escolas, igualmente isoladas e completas em
si mesmas. Durante mais de 120 anos, ate ã década de 1930,
era esta a única formula entre nos adotada para o ensino supe_
rior. E nos últimos 40 anos, mesmo depois que começaram a
funcionar as primeiras universidades, continuaram a criar-se
novas escolas superiores com as citadas características. Tra_
dição tão arraigada haveria, forçosamente, de ter reflexos so_
bre a própria organização universitária, ao menos nos seus
primeiros tempos. Não é, pois, de surpreender, que ao longo
das primeiras décadas de funcionamento do ensino superior or_
ganizado em universidades, a despeito do começo de integração
no âmbito administrativo, continuassem as escolas que as cons_
tituíram inteiramente isoladas do ponto de vista acadêmico,
oferecendo aos seus alunos, cada qual no âmbito da correspon_
dente carreira profissional, todos os estudos, básicos e pro
fissionalizantes. exigidos para o diploma. Foi somente na dé_
cada de 1960 que entre nos se verificaram os primeiros passos
no sentido da maior integração das atividades de ensino e pes_
quisa entre as diferentes unidades de uma mesma organização
universitária.

3. A tradicional fragmentação dos recursos para o ensino e


a pesquisa básicos.
3.1. Entre outros grandes inconvenientes da auto-sufi
ciência didática das escolas superiores, assim das isoladas
como das então agrupadas em universidades, destacava-se a
fragmentação dos recursos humanos e materiais para o ensino e
a pesquisa nos ramos básicos do conhecimento. Existiam em ca
da universidade várias cátedras de matemática, de física, de
química, de biologia, de ciências humanas, de geociências, de
letras, distribuídas entre as diferentes escolas ou faculda
des, e sempre subordinadas e confinadas na sua atuação aos in
teresses da formação de determinado tipo de profissional. As
sim fragmentados, nao adquiriam esses recursos, via de regra,
a massa crítica necessária à realização de trabalho de nível
verdadeiramente universitário. 0 ensino destas disciplinas,
ressalvadas as exceções que sempre se observam, se limitava a
repetição de noções de longa data incorporadas a livros de
texto, com freqüência desatualizados. A grande maioria dos
professores não tinha formação específica no ramo da ciência
cujo magistério estava a seu cargo. Lecionando em regime de
tempo parcial, continuavam mais interessados no exercício da
profissão na qual se haviam diplomado, do que em acompanhar a
constante evolução da disciplina básica que lecionavam, consi_
derada como mero instrumento ancilar a compreensão das tare_
fas inerentes ã profissão. E as atividades de pesquisa eram
relegadas a plano de reduzida importância. De outra parte,
como cada escola dispunha de recursos para ensinar exclusiva
mente aos seus próprios alunos as disciplinas básicas inte_
grantes do respectivo currículo, era notória, em muitos casos,
a sub-utilização desses recursos. Sobravam razões pará que o
maior desenvolvimento do ensino e da pesquisa nos setores bá_
sicos do conhecimento fosse impedida pela fragmentação dos
meios a esse fim destinados.

3.2. Constituem os departamentos de ciências básicas o


ambiente mais propício para a formação de pesquisadores, in
clusive dos que subseqüentemente se orientam pará a investiga
ção de temas de ciência aplicada. A relativa atrofia desses
departamentos concorria, destarte, para a escassez de pessoal
habilitado à realização de pesquisas, inclusive das necessá
rias ao conhecimento mais exato da realidade que nos cerca.
Permaneceu esta situação enquanto a sociedade brasileira não
exigiu das instituições de ensino superior participação mais
ativa no processo de desenvolvimento social econômico. A
crescente utilização de tecnologia de maior complexidade do
que a utilizada na nossa economia tradicional, tornou-se nos
últimos tempos, fator essencial a condicionar a ampliação e o
aprimoramento dos meios pará o ensino e a pesquisa nos depar_
tamentos de ciências.

3.3. Historicamente, pois, a maior falha das nossas


universidades ao tempo em que se desencadeou o processo da re
forma, era a atrofia dos dispositivos de ensino e pesquisa
nos setores básicos do conhecimento. Cumpre assinalar que
mesmo nas poucas universidades onde os departamentos de cien
cias das faculdades de filosofia adquiriram considerável de
senvolvimento, era reduzidíssimo o intercâmbio de idéias en
tre cada qual deles e os dedicados ao mesmo ramo do conheci.
mento nas faculdades profissionais.

4. A Reforma e os ramos básicos do conhecimento humano.

4.1. Os princípios sobre os quais se decidiu basear o


processo de reforma, o da não duplicação de meios pará fins
idênticos ou equivalentes e o da indissociabilidade do ensino
e da pesquisa, adquirem significação muito específica quando
apreciados ã luz das razões históricas que condicionaram a
sua adoção. A aplicação desses princípios deveria atingir
de modo imediato e com maior profundidade os departamentos de
ciências básicas do que os setores profissionalizantes das
nossas universidades. Nestes últimos, dada a especificidade
dos trabalhos inerentes à formação para cada profissão, não
se haviam multiplicado os meios para atender a determinados
fins, idênticos entre si, em extensão comparável ao verifica
do nas disciplinas básicas. Como as matrizes para a formação
de pesquisadores se situam mais naturalmente nos departamen_
tos universitários que se ocupem com os setores básicos do co
nhecimento, o outro princípio, da indissociabilidade do ensi_
no e da pesquisa, também haveria de ter repercussão menos in
tensa sobre as áreas profissionalizantes.

