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ARTEFATOS VISUAIS FOTOGRÁFICOS

Possibilidades de uma inserção crítica nas práticas educativas


Laila Sampaio Lima
laila.sampaio@hotmail.com
Antenor Rita Gomes
antenorritagomes@gmail.com
Grupo de Pesquisa Cult-Vi – Uneb/DCH- IV

Resumo: Este artigo apresenta reflexões críticas a respeito dos artefatos visuais
fotográficos dentro da perspectiva da Indústria Cultural e da Cultura Visual nas práticas
educativas. Uma análise das ideias filosóficas da Escola de Frankfurt com Theodor
Adorno e do filósofo Martin Jesus Barbero fundamentam as reflexões que podem abrir
possibilidades de uma educação emancipatória, como foi defendida pelo educador
brasileiro Paulo Freire. Questionamos a respeito da utilização das imagens e suas
possibilidades na prática escolar levando a refletir se a educação estaria associada a uma
lógica de produção do conhecimento, a partir de uma cultura pré estabelecida pela
própria Indústria Cultural ou se, essas mesmas imagens quando reproduzidas, estariam
ancoradas no viés da Cultura Visual. Reflexões sobre leitura imagética, alfabetização
visual e formação docente. Por fim, as ideias apresentadas baseiam e dão sustentação ao
trabalho com imagens diante das perspectivas de produção, elaboração, disseminação e
consumo Um contexto importante e significativo que revelará que as visualidades
tornam-se ferramentas de produção de conhecimento dentro do contexto escolar.

Palavras Chave: Indústria Cultural, Cultura Visual, Práticas Educativas.

Abstract: This article presents critical analyses about photographic artifact and the
concepts of cultural industry, visual culture and its practices in the educational sector.
The philosophical ideas of Theodor Adorno from the Frankfurt School and the
philosopher Jesus Martin-Barbero underpin theories that support the idea of
emancipatory education, as backing by Brazilian pedagogue Paulo Freire. The article
raised questions about the use of images in the teacher and student practices. In this
context, education has been associated with a culture pre-defined by the cultural
industry as well as the technical reproduction has been associated with the premises of
the visual culture. Ideas about image reading, visual literacy and teacher training are
presented in order to explain the failure of educational system and its results in terms of
working with the image text. Finally, the ideas presented are based on image
manipulation in relation to the perspectives of its production, development,
dissemination e absorption. The visualisation process is therefore the most important
factor for the production of knowledge within the school environment.

Key words: Cultural industry, visual culture and educative practices.

1.0 UMA POSSÍVEL CRÍTICA SOBRE FOTOGRAFIA: DA DIMENSÃO


TÉCNICA À DIMENSÃO SIMBÓLICA

Historicamente, as imagens sempre tiveram um espaço representativo na


construção do pensamento social. Fazendo um breve retrocesso, desde as pinturas
rupestres que ilustram o modo de vida de nossos ancestrais até as fotografias de satélite
em alta resolução, percebemos como a sociedade e suas ideias foram construídas e
representadas a partir das imagens. Com a evolução tecnológica, a qualidade e as
possibilidades de reprodução dessas visualidades ganham terreno e força, atingindo
sujeitos das mais simples comunidades até moradores das grandes cidades,
independente de classe social. Nesse processo de evolução tecnológica, a fotografia
também está inserida. Quando surge pela primeira vez no século XIX pelas mãos do
francês Joseph Nicéphore Niécep, não se imaginaria que na contemporaneidade esse
artefato ganharia versões digitais com imagens cada vez mais precisas e em altas
resoluções.

As fotografias são imagens técnicas. São produzidas tecnicamente, mesmo por


quem não possui nenhum conhecimento teórico sobre fotografar. Quando fotografamos,
fazemos escolhas para a composição deste artefato. Existe então o que chamamos
instrumentalidade, onde são levados em conta elementos estéticos para se chegar a um
resultado final. Esse caráter técnico e objetivo faz com que nós observadores possamos
olhar como “se fossem janelas e não imagens. O observador confia nas imagens técnicas
tanto quanto confia em seus próprios olhos”(FLUSSER, 2002, p.20).

