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CATEGORIAS E APELIDOS DAS IMAGENS (texto de apoio.

Isabel Calado)

A necessidade de arrumar a multiplicidade das imagens implica que se encontrem critérios para o
fazer e decorre, em particular, das exigências profissionais: iconotecários, grafistas, ilustradores,
diretores artísticos, fotógrafos, tipógrafos (hoje typedesigners e webdesigners), desenhadores, …não
passam sem a possibilidade de gerir o universo das imagens, identificando cada uma delas através de
traços muito concretos e ligados à sua feição material e funcional.

A esta necessidade de classificar associa-se, frequentemente, a vontade de estabelecer categorias


quantificáveis. A quantificação é procurada no seio de uma engenharia da comunicação, que se orienta
para o universo das visualidades movida por princípios de estratégia, consecução de objetivos a
atingir em públicos-alvo, custos e rendimentos comunicacionais.

Os custos comunicacionais norteiam a resolução de problemas concretos por parte dos profissionais:
de quantos metros quadrados é possível dispor para expor as fotografias? Quantas páginas de
ilustração é possível acordar com o editor, consoante estejamos perante uma enciclopédia, uma obra
técnica ou um manual didático?

Em 1994, na sua obra “A Utilização Educativa das Imagens”, Isabel Calado1 propôs 3 critérios de
arrumação e 2 dicotomias gerais para proceder a esta tarefa de catalogação das imagens.

O 1º critério é o CRITÉRIO DE GÉNERO: É nesta arrumação que diferenciamos desenhos, pinturas,


esculturas, gráficos, mapas, fotografias, baixos-relevos, documentos visuais, ilustrações, filmes, spots
publicitários, videojogos, caligramas, hologramas, iluminuras, frescos, grafittis, tipogramas, cartoons,
etc. Ou ainda domínios como o artístico, o publicitário, o documental, o pedagógico, o científico. E bem
assim essa teimosa divisão entre o funcional e o artístico, eventualmente o “útil” e o “inútil”…

O critério de género arruma as imagens de acordo com as suas funções sociais. Neste sentido, a
imagem é uma “unidade de intenção social consciente” (Christian Metz)2

As imagens de género supõem intenções: elas visam documentar, persuadir, interpretar, chocar,
deleitar, mobilizar o leitor

1CALADO, Isabel (1994). A Utilização Educativa das Imagens. Porto: Porto Editora [Col. Mundo de Saberes, nº
10]

2 METZ, Christian (1970). Au-delà de l’analogie, l’image. Communications. Paris, 15, pp. 1- 10.
De entre os géneros mais divulgados, encontramos ainda a teimosa dicotomia estético/funcional, à
qual se associa uma tensão que ainda permanece em alguns meios e que opõe, por exemplo, as
imagens das belas-artes às imagens das artes aplicadas (ilustração, fotografia, grafismo, design).

Nesta distinção estabelece-se, entre outras coisas, que as imagens funcionais servem para “comunicar
ou conhecer o mundo” (valor de utilidade) e que as imagens estéticas, por seu lado, resultam de uma
necessidade de expressão autónoma e da afirmação de um valor de presença.

Diz Abraham Moles: as imagens estéticas são “objetos materiais cujo valor de utilização é
exclusivamente simbólico.”3

Frequentemente as imagens funcionais crêem-se pouco abertas ao imaginário e, nalguns casos,


mesmo policiadas: as imagens escolares só aceitam o imaginário desde que ele “…. possa por seu
lado ser objeto de uma didática.” (Peraya, 2000)4. Respondem a necessidades (básicas) e avaliam-se
pela sua eficácia - o que, entre outras coisas, significa que o destinatário ou consumidor de imagens
desempenha um papel importante na sua definição. Uma imagem publicitária é finalmente avaliada
pelos efeitos/resultados produzidos no recetor, mais do que por qualquer outra medida de valor
(dominância do “tu”, diria Georges Péninou).5

As imagens estéticas, por outro lado, são geradas a partir de outro tipo de preocupações: as que
decorrem da produção do “belo” e da “indagação da perfeição sensorial” (Donis Dondis)6 A
experiência estética constitui-se em torno das noções de beleza e perfeição – independentemente de
toda a controvérsia que tais noções possam gerar. A questão estética/artística pode também ser
associada ao índice de variação individual (originalidade). Está centrada no emissor mais que no
receptor (dominância do “eu”)… Ainda assim, supõe também aquele que a recebe (a estética é uma
experiência da receção): há sempre um “alguém” do lado de lá, embora esse alguém não seja
especificamente determinado nem tão pouco seja ele o regulador do processo criativo.