4.2. Analisemos, então, o que ocorreu de mais imediato


e mais notório nos primeiros anos apôs o início da implanta
ção da reforma. Não posso, infelizmente, ainda, oferecer da
dos quantitativos, os quais estarão disponíveis dentro em bre_
ve graças ao trabalho de âmbito nacional que se está empreen_
dendo mediante convênio entre o Departamento de Assuntos Uni
versitãrios do MEC e a Universidade Federal da Bahia. Acredi_
to, entretanto, que as mais importantes conseqüências dessa
implantação poderão, ser assinaladas, ainda que em termos qua
litativos. Resumi-as, assim, faz pouco tempo, em conferência
realizada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo :

"Se há, no espírito dos que me ouvem, alguma dúvi_


da sobre o rápido desenvolvimento dos departamentos que
se ocupam dos setores fundamentais do saber humano, con
seqüente à reforma das nossas universidades, eu sugiro
que visitem os "campi" situados desde o Norte até o Sul,
desde o Leste até Oeste do Brasil. Nao há negar que es
tamos vivendo "a vez e a hora" das ciências básicas. E
o que se verifica no mais visível e mais palpável, no
mais incontrovertível, embora não o mais importante dos
aspectos do trabalho das nossas instituições, que é a
notória ampliação do espaço físico e do equipamento a
disposição desses setores. Analisemos os currículos, am_
piamente revistos na generalidade das universidades,
por ocasião da reforma. Apreciemos as recentes admis_
soes para o corpo docente. Observemos os programas que
justificaram a adoção do regime de dedicação exclusiva
pará o pessoal de magistério. Comparemos a intensidade
dos trabalhos de pesquisa científica hoje, com os que
existiam há poucos anos. Apreciamos as áreas de concen_
tração dos numerosos cursos de pós-graduação que se vem
instalando. É, de fato, admirável observar a rapidez
com que se afirmaram as novas unidades universitárias,
destinadas ao ensino e a pesquisa básicos. Há menos de
um lustro, rebelavam-se, pelo Brasil afora, numerosos
professores que, por força da nova legislação, deixaram
de integrar o corpo docente das antigas escolas profis_
sionais, pois a disciplina que lecionavam se incluia em
departamentos integrantes de uma das unidades básicas,
vedada a praxe da duplicação de meios para fins idênti
cos. Ora, todo o prestígio, aos olhos da comunidade, to
da a força, na estrutura do poder da universidade, re_
caia sobre os setores profissionalizantes, enquanto as
novas unidades, de futuro incerto, se destinavam a tare_
fas que a sociedade não se habituara a identificar como
de maior relevo dentre as que estão afetas as institui_
çoes de ensino superior. Esses atos de rebeldia estão
hoje passando ao gentil anedotãrio que ameniza as nos_
sas atribuições, É possível que em algumas das univer
sidades de maior dimensão, pelo vulto que as atividades
nessas mesmas áreas tinham anteriormente, a diferença
não seja tão sensível. Tratar-se-ã seguramente, de al
guma exceção que não deve constituir-se em razão sufici_
ente para gerar incompreensões, nem, menos ainda, para
motivar a rejeição de medidas que vem beneficiando as
instituições congêneres".

5. A Reforma e os currículos de graduação.

5.1. Ainda no âmbito das conseqüências da reforma so_


bre as atividades-fim da universidade, cabe comentar as alte_
rações que se vêm observando nos currículos dos cursos de gra_
duação. Por motivos diversos, praticamente todos os currícu_
los ministrados nas universidades federais sofreram altera
çoes de maior ou menor vulto, coincidentemente com a implanta
ção da Reforma. A adoção do 1º ciclo tem sido o fator mais
freqüente a condicionar estas modificações, para as quais
também concorreram a supressão das cátedras e a ampliação das
atribuições dos departamentos, a criação das novas unidades e
a revisão da estrutura das antigas, assim como a instalação
dos colegiados de cursos. Embora não impostas pela legisla
ção da Reforma, a substituição do regime seriado pela matrícu
la por disciplina vinculada a observância de pré-requisitos e
a maior aceitação das disciplinas Optativas se acrescenta aos
demais setores que concorreram para que se hajam alterando,
em pouco tempo, currículos entre os quais alguns haviam sobre_
vivido varias décadas.

6.2. 0 Conselho Federal de Educação, graças â alta com


preensão da Secretaria Geral do Ministério da Educação e Cul
tura, está iniciando estudo mais detido dos novos currículos
dos cursos de graduação das universidades federais. Se é ver
dade que em alguns destes hão de existir razões para críticas
restritivas, nao tenho dúvida de que o confronto dos currícu
los em vigor com os anteriores â Reforma Universitária, ense
jará argumento fortíssimo para rebater a suposta queda no ní
vel dos estudos universitários nos últimos anos. Era caracte_
rística da maioria dos antigos currículos a extrema rigidez
associada à notória pobreza. A rigidez, inerente ao regime
seriado, terá sido inevitável no passado em vista da simplici_
dade da organização administrativa tradicional. Era muito fá
cil e mais barato tratar da mesma forma a todos os estudantes
de determinada série, como se fossem igualmente talentosos,
dispusessem de igual tempo para dedicar aos estudos e tives_
sem planos análogos para o exercício futuro da profissão esco
lhida. A rigidez dos currículos era, por sua vez, reflexo da
forma rígida por que estava vinculado o catedrático à sua cá
tedra, e esta à determinada área do saber, Não é, pois, de
admirar que os currículos se tornassem obsoletos em relação a
evolução das condições de exercício da profissão corresponden_
te. De outra parte, não era fácil, na prática, conciliar o
funcionamento das cátedras com a oferta de disciplinas optati_
vas, cuja importância cada vez mais se afirma no ensino uni_
versitário.
5.3. A maior flexibilidade dos currículos de graduação,
e a criação de novos cursos de mestrado e doutorado, a que
correspondem necessariamente currículos muito flexíveis, obri
garam a centralização das matrículas e dos demais registros a
cadêmicos, inclusive os referentes â verificação da aprendiza
gem. Enquanto esses registros eram feitos separadamente, em
cada escola, e em regime seriado, abrangiam apenas algumas
centenas a um ou dois milhares de alunos. A centralização dos
registros associada à adoção das matrículas por disciplina,
aumentou grandemente a complexidade da tarefa, e tornou indis_
pensavel o processamento eletrônico de dados colhidos em base
inteiramente diversas das tradicionais. Pará efetuar e coor
denar essas operações, as universidades têm necessitado trei_
nar pessoal de que anteriormente não careciam. Além do pes_
soal administrativo devidamente adextrado, tornou-se impres_
cindível a figura do professor orientador. As dificuldades
inerentes â transição do sistema mais simples e mais rígido
do passado para o de maior flexibilidade tem sido pretexto pa
ra severas críticas dos adversários da reforma, exemplos alta_
mente ilustrativos das mil e uma formas de que se reveste a
resistência a mudança, qualquer que seja. Cumpre enfrentar e
procurar vencer tais dificuldades, uma vez que a matrícula
por disciplina e a centralização dos registros acadêmicos
constituem o ônus em o qual não se alcança a desejada flexi_
bilização dos currículos.