Essa condição da imagem técnica, na qual a fotografia está inserida, cria a falsa
noção de que elas não necessitam ser decifradas. Seu significado estaria impresso de
forma perceptível e rapidamente scaneada aos nossos olhos. As representações de
mundo, postas e evidentes, reveladas por processos químicos e óticos sobre as
superfícies apresentam-se de maneira que a fotografia ganha também um caráter
objetivo. Nesse sentido, nós observadores tendemos a confiar nessas imagens tanto
quanto confiamos nas nossas verdades. Uma confiança no mínimo perigosa, pois, em se
tratando de imagens, estamos diante de um universo de símbolos e representações. Essa
cegueira nos distancia da percepção crítica que podemos ter quando estamos diante
desses artefatos. As fotografias, imagens criadas tecnicamente, se inserem neste espaço
e com certeza, são tão representativas como toda e qualquer imagem. Devem ser
consumidas e decifradas por quem deseja captar seu significado. Logo, a imagem
fotográfica emerge do campo técnico para o campo simbólico. Suas narrativas visuais
permitem leituras plurais onde a imagem se configura símbolo. Reverberam
mensagens, textos e produzem sentidos que permitem aos sujeitos interpretações das
mais diversas possíveis, pois:

(...) são elas símbolos extremamente abstratos: codificam textos em imagens,


são metacódigos de textos. A imaginação qual devem sua origem, é capacidade
de codificar textos em imagens. Decifrá-las é reconstituir os textos em que tais
imagens significam. Quando as imagens técnicas são corretamente decifradas,
surge o mundo conceitual como sendo o seu universo de significado. O que
vemos ao contemplar as imagens técnicas não é o mundo, mas determinados
conceitos relativos ao mundo, a despeito da automaticidade da impressão do
mundo sobre a superfície da imagem. (FLUSSER, 1985, p. 10)

Existe uma diferença basilar entre a fotografia e as imagens tradicionais.


Pensemos, por exemplo, na imagem produzida por um pintor. O agente humano elabora
símbolos e os transfere para o plano, através do pincel. Temos discernimento do “passo
a passo” daquele agente humano na produção da imagem. No caso da fotografia,
existem caminhos a serem percorridos por onde também passa a posição do fotógrafo
enquanto agente humano, que estabelece escolhas naquilo que deseja fotografar, ou seja,
nas representações e símbolos que deseja por em imagem. Este mesmo agente humano é
o operador da técnica de manipular aparelho, programado tecnicamente para revelar a
imagem. Não sabemos como se processa esse fenômeno no interior da caixa preta. Não
conhecemos o que chamei anteriormente de “passo a passo” na produção da fotografia.
Apenas o click não responde. Atrelado a isso, programas de computadores fornecem ao
fotógrafo condições de alterar significativamente a percepção estética da imagem
produzida. Recursos que autorizam o fotografo “brincar” com a imagem e dar a
fotografia contextos e leituras que desejar. Nesse sentido, há um desconhecimento
nosso desse processo, onde espaços vazios vão tentando ser preenchidos a partir do que
chamamos de crítica da imagem técnica. “Toda crítica da imagem técnica deve visar o
branqueamento dessa caixa” (FLUSSER, 1985).
Contudo, apesar dessa percepção de que estamos nos debruçando sobre uma
imagem técnica e da necessidade de decifrar como acontece o processo de produção da
fotografia, não podemos fugir da ideia de que, como toda imagem, a fotografia exerce
fascínio mágico sob o observador que, projeta e consome o mundo através delas.
Fascínio esse que nos distancia da percepção crítica dessas imagens e nos deixa
“imobilizados” quanto ao não discernimento e esclarecimento dos pronunciamentos que
a imagens tem. Esse encantamento das fotografias e sua relação com o consumidor está
diariamente ao nosso alcance, pois, a distribuição fotográfica é diluída principalmente
nos meios de comunicação em massa que se valem dos seus espaços pensados e
programados para alcançar um maior público possível. Grupos e meios de comunicação
utilizam-se das fotografias para os mais diversos fins, atendendo aos mais diversos
interesses. São pensadas e direcionadas para o público ou determinados públicos.
Instantaneamente nos alcançam e nos seduzem simbolizando vivencias, tendências,
cultura e vida cotidiana.
É nesse contexto que a fotografia se insere como artefato da Cultura Visual. Ela
é um dos recursos que esse movimento de estudo das visualidades contemporâneas
propõe como leitura de mundo através das imagens. Cada dia mais acessíveis e
populares através dos dispositivos tecnológicos, esse artefato ganhou um caráter popular
onde, atualmente, qualquer sujeito faz, produz e distribui fotografia. É utilizada para
qualquer fim e qualquer objetivo, sejam eles construtivos ou não. É um artefato social e
cultural que adere simbolicamente a qualquer pauta, proposta ou ideologia através das
imagens.
Cientes de que estamos diante de um recurso cultural carregado de possíveis e
diversas leituras, inferimos que a fotografia é também um texto imagético e por isso, ela
se enquadra nos pressupostos básicos da teoria da comunicação: emissor x receptor. No
momento em que a observamos, fazemos correlações, interpretações e intelecções que
nos posicionam em determinados espaços simbólicos que a imagem, através dos seus
“pronunciamentos visuais” (SILVA, 2013, p.06) nos possibilita. A propósito, a
expressão destacada se configura como o entendimento entre a imagem produzida e a
interpretação que damos a ela. Produzimos sentidos, fazemos inferências, interferências,
nos conectamos com nosso conhecimento de mundo e estabelecemos diálogos com a
fotografia. Ora, se afirmamos que a imagem foi produzida, por certo que alguém o fez,
com algum propósito ou alguma intenção. Partindo dessa afirmação e considerando que
a fotografia, artefato importante da Cultura Visual é também, como dito anteriormente,
confeccionada, pensada com intenções pré estabelecidas e aderências diversas,
podemos direcionar nossas reflexões para um conclusão de que as fotografias expostas e
produzidas nos/pelos meios de comunicação em massa, estão tencionadas a obedecer
um formato para esses grupos que produzem as culturas, as verdades, as mentiras, ou
seja, operam pelas imagens o nosso modus vivendi. Estariam então, essas fotografias,
inseridas em um processo de encantamento mágico, formando nossas ideias? Estamos
então, a mercê dos meios de comunicação e de grupos específicos que se utilizam
dessas fotografias para fins pré estabelecidos?

