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Ensaio sobre a

processualidade
Fundamentos para uma nova
teoria geral do processo
Ada Pellegrini Grinover

la edicáo - 2016
O Gazeta Jurídica Editora e Livraria Ltda M E

Dados Internacionais de Catalogacáo na Publicacáo (CIP)


(Ciimara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Grinover, Ada Pellegrini


Ensaio sobre a processualidade : hndamentos para urna nova
teoria geral do processo / Ada Pellegrini Grinover. -- Brasília, DF:
Gazeta Jurídica, 2016.
Bibliografia.
ISBN 978-85-67426-44-0
tnsaio Sobre a
1. Acesso a justiqa 2. Procedimento (Direito) 3. Processo
(Direito) 4. Processo (Direito) - Brasil 5. Solucáo de conflitos 6.
processualidade
Tutela processual 1.Título.
16-06489 CDU-347.9
Fundamentos para uma nova
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teoria geral do processo
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Brasília
IMPRESSO NO BñASIL / printed in Brazil 2016
A Oskar von Bülow
o grande inovador
do direitoprocessual' do séc. XIX
INTRODUCAO............................................................... 1
1 DA PROCESSUALIDADE................................. 11
11 SOLUCAO DE CONFLITOS E TUTELA
PROCESSUALADEQUADA............................ 31
111 ACESSO A JUSTICA .......................................... 73
IV ORDENAMENTOJURÍDICO - NORMA E
JURISPRUDENCIA.............................................. 8s
V DA NORMA: PRINCÍPIOS E REGRAS
- PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E
ENDOPROCESSUAIS ........................................ 93
VI INTERPRETA@O DA NORMA
- INTERPRETA@O EVOLUTIVA ................... 109

VI1 A POSICAO DO JUDICIÁRIONO ESTADO


DEMOCRATICO DE DIREITO: FUNCÁO
DE CONTROLE, EQUILÍBRIO E
GARANTIA ........................................................ 121
VI11 JURISPRUDENCIAE PRECEDENTE
VINCULANTE ................................................. 131
IX EFEITO PRECLUSIVO DA COISA
JULGADA. INDIVIDUACAO E
SUBSTANCIACAO.CONCENTRACAOE
DESCONCENTRACAO................................... 163
A

X APENDICE......................................................... 179
T enho o prazer de apresentar um ensaio, em 10
capítulos, sobre a processualidade, examinada
A luz de uma nova visáo que engloba processo e
procedimento.
Qual o norte dos escritos? O estudo do direito
processual a partir da análise de um campo específico
da realidade social para determinar a melhor resposta
processual para a crise de direito em jogo. Isso significa
examinar os conflitos que existem na sociedade,para chegar
A tutela processual adequada. E como a tutela processual
adequada, em última análise, se perfaz por intermédio do
procedimento adequado, nesses trabalhos o procedimento
assume uma nova dimensáo, sendo, ao lado do processo,
instrumento para o atingimento da pacifica~áo.
Falamos em tutela processual e náo em tutela
jurisdicional, porque, assim como a jurisdi~áo hoje,
em nossa visáo, náo se restringe A estatal e i arbitral -
abrangendo os meios consensuais de solu~áode conflitos
- ela é sobretudo garantia do acesso a justifa. Enquanto
o processo administrativo em contraditório - embora
náo jurisdicional - tem natureza processual e também é
Ada Pelleqrini Grinover

instrumental a solucáo de conflitos, mas náo tem a ver com característica de verdadeiro dogma e, ao mesmo tempo, a
o acesso a justica. Nele há processo, mas náo há jurisdicáo. concepcáo restritiva de só poder acompanhar a sentenqa
oriunda de cogniqáo profunda e exauriente, uma vez que
Desses pressupostos metodológicos, surge a
a mesma estabilidade reveste outros pronunciamentos
necessidade de reestruturar os conceitos clássicos dos
judiciais que - segundo alguns - náo fazem coisa julgada.
institutos fundamentais do direito processual: a jurisdifáo
Quanto a inércia, depende ela exclusivamente do sistema
náo pode mais ser definida como poder, funcáo e atividade,
processual adotado, podendo haver situacóes em que a
pois na justica conciliativa náo há exercício do poder. Ela
jurisdicáo estatal se automovimenta, como também ocorre
passa a ser, em nossa visáo, garantia do acesso ajastifa, que se
no Brasil. Assim como pode automovimentar-se a justica
desenvolve pelo exercício defunfáo e atividade respeitadas
conciliativa.
pelo corpo social para a solucáo de conflitos (conforme
elementos do ordenamento jurídico) e legitimada pelo A afáo, por suavez, torna-se cadavez mais abstrata,
devido processo legal. Seu principal escopo social é a pois sáo processo e procedimento instrumentais ao direito
pacifica~áocom justica. E esta se atinge por intermédio material, e náo ela. Perde sua centralidade no sistema, pois
do processo eprocedimentos adequados, que levam a tuteZa pode haver jurisdisáo sem acáo. Transforma-se em apenas
jurisdicional adeguada Por outro lado, as características num dos tantos meios utilizáveis para o acesso Zi justica. E
essenciais da jurisdicáo náo podem mais ser detectadas i assim institutos já conhecidos (como a própria acá0 penal,
segundo a doutrina clássica: náo há Zide najustica conciliativa, a reclamacáo aos tribunais superiores e a antecipacáo da
1

assim como náo há lide no processo penal e no processo prova fora da situacáo de urgencia do CPC, que escapam
civil necessários; tampouco há substitutividade na justiqa do conceito clássico de acá0 (em que alguns se esforcam por
conciliativa, e é uma ficcáo a ideia de que o juiz se substitui 1
enquadrá-los) podem ser examinados fora dos esquemas
a vontade das partes, que náo souberam ou náo puderam se tradicionais do instituto. Mas o estudo da acá0 foge aos
autocompor: a vontade das partes é despicienda em todos limites deste ensaio.
os casos de processos necessários, penais e náo penais,
l Há também mudancas no princqio dispositivo, -
motivo pelo qual náo se pode falar em substitui~áo,e é
em face - de um lado - dos poderes ampliados do juiz -
enfraquecida no novo processo civil cooperativo. Sem falar
sobretudo, mas náo só, nos processos coletivos - e, do outro;
que na justiqa conciliativa ninguém se substitui A vontade
dos poderes das partes, numa nova simbiose entre público e
das partes, que constroem, pelo consenso, a solugáo que
privado, que ainda suscita debates estéreis.
desejam para o conflito. A djfinitividade, por sua vez, náo é
prerrogativa da jurisdicáo, pois a preclusáo administrativa Velhas polemicas em torno da teoria unitária e
também leva a um grau de imunidade comparável ao da teoria dualista do processo ficam superadas diante da
da coisa julgada. E a própria coisa julgada perdeu sua percepcáo de que há processos que simplesmente aplicam
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

o direito material, e processos que criam o direito, como mais uma simples técnica a serviqo da conduqáo do processo,
no precedente vinculante e em matéria de políticas mas se torna um instrumento - tanto quanto o processo
públicas. E aqui ressurge o estudo da funqáo criadora - para o atingimento da tutela adequada (jurisdicional ou
dos tribunais, escapando também do velho esquema que náo). E aqui avulta a importancia de examinar também
considerava a jurisprudencia mera interpretaqáo. Claro o processo administrativo, seja sancionatório, seja aquele
que a caracterizaqáo da jurisprudencia como interpretaqáo em que há litigantes. Nessa ampla visáo, a processualidade
ou como fonte do direito processual depende de cada abarca também o processo legislativo, que é procedimento
ordenamento, mas náo se pode desconhecer a cada vez em contraditório (de natureza política) embora náo esteja
mais forte vinculaqáo existente entre civil law e common ligado ao acesso i justica (jurisdiqáo). Mas também visa i
law, discutindo-se hoje se ainda se pode falar em duas soluqáo de conflitos, como escolha e regulaqáo normativa
famílias distintas. E, a propósito de ordenamento jurídico, para reger as controvérsias.
fala-se correntemente nele (o novo Código de Processo
E m suma, a processualidade compreende a
Civil chega a utilizar a expressáo em diversos dispositivos,
jurisdifáo, tal qual espécie e genero. E a jurisdifáo é
em substituiqáo ao termo "lei"), mas pouco se fala em
conceituada como garantia de acesso a justiga para a
suas conceituaqáo e características e, sobretudo, em seu
solu~áode confEios, utilizando seus instrumentos - processo
conteúdo.
e procedimento - na busca da tutela jurisdicional justa e
O que resta aparentemente incólume é a defesa, adepuada e da paczjca~áosocial.
reforqada pelos princípios e regras constitucionais e legais
O que se pretende fazer, com essas ideias, é
e os das convenqóes internacionais sobre direitos humanos,
deitar os fundamentos de uma nova Teoria Geral do
embora ela também esteja submetida - e eventualmente
Processo, ? luz
i de conceitos que correspondam i renovaqáo
mitigada - a um método de interpretaqáo pouco estudado:
de institutos e técnicas adotados pela processualística
o evolutivo.
contemporiinea. O u seja, penso que até agora o discurso
Por seu lado, a conceituacáo de processo como náo foi levado até o fim e dou um único exemplo: o acesso
relaqáo jurídica processual confunde o conteúdo do ajustifa foi analisado profundamente, mas náo se percebeu
processo com sua natureza. 0 processo contém a relaqáo que ele deve integrar o próprio conceito dejurisdifáo, sendo'
jurídica processual, mas náo é a relaqáo jurídica processual. o elemento fundamental que a distingue, como espécie do
Processo é procedimento em contraditório (e o conceito de gtnero processualidade.
contraditório é indissolúvel dos poderes, deveres, faculdades
O modelo utilizado para tratar a Teoria Geral do
e 6nus existentes na relaqáo processual, de modo que essa
Processo - assim como a processualidade, nestes estudos -
conceituaqáo a abrange). Sendo assim, oprocedimento náo é
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

só pode ser o método indutivo, aqui abandonado somente por ela, confrontar os conceitos e institutos processuais
quando se trata de análises teóricas que precedem as clássicos, normalmente transmitidos em aulas, com um
conclusóes. Pois é a partir do método indutivo, examinando enfoque que os revisita, tirando suas próprias conclusóes.
as características de cada processo e procedimento utilizado Minha grande esperaya, porém, é que esse ensaio, escrito
para a solucáo de conflitos diversos, que é possível extrair na maturidade, possa inspirar a promissora geracáo de
os princípios gerais que regem cada disciplina processual. jovens processualistas para a elaboracáo de urna nova
Só assim se pode construir uma verdadeira teoria geral do teoria geral do processo, que revisite seus fundamentos
processo e do procedimento, que nada mais é do que um conceituais, que só podem ser completamente diferentes
1

método de estudar todas as facetas do direito processual, A daqueles tracados há mais de um século atrás.
luz da Constituicáo e do ordenamento jurídico como um
todo, tendo como objetivo a busca da tutela adequada e Ada Pellegrini Grinover
a indicacáo dos verdadeiros princípios gerais aplicáveis a
todas as disciplinas processuais.
Quanto i sistemática adotada nos trabalhos ora
apresentados, evitaram-se as referencias bibliográficas,
até porque no atual estágio da ciencia processual parece
que tudo foi dito e redito; os nomes mencionados entre
parenteses destinam-se a salientar posicóes realmente
significativas ou que representem importantes linhas
de pensamento. Tampouco houve preocupacáo com a
transcricáo de artigos de lei ou de acórdáos específicos,
indicando-se apenas o dispositivo e os dados do acordáo,
quando estritamente necessário. E náo houve cuidados com
a hornogeneidade da extensáo de cada capítulo, pois alguns
tratam de temas amplos, que se subdividem em múltiplos
aspetos, enquanto outros, mais sucintos, sáo dedicados a
assuntos mais pontuais.
Evidentemente, por tudo isto, esta obra é destinada
precipuamente a especialistas e a pós-graduandos, mas
o estudante de graduacáo mais curioso e crítico poderá,
1. Direito material e direito processual

E
indiscutível a integras50 do direito material e do
instrumento criado para concretizá-lo - o direito
processual. Assim como é indiscutível a ideia de
instrumentalidade do processo, pois a crise de direito que
surge quando a norma de direito material é descumprida
- ou, por tratar-se de direitos indisponíveis, quando
náo pode ser voluntariamente cumprida - é necessário
recorrer ao direito processual. Assim, o direito processual é
instrumento de concretizacáo do direito material. Esta é a
finalidade jurídica do processo.
Ao lado da finalidade jurídica, Candido Dinamarco
salientou as finalidades social (pacificar com justica) e
política (a participaciio) do processo.

Estamos falando da instrumentalidade JinaZisticb


do processo, ou seja, do enfoque do processo que tem como
finalidade (jurídica) a atua~áodo direito material, sendo
por isto mesmo instrumental em relaqáo a este. Isto náo
se discute. Mas o processo também pode ser visto em sua
instrumentalidade metodológica (Carlos Alberto de Salles).
Ada Pellegrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

O u seja, o método que parte do estudo do direito material Mais tarde, a aceitacáo da teoria do processo
para, a partir deste, remontar ou construir o fenomeno como relacáo jurídica processual passou a náo significar,
processo. A utilizacáo desse método, por si só,já revoluciona como se pensou no momento de sua forrnulacáo inicial,
a análise do processo e tem sido aplicada, hora ou outra. que o processo seja a própria relacáo processual, isto é, que
Mas o que se propóe, neste estudo, é avancar mais processo e relacáo processual sejam expressóes sin8nimas.
um pouco. Ao invés de só inverter o enfoque processo- Passou-se a ver o processo como uma entidade complexa,
direito pelo de direito-processo, a proposta é partir da crise podendo ser encarado pelo aspecto dos atos que lhe dáo
de direito material - ou seja do conflito específico - para corpo e da relacáo entre eles (procedimento) e pelo aspecto
analisar (ou construir) a solucáo processual adequada. Isto das relacóes entre seus sujeitos (relago processual).
significa também dar ao direito processual um enfoque Em tempos mais recentes surgiu na Itália o
multidisciplinar, pois os conflitos sáo naturalmente pensamento de Elio Fazzalari repudiando a insercáo da
examinados pela sociologia ou pela política, e mais relacáo jurídica processual no conceito de processo. Falava
raramente pelo direito. E, no entanto, o direito integra a o autor do móduloprocessualrepresentado pelo procedimento
,
categoria das ciencias sociais. E o que se verá no próximo realizado em contraditório e propunha que no lugar daquela
capítulo. se passasse a considerar como elemento do processo
essa abertura ii participacáo, que é constitucionalmente
garantida.
2. Processo e procedimento
A doutrina continuou evoluindo: investigacóes
Durante muito tempo, o procedimento foi visto sociológicas e sociopolíticas sobre o processo levaram a
apenas como o meio extrínseco pelo qual se instaura, afirmar que a observancia do procedimento constitui fator
desenvolve-se e termina o processo; ou seja, a manifestacáo de legitimacáo do ato imperativo a ser proferido afina1pelo
exterior deste, a sua realidade fenomenológica perceptível. juiz (provimento jurisdicional, esp. sentenca de mérito).
A nocáo de processo seria, ao contrário, essencialmente E daí surgiu a exigencia de legalidade no procedimento,
teleológica, porque ele se caracteriza por sua finalidade de para que o material preparatório do julgamento final seja
exercício do poder (no caso, jurisdicional). A concepcáo . recolhido e elaborado segundo regras conhecidas de todos
de procedimento era puramente formal, náo passando da (Niklas Luhmann). Por outro lado, essa preocupacáo
coordenacáo de atos que se sucedem. Concluía-se, portanto, pela legalidade só tem sentido na medida em que a
que o procedimento (aspecto formal do processo) seria observancia do procedimento constitua meio para a
apena o meio pelo qual a lei estampa os atos e fórmulas da efetividade do contraditório no processo. É assegurando
ordem legal do processo. iis partes os caminhos para participar e meios de exigir a
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a pracessualidade

devida participa~áodo juiz em diálogo que o procedimento instrumento do instrumento processo, cioso das garantias
estabelecido em lei recebe sua própria legitirnidade e, ao do devido processo legal e teleologicamente voltado a
ser devidamente observado, transmite ao provimento final obtensáo da tutela adequada.
a legitimidade de que ele necessita.
Entende-se por tutela jurisdicional ou processual
Michele Taniffo contesta a ideia de que basta o o resultado de toda a atividade desempenhada no processo
procedimento legal para legitimar a atuacáo processual.
e no procedimento, seja ele favorável ou desfavorável a
Observa ele que o respeito as garantias do procedimento
legal nao é suficiente para a legitimacáo do processo. Este qualquer das partes em conflito. No processo contencioso
só se legitima se seu resultado forjusto. E, para ser justo, é (judicial ou arbitral) tanto a sentenca de procedencia
estrimente necessário buscar a verdade processual. Para
como a de improcedencia oferecem a tutela jurisdicional,
tanto, realga o Autor a importancia da prova dos fatos.
seja acolhendo a pretensáo do autor, seja rejeitando-a. Na
Seja como for, essas consideraqóes correspondem justisa consensual também se atinge a tutela jurisdicional,
a readilitagáo do procedimento na teoria processual, por intermédio da solusáo do conflito pelas próprias partes.
especialmente mediante sua integrMo ao conceito deprocesso,
Há quem restrinja a nocáo de tutela jurisdicional aos
do qual estivera banido desde quando formulada a teoria casos em que o resultado acolha a pretensáo do autor,
da relasáo jurídica. que requereu a tutela. Mas essa posicáo é resquício do
entendimento da acá0 como direito A sentenqa favorável
Como se verá no capítulo seguinte, a (teoria concretista). Quando o juiz rejeita a pretensáo
do autor, é o réu, com sua resistencia, que obteve a tutela
instrumentalidade do processo pode ser de duas espécies: jurisdicional E na justiqa consensual, em que náo há
Jfnzalrjtica,no sentido de que o processo deve ser instrumento vencedor nem vencido, ambas as partes atingem a tutela.
de atuasáo do direito material; e metodológica, no sentido
Estamos aqui apenas antecipando a ideia de que a
de que o processo deve ser estruturado a partir do estudo
jurisdisáo compreende a justisa estatal, a justisa arbitral e a
dos conyYitos existentes na sociedade (de índole individual
justisa consensual, tema a ser desenvolvido no capítulo 111.
ou coletiva), para que se obtenha a tutela jurisdicional (ou
processual) adeguada (ou seja, a resposta justa e alinhada com Assim sendo, se processo é procedimento em
as pretensóes das partes) e a tutela processual adequada só contraditório, procedimento é tudo quanto o processo
pode ser obtida por intermédio do procedimento adequado, necessita para atingir seus objetivos, excluído apenas o qud
ou seja do procedimento apropriado i solucáo de cada diz respeito a relagáo jurídica processual (entendida como a
con&to surgido no plano sociológico. relacáo jurídica entre as partes e o juiz, e das partes entre si).
Eis mais uma vez destacada a relevancia do Se antes era discutível que a relacáo jurídica processual
procedirnento, que de mera ordenas80 de atos passa a ser também se estabelecesse entre as partes - e náo
exclusivamente entre cada uma e o juiz - hoje a aíirmacáo
é desmentida pelo modelo de processo cooperativo
consensual, onde o conflito é dirimido exclusivamente
instituído pelo novo CPC, que preve negócios jurídicos
processuais entre as partes, como convencóes sobre o pelas partes.
procedimento e a distribuiciio de poderes, faculdades,
deveres e 6nus.
Os elementos que a definiam também mudam.
No estudo tradicional, os elementos principais seriam a
O processo é voltado ii atuaqáo do direito material, lide, a substitutividade,a coisajukada
- e a inércia. No entanto,
e contém a relaqáo jurídica processual; o procedimento a existencia desses elementos oferece dúvidas até em
destina-se ii obtenqáo da tutela processual adequada. E se relaqáo ao processo estatal: onde estaria a lide no processo
a finalidade última da jurisdiqáo é pacificar com justiqa, penal? E no processo civil necessário? E por que o juiz se
processo e procedimento situam-se no mesmo plano, sendo substituiria as partes para julgar? Uma coisa sáo as partes,
que no máximo se pode dizer que o segundo é instrumento outra completamente diferente é o juiz. A coisa julgada,
do primeiro. verdadeiro dogma clássico, perdeu seus absolutismo e
Regras estritamente processuais sáo apenas relevancia. Hoje a precluráo administrativa faz as vezes da
aquelas que moldam a relaqáo jurídica processual, como coisa julgada, e há processos judiciais em que a satisfaqáo
a posiqáo do juiz e das partes no processo, seus poderes, do direito ocorre sem a coisa julgada (como em diversos
deveres, faculdades e 6nus; a legitima~áopara agir; o procedimentos sumários, na monitória, na estabilizaqáo
exercício da jurisdiqáo e seus limites; as funqóes, estrutura da tutela antecipada, na decisáo sobre ilegitimidade, etc.).
e órgáos da jurisdiqáo; a competencia, a aqáo e exceqáo, as Chega-se a falar na relativizagáo ou desconsideragáo da coisa
condiqóes da aqáo e as decisóes judiciais, as sanqóes para os jukada, perante o princípio da proporcionalidade.
sujeitos da relaqáo processual, a intervenqáo de terceiros, E, certamente, náo há lide na Justiqa consensual,
os recursos e as aqóes de impugnaqáo, a coisa julgada. Fora pois náo há resistencia a pretensáo, uma vez que ambas
do regime atinente a relaqáo processual, tudo o mais é as partes se situam no mesmo plano para solucionar o
procedimento. conflito amigavelmente. Nem há substitutividade, pois sáo
as próprias partes que atuam e o terceiro facilitador, como
3. Novo conceito de jurisdigáo a própria palavra diz, é um mero auxiliar que as ajuda em
relaqáo ao estabelecimento do diálogo e ao atingimento da
Se, conforme nosso pensamento, a jurisdiqáo tutela. E tampouco há inércia, uma vez que o juiz pode, de
compreende a justiqa estatal, a justiqa arbitral e a justiqa ofício, remeter as partes as vias conciliativas. E as partes
consensual, é evidente que fica superado o conceito clácsico podem sempre ser estimuladas e chamadas para a elas se
de jurisdigáo. Definida como poder, funqáo e atividade, submeterem, náo lhes se aplicando o princípio da demanda.
verifica-se que náo há exercício de poder na justiqa
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

Por outro lado, é preciso inserir no conceito de Deixando de lado o processo legislativo, que é
jurisdicáo a funcáo degarantia, sobretudo em face do Estado objeto específico do Direito Constitucional, falaremos a
Democrático de Direito e da moderna visáo do princípio da seguir do processo administrativo, focando principalmente
separacáo dos poderes, que seráo examinados em capítulo suas garantias.
próprio (VII). Garantia das partes, para que possam atingir
a tutela jurisdicional adequada pela via do acesso ii Justiqa; 5. O processo administrativo e as garantias do
garantia do próprio processo e do procedimento, pela devido processo legd
observancia das garantias constitucionais e legais, m busca
da pacificacáo com justica. Acolhendo as tendencias contemporiineas do
direito administrativo, tanto em sua finalidade de limita~áo
Jurisdicáo, na atualidade, náo é mais poder, mas
ao poder e garantia dos direitos individuais perante o poder,
apenasfunfáo, atividade egarantia. E, sobretudo, seaprincipal
como na assimilacáo da nova realidade do relacionamento
indicador é o de garantia do acesso a Jastifa, estatal ou náo, e
Estado-sociedade e de abertura para o cenário sociopolítico-
seu objetivo, o depacsficar comjustiga.
economico em que se situa, a Constituicáo de 1988 trata
Sobre acesso A justica, ver capítulo próprio (n. 111). de parte considerável da atividade administrativa, no
pressuposto de que o caráter democrático do Estado deve
4. Jurisdicáo e processualidade influir na configuracáo da administracáo, pois os princípios
da democracia náo podem se limitar a reger as funcóes
Partindo das premissas de que processo é legislativa e jurisdicional, mas devem também informar a
procedimento em contraditório e de que a jurisdi~áose f u n ~ á oadministrativa.
caracteriza principalmente como acesso ii justica, é preciso
Nessa linha, dá-se grande enfase, no direito administrativo
reconhecer que a processualidade é mais ampla do que a contemporiineo, ? nova
i concepqáo da processualidade no
jurisdifáo, pois existem processos em contraditório que náo iimbito da funqáo administrativa, seja para transpor para
tem a ver com o acesso ii justica. a atuaqáo administrativa os princípios do "devido processo
legal", seja para fixar imposiqóes mínimas quanto ao modo
Processo em contraditório existe tanto no de atuar da administracáo.
>
desempenho da atividade administrativa como na
legislativa, esta última pelo contraditório parlamentar
A Constituicáo de 1988, no artigo 50, LVI,
incluiu expressamente entre as garantias processuais a do
amplo que se estabelece visando a formulacáo de leis ou
devidoprocesso legale, no inc. LV, afirma que aos litigantes,
nas Comissóes Parlamentares de Inquérito.
ern processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
Conclui-se assim que a processualidade geral seráo assegurados o contraditório e a ampla defesa,
compreende a jurisdicáo, mas náo se esgota nela. com os meios e recursos a ela inerentes.
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

Assim, as garantias constitucionais do processo


desdobram-se hoje em tres planos: a) no plano
técnica por advogado no processo administrativo disciplinar
jurisdicional, em que elas passam a ser expressamente náo ofende a Constitui~áo".Atualmente, porém, esta súmula
reconhecidas, diretamente como tais, para o processo está sendo reexaminada pelo STF.
penal e para o nao-penal; b) no plano das acusaqoes em
geral, em que a garantia explicitamente abrange todas as É preciso reconhecer que as leis brasileiras sobre processo
pessoas objeto de acusacáo; c) no processo administrativo administrativo sancionatório, embora ciosas em relacao
sempre que haja litigantes. E por litigantes entendemos os a outras garantias constitucionais, nao preveem a
titulares de interesses em conflito. obrigatoriedade da presenca do advogado.

Decorre disto a consequencia de que todas as Mas, se a falta de defesa técnica prejudicar o direito
garantias constitucionais do devidoprocesso legal se aplicam de defesa, restará ao acusado pedir k Justica a anulacáo do
ao processo administrativo em que haja litigantes, em geral, processo administrativo sancionador.
e ao sancionatório em particular. E como a Constituicáo Dito isto, passamos a examinar a garantia do
fala expressamente em contraditório e ampla defesa, contraditório e seu conteúdo.
iniciaremos tratando imediatamente destas garantias.
A garantia do contraditório está k base da
Ampla defesa e contraditório estáo intimamente regularidade do processo e da justica das decisóes. Trata-se
ligados, pois é pelo contraditório que a ampla defesa é de garantia fundamental de imparcialidade, legitimidad, e
exercida. corretáo da prestaqáo estatal. Sem que o diálogo entre as
No entanto, é preciso observar que, no campo partes anteceda ao pronunciamento estatal, a decisáo corre
penal e no sancionatório, a defesa tem duas facetas: a o risco de ser unilateral, ilegítima e injusta: poderá ser um
autodefesa e a defesa técnica. A primeira pode ser dispensada ato de autoridade, jamais de verdadeira justiqa.
pelo próprio acusado que a ela renuncie, preferindo o Nesse contexto é que se insere o direito aprova
direito ao silencio (art. 50, inc. XLIII da CF e art. 186 e que, a evidencia, nada mais é do que uma resultante do
parágrafo único do CPP), enquanto a defesa técnica é contraditório, como direito de contradizer provando. E
indispensável, sendo que sua ausencia acarreta a nulidade assim como o contraditório representa o momento da
insanável do ato praticado. verificacáo concreta e da síntese dos valores expressos pelo
sistema de garantias constitucionais, o modelo processual '
Mas, infelizmente, na visáo do STF, a colocacáo informado pelos principios inspiradores da Constituicáo
acima foi invertida no processo administrativo sancionatório. náo pode abrir máo de um procedimento probatório que se
Certamente com o intuito meramente utilitário consistente desenvolva no pleno respeito do contraditório.
em "salvar" muitos processos administrativos punitivos,
o S T F editou Súmula Vinculante no 5: "Falta de defera Na relacáo entre contraditório e prova, aquele
emerge como verdadeira condifáo de efirácia desta. Tanto
Ada Pellesrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

será viciada a prova colhida sem a presenca do juiz, aplicam ao processo administrativo e que a Administracáo
quanto aquela colhida sem a presenca das partes. Daí, deve observar em todas as suas atividades, que incluem
inclusive, poder afirmar-se que, ao menos em princípio, o processo administrativo. O primeiro é o da seguranfa
náo tem eficácia probatória os elementos informativos se jurídica que, embora náo possa ser radicado em qualquer
a respectiva colheita náo contar com a possibilidade real dispositivo constitucional específico, é reconhecidamente
e efetiva de participacáo dos interessados, em relacáo aos da essencia do próprio Direito, notadamente de um Estado
quais se pretende editar provimento de caráter vinculante Democrático de Direito, de tal sorte que faz parte do
que possa atingir a esfera jurídica de terceiros. sistema constitucional como um todo. O Direito propóe-
Por isso sustentamos que, tanto em relacao ao inquérito
se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza
criminal como ao civil (no primeiro, pelo recebimento da na regencia da vida social. Daí o chamado princípio da
denúncia, no segundo, para efeito de ajuizamento de Acao 'segurancajurídica, o qual, bem por isto, é, indiscutivelmente
Civil Pública), existem atos de poder, em face dos quais os um de seus princípios mais importantes.
elementos probatórios colhidos nos inquéritos só podem
ser valorados pelo juiz desde que tenham sido submetidos E, por sua vez, o princípio da seguranca jurídica
a contraditório, mesmo que sucessivo.
liga-se aos princqios da boa-fé e daprote~áoda conjanga.
Mais recentemente, Odete Medauar observou O princípio da boa-fé guarda estreita simbiose
que, no imbito administrativo, vigora o direito i informa~áo com o da moralidade. A boa-fé é conatural, implícita ao
geral, isto é, o direito de obter conhecimento adequado princípio da moralidade administrativa. Náo poderá a
dos fatos que estáo na base da formacáo do processo, e Administraqáo agir de má-fé e, ao mesmo tempo, respeitar
de todos os demais fatos, dados, documentos e provas que o princípio da moralidade.
vierem i luz no curso do processo. Vincula-se, igualmente,
E disso tudo também deriva o princqio da
i informa~áoampla, o direito de acesso a documentos que
conjan~alegítima. Trata-se de uma expressáo particular
a Administracáo detém ou a documentos juntados por
da exigencia de previsibilidade imposta pelo princípio de
sujeitos contrapostos. E a vedacáo ao uso de elementos
seguranca jurídica.
que náo constam do expediente formal, porque deles náo
tiveram ciencia prévia os sujeitos, tornando-se impossível Inicialmente criaciio do direito germanico, este princípio _
eventual reacáo a tais elementos". foi adotado pelo direito comunitário e é hoje consagrado
nos países europeus, sobretudo Franca e Itália.