5.4. A centralização dos concursos vestibulares, embo


ra não adotada por todas as universidades federais, mostrou-
se extraordinariamente vantajosa. De um lado, tornou possí_
vel melhorar a qualidade das questões propostas aos alunos,
mediante a elaboração de provas por equipes especializadas
que dificilmente poderiam realizar trabalho análogo se tives_
sem de atender de per si a cada qual das escolas, como era an_
teriormente à Reforma. De outra parte, incidindo as questões
sôbre matéria lecionada ao nível do ensino médio, já não têm
cabimento as perguntas - advinhação, tão freqüentes no passa
do e pertinentes a matéria que deveria constar dos programas
dos currículos do curso universitário a que o aluno se candi-
datava.

6. 0 1º ciclo de estudos universitários.

6.1. Dentre as alterações curriculares impostas pela


reforma cabe analisar em maior minúcia as referentes ao chama
do 19 ciclo de estudos, em vista das dificuldades que ainda
se terão de contornar para o seu pleno sucesso, assim como
das críticas injustamente assacadas contra inovação de tão
magna importância.

6.2. Até à Reforma o aluno ingressava na Universidade


diretamente para uma escola profissional e nela cumpria currí_
culo rígido, ministrado por professores que entendiam estar a
essência do seu dever na transmissão de informações presumi.
velmente aplicáveis a profissão em causa. Em algumas escolas,
parte substancial do currículo envolvia o treinamento pará a
execução de tarefas específicas, peculiares à profissão. Em
outras, o ensino se limitava a uma seqüência de aulas doutri_
narias monologadas pelos professores , sem a mais mínima parti
cipação ativa do aluno ao longo de todo o curso. A idéia da
instituição de um "primeiro ciclo" de estudos em nível univer_
sitario contraria esta orientação, que tem a seu favor tão
fortes tradições. Permito-me, também a este respeito, trans_
crever trecho da Aula Inaugural que proferi na Pontifícia Uni
versidade Católica de São Paulo, em Março próximo passado :

"Os defensores da idéia de um primeiro ciclo de


estudos em nível universitário se batem por que, ao in_
gressar na universidade, o estudante seja inicialmente
exposto a ambiente onde as informações apreendidas nao
valem, essencialmente, pelas suas aplicações potenciais
a uma profissão e sim como instrumentos que propiciarão
maior desembaraço na utilização do método e da lingua_
gem da ciência. Dada a importância dessa fase de forma
ção, em ambiente universitário, do futuro profissional,
justifica-se adiar o aprendizado de informações cientí
ficas aplicáveis a determinada profissão, e até, mesmo,
se necessário, reduzir o período de adestramento em tec_
nicas inerentes ao exercício profissional, muitas das
quais logo estarão obsoletas".
"Resulta esta orientação da crescente rapidez da
evolução da ciência e da tecnologia, em virtude da qual
em pouco tempo se tornam antiquadas as informações e as
técnicas que o estudante pode apreender ao longo do cur
so de graduação. Muito mais importante, nesta fase da
sua educação é prepará-lo para, durante as três déca_
das que em media constituem o período de vida profissio_
nal de cada indivíduo, manter-se o diplomado em condi
ções de atualizar-se constantemente, adquirindo e pondo
em prática as noções resultantes da rapidíssima evolu_
ção da ciência. Para equipar o estudante com instru_
mento intelectual desse gênero, muito mais adequado e o
ambiente das disciplinas básicas que o das profissiona_
lizantes. Esta a principal razão de ser da exigência
de um primeiro ciclo de estudos, ministrados nas unida
des universitárias voltadas para o ensino e a pesquisa
nos ramos básicos do conhecimento, mediante metodologia
adequada que pressupõe, como requisito essencial, a ati_
va participação do aluno nos trabalhos escolares".
"Entre as críticas mais insistentes a essa exigên_
cia da reforma figura a de que, durante o primeiro ci_
clo do curso superior, o aluno estaria apenas repetindo
estudos já realizados ao longo dos cursos de segundo
grau. Somente poderá prevalecer essa crítica onde o
primeiro ciclo não se estiver ministrando corretamente.
Não é lícito desconhecer a imensa importância do ensino
das ciências básicas, com caráter propedêutico e forma
tivo, em nível universitário Este ensino alcançará
maior profundidade e incluirá a apresentação de matéria
distinta da que se oferece nas escolas de segundo grau,
sendo também diversas as metodologias num e noutro cur_
sos. Desconhecer a importância desse ensino será menos
prezar fase essencial dos estudos universitários tal co_
mo se realiza nos mais avançados centros de todo o mun
do, em departamentos que se celebrizaram pela ministra
ção de programas didáticos que não se confundem, de mo
do algum, com os oferecidos em nível de 2º grau. Direi
mesmo que as mais célebres universidades do mundo não
adquiriram sua reputação predominantemente às custas
das unidades de ciências aplicadas, e sim do que empre_
enderam e empreendem nos setores básicos do conhecimen
to. Algumas delas, das mais festejadas, nem sequer ã
brigam na sua estrutura esta ou aquela das escolas pro
fissionalizantes das mais prestigiosas entre nós".
"Não resta dúvida de que a implantação do primei
ro ciclo em condições corretas e desejáveis se reveste
de grandes dificuldades. A maior delas é a inexistên_
cia, a princípio, de pessoal docente em número suficien_
te, nos departamentos das disciplinas fundamentais, pa
ra atender ã carga didática geralmente exigida dos no
vos currículos, muito superior à que no passado se impu_
nha. As tensões criadas pela necessidade da formação
desse pessoal, a despeito da repercussão negativa que
têm tido, se incluem entre as conseqüências mais benfa_
zejas da Reforma Universitária. Se não existia esse
pessoal, era porque dele não sentíamos falta no regime
tradicional, em virtude da menos importância que se
lhes atribuía".