2.0 INDÚSTRIA CULTURAL E CULTURA VISUAL: ALGUMAS REFLEXÕES

Alguns questionamentos a respeito dos conceitos abordados, diante de uma


perspectiva crítica sobre Indústria Cultural, Cultura Visual, e suas relações de poder, são
pontos que, ao mesmo tempo em que norteiam ideias quanto ao consumo da cultura e
suas representações, levantam outros posicionamentos contextualizados com a área da
Educação, no sentido de correlacionar essas teorias com as práticas educativas. De fato,
o que é a Indústria Cultural? Como se representa e em que consiste essa indústria? Em
qual mercado ela se insere e disponibiliza seus produtos? Como essa cultura
“industrializada” se mostra nos meios e nas práticas escolares?

A partir da década de 30 do século XX, uma nova concepção de estrutura


familiar começa a ser desenhada. As referencias paternalistas redimensionam-se de
modo que essa figura perde a vértice de referencia. Esta mesma família passa a ser
observada dentro de um novo contexto, onde “processos anteriormente vinculados ao
núcleo familiar tendiam a ser operados pelo setor mais economicamente organizado da
cultura.”(SAFATLE, 2013). A cultura passaria agora a ser a explicação e razão das
novas relações, reflexões e ideologias neste meio familiar. E sendo a família uma
estrutura social, essa nova conjuntura reflete diretamente na sociedade como um todo.

Como se deu todo esse processo? Como se chegou a essa conclusão? Partiremos
agora das reflexões de Adorno sobre “Indústria Cultural”, as quais ele encaixa duas
linhas de entendimento: a primeira diz que essa nova força unifica as relações sociais,
suas dinâmicas e submissões ideológicas a partir da cultura, e para tanto, fez- se
necessário que essa mesma cultura se mostre de maneira unificada, em um sistema
único de produção sendo “despejada” através dos meios de comunicação. Estes estariam
submetidos à uma linha ideológica dos seus detentores e as “mesmas lógicas de
produção”(SAFATLE,2013).

O segundo pensamento de Adorno diz que a produção da cultura se transformou


em um forte setor da economia. Paralelo a isto, a cultura atravessa transformações e
mutações como também ganha uma aderência na valorização do capital e dentro dele. A
cultura ganha um papel econômico decisivo.

