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REG ULAÇÃO DA
ATIVIDADE ECONÓMICA
(Princípios e Fundamentos
Jurídicos)
2“1 edição,
revista e ampliada
:=__ã MALHEIROS
=== EDITORES
REGULAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÓMICA
(Princípios e Fundamentos Jurídicos)
© CALIXTO SALOMÃO FILHO
Composição
:qua Estúdio Gráfico Ltda.
Capa
Criação: Vânia Lúcia Amato
Arte: PC Editorial Ltda.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
OI .2008
PARTE I — FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS
Capítulo !
TEORIA DA REGULAÇÃO:
RAIZES E FUNDAMENTOS
1. Introdução
No sistema brasileiro jamais houve tentativa de formulação de
uma teoria geral da regulação. A razão para tanto éjurídica e simples.
Trata-se da tradicional concepção do Estado como agente de duas fun
ções diametralmente opostas: a ingerência direta na vida econômica e
a mera fiscalização dos particulares. A prestação de serviços públicos,
de um lado, e a vigilância do mercado, através do poder de pol feia, de
outro, sempre representaram para os administrativistas a totalidade
das funções que o Estado poderia exercer. Em um mundo de dicotomia
entre a esfera privada e a esfera estatal não havia por que descrer da
precisão de tal análise.
Nesse cenário, a preocupação com a regulação, mesmo quando
presente, não dava asas a uma manifestação doutrinária ou, mesmo, a
uma preocupação prática. O próprio termo “regulação" é, de resto, rara
20 REGULAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÓMICA
I3. G. Stigler, “The theory of economic regulation", T/Ie Bell Journal of Econo—
mics and Management Science 2.
I4. Stigler e C. Friedland, “What can regulators regulale? 'l'hc cusc Ol' eletrici
ly", Journal ofLaw & Economics 5,
l5. H. Demsetz, "Why rcgulate utilities", Journal aflaw & Economics ll.
l6. V. nota l l, supra.
l7. Stigler, "The theory of economic regulation", The Bell Journal of Econo
mics and Management Science 2/3.
TEORIA DA REGULAÇÃO: RAÍZES E FUNDAMENTOS 29
20. Os custos de transação são determinados pela diferença entre o valor dos
custos de realizar uma transação no mercado e no interior da empresa (O. Williamson,
“Franchise bidding !" or natural monopoly", T/u: Economic lm'rirurions ofCapitalix/n,
pp. ID! e ss.).
21. O modelo brasileiro de reestruturação do setor elétrico leve inspiração ex
plícita no modelo inglês. Esse foi o primeiro e mais grave problema. Procurou—se
aplicar um modelo baseado na utilização de energia termoelétrica em outro baseado
na utilização de energia hidroelélrica. Nesse último, ao contrário do primeiro, é im
possível estocar energia. Isso torna muito mais difícil a concorrência livre, nos mol
des do mercado smithiano. Fundou-se o modelo brasileiro em dois pilares básicos: a
desverticalização e a auto-regulação. Na verdade, a presidir ambas esteve a lógica neo
clássica. Não houve ênfase na concorrência, mas sim na reprodução das condições de
mercado, como se o mercado fosse capaz de controlar vazão de rios e quantidade de chu
vas. Ao contrário, deveria ter havido — isso, sim — uma preocupação na criação efetiva
TEORIA DA REGULAÇÃO: RAÍZES E FUNDAMENTOS Ill
3 Prestação
Wlamentavets
de serwço diretamente pelo Estado
Antes que negar a conveniência e a viabilidade da regulação, a
crítica às teorias clássicas da regulação leva à necessidade de identifi
car onde a regulação pode — ou não — funcionar. Para essa identifica
ção não é necessário retornar ao tormentoso conceito de interesse pú
blico no campo da teoria política e do direito do Estado. Na verdade,
é muito mais fácil identificar significado e conteúdo da função do
Estado, contribuindo juridicamente para a própria definição de inte
resse público a partir do movimento inverso, isto é, a partir da identi
ficação do que não pode estar sujeito às regras de mercado. Para tanto
existe um critério razoavelmente simples.
Toda vez que determinada atividade econômica tiver externalida
des sociais, sejam positivas ou negativas (respectivamente, benefícios
ou malefícios), o mercado não será um elemento organizador eficien—
te, pois nesses casos o mercado não é capaz de recompensa-las ou
compensa—las.
O conceito de externalidaa'e é bem conhecido. Há externalidade
Sempre que determinada relação jurídica produz efeitos geralmente
não-mensuráveis a sujeitos que não participam daquela determinada
34 REGUMÇÃO. DMTIY'DAPE ECONOMICA _
relaçãojurídica. Exemplo típico é a poluição, externalidade (negativa)
causada pela produção industrial, que não atinge os produtores ou os
consumidores diretos do produto fabricado (partes na relação econô
mica), mas, sim, os'morador'es de áreas próximasã indústria (tercei—
ros). Na área social externalidades são benefícios ou malefícios causa—
dos pela relação jurídica a grupos sociais menos favorecidos ou à
organização da sociedade como um todo.“, _,.