6.3. Nao poderíamos deixar de referir alguns tópicos


da concepção original da Reforma, referentes aos cursos de
graduação, que tiveram de ser alterados. Um deles foi a vin
culação ao 1º ciclo de estudos universitários, da seleção de
estudantes para diferentes carreiras incertas em cada qual
das grandes áreas do saber humano. Foi a questão resolvida
pela chamada "pré-opção", atualmente adotada em todas as Uai
versidades federais, e que tem a imensa virtude de preservar
o que há de essencial no 1º ciclo de estudos. Outro item tam_
bem alterado foi o da jubilação de alunos, regulada na legis
lação da Reforma mediante dispositivo que se mostrou inaplicã
vel, e por isto mesmo atenuado pela Lei nº 5.789/72.

7. A põs-graduação e a pesquisa.

7.1. Ainda, a respeito da recente evolução das ativida_


des-fim das universidades brasileiras, cumpre comentar os re_
flexos da reforma sobre a pesquisa científica, sobre o ensino
de pos-graduação, e sobre a extensão universitária.
7.2. Iniciou-se com a reforma universitária notável ex
pansão da rede nacional de ensino de pós-graduação, com sua
quádrupla função de formar professores, pesquisadores, tecní_
cos altamente especializados e "scholars" na aceepção mais es_
trita da palavra. Perante o auditório que tenho diante de
mim, julgo dispensável estender-me em comentários sobre a sig_
nificação imensa da recente criação de numerosos cursos de
mestrado e de doutorado. Acredito oportuno, contudo, em ob_
servância ao tema cujo estudo me foi atribuído, analisar as
possíveis relações entre a reforma e a expansão da pós-gradua
ção. Constituem ambas parcelas da resposta complexa que a
universidade brasileira vem dando às solicitações da socieda
de a que serve. Mas, ate onde a implantação da Reforma terá
concorrido para o florescimento da pós-graduação ? De um la
do, são muito claros os incentivos diretos ao mestrado e ao
doutorado inscritos na própria legislação da Reforma, quando
atribui prerrogativas aos portadores desses títulos. Encon_
tram-se pela primeira vez incentivos análogos na Lei 4.881-A,
(Estatuto do magistério superior) a qual foi alterado após
breve prazo pelo conjunto de leis, decretos-leis e decretos
que compõem a legislação da Reforma. A despeito da força des_
ses incentivos, dificilmente teríamos assistido ã expansão da
pós-graduação nos moldes em que vem ocorrendo, caso estives_
sem as Universidades ainda sujeitas ã rigidez da antiga estru_
tura. A fragmentação dos recursos humanos e materiais obsti_
nados aos setores básicos do conhecimento prejudicava a espe_
cialização das tarefas atribuídas aos integrantes do corpo do
cente. Tornava-se mais difícil o aprofundamento do nível dos
trabalhos e a realização de pesquisas que constituem a essên_
cia da pós-graduação. Os programas então existentes em nível
de pós-graduação nas áreas profissionalizantes, não encontran_
do suficiente apoio nos departamentos básicos, tomaram mais a
feição do que hoje designamos de cursos de especialização, do
que de mestrado ou doutorado nos termos em que estão atualmen_
te definidos. É, por isto mesmo, admirável observar o sucesso
que vêm tendo muitas Universidades, desde a Reforma, no esfor_
ço empreendido para criar cursos de mestrado e de doutorado nas
Ciências Básicas, mediante a expansão de departamentos cujo nível de
trabalho era bastante elementar ha muito pouco tempo. De ou
tra parte, a intensificação das atividades de pesquisas cien
tíficas a serviço da comunidade e as alterações dos currícu_
los dos cursos de graduação, em moldes já comentados,decorrên
cias diretas da Reforma Universitária, ampliaram notoriamente
o mercado de trabalho para pós-graduação nas ciências básicas.

7.3. Sendo tão estritas as relações entre a pesquisa


e os cursos de pós-graduação logo se depreende que o estímulo
exercido pela Reforma sobre estes últimos se estende também
à pesquisa. Cumpre ressaltar que a nova organização departa_
mental assim como as atribuições dos Conselhos de Ensino, Pes_
quisa e Extensão, vêm contribuindo para que os projetos de
pesquisa nas nossas Universidades se tenham tornado mais ins_
titucionais e menos individuais do que costumavam ser. Expli_
co melhor : no passado, a maioria dos escassos projetos de
investigação científica nas nossas universidades se origina
va da intenção de preparar teses de concurso pará os cargos
de magistério. Eram, na verdade, exercícios escolares de al_
to nível, obtidos resultados suficientes para a elaboração
da tese, o estudo do assunto desaparecia dos programas da ins_
tituição, justamente porque se originavam de interesses de or_
dem estritamente pessoal. Coincidindo com a implantação dos
novos mecanismos de decisão, sôbre os quais nos deteremos adi.
ante, encontram-se as universidades em melhores condições de
levar a cabo trabalhos de pesquisas que tenham conseqüências
para a comunidade. Entre os requisitos para a execução de
projetos dessa natureza, inclui-se a continuidade da perquiri_
ção de determinado tema, o que é incompatível com o caráter
espamódico das pesquisas mais freqüentes na antiga universida_
de brasileira.

7.4. Foi condição essencial ao desenvolvimento da pes_


quisa e à expansão dos programas de pós-graduação, a implan_
tação do regime de dedicação exclusiva, nos moldes previstos
na legislação da Reforma. De tal monta tem sido os benefí
cios desse regime de trabalho, que se impõe especial referên
cia ao empenho do Ministro Jarbas Passarinho em promovê-lo,
transformando em realidade altamente eficaz o que fora duran
te algum tempo letra morta na lei, batendo-se pela sua exten
são a parcela cada vez maior do magistério superior, e defen
dendo o aprimoramento dos mecanismos Originariamente estabele
cidos, em particular no que diz respeito ã incorporação ao or
denado da gratificação da dedicação exclusiva.