A partir dessas duas linhas de pensamento, podemos então afirmar que a


manutenção das relações sociais, suas esferas e suas relações dialéticas estão
fundamentadas em uma intenção meramente capitalista? Aparentemente sim. A ideia de
Adorno nos possibilita crer que nossos meios de produção culturais, assim como os
objetos produzidos não se concretizam de forma espontânea ou livre. Estão de certa
forma postos e manipulados pela Indústria Cultural. Porém, Safatle (2013) aprofunda a
ótica adorniana, quando diz que a força da Industria Cultural “vem da sua capacidade em
administrar o desencanto com a própria Indústria Cultural, em gerir a insatisfação” , ou
seja, o seu poder não está na imposição dos seus produtos, mas na produção e gestão de
elementos que geram o desencantamento e o insucesso da Industria Cultural. Nada mais
“astuto” para a manutenção deste poder.

Refletindo ainda sobre esses conceitos de “Indústria Cultural”, podemos então


chegar a uma afirmativa: essa indústria produz. Essa produção, necessariamente, precisa
ser consumida e disseminada. Mas por quem? Como se mostram essas estruturas
sociais? Quem são elas e como podemos defini-las?

Segundo Barbero (1997) o conceito de povo tem uma noção política em


instancia de soberania ao governo civil, uma “condição de possibilidade de verdadeira
sociedade”, uma estrutura macro fundadora não só da democracia, mas do nascimento
do Estado Moderno. Dentro dessa premissa, Barbero mostra que esse mesmo povo
fragmenta-se em classes e que delas, partem ideologias imbricadas em relações de poder
que fomentam relações sociais internas e externas.

Barbero (1997) avança afirmando que nem o povo e nem as classes desenham o
mundo contemporâneo no que diz respeito ao consumo da cultura. Revela então o
conceito de massa: um fenômeno psicológico pelo qual os indivíduos, por mais diferente
que seja seu modo de vida, suas ocupações ou seu caráter, "estão dotados de uma alma
coletiva que lhes faz comportar-se de maneira completamente distinta de como o faria
cada indivíduo isoladamente”. Ou seja, a massa é composta por sujeitos individuais,
compostos de consciência e liberdade, que , por serem dotados dessas características
mencionadas, revelam-se sujeitos subjetivos e por que não, complexos. Porém, quando
reunidos em esferas de coletividade emanam um perfil diferenciado. Logo, podemos
dizer que em se tratando de sujeito em corpo único, temos uma apresentação e, quando
esse mesmo sujeito, envolvido com demais outros, compõe o que chamaremos de
massa, ecoando outras vozes. A voz da massa. Essa massa, segundo Barbero, ganha
força e promove uma nova ideia de cultura, em um processo de disseminação de um
novo estilo de vida.

Esse novo estilo de vida reflete sobre como a massa vive essas novas “condições
de existência”, terreno fértil para o nascimento da então a chamada cultura popular, que
agora passa a ser observada em suas formas de produção e consumo. Hoje, essa função
mediadora dessa cultura popular é feita pelos meios de comunicação de massa:
televisão, internet, rádio, publicidade, etc. Nesse sentido, a fotografia se insere como
instrumento mediador desses meios de comunicação com a grande massa. A imagem
fotográfica emerge como produtora de cultura e/ou como mecanismo de condução das
massas.

Ora, se começamos esse texto refletindo a respeito da fotografia enquanto


artefato social, qual seria então a relação entre esta cultura fotográfica das imagens
denominada popular com a Indústria Cultural? Voltemos então ás ideias de Adorno,
quando dizia que a produção e consumo da cultura estão também a serviço de um poder,
de um “sistema”. É necessário educar as massas para o consumo. “Em 1919, dizia um
magnata de Boston: "A produção em massa exige a educação das massas; as massas
devem aprender a comportar-se como seres humanos num mundo de produção em
massa. Devem adquirir não apenas a simples alfabetização, e sim uma certa
cultura”(BARBERO, 1997)

Esse contorno dominante e impositivo desse “sistema” nos leva a concluir que
também cultura popular advém da relação entre os interesses econômicos do
capitalismo e de uma sociedade civil, que para sua sobrevivência, defende a alienação
do pensamento. Uma força que reflete a cultura como ferramenta e manutenção de
poder. Essas relações de poder possuem um caráter teleológico: o consumo pela massa.

Diante desses conceitos e reflexões, partiremos agora para as relações possíveis


entre a Cultura Visual e a Indústria Cultural, no que diz respeito as suas possibilidades
de práticas educativas.