6. Outras garantias do processo administrativo l O princípio da confianca legítima pode ser


invocado quando um particular.se acha numa situacáo
Mas há outros princípios e garantias, náo ligadas a respeito da qual a administracáo fez nascer esperangas
diretamente As do devido processo legal, que também se fundadas' ('espérancesfondées') .
Ada Pelleqrini Grinover

Os tribunais brasileiros v2m se referindo e aplicando o julgada administrativa - pela qual o ato administrativo,
princípio da confianca legítima, como se ve, por exemplo,
do julgado do TFR-2" Regiáo, ap. n.2008.51.01.016324-1.
esgotados ou inexistentes os recursos contra ele, adquire
estabilidade, e náo mais pode ser modificado pela Admi-
Liga-se aos princípios da seguranca jurídica, da nistracáo. Embora náo tenha autoridade de coisa julgada, a
boa-fé e da confianca legítima o instituto da preclusáo ocorrencia da preclusáo administrativa impede que a ques-
administrativa. táo venha a ser ali rediscutida.
Trata-se da imodificabilidade da decisáo na via
7. Preclusáo administrativa administrativa, para estabilidade das relacóes entre as
partes. Essa imodificabilidade náo é efeito da coisa julgada
Conquanto se saiba que a coisa julgada -
administrativa, mas é consequencia da preclusáo das vias
manifestacáo mais aguda do fenomeno da preclusáo - náo
de impugnacáo interna (recursos administrativos) dos
é atributo da atividade administrativa, é certo que algum
atos decisórios da própria Administracáo. Exauridos os
grau de estabilidade também deve ser alcancado por suas
meios de impugnacáo administrativa, torna-se irretratável,
decisóes. Seria inegável fator de inseguranca - e verdadeiro
administrativamente (Heli Lopes Meirelles).
desprestígio ao processo administrativo - pudessem as
partes submeter a mesma questáo, indefinidamente, i Nem se diga que o princípio da revisáo, pela
apreciacáo do Administrador, sempre com novas alegacóes Administracáo, de seus próprios atos, por conveniencia
relativas aos mesmos velhos fatos ou que a administracáo e oportunidade, autorizaria a Administracáo a rever
pudesse rever suas decisóes ou anulá-las, sem qualquer as decisóes já cobertas pela preclusáo, fora dos casos
limite. expressamente previstos. Náo pode o órgáo da
Administracáo, após a preclusáo administrativa, rever suas
A imunizagáo das decisóes é essencial i mecanica do
decisóes. Isso vulneraria o próprio processo administrativo,
poder. Os provimentos gerados no processo administrativo
que &a um procedimento a ser rigorosamente observado e
podem ser revistos pela própria administracáo (anulacáo,
desmoralizaria as decisóes finais da própria Administracáo.
revogacáo), ou por via jurisdicional. Mas as decisóes
E também é defeso i Fazenda Pública ir a juízo pedir a
administrativas, que também constituem provimentos, náo
anulaqáo da decisáo que, na esfera administrativa de'
deixam de ficar imutáveis, especialmente após superadas as
julgamento, lhe foi contrária. É que a imutabilidade,
possibilidades recursais e nos casos em que direitos hajam
decorrente da preclusáo, expressa-se pela autovinculagáo
sido adquiridos (Candido Dinamarco).
da Administracáo a fim de salvaguardar os interesses
Cuida-se, aqui, da chamada preclusáo adminis- dos particulares destinatários da decisáo (Hely Lopes
trativa - por alguns chamada impropriamente de coisa Meirelles).
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

O exame do fenomeno da preclusáo no campo ou pela preclusáo administativa, h a - s e um preceito próprio


administrativo, a partir da comparacáo com o que se verifica que náo pode ser atingido pelos fenomenos supervenientes
no imbito jurisdicional, permite avancar para a análise dos acima indicados (Chiovenda e, mais recentemente, Proto
limites da preclusáo no tempo. Por outras palavras, há que Pisani e Menchini).
se determinar até quando uma dada decisáo permanece Infelizmente, a legislacáo brasileira afastou essa doutrina,
imutável e, assim, se, quando e por quais razóes, pode primeiro por uma reforma do CPC revogado e agora
eventualmente ser revista e alterada. pelo Código vigente (art. 525 SS),pois o título executivo
pode ser atacado em face da posterior declaracáo de (in)
A questáo consiste em determinar quais seriam, constitucionalide do STF - pelo controle concentrado
em tese, os eventos supervenientes a coisa julgada e a ou difiiso. Mas será necessário, primeiro, desconstituir
a coisa julgada pela via da acá0 rescisória. Entendemos
preclusáo administrativa capazes de produzir efeitos que a possibilidade de atacar o rítulo executivo, sob esse
juridicamente relevantes sobre a relacáo jurídica objeto do fundamento, atenta conta o princípio da segurancajurídica
julgamento. Tais eventos seriam, de um lado, os fatos novos e da irretroatividade (que nao se aplica só a lei, mas a todo
o ordenamento jurídico: ver capítulo IV).
e, de outro lado, a lei nova (a que se equipara a declaracáo
posterior de (in)constitucionalidade de lei em via direta e Diferente é a situaqáo na superveniencia de
concentrada). fatos novos. Estes, sim, influem sobre a coisa julgada ou
A mais autorizada doutrina é firme no sentido a preclusáo administrativa. Isto porque a sentensa ou a
de que tanto a nova lei quanto a declaragáo de (in) decisáo administrativa trazem implícitas em si a cláusula
constitucionalidade de urna lei náo sáo aptas a infirmar os rebus sic stantibus. Se, no desenvolvimento da relasáo no
efeitos - e respectiva imutabilidade - da sentenca passada tempo, após a prolacáo da sentensa, verificar-se a mutacáo
em julgado. E isto se estende aos efeitos da preclusáo do estado de fato, essa sentenca ou decisáo terá que se
administrativa. adaptar. Sobrevindo fato novo, uma nova decisáo náo
alterará o julgado anterior, mas, exatamente para atender a
A coisa julgada e a preclusáo administrativa
ele, adaptar-se-á ao estado de fato superveniente (Barbosa
náo podem ser atacadas pela lei nova ou pela declarasáo
Moreira).
de (in)constitucionalidade superveniente, porque no
caso concreto, definitivamente julgado, a relacáo jurídica Disto tudo decorre que princípios processuais e'
foi tratada como lex p i a l i s (na nomenclatura italiana), de direito administrativo complementam-se no quadro da
separando a disciplina do direito ali h a d a da norma atuaeáo da Administrasáo em face do sistema constitucional,
geral e abstrata (mesmo quando retroativa, como ocorre sendo que sua infringencia importa em desvios que podem
com a norma interpretativa) ou da declaracáo da (in) e devem ser corrigidos pelo Poder Judiciário.
constitucionalidade. Na decisáo coberta pela coisa julgada
-- Ada Pellegrini Grinover

O processo - procedimento em contraditório - é


voltado a atuacáo do direito material, e contém a relayáo
jurídica processual; o procedimento destina-se a obtenqáo
da tutela processual adequada. E se a finalidade última da
jurisdiqáo é pacificar com justiqa, processo e procedimento
situam-se no mesmo plano, sendo que no máximo se pode
dizer que o segundo é instrumento do primeiro.
Jurisdiqáo, na atualidade, náo é rnais poder, mas
apenas funqáo, atividade e garantia. Seu principal indicador
é o acesso a Justiqa, estatal ou náo, e seu objetivo, o de
pacificar com justiqa. Este conceito de jurisdigáo abrange a
justica estatal, a justica arbitral e a justiqa conciliativa.
Sendo a jurisdiqáo umbilicalmente ligada ao
acesso a justiga, como sua garantia, a processualidade a
abrange, mas náo se esgota nela. Existem processos em
contraditório no ambito legislativo e adminishativo que
náo se ligam a ideia de acesso a justi~a.Um exemplo disto
é o processo administrativo náo jurisdicional.
1. A instrumentalidade metodológica

C
omo se viu no capítulo anterior, o método que
aplicaremos para a análise da processualidade
será o da instrumentalidade metodológica. O u
seja, a construgáo da ideia de processualidade a partir dos
conflitos existentes na sociedade, para se chegar ao processo
e procedimento adequados para solucioná-los de modo a
atingir uma tutela jurisdicional e processual efetiva e justa.
Sobre tutela jurisdicional e processual veja o que se
escreveu no capítulo anterior.

É o que se passa a fazer.

2. Confitos e processo
>

A sociedade contemporiinea é altamente


conflitiva. O adensamento populacional, o caráter
finito e a consequente insuficiencia dos bens materiais e
imateriais ii disposicáo dos homens para a satisfagáo de
suas necessidades, a escassez de recursos, a concentragáo
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

de riquezas em máos de poucos, tudo coopera para que absolutamente indirponível, e é por essa razáo que seu
indivíduos e coletividades se envolvam cada vez mais em processamento e julgamento cabem exclusivamente ao
situaqóes conflituosas. E quando os conflitos precisam Estado-juiz, por intermédio da jurisdiqáo estatal. Mesmo
ser solucionados pelo processo, deste deve resultar a justa assim, no entanto, existem conflitos penais que sáo
tutela de intereses e direitos. submetidos ao processo e procedimento comuns e outros
Mas náo é qualquer tutela que serve: a tutela deve que, por suas características, sáo regidos por processos e
I I I

ser justa, efetiva e adequada. Justa, na medida em que de procedimentos especiais (como em relaqáo aos Juizados
razáo a quem a tem, ou na medida em que respeite a vontade Especiais Criminais para as infraqóes penais de menor
livre e informada das partes. Efetiva, porque o direito ou potencial ofensivo, ou a procedimentos especiais, como
interese objeto de tutela deve poder ser realmente fruído. os da criminalidade organizada, dos crimes contra a
Adequada, porque a efetividade da justa tutela só pode ser propriedade intelectual, dos crimes eleitorais, etc.).
alcanqada por intermédio de uma via processual id6nea a No campo dos conflitos envolvendo matéria náo-
solucionar o conflito. penal impóem-se ainda algumas grandes subespécies: os
É por isso que o estudo do processo e seu conflitos relativos As relaqóes de trabalho, os de direito
tratamento no direito positivo clamam por uma metodologia administrativo, tributário, comercial, societário, etc. Nesse
acentuadamente instrumentalirta, estruturando-se de contexto táo heterogeneo de conflitos ditos cíveis, diversa
acordo com a análise da tutela adequada A soluqáo de cada é sua natureza, de modo que diferente há de ser a técnica
classe de conflitos. utilizada para sua soluqáo. Assim, por exemplo, as causas
cíveis de menor complexidade podem ser submetidas aos
3. A tipologia dos conflitos Juizados esperiais cíveis (federais ou estaduais, conforme o
caso) e o próprio Código de Processo Civil, assim como
Náo é possível, evidentemente, identificar e leis extravagantes, cunham processos e procedimentos
clasificar todos os conflitos, individuais e coletivo) especiais (possessórias, inventário e partilha, monitória,
existentes na multiforme sociedade de hoje. Eles váo etc.).
surgindo e ao processo cabe solucioná-los, haja ou náo haja Abre-se neste ponto a oportunidade de por e d
um instrumento específico para tanto. Mas é ao menos destaque a distinqáo entre a chamada tutela jurisdicional
possível tentar, por aproximaqáo, algumas subdivisóes. ordinária, regida pelo procedimento ordinário e a tutela
A primeira grande divisáo feita de acordo com a jurisdicional dferenciada (Andrea Proto Pisani), submetida,
natureza dos conflitos a serem dirimidos está em conflitos por várias razóes, a processos e procedimentos diversos.
penais e náo penais. Os conflitos penais sáo de caráter
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

Em sua primeira concepcáo de tutela dferenciada, Proto sumária diante de situacóes em que o fundamento da
Pisani entendeu por ela toda e qualquer tutela que nao fosse pretensáo do autor era considerado evidente, permitindo a
oferecida pelo procedimento ordinário, e nesse sentido
veio a ser acolhida a denominacáo pela doutrina brasileira. concessáo de diversas Ziminares (como nas possessórias, no
Mas, reformulando recentemente seu pensamento, Proto mandado de seguranca, habeas Corpus, etc.).
Pisani esclareceu que por tutela diferenciada se deve
entender aquela obtida pela via de um procedimento Passou mais a1,gumtempo e se percebeu que seria
ordinário diverso do procedimento-padrao estabelecido possível asegurar a estabilidade das decisóes judiciais,
pelo CPC (como, por exemplo, o procedimento ordinário
para confites trabalhistas). Os demais procedimentos,
mesmo após cognicáo sumária, se náo houvesse oposicáo da
diversos do ordinário, seriam apenas procedimentos especiais parte contrária (e assim aconteceu corn o référéfrances, corn
(Revista de Processo). nossos julgamento antecipado da lide e decisáo preliminar
de mérito e, agora, corn o CPC, corn a estabilizacáo da
Por muito tempo, vinha-se pensando que o
tutela antecipatória - art. 304).
modelo ideal do procedimento fosse o ordinário, que é
rico em garantias, permite a produqáo completa de provas, Hoje, o CPC preve, como tutelas sumárias (chamadas
exige cognicáo plena e exauriente do juiz e leva a uma provisórias) tanto a cautelar como a antecipatória, dando-
lhes a mesma estrutura, e subdividindo-as em tutela de
sentenqa de mérito, considerada classicamente a única, urgencia e de evidencia (arts. 294 SS.).
dentre outras decisóes judiciais, a revestir-se da autoridade
da coisa julgada (sin6nimo de seguranca jurídica). Mas, Mas a urgencia e a evidtncia náo sáo os únicos
corn o tempo, verificou-se que existem situacóes em que fundamentos da tutela jurisdicional diversa da ordinária.
a necessária duracáo mais prolongada do procedimento A específica natureza do conflito é levado em conta
ordinário (devida a cuas próprias características) náo era para a criacáo de procedimentos especiais, aderentes náo
compatível corn a necessidade de evitar a erosáo do direito apenas a atuacáo do direito material, mas também a busca
pelo tempo. Surgiu, assim, primeiro, a tutela cautelar, corn da tutela jurisdicional justa e efetiva, por ser adequada a
medidas rápidas destinadas a preservar o próprio processo, solucáo de conflitos determinados e diversos. Nesses casos,
e, mais tarde, a tutela antecipatória que, perante situaqóes escolhidos discricionariamente pelo legislador, o sistema
de urgencia, em determinadas circunstiincias, se destinou cria procedimentos próprios, que ora se satisfazem corn
a antecipar, parcial ou totalmente, os efeitos da sentenca 1
uma cognifáo superjcial, ou seja, náo exauriente no pland
E
final, muito provavelmente favorável ao autor.Tratava-se da 1
vertical (Kazuo Watanabe), ora buscam simplesmente
dita tutela de urgincia, concedida em procedimentos ágeis i adeguar o procedimento ao direito material subjacente e ao
e rápidos, pela via da cognifáo sumária e corn resultados
SI
tipo de conflito que a crise de direito ocasionou.
o
sempre provisórios. Depois disto, surgiram outros S
O u seja, o processo amolda-se náo só ao direito
l

caminhos, destinados a conceder a tutela jurisdicional 1


material, mas sobretudo ao tipo de conflitos que objetiva
i
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

solucionar, de acordo com procedimentos próprios. E se das formas previstas em lei para a prática dos atos
surgem os procedimentos especiais. processuais.
O CPC de 2015, no afá de simplificar, reduziu Demonstraqáo inconteste da rigidez do processo
sensivelmente o rol de procedimentos especiais previsto brasileiro é a existencia de preclusóes (perda de faculdades
no Código anterior, hoje todos contidos no Título 111. processuais, pelo decurso do prazo ou por prática de atos
Mas existem inúmeros outros procedimentos especiais incompatíveis com o pedido ou a defesa), bem como, por
em leis extravagantes. Só para exemplificar, lembrem- exemplo, a regra da estabilizacáo da demanda, pela qual
se o procedimento para execuqáo fiscal, para a falencia o pedido e a causa de pedir se tornam imutáveis após a
e recuperaqáo de empresa, o arrendamento mercantil, contestacáo. Em outros ordenamentos, como o italiano, a
os procedimentos especiais marítimos e o da aciio de alteraqiio do pedido e da causa de pedir pode ocorrer até a
improbidade administrativa, os procedimentos previstos sentenca de primeira instancia, observado o contraditório.
no Estatuto da Cidade e no Estatuto da Crianqa e do
Adolescente, etc. Essa mesma rigidez sempre acompanhou o
procedimento, no ordenamento brasileiro. Em primeiro
Seja como for, certamente náo é possível prever
lugar, há raríssimos casos em que a tutela pode ser invocada
um procedimento especial adequado para cada tipo de por uma via processual ou outra (per exernplo, pelo
conflito, até porque os conflitos estáo em mutaqáo constante mandado de seguranqa ou por um pedido de antecipaqáo
numa sociedade complexa e em evoluqáo. A soluqáo, entáo, de tutela; por um recurso ou pela impetraqáo de habeas
consiste na possibilidade de fEexidilizagáo ou adaptagáo do corpus; pelo procedimento h a d o para as causas cíveis de
procedimento, para que este se possa efetivamente levar a menor complexidade ou pelo procedimento ordinário).
soluqáo aderente a especial natureza do conflito. Mas é o próprio sistema legal que, nesses casos, oferece
duas ou mais opqóes para que a tutela seja atingida.
4. Flexibilizagáo e adaptacáo do procedimento: o E, em segundo lugar, se a via escolhida náo for
diálogo dos procedimentos aquela prevista em lei, o processo náo seguirá, por falta
de interese de agir (interesse-adepuagáo), justamente
O processo brasileiro sempre foi rígido, apegado
porque o autor náo escolheu a via adequada para atingir
ao sistema da legalidade das formas, considerado uma
o provimento jurisdicional. E se entende por via adequada,
garantia para as partes e o próprio processo. Embora se
aquela rigidamente h a d a pela legislaqáo.
afirmasse que as formas náo devem prevalecer sobre a
substancia nem chegar a sufocá-la, invocando o princípio Agora, pela primeira vez em nosso sistema
da instrumentalidade dasformas (tanto que, por exemplo, as processual, o novo Código de Processo Civil admite que
nulidades sáo em princípio sanáveis se o ato tiver atingido o juiz e as partes possam introduzir alguma alteracáo no
sua finalidade), nunca foi dada ao juiz ou as partes afastar- procedimento.
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

Os arts. 139, VI e 437, 5 20 permitem ao juiz dilatar


Mesmo entre nós, ao contrário, é flexível o
prazos e alterar a ordem da produqáo dos meios de
prova, bem como as regras procedimentais contidas em procedimento seguido no juízo arbitral, em que as partes
lei, para conferir maior efetividade A tutela do direito. As e o árbitro, de comum acordo, podem livremente dispor
partes, desde que de comum acordo, é permitido - além
sobre ele. E, observe-se, nem por isto há entraves para a
de poderem fixar, juntamente com o juiz, um calendário
vinculativo para a prática dos atos processuais (art. 191) fluencia do processo arbitral, nem atentados ii seguranqa
- estipular mudancas no procedimento, para ajustá- jurídica (argumentos utilizados para defender o princípio
lo i s especificidades da causa (art. 190). Mas, como foi
da legalidade do procedimento).
observado, essa tentativa de flexibilizaqiio ou adaptaqáo,
para funcionar na prática, deverá contar com uma mudanqa
de cultura do juiz e dos advogados, pouco inclinados a
dialogar com a parte contrária.
5. Conñitos individuais e conñitos coletivos

Claro que nunca se poderá ajuizar uma monitória Até agora, falamos exclusivamente de conflitos
que náo se ampare em prova documental id6nea (art. 700), individuais. Mas, ao lado deles (e náo como uma soma
nem pedir uma tutela executiva que náo se baseie em deles) existem conJtios coletivos. Conflitos de massa, numa
um dos títulos elencados pela lei (art. 786). Mas deveria sociedade de massa. Conflitos que envolvem coletividades
ser perfeitamente possível introduzir no procedimento de pessoas - como os membros de grupos, categorias e
ordinário algumas técnicas previstas pelas possessórias, classes de pessoas e que sáo sinteticamente referíveis a
quando cabível; ou aplicar a outros conflitos societários pualidade de vida. Ditos também direitos comunitários, por
o procedimento previsto para a dissoluqáo parcial de pertencerem a uma comunidade de pessoas, indeterminada
sociedades; ou ampliar as técnicas de homologaqáo ou determinada, que persegue um objetivo comum,
do penhor legal para a tutela de interesses análogos; ou esses direitos formam uma nova geraqáo de direitos
transportar algumas das técnicas da regulaqáo de avaria fundamentais, ou seja os direitos de solidariedade. E eles
grossa a outros conflitos suscitados na área do direito também sáo objeto de tutela jurisdicional.
marítimo. Seriam interesses privados ou interesses públicos?
Seja como for, entendemos que a abertura Mauro Cappelletti,precursor de seu estudo no ordenamento
ii adaptabilidade do procedimento, prevista no CPC, romano-germiinico, nos anos 60 do século passado ensinou,
representa ao menos um primeiro passo para que o sistema em liqáo por vezes esquecida pela doutrina contemporanea,
brasileiro, de rígido que é - e continua sendo - se abra que eles náo sáo públicos nem privados, mas constituem
a uma maior flexibilizaqáo e adaptabilidade. Mas o que um tertium genm, colocando-se a meio caminho entre uns
gostaríamos de ter visto, no novo Código, é o diálogo dos e outros. Náo sáo interesses privados, pois transcendem
procedimentos. ii esfera individual (e por isto sáo também chamados de
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

direitos ou interesses metaindividuais ou transindividuais). prestacional) previstos na Constituicáo. Todos os poderes


do Estado sáo responsáveis pelas Políticas Públicas.
Mas tampouco sáo públicos, porque o interesse pGblico é O Legislativo as formula mediante leis e outros atos
aquele que o cidadáo, individual ou coletivamente, exerce normativos; o Executivo as planeja e executa Mas se
em face do Estado para a fruicáo de um bem da vida a houver omissáo ou incorrecáo na atuacáo de qualquer
dos Poderes (ou seja, na formulaqáo ou execucáo das
que todos tem direito: a saúde, a educacáo, a seguranca t políticas públicas), o Judiciário - sempre a posteriori e só
pública, a moradia. Os direitos metaindividuais, por sua quando provocado - exerce o seu controle, que nada mais
vez, pertencem a uma categoria, grupo ou classe de pessoas, representa do que um controle da constitucionalidade,
pois os direitos sociais 60assegurados pela Constituicáo,
e só a eles. e a inexistencia ou incorrecáo de uma política pública, em
última análise, vulnera a Constituicáo.
Um exemplo esclarecerá a ideia: todos nós,
cidadáos brasileiros e até estrangeiros, temos direito a Dito isto, trataremos primeiro do processo
preservacáo da floresta amazonica. Este é um interesse e procedimento coletivo aplicável aos conflitos
público. Mas os habitantes de uma parcela do território da metaindividuais (que chamaremos processo coletivo
Amazonia - ou seja, uma comunidade de pessoas - tem o genérico) e depois do processo coletivo de interesse público
direito específico a que náo seja contaminado o rio as cujas ou estrutural, destinado ao controle de políticas públicas.
margens vivem. Este é o interesse metaindividual, próprio
e específico daquela comunidade.
6. Processo coletivo (genérico)
E o que importa para a processualidade é que os
direitos metaindividuais sáo tutelados porprocessos coletivos; O Brasil foi pioneiro, entre os países de civil law,
mas os direitos públicos sáo tutelados por uma espécie típica na instituicáo de um novoprocesso coletivo para a solu$io de
de processo coletivo, que é denominado processo de interesse conflitos metaindividuais.
público ouprocesso estrutural. E o procedimento do processo
Antes de tudo, houve a introducáo, no ordenamento,
coletivo, que chamaremos genérico, é diferente daquele do da tutela dos interesses e direitos difusos e coletivos, de
processo coletivo estrutural, porque o primeiro deve ser natureza indivisível, ocorrida pela reforma de 1977 da
adequado a solucáo de um conflito coletivo limitado a uma Lei da Acáo Popular (Lei n. 4.717/65); depois, mediante
a promulgacáo da Lei n. 7.347/85 sobre a denominada ,
comunidade, enquanto o segundo deve ser adequado a obter "acáo civil pública"; a seguir, em 1988, elevando a nível
a fruicáo de direitos sociais (ou prestacionais) assegurados constitucional a protecáo dos referidos interesses ou
direitos; e finalmente, em 1990, pelo Código de Defesa
a toda a populacáo e que dependem de políticaspúblicas.
do Consumidor (cujas disposiqóes processuais sáo
aplicáveis a tutela de todo e qualquer interesse ou direito
Entende-se por políticas públicas o conjunto de
metaindividual). Este Código foi além da dicotomia
instrumentos necessários utilizado pelo Estado para
dos interesses ou direitos difusos e coletivos, criando a
propiciar a fniicáo dos direitos sociais de natureza
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

categoria dos chamados interesses ou direitos individuais Também foi preciso repensar fenomenos como
homogeneos, que abriram caminho as acóes coletivas a concomitiincia de asóes individuais e asóes coletivas,
reparatórias dos prejuízos individualmente sofridos.
da conexáo e da litispendencia, do litisconsórcio e da
Pode-se afirmar, hoje, a existencia de um intervencáo de terceiros, do conhecimento dos atos
microssistema brasileiro de processos coletivos, constituido processuais. E foi necessário oferecer novos estímulos para
principalmente pela Lei da Asáo Civil Pública e o acesso i.justisa, com a dispensa de pagamento de custas
pelas disposisóes processuais do Código de Defesa do e honorários.
Consumidor, que se aplicam a todos os processos coletivos, Pode-se, assim, falar de um direito processual
em qualquer área. coletivo, com institutos e técnicas diversas das utilizadas
Infelizmente, a Lei do mandado de seguranca (Lei n. pelo direito processual individual.
2016/2009), que também regula o MS coletivo! art. 21 e
22) náo se adequou ao minissistema, sobretudo em relaqáo
aos interesses ou direitos tutelados e a coisa julgada.
7. Conflitos a serem solucionados pelo processo
coletivo genérico
A instituicáo de um novo processo, diferente do
individual, foi estritamente necessário para a adequada A primeira subdivisáo a ser feita dos conflitos
solucáo dos conflitos coletivos metaindividuais. Foi preciso coletivos consiste na distincáo entre indivisíveis e
rever os esquemas da legitimidade para atuar em juízo, da divisíveis. Os primeiros sáo essencialmente coletivos, os
coisajukada, das fünqóes do juiz, do Ministério Público, da segundos sáo acidentalmente coletivos, porque na verdade
Defensoria Pública. Foi também preciso repensar os corpos se caracterizam como conflitos individuais, que podem
intermediários, como as associa~óese os sindicatos, bem ser processualmente tratados de forma coletiva (Barbosa
como outras instituicóes públicas e privadas habilitadas Moreira). E, por serem direitos individuais, sáo divisíveis:
a serem portadoras, em juízo, dos interesses ou direitos o bem pleiteado pode ser atribuído a um e náo a outro
próprios de uma sociedade de massa (legitima9 of integrante da coletividade.
representation) . Esta última categoria caracteriza a tutela coletiva
dos direitos individuais, chamados pela lei de direitos
O common law instituiu as class actions há mais de setenta
anos e alguns de seus institutos inspiraram os sistemas
individuais bomogt?neos.
de matriz romano-germinica (civil law) que, no entanto, A indivisibilidade dos conflitos essencialmente
foram capazes de escolher estruturas processuais mais
adequadas a realidade fática e aos princípios jurídicos coletivos indica que eles só podem ser tratados e
próprios de cada país. solucionados pelo processo de maneira identica em relasáo
a todos os titulares. Os componentes do grupo, categoria
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

ou classe de pessoas que invocam a tutela teráo, todos, Trata-se, aqui da tutela dos direitos que a lei
de maneira igual e uniforme, a pretensáo acolhida ou chama dfusos.
rejeitada. Se se pede a reconstituiqáo do meio ambiente
Mas, embora ainda sejam indeterminados, se
contaminado, a retirada do mercado de um produto
perigoso, a interdiqáo de um estabelecimento poluente, a existe uma relaqáo jurídica entre os membros da categoria
cessaqáo da publicidade enganosa, todos e cada qual dos ou classe de pessoas (como um vínculo associativo ou
membros do grupo terá, de maneira identica, a pretensáo sindical), ou entre cada membro e a parte contrária (como
acolhida ou rejeitada. Náo há como despoluir para um, sem na relaqáo jurídica entre o aluno ou seu responsável
despoluir para o outro. Náo há como rejeitar a pretensáo de e uma determinada escola) embora os titulares sejam
interdiqáo do estabelecimento contrariando o interesse de indeterminados, sáo determináveis.
um, sem contrariar o interesse de todos. Essa é a tutela dos chamados direitos coletivos
Estamos falando, agora, da tutela dos direitos stricto sensu.
propriamente coletivos, em sentido amplo. Assim, os direitosdfusos ecoletivoss.~.compartilham
Entre os conflitos propriamente coletivos, ainda é da indivisibilidade do objeto e se distinguem pela maior
possível fazer uma classificaqáo dos titulares, de acordo com ou menor indeterminaqáo dos titulares dos conflitos; o
a sua maior ou menor indetermina~áo:a indeterminaqáo regime da coisa julgada - necesariamente erga omnes
e indeterminabilidade absoluta dos titulares do conflito em decorrencia da própria indivisibilidade do objeto - é
contrapóe-se a indeterminaqáo, acompanhada porém da igual nas duas categorias. Trata-se, portanto, de uma coisa
determinabilidade, de seus titulares. O u seja, os sujeitos do julgada pro et contra.
conflito coletivo podem ser mais ou menos determinados. Para os interesses difusos e coletivos S.S.,a lei ainda preve
Sáo totalmente indeterminados e indetermináveis a inexistencia de coisa julgada na hipótese de a demanda
ser rejeitada por insuficiencia de provas.
os titulares de um conflito coletivo, que sejam ligados
exclusivamente por uma relaqáo de fato, sem qualquer O regime da coisa julgada na tutela dos interesses
vínculo jurídico entre eles: o fato de habitarem a mesma individuais homogeneos - ou tutela coletiva de direitos
regiáo, de consumirem o mesmo produto, de utilizarem individuais - é totalmente diferente, pois aqui se trata
o mesmo serviqo público resulta em circunstiincias de direitos subjetivos clássicos, que podem ser tratados
contingenciais e mutáveis, que náo permitem qualquer separadamente em processo individual, e que o sáo
identificaqáo dos membros da coletividade. O habitante de coletivamente apenas por uma questáo de facilitaqáo de
hoje pode náo ser mais o habitante de ontem, o usuário de acesso a justiqa, de julgamento uniforme e de economia
um determinado serviqo público pode deixar de se-lo. processual.
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

O sistema brasileiro escolheu o regime da coisa Amplamente conhecido é o emblemático caso "Brown
julgada secundum eventum Zitis, ou seja para beneficiar vs. Board Education of Topeka", conduzido pela Corte
Warren,, juntamente com outros precedentes que
mas náo prejudicar as pretensóes individuais, respeitando permitiram o desenvolvimento da doutrina. Mauro
assim plenamente o princípio do contraditório, pois quem Cappelletti, foi o grande propulsor dessas ideias, ern 1976.
náo participou (pessoalmente) da demanda náo pode ser E entre nós, referindo-se As transformacóes processuais
apontadas por Chayes, manifestou-se Fábio Konder
prejudicado pelo resultado. Comparato sobre as características da chamada puálic law
litigation.
Esta é uma questáo espinhosa para o processo coletivo,
havendo ordenamentos que preferem a técnica do opt E assim foi se afirmando o reconhecimento
in ou do opt out, em que o membro do grupo, categoria
ou classe tem que manifestar sua intenciio de integrar a da existencia de uma importante categoria de litígios de
demanda coletiva ou dela ser excluído, para efeito de ser direito público, que deve ser diferenciado náo só da tutela
atingido ou náo pela coisa julgada. Em geral, nas acóes de processual destinada a solucionar conflitos privados, mas
classe do sistema anglo-saxiio prefere-se o opt out e nas do
sistema europeu o opt in. até da tutela coletiva genérica, pois agora o diálogo que
se estabelece no processo tem natureza institucional,
envolvendo outros "poderes" estatais e a solusáo que se
8. Conflitos a serem solucionados pelo processo busca é estrutural.
coletivo estratégico
Estamos falando do controle jurisdicional de políticas
Conflitos de interesse público ou estratégicos sáo públicas, ao qual se opunham ? interpretacáo
i rígida do
princípio de separacáo de poderes e da discricionariedade
os que surgem na sociedade em funcáo da impossibilidade do ato administrativo. Mas hoje o controle é amplamente
ou dificuldade de fruicáode direitos fundamentais sociais,de aceito e praticado pelos tribunais, inclusive pela Justica
natureza prestacional. Envolvem eles a atuacáo do Estado, brasileira.
obrigado a prestacóes positivas, nem sempre cumpridas
O posicionamento mais representativo a favor da
ou indevidamente cumpridas. Trata-se de conflitos com o intervencáo do Poder Judiciário no controle de políticas
próprio Estado, grandes instituicóes ou servicos públicos públicas - rebatendo os argumentos de infringencia
- como sistemas escolares, estabelecimentos carcerários, aos princípios da separa~áodos poderes e h vedacáo do
instituicóes e organismos destinados h saúde pública, acesso controle do mérito da atuacáo administrativa - veio sendo
ao transporte, moradia, saneamento, mobilidade urbana. construído, entre nós, sobretudo por obra do Supremo
Derivam daí os litígios de interesse público, desenvolvidos Tribunal Federal, a partir do Zeading case constituído
a partir da década dos '50 do século passado no direito pela decisáo monocrática do Ministro Celso de Melo
norte-americano. (ADPF 45-9). Nesta também se fixaram os limites para a
Ada Pelleqrini Grinover

intervencáo do Judiciário em políticas públicas: a existencia preferivelmente pela via de solucóes consensuais. O
do mínimo existencial (ou seja, a protecáo de um bem contraditório deve se abrir e a participacáo da sociedade
indispensável a dignidade humana), a reserva dopossível (a civil que deve ser incentivada por todos os meios. A
existencia de recursos financeiros) e a razoabilidade (que se cognicáo do juiz é ampliada, servindo-se ele de assessorias
resolve pela aplicacáo do princípio da proporcionalidade, especializadas e das próprias informaqóes do Poder
ou do justo equilíbrio). Público para que, se náo houver acordo, o magistrado se
Mais recentemente, o Ministro Celso de Mello chegou
de conta dos efeitos de sua decisáo e para que esta possa
a afirmar que, em se tratando de mínimo existencial, ser justa, equilibrada e exequível. As decisóes - que podem
náo cabe sequer op6r a pretensáo a reserva do possivel, ser progressivas - náo devem versar sobre fatos passados
- -
considerando assim o mínimo existencial-o limite dos
limites (RE n. 482.611 Santa Catarina).
aos quais aplicar a lei, mas projetar-se para o futuro, numa
dimensáo prospectiva. A ordem do juiz náo deve ser mais a
A posicáo da mais alta Corte do país é firme no de "pague", ou "faca", mas uma mera indicacáo dos passos
sentido da possibilidade e até da necessidade de controle a serem empreendidos para que se chegue ao resultado
jurisdicional de políticas públicas, acompanhada de pretendido pela sentenca.
maneira uniforme pelos juízes e tribunais de todo o país.
Tem-se dito que a sentenca que se projeta para o futuro
Para o acompanhamento de diversas decisóes do STF, náo é exclusividade do processo estrutural, pois também
ver o RE n. 552168, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, no processo comum a sentenca pode dar ordens para o
julgado em 22/10/2010. Mais recentemente (13/8/15) futuro (como no cumprimento das obrigacoes de fazer ou
manifestou-se o S T F na mesma linha em julgamento de náo fazer, ou no mandado de seguranca). Mas no processo
Repercussáo Geral (Tema 220). clássico (individual ou coletivo), as sentencas sao sempre
proferidas na base do exame de fatos ocorridos no passado.
No processo de interesse público olha-se para o presente,
Mas, para que o controle jurisdicional de políticas
para transformar a realidade, estruturalmente, para o futuro.
públicas se faca de maneira justa, equilibrada e exequível, É isto que, para a ciencia política, se configura como
é necessário instituir um novo processo, que é justamente elemento essencial do Estado Democrático de Direito.
o processo adequado a solucáo dos conflitos de interesse
público: o processo charnado estrutural.
O cumprimento da sentenga, por sua vez, deve ser
flexibilizado, com a participaeáo da administracáo mediante
Neste, deve se levar em conta que o diálogo planejamentos aprovados pelo juiz, que deve acompanhar
processual que se estabelece náo se limita as partes, mas a execucáo, podendo servir-se para tanto de um terceiro
tem natureza institucional, envolvendo outros "poderes" independente, pertencente a órgáos públicos ou privados,
estatais. Daí deriva que a construcáo e execucáo da política i que se ocupe de acompanhar as diversas fases da execucáo
EI
pública devem envolver a colabora~áodos outros Poderes, (aprovacáo do planejamento, cronograma de execucáo,
Ensaio sobre a processualidade

seu controle, adaptacóes dos planos iniciais), sempre em Um caso emblemático e um bom exemplo a ser
comunicacáo estreita com o juiz e sob seu comando. seguido foi o "Beatriz Mendonca", que correu perante a
Suprema Corte da Argentina, em que compareceram
A simples existencia de um processo estrutural, como demandantes grupos de indivíduos afetados,
que olha para o futuro, criando novas situacóes jurídicas,
diversas associacóes ambientalistas e o Defensor do Povo.
torna sem sentido a velha discussáo entre os adeptos da
Deniandados foram o Estado Nacional, a Província de
teoria monista e da teoria dualista do processo. Segundo
Buenos Aires, a Cidade Autonoma de Buenos Aires e
a primeira (Carnelutti) é o processo que cria o direito.
um grupo de 44 empresas que supostamente vertiam
Segundo a segunda (Chiovenda), o processo só declara
substiincias poluentes no rio. A Corte utilizou livremente
o direito pré-existente, já regulado pelo direito material.
seus poderes ordenatórios, flexibilizou o princípio
Daí surgiram incontáveis discussóes terminológicas sobre
preclusivo, pediu aos Estados a apresentacáo peremptória
a "composi~áodo conflito" (feita pelo processo, segundo a
de um planejamento integrado e completo baseado no
teoria monista) e a "solu~áodo conflitoV(feitade acordo com
princípio da progressividade, para a obtenqáo de objetivos
o direito material, pela teoria dualista.) Hoje, a realidade
de forma gradual segundo um cronograma. E m julho
mostra que existem processos - os chamados tradicionais
de 2008 a sentenqa julgou definitivamente a questáo,
- que efetivamente se limitam a aplicar o direito material
destacando que os efeitos da decisáo se projetam para o
pré-existente - e processos, com os estruturais, que criam
futuro e fixando os critérios gerais para seu cumprimento,
a regra que vai reger a situacáo jurídica no futuro. Além
mas respeitando a maneira de cumpri-la, dentro da
de se admitir hoje, em muitos ordenamentos (incluindo
discricionariedade da administracáo. Na execucáo, previu-
o brasileiro) a funcáo criadora da jurisprudencia. Ver
se a participagáo cidadá no controle do cumprimento do
capítulos IV e VIII.
plano de saneamento e do programa fixado, encomendando
- -