7.5. As Universidades, melhor organizadas desde a Re_


forma pará as atividades de pesquisa e pará a ministraçao de
cursos de pós-graduação, vêm celebrando contratos vultosos pa
ra a prestação de serviços a órgãos dos setores públicos e
privados interessados em aspectos diversos da promoção do de
senvolvimento econômico do País. Destarte, tem amadurecido
com muita rapidez a experiência das nossas Universidades com
a realização de operações de alto custo e grande complexidade.
£ chegada a hora de estabelecer-se rigorosa coordenação que
possa ensejar a continuada expansão de programas financiados
pelo orçamento setorial da educação e com recursos de outras
fontes, destinados à formação de pessoal altamente especiali_
zado indispensável às tarefas mais complexas inerentes a pre_
sente fase de maior desenvolvimento social e econômico, con-
forme plano em que se contemplem as necessidades do mercado
de trabalho em rápida' expansão e as potencialidades das insti
tuições situadas nas diferentes regiões do País.

8. As atividades de extensão universitária.

Tão pouco existiria dificuldades em apontar exem_


plos ilustrativos da grande expansão das atividades de exten_
são das nossas universidades, desde a implantação da Reforma.
Alguns programas foram institucionalizados em âmbito nacional,
como o RONDON e o SINCRUTAC, com sucesso de todos conhecidos.
Além desses, seria interminável a lista de programas a cargo
de cada qual das universidades, movidos por idéias de extraor
dinária fecundidade e que vem dando excelente medida da conci_
ência que tem hoje o sistema universitário brasileiro da res_
ponsabilidade que lhes cabe nesse terreno. A exemplo do que
fiz com respeito as atividades de pesquisa, poupando embora
o auditório da apresentação de lista interminável do que é
obra de Vossas Magnificências, direi tão somente que a exeqüi_
bilidade de programas de extensão tão ricos e variados como
os que vimos observando, eram também dificultados pela antiga
estrutura universitária, devido à rigidez do regime de cate_
dras, na vigência do qual tudo tendia para o individualismo e
nada incentivava as formas de colaborações essenciais aos mo
delos mais dinâmicos de prestação direta de serviços ã comuni_
dade.

8.1. A Reforma e as atividades-meio da Universidade


A departamentalização.

8.1.1. Passando à apreciação dos efeitos da im_


plantação da Reforma sobre as atividades-meio das Universida-
des , consideremos de início a delicada questão da departamen_
talização. Estabelece a Lei nº 5.540 que o departamento con
gregarã disciplinas afins e que será a menor fração da estru
tura universitária para os efeitos da organização administra
tiva, didático-científica e da distribuição de pessoal. Esta
ultima formulação, combinada com o dispositivo da mesma legis_
lação que suprimiu a cátedra ou cadeira do ensino superior no
Brasil, alterou radicalmente o papel anteriormente desempenha
dos pelos departamentos das nossas universidades, quando cons_
tituídos pela aglomeração de várias cátedras.
9.2. A despeito da sua rigidez, não desconhecemos o la
do positivo que teve no passado o sistema de cátedras, como
fator de preservação das prerrogativas universitárias. Mas,,
é também verdade que a dinamização dos trabalhos da rede de
ensino superior, imposta pelas exigências do processo de de
senvolvimento social e econômico da sociedade brasileira, já
não poderia estar sujeita as limitações decorrentes do feitio
paquidérmico da instituição da cátedra.

9.3. Recordam as presentes como na vigência do regime


de cátedras era enorme a soma de decisões inapelavelmente afe_
tas ao catedrático. Embora teoricamente estivessem algumas
dessas decisões sujeitas a revisão pelos órgãos colegiados
que dirigiam as faculdades e as universidades, na prática ha
via quase completa identificação entre a área do saber a car_
go de determinada cátedra e a pessoa do respectivo catedráti_
co. Da parte destes não existia, senão excepcionalmente, a
preocupação de articular-se com seus pares, de modo que os
programas institucionais se cumprissem de forma harmônica e
fossem mutuamente complementares. Dificilmente, aliás, poder
se-ia falar em "programa institucional", porquanto prevale_
ciam os programas individualmente concebidos e executados sob
a responsabilidade exclusiva de um catedrático. E estes, mes_
mo quando se valiam da colaboração de adjuntos e assistentes,
utilizavam-nos como cumpridores de planos de cuja elaboração
não tinham participado, senão por mercê do titular da cadeira.
A vinculação do catedrático à respectiva área do saber durava
desde a conquista da cátedra ate a morte ou aposentadoria , mes_
mo quando o desempenho de funções de tão alta relevância fica
va muito aquém do desejável.

9.4. A nova organização departamental vem tendo como


conseqüência principal a despersonalização dessas decisões.
As áreas do saber, dantes mais fragmentadas para correspon_
der, cada parcela, a uma cátedra, são agora distribuídas em
domínios mais vastos, a cargo de departamentos nos quais as
decisões resultam do debate, da conciliação, ou da votação com
predominância da maioria. 0 chefe do departamento assume o
papel de executor da vontade dessa maioria, com mandato por
tempo limitado. De modo geral, as universidades vêm restrin_
gindo também o número de reconduções a que terá direito o che
fe do departamento. Se é verdade que continua existindo - co
mo não poderia deixar de ser - a hierarquia na carreira do ma
gistério, encimada pelo titular, cumpre ressaltar que as atri_
buições deste diferem radicalmente das do antigo catedrático.