A idéia é, aqui , portanto, contrária aos pressupostos neoliberais. O
objetivo é francamente redistributivo. Pºuco importa se o resultado fi
nal será um aumento ou decréscimo da riqueza global (Pareto) ou,
ainda, que exista essa possibilidade teórica de compensação (Kaldor
Hicks). O que importa é a existência de uma relevância social na ati
vidade, que faz com que ela não possa ser prestada pelos particulares
sem efeitos distributivos perversos.
Nessas áreas sensíveis, geradoras de externalidades sociais por
natureza, é inviável a participação do particular.
imagine-se o caso clássico da educação. Jamais o que o estudante
está disposto ou tem condições de pagar pela escola pode remunerar o
imenso benefício social trazido pela educação de cada indivíduo. Até
porque esse benefício não é passível de mensuração. lsso responde
pelos maus resultados da educação quando sujeita às regras de merca
do — ou a escola privada desvirtua o sistema educacional , oferecendo
ensino de baixa qualidade e, portanto, deixando de produzir externali
dades sociais positivas, ou o preço cobrado pelo ensino geralmente
torna-o inacessível à grande maioria, o que também gera grandes ex
ternalidades sociais negativas.
Ora, toda vez que estiverem presentes estas externalidades sociais
não há possibilidade de participação do particular. E inútil tentar mu
dar sua natureza através de regimes jurídicos específicos. Não há regi
me de direito público que consiga mudar — ao menos no que tange às
decisões econômicas — a mentalidade individualista dos particulares.
os demais. '
tutela direta do Estado, é preciso, agora, definir como e por quê tratar
econômica). '
de sua igualdade material em termos concorrencials— é— uma resposta
à questão do fundamento dairegulação (due process Clause em matéria
leve o terceiro e umjuiz a uma decisão maisjusta. V.. a respeito. o fundamental artigo de
C. R. Dinamarco. "O princípio do contraditório e sua dupla dcsti nação", in Fundzunemos
do Processo Civil Moderna. 5“ ed.. [. l, pp. l24 e ss.). Da mesma maneira, a concorrência
é a garantia de uma contestação. de uma participação de todos os agentes econômicos,
que garanta a tomada de uma decisão mais uniformizada pelos consumidores.
26. Acerca da leoria das garantias institucionais v. Capítulo V. nota l .
TEORIA DA REGULAÇÃO: RAÍZES E FUNDAMENTOS 37
27. C. A. Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 24” ed.. pp. 932 e ss.
28. V., a respeito das particularidades da regulação. Capílulos ll (: V. inl'ra.
38 REGULAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÓMICA
, ' 'ªw—
do conhecimento só é possível caso se obtenha efetiva diluição dos
centros de poder. É, portanto, outro dos objetivos centrais da constru—
çãojurídica desenvolvimentista.
Finalmente, o terceiro princípio é o estímulo à cooperação. Não
parece haver duvrda de que, para que a esfera economica possa se
autocontrolar, com certo grau de independência da esfera pol ítica, são
43. Cl". E. Grau. A Ordem Econômica na Constituição de l988. São Paulo, Ed.
RT, l99l, pp. l70 e ss.
sz REGULAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÓMICA
pios do mesmo art. 170, escolha que poderá ser feita desde que haja
democracia econômica garantida por esses princípios.
Identificar esses princípios não é fácil, pois muitos podem ter — e
têm —- influência indireta nessa difusão de conhecimento,. Em forma de
tentativa. pode-se ati rmar que aqueles ligados diretamente à consecu
ção desse objetivo instrumental sãota redistribuição (art. 170, VII), a
diluição dos centros de poder econômico (concorrência e defesa do
consumidor — art. 170, IV e V) e a cooperação (art. 114, 5 29). Todos
eles, de diversos pontos de vista, incluindo cidadãos na escolha econô—
mica, impedindo que uns possam unilateralmente determinar a esco—
lha econômica de outrem ou permitindo o exercício de uma outra or
ganização social não naturalmente conseguida pelas interações sociais,
contribuem para que a escolha econômica se difunda — e, portanto,
para que o processo de concretização dos princípios do art. 170 se
torne viável para toda a sociedade. Aí está a razão concreta para a
concentração das atenções nesses três princípios. E o que se fará abai
xo, no Capítulo 111, dedicado aos princípios.