A antiga discussáo náo faz hoje qualquer sentido e no ao Defensor do Povo a coordenagáo dessa participagáo,
entanto continua sendo repetida na literatura processual mediante a formacáo de um colegiado integrado pelas
contemporanea.
organizacóes náo governamentais intervenientes na causa.
Todavia, é preciso alertar que esse novo processo, A execuqáo da sentenca está ainda sendo cumprida de
que exige a aplicacáo do chamado método dialogal, com o forma gradual e progressiva, observando o cronograma'
diálogo entre os Poderes, maior publicidade, participaqáo apresentado.
e transparencia, ainda náo existe formalmente. Mas a Outros casos foram conduzidos da mesma maneira pela
jurisprudencia de diversos países tem sabido criá-lo, Suprema Corte da Argentina. A Corte Constitucional da
modificando os esquemas processuais clássicos. Colombia atuou do mesmo modo em casos de política
prisional e de saúde (Berizonce).
Seguindo os mesmos princípios, diversos países no embate entre os poderes, com o compromisso da busca
hoje acolhem a possibilidade de controle jurisdicional de de solucóes consensuais, propiciando mais seguranca ao
políticas públicas por intermédio do chamado processo juiz para chegar a decisóes que náo dirimam o conflito
de interesse público, como a. Índia e a África do Sul. E olhando para o passado, mas que se projetem para o futuro.
náo é por acaso que a necessidade de controle se faca
Está tramitando na Ciimara dos Deputados o projeto
mais necessário em países emergentes, onde Legislativo de lei n. 8058/2014, apresentado pelo Deputado Paulo
e Executivo sáo frequentemente omissos e os direitos Teixeira, que visa a instituir o processo e procedimento
fundamentais sociais menos respeitados. adequados para o controle jurisdicional de políticas
públicas. Autores do Anteprojeto, amplamente discutido,
No Brasil, os tribunais, em geral, náo tem foram Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Paulo
Lucon.
tido o mesmo cuidado e tem-se visto a substituicáo do
administrador pelo juiz. Após a sentenqa condenatória, Mas o que fazer, de Zege Zata? Nada mais do que
rígida e h a , seu cumprimento tem sido muito dificil fizeram outros países. Moldar um novo procedimento,
e frequentemente inexequível. O u ceja, o processo e o adequado ao conflito de interesse público, com comandos
procedimento comum, utilizado nesses casos, náo foram abertos, sucessivos, concatenados e pautados no diálogo.
adequados para a solucáo do conflito estrutural.
O STF, perante o qual foi levada a questáo pela iniciativa
Como exemplos, lembra-se o caso do Hospital Salgado do Instituto dos Advogados de Sáo Paulo, no papel de
Filho, do Município de Porto Alegre, agora em andamento amicus curiae, poderá imprimir o rumo certo a ser seguido
perante o S T F (Agravo de Instrumento n. 854.007) e pelos juízes brasileiros. E, na cautelar da A P D F 347, em
o primeiro tópico da condenacáo do Município de Sáo que a situacáo carcerária foi enquadrada como "estado
Paulo no caso das creches (TJSP Apelacáo 0150735-64- de coisas inconstitucional"(expressáo utilizada pela
2008) que também se encontra perante o STF. Em ambos Corte Constitucional da Colombia) a Suprema Corte já
os casos, ojuiz substituiu-se ao administrador, o que náo lhe demonstrou que está em busca de uma solucáo estrutural.
é permitido.

Ressalva-se, entre muitas decisóes equivocada, o 9. Funcionalidade e disíüncionalidadesdo processo


caso do carváo de Criciúma, que seguiu os parametros de coletivo genérico brasileiro
um verdadeiro processo estrutural (www~~c.jius.br/acao do
carváo). A legislacáo brasileira que trata da solucáo de
Por isso mesmo, seria oportuno regular, conflitos coletivos cuidou ao mesmo tempo de institutos
legislativamente, um novo processo destinado a disciplinar processuais e de procedimentos diversos, que sáo,
o controle jurisdicional de políticas púbicas, com as essencialmente, os da a ~ á ocivil pública, do mandado
características supra indicadas, o que daria maior equilíbrio de seguranca coletivo e da a ~ á opopular constitucional.
Ada Pellegrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

Para examinar a adequacáo desses instrumentos, vamos o da saúde, em que se multiplicam e proliferam as asóes
analisá-los numa visáo geral, centrada principalmente no individuais. E o legislador brasileiro náo se tem mostrado
instrumento mais genérico: a acá0 civil pública. sensível a necessidade de aperfeicoamento do sistema.
Náo há dúvidas de que a introducáo e a aplicacáo Diversas iniciativas objetivando referido aperfeicoamento
do processo coletivo, no Brasil, revolucionaram o direito ficaram frustradas: entre as mais vistosas estáo o projeto
processual e mudaram a fisionomia da justica. Ninguém de lei n. 5139/2009, de iniciativa do Executivo, que foi
desconhece os excelentes servicos prestados a comunidade rejeitado em 2009 pela Comissáo de Constituicáo e Justica
da Cimara dos Deputados; e o projeto de lei do Senado n.
em relacáo ao acesso a justica e transformacáo de um 282/2012, de iniciativa de comissáo constituída pelo Sen
processo individualista para um processo social. Muitos Sarney, que foi arquivado ao se encerrar a legislatura, em
2014.
sáo os méritos do processo coletivo brasileiro, mas ainda
há dificuldades em sua aplicacáo. Por outro lado, ainda náo se encontrou solucáo
Assim, por exemplo, dúvidas e problemas surgem sobre a
correta e definitiva para resolver a questáo da proliferacáo de
natureza da competencia territorial (absoluta ou relativa), demandas individuais, coexistentes ou náo com demandas
a competencia concorrente (que tem como consequencia a coletivas, e de sua possível moleculariza~áo,para reuni-las
proliferacáo de demandas, chegando a questiio ao STJ só
para resolver conflitos de competencia), a litispendencia
ou transformá-las em processos coletivos.
(quando é diverso o legitimado ativo), a coexistencia de
acóes individuais e coletivas, a conexáo (que, rigidamente
interpretada, leva ii proliferacáo de acóes e a multiplicacáo
10. Moleculariza~áode demandas individuais
de decisóes contraditórias), o controle difuso da
constitucionalidade, a possibilidade de se repetir a O acesso a Justica para a fruicáo de direitos
demanda em face de prova superveniente e a de se intentar fundamentais, que a Constituicáo declara solenemente
acá0 em que o grupo, categoria ou classe figure no polo
passivo da demanda.
serem de aplicaqáo imediata (art. 50,s lo) é aberto a todos,
por f o r ~ ado disposto no inc. XXXV do art. 50, o que
Por outro lado, é certo que o Poder Executivo tem significa que tanto a coletividade, para a defesa de direitos
tomado diversas iniciativas capazes de limitar a abrangencia metaindividuais, como o indivíduo, para a defesa de direitos
das acóes coletivas; que o Poder Judiciário, como um subjetivos, podem ajuizar quer acóes coletivas quer aqóes)
todo, tem hesitado em relacáo a teses que oscilam entre individuais. E as estatísticas mostram que, apesar da plena
a abertura e o fechamento das vias coletivas; que o juiz, operacionalidade do minissistema das acóes coletivas e dos
via de regra, náo sabe lidar e náo gosta de a ~ ó e scoletivas, esforcos dos que a elas sáo legitimados (principalmente
preferindo sempre a solucáo individual; que os legitimados Ministério e Defensoria Pública e, em menor medida, as
subutilizam as acóes coletivas, sobretudo em campos como associacóes), os processos coletivos ainda sáo subutilizados
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

no Brasil, havendo grande preponderancia de asóes a) a a ~ á oé ajuizada como sendo individual, mas
individuais em rela~áoas coletivas. na verdade, em füncáo do pedido, os efeitos da
Isto significa fragmentar a prestasáo jurisdicional, sentensa acabam atingindo a coletividade. Assim
fomentar a contradi~áoentre julgados, tratar desigualmente se um indivíduo, invocando seu direito subjetivo,
os que estáo exatamente na mesma situacáo (jurídica ou pretende o fechamento de uma casa noturna,
fática) e assoberbar os tribunais, que devem procesar e em virtude do ruído que o perturba, ou de uma
julgar em separado milhares, ou centenas de milhares de fábrica poluente, que o atinge, a sentenca, favorável
demandas repetitivas, quando um único julgamento em ou desfavorável, atingirá todos os membros da
agá0 coletiva poderia resolver a questáo erga omnes. comunidade que sofriam os efeitos da casa noturna
ou da fábrica poluente. Neste caso, teremos uma
E certo que o novo CPC preve um incidente de acá0 individual com efeitos coletivos. D e nada
resolu~iiode demandas repetitivas (art. 976 SS.)que de alguma adianta afirmar que a coisa julgada atua interpartes,
maneira pode amenizar o problema: mas aqui ainda se por se tratar de agá0 individual, porque (ainda que
trata de uma técnica para agrupar demandas e julgar reflexamente) atingirá a todos.
algumas delas por amostragem, aplicando as demais, que
ficam suspensas, a mesma tese (exclusivamente de direito). b) o pedido, embora baseado num direito subjetivo,
As acóes ainda sáo individuais ,e as decisóes, embora na verdade só pode ser formulado coletivamente,
uniformes, só operam interpartes. E uma técnica que visa a pois só pode afetar diretamente a todos.Trata-se de
casos em que a relacáo de direito material, jurídica
celeridade e a uniformidade de decisóes, mas ainda náo se
ou de fato, é unitária, e só pode ser resolvida de
trata de verdadeira coletivizafáo e nenhuma influencia essa
maneira igual para todos. A denominasáo para esse
técnica exerce sobre o minissistema de processos coletivos.
tipo de a ~ ó e és pseudoindividuais.
Para que isso ocorresse, era preciso dar um passo
Exemplo clamoroso de aqóes pseudoindividuais, que
mais e aglomerar ou transformar acóes individuais em foram julgadas erroneamente como individuais, foi o
acóes coletivas, com efeitos erga omnes. de centenas de milhares de aqóes que pediam a isenqáo
do pagamento da tarifa telefbnica. Aqui, por disposiqáo
Mas, que demandas coletivizar e como coletivizar? do direito material, a relaqáo jurídica era unitária, pois a
tarifa necessariamente devia ser igual para todos, de modo
Aqui, torna-se necessária uma pequena digressáo. que ou era paga por todos ou nao era paga por ninguém
Entre as demandas estritamente individuais e (Kazuo Watanabe).

estritamente coletivas, existe um plano intermediário, com Feita essa observacáo, e tendo presente a diferenca
duas hipóteses possíveis: feita acima entre a tutela de direitos difusos ou coletivos
Ada Peliesrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

Náo se especifica, porém, que as acóes individuais ficarao


(shictosensu) e individuais homogeneos, pode-se responder
suspensas - ressalvados os casos em que a suspensáo
A pergunta: que demandas coletivizar, e como coletivizar? ocasionaria prejuízos ao demandante individuas - nem se
os autores de demandas individuais poderáo ingressar no
As demandaspuramente individuais só podem ser processo coletivo como litisconsortes.
coletivizadas quando se tratar de demandas repetitivas, por
intermédio de uma única afáo coletiva em defesa de interesses A segunda técnica de coletivizaqáo inserida no
ou direitos individuais homog?neos, que decidirá a questáo novo Código era a prevista no art. 333, que a denominava
uma vez por todas, passando os indivíduos diretamente A de conversáo da a~áoindividual em a~áocoletiva.
fase de liquidacáo e execuqáo, a título pessoal. As asóes Esta técnica visava a coletivizacáo de acóes
individuais ficaráo necesariamente suspensas, com excecáo impropriamente ajuizadas como individuais, mas que na
de casos de urgencia. Esta é a única coletivizacáo possível, verdade só poderiam ser propostas como a~óescoletivas em
e dependerá da iniciativa dos legitimados. defesa de interesses dfusos ou coletivos.
Mas, se se tratar de uma a@o individual com Cuidava-se aqui da coletivizacáo de uma demanda
efeitos coletivos ou de uma afáo pseudoindividual, por individual com efeitos coZetivos (art. 333,I) ou da demanda
sua própria natureza deveria ela ser convertida em aqáo pseudoindividual (art. 333,II) e a acá0 coletiva trataria da
coletiva em defesa de interesses ou direitos dfusos ou coletivos defesa de direitos difusos ou coletivos (SS). Mas o dispositivo
(shicto sensu). Náo é possível tratá-la como individual, foi vetado.
porque individual náo é, e a coletivizacáo deve ser feita ope
judicis. Claro que, nesses casos, o contraditório deverá ser Ambas as técnicas seriam complementares, e náo
preservado e a deverá ser permitida a presenca do autor excludentes, da utilizada para o incidente de resolucáo de
original no pólo ativo. demandas repetitivas.

As duas técnicas estavam no novo CPC, mas uma Agora, a coletivizacáo de demanda individual com efeitos
coletivos e de demandas pseudo-coletivas está prevista no
delas foi vetada. Projeto de Lei n. 8058/2014, mencionado no n. 8 supra.
A primeira técnica, que prevaleceu, visa a reunir
acóes individuais repetitivas em uma única acá0 em 11. Métodos náo judiciais de solugáo de conflitos
defesa de direitos individuais homogeneos, estimulando
para tanto os legitimados as acóes coletivas, quando se Mesmo com essa moderna vocagáo a oferecer
depararem com diversas demandas individuais repetitivas, tutelas jurisdicionais diferenciadas, a Justica estatal náo é
a ajuizar a acá0 coletiva (art. 139, X). o único caminho pelo qual se procura oferecer solucáo aos
conflitos.Avanqa no mundo todo, inclusive no Brasil, a ideia
de que outros métodos adequados de soluqáo de conflitos, 12. Conflitos adequados ii solu@io pela arbitragem
náo estatais, podem ser utilizados para pacificar com
justiqa e com maior eficiencia. Tais sáo os chamados meios A Arbitragem foi revigorada no Brasil pela Lei
alternativos de soluqáo de conflitos (alternative dirpute n.9037/96, que alinhou as antigas disposiqóes do CPC de
resolution ou, em outra denominaqáo, meios alternativos de 1973 ao tratamento dos demais países, mais familiarizados
solugáo de confites), nos quais se busca uma autocomposi@o, com o instituto. Recentemente, a Lei n. 13129/2015
isto é, uma soluqáo do conflito por ato das próprias partes introduziu algumas alteraqóes que a aperfeiqoaram e
(conciliaqáoou mediaqáo), ou uma heterocomposigáoprivada a ampliaram. Pode-se afirmar que hoje a arbitragem é
(decisáo por árbitros nomeados pelos próprios litigantes). bastante utilizada no país e está em franca expansáo.
Na verdade, até o julgamento do STF, de 12/12/2001, que
Como forma de autocomposicáo existe também a
considerou a lei de 1996 constitucional, em processo de
negociayáo, em que as partes em conflito dirimem seus
homologacáo de sentenqa arbitral estrangeira (SE 5206),
conflitos diretamente ou com a colaboracáo de um terceiro
a aplicacáo da arbitragem tinha ficado em compasso de
(negociayáo assistida).
espera.
A percepqáo de uma tutela adequada a cada Todavia, nem todos os conflitos podem ser
tipo de conflito modificou a maneira de ver a arbitragem,
submetidos a arbitragem, que só pode ter por objeto
a mediaqáo e a conciliaqáo que, de meios sucedgneos,
direitos patrimoniais disponíveis.
equivalentes ou meramente alternativos a jurisdiqáo estatal,
ascenderam a estatura de instrumentos mais adequados de No entanto, deve-se observar que a antiga visáo da
soluqáo de certos conflitos. E tanto assim é que a leitura indisponibilidade de direitos está a cada dia mais
enfraquecida, pois mesmo nos direitos indisponíveis pode
atual do princípio constitucional de acesso i justiqa ("a haver transaqáo em relacáo ao tempo, modo, forma de
lei náo excluirá da aprecia~áodo Poder Judiciário lesáo cumprimento da obrigacao.
ou ameaqa a direito" - Const., art. 50 inc. XXXV) é hoje
Predomina na arbitragem a autonomia da vontade
compreensiva da justiqa arbitral e da conciliativa, incluídas
das partes, que a ela se submetem voluntariamente por meio
no amplo quadro da política judiciária e consideradas
da clausula compromissória, de natureza contratual, antes
como espécies de exercício jurisdicional. Entendemos,
que o conflito surja, ou pela convengáo arbitral, de natureza
portanto, que tanto a arbitragem como a justiqa consensual
negocial, antes ou depois do surgimento do conflito. Sáo
integram o conceito de jurisdiqáo (que hoje, conforme as partes que escolhem os árbitros. O procedimento arbitral
visto, caracterizamos como atividade, funqáo e garantia, é informal e inteiramente flexível. Pode ser livremente
voltada ao acesso a justiqa e a pacificaqáo dos conflitos: ver pactuado de comum acordo, podendo as partes escolher a
capítulo 1). lei aplicável e até o julgamento por equidade.
Ada Pellesrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

O julgamento por equidade é um julgamento que náo deve


necessariamente se basear nas disposicóes legais previstas
imagem pública pelo sigilo e atraídas pela especializacáo
no ordenamento, obedecendo aos critérios de justica e nao dos árbitros. Mas lentamente a arbitragem está se
de legalidade estrita. estendendo a relaqóes interpessoais e está sendo tomada
em consideracáo também por órgáos públicos.
A imparcialidade e a equidistancia dos árbitros
sáo plenamente asseguradas, equivalendo totalmente as do
juiz togado. 13. Conflitos adequados solugiio pela justi~a
conciliativa
A celeridade, a flexibilidade, a confidencialidade,
o sigilo sáo características essenciais do procedimento, Mas, mesmo na arbitragem, ainda estamos perante
sendo que a sentenca arbitral se reveste da autoridade a de um procedimento adversarial e de uma solu~áodo
da coisa julgada e só pode ser atacada junto ao Poder conflito imposta.
Judiciário quando houver descumprimento das garantias
constitucionais ou de regras de ordem pública. O Judiciário Diversa é a justica conciliativa, em que sáo os
náo pode apreciar o mérito da sentenca arbitral e, em caso próprios titulares que constroem o consenso, solucionando
de anulasáo por um desses vícios, o julgamento de mérito o conflito de acordo com sua vontade informada.
retorna aos árbitros. Trata-se, portanto, de um juízo de Falamos em justica conciliativa para indicar
mérito único. os meios consensuais de solucáo de conflitos ligados ao
processo.. No entanto, é preciso lembrar que esses métodos
Tem-se, com isto, um procedimento perfeitamente
adequado i solucáo de um conflito determinado e
também podem ser extrajudiciais, utilizados para evitar o
específico. Fala-se da justica arbitral como de um sistema processo.
totalmente diferente do constituído pelo da Justica estatal,
mas seria muito oportuno que este Último se inspirasse A utilizacáo da conciliacáo e mediacáo foi disciplinada no
naquele, em termos de flexibilizaqáo e de adaptabilidade. Brasil pela Resolucáo no 125, de 29 de novembro de 2010,
É certo que algumas caraterísticas próprias da arbitragem do Conselho Nacional de Justica, que instituiu a Política
foram incorporadas pelo CPC de 2015: a possibilidade Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos de
de as partes exercerem a autonomia da vontade, por interesses. O Código de Processo Civil de 2015 privilegia
intermédio dos negócios jurídicos processuais, e uma certa a conciliacáo e a mediacáo, tanto na Parte Geral, como
adaptabilidade do procedimento. Mas nosso processo em disposicóes específicas sobre esses métodos, como a
judicial continua rígido e privilegia as preclusóes. que institui a audiencia de concilia~áo/mediacáo,anterior
a contestacáo do réu (art.331). Um pouco antes, tinha
Por outro lado, tradicionalmente a arbitragem tem entrado em vigor a Lei de Mediacáo (Lei n. 13.140/2015),
com disposicóes sobre a mediacáo judicial e extrajudicial.
sido considerada mais adequada para a solucáo de conflitos Pode-se afirmar que os tres diplomas normativos, que sáo
que envolvem empresas, em suas relaqóes nacionais ou compatíveis, constituem hoje o minissistema brasileiro de
internacionais, mais interessadas na preservacáo de sua justica consensual.
Ensaio sobre a processualidade

O principal fundamento da justiqa conciliativa é Na negociafáo as próprias partes envolvidas


apaczjcagáo. No processo judicial e na arbitragem, em que chegam a uma soluqáo, sem que seja necessária a
a decisáo é imposta, a pacificaqáo pode até existir no plano intervenqáo de um terceiro, podendo, entretanto, contar
social (pois o conflito foi dirimido em face da sociedade), com o auxilio de profissional especialmente capacitado
mas certamente náo existe para as partes. No charnado para o desenvolvimento de negociaqóes (negociafáo
perde-ganha sempre haverá uma parte insatisfeita (quando assistida). A negocia~áodireta apresenta-se como o método
náo as duas, como acontece na sucumbencia recíproca). adequado, quando as partes mantem bom relacionamento
Além disso, mesmo na pacificaqáo social, apenas uma parte e conseguem tratar objetivamente das questóes a decidir.
do conflito - a parte levada ao processo judicial ou arbitral-
A conciliafáo se dá por intermédio da atividade
é solucionada, restando a sua base o conflito sociológico.
desenvolvida por um terceiro facilitador, para incentivar,
Também é importante o fundamento político da justiqa
facilitar e auxiliar as partes a se autocomporem, adotando
participativa, pois náo só mediadores e conciliadores, como
metodologia que permite a apresentaqáo de propostas,
as próprias partes,participam da soluqáo do conflito, o que
visando A obtenqáo de um acordo, sem forqar as vontades
é característico da democracia participativa, com seus
dos participantes. O conciliador investiga apenas os
vários momentos em que a sociedade é chamada a atuar.
aspectos objetivos do conflito e sugere opqóes para sua
O terceiro fundamento - talvez o mais discutível de todos soluqáo, estimulando as partes a celebraqáo de um acordo.
- é o funcional, porque se afirma que a utilizaqáo desses
É indicada para a soluqáo rápida e objetiva de conflitos
instrumentos é capaz de desafogar o acúmulo de trabalho
superficiais, que náo envolvem relacionamento entre as
dos tribunais estatais. Mas, como já se afirmou, entendemos
partes, náo tendo a soluqáo encontrada repercussáo no
que para cada conflito exista um meio adequado de soluqáo
futuro das vidas dos envolvidos.
que, dependendo do caso, pode ser a Justiqa estatal, arbitral
ou conciliativa. E, assim, diferencia-se da mediaqáo, na medida
em que apresenta procedimento mais simplificado, náo
Em outros países, como os Estados Unidos da América,
existe um amplo leque de instrumentos utilizados pela
tendo o conciliador que investigar os verdadeiros interesses
justica conciliativa, selecionados conforme sua maior e necesidades das partes, subjacentes ao conflito aparente.
adequacáo a cada caso concreto nos chamados tribunais
multiportas. No Brasil, entretanto, os métodos mais Pela mediafáo um terceiro facilitador, num
utilizados sáo a negociafáo, a mediafáo e a conciliafáo, além ambiente sigiloso, auxilia as partes em conflito no
de outros, aplicáveis a Justiqa restaurativa. restabelecimento do diálogo, investigando seus reais
interesses, através de técnicas próprias, e fazendo com
Trataremos, a seguir, sinteticamente dos principais
que se criem opqóes, até a escolha da melhor, chegando as
métodos consensuais de soluqáo de conflitos existentes no
próprias partes a soluqáo do conflito. E m outras palavras,
Brasil.
Ensaio sobre a processualidade

a mediaqáo é um procedimento cooperativo, que leva isso se deveu ao próprio conceito clássico de jurisdi@o e
em conta as emoqóes, as dificuldades de comunicaqáo e aos elementos que a definiam, sendo os principais a lide,
a necessidade de equilibrio e respeito dos conflitantes e a sudstitutiwidade, a coisaju(gada e a inércia. No entanto,
que pode (eventualmente) resultar num acordo viável, conforme se viu no capítulo anterior, o conceito e os
fruto do comprometimento dos envolvidos com a soluqáo elementos da jurisdiqáo podem e devem ser adaptados
encontrada. Para tanto, exige-se que os participantes sejam para atender a todos os meios jurisdicionais de soluqáo de
plenamente capazes de decidiqpautando-se o procedimento conflitos.
pela livre manifestaqáo da vontade dos participantes, boa-
Falta examinar se todos os conflitos podem ser
fé, livre escolha do mediador, no respeito e cooperasáo no
adequadamente solucionados pela justisa conciliativa.
tratamento do problema e na confidencialidade.
Em primeiro lugar, só os transacionáveis podem lhe ser
Em princípio, todos os conflitos interpessoais podem ser submetidos.
trabalhados na mediacáo e, se esta náo culminar num
acordo, pelo menos os participantes teráo esclarecido o Parece, porém, que nem todos os conflitos
confite e aprendido a dialogar entre si de forma respeitosa encontram sua melhor solucáo na justiqa conciliativa.
e produtiva, pois o verdadeiro objetivo do mediador náo
é obter um acordo, mas sim restabelecer o diálogo entre
Quando se trata de conflitos complexos, cujo tratamento
as partes, permitindo que melhorem o relacionamento.. A dependa do exame aprofundado da matéria de direito
mediacáo representa, assim, uma fusa0 das teorias e das ou de provas complicadas, como no caso de perícias,
práticas das disciplinas da psicologia, assistencia social,
assessoria, direito e outros servicos do campo das relacóes
a Justisa conciliativa náo pode suplantar o processo
humanas, sendo interdisciplinar. estatal. É oportuno lembrar a palavra profética de Mauro
Cappelletti: a justiqa conciliativa é a mais adequada para as
O procedimento de mediaqáo e conciliaqáo é relap3es coexistenciais.
baseado na autonomia da wontade, livremente manifestada,
para atingir o consenso; na informalidade; na presenqa de Por outro lado, existe um argumento inquietante,
um terceirofacilitador imparcial, devidamente capacitado, e levantado por Michele Taruffo: o mediador/conciliador .

na aplica~áode técnicas diversas, aderentes ii natureza do náo saberia lidar com conflitos em que há desequilibrio
conflito. entre as posicóes das partes, como sabe fazer o juiz, e isto
levaria a acordos injustos, de certa forma impostos a parte
Conciliaqáo e mediacáo podem ser extrajudiciais mais fraca, com a complacencia do terceiro facilitador.
(ocorrendo previamente ao processo judicial ou arbitral) ou
judiciais (quando se dáo dentro do processo já instaurado). A crítica nao se baseia em meras hipóteses ou fantasias.
A prova disto está em diversas práticas de mediacáol
Durante muito tempo, negou-se natureza conciliacao que se utilizam em nosso país: a conciliacáo
na Justica do Trabalho em muitos casos é de índole
jurisdicional i mediaqáo e conciliaqáo judiciais. Claro que
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

matemática. Nas causas previdenciárias, quando o INSS soluqáo de cada conflito, verifica-se que a Justiqa estatal
está convencido de que o segurado tem razáo, náo resolve
a questáo administrativamente mas vai conciliacáo
nem sempre se apresenta como a via melhor, mais eficiente
para oferecer uma parcela da importancia devida. E no e efetiva. O principio da autonomia da vontade acabou se
campo do consumidor, nos assim chamados "mutiroes de impondo sobre a ideia do monopólio estatal.
concilia~~o",o credor simplesmente oferece uma proposta
fechada, para renegociar a dívida. Por outro lado, sempre haverá largo espaqo para a
Justiqa estatal: em primeiro lugar, em relaqáo aos direitos
A verdade é que só um conciliador/mediador indisponíveis ou náo transacionáveis (como prefere dizer
altamente qualificado pode se dar conta do desequilíbrio
o minissistema de justiqa conciliativa). Em segundo
-
lugar,
(social, economico, hierárquico, cultural, organizacional, I
pela própria natureza do conflito.
etc.) entre as partes. Verificando sua existencia, deverá 1
tentar superá-lo com as técnicas a sua disposiqáo. Mas, se Casos de perícias muito complexas,que demandam
náo o conseguir, o procedimento deverá ser interrompido, largo espaqo de tempo, náo seráo adequadas para o juízo
com a submissáo do conflito a Justiqa estatal. arbitral, que tem como característica a celeridade. O u causas
muito simples, apreciadas rapidamente pela Justiqa estatal
A almejada pacificaqáo náo pode ser buscada a
qualquer preqo, e se a Justiqa conciliativa nada mais é do (como um despejo, ou algumas causas cíveis de menor
que um meio de acesso a justiqa, náo podem ser admitidas complexidade) certamente náo necessitam do recurso
soluqóes injustas para a parte vulnerável. Para que a a arbitragem. Por sua vez, como visto no n. 13 acima, o
soluqáo do conflito seja justa e adequada, a manifestaqáo da mediados/conciliador pode perceber que o diálogo entre os
vontade náo pode ser só livre, mas também bem informada conflitantes náo se desenvolve como deveria, por questóes
e totalmente compreendida. diversas, e que náo se chegará a uma decisáo informada,
devendo nesse caso encerrar o processo consensual,
remetendo as partes as vias judiciais.