9.5. 0 intuito dessas modificações foi, evidentemente,


permitir melhor ajustamento das atividades de cada fração da
organização universitária, chame-se cátedra ou departamento,
aos objetivos gerais e específicos da instituição onde se in
sere. De outro lado, a participação dos professores não titu_
lares na elaboração dos planos de trabalho visa a assegurar
maior senso de responsabilidade da parte desses, ao contribuí_
rem para a execução dos mesmos planos. Não seria de esperar
que o exercício das novas responsabilidades pelos não-titula
res se fizesse de modo inteiramente satisfatório desde o pri_
meiro instante. Desabituados de participar das decisões, há
de decorrer prazo de carência para que aprendam a usar devida
mente as prerrogativas que lhes conferiu a Reforma, durante a
qual estariam provisoriamente em vigor mecanismos de controle
da cúpula universitária sobre algumas das atribuições de de_
partamento.

9.6. Desta concepção do departamento, logo defluem con


seqüências de ordem prática, de considerável importância. Ci_
tarei, a título de exemplo, a questão de como dimensionar os
departamentos. De um lado, deverão evitar-se os "mini-depar
tamentos", a continuarem a tradição das antigas cátedras, res_
ponsaveis por pequenas áreas do saber e nos quais um só titu_
lar impondo a sua vontade a pequeno corpo de auxiliares. 0
funcionamento dos departamentos nos novos moldes pressupõe in
fraestrutura administrativa que nao se deve fragmentar "ad
infinitum", em vista do aumento nítido dos custos indiretos
ou, dito de outra forma, pela redução da produtividade que
acarreta a pulverização dos meios de apoio.

9.7. Tão pouco devem aceitar-se os "maxi-departamen


tos", com a participação de muitas dezenas de professores a
barcando disciplinas numerosas e que já não são afins entre
si. Nestes casos, forçosamente cairemos em uma de duas hipó
teses : ou as decisões ficarão a cargo de um Conselho ou Ca
mara que represente indiretamente a vontade do órgão, o que,
embora legalmente aceitável, torna-se, na prática, dificilmen
te conciliável com a essência do novo conceito de departamen
to, ou estarão sujeitas a debates e a deliberação por parte
de número inconvenientemente elevado de professores. Em qual.
quer das hipóteses, os trabalhos departamentais já não trans_
correrão em ambiente que induza â apreciação minuciosa, pro
funda e intensamente especializada como seria de desejar. Pa
rece-nos esta tendência tão condenável quanto a excessiva li_
beralidade, verificada anteriormente a reforma, quando ocor
ria o desdobramento excessivo das áreas do saber corresponden
tes às cátedras.

9.8. Na generalidade das nossas organizações universi_


tãrias o desaparecimento da cátedra, e, consequentemente, das
prerrogativas do catedrático, ocorreu, na prática, em lapso
de tempo muito menor do que poderiam prever os mais otimistas.
Conforme vimos, têm crescido com grande rapidez, na generali
dade das universidades federais reformadas, os departamentos
encarregados das disciplinas fundamentais. Como era relativa
mente pequeno o seu desenvolvimento no passado, a tradição da
cátedra entre eles não tinha o vigor observado nas áreas pro
fissionalizantes. 0 progresso das ciências básicas tem, as_
sim, ocorrido nos moldes mais flexíveis prescritos pela recen_
te legislação. Mesmo entre os setores profissionalizantes de
maior tradição nota-se também considerável mudança nos meca
nismos de decisão. Cabe, entretanto, reconhecer que há exce_
ções, dentre as quais vale citar a resistência oferecida por
professores do ciclo profissional dos cursos médicos ã reorga
nização dos espaços hospitalares de modo a torná-los mais com
patíveis com os ditames da Reforma Universitária, e também me
lhor ajustadas ã moderna organização da assistência ã saúde.

10. Os colegiados de cursos.

Após esses comentários sobre a "menor fração da


organização universitária", passemos a analisar o funcionamen
to dos demais órgãos de deliberação coletiva calcados nos pre_
ceitos da reforma.

10.1. Desde logo julgo oportuno ressaltar a imensa im


portãncia dos chamados colegiados de curso, ou equivalentes,
na nossa organização universitária. Hão hesito em dizer que
o aprimoramento das atividades de ensino atribuíveis a refor
ma está na dependência direta e estrita do sucesso da implan
tação desses órgãos. Constitui aspecto dos mais delicados da
nova organização, o diálogo que tem de estabelecer-se entre
os departamentos e os colegiados de cursos, com vistas ao a
justamento dos programas de ensino de cada disciplina, a car
go dos departamentos, ao plano geral de execução do respecti
vo currículo, da competência do colegiado de curso. Dadas as
peculiaridades desse ajustamento, cabe a interveniência nas
gestões entre os dois órgãos colegiados, de órgãos técnicos
de assessoria, diretamente vinculados à Reitoria, com pessoal
especializado em desenvolvimento de currículos, em verifica
ção de aprendizagem, e em outros capítulos da pedagogia do en
sino superior. Tal a importância desse diálogo que acredito
devam os reitores efetivamente empenhados na melhoria do ní_
vel de ensino em sua universidade, informar-se pessoalmente,
a propósito de cada curso, de como vem transcorrendo a colabo_
ração entre os departamentos e os colegiados de curso. Não me
arreceio, de outra parte, de afirmar incisivamente que não se
estarão beneficiando até onde o permitem as novas diretrizes
emanadas da reforma, as universidades onde as deliberações
dos colegiados de curso não adquiriram suficiente vigor, para
o que tem concorrido, em algumas Universidades, o apego das
congregações e dos antigos conselhos departamentais, a prerro
gativas que deveriam ter sido canceladas pela Reforma.