Capítulo II
_ TEORIA DA REGULAÇÃO:
CLASSIFICACAO DOS SETORES REGULADOS
isto é, quanto mais consumidores fazem parte da rede, mais útil é ela
para o próximo consumidor? Dessa forma, não há qualquer estímulo,
seja do ponto de vista do custo ou da utilidade, para o consumidor es—
colher a rede concorrente. A sua construção é, então, inconveniente.
Se assim é, então as redes já construídas passam a desempenhar um
papel fundamental. Só nelas poderá se desenvolver qualquer tipo de
concorrência e só através delas o consumidor poderá ser atendido.
Essas redes são o elemento básico para a dominação dos mercados por
parte dos agentes econômicos que as detêm.
3. Esse fenômeno ocorre por excelência nos chamados serviços de rede, em que
todos os consumidores vão se integrando a uma rede única. cada vez mais completa
e mais útil para cada um. Exemplo extremo é o do sistema de telefonia. que, na prá
tica, só tem utilidade se todos os usuários estiverem interligados à mesma rede. É
importante observar, no entanto. que desenvolvimentos tecnológicos recentes têm
tornado possível para certos serviços a criação de redes sem l'io e. conseqttentemcnte,
a duplicação de redes. É o caso do sistema WiMax. Nessas hipóteses especiais, cuida
dos regulatórios são necessários para que não haja concentração cruzada entre redes
(v.. a respeito, inl'ra, item 2.3 do Capítulo IV).
Exatamente por esse seu fator congregador e polencializador de utilidade. tem
duas externalidades (efeitos involuntários). A primeira consistente no fato de que,
quanto mais consumidores se agregam à rede, mais útil ela se torna para cada um
deles. Basta, para isso. imaginar a Internet e o crescimento do número de seus usuá
rios. A segunda é uma externalidade indireta. Em face da existência de mais consu
midores, mais serviços se agregam à rede, tornado-a cada vez mais útil. É novamen
te o caso da Internet, que tem cada vez mais provedores de novos serviços e
informação. A explicação teórica das externalidades direta e indireta e sua aplicação
a teoria dos monopólios naturais encontra—se em M. Katz e C. Shapiro. "Systems
competition and network effects", Journal of Economic Perspectives 8/93. O princi
pal problema no caso dos retornos crescentes de escala ocorre caso a rede, que é o
centro e fulcro dos retornos crescentes de escala e das externalidade positivas, não
seja de acesso disponível a todos, pois, provavelmente, o concorrente que vai preva
lecer é aquele que chegar primeiro ou tiver, antes de qualquer outro, forma de conse
guir uma vantagem competitiva para seu sistema ou produto. Essa é a teoria do cami
nho critico (critical pat/1), elaborada originariamente em l989 por Brian Arthur
(“Competing technologies, increasing returns and lock ins by historical events", Eco
nomic Journal 99/ l l6). Certos economistas de renome. ligados à lªlseola de Chicago,
sustentam ainda hoje que. exatamente por se bascarem em eventos naturais, em casos
de monopólios naturais não deveria haver interferência. Sua subsistência serviria ao
bem-estar do consumidor. Essa tese é sustentada pelo Prêmio Nobel de Economia
Kenneth Arrow em sua declaração de l7.l .l995 a favor do compromisso de desem
penho então firmado com a Microsoft Corporation e que estava sendo criticando pelos
concorrentes (v., a respeito, .l. Lopatka e W. Page, “Microsoft. monopoliyation and
network externalities: some uses and abuses ol' economic theory in antitrust decision
making". The Autitrust Bulletin 40/333).
56 REGULAÇÃO DA ATlVlDADlE ECQNÓMICA _ _ _,
Sob essa ótica, o art. l75 da CF pode ser reinterpretado para abri—
gar os novos princípios regulamentares entre as atividades sujeitas a
concessão. Aqui, portanto, análises de lege lata e de lege fere/ida
unem-se para compor o'quadro regulamentar. O art. l7.5_ da CF deve
ser interpretado no sentido de permitir uma intervenção regulamentar
muito mais abrangente nos contratos,— em prol da introdução efetiva da
concorrência e do amplo acesso aos serviços. É possível.re—gul ar dire—
tamente os contratõs de concessão e fiscalizar seu cumprimento, as
relações entre concorrentes e consumidores, mesmo que-isso implique
forte dirigismo contratual (profundo a ponto de impor determinado
tipo de contratação) .“
e não em “serviço público”. Literalmente, reza o art. 18: “Cabe ao Poder Executivo,
observadas as disposições desta Lei. por meio de decreto: l — instituir ou eliminar a
prestação de modalidade de serviço no regime público, concomilanlcmcnte ou não
com sua prestação no regime privado; ll — aprovar o plano geral de outorgas de ser
viço prestado no regime público; lll — aprovar o plano geral de metas para a progres
siva universalização de serviço prestado no regime público; lV — autorizar a partici
pação de empresa brasileira em organizações ou consórcios intcrgovernamcntais
destinados ao provimento de meios ou à prestação de serviços de telecomunicações".
lmpreeisão técnica ou não, haja vista a dificuldade de caracterizar tais serviços como
serviços públicos após as referidas alterações, o fato é que permanece, ainda que
bastante alterado, o regime de serviços públicos.