Sobretudo no início do ressurgimento das vias


ditas alternativas, náo faltaram críticas &quilo que se
entendeu como uma privatizaqáo da Justiqa. Afinal, o Utilizando a metodologia instrumental, o processo'
Estado estaria abrindo máo de seu poder jurisdicional, pode ser construído e analisado a partir dos conflitos que
permitindo que a soluqáo dos conflitos fosse atribuída a busca solucionar, de maneira efetiva,justa e adequada.
agentes privados.
Embora seja possível partir de uma tipologia
Essa crítica náo tem fundamento. Partindo da de conflitos, em busca do processo e procedimentos
lógica da busca do instrumento mais adequado para a adequados a sua soluqáo, o legislador náo pode prever e
Ada Pelleqrini Grinover

b a r o procedimento especial adequado a solucáo de cada


conflito.
É necessário, por isto, adaptar e flexibilizar o
procedimento para que responda a crise de direito material
subjacente. Há que se avanqar no caminho do diálogo dos
procedimentos.
Os conflitos coletivos podem envolver grupos,
categorias ou classes de pessoas ou nascer do interesse
público ameaqado ou violado. Por isto, é necessário
distinguir o processo coletivo genérico do processo
coletivo estrutural e examinar sua funcionalidade e suas
disfuncionalidades.
Além da utilizaqáo da justica estatal, os conflitos
podem ser solucionados pela justica arbitral e pela justica
conciliativa. Todas elas se apresentam como meios mais ou
menos adequadas para a soluqáo de cada conflito.
Náo é correto falar-se em privatizaqáo da justica,
em face do reconhecimento de vias mais adequadas para
a solucáo de determinado conflito, livremente escolhida
pelas partes, no uso de sua autonomia da vontade. Sempre
sobrará muito espaco para a Justiqa estatal, náo só em
func;ao da existencia de direitos indisponíveis ou náo
transacionáveis, como porque ela também pode se mostrar
a via mais adequada no caso concreto.
1. Acesso a justiqa como acesso
a ordemjurídica justa

efetivo acesso A justica é aquele que gera acesso


A ordem jurídica justa, por intermédio de urna
tutela adequada que solucione os conflitos e leve
A pacificacáo social. Isso vai além do acesso ao Judiciário,
náo podendo o tema ser estudado nos acanhados limites de
acesso aos órgáos judiciários existentes no país.
Segundo licáo de Kazuo Watanabe, que cunhou a
expressáo, nessa visáo mais arnpla, o efetivo acesso justica
depende de múltiplos fatores, como, por exemplo, (i) a
organizacáo judiciária adequada A realidade do país, com -

sua modernizacáo e realizacáo de pesquisa permanente


para o conhecimento dessa realidade e dos conflitos que,
nela ocorrem; (ii) a organizacáo de servi~osvoltados ao
tratamento adequado das controvérsias, inclusive com
a utilizaqáo de mecanismos diversos do processo estatal,
como a arbitragem e os meios consensuais de soluqáo
de conflitos, dentre os quais se destacam a mediacáo e a
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

prevendo o acesso a justica como garantia e direito de


conciliacáo; (iii) a adequacáo dos instrumentos processuais
todos os cidadáos brasileiros.
efetiva tutela dos direitos individuais e coletivos dos
jurisdicionados; (iv) a prestacáo adequada dos servicos
de assistencia jurídica integral, que propicie náo somente 3. Marcos legais anteriores e posteriores A Constitui~áo
o acesso aos órgáos da jurisdicáo (estatal ou náo), como Brasdeira de 88
também orientacáo e informacáo jurídica; (v) a formacáo
adequada dos juízes, dos árbitros e de terceiros facilitadores Anteriormente a promulgacáo da Constituicáo,
e seu permanente aperfeicoamento; (vi) a remocáo dos existiram avancos importantes relacionados ao acesso a
diferentes obstáculos (economico, social, cultural, e de justica, como a Lei da Acáo Popular - Lei no 4717, de
outras espécies) que se anteponham ao acesso a ordem 1965 (que permitiu a participacáo do cidadáo, por meio do
jurídica justa; e (vii) a pesquisa interdisciplinar permanente Judiciário, na gestáo das coisas públicas), a Lei dos Juizados
para o aperfeicoamento do direito material. de Pequenas Causas - Lei no 7.244, de 1984, (facilitacáo
do acesso a justica a populacáo mais humilde, com os
beneficios da gratuidade, da simplificacáo, da celeridade,
2. Evolugáo do tema da efetividade e do incentivo a solucáo amigável), depois
Passados mais de 30 anos da elaboracáo do Projeto substituída pela Lei dos juizados especiais (Lei n. 9.099,
Florenca sobre acesso a justica de Mauro Cappelletti, de 1995); e a Lei da Acáo Civil Pública - Lei no 7.347,
pode-se dizer que o mundo vivenciou grandes mudanqas. de 1985 (que assegurou o acesso a justica aos interesses
No momento do projeto Florenca, vivia-se a realidade pós- metaindividuais). E hoje podemos afirmar que, embora
segunda guerra mundial, tendo os diversos países que foram ainda haja muitas providencias a serem adotadas, se
objeto do estudo passado por intensas transformacóes avancou muito na primeira onda renovatória do acesso a
sociais, economicas e políticas que impactaram no efetivo justiga, identificada por Cappelletti como a que assegura
acesso a justica. o acesso a Justica dos menos favorecidos (pelos Juizados
Especiais, pela instituicáo da Defensoria Pública e pelo
O Brasil náo estava dentre os países latino-americanos incremento a Justica conciliativa), E m relacáo a segunda
analisados no Projeto Florenca (Chile, Colombia,
México e Uruguai), mas o livro "Acesso a justica" escrito
onda, o Brasil foi pioneiro, entre os países de civil Zaw,'
por Cappelletti e Bryant Garth, representou um marco em institucionalizar a tutela jurisdicional dos interesses
significativo para o estudo do tema no país. A publicacáo metaindividuais, que ainda está aperfeicoamento; e a terceira
da traducáo brasileira, coincidentemente, ocorreu no
ano da promulgacáo da Constituicáo Federal de 1988,
onda - o modo de ser do processo - é objeto das atuais
que marcou um importante momento de transicáo para e permanentes preocupacóes dos especialistas, contando
a democracia após longo período de regime militar, o sistema com a introducáo de novos instrumentos de
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

Muito relevantes os Relatórios "Justica em Números" e


aceleracáo, desformalizacáo e informatizacáo do processo,
"Os 100 maiores litigantes", que trazem dados estatísticos
sem contar corn o novo Código de Processo Civil, que referentes a prestacáo jurisdicional no país, evidenciando
adotou institutos e técnicas novos. os desafios ainda existentes para um acesso amplo e
democrático a Justica.
Em relacáo as solucóes pertencentes a "terceira
onda" identificada por Cappelletti, merecem ser O CNJ também contribuiu sobremaneira
destacadas, além das leis surgidas na década de "80, acima para o acesso a justica, corn a Resolucáo no 125, de 29
mencionadas, o "Código de Defesa do Consumidor"que na de novembro de 2010. Com essa Resolucáo instituiu-
parte processual, além de completar e aperfeicoar o sistema se nova política nacional de tratamento adequado dos
brasileiro de processos coletivos, trouxe maior efetividade conflitos de interesses, atualizando o conceito de acesso
da tutela jurisdicional, tanto no plano coletivo como no justica como acesso a ordem jurídica justa, assegurando
individual, e também algumas importantes leis processuais a todos os cidadáos o direito a solucáo dos conflitos de
aprovadas nos anos de 1994 e 1995. interesses e dos problemas jurídicos ern geral pelos meios
Delas, merecem ser destacadas: a) a que instituiu a
mais adequados, e náo apenas pelos processos estatais,
audiencia preliminar, tornando o juiz mais ativo na corn a institucionalizagáo, corn critérios de qualidade e de
conducáo do processo, mas que foi deturpada na prática uniformidade em sua prática, dos mecanismos consensuais
judiciária; b) a que admitiu a concessáo de antecipacáo
da tutela em todo e qualquer processo, alterando-se o
de solucáo de conflitos.
paradigma processual até entáo existente, que náo admitia
No ambito do Executivo, em termos de políticas públicas
a execucáo sem prévia cognicáo completa, a náo ser em
voltadas ao acesso a justica, releva destacar a atuacáo de
situacóes expressamente excepcionadas pelo legislador;
duas Secretarias do Ministério da Justica: a Secretaria
d) maior efetividade, pragmatismo e flexibilidade nos
Nacional de Reforma do Judiciário (SRJ) e a Secretaria de
provimentos jurisdicionais, adotando-se corn maior
Assuntos Legislativos (SAL). A primeira foi recentemente
amplitude o provimento mandamental, que é muito
extinta. Ambas tinham em sua pauta a preocupacáo corn
assemelhado a "injunction" do direito norte-americano.
a democratizacáo do acesso a justica, sendo que a postura
Essas providencias legislativas possibilitaram maior
da SRJ indicou a intensificaqáo do debate do Sistema
efetividade ao acesso a justica e a ordem jurídica justa.
de Justica no intuito de articulá-lo corn a sociedade
civil e organismos internacionais, angariando propostas
Ainda sobre os marcos legais, é importante lembrar referentes a reforma do Judiciário; enquanto a SAL se ,
a Reforma do Judiciário Brasileiro, através da Emenda destacou pela criacáo do Projeto "Pensando o Direito",
Constitucional no 45, de 2004, que criou o Conselho corn o intuito de realizar pesquisas e tornar o processo
legislativo e debate sobre projetos e anteprojetos de lei
Nacional de Justica (CNJ), órgáo externo de planejamento mais democráticos e participativos.
e controle do Poder Judiciário, o qual assumiu importante
papel na realizacáo e no financiamento de pesquisas Atualmente, corn a entrada em vigor do CPC de
voltadas ao conhecimento e transparencia do Judiciário. 2015, novos avancos foram promovidos em tema de acesso
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processuatidade

2t justica,
principalmente pela introducáo ou renovacáo de 4. Acesso a justica e pacificaciio social
técnicas processuais, que dizem respeito ao modo de ser do
processo e que muito tem a ver corn a celeridade processual. O acesso ii justica - e i ordem jurídica justa -
conduz ii pacificaqáo, pois é por ele que os conflitos sáo
Podem-se lembrar, por exemplo, a gestáo participativa do
processo, a relevancia atribuída a jurisprudencia, a adqáo
adequadamente tratados encontrando solucáo justa.
da distribuicáo dinamica do b u s da prova, o incidente Essa pacificacáo pode ser menor ou maior, conforme
de desconsideracáo da personalidade jurídica, a ampliacáo o instrumento utilizado. Conforme já visto, o processo
do tratamento de causas repetitivas, a possibilidade
estatal também tem em vista a pacificacáo, mas nele esta é
de requerer provimento antecipatório em processo
autonomo, a estabilizacáo de tutela antecipada, a sentenca apenas social, na medida em que retira do mundo jurídico
parcial de mérito, a contagem de prazo para a rescisória e fático o conflito; mas certamente a solucáo imposta náo
a partir da descoberta de prova nova, a substituicáo dos pacifica as partes: primeiro, porque só parte do conflito -
embargos infringentes pela técnica do prosseguimento
do julgamento corn ampliacáo do colegiado, a previsáo aquele levado ao processo - é solucionado, permanecendo
de acá0 coletiva passiva nas possessórias. Embora nem ii sua base as verdadeiras raízes do conflito, que náo sáo
sempre funcionalmente perfeitas, essas novas técnicas - a desvendadas e que podem gerar novas demandas; segundo,
serem aperfeicoadas pela doutrina e pela jurisprudencia -
mostram um avanco no modo de ser-do processo brasileiro. porque na aplicacáo do critério perde-ganha, o vencido
raramente se conforma corn a solucáo imposta , o que é
Por fim, é importante considerar que, estando o demonstrado pelos recursos reiteradamente interpostos
acesso ii justica intimamente relacionado corn as condicóes e pelas dificuldades e obstáculos no cumprimento da
sociais, políticas e economicas do país, a dimensáo sentenca. Um grau maior de pacificacáo é atingido pela
continental do Brasil deve ser considerada, assim como arbitragem, porque é pela vontade das partes que os
as imensas diversidades regionais, pois há grande variaqáo árbitros sáo nomeados, corn base na confian~a,e porque a
de índices de base como educaqáo, ocupaciio e renda. autonomia da vontade é mais respeitada ao longo de todo
A diversidade indica variacóes táo contrastantes entre o processo arbitral. Mas aqui também a solucáo do conflito
as regióes do país que é comum se ouvir que é possível é imposta e se baseia no perde-ganha. E a inconformidade
encontrar diversos "Brasis" dentro do Brasil. do vencido é demonstrada pela frequente busca do Poder
Isso deve guiar o legislador, o intérprete e os Judiciário na tentativa de anular a sentenca arbitral. 0 ;
mais completo instrumento de pacificacáo é constituído
operadores do direito na busca da universalidade do acesso
pela Justiqa conciliativa, em que sáo as próprias partes que
ii justica, removendo os obstáculos que a ela se antepóem,
buscam a soluqáo do conflito, que é exposto e trabalhado
de acordo corn as especificidades de cada grupo social.
por inteiro, principalmente na mediacáo. Como visto,
o terceiro facilitador limita-se a auxiliar as partes na
Ensaio sobre a processualidade

busca do consenso e este é construído diretamente pelos ofensor pode ou náo incluir seus familiares como suporte
interessados, náo havendo vencedor nem vencido. Assim se para ambos, tanto no momento da mediacáo como no
alcanca a verdadeira pacifica~áo,náo só social, mas também comprometimento com as propostas que possam dela advir.
das partes. Enfim, no processo penal, acesso a justica
Acesso a justiga e pacifica~áosocial sáo conceitos também é o instrumento que assegura a finalidade social
igualmente aplicáveis ao processo penal. Em relaeáo ao de pacifica~áoe, sobretudo, o de legitimar e exercício do
consenso, o processo penal brasileiro está completamente Poder Estatal para aplicar, quando for o caso, urna punicáo
defasado, pois só o admite nas infracóes penais de menor justa. O funcionamento da jurisdicáo penal em si já é uma
potencial ofensivo em que, por disposiqáo constitucional, garantia, e o processo é o instrumento que assegura ao
se permite a transacáo. E a própria transacáo só pode ser acusado e ao Estado que a imposieáo da punicáo estatal se
utilizada em relacáo a aplicacáo de penas náo restritivas da dará estritamente no marco da legalidade e do respeito aos
liberdade. direitos humanos. O acesso a justiga, com o funcionamento
de um processo adequado, fará com que o resultado obtido,
Em outros ordenamentos, como o italiano, a autonomia
da vontade atinge a escolha do tipo de procedimento e a
ceja a absolvi~áoou condenaqáo, será aceito como expressáo
transacáo pode incidir sobre penas privativas da liberdade. da justiqa. Aqui avulta a funcáo de garantia da jurisdicáo, a
qual voltaremos em outro capítulo (n. VII).
Mas é muito alvissareira, no processo penal, a
abertura ao consenso representada pela Justiga restaurativa,
Conclusóes
recentemente formalmente instituída por Resolu~áodo
CNJ, que se ocupa da solucáo de conflitos que surgem O acesso a justica - por si só, um princípio
em funsáo do cometimento de um crime entre a vítima, o constitucional - náo se perfaz apenas pelo acesso aos
ofensor e a comunidade em que se inserem. Seus métodos tribunais, mas sim pelo acesso a ordem jurídica justa,
podem ser utilizados em qualquer fase do processo penal e englobando uma série de requisitos acima enunciados.
mesmo após a condenaqáo. Nesse amplo conceito, o acesso a justiqa é regido pelos
Dependendo da cultura aonde é utilizada, os resultados subprincípios da universalidade e da adegzra~áo dosj
sáo encaminhados para o juiz responsável pelo caso e instrumentos utilizados para atingir a solucáo dos
tomados, ou nao, em consideracáo ao elaborar a sentenca conflitos. A principal meta do acesso a ordem jurídica justa
pertinente ao delito.
é apac@cagáo, que será maior ou menor de acordo com os
O principal instrumento de que se serve a Justica métodos processuais utilizados.
restaurativa é a mediagáopenal. A mediacáo entre vítima e
Ada Pelleqrini Grinover

Assim, o acesso ajustiqa concretiza-sepelajurisdi~ao


e o elemento essencial dajurisdig60 é o acesso ajas ti^^. Fecha-
se o circulo entre acesso i justica e jurisdicgo, tendo ambos
como objetivo a pacficagáo comjustip.
1. O ordenamentojurídico

S
áo fundamentalmente tres as concepcóes de
ordenamentojurídico. A teoria normativa, encabecada
por H. Kelsen, que o define como um complexo ou
sistema de normas jurídicas positivas gerais (leis formais) ou
individuais (atos administrativos e sentencas), coordenadas
de acordo com a norma fundamental. A teoria institucional,
cujo maior expoente é Santi Romano, que o identifica com
a instituicáo, ou seja, com um ente ou corpo social real e
efetivo (ubi societas ibi ius). E finalmente a teoria da relafáo,
exposta por A. Levi, que o considera como sistema de
relacóes jurídicas.
Essas concepcóes náo se excluem reciprocamente
mas se integram, cada uma contendo algum elemento
necessário para identificar o conceito de ordenamento
jurídico. Assim, para a existencia do ordenamento jurídico
sáo necessários: a) uma coletividade (ente ou corpo social
que reconhece uma autoridade (princípio da legitimidade
do poder) i qual é confiada a disciplina das relacóes
intersubjetivas; b) a condicáo de igualdade jurídica entre
Ada Pelleqrini Grinover

os membros da coletividade, no sentido de que a todos primeiro reflete o direito das maiorias (porquanto promana
se reconheqa capacidade de direito; c) uma diversidade de poderes majoritários) e o segundo representa o direito
de interesses entre os membros da coletividade, que das minorias.
determina conflitos de interesses para cuja soluqáo atua a
autoridade - na qual o poder soberano se manifesta por O iw praetorium está, assim, inserido no
intermédio da emanaqáo de comandos jurídicos, seja pela ordenamento jurídico brasileiro, ao lado das leis,justificando
via preventiva (leis) seja pela sucessiva (sentenqas ou atos o caráter vinculante de sua jurisprudencia, previsto agora
administrativos). Assim, o direito objetivo, como complexo também pelo novo Código de processo Civil (ver capítulo
de normas escritas ou consuetudinárias, náo esgota o VIII).
conceito de ordenamento jurídico, o qual compreende,
além das normas, o principio de autoridade do qual as 2. A unidade, completude e coerencia do
normas provem. ordenamentojurídico: a interpretasáo uniforme das
No iimbito do ordenamento jurídico, o fenomeno leis federais e da Constituisáo Federal
interpretativo das normas destina-se a vivificar seu efetivo
Assim conceituado o ordenamento jurídico,
alcance por intermédio do processo de integraqáo da
como compreensivo das normas e da jurisprudencia (e até
própria norma com os princípios de justiqa. Portanto, as
mesmo da doutrina, desde que observado o requisito do
normas jurídicas (direito objetivo) náo se identificam com o
reconhecimento da autoridade por parte da comunidade
ordenamento jurídico, constituindo antes um instrumento
jurídica), é preciso falar de suas características: a unidade, a
de que o ordenamento se serve para a soluqáo de conflitos
integralidade e a coerencia, realqadas por Norberto Bobbio.
de interesses e a atribuiqáo da certeza do direito assegurado
aos membros da coletividade. Sem prejuízo de outros A unidade é baseada na norma fundamental.
instrumentos, como a jurisprudencia consolidada. A norma fundamental é a uma norma posta pelo poder
fundante da ordem jurídica e seu traco é sua imposiqáo
Assim, quando uma coletividade organizada em
pelo poder legitimo e constituinte. Nesse sentido, é possível
torno de um poder universalmente reconhecido (Poder
Judiciário) chama-o para solucionar conflitos concretos admitir a norma fundamental como a primeira de uma
de interesses, surge o direito jurisprudencial típico do ius ordem hierárquica, constituindo o fundamento de validade
praetorium, e este se torna fonte do direito. As normas de todas as normas do ordenamento. Portanto, náo só a
jurídicas estáo calcadas na racionalidade dedutiva exigencia de unidade do ordenamento, mas também a
(codificaqáo), enquanto a jurisprudencia, de caráter exigencia de fundamentar a validade do ordenamento exige
empírico, surge das exigencias sociais contingentes. O postular a norma fundamental, a qual é, simultaneamente,
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

o fundamento de validade e o princípio unificador das direito pelos tribunais, existente em todas as circunst2ncias7
normas e jurisprudencia de um ordenamento. surge com particular evidencia quando um tribunal recebe
competencia para produzir também normas gerais por
A completude é decorrencia do princípio de que o
meio de decisóes com forca de precedentes. Conferir a tal
ordenamento náo oferece lacunas, pois sempre haverá nele,
decisáo caráter de precedente é táo-só um alargamento
ainda que latente e implícita, uma regra para disciplinar cada
coerente da funqáo criadora de direito dos tribunais. Se
possível situaqáo ou conflito. Diversamente ocorre com a
aos tribunais é conferido o poder de criar náo só normas
norma porque, por mais previdente e imaginativo que seja
individuais, mas também normas jurídicas gerais, estará0
o legislador,jamais poderá cobrir todas as hipóteses que a
eles em concorrencia com o órgáo legislativo instituido
multifária vida em sociedade oferece. Nesse caso, deverá se
pela Constituicáo, e isso significará uma descentralizacáo
aplicar a técnica da integra~áoda norma, preenchendo as
da funcáo legislativa.
lacunas de acordo com a analogia e os princípios gerais do
direito. 0 que, a nosso ver, é altamente positivo.
A coerencia consiste em evitar situacóes de
contradicáo no ordenamento jurídico. E essa coerencia
deve ser observada entre as normas, entre as normas e a
Pode-se afirmar, portanto, que o ordenamento
jurisprudencia e entre as diversas decisóes que compóem a
jurídico contempla náo só as normas, mas também a
jurisprudencia.
jurisprudencia e até a doutrina - desde que a autoridade
das quais provem seja reconhecida pela coletividade.
3. Consequencia: fúncáo criadora da jurisprudencia
Essa visáo integrativa cumpre a f u n ~ á o de
Fica assim justificada a fungáo criadora da assegurar a unidade e coerencia do ordenamento jurídico,
jurisprudencia (iuspraetorium). informado pelas exigencias históricas de justiqa que nascem
do corpo social. A jurisprudencia consolidada torna-se
Náo é de hoje a afirmacáo de que no desempenho
fonte do direito, ao lado da norma, vivificando-a por sua
de sua missáo, o Judiciário pode praticar ato que vai desde a
adapta~áoas circunstincias sociais do momento. E assim '
sentenca clássica até atos propriamente legislativos. Assim
se justifica sua funqáo criadora (ver capítulo VIII).
é que, quanto i crescente extensáo de seus efeitos, os atos
dos juízes se escalonam em sentenca clássica, precedente,
sentenqa normativa, jurisprudencia vinculante, atos quase
legislativos e plenamente legislativos (Nelson de Sousa
Sampaio). E Kelsen afirmou que a funcáo criadora do
1. Princípios e regras: distinqáo

A
S normas jurídicas dividem-se em normas
princípios e normas regras. Deixando de lado a
análise das diversas teorias que surgiram em torno
da distinqáo, pode-se afirmar, simplificando, que ambas as
normas (princípios e regras) se referem ao dever ser, sendo
imperativas. Ambas sáo também genéricas e abstratas,
contudo, o que vai diferir é o nível dessa generalidade e
abstraqáo. Um princípio é mais amplo e abstrato do que
uma regra, tornando esta mais específica em relaqáo a
ele. O princípio é caracterizado por ser fundamentador,
integrador, explicador. Já a regra apresenta um caráter
proibitivo ou permissivo.
Todo o sistema jurídico fundamenta nos
princípios, a partir dos constitucionais.
Há, ainda, outra diferenqa a ser tratada entre
princípio e regra. Os princípios estáo contidos em um
mesmo plano mas podem ser considerados, entre si, um
mais relevante do que o outro. É o denominado plano do
Ensaio sobre a processualidade

peso ou importancia. Um princípio poderá ser afastado ser menos propício para o caso concreto, continuando a
de um determinado caso por ser menos importante, mas existir como princípio. Já as regras se excluem: ou uma ou
ainda vai continuar coexistindo com os outros. Já em outra entrará em aqáo e somente uma delas irá prevalecer.
caso de conflito de regras (antinomia), somente uma deve Estamos aqui no campo da validade.
ser aplicada ao caso, afastando a aplicaqáo das outras,
Como afastar um princípio em benefício de
que perdem a validade. Quando as regras em conflito se
outro, no caso concreto? Entra aqui em cena o princípio da
encontram no mesmo ordenamento, náo sáo consideradas
proporcionalidade.
uma mais importante do que a outra. Na escolha da regra
aplicável, seráo levadas em consideraqáo, entre outros
fatores, a hierarquia, especialidade, cronologia, ficando 2. O princípio da proporcionalidade
invalidada a norma náo aplicada.
No caso de colisáo de princípios, a solucáo deve
Mas o que importa afirmar é que os princípios sáo ser buscada pela aplicaqáo do denominado princqio da
as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas proporcionalidade. Trata-se de um princípio constitucional,
do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos que vincula todos os Poderes estatais (legislativo, executivo
por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos e judiciário), mas é utilizado precipuamente pelo intérprete
órgáos do governo (poderes constituídos). Como foi dito e, portanto, pelo juiz.
(Geraldo Ataliba) eles expressam a substancia última do
Por proporcionalidade entende-se ojusto equilibrio
querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras
entre os meios empregados e o s j n s a serem alcanfados. E o
da legislaqáo, da administraqáo e da jurisdiqáo.
princípio desdobra-se nos seguintes subprincípios: (i)
A importancia prática de distinguir entre adeguafáo, ou seja, a aptidáo da medida para atingir os
princípios e regras surge nos casos de conflito. objetivos pretendidos; (ii) necessidade, como exigencia
de limitar um direito para proteger outro, igualmente
Tanto os princípios como as regras podem colidir
relevante; (iii) proporcionalidade estrita, como escolha
entre si, num determinado ordenamento. Em relaqáo aos
baseada na ponderaqáo da relaqáo existente entre os meios
princípios, consubstancia-se a colisáo quando mais de um
e os fins, ou seja, entre a restriqáo imposta (que náo deve
tratar da mesma matéria. Também no campo de regras
aniquilar o direito) e a vantagem conseguida, o que importa
sobre a mesma matéria pode surgir o conflito, gerando o
na (iv) náo excessividade.
fenomeno da antinomia jurídica. Quer se trate de colisáo
de princípio ou de regras, só um deles deverá ser aplicado No direito alemáo, confere-se ao princípio da
ao caso concreto. Mas um princípio será afastado por proporcionalidade ou da proibiqáo do excesso a natureza
de norma constitucional náo escrita, que permite ao
Ada Pellesrini Grinover

intérprete aferir a compatibilidade entre meios e fins, de Ver adiante, o critério da razoabilidade como parametro
modo a evitar restriqóes desnecessárias ou abusivas contra para equilibrar o ativismo do juiz (capítulo VII).

os direitos fündamentais. E a doutrina e jurisprudencia Conforme já dito, os princípios náo tem todos
brasileiras acompanham a mesma posiqáo.
o mesmo valor. Alguns sáo mais relevantes do que outros
O campo de aplicaqáo mais importante do e, em caso de colisáo, devem ter preponderancia sobre
princípio da proporcionalidade é o da restripío dos direitos, os demais. A primeira valoraqáo dos princípios, quanto
liberdades e garantias por atos dos poderes públicos. No a sua importancia, depende da fonte de que provem: a
entanto, o domínio de aplicaqáo do princípio estende-se constitucional e a infraconstitucional. Por isso, os princípios
aos conflitos de qualquer espécie. que regem processo e procedimento podem ser divididos
Assim, por exemplo, pode fazer-se apelo em constitucionais e instrumentais. Se houver colisáo entre
ao princípio no campo da relaqáo entre a pena e a um princípio constitucional e um instrumental, o primeiro
responsabilidade penal. O legislador brasileiro refere-se ao tem que prevalecer sobre o segundo.
princípio da proporcionalidade como critério de escolha da Princípios constitucionais do processo sáo
medida cautelar a ser imposta ao suspeito ou acusado. os que garantem o devido processo lega(: juiz natural,
contraditório e ampla defesa, motivaqáo, publicidade,
O Supremo Tribunal Federal acolhe amplamente o
princípio da proporcionalidade, denominando-o de duraqáo razoável do processo, etc. Princípios instrumentais
razoabilidade, na esteira da terminologia norte-americana. sáo os infraconstitucionais, que atingem o modo de ser
do processo e o modelam, variando de acordo com o
Muito se escreveu, inclusive na doutrina brasileira,
sistema adotado: oralidade, princípio dispositivo, princípio
sobre a distinqáo entre proporcionalidade e razoabilidade.
A nosso ver, razoabilidade indica bom senso, equilíbrio, do impulso oficial, economia processual, duplo grau de
observancia de valores sociais. Nessa visáo, a razoabilidade jurisdiqáo, etc.
é um critério que deve ser aplicado no subprincípio da Mas se houver colisáo entre princípios
proporcionalidade estrita, orientando o intérprete na constitucionais, deverá se aplicar o princípio da
escolha entre dois princípios, para que um deles prevaleqa proporcionalidade. E o mesmo ocorrerá se se tratar de
no caso concreto e assim limitando seu subjetivismo pela princípios instrumentais, em conflito entre si.
aplicaqáo da razoabilidade.
Mais uma vez salientamos que comente a colisáo
Mas o critério da razoabilidade é mais amplo do entre princípios dá margem a aplicaqáo do princípio da
que o princípio da proporcionalidade, pois náo se aplica só proporcionalidade. O conflito entre regras resolve-se no
a este, mas deve reger toda a atividade do juiz. plano da validade (Alexy).
Ada Pelleqrini Grinover

Vamos, a seguir, mostrar um exemplo de confusáo a denominada jurisdi@o inferior, garantindo um novo
entre um princípio instrumental (o duplo grau dejurisdigáo) julgamento, por parte dos órgáos dajurisdigáo superior.
e um princípio náo escrito em nossa Constituicáo, O princípio do duplo grau funda-se na
mas inerente ao Estado Democrático Constitucional, possibilidade de a decisáo de grau inferior ser injusta
considerado portanto de natureza constitucional (princípio ou errada, daí decorrendo a necessidade de permitir sua
da revisáo das decisóesjudiciais) . reforma em grau de recurso. Apesar de manifestacóes
doutrinárias contrárias a esse princípio, a opiniáo oposta
Tampouco consta expressamente na Constituicáo
brasileira (e em muitas outras) o princípio da
é francamente vencedora, fundada na possibilidade de
proporcionalidade, considerado pela doutrina universal erro ou injustica da sentenga e na conveniencia de dar ao
como princpio constitucionalimplícito Caio Tácito). vencido uma oportunidade para o reexame da sentenca
com a qual náo se conforme.
Eu mesma cometi esse equívoco quando confundi
o princípio do duplo grau com o princípio da revisáo das Já observamos que na Justica arbitral náo existe o duplo
decisóes judiciais, afirmando que este seria o fundamento grau, sendo a sentenca irrecorrível, pelo mérito. Isto se
deve i confianca depositada nos árbitros pelas partes,
constitucional daquele. Mas hoje penso que se trata de dois
que os escolhem e os indicam livremente. O fato de o
princípios diversos, sendo que o primeiro é endoprocessual Brasil adotar, no processo judicial o juízo monocrático
(portanto instrumental) e o segundo constitucional. Por em primeiro grau, reprime as ideias de um juízo único, ao
isso, a constituicáo, que previu o duplo grau, pode eliminá- menos para certas causas.

lo em certas hipóteses. Mas o princípio constitucional da


O duplo grau de jurisdicáo é, assim, acolhido
revisáo das decisóes judiciais náo pode ser colocado em
pela generalidade dos sistemas processuais judiciais
confronto com normas regimentais, que nem princípios
contemporiineos, inclusive pelo brasileiro.
seo, mas simples regras de organizacáo judiciária.
No Brasil ele náo é garantido constitucionalmente desde
É o que vemos a seguir. a implantacáo da República, mas a própria Constituicáo
incumbe-se de atribuir a competencia recursal a vários
órgáos da jurisdicáo (art. 102, inc. ii, art. 105, inc. ii e art.
3. Princípio do duplo grau e princípio da revisáo 108, inc. ii), instituindo expressamente, sob a denominaqáo ,
dos atos jurisdicionais de tribunais, órgáos judiciários de segundo grau (v.g., art.
93,inc. iii). Ademais, o Código de Processo Penal, o Código
Náo vamos nos deter aqui sobre o princípio de Processo Civil, a Consolidaqáo das Leis do Trabalho,
leis extravagantes e as leis de organizacáo judiciária
do duplo grau, sobejamente conhecido. Indica ele a
contemplam e disciplinam o duplo grau de jurisdicáo.
possibilidade de revisáo, por via de recurso, das causas Existem apenas raríssimos casos de irrecorribilidade da
já julgadas pelo juiz de primeiro grau, que corresponde sentenca em nosso ordenamento (CLT, art. 893, 5 40).
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