10.2. Porque atribuir-se tão grande relevo a esses õr


gãos ? A resposta é simples e clara. Vale lembrar que no pas_
sado todos os estudos pertinentes a determinado diploma se
realizavam no âmbito de uma sõ escola ou faculdade. Tanto os
aspectos didáticos como os administrativos e disciplinares
que importassem à formação de determinado grupo de alunos, fi_
cavam assim afetos ao mesmo grupo de professores, os quais
participavam igualmente de uma sõ congregação e de um sõ con
selho departamental. Em contrapartida, esta simplicidade de
organização gerva a conhecida rigidez dos currículos tradi_
cionais. Com a Reforma Universitária, como é sobejamente co
nhecido, o cumprimento dos currículos oferecidos nas universi_
dades obriga a grande' maioria dos alunos a freqüentarem disci_
plinas ministradas em mais de uma unidade. Desta forma, tor
na-se essencial a existência de órgão especializado, consti_
tuído de professores das unidades que participam de cada cur
rículo, para planejar e acompanhar a execução das tarefas di_
dáticas pertinentes a cada curso, de forma integrada, harmôni_
ca e bem equilibrada. A adoção da matrícula por disciplinas,
sujeita a pre-requisitos , contribui ainda para tornar mais im
portante e complexa a tarefa do colegiado de curso. A existên
cia desse órgão inter-escolar com tais atribuições se reflete,
por sua vez, na competência das congregações e dos conselhos
departamentais, os quais ficam obrigatoriamente esvaziados no
que se refere a competência que tinham, anteriormente, na
área didática.

10.3. Se procurarmos verificar as características dos


debates que ocupam os colegiados de curso, e estabelecermos
confronto com o teor das reuniões das antigas congregações e
conselhos departamentais, a que estabam basicamente afetas
também as questões de ordem didática, não creio que haverá du
vida quanto à natureza muito mais técnica dos trabalhos dos
novos órgãos. Pela natureza inter-escolar dos colegiados de
cursos, os currículos e os programas estão agora sujeitos â
debates muito mais abertos de que tem resultado a revisão pe
riõdica de praticamente todos eles, ao passo que antes da Re
forma, confinada a questão ãs cátedras e aos colegiados da
mesma escola, atravessavam anos a fio sem qualquer revisão.
Cumpre reconhecer, mais uma vez, que a reforma impôs ãs ativi_
dades didáticas da universidade, organização muito mais com
plexa que a anteriormente existente. Â maior flexibilidade
teriam de corresponder, necessariamente, sistemas de controle
mais complexos e onerosos, a não ser que nos conformássemos
em caminhar para o caos. Por isto mesmo, a atual organização
dos colegiados requer muito mais tempo de participação dos
professores, assim como infraestrutura administrativa mais ca
ra que a do passado. ' As vantagens decorrentes da maior flexi_
bilidade dos currículos e do aproveitamento mais racional dos
recursos disponíveis parece-nos, contudo, justificar plenamen
te o esforço adicional.

11. 0 Conselho de Coordenação de Ensino, Pesquisa e Extensão

11.1. Dos vários órgãos de deliberação criados em decor_


rência da reforma,o de maior hierarquia e o que chamarei de
Conselho de Coordenação do Conselho do Ensino, Pesquisa e Ex
tensão, embora tenha designação ligeiramente diversa em algu_
mas universidades. A divisão entre os dois órgãos situados
na cúpula universitária, das atribuições anteriormente enfei
xadas com exclusividade pelo Conselho Universitário, consti_
tui outro resultado altamente vantajoso da implantação da re
forma. Os programas de ensino, em nível de graduação e de
pos-graduação, assim como os de pesquisa e extensão, passaram
a merecer atenção na mais alta hierarquia da organização uni
versitária, em moldes que não seriam compatíveis com a antiga
composição nem com o regime de funcionamento dos Conselhos
Universitários do passado. Por sua vez, ainda na cúpula uni
versitária, os Conselhos especializados que presentemente se
encarregam de apreciar os aspectos mais genéricos da política
institucional e de traçar as diretrizes administrativas e fi_
nanceiras, vêm alcançando grau de "sofisticação" nos seus tra
balhos , desconhecido no período anterior ã reforma.

12. A Biblioteca Central.

12.1. Se a tônica da Reforma é a integração das ativida


des acadêmicas, entre as suas conseqüências deveria figurar a
implantação, em cada Universidade, da Biblioteca Central, com
o que ficariam sanados os grandes inconvenientes da tradicio-
nal fragmentação dos recursos bibliográficos, sobejamente co-
nhecidos. Do que me foi dado colher acerca das tentativas
neste sentido, resta a seguinte impressão : embora trabalha
da, e perfeitamente exeqüível e altamente vantajosa a centra-
lização de determinados serviços , como sejam a aquisição de
livros, a assinatura de revistas, a organização do catalogo
geral, a utilização da aparelhagem de reprografia, o intercâm
bio com instituições estranhas ã Universidades a uniformiza
ção de normas técnicas para o funcionamento das Bibliotecas
das unidades. É os efeitos benéficos desta centralização lo_
go se fazem sentir, pela eliminação de duplicações desnecessã_
rias na aquisição de livros e revistas, na melhoria da quali_
dade dos processos dee seleção de novas aquisições, na melhor
utilização da aparelhagem de reprografia, além de outras.

12.2. Muito mais difícil se nos afigure, entretanto, a


adoção de critérios para a centralização do acervo, quando os
recursos bibliográficos estavam tradicionalmente esparsos pe_
las diferentes unidades. A questão parece essencialmente di
versa do que ocorre, por exemplo, na Universidade de Brasília,
onde, por circunstâncias históricas a biblioteca nasceu cen
tralizada. Tão pouco estou me referindo â inexistência, na
grande maioria das Universidades Federais, de espaço para a
brigar o acervo centralizado. Entende que como condição para
o adequado planejamento desse espaço físico deva criar-se me
canismo de cooperação e de aproveitamento recíproco das expe
riências até" agora adquiridas, no sentido de se encontrarem
critérios tecnicamente inatacáveis e que se adaptem as nossas
Universidades onde tradicionalmente os recursos bibliográficos
ficavam sob a guarda de cada qual das unidades relativas a
distribuição e a circulação do acervo entre uma biblioteca cen
tral que realmente seja, e bibliotecas departamentais que sem
pre terão de existir.