6. A Lei 8.987, de 13.2.1995, regulamentando o art. l75 da CF. dispõe. em seu
art. 23, que serão cláusulas essenciais do contrato de concessão, dentre outras. aque—
las relalivas ao modo. forma e condições de prestação do serviço (inciso ll), aos cri
térios. indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade de serviço e ao
preço do serviço. Cf., a respeito, infra, Capítulo lll. n. I.2.2. “b".
TEORIA DA REGULAÇÃO: CLASSIFICAÇÃO DOS SETORES REGULADOS 59
não real. Prova disso é a confusão" "conceitual que lhe está na base.
Nessa matéria é muito importante não confundir a necessidade de
regulação concorrencial com outra preocupação, também bastante re
levante, que é o estudo dos requisitos de funcionamento interno das
organizações sujeitas a regulação. Em matéria de regulação do sistema
financeiro é comum encontrar a afirmação de que não é conveniente
restringir ou limitar estrúturas monopolisticas ou oligopolísticas de
grandes bancos ou instituições financeiras, pois. isso seria contrário à
higidez do sistema. Além de ilógica, essa afirmação encerra enorme
confusão conceitual. A garantia de higidez de instituições financeiras
se faz através de requisitos organizativos internos, ou seja, normas
sobre capital mínimo, alavancagem etc. A regulação da concorrência,
com a limitação do poder econômico das instituições, é um elemento
externo que impede a concentração econômica, limita o poder econô
mico das instituições financeiras e, conseqúentemente, protege o con
sumidor de abusos. Além disso, como também já discutido em outra
sede, diminuindo o poder das grandes instituições e sua influência so—
bre a sociedade, diminui o risco de contágio do sistema por problemas
e dificuldades de uma instituição financeira em particular.
No segundo a desregulamentação tem sido a tônica, levando a
graves riscos ao funcionamento do setor e à própria segurança dos
usuários do sistema. Em ambos os casos há total falta de compromis
so com o estabelecimento de um real ambiente de diluição do poder
econômico e, por razões diversas, os resultados têm sido parcos e
geralmente inconvenientes, levando a profundas crises nos respecti
vos setores.“ Nesses setores a atuação estatal mais coerente seria bem
9. São dois os efeitos negativos das barreiras à entrada sobre o mercado. Com
relação aos concorrentes. na presença dessas barreiras. há uma diminuição da possi
bilidade efetiva de concorrência, pois, sendo eficazes as barreiras, o poder monopo
lislico poderá ser exercido sem ser ameaçado pela entrada de um novo concorrente
no mercado. Além disso, há o efeito negativo para os consumidores, que não rece
bem qualquer benefício oriundo do ganho adicional de eficiência proporcionado
pelas barreiras (v. C. Salomão Filho. Direito Concorrencial — As Estruturas, 3“ cd..
pp. l85 e ss.).
TEORIA DA REGULAÇÃO: CLASSIFICAÇÃO DOS SETORES REGULADOS 63
I. V., em especial, "Southern Paeil'tc Comm. Co. vs. A'l'&'l“', 556 FSupp. 825
(l983). Nesse sentido. v. também as determinações da FCC, Amond/nen! of Part 2] of
the Commission '.r Rules. A discussão sobre concorrência e regulação na Europa já
avançou um passo além disso, e a grande discussão diz respeito ao caráter antieoneor
rencial das negociações de interconexão. A Comissão Européia, inclusive. estabeleceu
um documento específico para orientar a aplicação das regras coneorreneiais aos acor
dos de acesso às redes de telecomunicações (Notice 98/C 265/02). A razão para tanto
é simples: “So far as the application ol" art. 85 is concerned, generally intereonneetion
agreements tend to be predominantly pro-competitive in nature, in that they support
the communication ol" messages from a customer ol" one network to the customer ol'
another and, where infrastructure competition exists. promote customer choice ol" net—
66 REGULAÇÃO DA ATIVIDADEIECONÓMICA
work operator. On the other hand. depending on the symmetry of the relationship of
the interconneeting parties (relative market position and bargaining power) there
exists the possibility for abusive practices collusive arrangements which might taint
the agreement" (Colin D. Long. Telecommmiications Law and Practice. p. 20 l ). Vale
mencionar que após o Tratado de Amsterdã o art. 85, anteriormente mencionado.
corresponde ao art. 8]. Da mesma forma, o art. 86 ao art. 82, e o art. 90 ao art. 86.