Em outros casos, só se admite recurso para o mesmo órgáos de terceiro grau (art. 105, inc. 111; art. 111,inc. 1; art.
juiz: assim a Lei das Execucoes Fiscais - lei n. 6.830, de
22.9.80, art. 34 - e a lei n. 6.825, do mesmo dia, dispondo
118, inc. 1).
sobre a Justica Federal (art. 40, 20).Já a Lei dos Juizados
No entanto, a própria Constituigáo atribui aos
Especiais (lei n. 9.099, de 26.9.95) institui o recurso a um
órgáo colegiado composto de juízes de primeiro grau (art. Tribunais Superiores brasileiros competencia originária
41, g lo). para determinadas causas, que levam a um juízo único, que
náo se submete a controle, interno ou externo.
Mas, hoje, considero haver um aspecto diferente
do direito aos recursos, que supera a garantia do duplo grau. Exemplifique-se com o Superior Tribunal de Justica -
Trata-se do princípio político da revisáo dos atos judiciais: competente para as causas em que se discutam questóes
infraconstitucionais de direito - e com o Supremo
nenhuma decisáo autoritativa estatal pode ficar imune de Tribunal Federal, guardiáo da Constituicáo: ambos os
controle, interno ou externo. Trata-se de um princípio tribunais exercem também füncóes atípicas, atribuídas pela
que integra o próprio Estado de Direito e diz respeito ao Constituicáo, em grau único, infringindo seja o princípio
do duplo grau seja o da revisáo das decisoes judiciais.
balanceamento do uso poder. Penso hoje que o princípio
da revisáo das decisóes judiciais náo configura simples Muito longa seria a enumeragáo dos casos de
fundamento político do princípio do duplo grau, mas que competencia originária atribuída pela Constituicáo aos
se trata de um princípio autonomo, de nível mais elevado, a Tribunais Superiores, mas aqui o que importa é apenas
ser tratado de maneira diversa. O duplo grau visa a garantir marcar a existencia desses casos.
a legalidade e a justiga das decisóes judiciárias. O princípio
A competencia originária do Supremo Tribunal Federal
da revisáo das decisóes judiciárias objetiva o controle encontra-se definida pelo disposto no art. 102, 1, da
do exercício do poder. O primeiro é endoprocessual e Constituicáo Federal e em suas diversas alíneas. A
instrumental, o segundo é político e constitucional. competencia originária do TSJ está prevista no art. 105,
1, também em diversas alíneas. E assim ocorre com os
Dito isto, é preciso examinar a questáo do juízo demais tribunais superiores.
único nos Tribunais Superiores brasileiros.
Mas o mal náo reside na supressáo do duplo grau.
O direito brasileiro, na esteira do norte-americano, É a Constituigáo que o preve, e é ela mesma que o está,
atribui ao órgáo de cúpula da jurisdigáo - o Supremo eliminando, nesses casos. Isto é absolutamente normal.
Tribunal Federal - certas atribuigóes que o colocam O mal está no fato de que os Regimentos Internos dos
como órgáo de superposi~áode terceiro ou até de quarto Tribunais estabelecem os casos em que a competencia
grau, conforme o caso (art. 102, inc. 111). Por sua vez, o originária será exercida pelos órgáos fracionários, e os
Superior Tribunal de Justiga, o Tribunal Superior Eleitoral casos a serem processados e decididos pelo plenário. Ora,
e o Tribunal Superior do Trabalho podem funcionar como em casos de competencia originária atribuída ao plenário,
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

a decisáo - única e absolutamente soberana - náo ficará do Plenário ou da Turma que julgar: a) procedente a acá0
submetida a revisáo alguma. Teremos, entáo, uma decisáo penal; b) improcedente a revisáo criminal; c) procedente a
acá0 rescisória; d)a representacáo de inconstitucionalidade;
autoritativa do Estado, imune a qualquer controle. Isto náo e e) que, em recurso criminal ordinário, for desfavorável ao
fere o princípio endoprocessual do duplo grau, mas fere acusado de crime político. Mas, tratando-se de Plenário,
indiscutivelmente o princípio político-constitucional da os embargos infringentes voltariio a ser julgados pelo
próprio, de modo que o juízo continuará único e o
revisáo das decisóes judiciárias. reexame confiado ao mesmo órgiio. Há de se ponderar,
ainda, que subsistem várias outras acóes originárias - de
Nem se diga que nos casos dos Tribunais Superiores, notória relevancia jurídico-política - que nao admitem
diversos do STF, a decisáo poderá ainda ser a mais alta sequer a embargabilidade de seus julgados finais (mesmo
Corte pela via do Recurso Extraordinário: os requisitos que proferidos por maioria).
de admissibilidade do Recurso Extraordinário sáo
extremamente rigorosos e as questóes a ela submetidas
sáo outras: nao se tratará jamais de revisáo. No entanto,
a questáo da revisáo das decisóes do Superior Tribunal de
4. Infringencia ao princípio no campo penal: a
Justica é menos grave, porque, nas acóes constitucionais Convencáo Americana sobre Direitos Humanos
(Habeas Corpus, mandado de seguranca, Habeas Data (Pacto de Sáo José de Costa Rica)
e mandado de injuncáo) abarcadas pela competencia
originária, caberá recurso ordinário constitucional dirigido
ao Supremo Tribunal Federal, quando denegatória for a A Convenqáo Americana sobre Direitos Humanos,
decisáo, tornando-se possível, por meio da via recursal em ratificada pelo Brasil, foi integrada ao nosso ordenamento
tela, a arguicáo de matérias infraconstitucionais e, nessa pelo dec. n. 678, de 6 de novembro de 1992. A partir daí e
extensáo, um controle jurisdicional amplo e externo ao
tribunal competente para o conhecimento da lide, o que por imposicáo do 5 20 do art. 50 da Constituicáo Federal,
se aplica, também, aos processos relacionados a apuracáo de os direitos e garantias nela enunciados passaram a integrar
crimes políticos (art. 102,II, "b",da CF). a ordem jurídica brasileira, complementando a Lei Maior
A violacáo reafirma-se, por exemplo, pelo rol de e especificando ainda mais as regras do devido processo
competencias recursais internas estabelecidas pelo art. legal. No caminho evolutivo da jurisprudencia do STF, de
80 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, uma posiqáo inicial, que conferia as normas da Convenqáo
segundo o qual, nosprocessosde compettncia originária, apenas hierarquia de norma legal, chegou-se a sua configuracáo
caberáo recursos das decisóes monocráticas proferidas pelos como normas supralegais e mesmo constitucionais ( R E
membros da Corte, náo havendo proposicóes relativas a 466.343-SP, rel. Min. Cézar Peluso e HC90172-SP, rel.
recursos de maior amplitude. Gilmar Mendes) .
As garantias da Convencáo S ~ Oassim estabelecidas: "Art.
Excecáo a merecer o devido registro, o disposto no art.
80 Garantias judiciais (...) 2.Toda pessoa acusada de delito
333 do Regimento Interno do STF preve o cabimento do
tem direito a que se presuma sua inocencia enquanto nao
recurso de embargos infringentes da decisáo náo undnime
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, matéria dita civil, em sentido amplo. E m que, como visto
toda pessoa tem direito, em plena igualdade, as seguintes
acima, também existem juízos únicos no sistema brasileiro.
garantias mínimas: (...) h) direito de recorrer da sentenca
para juiz ou tribunal superior". Náo é diferente a situacáo na Espanha, sujeita
i Convencáo Europeia dos Direitos do Homem, que
Assim, em relaqáo ao acusado, a Convencáo
contempla princípio até mais amplo do que o da Americana,
assegura especificamente o direito de recorrer da sentenca
pois o direito ao recurso efetivo perante tribunais nacionais
para juiz ou tribunal superior. Em primeiro lugar, o inciso
está previsto em caso de viola@o de gualquer direito ou
náo restringe a expressáo "direito de recorrer" ao duplo grau
liberdade (art. 13). Mas lá, diversamente do que ocorre
de jurisdicáo; em segundo lugar, náo a restringe 2 sentenca aqui, a parte pode renunciar ao foro por prerrogativa de
de primeiro grau. Onde a regra náo restringe, ao intérprete funcáo e escolher o processo perante o juízo comum, de
náo cabe restringir. A garantia significa, a nosso ver, que modo que, segundo o Tribunal Constitucional espanhol,
qualquer decisáo judicial, ao menos no campo penal (e, por a escolha pelo juízo único indica a renúncia ao direito ao
extensáo, no processo administrativo sancionatório, onde recurso. ~ievaleceriaaqui a autonomia da vontade.
o cidadáo é acusado de delito náo penal), a garantia deve
ser entendida como extensível a qualquer senten~a(rectiw, Resta saber se um princípio maior desse porte é
renunciável - como se se tratasse apenas de direito da
decisáo judicial ou administrativa punitiva). parte - ou náo - dado que se trata de um princípio que diz
respeito ao controle do poder, e portanto, ínsito no Estado
O que se pode conceder é que a expressáojuiz ou tribunal Democrático de Direito.
superior possa indicar náo exclusivamente juiz ou tribunal
de nível hierárquico superior, mas superior por sua
composicáo (como ocorre com o juízo colegiado nos
Juizados Especiais brasileiros supra mencionados, ou na
Conclusóes
apelacáo rotatória do Direito Canonice).
Para solucionar a colisáo de princípios, aplica-se o
princípio da proporcionalidade, sendo que a razoabilidade
5. Para além da Convencáo Americana é critério que deve ser seguido a todo momento pelos
detentores de poder, e particularmente pelo juiz. Em
No entanto, se a necessidade de controle das
relacáo ao princípio da proporcionalidade, o critério '
decisóes judiciais é um princípio ligado ao Estado
da razoabilidade informa sobretudo o subprincípio da
Democrático Constitucional, como acima se afirmou,
proporcionalidade estrita.
náo é só no campo penal ou sancionatório que deve ser
observado - como se limita a assegurar a Convencáo O princípio do duplo grau e o do controle das
Americana. Aplica-se ele a todas as decisóes estatais, decisóesjudiciais tem natureza e funcáo diversas: o primeiro
inclusive no campo náo-penal. E, portanto, também 2 é endoprocessual, objetivando assegurar a justica e correcáo
-- Ada Pelleqrini Grin-er -

das decisóes; o segundo é de índole política, indicando o


indispensável controle sobre o exercício do poder.
O principio do controle das decisóes judiciais,
inerente ao Estado Democrático de Direito, é princípio
constitucional implícito (tanto quanto a proporcionalidade)
enquanto o princípio do duplo grau é instrumental.
A Constituiqáo pode restringir o direito ao duplo
grau, pois é ela própria que o estabelece, mas náo pode
restringir a garantia politica do controle das decisóes
judiciai s.
A Convencáo Americana sobre Direitos do
Homem; em relaqáo ao acusado, assegura o direito de
recorrer da sentenqa para juiz ou tribunal superior, mas
a expressáo juiz ou tribunal superior pode náo indicar
exclusivamente juiz ou tribunal de nivel hierárquico
superior, mas superior por sua composicáo.
Para alérn da Convenqáo Americana, entendemos
que o princípio da revisáo das decisóes judiciais, ínsito
no Estado Democrático de Direito, se aplica a qualquer
decisá,~,inclusive náo penal, constituindo instrumento de
controle do exercício do Poder por intermédio de recurso.
Diante disto,países que,como o Brasi1,contemplam
a competencia originária de Tribunais Superiores, para
julgarem ern grau único causas de qualquer espécie, em que
haja ou nao acusados, devem atribuir essa funqáo a órgáos
fracionários, prevendo recurso para as Cortes Especiais ou
Tribunais Plenos.
1. Os métodos da interpretagáo

P
I
edimos venia pata reproduzir aqui o que dissemos em
todas as edisóes de nossa Teoria Geral do Processo.
Interpretar a norma consiste em determinar
o seu significado e fixar o seu alcance. Compreendendo
diversos momentos e aspectos, a tarefa interpretativa
apresenta, contudo, um tal caráter unitário, que náo
atinge seu objetivo senáo na sua inteireza e complexidade.
A esses diversos aspectos da atividade do intérprete,
que mutuamente se completam e se exigem, alude-se
tradicionalmente com o nome de métodos de interpretagáo.
Como as leis se expressam por meio de palavras,
o intérprete deve analisá-las, tanto individualmente como
em sua sintaxe: é o método gramatical ouf;lológico.
De outro lado, os dispositivos legais náo tem
existencia isolada mas inserem-se organicamente em
um sistema, que é o ordenamento jurídico, em recíproca
dependencia com as demais regras de direito que o
integram. Desse modo, para serem entendidos devem ser
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

examinados em suas relacóes com as demais normas que intepretasáo gramatical é por natureza estática, assim como
compóem o ordenamento e a luz dos princípios gerais que o pode ser a interpreta~áohistórica (voltada ao passado). O
o informam: é o método lógico-sistemático. método comparativo pode ser utilizado de maneira estática
Além disso, considerando que o direito é um ou diniimica. Sáo essencialmente diniimicos os métodos
fenomeno histórico-cultural, é claro que a norma jurídica evolutivo, sistemático e teleológico. E, como o direito é
somente se revela por inteiro quando colocada a lei em sua diniimico,embora seja necessário náo dispensar os métodos
perspectiva histórica, com o estudo das vicissitudes sociais gramatical e histórico, é importante ter sempre em mente
de que resultou e das aspirasóes a que correspondeu: é o que o método gramatical mostra apenas o sentido filológico
método B istórico. correspondente i época em que a norma foi elaborada, ou
E como a sociedade evolui, a norma tem que seja a 'hens legislatoris" (que, na verdade é praticamente
ser interpretada náo só i luz da análise das razóes que irrelevante, pois derivou de situasáo social que pode ter se
inspiraram seu surgimento em determinado momento modificado totalmente a época em que a norma é lida); e
histórico (para o que é extremamente importante examinar os métodos histórico e o comparado podem ser tratados de
as Exposicóes de Motivos que as embasaram), mas ter em modo a ter sempre presentes as grandes linhas evolutivas
mente que a norma deve ser adaptada i s circunstiincias que informaram e informam os preceitos.
supervenientes, para que seu sentido seja moldado a luz Enfim, entendemos que, a visáo evolutiva da
das circunstiincias atuais. É o método evolutivo. interpreta~áodas normas deve sempre iluminar os demais
Sob outro iingulo, náo se pode olvidar que os métodos, numa visáo diniimica do direito.
ordenamentos jurídicos, além de enfrentarem problemas
identicos ou análogos, avizinham-se e se influenciam 3. O método histórico-evolutivo
mutuamente: parte-se, portanto, para o método comparativo.
A combinasáo indivisível de todas essas pesquisas, A literatura jurídica costuma falar em método
aliada i consciencia do conteúdo finalístico e valorativo histórico-evolutivo, em conjunto, voltando-se porém mais
do direito (método teleológico) completa a atividade de ao passado do que ao presente. O u seja, estuda-se a genese
interpretacáo da norma. e evolucáo de determinado fenomeno jurídico que a norma
h a , até o momento de sua emanacáo. Mas se descuida
da análise de como aquela norma deve ser interpretada,
2. Interpretaqáo estática e diniimica
para adequar-se i s circunstiincias presentes. Por isso, é
Observamos agora que esses métodos, embora de extrema relevancia utilizar o método histórico, para
convivam, podem ser de natureza estática ou dindmica. A examinar também as circunstiincias que ocorreram desde a
Ada Pelleqrini Grinover

producáo do preceito até o presenta e valer-se do método 5. Interpretasáo evolutiva da norma processual
evolutivo, de modo a fazer com que a interpretacáo do constitucional: exemplos
direito encaminhe a sua atualizacáo.
Embora a interpretacáo náo se confunda com a Um dos exemplos mais significativo de
producáo do direito, o método evolutivo pode antecipar interpretacáo evolutiva de regra constitucional-processual
sua transformacáo, sendo mais um elemento que compóe é a que se aplicou ao art. 50, inc. XXXV da Constituicáo,
o ordenamento jurídico, na ampla visáo apresentada em que assegura que "A lei náo retirará da apreciacáo do Poder
outro trecho desta obra (capítulo IV). Judiciário a defesa de qualquer interese ou direito".
O princípio da inafastabilidade do controle
4. Interpretasáo evolutiva jurisdicional é oriundo da Constituicáo de 1946, quando
sua relevancia se expandiu náo só para além do direito
Método pouco ressaltado e pouco utilizado (ao de acesso aos tribunais (cobrindo o direito a tutela
menos com essa denominaqáo) para a interpretacáo da jurisdicional), mas também para assegurar a todo e
norma, é o evolutivo. qualquer processo as garantias do "devido processo legal"
A interpretacáo evolutiva se dá necessariamente englobadas no exercício da acá0 e da defesa. E aqui já se
no quadro de uma situacáo determinada e, por isso, deve tratou de urna interpretaeáo evolutiva, de caráter extensivo,
examinar o enunciado do texto no contexto histórico que possibilitou a visáo de um acesso a ordem jurídica justa
presente (nao no contexto da redacáo do texto). Todo e ao exercício da jurisdicáo, legitimado pela observancia
texto deve ser compreendido em cada momento e em de diversos princípios constitucionais (expressos ou
cada situacáo concreta de uma maneira nova e distinta. implícitos).
Está comprovada a insuficiencia da ideologia estática da Todavia, na época em que a fórmula constitucional
interpretaeáo jurídica e do pensamento voltado i "vontade foi forjada, ainda se acreditava no monopólio da Justica
do legislador". A realidade social é o presente; o presente é pelo Poder Judiciário. Os meios ditos alternativos de
vida - e vida é movimento. O direito náo é uma entidade solucáo de conflitos (como a arbitragem e os métodos
estática. consensuais) eram inexistentes ou incipientes e, mesmo n;r
Constituicáo de 1988 (que ampliou ligeiramente a fórmula,
É do presente, na vida real, que se tomam as já preocupada com os intereses ou direitos coletivos) a
forcas que conferem vida ao direito. Assim, o significado distribuicáo da Justica ainda era precipuamente reservada
válido dos textos é variável no tempo e no espaco, histórica ao Poder Judiciário. Historicamente, porém, os rneios
e culturalmente (Eros Grau). alternativos de solucáo de conflitos foram se afirmando
Ada Pellegrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

cada vez mais na sociedade. E, primeiramente, foram tratadas como coletivas, pois a coisa julgada, nesses casos,
superadas as vicissitudes pelas quais passou a arbitragem só pode atuar interpartes.
(em que a atuacáo do Poder Judiciário é substituído por Outro exemplo de interpretacáo evolutiva é a
tribunais arbitrais, de natureza privada) e, mais tarde, que deu novo sentido ao princípio da legalidade, que
pela Resolucáo n. 125/2001, do Conselho Superior da determina que somente a lei pode obrigar a fazer ou náo
Magistratura, cujo Preiimbulo afirma, com todas as letras, fazer alguma coisa. Aqui, a disposicáo tem origem mais
que o acesso ao Poder Judiciário pode ser substituído pelo antiga, estando presente na Constituigáo de 1934. Nessa
acesso a outros meios adequados de soluqáo de conflitos, época, ainda imperava a ideia do Estado Legal de Direito,
como a mediacáo e a conciliacáo.
com a supremacia da lei. A lei era sinonirno de seguranca
No nosso entender, ainda falta dar um passo jurídica e a intencáo do constituinte foi a de evitar que
na interpretacáo evolutiva do dispositivo: os interesses diplomas normativos de hierarquia inferior (como decretos,
ou direitos tutelados pela norma podem ser individuais portarias, resolucóes, etc.) pudessem impor direitos e
ou coletivos. A realidade mostra, porém, a subutilizacáo obrigacóes. Mesmo assim, jamais se duvidou que a ordem
dos processos coletivos e a proliferacáo de demandas pudesse provir de um provimento jurisdicional (até porque
individuais, que poderiam ser substituídas por um a coisa julgada também constitui princípio constitucional)
único processo coletivo, em homenagem a coerencia do e que os tribunais pudessem impor obrigacóes de fazer ou
ordenamento jurídico, a uniformidade das decisóes e a náo fazer, conforme ocorreu com uma alteracáo do Código
economia processual. Bastaria, para tanto, ler o termo de Processo Civil de 1973, reproduzida pelo novo Código.
"defesa" como "defesa adequada", para que se impusesse a E hoje se chega a admitir, abertamente, a funcáo criadora
escolha entre a defesa dos direitos subjetivos,pelo processo da jurisprudencia e o precedente vinculante (ver capítulo
individual, ou dos direitos metaindividuais, pelo processo VIII).
coletivo. Conforme o conflito subjacente, um processo pode
E, finalmente, um exemplo ainda mais vistoso
ser mais adequado do que outro. Asóes individuais, com
de interpretacáo evolutiva de norma constitucional-
efeitos coletivos, devem ser tratadas como processo coletivo
processual. A presuncáo de inocencia, segundo a qual
e frequentemente acóes coletivas, para a defesa de direitos
"ninguém será considerado culpado até o transito em-
individuais homogeneos - em que falta a homogeneidade
julgado da sentenca penal condenatória" foi interpretada
- seriam melhor tratadas em processos individuais. Por
durante muito tempo como proibigáo de aplicacáo
outro lado, a experiencia mostra que frequentemente
antecipada da pena, impedindo-se a execugáo provisória
os legitimados ajuízam acóes pseudocoletivas, em que a
até o julgamento do último recurso do réu. Doutrina e
demanda é proposta como coletiva, mas em beneficio de
jurisprudencia eram extremamente rigorosos a esse respeito.
uma única pessoa. É impossível que essas demandas sejam
Mas o pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria,
mudou sua jurisprudencia, para admitir a execuqáo da
sentensa condenatória, quando confirmada pelos tribunais A combinaqáo indivisível de todos os métodos
de segundo grau ( H C 126.929-SP). A decisáo produziu de interpretaqáo completa a atividade de interpretaqáo da
críticas contundentes, manifestos e conclamaqóes: o STF norma.
teria vulnerado a Constituiqáo, suprimindo uma garantia A literatura jurídica costuma falar em método
consignada em denominada "cláusula pétrea". histórico-evolutivo, como conjunto, mas se volta mais ao
Mas, ii época da Constituiqáo de 1988 - a passado do que ao presente. Estuda-se a genese e evoluqáo
"Constituiqáo Cidadá" - era estritamente necessário de determinado fenomeno jurídico que a norma &a, até o
assegurar de modo contundente e rigoroso direitos e momento de sua emanaqáo.
garantias, até em face do momento histórico brasileiro, O método evolutivo, ao contrário, cuida da análise
que encerrava definitivamente regimes de exceqáo. Hoje, de como a norma deve ser interpretada, para adequar-se iis
a realidade social é outra: a multiplicidade de recursos, circunstancias presentes.
muitos de evidente natureza protelatória, a morosidade
do sistema judiciário brasileiro, assoberbado por uma Todo texto legal deve ser compreendido em cada
excesiva judicializaqáo da qual náo dá conta,, a demora momento e em cada situasáo concreta de uma maneira
de decenios de espera pelo transito em julgado de uma nova e distinta.
sentenqa condenatória, o risco de prescriqóes intercorrentes, Está comprovada a insuficiencia da ideologia
a gerarem impunidade num país em que os escandalos estática da interpretaqáo jurídica e do pensamento voltado
e a malversaqáo de dinheiro público constituem um ii "vontade do legislador".
fenomeno preocupante, a mudanqa, enfim, da situaqáo em
que vive a sociedade brasileira, entendo terem justificado a A interpretaqáo dinamica deve iluminar os outros
interpretaqáo evolutiva do STF. métodos, podendo antecipar a transformaqáo do direito.

O voto do relator, Teori Zavaski nao se referiu a esse


Embora a interpretaqáo náo se confunda com a
método de interpretaqáo, empregando só o princípio da produqáo do direito, o método evolutivo faz da interpretaqáo
proporcionalidade e o método comparativo, enquanto mais um elemento que compóe o ordenamento jurídico, na
o voto do Ministro Barroso utiliza o método histórico-
evolutivo, dando enfase a este último.
ampla visáo apresentada em outro trecho desta obra (ver
capítulo IV).
1. Caminho evolutivo

omo é sabido, a libertaqáo do Estado das máos


do poder autocrático absolutista implicou uma
supervalorizaqáo do Poder Legislativo. Com o
advento do Estado Liberal do século XM, o direito era
dominado pelas codificaqóes, adotando-se o modelo
do sistema fechado e completo, com pouco ou nenhum
espaqo para a atividade interpretativa. O Estado legalista
deixava ao Poder Judiciário uma esfera muito fraca de
intervenqáo. Este modelo identifica-se com urna justiqa
para a manutenqáo do status guo.
Nesta quadra, pregava-se uma rígida separaciio dos
poderes, em que o juiz se limitava a ser "a boca da lei",
segundo a expressiio conhecida por todos.

Com o advento das reformas mundiais resultantes


dos impactos da Revoluqáo Industrial, no inicio do século
XX, os direitos sociais tomaram f6lego e acabaram por
desenhar um perfil de Estado intervencionista, também
chamado de WelfdareState (Estado de Bem-Estar Social).
Ada Pellegrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

Nesse Estado, o principal ator era o Poder que náo havia conseguido concretizar os direitos sociais -
Executivo, destinado a tornar efetivas as promessas do ao advento do Estado Democrático Constitucional.
legislador.
A aproxima~áodas ideias de constitucionalismo e de
democracia produziu uma nova fase de organizacáo
Os marcos iniciais da mudanqa de perfil revelam-se nas
política, que atende por nomes diversos: Estado
constituiqoes do México (1917) e na alemá de Weimar
democrático de direito, Estado constitucional de
(1919).
direito, Estado constitucional democrático. Seria mau
investimento de tempo e energia especular sobre as
Os catálogos de direitos instituídos nos sutilezas semiinticas na matéria (Luís Roberto Barroso).
documentos constitucionais incluíam, além dos clássicos
direitos de defesa, o direito as prestaqóes estatais, O Estado Democrático Constitucional sobressai
chamadas de direitos sociais. Sua judicializaqáo era do Estado Liberal e do Estado Social, implicando
discutível; alguma doutrina, inclusive, afirmou tratar-se de superaqáo desses modelos, com a supremacia da norma
"poesia constitucional". Seja como for, os direitos sociais constitucional, e o acolhimento do valor "participaqáo7'na
representavam a dimensáo da igualdade, como promessa formaqáo e nos processos discursivos das decisóes estatais.
da modernidade. Nessa nova organizaqáo política, o judiciário
Nesse caminho histórico, observa-se ainda que a assume a funqáo de dos outros Poderes, em relaqáo a
grave crise mundial gerada pela segunda guerra implicou observancia da Constituiqáo e da efetivaqáo dos direitos
grande mudanqa de postura dos juízes, uma vez que o fundamentais por ela garantidos. E uma funqáo de garantia.
modelo reativo de justiqa náo conseguia impedir as graves A funqáo de garantia é voltada a colmatar, em especial,
injustiqas cometidas e o Poder Executivo náo implementava no caso brasileiro, as lacunas contingenciais, que como
adequadamente as promessas do Estado Social. reconhecido na doutrina sáo sempre reparáveis, pois se
A partir da Declaraqáo Universal dos Direitos do trata de aplicar a norma constitucional.
Homem, em todas as constituiqóes os valores fundamentais
A inefetividade contingente é sempre reparável através da
da justiqa e da dignidade humana foram interiorizados intervenqáo do Poder Judiciário (Ferrajoli).
pelos Estados, prenunciando-se o advento da Era das
Constituifóes. E resulta daí a funqáo de equilibrio em relacáo ao
Legislativo e Executivo.
Ao longo desse processo, consolidam-se as ideias
em torno do controle da constitucionalidade pelos tribunais Assim o conceito tradicional do princípio
(constitucionais ou comuns) e o Judiciário assume uma da separaqáo dos Poderes, oriunda do Estado Liberal,
posiqáo mais ativa. Chega-se, assim, do Estado Social - transforma-se em uma nova interpretaqáo e nela o Poder
Ada Pelleqrini Grinover

Judiciário tem funcáo de controle, equilibrio egarantia. Este adequada e racionalmente suas decisóes, bem como, por
é o modelo também adotado no Brasil pela Constituicáo evidente, em sua correspondencia ao ordenamento jurídico.
de 1988.
3. O ativismo do juiz. Condicionamentos e limites
2. A legitimayáo do Poder Judiciário
Nessa nova concepcáo do Judiciário, no quadro
Náo há que falar de uma limitacáo da legitimidade político acima descrito, é evidente que cabe a seus membros
do Poder Judiciário em funcáo de náo serem seus - os juízes - um papel mais ativo. Ele se torna protagonista,

representantes eleitos. e náo apenas espectador, dos embates judiciais.

Sua legitimidade, oriunda diretamente da Contudo, o ativismo do juiz tem sido criticado,
Constituicáo, deriva de sua imparcialidade e de sua por diversas razóes.
independencia em relacáo as forcas políticas. A par desse O argumento principal é de novo sua falta de
argumento legitimador, importa ressaltar, novamente, que legitimacáo, que rebatemos no inciso anterior em relacáo
o Estado Democrático Constitucional é marcado por ao Poder Judiciário como um todo. Aqui acrescentamos
uma democracia de direitos, na qual a regra da maioria apenas, em relacáo ao juiz, que o fato de náo ser eleito
se submete apenas aos objetivos delimitados previamente o torna muito mais imune contra as pressóes políticas e
pela Constituicáo, mesmo que isto importe em permanente sociais que sáo utilizadas sobre os poderes majoritários. A
tensáo entre a regra da maioria e os direitos fundamentais. imparcialidade é sua couraca e ouvir a voz das minorias,
E as regras da maioria, próprias dos poderes majoritários, sua vocacáo.
podem ser equilibrados pela observancia dos direitos das
Além disto, a crítica maior reside na observacáo
minorias, preservados em face da independencia e da
de que o juiz náo teria qualificacáo e preparo suficientes
imparcialidade do Judiciário.
para fazer escolhas a respeito de temas que envolvem os
D e outro lado, o equilíbrio entre o Poder Judiciário direitos fundamentais ou configuram opcóes políticas,
e os demais decorre de suas limitacóes materiais e jurídicas, como acontece com a intervencáo nas atividades do;
cingidas ao direito e a técnica da argumentacáo jurídica, Legislativo e sobretudo do Executivo.
por um lado, e a falta de recursos próprios para executar
Trata-se, neste último caso, do controle jurisdicional de
suas decisóes, por outro.
políticas públicas, tema enfrentado no capítulo anterior,
E m última análise, a autoridade do Judiciário está, quando tratamos dos conflitos de interesse público.
em grande medida, atrelada a capacidade de fundamentar
Ensaio sobre a processualidade

É claro que o juiz tem que ser devidamente Conclui-se que o ativismo do juiz é submetido
informado e assessorado a respeito de matérias que fogem a condicionamentos e limites: a informacáo e o
1
de sua especializacáojurídica, para além da normal dialética assessoramento sobre as questóes técnicas que náo se
processual. enquadram em sua especializacáo, a aplicacáo do critério
da razoabilidade, a motivacáo e os controles internos e
Náo estamos falando em perícias, mas em assessoramento
especializado em questóes como o orsamento, as situasóes externos sobre sua atuacáo.
sanitárias ou habitacionais, o conhecimento das políticas
públicas existentes, etc.
Examinadas, assim, a insercáo do Poder Judiciário
no Estado Democrático Constitucional e a atua~áode
Deve atentar para os valores sociais e atuar seus membros, cabe agora analisar o papel que deve ser
coerentemente com eles. Deve considerar as consequencias atribuído a jurisprudencia, sua producáo. É o que faremos
- inclusive sociais e políticas - de sua atuacáo e de suas no próximo capítulo.
decisóes. Toda a conduta e as decisóes devem ser razoáveis.
A razoabilidade, as vezes confundida com Conclusóes
a proporcionalidade (ver capítulo V), é um critério
que se estende para além da escolha entre princípios No Estado Democrático Constitucional o Poder
constitucionais em conflito (certamente aplicável ao Judiciário assume uma funcáo de controle, equilibrio e
subprincípio da proporcionalidade estrita, mas náo só), garantia. Sua legitimaqáo, que deriva diretamente da
devendo acompa*haitoda a atividade dojuiz. Razoabilidade Constituicáo, decorre da imparcialidade e da independencia
é equililsrio, bom senso, lucidez, coerencia, abandono de que usufrui em relaqáo as forsas políticas e da observancia
de conviccóes ou tendencias pessoais, a consciencia dos dos direitos das minorias, náo representadas pelos poderes
próprios limites e dos de sua funqáo. Mesmo quando majoritários.
exerce o controle de atos administrativos, por exemplo, o
De outro lado, o equilíbrio entre o Poder Judiciário
juiz jamais pode substituir-se ao administrador.
e os demais decorre de suas limitacóes materiais e jurídicas,
Além disto, há que lembrar que todas as decisóes cingidas ao direito e a técnica da argumentacáo jurídica,
do juiz devem ser motivadas e que existem controles sobre por um lado, e a falta de recursos próprios para executar
sua atuasáo: internos (como os recursos e outros meios de suas decisóes, por outro.
impugnacáo, bem como a atuaqáo dos órgáos censórios) e
Nesse quadro justifica-se o maior ativismo do juiz
externos (que váo da repercussáo política de seus atos até a
que, no entanto, é submetido a condicionamentos e limites:
configuracáo da responsabilidade penal e civil).
a informacáo e o assessoramento sobre as questóes técnicas
que nao se enquadram em sua especializacáo, a aplicacáo
do critério da razoabilidade, a motivacáo e os controles
internos e externos sobre sua atuaqáo.
1. Distincáo entre julgado, jurisprudencia,
precedente, súmulas e precedente vinculante

ob o ponto de vista técnico, e inclusive na


nomenclatura do Código de Processo Civil, reina
inequívoca imprecisáo daquilo que se concebe por
julgado, jurisprudencia, precedente judicial, súmula de
jurisprudencia e precedente vinculante, do qual a súmula
vinculante é urna espécie.
O termo jurisprudtncia indica uma pluralidade de
decisóes (iuZgados) relativas a vários casos concretos, acerca
de um determinado assunto, mas náo necesariamente
sobre urna identica questáo jurídica.
Invoca-se, por exemplo, a jurisprudencia,
aludindo-se, de um modo geral, a muitas decisóes,
causando sernpre certa dificuldade para estabelecer qual
tese é realmente relevante, ou mesmo para aferir qud ou
quais julgados tratam especificamente da interpreta~áo
de um fundamento pelo qual se soluciona a questáo sob
aprecia~áojudicial.
Ada Pelleqrini Grinover