3.0 FOTOGRAFIA, CULTURA VISUAL E INDÚSTRIA CULTURAL:


POSSIBILIDADES NA EDUCAÇÃO

A Cultura Visual surge a partir da necessidade de estudar o mundo


contemporâneo a partir das visualidades. Abre caminhos para o consumo do visual
como forma de buscar a informação, o significado e o prazer pelos dispositivos
tecnológicos. Segundo MIRZOEFF, (2003) a “Cultura Visual explorará as
ambivalências, interstícios e lugares de resistência na vida cotidiana pós-moderna do
ponto de vista do consumidor”.

A imagem agora é a representação desse mundo moderno que é difundido nos


meios de comunicação de massa. E a reprodutibilidade técnica dessas imagens
configuram uma característica importante no conceito de Cultura Visual. Aliás, talvez
seja o ponto mais importante para conceituarmos essa nova ideia: para serem
consideradas imagens ancoradas na perspectiva da Cultura Visual, essas imagens
necessariamente devem estar super expostas pelos meios.

Seria então, a Cultura Visual um estudo da história das imagens? Ou seria uma
área de estudo da imagem? SARDELICH (2006) indica que não. Não se trata de uma
disciplina acadêmica, nem do estudo da história da imagem na humanidade. Mas uma
tendência em visualizar a existência, pois “o visual é um lugar sempre desafiante de
interação social e definição em termos de classe, gênero, identidade sexual e racial”
(p.20).

Esse indicativo de que a Cultura Visual interessa-se pelo contemporâneo nos faz
questionar quanto às obras de arte clássicas, que de certa forma, apresentam-se como
objetos também visuais. Estariam elas também dentro desse contexto? Benjamim (1987)
traz essa explanação quando compara uma obra de arte com a fotografia. Em suma, ele
as diferencia indicando que a obra de arte possui uma “aura”, aquilo que a coloca numa
posição de singularidade, com características únicas que nenhum outro objeto tem,
assim como valores atribuídos a ele. Porém, se esta mesma obra de arte for reproduzida
tecnicamente e exposta pelos meios de comunicação de massa, estas sim, estarão
inseridas no contexto da Cultura Visual.

Fazendo uma correlação com o contexto escolar e acreditando que a escola é


atualmente considerada um ambiente propício para produção e disseminação cultural,
tentaremos a partir de agora refletir quais as possíveis correlações entre esses conceitos
e as práticas educativas, no sentido de trazer esse trabalho com fotografias para o meio
escolar.

A imagem sempre foi um artefato muito utilizado por educadores nas suas
práticas educativas. Não raro, ouvimos relatos de docentes e discentes que estiveram
envolvidos e expostos a imagens como fonte de conhecimento de disciplinas através de
fotografias, do cinema, pinturas, dentre outros.

Frequentes mudanças no meio educativo, discussões sobre a o valor do texto


escrito e texto imagético e a inserção dos recursos midiáticos e tecnológicos na sala de
aula levantaram alguns questionamentos sobre a real função pedagógica das fotografias
para o meio escolar. Estariam elas de fato educando? Ou estariam apenas servindo como
mero objeto ilustrativo das aulas? Os docentes estariam utilizando-as de forma além do
previsto, ou limitando esses recursos por falta de formação e orientação?

Faremos agora algumas considerações importantes para tentar ilustrar esse


problema. A educação, para que seja de fato emancipatória, ela precisa necessariamente
ser significativa. E para que isso aconteça, as esferas sociais dentro e fora do ambiente
escolar precisam olhar para uma nova proposta de educação que desenvolva o senso
crítico dos sujeitos, descolonizando os pensamentos, tornando-os seres livres. Não se
pode mais conceber o que Paulo Freire (1986) chamou de educação “bancária”, onde o
professor figura-se como detentor do saber e deposite em seus alunos o que eles
mesmos consideram o “conhecimento”. Ou seja, não existe uma prática dialógica,
configura-se uma educação monológica.

Em tempos de internet, redes sociais, mídias e novas tecnologias, não podemos


mais fechar os olhos e negar o fato de que nossos alunos estão envolvidos nesse referido
meio. Chegam às escolas e às salas de aula “contaminados” nessa perspectiva dos meios
de comunicação. Estão a todo momento conectados aos elementos da Cultura Visual,
mesmo que, em sua grande maioria, nem tenham conhecimento real disso e até não
saibam do que realmente se trata.