2. A doutrina das essentialfacilities surgiu nos EUA. no início do século XX. e
tem como caso seminal o “United States vs. Terminal Railroad Association", de l9l2
(224 US 383). O caso é descrito da seguinte maneira: ”The Court required joint own
ers 0!" a railroad switching junction to afl'ord competing railways access to it upon
such just and reasonable terms and regulation as will (...) place every such company
upon as nearly an equal plane as may be with respect to expenses and charges as that
oeeupied by the proprietary companies". O primeiro caso da Suprema Corte a aplicar
a essential facilities a'ocrrine a uma facility I'ornecida via cabo, um marco histórico
com relação à interconexão na energia elétrica e telecomunicações. foi o "Otter 'l'ail
Power Co. vs. United States" (4I0 US 366). A Orler Tail fornecia. em regime de mo
nopólio, energia elétrica para o mercado local. A empresa recusou—se a vender energia
para os revendedores locais. bem como recusou que os mesmos utilizassem suas li
nhas de transmissão de energia elétrica para que estes adquirissem a energia de for
necedores distantes. A Suprema Corte entendeu que as linhas de transmissão da Offer
Tail eram anemia/facilities, e a recusa. no caso em tela, violava a Seção 2 do Sher
man Ac! (v. M. K. Kellog,.l.Thorne e P. W. Huber, Federal Telecom/nunica/ions Law,
pp. I39— I40). Ã diferença do instituto concorrencial da recusa de contratar. a BHE/lv
rial facilities docrrine considera a recusa de contratar ilícita em todos os casos em que
haja o controle pelo sujeito ativo de um meio de produção imprescindível e insubsti—
tuível para a produção de determinado bem final e seja tecnicamente e economica
mente possível coloca-lo à disposição do sujeito passivo. V. "MCI Communications
Corp. vs.AT&T", lO4$.C1234 (l983); v. também os comentários em H. Hovcnkamp,
TEORIA DA REGULAÇÃO: PRINCÍPIOS GERAIS 67
Economics and Federal Anlitrust Policy, pp. 274 e ss.: "Most of the things found by
Courts to be essential facilities have fallen in one of three elassilicalions: (|) natural
monopolics orjoint venture arrangements subject to significant economics ol" scale;
(2) structures. plants or other productive assets that were created as part ol" a regula—
tory regime, whether or not they are properly natural monopolies; or (3) structures
that are owned by the government and whose creation or maintenance is subsidized".
Apenas a primeira categoria (dos monopólios naturais) escapa de uma certa conver
gência com os setores submetidos a privatização no sistema brasileiro. Não à—toa, é
exatamente nesse categoria que se encontram as mais ilustrativas e interessantes
discussões sobre essa teoria.
3. A lei alemã de defesa da concorrência (Gesetz gegen Wettbewerbsbes
c/rrãnknngen) positivou a doutrina da essential facility, antes existente apenas na
casuísta concorrencial. 0 & l9,Abs. 4. Nr. 4, reza: “Ein Missbrauch liegt insbesonde
re vor. wenn ein marktbeherrschendes Unternehmen als Anbieter oder Naehl'rager
einer bcstimmten Art von Waren oder gewerblichen beistungen sich weigert, einem
anderen Unternehmen gegen angemcssenes Entgelt Zugang zu den eigenen Netzen
oder anderen lnl'rastruktureinrichtungen zu gewa'hren, wenn es dem anderen Unter
nehmen aus rechtliehcn oder tatsãchlichen Grtinden ohne die Mitbenutzung nicht
mõglich ist, aul' dem vor— oder nachgelagerten Marktals Wettbewerber des markt
beherrschenden Unternehmen naehweist, dass die Mitbenutzung aus betriebsbeding
ten oder sonstigen Griinden nicht mõglich oder nicht zumutbar ist".
68 REGULAÇÃO DA AJ'lVLDADEHEÇONÓMICA ,
ll. Cf.. para uma argumentação em favor dessa utilização nas telecomunica
ções. citando o exemplo do sistema de comunicações por satélite, S. SlLirmcr. Nr:!zzu
gang und Eigentumsrechte in der Tele/(ommunikarion, I997.
TEORIA DA REGULAÇÃO: PRlNCÍPlOS GERAIS 73
Por esse motivo, esse tipo de solução tem dois requisitos funda—
mentais para ser minimamente viável: (i) em primeiro lugar, que o
mercado não seja oligopolizado. Sendo muitos os participantes, a fis
calização do cumprimento de qualquer acordo é muito improvável e,
portanto, a possibilidade de cartelização é remota; (li) é necessário
desenvolver remédio estrutural-societário que permita limitar o risco
de utilização do bem fundamental como instrumento de cartelização e
abuso do consumidor.
significa que o preço da ligação à rede não pode ser imposto pelo
monopolista.