13. Os níveis de decisão na nova estrutura.

13.1. A atual estrutura administrativa da generalidade


das nossas universidades correspondem três ou quatro níveis
de decisão. Identifica-se no escalão mais alto a reitoria
com os Conselhos, Universitário, de Coordenação de Ensino ,pes_
quisa e extensão, e de Curadores. Còm maior freqüência, se_
gue-se-lhe o nível correspondente às unidades, designadas es
colas, faculdades ou institutos, e mais recentemente rotula
das também de centros em algumas universidades, e no qual es_
tão as decisões afetas as congregações e conselhos departamen
tais ou órgãos equivalentes. Embora situados em outra linha,
hierárquica, os colegiados de curso também ai se situam.. Por
fim, encontra-se o nível dos departamentos, constituídos de
agrupamentos de disciplinas afins. Em Universidades de maio
res dimensões, justifica-se um quarto nível inserido entre o
primeiro e o segundo dos acima referidos, correspondendo aos
centros que coordenam os trabalhos de escolas, faculdades ou
institutos de uma grande área do conhecimento. Vê-se, destar
te, como a palavra centro tem sido usada com mais de uma acep_
ção, o que embora não contrarie a legislação, parecé-nos ori_
ginar confusão desnecessária. Na verdade, o que importa é
adotar o numero de níveis que melhor se ajuste às dimensões
da universidade e, em cada nível, dividir horizontalmente a
estrutura, também a depender das dimensões das universidades.
Se a fragmentação excessiva, freqüente no passado, é indesejá
vel, também o é a compactação exagerada em qualquer dos ní
veis. De que adianta reduzir demasiadamente o número de uni
dades, chamem-se escolas, faculdades, institutos, ou centros,
se para constituí-las agremíam-se departamento, em número ex
cessivo ou juntam-se departamentos sobrecarregados de disci_
plinas e professores ? Se a universidade adquire dimensões
maiores, melhor nos parece acarretar com o ônus que represen-
ta o acréscimo de um quarto nível de decisão, conforme acima
referido.

14. 0 equilíbrio do poder na nova estrutura.

14.1. A nova estrutura universitária se fez acompanhar


de profundas alterações no equilíbrio de poder dentro da ins_
tituição. Era sabidamente grande o poder enfeixado pelos ca
tedrãticos, na antiga organização. Embora o departamento,tal
como atualmente concebido, tenha atribuições muito mais am
plas do que antes, nenhum dos seus integrantes, nem mesmo o
chefe, tem soma de prerrogativas conservadas por longo perío
do de tempo, comparável a de que dispunha o antigo catedráti-
co. A menor rigidez das regras atuais atribue ao departamen
to competência para decidir sobre matéria antigamente regula
da de forma a não comportar alternativas. Ademais, cresceram
estas atribuições às custas do esvaziamento da competência das
congregações e dos conselhos departamentais. As congregações
ou órgãos equivalentes, assim como os conselhos departamen
tais, onde existam, foram ainda mais atingidos na sua compe
tência, no que diz respeito à assuntos didáticos, pela cria
ção dos colegiados de curso. 0 poder dos diretores de unida
des foi consideravelmente reduzido, em parte pela maior força
dos departamentos, em parte pala centralização, ao nível da
reitoria, de vários aspectos da administração geral, da admi
nistração acadêmica e do planejamento institucional, e ainda
em parte pala ação dos coordenadores dos colegiados de curso.
0 Conselho Universitário compartilha agora suas atribuições,
de antanho em igualdade hierárquica, com o conselho de coorde
nação. A reitoria, de outra parte, acresceu consideravalmen-
te o seu poder. Em virtude da integração acadêmica promovi
da pela reforma, tornou-se imperativa a centralização de nume
rosos serviços que deixaram de estar sujeitos is diretorias.
Além de promover a integração acadêmica dantes praticamente i_
nexistente, a reforma também intensificou a integração da ad
ministração geral e do planejamento institucional, o que con
tribui para o aumento do poder da reitoria, ã maior democrati_
zação dos mecanismos de decisão nos níveis mais baixos, vem
correspondendo, assim, maior centralização do poder no cume
da hierarquia, o que, em conjunto, parece estar sendo salutar.

14.2. Aliás, o refinamento dos mecanismos de assesso_


ria e dos instrumentos de execução da parta das Reitorias cons_
titue um dos mais notáveis progressos das nossas Universida_
des, desde a Reforma. A integração das atividades de ensino,
pesquisa e extensão a cargo das várias unidades não apenas

i
obrigou a centralização, a administração dos assuntos acadêmi_
cos, como tornou exiquíveis as tarefas de planejamento insti_
tucional, dantes quase impossíveis. Pela sua complexidade""
percebi que a inserção da análise que este aspecto da Reforma
está a merecer tornava o presente trabalho intoleravelmente
longo. Urge, entretanto, que o assunto seja estudado separa
damente e com a devida profundidade.

14.3. Entre os dispositivos da legislação da Reforma


que se tem revelado mais propício está a supressão da exigen
cia da condição de catedrático, para o exercício dos cargos
de direção (diretorias e reitorias). Não, evidentemente, por
que em conjunto a categoria dos atuais titulares seja de me
nor capacidade do que as demais. E sim por se haver, desta
forma, ampliado consideravelmente a margem de escolha, inclu
indo-se entre os possíveis candidatos professores particular-
mente dotados para esses cargos, e que não haviam alcançado a
cátedra por meros acidentes históricos.

14. Epílogo.

Não faltarão pessimistas que rotulem de devaneio


a descrição que procurei fazer da universidade brasileira re_
formada. Sei bem que estas modificações vêm ocorrendo hetero
geneamente, e que é grande o descomparsso não apenas entre di_
ferentes universidades, como entre as varias unidades de qual
quer de nossas universidades. Nada disso constitui surpresa.
Em conjunto, não hesitarei em dizer que os frutos da reforma
estão a vista, e que sazonaram com rapidez muito maior que se
ria aconselhável prever. Houve, sem duvida, falhas e trope_
ços tanto na concepção como na estratégia empregada pará a im_
plantação. Duvido, entretanto, que se encontre aluno ou pro
fessor, no uso perfeito de sua capacidade de discernir, que
recomende a volta do regime de trabalho que prevalecia anteri_
ormente à reforma.

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