Como bem observa Michele Taruffo, nao é fácil desvendar,


entre inúmeros arestos citados a guisa de jurisprudi?ncia, visto, a citasáo da jurisprudencia encerra uma pluralidade
qual a posicáo realmente dominante. de decisóes relativas a vários e diversos casos concretos.
Diferentemente da citasáo da jurisprudencia, na qual se
Na verdade, descobrem-se, náo raro, num mesmo reproduzem trechos ou extratos mais ou menos sintéticos
1
momento temporal, acórdáos contraditórios, evidenciando da motivasáo, o precedente somente é compreendido pela
significativa ausencia de uniformidade da jurisprudencia interpretas50 da controvérsia antes resolvida. É assim do
e, como natural decorrencia, consequente inseguransa cotejo - técnica do distinguish - da integralidade de pelo
jurídica. E esse grave inconveniente pode ser inclusive menos duas situaqóes fáticas (a já julgada e a que está
constatado, por paradoxal que possa parecer, num mesmo sob julgamento), que o julgador estabelece a relasáo de
tribunal, revelando divergencia de entendimento, intra precedente aplicável ou náo ao caso concreto. E para exercer
muros, entre camaras, turmas ou sessóes. a técnica do distinguish, há que se observar a ratio decidendi
Náoobstante,afirmaaindaTaruffo,ajurisprud~ncia dos dois julgados, que deve coincidir porque é ela que
pode desfrutar de acentuada eficácia persuasiva se ficar explica os motivos pelos quais se chegou iiquela conclusáo.
demonstrado que o julgamento sobre determinadas O restante do julgado é constituído por pormenores que
questóes, reiterado em vários acórdáos, desponta uniforme náo sáo inerentes ao núcleo da ratio decidendi, porque
e sedimentado, constituindo o precedentejudicial. náo influem sobre a decisáo e sáo examinadas apenas de
passagem (obter dictum).
O alcance do precedente judicial somente pode
ser inferido aos poucos, depois de decisóes anteriores O Sobre ratio dcidendi, distinguish e obter dictum, ver mais
precedente entáo nasce como uma regra de um caso e, em especificamente adiante, n. 4.
seguida, terá ou náo o destino de tornar-se a regra de uma
Ao enfrentarem questóes polemicas ou teses
série de casos análogos.
jurídicas divergentes, os tribunais também produzem
Bem é de ver que, pressupondo, sob o aspecto súmuZas que se consubstanciam na enunciasáo, em algumas
temporal, uma decisáo já proferida, todo precedente linhas ou numa frase, de uma regra jurídica. Trata-se de
judicial é composto por duas partes distintas: a) as uma redusáo substancial do precedente. A aplicasáo da
circunstancias de fato que embasam a controvérsia; e 6 ) a súmula náo se funda sobre a analogia dos fatos, como faz,
tese ou o principio jurídico assentado na motivasáo (ratio o precedente, mas sobre a subsunqáo do caso sucessivo a
decidendi) do provimento decisório, que aspira a certo grau uma regra geral.
de universalidade (Lauria Tucci) .
A construqáo de súmulas remonta a uma prática
O precedente refere-se, geralmente, a uma decisáo tradicional e consolidada do sistema judiciário luso-
relativa a uma situasáo particular, enquanto, como acima brasileiro. Náo deriva da decisáo de um caso concreto,
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

mas de um enunciado interpretativo, formulado em para solucionar determinadas e específicas controvérsias


termos gerais e abstratos. Por consequencia, o dictum constitucionais.
sumulado náo faz referencia aos fatos que estáo na base da
questáo jurídica julgada e assim náo pode ser considerado Da mesma forma, diversos tribunais constitucionais
europeus atribuem eficácia vinculante as decisoes inerentes
um precedente em sentido próprio, "mas apenas um ao controle da constitucionalidade: assim Alemanha,
pronunciamento judicial que traduz a eleicáo entre op~óes Áustria, Portugal, Espanha, Itália, etc.
interpretativas referentes a normas gerais e abstratas. Sua
No entanto, a EC 45/2004 trouxe urna grande
evidente finalidade consiste na eliminacáo de incertezas
novidade, introduzido o art. 103-A, com a instituicáo
e divergencias no ambito da jurisprudencia, procurando
da súmula vinculante. O 5 l o do art. 103-A estabeleceu
asegurar uniformidade na interpreta~áoe aplicacáo do
o escopo da projecáo normativa esperada pela súmula
direito (Lauria Tucci). Trata-se de sumulas interpretativas, vinculante, como sendo a validade, a interpreta~áoe a
que se limitam a indicar a orientacáo da jurisprudencia eficácia das normas. Destaca-se, ainda, que o objetivo
dominante no tribunal. é o de compor a divergencia entre os órgáos judiciais ou
entre estes e a administracáo pública (unidade e coersncia
2. Efeito vinculante e súmula vinculante do ordenamento jurídico (v. retro, capítulo IV), afastar a
inseguraya jurídica que advém da incerteza do direito
Pela primeira vez entre nós, o efeito vinculante de (princípio da seguranca jurídica) e diminuir ou impedir a
julgados foi estabelecido em ambito constitucional pela multiplicacáo de demandas sobre controvérsias identicas
Emenda Constitucional n. 3/93 para as a ~ ó e declaratórias
s (celeridade, eficiencia, razoável dura~áo do processo,
de inconstitucionalidade. A EC 45/2004 estendeu o efeito economia processual).
vinculante para asóes declaratórias de constitucionalidade.
A súmula vinculante, como o próprio nome
Na verdade, náo havia necessidade dessa extensáo, seja
indica, tem o condáo de vincular diretamente os órgáos
porque as asóes declaratórias tem natureza dúplice, seja
judiciais e os órgáos da Administra~áoPública, abrindo
porque a Lei n 9.868/99 já previa a eficácia vinculante para
a possibilidade de que qualquer interesado faca valer a
as asóes diretas de inconstitucionalidade.
orientacáo do Supremo, náo mediante simples interposicño
Seja como for, a eficácia vinculante ficou de recurso, mas de apresentacáo de uma reclama~áopor
inicialmente restrita aos chamados processos objetivos de descumprimento de decisáo judicial.
controle da constitucionalidade, derivando do conceito
A natureza jurídica da reclamacáo é discutível. Trata-se de
de que a Corte Suprema deve zelar pela observancia um meio de solicitar a intervencáo do STF para que faca
estrita da Constituicáo nos processos especiais concebidos valer sua orientacáo, que náo tem as características de um
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

recurso e dificilmente pode ser enquadrada no conceito de propositura da aqáo direta de inconstitucionalidade, sem
agáo. Entendemos, com a Ministra Ellen Gracie, que se prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei.
enquadra no mais genérico direito constitucional depetigáo.
Pelo menos, enquanto se aceite o conceito tradicional de A lei que regulamentou a súmula vinculante (Lei
acáo. Mas já vimos na Introducáo que é preciso moldar 11.417/2006) ampliou o rol dos legitimados, mas reduziu
um novo conceito de acá0 - embora esta náo seja objeto seu alcance, exigindo a "existencia de controvérsia atual
de nosso ensaio. O que vale dizer é que a aqáo perdeu que acarrete grave inseguranca jurídica e relevante
sua centralidade e se tornou cada vez mais abstrata (pois multiplicaqáo de processos sobre identica questáo".
instrumentais ao direito material sao o processo e o
procedimento) e hoje nada mais representa do que um dos
diversos meios existentes para o acesso a justica.
3. Eficácia vinculante da jurisprudencia no CPC
Requisito para ediqáo da súmula vinculante diz
respeito ii preexistencia de reiteradas decisóes sobre matéria O CPC consagra tendencia presente no atual
constitucional. Exige-se aqui que a matéria a ser versada na ordenamento brasileiro de valorizaqáo das decisóes
súmula tenha sido objeto de debate e discussáo no Supremo judiciais, que tem por escopo evitar decisóes contraditórias
Tribunal Federal. Busca-se obter a maturacáo da questáo ou conflitantes, prestigiar a igualdade de tratamento
controvertida com a reiteraqáo de decisóes. Veda-se, deste perante a lei e impedir a realizaqáo de atos desnecessários,
modo, a possibilidade da ediqáo de uma súmula vinculante porque inúteis.
com fundamento em decisáo judicial isolada. É necessário Preocupado em resolver o problema das
que a mesma reflita uma jurisprudencia do Tribunal, ou divergencias jurisprudenciais, o Código decidiu consignar,
seja, reiterados julgados no mesmo sentido, é dizer, com a em primeiro lugar, dispositivo voltado a nortear a necessária
mesma interpretaqáo. uniformidade das decisóes.
Ao contrário do que ocorre no processo objetivo, Assim o caput do art. 926 prescreve que os
a súmula vinculante decorre de decisóes tomadas em casos tribunais devem uniformizar a sua jurisprudencia e mante-
concretos, no modelo incidental, no qual também existe,
la estável, íntegra e coerente. Como visto, a jurisprudencia
náo raras vezes, reclamo por soluqáo geral. Ela só pode
encerra uma pluralidade de decisóes relativas a vários
ser editada depois de decisáo do Plenário do Supremo
e diversos casos concretos, sobre um ou outro assunto.
Tribunal Federal ou de decisóes repetidas das Turmas
Por isto é que os parágrafos do dispositivo tratam dos
(Gilmar Mendes).
enunciados de súmulas, que devem observar, fixando-lhes
Nos termos do 5 20do art. 103-A,da Constieicáo, critérios. A recomendaqáo de uniformizar a jurisprudencia
a aprovaqáo, bem como a revisáo e o cancelamento de se concretiza pelo exame, pelos tribunais, da motivacáo dos
súmula poderá ser provocada pelos legitimados para a
Ensaio sobre a processualidade

julgados e lhes caberá manter a jurisprudencia coerente, é qualquer julgado (ainda náo consolidado em precedente)
afim de ir consolidando os precedentes. que poderia ou deveria ter eficácia vinculante.

A principal técnica de que o Código lanqa máo, Segue daí que o efeito vinculante previsto pelo CPC niio
se restringe ao precedente vinculante, mas, tendo em vista
para alcanqar a uniformizaqáo da jurisprudencia, é o
a nomenclatura já tradicional que fala correntemente
prestígio ii verticalizaqáo das decisóes, concretizada na dos precedentes vinculantes introduzidos pelo Código,
necessidade de observancia dos julgados dos tribunais manteremos por vezes esta expressiio, ressalvadas as
distincóes feitas acima.
pelos órgáos judiciários de instancia inferiores.
Além das decisóes proferidas em controle
concentrado da ConstitucionAidade e das súmulas 4. As técnicas para a aplicagáo de eficácia
vinculantes, que ,como visto,já possuíam eficácia vinculante vinculante
anteriormente, o novo código atribuiu efeitos obrigatórios
Tres conceitos desenvolvidos pelo common Zaw
e gerais ("os juízes e tribunais observaráo"): i) aos
- origem do precedente jurisprudencia1 normativo - e
julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal e pelo
generalizadamente utilizados também em países cujos
Superior Tribunal de Justiqa, em recursos extraordinários sistemas tem raiz romano-germanica - sáo fundamentais
e especiais repetitivos; ii) aos acórdáos produzidos pelos para a atuaqáo com precedentes vinculantes. Sáo eles: i)
demais tribunais, em incidente de resoluqáo de demandas a ideia de ratio decidendi ou holding, ou seja, a "razáo de
repetitivas; e iii) em incidente de assunqáo de competencia decidir" do julgado; ii) a noqáo de o ou seja, a "considera~áo
(art. 927). marginal ao caso"; iii) o mecanismo de distinqáo entre casos
Tem-se dito que aqui se trata de precedentes (distinguish). Para a teoria do precedente, a ratio decidendi é
vinculantes. Mas, na verdade, só a Súmula vinculante a porcáo de um julgado, extraída do caso concreto, que
constitui precedente vinculante, em sentido próprio, vincula os demais órgáosjudiciais. A sua definiqáo pressupóe
sedimentado que foi ao longo do tempo pela jurisprudencia a plena verificacáo dos fatos juridicamente relevantes para
dominante, representando uma decisáo relativa a uma a causa, da questáo de direito que eles colocam, bem como
situaqáo particular. Em todos os outros casos náo se o exame dos fundamentos utilizados pelo tribunal para
trata senáo de julgados a que o Código atribuiu eficácia decidir o caso concreto.
vinculante. Por isso, anda mal a doutrina que fala em A partir desses elementos, produz-se uma
precedente vinculante instituído pelo CPC, pois na descriqáo dos motivos que determinaram a decisáo do
verdade se trata de julgados vinculantes. E isso demonstra tribunal naquele caso. É justamente esta descricáo que
a fragilidade do sistema instituído pelo Código, pois náo vinculará o julgamento de casos futuros.
Ensaio sobre a processualidade

O obiter dictum indica a discussáo de questáo náo decidir a primeira causa. E avaliaráo se tais fundamentos
indispensável para se chegar a soluqáo do caso concreto, sáo suficientes para solucionar a nova causa. Quando os
como eventuais opinióes manifestadas pelos membros fatos juridicamente relevantes sáo diferentes e impóem a
do tribunal, fundamentos náo acolhidos pela maioria ou apreciaqáo de uma questáo de direito diversa, o precedente
afirmaqóes sobre matérias ligadas ao tema, mas prescindíveis náo se aplica. Trata-se de caso de distinqáo.
para o desfecho da causa. Tudo isto constitui consideraqóes
ii margem das questóes de direito efetivamente postas pela Imagine-se, por exemplo, que o S T F tenha declarado a
constitucionalidade de uma norma que veda o deferimento
demanda e, por isso, náo vinculam as demais instancias. de antecipacáo de tutela contra a Fazenda Pública para
o pagamento de vantagens a servidores e pensionistas,
Os obiter dicta podem ser importantes para uma vez que tais parcelas, por serem alimentares, siio
indicar como o tribunal decidirá casos futuros que tenham irrepetíveis e poderáo ser percebidas após o julgamento do
relaqáo com aquele em exame; contem insightr importantes mérito. Imagine-se, contudo, que um novo caso trazido
sobre argumentos que náo foram acolhidos pela maioria a apreciacáo da primeira instancia coloca, de um lado, a
Fazenda Pública e, de outro, um paciente terminal que
hoje, mas que podem vir a ser adotados no futuro; precisa do valor para tratar da sua saúde e que náo viverá
sugerem a direqáo em que determinada questáo de direito para ver o julgamento de mérito.. O precedente náo vincula.
O fato (paciente terminal" niio se encontrava presente no
será desenvolvida pelos tribunais. Podem ter, por isso, primeiro caso. Este fato é juridicamente relevante na nova
considerável importancia para a argumentacáo e para a acá0 porque recusar o deferimento de antecipacáo de
fundamenta~áode decisóes judiciais, mas os demais órgáos tutela na última hipótese significaria recusar, em absoluto,
o acesso desta pessoa ao Judiciário.
julgadores náo estáo obrigados a segui-los.
Uma vez proferida uma decisáo e, portanto, Quando fatos diferentes colocam questóes de
uma vez gerado um precedente vinculante, compete aos direito distintas, o precedente náo governa a soluqáo do
juízos vinculados interpretá-lo e aplicá-lo aos novos casos novo caso, cabendo, todavia, ao magistrado de grau inferior
semelhantes - desde que sejam efetivamente semelhantes. o 6nus de demonstrar que a aplicaqáo náo é cabível e por
Assim, caberá aos juízos vinculados produzir a primeira que.
interpretaqáo do precedente gerado pela corte vinculante
Infelizmente, na prática judiciária brasileira a técnica
(de sua ratio decidendi), bem como confrontar a causa que de aplicacáo do precedente, vinculante ou nao, ainda
'
gerou o precedente com a novo processo que tem em máos, náo foi aperfeicoada: o STJ, tem aplicado a questiio da
para aferir se constituem casos identicos ou náo. legitimacáo das associacóes a acá0 civil pública, que se
apresentam como substitutas processuais um precedente
Com esse objetivo, as instancias vinculadas do STF, em que a associacáo se apresentou como
identificará0 os fatos relevantes de cada caso, as questóes representante, para dela exigir autorizacóes e restringir a
coisa julgada aos associados. As situacóes fático-jurídica
jurídicas que suscitam e os fundamentos utilizados para
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

eram completamente diferentes (Agravo de Instrumento automóvel do poder público. O tribunal náo poderia
em REsp. n. 1,468.774-SP e RExtr, n. 5773232-SC). produzir, a partir de uma multiplicidade de casos sobre
colisáo entre veículos, uma súmula que versasse sobre a
prescritibilidade (ou nao) da acá0 para ressarcimento de
5. Acolhimento pelo novo CPC das técnicas para prejuízos gerados por ato de improbidade administrativa.
detectar a eficácia vinculante O fato "prejuízo decorrente de colisáo entre veículos"
náo é semelhante ao fato "prejuízo decorrente de ato
de improbidade administrativa7'. A prescritibilidade da
Náo há dúvida de que o novo CPC acolheu tal pretensáo da Fazenda Pública, em cada um desses casos,
modo de operar com a eficácia vinculante. De fato, o Código envolve a discussáo de normas e de valores distintos. Se
considera náo fundamentada a sentenca que invoque o fato e as normas sáo diversos, a questáo jurídica que o
tribunal precisa decidir também o é. Trata-se, assim, de
precedente ou enunciado de súmula "sem identificar seus casos distintos. O precedente que governa a solucáo de
fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso cada qual náo se presta a decidir adequadamente o outro.
sob julgamento se ajusta kqueles fundamentos" art. 489,
Em reforco a tais ideias, o CPC preve o cabimento
§lo, V).
de acá0 rescisória contra decisáo baseada em súmula ou em
Esta exigencia deixa claro que o que vincula as acórdáo proferido em julgamento de casos repetitivos que
demais instancias sáo os fundamentos determinantes náo tenham considerado "a existencia de distingáo entre a
do precedente, portanto, sua ratio decidendi. Deixa claro, questáo discutida no processo e o padráo decisório que Zhe deu
ainda, que tal vinculacáo só ocorre se a discussáo posta pela fundamento" (art. 966, 5 50) bem como a possibilidade
demanda em exame '?e ajusta aosfundamentos" do julgado de prosseguimento na tramitacáo de determinado caso,
anterior. Isso porque, se a nova acá0 apresenta diversidade quando se verificar que este possui particularidades que
fática que requer decisáo de questáo de direito distinta, impóem a sua distincáo dos demais recursos repetitivos
o precedente anterior náo vincula a decisáo da última sobrestados.
demanda.
Veremos, no próximo item, a disfuncáo do CPC que preve
Em reforqo a esta ideia, o novo Código determina remédios diversos em defesa ou oposicáo ao chamado
que, na edicáo de enunciados de súmula, "oshibunais devem precedente vinculante.
ater-se as circunsthnciasfáticas dos precedentes que motivaram
Seja como for, a ampla adocáo de precedentes
sua criagáo>art. 926,s 2O.
(rectius julgados) vinculantes pelo novo Código é um
Imagine-se que determinado caso debata se a acá0 da desafio e uma oportunidade. Um desafio porque impóe
Fazenda Pública para obter indenizacáo é prescritível, e k comunidade jurídica que se familiarize e busque
que a discussáo seja pertinente a prejuízos decorrentes
argumentar com nocóes muito pouco utilizadas até
de uma colisáo entre o veículo de um particular e um
este momento, tais como ratio decidendi (holding), oditer
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

dictum (consideracóes marginais) e distinsáo entre casos distinguir entre julgados e precedentes com eficácia
(distinguish). Uma oportunidade porque essas nosóes vinculante, o que trará mais confusóes conceituais para
possibilitam o aprimoramento da prática brasileira náo matéria ainda náo aprofundada no sistema brasileiro. Em
apenas com a eficácia vinculante, mas igualmente com segundo lugar, é discutível a conveniencia de que um mero
a jurisprudencia de modo geral. Esse aprimoramento é julgado possa ter a eficácia vinculante de um precedente.
fundamental para racionalizar o trabalho de tribunais E, talvez querendo distinguir entre o tratamento dado
táo sobrecarregados, para assegurar maior previsibilidade a entidades diversas, cometeu um equívoco corn graves
jurídica, para promover o tratamento isonomico entre consequencias práticas em relasáo aos meios de impugnasáo
iguais. cabíveis em caso de náo aplicacáo da eficácia vinculante.
A jurisprudencia brasileira deverá ter muito cuidado na Segundo Paulo Lucon, o art. 927 apresentaria graus
verificacáo da eficácia vinculante dos julgados, pois a diversos de vinculagáo do magistrado As hipóteses previstas
súmulavinculante (representativa apenas de um enunciado) em seus incisos. O Código admitiria maior eficácia
dificilmente facilita essa análise, sendo aconselhável que, vinculante a desafiar reclamafáo nas hipóteses em que se
na aplicacáo ou náo da súmula, se examinem os julgados objetiva garantir a autoridade de decisoes proferidas em
anteriores dos quais ela promanou. controle concentrado de constitucionalidade (art. 927, inc.
1 C/C art. 988, inc. 111), enunciados de súmula vinculante
Por outro lado, é importante reforcar que o poder (art. 927, inc. 11 c/c art. 988, inc. 1111), acórdáos em
de produzir precedentes ou julgados vinculantes náo é um incidente de assuncáo de competencia ou de resolucáo de
demandas repetitivas (art. 927, inc. 111c/c art. 988, inc. IV)
poder sem limites. O alcance do teor vinculante é limitado e precedentes de repercussáo geral ou de recurso especial
pelos fatos do caso que o gerou e pela questáo jurídica em questáo repetitiva quando esgotadas as instancias
apreciada como uma premissa necessária a alcansar o ordinárias (art. 927, inc. 111c/c art. 988, 50, inc. 11, parte
final) Já os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal
dispositivo do acórdáo. Para além desse limite, os juízes Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal
sáo livres para decidir. de Justica em matéria infraconstitucional (art. 927, inc.
IV) e a orientaqiio do plenário ou do órgáo especial aos
quais estiverem vinculados (art. 927, inc. V) tem grau
6. Disfungóes no sistema do CPC de vinculacáo menor e por isso, devem ser questionadas
pelas vias recursais previstas no Código de Processo Civil,
Mas se o novo CPC certamente trouxe medidas nao se admitindo reclamacáo como meio de impugnacáo
nessas hipóteses.
altamente positivas para a introdusáo, entre nós, de
j ulgados vinculantes, em observancia aos elevados valores No entanto, parece que náo se trata de vinculaqáo
constitucionais por ela assegurada (ver abaixo), é certo que maior ou menor. A vinculasáo existe ou náo existe e a
o tratamento dado i matéria apresenta algumas disfuncóes. obrigasáo do órgáo vinculado a observar o julgado ou
Em primeiro lugar, como visto acima, náo conseguiu precedente vinculante é a mesma. O que muda é apenas
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

o meio de impugnaqáo, sendo um mais direto e eficaz A incoerencia traduz-se principalmente no desprestígio da
do que outros. Mas é possível que, psicologicamente, autoridade, em geral, e do Judiciário em particular.
o magistrado se sinta mais ii vontade para descumprir Vejamos cada um deles.
súmulas interpretativas e orienta~óesde órgáos superiores
a que está vinculado, sabendo que a impugnaqáo náo pode
7.1 Certeza do direito e segurangajuridica
vir pela via da reclamaqáo.
Resta saber por que o CPC tratou diferentemente Ao comentar a uniformizaqáo da jurisprudencia
os meios de impugnaqáo para decisóes que desrespeitam a no CPC/1973,já destaquei o princípio da certeza do direito,
eficácia vinculante. relacionando-o a dois outros importantes princípios.
Certarnente a diferenqa náo se baseou na distinqáo Dois princípios defrontam-se, na questáo de
entre eficácia vinculante do julgamento e do precedente, uniformidade de interpretaqáo judiciária: o da certeza do
que o próprio código ignora; nem na impugnaqáo em direito e o da exigencia da evoluqáojurídica. O princípio da
matéria constitucional ou infraconstitucional, que poderia certeza do direito, táo antigo quanto o direito do homem
ser outro critério razoável. civilizado, recebeu nova colocaqáo com a declaraqáo solene
de seus direitos e garantias. Seguem,, como corolários, os
Se critério houve, confessamos que nos parece princ9ios da igualdade de todos perante a lei e da unidade e
incompreensível. coertncia do ordenamentojuridico.

7. Valores que informam a eficácia vinculante 7.2 A igualdadeperante a lei e a garantia constitucional de igual
julgamento
A projeqáo da eficácia vinculante dos precedentes
(ou julgados) judiciais é medida que concretiza diversos D o princípio constitucional da isonomia, decorre
princípios constitucionais. o princípio a; direito de igual julgamento. Náo é possível,
e atenta contra a credibilidade do Poder Judiciário, que
A doutrina já identificou que a eficácia vinculante duas causas identicas, com as mesmas questóes de fato
se ampara em valores essenciais para a ordem jurídica. A e de direito, sejam julgadas de forma diferente. Coisas
certeza do direito e a seguranqajurídica; a igualdade perante julgadas contraditórias constituem um fenomeno que
a lei e a garantia constitucional de igual julgamento; a acentua a desigualdade e demandam a utilizaqáo de outros
duraqáo razoável do processo; e, acrescentamos, a coerencia instrumentos processuais e até dúvidas doutrinária sobre a
e unidade do ordenamento jurídico, que o prestigia e o torna prevalencia de uma ou outra, quando as consequencias de
mais compreensível aos olhos dos membros da sociedade. seus comandos sáo incompatíveis, no plano dos fatos.
Ada Pelleqrini Grinover

7.3 A durayáo razoável do processo 8. Aceitaqáo do efeito vinculante


Julgamentos repetitivos, reformas de sentenqas Desde as primeiras propostas de projeqáo do efeito
para adequá-las i jurisprudencia consolidada, ocupam vinculante, surgiram vozes que se opuseram. A doutrina
tempo e esforqo do judiciário que poderia solucionar já alertava para essa resistencia, ao tempo em que fazia
conflitos mais relevantes. A observancia da economia incontestável defesa da medida (Candido Dinamarco).
processual, assegurada pelo precedente vinculante, reflete- Com o advento da EC 4512004, surgiram também
se diretamente no princípio constitucional da duraqáo diversos trabalhos sustentando a inconstitucionalidade da
razoável do procesco. EA outras palavras, a técnica própria Emenda Constitucional.
do precedente vinculante é um dos principais meios e
instrumentos para garantir a duraqáo razoável do processo, Mas atualmente, já se encontra completamente
que tem reflexos na economia processual. consolidada a aceitaqáo do efeito vinculante nas ADI, nas
ADCs e nas Súmulas Vinculantes. É uma realidade que náo
7.4 A coerencia e unidade do ordenamentojuridico pode ser ignorada. Decidir contra precedente vinculante
do S T F náo apenas enseja reclamaqáo para correqáo
Conforme já visto em capítulo anterior (IV), imediata do julgado, como também sujeita a autoridade
a coerencia é uma das principais características do administrativa a sanqóes civis, penais e administrativas.
ordenamento jurídico, considerado como instituiqáo que Agora, o CPC vigente estendeu a técnica do
preside a toda as normatividade e jurisprudencia de uma precedente vinculante aos tribunais de segundo grau.
determinada sociedade, sempre aderente aos princípios e Quanto ii conveniencia da medida, Candido Dinamarco já
normas constitucionais. Sem coerencia, perde-se também a afirmara ser uma pena que também aos tribunais locais náo
unidade do ordenamento jurídico, outra de suas principais se tivesse estendido a autorizaqáo a sumular (com efeito
características. E a coerencia exige harmonia entre as vinculante).
normas, entre as normas e a jurisprudencia, e entre os
diversos julgados que a compóe, ou seja, da jurisprudencia Por certo. Existem diversas questóes locais que
entre si. náo contrariam leis federais ou a Constituiqáo Federal.,
E tudo recomenda que a unidade do direito, a igualdade
Sem essa unidade e essa coerencia, a autoridade dos julgamentos, a seguranqa jurídica, a duraqáo razoável
- em geral - e o Poder Judiciário perdem credibilidade, do processo (propiciada pelo princípio da economia
gerando perplexidades e incertezas no corpo social. processual) sejam preservados em uma jurisprudencia
unitária também nas instancias ordinárias.
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

9. Rebatendo os argumentos que defendem a unidade do direito no plano prático, e a anular o postulado
inconstitucionalidade do efeito vinculante da isonomia, na atuaqáo concreta da norma.
Embora náo haja norma constitucional que, Uma palavra de advertencia: náo sugerimos seja
explícita e diretamente, proba seja atribuído efeito mitigado o princípio da independencia dos juízes. Náo
vinculante aos precedentes judiciais, costuma-se é isso. Afirmamos, apenas, que esse princípio deve ser
apontar dguns princípios insertos na Constituiqáo que, harmonizado com outros princípios constitucionais, para
aparentemente, poderiam ser violados, na adoqáo do que náo sejam excluídos.
efeito vinculante. Sáo citados, com maior frequencia, os
postulados da independencia e livre convencimento dos 9.2 0princl;Piodo livre convencimento dosjuízes
juízes, o princípio de separaqáo dos Poderes, a garantia
constitucional do contraditório, e o princípio da legalidade. Há, ainda, o argumento de violaqáo ao princípio
do livre convencimento dos juízes. Esse importante
Vejamo-los, um por um. princípio refere-se diretamente náo só a apreciaqáo da
prova, relacionada com o julgamento, mas também para
9.1 O postulado da independincia dosjuízes se formar a convencimento quanto ao direito e justiqa da
soluqáo a ser dada ao caso concreto (Arruda Alvim).
Um argumento que impresiona - e com razáo -
é o da violaqáo a independencia dos juízes. Mesmo o princípio do livre convencimento,
porém, náo é absoluto. O julgador náo pode julgar um
Mas a liberdade náo é ilimitada, sob pena de o caso, ignorando fatos, decidindo de modo manifestamente
juiz ignorar as normas jurídicas ou mesmo a Constituiqáo contrário ii prova dos autos. Náo pode também recusar-se
Federal. Esse importantíssimo princípio deve se a aplicar norma jurídica ii determinado conjunto de fatos,
harmonizar com outros princípios constitucionais, como os sem justificar a náo incidencia normativa.
da unidade do direito, da igualdade, da seguranqa jurídica,
etc. Seja como for, ainda que o juiz seja independente, Observe que, nos termos da Súmula Vinculante 10, do
estará sempre submetido aos controles internos, que Supremo Tribunal Federal, órgáo fracionário de tribunal
náo pode afastar a incidencia da norma sem a submeter ao ,
poderáo modificar sua posiqáo, bem como ao regramento, plenário, mesmo quando náo a declare inconstitucional.
normativo e jurisprudencial, do ordenamento jurídico. As opcóes sáo duas: fazer incidir a norma ou submete-la
Pois a exacerbaqáo da independencia dos juízes terá como ao plenário.
consequencia a diversidade de interpret>qáo para casos
A aplicaqáo dos precedentes segue na mesma
análogos; e levará, como já dissemos, a comprometer a
linha. O julgador pode, sim, deixar de aplicar o precedente,
positividade jurídica, pela inobservancia do princípio da
mas para isso, deverá fundamentar a náo incidencia
Ada Pelle~riniGrinover Ensaio sobre a processualidade
9

dele no caso concreto. Porém, se náo houver argumento Reconhecemos que o tratamento do precedente
que justifique a náo aplicaqáo do precedente, tampouco vinculante, pelo Código em vigor, é disfuncional e poderia
haverá razáo para justificar julgamentos distintos para ser aperfeiqoado, utilizando técnicas melhores e mais
casos análogos e o precedente deverá ser aplicado. Enfim, prudentes. Mas este é outro problema, que nesta sede já foi
na técnica do distinguish o juiz exercerá livremente seu apontado, cabendo a doutrina e a jurisprudencia resolve-lo.
convencimento.
9 .S O princqio da legalidade