Ora, se enquanto profissionais da educação temos a plena consciência disso, por


que não trazer essas fotografias para as práticas escolares como forma de desenvolver a
cognição, o senso crítico e por consequência, emancipar nossos alunos? Como esses
recursos visuais auxiliariam então o docente e o discente nesse sentido? É a partir
desse problema que defendo a ideia de que a leitura dessas imagens fotográficas
atrelada aos conceitos de Indústria Cultural, Cultura de Massa e suas relações de poder
abrem os caminhos para propostas pedagógicas eficientes e eficazes.

Mas, como conceituar “leitura de imagens”? Puxando para nosso objeto de


estudo: como ler fotografias? Podemos ensinar nossos alunos a lerem essas imagens? O
que elas dizem e como dizem? O termo “pronunciamento visual” (SILVA, 2006, p. 6)
citado anteriormente, nos ajuda a compreender melhor sobre esse diálogo entre a
imagem produzida e a interpretação da mesma. Esse pronunciamento visual só é
possível quando ocorre o que HERNANDEZ (2006) vai denominar de “acontecimento
visual”: o encontro e o contato do sujeito com a imagem. Essas fotografias podem ser
fontes carregadas de valores morais, éticos, documentais, reflexões a respeito de temas
diversos como gênero, sexualidade, sociedade, dentre tantos outros, todos passiveis de
uma hermenêutica visual.

Um educador mais atento ao contexto das vivencias dos seus discentes vai
perceber que fotografias, das mais diversas pautas, fazem parte do dia a dia deles. Isso
se mostra nos programas de televisão e suas propagandas que assistem, nas redes sociais
das quais fazem parte (facebook, instagran, whatsap, twitter), vestimentas, jogos, dentre
outros artefatos. Para isso, é necessário que estejamos conectados com esse meio para
sabermos aproveitar essas ferramentas e transforma-las em possibilidades de trabalho
pedagógico que refletirão no que chamei anteriormente de “aprendizagem
significativa.” (GOMES, ...) Nesse sentido, o contato com o visual se configura uma
ação de conhecimento que se internaliza nos sujeitos, pois:
Las situaciones de enseñanza también favorecen el aprendizaje, sobre todo,
cuando están bien articuladas; pero en cualquier circunstancia sólo ocurre
verdaderamente el aprendizaje cuando la actividad es signifi cativa, cuando la
experiencia es “encarnada”. (...) El acto de enseñar es externo y su acción no
asegura abordar al sujeto en esta intencionalidad, siendo ésta la intención del
educador. Pero el aprendizaje, a su vez, lo es; en el sentido que se produce un
encuentro con el conocimiento que se procesa en el interior de lãs personas. A
partir de este momento, la relación entre lectura de los visual y el aprendizaje
signifi cativo se activa pues el texto visual favorece el desarrollo de la
experiencia en el nivel del significado personal. (GOMES, 2012, p. 140)

Voltamos agora aos conceitos de Cultura Visual, Indústria Cultural e relações de


poder. Sabemos que a escola é, de longe, um espaço representativo de produção e
disseminação de cultura, logo, de conhecimento. Dentro do espaço escolar, as
possibilidades são diversas, pois nele estamos diante de uma conjuntura que refletem
pensamentos, opiniões, posicionamentos críticos variados.

Se, propomos uma discussão na utilização dessas fotografias super expostas


pelos meios como ferramenta pedagógica, estaríamos então reproduzindo os interesses
mercadológicos, ideológicos e capitalistas da Indústria Cultural na sala de aula? Até que
ponto nosso objetivo de desenvolvimento cognitivo e de senso crítico assim como o de
emancipação dos sujeitos estariam sendo alcançados? FREIRE (2011) diz que “cultura é
tudo aquilo criado pelo homem, consiste em criar e não repetir.” A Cultura Visual, a
partir das suas premissas de reprodutibilidade das imagens, não estaria dizendo o
contrário e de certa forma, ancorada à Industria Cultural? E as relações de poder? Elas
podem se configurar dentro do ambiente escolar que deveria ser democrático? Como
então reconfigurar o trabalho pedagógico com fotografias, sem se deixar que a polifonia
desses elementos colonizem os pensamentos e as ideias docentes e discentes?