O preço do acesso tem, assim, caráter central e é indissociável do
próprio dever de garanti-lo.'2'Não se trata'apenas de impedi_r_que o ti
tular do bem aufira lucros exorbitantes em decorrência de sua posição
dominante. Resultado igualmente danoso decorrerá da cobrança de
preço excessivo emfunção da inexistência de concorrência.- .
O poder econômico por ele detido permite a transferência dos cus
tos aos agentes que estão 'no estágio seguinte da cadeia de produção,
comprometendo a competitividade destes e a própria fruição dos bens
que estariam sendo produzidos. A depender do setor no qual se esteja,
o impacto destes custos poderá repercutir por toda a economia.
Assim, o cumprimento do dever de oferecer o acesso só estará ple
namente caracterizado quando o titular do bem conseguir suprir os
agentes econômicos que dele dependem de forma equivalente à que
ocorreria caso existisse um mercado competitivo. Só assim os efeitos
nocivos da existência de uma essential facility serão eliminados.
Essa conclusão teórica encontra reconhecimento expresso em
legislações que procuraram disciplinar por via regulamentar o proble
ma trazido por estes bens.
Digno de nota é o é 24, ele o é 39, da Tele/(omniunikationsgesetz,
o qual estabelece que as tarifas de interconexão e acesso às redes de
telecomunicações devem, necessariamente, ser baseadas nos custos
para o fornecimento eficiente deste acesso. No 5 7 da Telekom/nani
kations-Entgeltregulíerngsverordnung, de ! .lO. I996, esta exigência
é especificada ao se vedar uma modificação de tarifas de serviços
relativos ao acesso às redes que injustificadamente prejudique as opor
tunidades competitivas das empresas que dependem deste acesso.
Este tratamento da questão no Direito Alemão reflete o próprio
direito comunitário europeu. No já citado comunicado da Comissão
das Comunidades Européias sobre a fixação de preços de intercone
xão é bastante clara a orientação no sentido de que estes devem refle
l9. O art. lOI da lei geral de telecomunicações prevê que a alienação. oneração
ou substituição dos bens reversíveis dependerão de prévia aprovação da Agência. De
outro lado. em matéria de telecomunicações a maioria dos contratos de concessão
contém disposições especílicas relativas aos bens vinculados ã concessão (isto é. aque
les fundamentais ã prestação do serviço —- e que. portanto. são reversíveis). A conces
sionária só poderá utilizar bens dessa natureza que não sejam de sua propriedade mc
diantc autorização da ANATEL. a qual pode dispensar essa exigência nos casos e
hipóteses previstos na legislação. Quando houver risco à continuidade do serviço ou
impedimento de reversão dos bens vinculados a ANATEL pode exigir, para autorizar
a contratação de um terceiro. que o respectivo contrato contenha clausula pela qual o
proprietário se dirija, em casos de extinção da concessão, a manter o contrato e sub
rogar os direitos à ANATEL,. O requisito, portanto, claramente. não é a manutenção da
propriedade da rede. mas o controle de sua destinação, isto e', a capacidade de garantir
que seja utilizada para os lins a que foi vinculada. O controle ou vinculação da desti
nação nada mais é que um dos aspectos clássicos do direito de disposição.
20. De acordo com a lei de locações, é vedado ao locatário ceder, sublocar ou
emprestar a terceiros o imóvel locado sem o consenti mento do locador (Lei 8.245/ | 99I ,
art. l3). De acordo com os princípios do direito civil. a sublocação sem autorização
do locador pode levar à rescisão integral do contrato. por violação de dever legal (2“
TACivSP. 7ªI C..Al 389.562.j. 3.1.1993). Essa lei aplica—se aos contratos de locação.
cessão de uso e empréstimo de infra-estrutura nos setores regulados quando esses se
referirem a imóveis urbanos. Citcm-se a título de exemplo de infra—estrutura necessa
ria para instalação de redes os postes urbanos.
TEORIA DA REGULAÇÃO: PRINCÍPIOS GERAIS Bl
24. Para entcndê-lo basta ver a oposição que é identificada na doutrina antitruslc
mais liberal entre e [ciência e concorrência (v. R. Bork, The Anrirrusr Paradox. pp. 50
e ss.) e como essa visão tem prevalecido na aplicação concreta do direito antitrustc.