Incompreensível é a alegaqáo de que o precedente


Conforme afirmado anteriormente (capítulo vinculante vulneraria o princípio da legalidade, que
VII) o princípio da separaqáo dos Poderes, no Estado determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
Democrático de Direito, coloca em posiqáo completamente fazer alguma coisa senáo em virtude de lei.
diversa o Poder Judiciário e suas funqóes.
Em primeiro lugar, porque o precedente vinculante
O judiciário assume a fünqáo de controle foi estabelecido por lei (o CPC); em segundo lugar, porque
dos outros Poderes, em relaqáo a observancia da jamais se duvidou de que a ordem judicial náo pudesse
Constituiqáo e da efetivaqáo dos direitos fundamentais regular condutas; em terceiro, porque a coisa julgada é um
por ela garantidos. Uma fun~áode garantia. princípio constitucional tanto quanto o da legalidade; e,
Sua legitimidade foi também defendida em por último, porque a interpretaqáo histórica do dispositivo,
trecho anterior desta obra (capítulo VII). Assim como introduzido em nossa ordem constitucional desde 1934,
a füncáo criadora da jurisprudencia, quando se falou no demonstra que o constituinte quis simplesmente asegurar
ordenamento jurídico (capítulo IV). o cidadáo contra o arbítrio do governante, impedindo
que atos normativos de índole náo legislativa (decretos,
9.4 Agarantia do contraditório portarias, resoluqóes, etc.) pudessem impor deveres e
obrigaqóes.
A garantia do contraditório náo é desrespeitada
na aplicaqáo do precedente vinculante, pois foi plenamente 10. Proposta para a soluqáo da controvérsia: a
observada no processo que gerou o precedente. E, de ponderaqáo dos princípios constitucionais em
qualquer maneira, quanto a sua aplicaqáo, sempre haverá colisáo
contraditório posterior, com os meios de impugnacáo em
defesa ou contrários a aplicaqáo do precedente previsto no Embora se tenha demonstrado acima (ns. 9.1 a
CPC. 9.5) que o precedente vinculante náo fere os princípios
Ada Pelleqrini Grinover

constitucionais da independencia dos juizes, da separaqáo 11. A eficácia vinculante pode ser introduzida por lei
dos poderes, do contraditório do livre convencimento ordinária?
e da legalidade, passamos momentaneamente a aceitar,
por absurdo, que o f a ~ a m Mesmo
. assim, seria preciso Finalmente, uma última questáo. Afirma-
contrastar esses princípios com outros, assegurados pelo se que a eficácia vinculante só poderia ser instituído
precedente vinculante, acima indicados , como a certeza pela Constituiqáo e náo por lei ordinária. Destaque-
do direito e a seguranqa jurídica, a igualdade que comporta se, inicialmente, que muitas das regras que abrirarn o
a interpreta~áouniforme das leis, a duraqáo razoável do ordenamento brasileiro a observancia dos precedentes
processo - tudo culminando na consistencia e unidade do foram de natureza infraconstitucionais.
ordenamento jurídico. O Código de Processo Civil de 1973 estabelecera
Como já vimos em capítulo próprio (Y), a colisáo no seu art. 479, o precedente de uniformizaqáo de
entre princípios constitucionais resolve-se pela aplicaqáo jurisprudencia.
do princípio da proporcionalidade. Em 1998, pela Lei n. 9.756, de 1998, o art.
Já vimos também que o princípio da 557 do Código de Processo Civil passou a considerar
proporcionalidade obriga a todos os Poderes: legislativo, as súmulas de jurisprudencia dominante dos tribunais
executivo e judiciário. superiores como instrumento apto a impedir o recurso:
Ve-se daí que a legislaqáo processual civil, de certa forma,
Pois bem. No caso do precedente vinculante, já admitia a obrigatoriedade da adoqáo das súmulas dos
o legislador ordinário aplicou o princípio da tribunais superiores, ao estabelecer que os recursos que se
proporcionalidade para resolver a (aparente) colisáo fundamentassem em tese jurídica contrária 5s súmulas dos
de princípios constitucionais supra elencados. E, na Tribunais Superiores seriam inadmitidos pelo relator.
proporcionalidade estrita (ou seja, na ponderaqáo dos
valores em jogo) decidiu, razoavelmente, pela prevalencia O Regimento Interno do Supremo Tribunal
dos princípios assegurados pelo precedente obrigatório. Federal - RISTF, ao disciplinar a chamada representaqáo
Nem se pode dizer que houve excesso na eventual restriqáo interpretativa, introduzida pela Emenda no 7 de 1977,
imposta a outros princípios, como acirna se demonstrou. estabelecia que a decisáo proferida na representaqáo
interpretativa seria dotada de efeito vinculante (art. 187
do RISTF).
Mas foi intensa a resistencia da Administraqáo
a aplicaqáo das referidas regras. E a enorme litigancia -
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

pela qual sáo responsáveis em grande medida os órgáos última análise, o argumento se insurge apenas quanto ao
da administracáo - náo diminuiu. As disposiqóes legais veiculo introdutor da prescricáo normativa.
náo eram observadas, o que provocou a necessidade de
Esse argumento geralmente é formulado através
consolidar a ideia de inserqáo do precedente vinculante na
de uma indagaqáo: por que as previsóes anteriores de
própria Constituicáo.
precedente (e súmula) vinculante estáo na Constituicáo, se
Todavia, enquanto tramitava a proposta de náo é necessária norma constitucional?
Emenda Constitucional que pretendia atribuir efeito
Em primeiro lugar, convém observar as diversas
vinculante e obrigatório as súmulas do Supremo Tribunal
prescricóes normativas de precedentes vinculantes que
Federal, a ordem jurídica brasileira evoluiu para reconhecer,
decorrem de leis ordinárias (Lei 9.868/99, Lei 9.882/99
no iimbito legal, o efeito vinculante das decisóes proferidas
etc.). Entáo, o legislador náo se limitou a estabelecer o
pelo Supremo Tribunal Federal no iimbito dos processos
efeito vinculante exclusivamente por intermédio de norma
objetivos.
constitucional.
Assim, a Lei n. 9868/99 reconheceu o efeito
Mas, respondendo diretamente a pergunta: por
vinculante das decisóes proferidas em sede de aqáo
opqáo e liberalidade do legislador. Simplesmente por isso.
direta de inconstitucionalidade e acá0 declaratória de
constitucionalidade; e a Lei no 9.882/99 reconheceu o A interpretacáo histórica do caminho evolutivo (das leis
efeito vinculante das decisóes proferidas em sede de ADPF. ordinárias as Emendas) demonstra que a escolha se baseou
exclusivamente na conveniencia de reforcar o instituto da
Seja como for, o argumento de que somente a vinculacáo, em face da resistencia da Administracáo, no
momento histórico entao existente. Mas agora náo há mais
Constituicáo Federal pode estabelecer o efeito vinculante
esse cuidado, pois a vinculacáo se cinge a jurisprudencia
dos precedentes judiciais é contraditório. Se o efeito dos tribunais (sobre interpretaciio histórica e evolutiva, ver
vinculante estabelecido por lei é inconstitucional, entáo capítulo VI).
também seriam inconstitucionais as Emenda i Constituicáo
Por outro lado, de há muito é conhecida a distincáo
que o instituíram. Por outro lado, quando o argumento diz
entre normas constitucionais materiais e formais. As
que uma emenda constitucional pode estabelecer o efeito
normas constitucionais materiais sáo aquelas cuja naturezaj
vinculante, entáo se reconhece, por consectário lógico, que
constitucional advém de seu conteúdo. O u seja, as normas
o efeito vinculante náo contraria a Constituicáo Federal.
constitucionais materiais sáo assim consideradas por
Do contrário, nem mesmo o Poder Reformador poderia
estabelecerem a forma de governo, a estrutura organizacional
incluir o efeito vinculante na Constituicáo. Na verdade, o
do Estado, os direitos e garantias fundamentais da pessoa
argumento reforca a tese da constitucionalidade do efeito
humana. As normas constitucionais formais, por sua vez, sáo
vinculante, introduzido por Emendas Constitucionais. Em
Ada Pelleqrini Grinover

aquelas consideradas constitucionais simplesmente porque Conclusóes


estáo na Constituiqáo. Desse modo, náo tem conteúdo
constitucional, mas sáo qualificadas como constitucionais H á diferenqa conceitual entre julgados,
apenas em decorrencia da formalidade de sua elaboraqáo, jurisprudencia, precedente e precedente vinculante
por terem sido editadas através de processo diferente das (abrangendo este a súmula vinculante).
demais leis.
O novo CPC trata de precedente vinculante (a
A doutrina reconhece, pacificamente, que a súmula) e cria novas hipótese de julgados vinculantes, ao
norma formalmente constitucional poderia ser objeto da lado das já existentes para o controle de constitucionalidade.
legislaqáo ordinária. Existem técnicas que devem ser utilizadas na
Esse raciocínio define bem o que ocorre com a verificaqáo da aplicaqáo, ou náo, do julgado ou precedente
previsáo constitucional do efeito vinculante das decisóes vinculante ao caso seguinte, que se desdobram em várias
do STF em controle abstrato de constitucionalidade e etapas da análise a ser empreendida: a) destacar a ratio
na súmula vinculante. Estáo na Constituiqáo Federal decidendi do odter dictum, pois só a primeira pode se impor
por simples opqáo do legislador, mas náo há qualquer com eficácia vinculante; b) proceder ao distinguish, uma
impedimento legal para que fossem formuladas por vez que a eficácia vinculante só é aplicável após a plena
intermédio da legislaqáo ordinária. E a opgáo do legislador verificaqáo dos fatos juridicamente relevantes para a
foi motivada apenas em incluir o efeito vinculante causa, da questáo de direito que eles colocam, bem como
(primeiro, nas ADCs; depois, na Súmula Vinculante e nas do exame dos fundamentos utilizados pelo tribunal para
ADIs) no texto constitucional para evitar as resistencias decidir o caso concreto.
ou mesmo alegagóes de inconstitucionalidade das leis (de A jurisprudencia brasileira deverá ter muito
origem principalmente do Poder Público). cuidado na verificaqáo da eficácia vinculante dos julgados,
Apropósito,encontramos na doutrina o argumento pois a súmula vinculante (representativa apenas de
oposto. Chegou-se a afirmar que a súmula vinculante náo um enunciado) dificilmente facilita essa análise, sendo
deveria ser disciplinada por emenda constitucional, mas aconselhável que, na aplicaqáo ou náo da súmula, se
por lei ordinária, por sua maior flexibilidade (Calmon de examinem os julgados anteriores dos quais derivou.
Passos). A eficácia vinculante de julgados e precedentes
Náo há, assim, óbice algum para que a legislagáo resguarda os valores constitucionais da igualdade, da
ordinária discipline o efeito vinculante das decisóes seguranqa jurídica, da duraqáo razoável do processo e se
judiciais. reflete na unidade e coerencia do ordenamento jurídico,
observando, ainda, os parametros da economia processual.
Ada Pellegrini Grinover

Podem ser facilmente rebatidos os argumentos


que se levantam contra a constitucionalidade da eficácia
vinculante, configurados em suposta infringencia i
independencia e ao livre convencimento dos juízes,
ao princípio da separacáo dos poderes, i garantia do
contraditório e ao princípio da legalidade.
Seja como for, ainda que houvesse colisáo de
princípios, o legislador já a dirimiu, aplicando o princípio
da proporcionalidade, de modo totalmente razoável.
É constitucional a instituicáo de novos julgados
vinculantes por lei ordinária. Há precedentes neste sentido
no próprio Brasil e o fato de vários deles terem sido
criados por Emenda Constitucional, decorrente do Poder
Constituinte derivado, é mais uma demonstraqáo de que
náo infringem eles a Constituiqáo, sendo que a escolha
se baseou exclusivamente na conveniencia de reforcar o
instituto da vinculacáo, em face do momento histórico
entáo existente.
omo é sabido, pela teoria da substanciayáo, a causa
de pedir é composta pelo fato e pelo fundamento
jurídico do pedido. A causa de pedir seria a soma
desses dois elementos. Com base nessa teoria, sempre que
se examinarem duas demandas, a causa de pedir de urna só
é identica ii da outra, se ambos os elementos sáo iguais, ou
seja, se o fato e o fundamento jurídico alegados forem os
mesmos.
Contrapóe-se a essa teoria a da individuapío,
segundo a qual a causa de pedir é constituí& exclusivamente
pela afirmacáo do direito. Os fatos náo importam e
podem mudar no curso do processo. Causa de pedir é só
o fundamento jurídico, ou seja, é apenas o direito que se
>
alega existir quando se vai a juízo.
Os adeptos desta teoria diriam que a causa de
pedir de uma a ~ á oreivindicatória é apenas o direito de
propriedade porque, para eles, causa de pedir é o direito
que se alega ter. Náo interessa a que título se adquiriu a
Ada Pellegrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

propriedade (se por compra e venda ou por usucapiáo, jurídicos do pedido (art. 319, 111, CPC, reproduzindo a
por exemplo). Esses sáo fatos jurídicos que náo integram regra do Código revogado).
a causa de pedir. Interessam no campo da prova, mas
Mas o que pensamos é que a adesáo a uma das
náo para a fixacáo da causa de pedir. Para os adeptos da
duas teorias náo pode decorrer exclusivamente de um
teoria da substanciacáo, causa de pedir na reivindicatória
dispositivo legal, estendendo-se por todo o processo e
é a aquisicáo da propriedade, por compra e venda, v.g.,
em todos os momentos do iter processuaZ. Se os fatos
mais o direito de propriedade. O u seja, causa de pedir da
puderem mudar, durante seu decurso, e assim serem todos
reivindicatória é a compra e venda (fato gerador do direito)
apreciados na sentenca, estaremos utilizando a técnica da
e o direito de propriedade (direito). Daí porque nesta teoria
individuacáo. Se eles ficarem rigidamente fixados pelo
se fala em causa de pedirpróxima (o fundamento de direito:
pedido, náo podendo ser alterados nem apreciados de modo
direito de propriedade) e remota (o fato jurídico da compra
diverso pela sentenca, teremos a aplicacáo da técnica da
e venda). Pela teoria da individuacáo náo há preocupacáo
substanciacáo. O que nos interessa, nesta sede, é saber se os
com o fato jurídico. O fato jurídico náo integra a causa de
fatos podem mudar, dando flexibilidade ao procedimento,
pedir, constituída apenas pelo direito que se afirma ter.
ou se sáo imutáveis, do que deriva o procedimento rígido.
A importancia prática da distincáo é muito grande. E isto decorre do sistema, e náo de um dispositivo isolado,
Pela teoria da substanciacáo, o vencido numa demanda em voltado exclusivamente ao momento do recebimento da
que se invocou uma causa de anulacáo do contrato por erro, inicial.
poderá ajuizar uma sucessiva por dolo. E se o autor propos
Náo se discute a importancia da escolha de uma
duas demandas para anular o mesmo contrato, uma por
das opcóes, para efeito de recebimento de peticáo inicial ou
dolo e o outro por erro, as causas de pedir náo sáo iguais e
de verificacáo da identidade parcial ou total de demandas.
náo haverá litispendencia entre as demandas, mas simples
Mas o que nos interessa, nesta sede, é saber qual a técnica
conexáo. As causas de pedir remotas (os fatos geradores do
mais adequada a todo o sistema processual, em razáo de
direito) sáo diferentes. Segundo a teoria da individuacáo,
sua maior ou menor flexibilizacáo.
ao contrário, haveria identidade de causas de pedir, com
todas as consequi?ncias disto, pois o fato gerador (erro ou O que é certo é que a maioria da doutrina brasileira
dolo) é irrelevante, senáo no campo da prova. acolhe a teoria da substanciacáo, que teria sido encampada
expressamente pelo Código que, como visto, exige, para o
Segundo os adeptos da teoria da substanciacáo -
recebimento da inicial, a indicacáo dos fatos que embasam
a grande maioria dos estudiosos brasileiros - esta teoria
o fundamento jurídico (art. 319.111, reproduzindo o texto
foi acolhida expressamente pelo Código, que exige que,
do Código revogado).
na peticáo inicial, se indiquem o fato e os fundamentos
Ada PeHeqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

Mas tem razáo Cruz e Tucci quando assevera que mais do que diz o art. 319, III) importa a redasáo do art.
a teoria náo pode ser deduzida de um único dispositivo e 508, que reafirma, como já o fazia o CPC revogado, que,
que é necessário o exame sistemático do Código para que transitada em julgado a decisáo de mérito, considerar-se-
se descubra se existem hipóteses, que náo o deferimento da áo deduzidas e repelidas todas as alegacóes e defesas que a
peticáo inicial, em que se adotou a substanciacáo. parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto & rejeicáo
E justamente, nessa sede, náo nos preocupam as da demanda.
consequencias da adocáo da teoria da substanciacáo ou Trata-se de verificar qual o sentido do "deduzido
da individuacáo no momento do recebimento da peti~áo e do dedutível" no sistema brasileiro.
inicial ou do exame da identidade parcial ou total das
demandas, mas sim saber se os fatos podem mudar no
A pergunta a se colocar é, portanto, sobre o sentido
da expressáo "todas as alegacóes e defesas que poderiam ter
decorrer do processo, fugindo das preclusóes rígidas que
sido alegados e náo o foram". A proibicáo da reiteras50
de alguma maneira o novo CPC quis abrandar, com uma
incluirá os fatos constitutivos da mesma causa de pedir
certa abertura para a flexibilidade. Porque, se os fatos
(teoria da individuacáo) ou apenas novas argumentacóes,
puderem mudar estaremos diante da teoria da individuacáo
diversas posicóes jurisprudenciais, novos raciocínios
e náo da substanciacáo e a mudanea dos fatos náo alterará
jurídicos? (teoria da substanciacáo). Barbosa Moreira e
a causa de pedir. Mas, se estivermos encampando uma
Moniz de Aragáo, entre outros, entendem que a eficácia
ideologia de preclusóes rígidas, com o reforco do princípio
preclusiva náo impede a reformulacáo do mesmo pedido,
da eventualidade, mudando os fatos mudará a causa de
agora com base em outra causa de pedir, mesmo que se
pedir e o processo poderá ser repetido, com o mesmo
trate de causa de pedir que poderia ter sido alegada na
pedido e o mesmo fundamento de direito. Enfim, nesta
primeira acáo, mas náo o foi.Trata-se de uma compreensáo
sede. preocupa-nos verificar se é certo que a teoria da
que restringe a abrangencia da eficácia preclusiva da coisa
substanciacáo rege integralmente o processo brasileiro, ou
julgada.
se os fatos podem mudar e serem amplamente examinados
pelo juiz na sentenca. O que importará, em última análise, Araken de Assis defende posicionamento diverso.
é saber se a eficácia preclusiva da coisa julgada) cobrirá o Entende que a eficácia preclusiva da coisa julgada abrange
deduzido e o dedutíveZ em sentido amplo, incluindo osfatos que todas as possíveis causas de pedir que pudessem ter
poderiam ter sido alegados e náo oforam, ou seja toda a causa embasado o pedido formulado. A coisa julgada implicaria,
de pedir, ou se essa eficácia preclusiva excluirá outra causa assim, o julgamento de todas as causas de pedir que
de pedir, permitindo a renovacáo da demanda fundada pudessem ter sido deduzidas, mas náo o foram. Trata-se de
em outros fatos (anulacáo por erro ou por dolo). E aqui, aplicar, aqui, a teoria da individuacáo.
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

A primeira concepqáo sempre foi havida como a artigo 98, 40, da Lei 12.529/2011, confirmando a opqáo
majoritária, em níveis doutrinário e jurisprudencial. brasileira pela tese da eficácia preclusiva restrita da coisa
Mas será que ainda vale a pena falar em julgada.
substanciaqáo ou individuaqáo? A ideia central que o novo A revogaqáo foi proposital, conforme escreveu um
Código poderia trazer náo seria a da concentrago, em dos redatores do novo Código, que considerou o dispositivo
oposiqáo desconcentraqáo? E a essa pergunta que nos revogado uma excrescencia do sistema (carirnbando-o
interessa responder, com base sobretudo nas consideraqóes de substanciaqáo, diga-se de passagem). Aliás, um dos
de Giovanni Bonato, feitas abaixo. mais graves defeitos do novo estatuto processual, como
já apontamos, foi o de sedimentar doutrinas, mesmo
2. Eficácia preclusiva e cazcsapetendi controvertidas, dentro da lei.
Outro vistoso exemplo do enquadramento de teses
Foi necessário o estudo percuciente de um ainda náo pacificadas no novo CPC é o do Título
processualista italiano, professor na Franqa e visitante 11 do Livro IV, intitulado indevidamente de tutelas
no Brasil, Giovanni Bonato, para levantar com a maior provisórias (indevidamente, pois a tutela antecipatória
precisáo a questáo da forma restritiva em que se aplica no pode se estabilizar: art.304) Ao reunir estruturalmente
a fünqáo cautelar da antecipatória, náo foi colhida sua
Brasil a eficácia preclusiva da coisa julgada e como se afasta diferente fünqáo - a primeira, meramente conservativa e a
a técnica da concentraqáo das demandas. segunda, satisfativa- exigindo os mesmos requisitos para
a concessáo da tutela de urgencia para ambas (art. 300:
No direito brasileiro, observa ele, a eficácia existencia de elementos que evidenciem a probabilidade
preclusiva é conceituada de forma restritiva, pois abarca do direito e perigo de dano, ou seja o fumus boni iuris e
o periculum in mora) Deixou-se, assim, de lado a menqáo
apenas: novos argumentos, novas circunstiincias de fato,
a prova inequívoca e a irreversibilidade, que eram os
diversa interpretaqáo da lei, atualidades da jurisprudencia requisitos para a tutela antecipatória segundo o art. 273
etc., que talvez pudessem ser úteis quando trazidos antes do Código revogado.
do julgamento da causa, e que agora já náo poderáo ser
Contudo, conforme já dito, uma parcela
utilizados. Uma relevante exceqáo a esta teoria restritiva
minoritária da doutrina brasileira considera a eficácia,
sobre a eficácia preclusiva da coisa julgada no Brasil
preclusiva de maneira mais ampla de modo que esta abranja
estava contida no artigo 9 8 , s 40, da Lei 12.529/2011, que
todas as possíveis causas de pedir que possam embasar o
nas aqóes que versavam sobre as decisóes do Conselho
pedido formulado (Araken de Assis).
Administrativo de Defesa Economica incluía qualquer
outra causa de pedir na eficácia preclusiva Todavia, o artigo Dito isso, como demonstra Giovanni Bonato,
1.072, IV, do NCPC revoga expressamente o mencionado forqoso é reconhecer que estavisáo (majoritária) restritiva da
doutrina brasileira dominante acerca da eficácia preclusiva Na Itália a coisa julgada constitui a lex specialis da
da coisa julgada é oposta as tendencias predominantes em relacáo jurídica material objeto do processo; e é protegida
alguns países europeus. pelo princípio do deduzido e dedutível que, segundo a
concepcáo largamente dominante na doutrina, abarca
Na Espanha o artigo 400 da Ley de Enjuiciamiento tanto os fatos impeditivos, modificativos e extintivos,
Civil de 2000 impóe ao autor o dnus de alegar todos os quanto todas as possíveis causas de pedir que possam
fatos constitutivos do pedido no primeiro processo. embasar o pedido E m decorrencia da adocáo da teoria
Na Franca, a Corte de Cassacáo, com a decisáo da individuacáo, a amplitude da eficácia preclusiva da
Cesareo de 7 de julho de 2006, proferida pela Assembleia coisa julgada diz respeito ao direito objeto do processo:
Plenária, introduziu um princípio de concentracáo dos tudo aquilo que entra no iimbito do direito deduzido fica
fatos desde o primeiro processo, a saber, um dnus de alegar abrangido pela eficácia preclusiva. Essa visáo italiana ampla
e abrangente da eficácia preclusiva da coisa julgada traz
todas as causas de pedir passíveis de serem invocadas para
repercussóes notáveis sobre os direitos autodeterminados
fundamentar o pedido.
(direitos de propriedade, reais de gozo, da personalidade)
Desse modo, a jurisprudencia francesa chegou a que "podem subsistir uma única vez entre as mesmas partes",
suprimir o requisito da "causa" do artigo 1351 do Código contrapostos aos direitos heterodeterminados (direitos de
Civil que dita a regra da tríplice identidade e mudou o créditos a uma prestacáo genérica, direitos reais de garantia)
precedente entendimento restritivo a respeito da eficácia que podem "coexistir simultaneamente e potencialmente
preclusiva da coisa julgada, cuja abrangencia era limitada mais vezes entre os mesmos sujeitosnEmrelacáo aos direitos
aos fatos alegados. autodeterminados, sendo identificados pelo conteúdo e
náo pelo fato constitutivo, a eficácia preclusiva da coisa
Esse novo posicionamento da jurisprudencia,
julgada abarca todas as possíveis causas de pedir, embora
retomado em vários julgamentos, como observa Bonato,
náo tenham sido alegadas pelo autor. Nessa perspectiva, se
dividiu a doutrina entre: os partidários do dnus de for declarada improcedente uma demanda reivindicatória
concentracáo dos fatos que salientam a necessidade de baseada numa aquisicáo onerosa do bem por contrato de
respeitar os princípios da boa-fé e da lealdade processual, e compra e venda, a eficácia preclusiva impedirá que o autor
de alcancar o princípio de economia processual e, por fim, ajuíze uma segunda demanda alegando ter adquirido o
de evitar a litigiincia repetitiva; e os detratores que criticam bem em forca de um testamento ou grasas ao instituto do
o dnus de concentracáo, na medida em que este violaria o usucapiáo. Mas o mesmo náo ocorre com um direito de
princípio do contraditório, a garantia de acesso justica e crédito, que pode existir mais vezes potencialmente entre
o princípio da demanda. os mesmos sujeitos.
Ada Pelleqrini Grinover

3. Coisa julgada, situaqóesjurídicas e pedido mesmo processo um cúmulo de demandas conexas pela
causa de pedir, sob pena do impedimento de ajuizar num
Por fim, Giovanni Bonato aponta mais um aspecto processo posterior as demandas náo propostas no primeiro.
sobre os limites objetivos da coisa julgada: a determinacáo Em outras palavras as demandas (embasadas na mesma
a respeito de situasóes jurídicas náo pedidas. cansapetendi deduzida em juízo) náo propostas no primeiro
De acordo com a doutrina brasileira (Talamini), processo sáo reputadas rejeitadas de maneira implícita, náo
sendo alterado o pedido, ainda que mantida a causa de havendo julgamento nenhum sobre elas. Trata-se de uma
pedir, estará afastada a identidade, e, portanto, a nova extensáo dos limites da coisa julgada a situacóes da vida náo
acá0 estará alheia aos limites objetivos da coisa julgada. submetidas a apreciaqáo do juiz. Vale lembrar que, todavia,
Isto quer dizer que no Brasil, embora os outros elementos uma parcela importante da doutrina francesa criticou com
identificadores da acá0 (cansa petendi e artes) sejam os veemencia esse referido posicionamento a respeito do qual
mesmos, a mudanca de pedido viabiliza o ajuizamento de a jurisprudencia francesa é ainda titubeante.
uma nova demanda, que náo esbarra no impedimento da Em relacáo a Itália, vale recordar, em largas
coisa julgada. pinceladas, a discussáo sobre a possibilidade de deduzir
Contudo, cumpre ressaltar que esse entendimento um mesmo direito unitário (como um direito a um crédito
tradicional vem sendo questionado no direito comparado: pecuniário ou a um bem fungível) de maneira fracionada
em alguns ordenamentos é possível vislumbrar uma em vários processos distintos. O debate gira em torno
tendencia ampliativa dos limites objetivos da coisa julgada da seguinte pergunta: a lei admite o parcelamento de
a respeito de pedidos náo deduzidos pelas partes. um direito em múltiplos processos, ou impóe ao autor o
6nus de deduzir em juízo esse direito de maneira unitária
A esse propósito, Bonato recorda o princípio num único processo? Durante muitos anos prevaleceu
de concentracáo das demandas, cunhado por uma parte na jurisprudencia o entendimento de que o autor podia
da jurisprudencia francesa, e a regra da vedagáo ao fracionar o seu direito em vários processos, com base no
fracionamento de um direito, elaborada pela jurisprudencia princípio da demanda. E m 2007 houve uma mudanca
italiana. jurisprudencia1 que cunhou a regra da vedaqáo de pleitear
No que tange a Franca, no esteio do mencionado o direito de forma fracionada, prestigiando o princípio da
acórdáo Cesareo de 2006, a Corte de Cassacáo, com a economia processual e o da boa-fé das partes e acolhendo
decisáo Prodim de 28 de maio de 2008, aplicou o princípio a tese propugnada por destacada doutrina.
de concentracáo também em relacáo as demandas náo
propostas, impondo ao autor o 6nus de instaurar num
Ada Pelleqrini Grinover
Ensaio sobre a processualidade

Conclusóes substanciaqáo e individuacáo. A verdadeira escolha é entre


concentracáo e desconcentracáo, entre uma maior ou
Essas consideracóes sáo feitas para induzir os
menor flexibilidade, tendo sempre em vista o objetivo de
estudiosos a repensar as consequencias da adocáo das
evitar completamente demandas repetitivas. Infelizmente,
teorias da individuacáo e da substanciacáo em relacáo aos
a impressáo que o sistema brasileiro dá é a de que ficou no
limites objetivos da cosa julgada. Na verdade o significado
meio do caminho, deixando essas questóes em aberto.
destas teorias e até sua diferenciaqáo estáo superados.
O que importa saber é se se pretende a concentra$io
ou a desconcentraqáo do processo. A primeira opcáo
pareceria mais adequada ao espírito do novo Código,
que declaradamente visa a celeridade, a simplicidade e i
economia processual, valorizando os princípios da boa-fé e
da lealdade processual, além de buscar por todos os meios
evitar demandas repetitivas. A concentraqáo impede a
reiteracáo de processos pela diversidade da causa petendi e
pelo fracionamento do direito - tema, este, completamente
estranho a doutrina brasileira. A segunda opcáo - pela
desconcentracáo - é mais ciosa em relacáo ao contraditório
e ao princípio da demanda.
O novo CPC perdeu a oportunidade de se
posicionar claramente a esse respeito. Mas a revogacáo
expressa do art. 98, 40, da Lei 12.529/2011, que nas a ~ ó e s
que versavam sobre as decisóes do Conselho Administrativo
de Defesa Economica incluía qualquer outra causa de pedir
na eficácia preclusiva (art. 1.072, IV), confirma a opcáo do
legislador brasileiro pela tese da eficácia preclusiva restrita
da coisa julgada. Mas esta foi a mens Zegislatoris. Ainda é
preciso extrair do sistema a mens Zegis.
Chegada é a hora de a doutrina e a jurisprudencia
brasileiras se debrucarem sobre essas questóes. Basta de
ASSOCIAZIONE ITALIANA FRA GLI STUDlOSl DEL
PROCESSO ClVl LE
XXX CONVEGNO NAZIONALE
UNIVERSITA DI CAGLlARl - 2-3 ottobre 2015
"LA CRlSl DEL GIUDICATO"

Relazione presentata da Ada Pellegrini Grinoverl

MITI E REALTA SUL GIUDICATO


UNA RIFLESSIONE ITALO-BRASILLANA

ingrazio innanzi tutto gli amici dell'Associazione,


italiana fra gli studiosi del processo civile e
pecialmente il Presidente, Prof. Federico Carpi,
che mi consentono ancora una volta di partecipare ai loro

1 Para melhor compreensiio deste estudo, sugere-se a leitura anterior do


capítulo IX dos ensaios, deixado propositadamente por último.
lavori, offrendomi lo spazio necessario per esporre alcune giudicato coglie i fatti come si presentano nel momento in
idee sulla realti del giudicato, cosi come mi appare oggi, cui si formano e serve solo al passato e non al futuro.
tenuto conto delle necessiti di una societi in profonda Non dunque al futuro, ci hanno detto, ma qualcosa
trasformazione. della immutabiliti doveva pur restare. E allora si 6 trovata
Premetto che queste idee non vogliono un'altra soluzione: né la legge nuova, né la soprawenuta
assolutamente dissacrare i serissimi studi dei nostri padri, dichiarazione di illegittimiti costituzionale potevano
che hanno costruito le basi scientifiche di un istituto influire su1 giudicato, che avrebbe continuato a regolare,
considerato centrale in tutti gli ordinamenti processuali del in modo immutabile, le situazioni giuridiche passate. Solo
mondo. Se alcuni miti sono caduti, cib si deve al necessario i fatti nuovi, supervenienti, avrebbero potuto intaccare la
adattamento degli istituti classici agli scopi del processo, cosa giudicata.
non pih visto soltanto nel suo aspetto giuridico, ma anche Solo che, mentre la dottrina costruisce, la legge
riferito agli obiettivi politici e sociali dell'esercizio della pub demolire. E, nel2005, una modifica del cpc brasiliano
giurisdizione. ha stabilito l'inesigibiliti del titolo esecutivo fatto valere
contro lo Stato - e poi contro qualsiasi creditore -
1. L'IMMUTABILITAE 1 SU01 CEDIMENTI quando fondato su legge o atto normativo dichiarato poi
costituzionalmente illegittimo dalla Corte Suprema owero
Cominciamo dunque da quella che, anche se con fondato su interpretazione considerata da questa come
alcune particolariti, 6 stata considerata la caratteristica incompatibile con la costituzione (artt. 741, paragrafo
essenziale del giudicato: la sua immutadilita. E, quanto alla unico e 475-L, parágrafo único). E pur ver0 che la
cosa giudicata sostanziale, la sua immutabilita proiettata giurisprudenza prima, e adesso il nuovo c.p.c., all'art. 525,
fuori del processo, indiscutibile in qualsiasi altro. 5 13, consentiri che, in tal caso, la Corte possa modulare
M a si 6 dovuta inventare una spiegazione per le gli effetti retroattivi della inconstituzionaliti, in ossequio al
c.d. relazioni continuative, in cui delle due l'una: o non vi principio di sicurezza giuridica. E che, dopo il passaggio in
6 cosa giudicata materiale (e chi ha osato dire tanto 6 stato giudicato, occoreri la revocazione per allontanarla (5 15).
severamente criticato) o il giudicato avrebbe contenuto, Ma la assurditi giuridica permane, sostenuta dalla forza di
insito in sé, la clausola redus sic stantidus, permettendo organi statali a dir poco leviatanici, anche se poi estesa a
dunque, nella sentenza c.d. determinativa, che, cambiando tutti i debitori.
i fatti, la cosa giudicata si adattasse ad essi. Ma la porta 1 tribunali brasiliani, d'altro canto, ispirati
si era aperta. E ci fu un'altra evoluzione: non solo nelle a una dottrina minoritaria, cominciano a parlare di
relazioni continuative, ma sempre e constantemente il "relativizzazione" o "flessibilizzazione" della cosa giudicata.
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