Continuo ainda com FREIRE (1986) quando afirma que “A prática docente
crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o
fazer e o pensar sobre o fazer.” A partir dessa ideia é que defendo que a prática docente
na utilização de imagens fotográficas deve partir da orientação de inferências e
interferências. O fazer docente “para realizar novas mediações, novas interseções.
Mediar uma relação que já é mediada. Procurar dar sentido ao que já vem marcado por
um sentido posto.” (GOMES, 2008).

Esse sentido posto ao qual GOMES (1998) se refere pode se configurar como
aquilo que está explícito, claro, diante dos olhos, o óbvio. Porém, a leitura das imagens
fotográficas invade uma outra configuração, naquilo que só as correlações, o
conhecimento de mundo do leitor, o contexto da elaboração da imagem (histórico,
geográfico, social, etc) revelam. É nesse espaço que a prática docente entra como
articuladora e mediadora, nesse processo de intelecção, desbravando essa “floresta” de
símbolos que é o mundo das imagens, capitando assim as intenções dos
pronunciamentos visuais. Planos de aula, projetos e propostas podem ser pensados. A
fotografia ganha então uma aderência simbólica nas práticas escolares. Ela ganha uma
serventia educativa.

5.0 INDÚSTRIA CULTURAL E CULTURA VISUAL NA EDUCAÇÃO:


POSSIBILIDADES FORMATIVAS PELAS IMAGENS FOTOGRÁFICAS

Outra reflexão: é pertinente e extremamente necessário que os conceitos de


Indústria Cultural e Cultura Visual e suas relações de poder sejam trabalhados com os
professores desde a sua formação (refiro-me aí também aos cursos de licenciatura) até a
sua formação continuada. Mas por que?

As possibilidades de práticas escolares com as imagens fotográficas são muitas.


E o seu caráter interdisciplinar é muito claro, já que estamos diante de um mundo de
representações e símbolos diversos. Não podemos, enquanto educadores, reproduzir
discursos prontos, embutidos, que estejam a serviço de A ou B. Pelo contrário. Nossa
prática docente deve estar a serviço de desenvolver o senso crítico dos nossos alunos,
descolonizando pensamentos e ideias, tornando-os seres autônomos, capazes de
discernir. Portanto, o conhecimento e disseminação desses conceitos permitirá ao
professor uma certa “malícia interpretativa”, uma desconfiança, onde o olhar passa a ser
descentralizado, contextualizado e significativo.

Essa desconfiança significa dizer que nem tudo que está exposto na imagem é o
seu fiel discurso. Pode ser o contrário. Nesse processo de leitura das imagens, outros
conceitos, discursos, vozes e ideologias podem ser capturados, realizando o que
GOMES (2008) chama de “preenchimento de vazios semânticos”. O resultado dessa
atividade semântica é a fundamentação do nosso projeto de pesquisa que investiga a
fotografia enquanto aderência simbólica em pautas de exclusão. A fotografia ganha um
caráter, uma serventia. No caso, uma serventia para a educação, proporcionando uma
verdadeira mudança no fazer e pensar docente, que, refletirá em resultados positivos não
apenas nas atividades didáticas, mas na reflexão a respeito do valor simbólico dessas
imagens fotográficas para a escola, construindo uma educação independente e
libertadora.

6.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fotografia é um artefato cultural contemporâneo de grande socialização e


mobilização. Seu contexto de produção, seu caráter técnico e percepção estética não a
exime de ser também analisada pelos vieses da leitura de imagens e suas representações
simbólicas. Independente de serem superfícies tecnicamente pensadas e reproduzidas, a
fotografia dialoga diretamente com contextos e pautas importantes para a educação,
espaço social e cultural inserido no contexto da diversidade.

Os conceitos de Indústria Cultural, Cultura Visual e suas relações de poder


fundamentam e dão sustentação ao trabalho com imagens fotográficas diante das
perspectivas de produção, elaboração, disseminação e consumo destas. Uma base
importante e significativa que revelará, com certeza, que as visualidades tornam-se
ferramentas de produção de sentidos, de conhecimento e dentro do contexto escolar
apresenta-se como possibilidades educativas que reformulem o fazer e pensar docentes,
inovando suas práticas e derrubando as barreiras do tradicionalismo engessado em que
se encontra a educação.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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