84 REGULAÇÃO DA ATlVlDA DE ECONÓMlCA
tir casos em que esse rebaixamento e estratégico, mas eles são tão marginais que não
é conveniente persegui-los. Em primeiro lugar porque corre-se o riscode atingir hi—
póteses em que o rebaixamento e' pró-competitivo (casos que, segundo esses mesmo
teóricos, são a maioria numérica). Além disso, a prova da prática de preço predatório
e muito complexa. Os dados empresariais sobre custo de produtos e formas de conta
bilização de investimentos em pesquisa e desenvolvimento são meras estimativas,
não oferecendo dados seguros para elaboração de presunções econômicas. Além
disso, dados estruturais como poder econômico e barreiras à entrada são também in
certos. não fornecendo indicios seguros (v. F. Easterbrook, “Predatory strategies and
counterstrategies", University of Chicago Law Review 48/265). Easterbrook, após
desenvolver todos esses argumentos, afirma, peremptório: “if there is any room in
antitrust law for rules of per se legality, one should be created to eneompass predatory
eonduet. The antitrust offense of predation should be forgotten" (pp. 336-337). Final
mente — e mais importante de tudo —, a prática de preços predatórios, segundo esses
mesmos autores, seria despida de razoabilidade econômica para o predador. Isso por
qualquer ângulo em que se analise a questão. Caso os preços predatórios sejam pra
ticados por agente econômico que não detém poder no mercado (mas apenas poder
financeiro), as perdas que deverão ser incorridas até a eliminação do(s) coneorrente(s)
que dete'm(êm) a maioria do mercado serão tão grandes que tornarão o estratagema
inviável. Inversamente, caso o agente econômico detenha poder no mercado, a estra
tégia também será inconveniente, pois as perdas por ele incorridas serão proporcio
nais ã participação por ele detida no mercado, e, portanto, muito maiores que as das
vitimas da predação (cf. R. Bork, The Anfitrust Paradox, pp. l49 e ss.). Muitos dos
casos históricos no Direito Americano em que houve condenação foram reavaliados
por essa corrente doutrinária, procurando-se demonstrar que não houve predação. Em
especial, após reavaliar alguns casos históricos em que houve condenação por preda
ção (Standard Oi! (: Gunpowder Trust), chegam à conclusão que não houve predação
de preço. Ampliando o raciocínio. afirmam que não há necessidade de preocupação
com os preços predatórios, pois uma empresa, operando racionalmente, sempre con—
siderará mais conveniente adquirir o concorrente que elimina-lo através de predação.
É essa a conclusão a que chega ]. McGee, “Predatory price cutting: the Standard Oil
( NJ) case", Journal of Law and Economics I37/168. Também H. Elzinga, analisando
novamente o caso do trust da pólvora (Gunpowder Trust), chega a conclusão de que,
na realidade, não houve predação (v. “Predatory pricing: the case of the (iunpowder
Trust", Journal ofLaw and Economics l3/233 e ss.).
26. É exatamente essa a principal acusação contra a Microsoft, a de predação
tecnológica. Em seus produtos principais o investimento não teria sido em novas
tecnologias para o consumidor, mas em novas tecnologias para criar incompalibilida
des. Esses investimentos não eram — e nem poderiam ser — repassados ao consumidor.
Assim, caracteriza—se a prática de preço inferior ao custo.
TEORIA DA REGULAÇÃO: PRINCÍPIOS GERAIS 87
27. Comojá mencionado acima, as ll utuações de demanda são uma das maiores
causas econômicas de concorrência predatória.
28Ç W. Baumol, “Quasi-permanence of price reductions: a policy l'or prevention
of predatory pricing", Yale Law Journal 89/ I e ss.
29. O pressuposto que norteia esse entendimento é a idéia de que, depois de
eliminar a concorrência com preços predatórios, a empresa recuperará os prejuízos
com preços monopolisticos. A constatação da possibilidade de recuperação dos pre
juízos sofridos, todavia. é de difícil operacionalização, dada a dificuldade de consta—
tação do custo marginal do produto. Diante desta diliculdade, Phillip Areeda e Do
nald 'l'urner propuseram como base de cálculo dos preços predatórios o custo variável
médio dos produtos, que é facilmente calculado pelas empresas (para a elaboração
original dessa doutrina, cl'. P. Arccda e D. F. 'l'urncr, "Predatory pricing and practices
under Section 2 ol" the Sherman Act", Harvard Law Review 88/697). Derrubou-se.
com isso. o entendimento neoclássico segundo o qual a cobrança de preços predató
rios era benéfica ao consumidor. A crítica, todavia. não abandona os pressupostos
neoclássicos de racionalidade absoluta dos agentes econômicos, e deve, por isso, ser
vista com ressalvas. Há que se considerar, ainda, que preços acima do custo variável
médio podem ser também predatórios.
as REGULAÇÃO DA ATIVIPAQEEÇQNQMIÇA , . _,
l.4.3 Regulação da colusão: a teoria dos jogos
e suas limitações
O tratamento jurídico atual da colu'são repousa primordialmente
sobre a teoria dos jogos. Em matéria de oligopólios sua primazia é
incontestada desde a atribuição do Prêmio Nobel a J. Nash pelo estu—
do dos jogos não-cooperativos e sua aplicação aos oligopólios. .