A volte a proposito, altre no. C'? da dire che in Brasile la In questa tipologia,' possiamo scartare subito
teoria della Costituzione, negli ultimi venti anni, ha aperto la seconda e l'ultima ipotesi: la seconda, perch? la c.d.
molto spazio allo studio dei principi e in caso di collisione relativizzazione non ? fatta dal tribunale, ma decorre
di principi, all'applicazione del criterio di proporzionaliti. direttamente da uma norma legale, che in questo caso (e
E cosi il valore garantito nella costituzione brasiliana dalla solo in questo caso) determina il travolgimento della cosa
cosa giudicata (la certezza del diritto) pub essere messo giudicata, poi dichiarata "incostituzionale", sulla quale si
a confronto con altri valori costituzionali, considerati
fonda il titolo esecutivo (anche se ? necesaria la revocazione
pih rilevanti nel caso concreto, e, quindi, mitigato
previa); nell'ultimo, perch? in un ordinamento che non
affinch? prevalga il valore opposto. Si tratta del giudicato
prevedeva un termine speciale fisco per la proposizione di
"incostituzionale" - e qui sarebbe opportuno ricordare
revocazione straordinaria (come invece fa oggi il nuovo
la giurisprudenza della Corte di Giustizia dell'unione
Europea sulla cedevolezza del giudicato nazionale anti- c.p.c., che fissa la data iniziale del termine come quello della
comunitario (18 luglio 2007, C-119/05). "scoperta" della prova nuova) era necessario trovare una
soluzione per il sopraggiungere di una prova scientifica. In
Su questa linea, la Corte di Cassazione brasiliana quest'ultimo caso, abbiamo parlato di "giudicato secundum
ha stabilito che in alcuni casi (eccezionali ma non troppo) probationem", ossia di um allargamento del giudicato rebus
il giudicato non pub prevalere quando mette a rischio sic stantibus, in cui non sono i fatti che cambiano, ma la
altre garanzie costituzionali che appaiono lese. Quali sono prova dei fatti.6
questi casi? A) quando il giudicato affronta il principio
costituzionale del giusto indenizzo, applicabile ai processi Resta, quindi, il caso di applicazione del principio
di espropriazione, fissandolo su parametri eccessivamente di proporzionaliti nel confronto tra il principio della
bassi o e l e ~ a t i ;B)
~ in conseguenza dell'applicazione del certezza del diritto, fondamento della cosa giudicata, e
richiamato paragrafo unico dell'art. 741 C. P. C.;^ C) nelle quello del giusto indennizzo nei processi di espropriazione.
azioni di investigazione di paterniti le cui sentenze Non ? chiaro il motivo per il quale si mettono a confronto,
passano in giudicato e contrastano con dei successivi esami tra tanti altri, proprio questi valori. M a forse perch? lo Stato
di DNA.4
5 La tipologia restrittiva a cui si d u d e e stata chiarita da1 rnagistrato arco'
Buzzi, della Corte di Cassazione brasiliana, nel voto del REsp 1.163.649-
SP (2009/0207562-7).
2 Per esempio, REsp. 1015133/MT72/03/2010, DJE 23/04/2010. Non e nuovo in Brasile il giudicato secundum probationem: per esempio,
6
3 Per esempio, REsp. 1189619/PE725/8/2010, DJE 02/09/2010. in alcuni writs in cui la prova e circoscritta a quella documentale e non vi
2 istruzione probatoria (come nel mandado de seguranfa)la cosa giudicata
4 Numerosissimi gli esempi in questi casi: tra i tanti, AgRgnosEMBARGOS
- che pure esiste - non preclude la via alle domande in via ordinaria, con
D E D I V E R G E N C I A E M R E S P N ~ ~ . ~ ~ ~ . ~ ~ ~ - S P ( ~ ~ ~ ~ / ~ ~ ~ O ~ ~ prova
~ - Opiena
) . e completa.
Ada Pellearini Grinover Ensaio sobre a processualidade

6 spesso la vittima di indennizzi soprawalutati e totalmente brasiliano, introdotto nel2006). Qui occorre ricordare che,
sproporzionali, decorrenti da perizie fraudolente. E nel sistema brasiliano - diversamente da cib che accade
quando vittima 6 lo Stato tutto pub accadere. Chissi che la in quello italiano - l'atto di citazione 6 portato prima a
revocazione straordinaria, introdotta da1 nuoco codice, non conoscenza del giudice e poi a quella del convenuto. Cosi,
riesca a far fronte anche a questi casi. in entrambi i casi, precluse le impugnazioni previste, si
forma il giudicato materiale.
2. LA RIVINCITA DEL GIUDICATO: M a e tanta la ripugnanza verso un giudicato su
L'ESTENSIONE A PROVVEDIMENTI SUL prowedimenti a cognizione sommaria, che in Italia avete
MERITO A COGNIZIONE SOMMARIA. ricondotto il fenomeno alla preclusione pro iudicato. Ora,
PRECLUSIONE PRO IUDICATO? domando, quale 6 la differenza? In Brasile, per questi
casi, si afferma naturalmente l'esistenza di cosa giudicata.
Ma il giudicato si 6 preso la sua rivincita e altri Del resto, anche in Italia si 6 detto che la preclusione pro
miti sono caduti, questa volta a favore della sua estensione iudicato 6 qualitativamente identica a quella della cosa
per coprire nuove sentenze su1 merito. giudicata, ma solo quantitativamente inferiore. Perch6 mai,
Infatti ci avevano detto che la cosa giudicata poverina?
pub coprire solo le sentenze su1 merito, proferite in un Ma qui, si potra obiettare, la noviti non sta in
processo a cognizione piena. Era questa, ci hanno spiegato, una nuova immutabiliti, ma nella tendenza generale alla
la formula che rendeva possibile la certezza che giustifica sommarieti, che ha spostato all'indietro il momento della
la immutabilita del giudicato. formazione del giudicato. E allora andiamo avanti.
E invece si 6 poi scoperto che il giudicato pub
formarsi su decisioni di merito, si, ma anche quando 3. ANCORA LA RIVINCITA DEL
anticipate, risultato di cognizione sommaria. Cosi, per GIUDICATO: LA STABILITA DI DECISIONI
esempio, la sentenza di merito anticipata (che in Italia si SU QUESTIONI PROCESSUALI: EFFICACIA
chiamerebbe ordinanza) del procedimento ordinario, come PANPROCESSUALE O EFFICACIA j

conseguenza di certi effetti della contumacia, in cui l'unica PRECLUSIVA ESTERNA?


cognizione versa su di essa (art. 330,II, c.p.c. brasiliano)
o quella anticipatissima, anteriore alla citazione, in cui Ci hanno detto che la cosa giudicata si forma solo
non vi 6 cognizione alcuna, bastando che la questione, sulle sentenze di merito. Che dire allora della stabiliti di
esclusivamente di diritto, sia stata rigettata integralmente, altre decisioni (o della loro immutabiliti, se ben compresi
nella stessa circonscrizione giudiziaria (art. 285-A c.p.c. i suoi cedimenti), che fin'ora non abbiamo osato chiamare
cosa giudicata (creando, in Italia, l'espressione "efficacia giudicato? (Sulla nuova visione dell'estensione del giudicato
panprocessuale" e quella di "efficacia preclusiva esterna") alle questioni pregiudiziali, infra, n. 4.2). Quindi anche qui
ma che le corrispondono in tutto e per tutto? non colgo nessuna differenza con la cosa giudicata.

Un esempio classico spiega cid che intendo Peggio: in materia amministrativa (non
dire: una decisione che dichiari che non sussiste la giurisdizionale) per sfuggire alla parola giudicato si parla
- -

legittimazione ad agire di una delle parti passa in giudicato dipreclusione. E Si criticano gli ordinamenti che osano dire
rebus sic stantibus. Se non viene soddisfatta la condizione che la preclusione amministrativa corrisponde alla cosa
dell'azione - ossia se i fatti non mutano - la proiezione giudicata, perche questa - ohibd - e riservata alle sentenze
giudiziarie. Ma che cosa 6 questa preclusione, quando
di questa dichiarazione in altri processi e piu che sicura,
impedisce la P.A. di ridiscutere in giudizio un diritto
cosi come e sicura la sua immutabilitk. Che differenza vi 6
riconosciuto amministrativamente al cittadino, come
quindi con la cosa giudicata? Qui il nuovo c.p.c. brasiliano
accade in Brasile? E cosa e questa preclusione che, con
ha avuto il coraggio di spiegare che la decisione che chiude
l'archiviazione delle indagini preliminari, ne impedisce la
il processo, tra altri fenomeni processuali, come il difetto di
riapertura senza nuove prove? Nellbttica della immutabilitk
presupposti processuali o condizioni dell'azione, impedisce e della stabilitk, a parer mio, si tratta dello stesso identico
nuove azioni quando il vizio non sia stato convalidato (art. fenomeno.
486, paragrafo 1).Que1 che vale nei confronti del giudicato,
a parer mio, e la sua immutabilitk o stabilitk. Non vedo 11 giudicato, quindi, sta oggi in mezzo a due
differenza tra i due fenomeni. Del resto, anche in Italia fuochi: da un lato un'attenuazione della immutabilitk. E
si 6 detto che questa "prec1usione"non differisce in niente dall'altro, immutabiliti e stabiliti di certe decisioni, che
dall'autoritk di cosa giudicata o ad essa e particolarmente possono essergli equiparate.
affine. E allora? Perche non parlare semplicemente di
formazione del giudicato materiale? 4. ILIMITI OGGETTIVI
E un decreto ingiuntivo non opposto, o una Dopo molte incertezze e discussioni, che non vale
stabilizzazione di tutela anticipata non impugnata? Parte la pena ricordare in questa sede, eravamo arrivati a una
della dottrina italiana sostiene che qui si tratta di cosa certezza. 11giudicato copre solo il dispositivo della sentenza,
giudicata piena, ma si e anche obiettato che in questi casi lasciando h o r i i motivi e le questioni pregiudiziali. In
il giudicato copriri solo la singola coppia pretesa-obbligo Brasile troviamo questa regola nel c.p.c. ancora in vigore
dedotta in giudizio, non potendo estendersi alle questioni (art. 469) e, quanto ai motivi, anche nel nuovo (art. 504). In
pregiudiziali, non discusse in contraddittorio: ma non e Italia credo sia ancora questa l'intesa comune.
forse questa la regola generale per i limiti oggettivi del
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

Ma vi 6 uma questione importante, normalmente reali di garanzia - possono coesistere simultaneamente e


non collegata ai limiti oggettivi del giudicato, ma alla sua potenzialmente piu volte tra gli stessi soggetti. Quindi 6
eficacia preclusiva, trattata in modo diverso in Italia e in solo in relazione ai primi (i diritti autodeterminati), che
Brasile. Tanto nel codice in vigore come nel nuovo c.p.c. si individuano in base al loro contenuto e non al fatto
brasiliano, il dedotto e deducibile, coperto dalla efficacia costitutivo, che il principio del dedotto e deducibile
preclusiva, si limita a "fatti e questioni" effettivamente inerente alla cosa giudicata riguarda tutte le "causae
allegati e a quelli che potevano esserlo, mentre in Italia petendi", comprese quelle non allegate dall'att~re.~
pub riguardare anche la "causa petendi". 11 tema quindi 6
In maniera analoga 6 la tendenza della
riconducibile ai limiti oggettivi del giudicato, per quanto giurisprudenza francese che ha introdotto da1 2006 un
riguarda la causa petendi. principio di concentrazione dei fatti fin dal primo processo,
La dottrina brasiliana predominante sostiene che ossia un onere per l'attore di dedurre tutti fatti costitutivi
l'efficacia preclusiva del giudicato materiale non si espande del diritto dedotto in giudizio. Si veda la decisione Cesareo
alle causae petendi non dedotte. Se l'oggetto del processo della Corte di cassazione francese del luglio 2006.
6 formato da1 "petitum" e dalla "causa petendi", e la parte La dottrina brasiliana dovrebbe riflettere di piu
invoca un'altra causa petendi, la domanda 6 diversa e pub sulla possibile estensione della efficacia preclusiva del
essere riproposta. giudicato alla "causa petendi", che in fondo accoglie una
importante tendenza verso il rafforzamento della cosa
Bisogna, tuttavia, riconoscere che questa visione
giudicata medesima. Ma siamo ancora lontani da questo
restrittiva della dottrina e della legge brasiliana 6 opposta
passo: infatti, il nuovo c.p.c., all'art. 1.072, VI, prevede
alle tendenze dominanti in alcuni paesi europei.
l'abrogazione dell'art. 98, 5 40, della legge antritrust (legge
Particolarmente in Italia, la dottrina sostiene che n. 12.529/2011), che detta l'estensione della efficacia
il principio del dedotto e del deducibile comprende sia i preclusiva alla "causa petendi". Qui il legislatore aveva
fatti e le allegazioni sia tutte le possibili "causae petendi" costruito, e la dottrina, che ha ispirato il nuovo codice, -

sulle quali si fonda il "petitum". M a certo non ricorderb a demolisce.


voi italiani che questa larga visione della efficacia preclusiva E torniamo ai motivi e alle questioni pregiudiziali..
dipende dalla natura dei diritti c.d. autodeterminati o
eterodeterminati. 1 primi (diritto di proprieta, diritti reali
di godimento, diritti della personalita) possono sussistere 7 M i permetto una breve parentesi per dare due esemPi ai non italiani:
rigettata urna domanda rivendicatoria fondata sull acquisto a titolo
un'unica volta tra le stesse parti. 1secondi (eterodeterminati) oneroso di bene in base a un contratto di compravendita, l'eficacia
preclusiva impedir&di proporre una nuova azione fondata sull'acquisto del
- diritti di credito a uma prestazione generica, diritti medesimo bene in base a un testamento o allegando un acquisto a titolo
originario, comell'usucapione.
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

giudizio civile si estendeva ai motivi della sentenza penale,


classificando il fenomeno come "abnorme". Noi allora
Meno male che e stato chiarito che, malgrado il
abbiamo cercato di spiegarlo con l'idea dell'ampliamento
giudicato non si estenda ai motivi, questi sono importanti
per comprendere la portata e i limiti del dispositivo. della cognizione del giudice penale, che decide tanto sui
fatti penali come su quelli civili. E di spiegarlo ancora cosi,
E domando chi di noi, che facciamo la professione, quando si e trattato di far trasmigrare la sentenza collettiva
non si e visto obbligato a risalire ai motivi per potere indivisibile per favorire le pretese personali e divisibili. Ma
interpretare correttamente una decisione? E domando non sarebbe piu facile dire che a volte, per disposizioni
ancora: se l'oggetto del processo e formato dalpetitum e in legali o per causa delle necessiti tecniche del processo, il
piu dalla causa petendi, come si possono distaccare questi giudicato si estende ai motivi?
elementi nella sentenza, che deve necessariamente essere
una risposta ad entrambi? 4.2 LE QUESTIONI PREGIUDIZL4LI
M i sembra di vedere qualcuno sogghignare e
immagino che pensino: adesso la Pellegrini esagera. Vuole Ora devo tradire me stessa. La mia tesi di libera
estendere il giudicato ai motivi. docenza si intitolb "Azione di accertamento incidentale" e
íÜ scritta nel1970, quando l'istituto era ancora sconosciuto
Vi rassicuro che non si tratta di questo. Ma nel sistema brasiliano. Basta dirvi che quando il c.p.c. del
non prendiamo i motivi sottogamba. In un momento 1973 lo introdusse, ribadire il tema in numerosi incontri
storico in cui civillaw e common law si awicinano e in cui mi insigni del soprannome "Ada Declaratória Incidental".
stiamo imparando a valorizzare e applicare i precedenti
giurisprudenziali (vedi, in Brasile, le súmulas vinculantes e i Perb devo anche confessare che, ligia al concetto
filtri alle impugnazioni in contrasto con la giurisprudenza carneluttiano di lite e alla sua visione della necessiti di una
e, nel nuovo codice, i precedenti vincolanti anche per i lite diversa nella questione pregiudiziale perla dichiarazione
tribunali ordinari), anche i motivi devono essere ripensati. incidentale, forse insistetti troppo su questo punto, ripreso
Perche, per mettere a confronto due o piu decisioni, poi in Italia dalla distinzione tra pregiudiziale logica e
dobbiamo risalire alla ratio decidendi (trascurando lo obiter tecnica, in base alla quale solo in questa vi e un ver0 legame
dictum). E dove Sta la ratio decidendi, se non nei motivi? tra due diritti, un diritto pregiudiziale e uno pregiudicato
(come succede nel rapporto di filiazione e nel diritto agli
Del resto, anche nella influenza del giudicato tra
alimenti). E questa sottigliezza pub forse aver complicato
giurisdizioni differenti, come del giudicato penale su que110
l'applicazione pratica, in Brasile, della azione incidentale,
civile (che ancora sussiste nel sistema duplice brasiliano),
in veriti moho poco usata.
Liebman aveva rilevato che il passaggio del giudicato al
Ensaio sobre a processualidade

Pih recentemente, la dottrina tedesca comincib a pratiche, l'estensione del giudicato a certe categorie di
domandarsi: ma perché mai non estendere il giudicato alle terzi, ora in nome di una specie di rappresentazione degli
questioni pregiudiziali, quando trattate in contraddittorio interessi del terzo dalla parte, ora della rappresentazione
pieno, e risolvere il tutto con un'unica sentenza, senza solo in utilibus. Poi si parlb di legittimi contraddittori finchk
necessitii di un'azione incidentale? Come spiegare all'utente Chiovenda, raccogliendo e sviluppando la teoria di Wach,
di giustizia che gli sono stati concessi gli alimenti, ma che affermb che siamo tutti obbligati a riconoscere il giudicato
ancora non vi 2 certezza su1 rapporto di paternitii, per altri tra le parti; ma non possiamo esserne pregiudicati, e che il
fini? E, si sa, la dottrina tedesca 6 pur sempre la dottrina pregiudizio non pub essere affermato quando sia soltanto
tedesca e venne accolta da molti processualisti brasiliani. difatto.
E cosi, nel nuovo c.p.c., con la mia benedizione, Ed i processualisti che lo seguirono, con alcune
abbiamo seppellito l'azione di accertamento incidentale - varianti, ne accolsero l'insegnamento. Non ocorre
almeno in quanto tale - e esteso il giudicato alle questioni
certamente ricordare i concetti di terzi, colti o non colti
pregiudiziali, con tutte le precauzioni per configurarla
dal giudicato, di Redenti, Segni, Betti e del pih radicale
correttamente e garantendone il contraddittorio pieno
di tutti, Carnelutti, secondo il quale 1' efficacia riflessa
e l'osservanza della competenza (art. 500 e paragrafi del
nuovo c.p.c.). Ma 2 evidente che finch2 non si sappia se la del giudicato si comunica a tutti i terzi giuridicamente
pregiudiziale sara coperta da1 giudicato, le parti potranno interessati, qualsiasi sia la relazione tra di essi e quella delle
dedurre le loro pretese in materia, nel medesimo processo.
C'? da dire ancora che il nuovo codice brasiliano Ma non posso non menzionare Liebman - il
- cosi come que110 ancora in vigore - non distingue la Maestro dei miei Maestri -, nella famosa teoria che
pregiudiziale meramente tecnica da quella logica. Ma cosi distingue l'fficacia naturale della sentenza dall'autoritii
come cono state dottrina e giurisprudenza a farlo in Italia, della cosa giudicata, secondo la quale la prima, come atto
speriamo che la stessa cosa accada in Brasile. di potestii dello Stato, attinge tutti, mentre la seconda vale
soltanto tra le parti ed i terzi giuridicamente interessati
5. 1 LIMITI SOGGETTIVI si possono opporre a questa. La teoria venne ampiamente
accolta in Brasile e risultb nell'attuale art. 472 c.p.c:
E ora di affrontare un'altra questione spinosa che, seppure in modo ritenuto imperfetto, recita: "La
dello studio su1 giudicato. 1 suoi limiti soggettivi. sentenza fa cosa giudicata tra le parti, non beneficiando
né pregiudicando i terzi". M a attenzione: nel nuovo c.p.c.,
Non starb qui a ricordare le posizioni classiche che,
il Brasile 2 ritornato su un'altra strada: la sentenza fa cosa
malgrado il detto del diritto comune res inter alios iudicata
aliis nonpraeiudicare, ha portato ad ammettere, per esigenze giudicata tra le parti, non pregiudicando i terzi (art. 506).
Ada Pelleqrini Grinover Ensaio sobre a processualidade

E un passo avanti, ma non 6 l'unico che bisognava non pregiudica il diritto degli altri colegittimati di agire in
fare. giudizio.

E vorrei qui porre alla vostra attenzione i due E curioso notare che nel diritto tedesco e in quello
ultimi problemi che desidero affrontare: i limiti soggettivi italiano le norme applicabili al tema siano praticamente
del giudicato nei rapporti giuridici unitari e inscindibili di identiche, ma la dottrina che le commenta diverge nella
diritto materiale (che non pub non pregiudicare i terzi) e sua maggior parte.
un'allusione al giudicato secundum eventum Zitis. Infatti, secondo i parr. 248 e 249 della legge
tedesca sulle societi per azioni (Aktiengesetz), la
6. ANCORA SU1 LIMITI SOGGETTIVI: sentenza che annulla o dichiara la nulliti dell'assemblea,
L'INSCINDIBILITA DELLA RELAZIONE su domanda di qualsiasi socio, vincola tutti gli altri, che
GIURIDICA E LE DECISIONI UNIFORMI non furono parte nel processo. E la legge nulla dice sulle
conseguenze del rigetto della domanda, nei confronti degli
La relazione giuridica regolata dal giudicato e altri soci. Cosi anche la legge italiana (art. 2377 C.C.)recita
quella del terzo possono presentarsi come inscindibili, che l'annullamento delle delibere assembleari ha effetti su
in virtu di una situazione giuridica che si presenta tutti, ma tace sulle conseguenze della convalida.
come indivisibile. Esempio classico di questa figura 6
Ma la dottrina tedesca si manifesta a favore
l'impugnazione della delibera dell'assemblea di una Societi
anonima da parte di un socio. Si genera in questo caso dell'estensione del giudicato erga omnes in ogni caso, mentre
la situazione di un atto unico e indivisibile sottoposto la dottrina italiana ha per lo piu stabilito che il rigetto della
all'impugnazione di una pluraliti di soggetti. Andando domanda non impedisce nuove impugnazioni da parte
direttamente al nocciolo della questione, dirb che, a parer di altri soci. E questa posizione 6 preponderantemente
mio, siamo di fronte al fenomeno di un virtuale (ma non giustificata dalla seguente idea: accolta l'impugnazione,
necessario) litisconsorzio unitario, in cui qualunque socio 6 il giudice dichiara il diritto potestativo del socio
legittimato a117azione,per cui non si potrebbe mantenere o all'annullamento o alla dichiarazione di nulliti, al tempo
annullare l'assemblea se non per tutti. stesso in cui la soddisfa, per la via della sua eliminazione
nei riguardi di tutti quelli che sopportavano i suoi effetti
Due posizioni disputano la preferenza della (sentenza costitutiva). Invece, nel caso inverso, il giudice si
dottrina: a) la sentenza pronunciata nella domanda limita a dichiarare l'inesistenza del diritto potestativo del
proposta da uno dei legittimati vincola tutti gli altri; b) socio all'eliminazione della deliberazione, senza apprezzare
la sentenza che annulla o elimina giuridicamente la il diritto potestativo degli altri soci, che possono portare in
deliberazione dell'assemblea si applica a tutti, ma, al giudizio le loro pretese (sentenza di accertamento).
contrario, la decisione che giudica tale deliberazione valida
Ensaio sobre a processualidade

Ma domando: i diritti potestativi dei soci esposto all'impugnazione di una pluraliti di soggetti, che
all'annullamento o alla eliminazione, da una parte, cosi si trovano in assoluta identiti di situazioni giuridiche.
come alla dischiarazione di validiti, dall'altra, non sono
Anche il sistema brasiliano prevede la
forse uguali? E, giudicato il diritto potestativo di uno di
legittimazione di qualsiasi socio alla impugnazione della
essi, tutti gli altri non sarebbero stati giudicati? E sostengo
deliberazione assembleare,ma tace sugli effetti del giudicato
(con l'appoggio niente di meno che del Chiovenda) che
sugli altri soci. E anche in Brasile la dottrina diverge. Ma
l'identita della palita pub occupare il posto della identita in una serie di altre situazioni Iórdinamento ha imboccato
della persona, in modo che il giudicato che si forma nei
la strada giusta. Nei processi collettivi, il cui oggetto non
riguardi di una di queste non pub che escludere l'azione
e divisibile, e tradizionale l'estensione del giudicato erga
dell'altro. omnes, pro et contra. G i i cosí disponeva, nel 1964, la legge
E mi riporto alla lezione del Maestro, forse non dell'azione popolare, il cui oggetto e annullare o privare
abbastanza ricordata: di eficacia l'atto amministrativo lesivo del patrimonio
pubblico (in senso lato). Anche qui la legittimazione ad
(...) dovendo necesariamente l'atto
impugnabile essere o non essere per tutti agire, concorrente e autonoma, e attribuita a qualsiasi
quelli che vi sono soggetti (per la loro qualiti cittadino e l'oggetto della domanda non e divisibile: o l'atto
di socii o di amministratori), non vi pub essere e annullato o dichiarato nullo nei confronti di tutti o non lo
che una sola decisione, quantunque le azioni e. Piu tardi, la legge sull'azione civile pubblica del 1985 nel
siano soggettivamente diverse; la identith della trattare gli interessi difisi e collettivi, non divisibili, segui
palita tiene luogo qui della identiti della esattamente il modello dell'azione popolare, cosi come fece
persona; la cosa giudicata formatasi rispetto a il sucessivo codice di difesa del consumatore. E sarh utile
uno esclude l'azione degli altri.* ricordare che, quanto alla legittimazione collettiva, non vi
e mai stato dubbio su1 fatto che l'identith della situazione
Sarete voi a dirmi se la dottrina italiana ha giuridica della parte (la sua gualita), e non la persona, e -
esaminato il fenomeno alla luce di un virtuale litisconsorzio determinante per il riconoscimento di identiti di domande.
facoltativo unitario (devo ricordare che in Brasile si
distingue chiaramente il litisconsorzio necessario da que110 Cevoluzione dell'istituto del giudicato, quantoJ
unitario) e della inscindibiliti dell'oggetto del processo, ai limiti soggettivi, e esattamente questa. Non se ne pub
ossia del fenomeno di un atto unico e non divisibile fuggire. E la natura delle cose - l'inscindibiliti dell'oggetto,
la pluraliti di parti e l'identiti di situazioni giuridiche -
che d i risposta al problema.
8 Chiovenda, Principii di diritto processuale civile, 4 a ed., pp. 281 e 926;
Istituzioni, ns. 109 e 135. No mesmo sentido Costa, Intervento coatto,
Pádua, 1935, p. 77.
Ma allora bisogna giustificare il fatto, sempre inteso che, nelle obbligazioni non divisibili, bisognava dare
rifiutato, che un giudicato possa pregiudicare i terzi,
- - un'interpretazione piu elastica all'art. 6O. Non vi 6 dubbio,
il che parrebbe in contrasto con le garanzie del giusto si disse, sulla legittimazione di qualsiasi creditore per
processo, sulle quali si basa esattamente il principio della reclamare in giudizio, da solo, la prestazione. Quindi una
cosa giudicata limitata alle parti, con la sola possibiliti semplice operazione di errneneutica gii era considerata
dell'estensione in utilibis. sufficiente per riconoscere la legittimazione (straordinaria)
E qui propongo una giustificazione che, senza alla azione collettiva, poiche l'interesse materiale, in questo
riprendere l'idea di una specie di rapprentazione del caso, 6 allo stesso tempo proprio e dtrui. Cib mi incoraggia
terzo, potrebbe basarsi su un concetto piu ampio di a dire, a maggior ragione, che il socio che pretende
sostituzione processuale. Se si adotta questa tesi, il socio l'annullamento o l'eliminazione della assemblea agisce
pub essere considerato sostituto processuale di tutti gli come sostituto processuale degli altri, titolari delle stesso
altri, che si trovano nella stessa situazione giuridica. Si interesse. E quelli che hanno interesse alla validiti, sono
potrebbe obiettare che in questo caso potrebbe non esserci sostituiti dalla controparte.
comunione di interessi tra i diversi soci, poiche alcuni E forse la nuova redazione del c.p.c. brasiliano
possono avere interesse (materiale) all'annullamento o sulla sostituzione processuale (mutando l'espressione
alla eliminazione ed altri alla validiti dell'assemblea. Ma "quando autorizzato dalla legge" con quella "quando
nel processo vi saranno sempre interessi contrapposti e, autorizzato dall'ordinamento giuridico" - art. 18 nuovo
quindi, la comunione di interessi tra ogni membro del c.p.c.) pub aiutare a concludere che, se lbrdinamento
gruppo (sostituito) con una delle parti (sostituto). legittima qualsiasi socio alla impugnazione o dichiarazione
E pur vero che i codici, in genere, prescrivono che di validiti dell'assemblea, e perché ne autorizza l'attuazione
la sostituzione processuale deve essere prevista dalla legge a titolo di sostituto processuale. M a qui bisognerebbe
(addirittura espressamente secondo l'art. 81 c.p.c. italiano addentrarci nella questione di cosa si intende oggi per
e senza l'attributo all' art. 6 O c.p.c brasiliano in vigore). ordinamento giuridico, e non e certamente questa la sede
E non vi e legge che autorizzi la richiamata sostituzione per farlo.
processuale.
M a questa espressione, come tutto nel campo 7. IL GIUDICATO SECUNDUMEVENTUM
del diritto, deve essere interpretata cum grano salis. E LITIS E LE PARTI
oggi oso dire che il legislatore plw dixit puam voluit.
La dottrina brasiliana, prima che la legge accogliesse la L'antica awersione nei riguardi del giudicato
legittimazione straordinaria alle azioni collettive, gii aveva secundum eventum litis ha dovuto cedere di fronte alle diverse
Ada Pelleqrini Grinover

situazioni concrete che ne consigliavano o addirittura ne assoggettati alla cosa giudicata in relazione al risultato del
esigevano l'applicazione. A rigore, il concetto nulla ha a processo.
che vedere con i terzi (soggetti o no alla cosa giudicata) ma Per esempio, tornando alla tendenza seguita
alle parti del processo, quando il giudicato si forma, o no, dalla dottrina italiana per la validita della deliberazione
d'accordo con il suo risultato. assembleare (supra, n.4) cib che awiene e che tutti i soci,
Esempio classico del giudicato secundum eventum che non hanno partecipato del processo, sono vincolati alla
Zitis e quello che si forma o no nell'azione monitoria, sentenza di annullamento o eliminazione della delibera,
dipendendo da1 risultato del processo. Accolta la domanda, mentre il rigetto della domanda non ha forza di giudicato
la sentenza (di condanna) e coperta dalla cosa giudicata. nei loro confronti. In questo caso non si potrebbe parlare
Ma, rigettata la domanda, la cosa giudicata non si forma e di giudicato secundum eventum Zitic, poichk non si tratta
la domanda pub essere ripetuta. delle parti.
Um altro esempio, ricavato dal sistema brasiliano, Cosi anche nei riguardi dei creditori o debitori
e quello del giudicato erga omnes, pro et contra, che si da solidali: tanto in Italia come in Brasile, ognuno di loro pub
in caso di sentenza sugli interessi diffusi o collettivi agire in giudizio e il giudicato si estende a tutti gli altri,
(non divisibili), ma che non opera quando la domanda e salve le eccezioni personali, solo in utilibw, (art. 1306 C.C.
rigettata per insuflcienza di prova. E, finalmente, ancora italiano e art; 274 C.C. brasiliano). Bisogna osservare che
nel sistema brasiliano, il giudicato secundum eventum Zitis questa ipotesi e diversa da quella descritta al n. 6 (supra)
e stato adottato nelle azioni di classe, per evitare i criteri per gli obblighi inscindibili, poiche la situazione giuridica
dell'opt out o opt in, in modo che la sentenza favorevole
di ogni creditore o debitore solidario e divisibile. Con
beneficia tutti gli individui membri della classe, ma non
la particolaritk che, in questo ultimo caso, al massimo si
li pregiudica, permettendo che inoltrino le loro domande
potrebbero avere sentenze Zogicamente contraddittorie (il
individuali.
che e sopportato nei nostri sistemi), ma non praticamente
contraddittorie, come awerrebbe per le delibere sociali.
8. IL GIUDICATO SECUNDUM EYENTUM
LITIS E 1TERZI Estensione del giudicato ai terzi, secundum
eventum Zitis, dunque. Ancora non si e trovata una
Ma la questione dell'estensione del giudicato a espressione migliore per la descrizione di un fenomeno
certi terzi e certamente legata alla determinazione di questa che, tecnicamente, dovrebbe interessare solo le parti.
estensione solo in utilibus o no. E cosi, abbandonando il
rigore concettuale, si parla di giudicato erga omnes, ma
secundum eventum Zitis, anche per indicare i terzi che sono
Ada Pelleqrini Grinover

CONCLUSIONI
Partendo da1 punto di vista centrato sulle qualiti
del giudicato (e qui mi riporto alla teoria di Liebman,
largamente accolta in Brasile) e quindi alla sua immutabiliti
e stabiliti, concludo questo studio affermando che l'istituto
sta oggi in mezzo a due füochi: da un lato un'attenuazione
della immutabiliti. E dall'altro, immutabiliti e stabiliti
di altre decisioni, che possono essergli equiparate, ma
che ancora sfuggiamo da1 riconoscere come coperte dalla
cosa giudicata materiale. Ma, per fare questo, basteri
allontanare il mito che afferma che il giudicato mateiale
pub solo formarsi in un processo a cognizione completa.
D'altro canto, anche le nuove tendenze sui limiti
oggettivi e soggettivi del giudicato e della sua efficacia
preclusiva, cosi come la visione attuale del principio
della sua portata "secundum eventum litis", incidono su1
rafforzamento o indebolimento dell'istituto, inducendoci
all'abbandono di alcuni miti e al confronto con la sua realti.
E la conclusione finale di questo studio 2 che oggi
non 6 piu possibile sostenere l'affermazione classica nel
senso che il giudicato materiale esiste solo nei processi a
cognizione piena, affermazione smentita dalla osservazione
spassionata dei fenomeni processuali esistenti.

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