3 MOLES, Abraham (1981) L’image, communication fonctionelle. Tournai: Casterman.


4PERAYA, Daniel. Des mots et des images. In Journal de l’enseignement primaire, 49, pp. 22- 25. [Em linha].
[Consult. Set. 2000]. Disponível em www. tecfa. unige. ch/~peraya/ho- mepage/publi/publi. html
5 PÉNINOU, Georges (1970) Physique et métaphysique de l’image publicitaire. Communications. 15, p. 96-109.
6 DONDIS, Donis (1988) La sintaxis de la imagen introduccion al alfabeto visual. 7a ed. Barcelona: Gustavo Gili.
Torna-se porém evidente que cada vez mais estas fronteiras se diluem. É fácil reconhecer que em todo
o objeto ou representação visual útil há, ao menos em potência, uma dose de esteticidade, ao menos
no que respeita à originalidade (passível de acrescentar-se a todo o objeto fabricado). Ao mesmo
tempo, a funcionalidade nem sempre está ausente do objeto estético, quanto mais não seja porque a
imagem estética esteve primordialmente ligada às necessidades humanas essenciais e à comunicação.
O postulado de uma ligação decisiva entre as duas dimensões constituiu aliás o princípio fundamental
do construtivismo russo (associado ao socialismo revolucionário) e da Bauhaus alemã (ligada ao
reformismo social-democrata) – experiências artísticas que se desenvolveram paralelamente entre
1917 e 1920 e que se encontram ligadas pela ideologia comum do funcionalismo: “A arte deve saber
responder às revoluções da técnica e às novas exigências sociais, mas também deve manter-se fiel a
si mesma e eliminar assim o contraste entre estética e vida. A arte não evita, antes procura, a
contaminação com os materiais tecnológicos e com os métodos da produção industrial, submetendo-
se ao conceito de útil.” (Sproccati)7. É aliás deste tipo de concepções que nasce o Design, modelação
artística de objetos de uso e de produtos industriais, pacto entre a forma (gestalt) e a função de um
objeto, evolução da ideia de forma para a ideia de “formação” (gestaltung) ou “construção”. Esta
nova “gestaltung” está estreitamente ligada à função e ao dinamismo dos projetos; é uma arte útil e
comprometida.

O 2º critério é o CRITÉRIO SEMÂNTICO: aqui as imagens arrumam-se pelos seus níveis de significação:
encontramos, de acordo com esta arrumação, imagens monossémicas, polissémicas e pansémicas
(Jacques Bertin).8

Outros apelidos das imagens se ligam, em última instância, à questão da significação. Assim as
imagens a que chamamos figurativas, naturalizantes ou ainda pictográficas, por um lado e, por outro,
as imagens esquemáticas e abstratas. Ou ainda as imagens narrativas (que representam processos,
contêm vetores transacionais que ligam as personagens representadas e as hierarquizam), as
imagens conceptuais (que mostram e representam conceitos) e as imagens apelativas (que solicitam e
têm poderes, podendo estes ser estudados no âmbito de uma Iconocracia). Poderíamos ainda falar de
imagens analíticas e topográficas (como as paisagens aéreas de regiões geográficas que escalam as

7
SPROCATTI, Sandro (dir) (1999). Guia de história da arte. 4a ed. Lisboa: Presença.
8 BERTIN, Jacques (1977) La graphique et le traitement graphique de l’information. Paris: Flammarion.
relações físicas e espaciais e a localização dos elementos e geralmente utilizam uma distância média-
longa e um ângulo alto), que são também imagens esquemáticas, a que muitos chamam gráficas (tal
como os diagramas, as redes, etc.)

“[As imagens gráficas são] …projeções evidentes no espaço exterior dos nossos modelos mentais.
Elas provêm – e testemunham – a nossa aptidão para extrair esquemas das coisas, cenas e relações
percebidas, depois esquemas de esquemas, e agenciar esses elementos em simulações mentais do
real com diferentes níveis de abstração.” (Jean-Pierre Meunier)

As imagens esquemáticas possuem várias características e funções:

1) instrumentos de formalização dos conhecimentos

2) objetos de uma aprendizagem

3) meios privilegiados de figuração de conceitos científicos

4) elementos postos em relação com um enunciado verbal (ilustrações/paratextos)

5) auxiliares de memória

6) ingredientes obrigatórios no discurso científico e escolar

Em suma, através das imagens somos conduzidos a estabelecer com o mundo uma determinada
relação e é no interior dessa relação que certas representações se tornam credíveis ou não.

O 3º critério é o CRITÉRIO TÉCNICO-SENSORIAL (ou MORFOLÓGICO): Segundo ele, as imagens


diferenciam-se através de elementos que denunciam as suas características físicas, tais como o
formato, a trama, as cores, o traço, a mancha – e outros aspectos que se medem como grandezas e
que têm um carácter universal. É ainda sob este critério que encontramos diferenciadas categorias
que se prendem com o suporte, e bem assim com a matéria de expressão utilizados (pintura, cinema,
fotografia, …) ou marcadas as diferenças entre a imagem manual (artesanal) e a imagem técnica
(associada à reprodutibilidade) ou ainda entre as imagens únicas e múltiplas, fixas, animadas ou
cinéticas, isoladas ou integradas numa sequência. Este critério é um elemento de trabalho importante
para os gráficos e, em geral, para todos os produtores de imagens. Sobretudo, ele realça a
importância da questão técnica na imagem: esta última exige sempre, na verdade, uma técnica de
produção.
Finalmente, e a um outro nível, Isabel Calado faz uma proposta englobante de arrumação,
distinguindo:

1) As imagens que aderem à linguagem verbal das imagens que lhe resistem

2) As imagens que estabelecem uma relação com o real das imagens que se constróem como
funcionalidades operativas e que operam predominantemente a partir da imaginação

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