Paradoxalmente, é'exatamente a centralização (defendida por Nash)
das atenções da teoria dos, jogos e da teoria dos oligopólios com ex
clusividade em torno da idéia de jogo de estratégia individual uma das
principais razões de seu pequeno poder explicativo, especialmente em
setores regulados. Desde que von Neumann, em seu célebre livro The
Theory of Games and Economic Behaviour?" lançou a pedra funda
mental para o estudo das relações econômicas a partir do raciocínio
matemático, duas eram as vias possíveis de desenvolvimento.
Uma primeira via seria procurar determinar jogos que tivessem
resultado matemático certo (ao menos no que tange à definição de
ponto de equilíbrio). Essa foi a única linha adotada pela teoria dos
jogos desde o famoso artigo “The bargaining problem", de .|. Nash.“
A conseq'tiência foi, sem dúvida, tornar matematicamente mais rigo
rosa a análise do comportamento dos oligopólios. Sua utilidade como
forma de previsão de comportamentos e, no entanto, muito limitada.
A razão é simples. Houve pouquíssimo desenvolvimento da idéia
oposta, a segunda linha de desenvolvimento possível da teoria dos
jogos: a análise de como, quando e por quê os agentes econômicos coo
peram. Na teoria de Nash a cooperação é atitude eventual e rara, só
justificável desde que em linha com a estratégia individual dos agen
tes. Ocorre que muitas vezes as condições estruturais e jurídicas fa—
zem com que a única estratégia possível seja a coletiva.
A teoria baseada na estratégia individual contém, portanto, pres—
supostos discutí veis e seguramente inaplicáveis a setores regulados. A
maior razão para tanto é que pressupõe um moto único no comporta
mento dos indivíduos. Trata-se da estratégia individual, orientada a
indicar a melhor decisão em face da estratégia a ser adotada pelo
competidor.
objetivos. L”
de. E de sua compreensão que surgem os padrões de comportamento.
A consequencia é, naturalmente", que a regulação deve ter dois
] .5 Conclusão
Em conclusão, a análise dos princípios concorrenciais da regula
ção parece evidenciar dois fatos muito importantes.
tura dos mercados de linhas aéreas nacionais. regionais e especiais l'oi gradualmente
aumentando com a flexibilização. Se, por um lado, esse fenômeno levou ao acirra—
mento da competição no setor aéreo, simultaneamente — como não poderia deixar de
ser —, levou também à elevação do volume de oferta. Na medida em que essa evolu
ção não foi acompanhada nas mesmas proporções por crescimento da demanda, a
consequência que se seguiu foi uma crise de superprodução, c a guerra tarifária dela
decorrente, no início de l998. Seguiram—se o comportamento paralelo dos concorren
tes já considerado em nota anterior (cf. nota 8 do Capítulo ll) e a forte elevação de
preços para o consumidor li nal. Mais recentemente, o poderio econômico das empre—
sas atuando em mercado pouco regulado levou à evidente captura da Agência regula
dora (ANAC, criada pela Lei I I .182. de 27.9.2005). incapaz de fazer frente aos de
sejos dos regulados e garantir um minimo de qualidade e segurança ao serviço.
33. Frente a uma situação de crise aguda em determinado setor da economia, a
lei concorrencial considera aceitável a formação do chamado carta! de crise, assim
delinido como um acordo entre empresas para fins de controle ou manutenção da
capacidade produtiva. Em especial as Cortes européias têm aceitado esse tipo coope
ração entre empresas em casos específicos (ef. Re Synthetic Fibers [ I984l O.! L
207/I7; BPCL/ICI [ I985| ZCMLR 330). A aprovação dessa conduta, em um primeiro
momento, parece ser uma exceção à Lei 8.884/1994, pois permite uma concentração
aparentemente anticoncorrencial. Há, entretanto,justificativa concorrencial para essa
aparente exceção: caso não seja permitida a cooperação. a saída de agentes em decor
rência da crise implicaria maior concentração do poder no referido mercado. O cartel
de crise não é, portanto. uma exceção aos princípios concorrenciais, mas é uma ver—
dadeira aplicação destes. Nesse sentido, v. C. Salomão Filho. Direito Concorrencia/
—As Estruturas, 3ª ed., pp. 2l4-2l5. Saliente-se. ainda. que a possibilidade de coope
ração de empresas em caso de crise estrutural pode ser insuliciente para a solução do
problema do setor. Em virtude disso, em alguns casos a saída possível para a crise
será a concentração empresarial.