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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
TRABALHO DE GRADUAÇÃO INDIVIDUAL

Animes e mangas e sua inserção cultural na cidade de São Paulo

Arthur Kenji Maeda

Monografia apresentada para a


disciplina – Trabalho de Graduação
Individual II - como requisito para a
conclusão do curso de Geografia

Orientador:
Prof. Dra. Léa Francesconi

São Paulo
2014

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Dedicatória

Dedico esse trabalho a meus pais, em especial


a memória de meu pai Tatsuyuki e de minha
avó, Ino, que sempre se dedicaram a
importância dos estudos mas sobretudo a
minha formação como pessoa.

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Agradecimentos

Aos familiares, pela convivência e apoio nas horas de maior dificuldade.

Aos meus pais, pelo esforço, dedicação, pela importância que deram aos estudos e
principalmente aos valores.

Aos ex-colegas, os quais perdi contato com o decorrer do curso, mas que foram
essenciais para a experiência na universidade.

Aos amigos, cujo apoio foi essencial nas horas de maior dificuldade. A compania é
por vezes tão importante quanto um punhado de palavras agradáveis.

Aos professores Emerson Galvani e Rodrigo Ramos Hospodar Felippe Valverde por
cederem parte de seu tempo a leitura e avaliação dessa monografia.

Ao professor Jorge Gustavo da Graça Raffo (In Memorian).

A todos os professores do Departamento de Geografia que, cada um a sua maneira,


contribuíram para minha formação.

Agradeço, finalmente, a professora Lea Francesconi pelo acolhimento e por acreditar


em uma temática 'louca' como a dos Animes e Mangas. Os conselhos dados foram
objetivos e incisivos na sua forma mas ao mesmo tempo riquíssimos para o
aprendizado - muitos deles vão para além desta monografia. Tolos são, os que
acreditam que o aprendizado termina no fim da elaboração da tese e mais ainda, aos
que creem que o papel do professor é somente ligado a matéria lecionada. Se o
esforço de pesquisa e elaboração da monografia foram minhas, como acreditam
alguns, tenho o dever de retrucar e mencionar que, não importa se estamos diante de
pequenas casas ou castelos, nenhum dos dois se mantem em pé se suas bases não são
firmes tampouco se sua estrutura não tem prumo. Mais uma vez, obrigado
professora.

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Resumo

MAEDA, A. K. Animes e mangas e sua inserção cultural na cidade de São


Paulo. 2014. Trabalho Graduação Individual – Faculdade de Filosofia Letras e
Ciências Humanas - USP

Este trabalho tem como objetivo buscar uma conversa entre a área acadêmica
da geografia e um objeto de pesquisa por muitas vezes ignorado por estar
aparentemente as margens das linhas de pesquisas geográficas mais conhecidas: Os
Animes e Mangas. A comum aversão ao uso das novas mídias nos estudos decorre,
em parte, do fato de que o espaço experimentado, vivido, observado e tocado ainda
tem quase que total predominância sobre o espaço imaginado, dos significados e da
construção/reconstrução que este sofre a partir da interação entre o vivido e
imaginado. Assim, partindo-se de um apanhado evolutivo sobre os Animes e Mangas
buscou-se compreender como é possível observá-los para além da simples ótica
mercantil, e de como, mesmo com toda carga cultural oriental que possui, conseguiu
de maneira efetiva estabelecer-se no território brasileiro sem perder-se em
estereótipos e modismos.
Palavras-chave: Geografia Cultural, Cultura Pop Japonesa, Animes, Mangás.
Abstract
MAEDA, A. K. Cultural insertion of Animes and mangas in São Paulo City.
2014. Trabalho Graduação Individual – Faculdade de Filosofia Letras e Ciências
Humanas - USP

This work's objective is to seek a common ground between academic


geography and a research subject that is mostly ignored because it is deemed
marginal to other well known geographic research lines: Animes and Mangas. The
usual aversion towards using new media happens, partially because the
experimented, lived, observed and touched space still have almost total dominance
over imaginated spaces, meanings and the constructions/deconstructions it suffers
from lived and imaginated interaction. Then, starting with an evolutive summary of
Animes and Mangas, this work tried to compreend how is it possible to observe them
besides mercantile logic and how, even with all eastern cultural background, it
managed to effectively stabilish itself in brazilian territory without being lost in
stereotypes and fads.
Keywords: Cultural Geography, Japanese Pop Culture, Animes, Mangas.

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Figuras e Imagens
Figura 1: Região de tutela especial Chuuou, Tokyo,1945.......................................................134
Figura 2: Distrito Shibuya, em 1960.......................................................................................134
Figura 3: Bairro Akihabara, Tokyo, em 1965.........................................................................135
Figura 4: Bairro de Akihabara, Tokyo, em 2012.....................................................................135
Figura 5: Mickey Mouse, 1930...............................................................................................136
Figura 6: Shin Takarajima, Osamu Tezuka, 1947...................................................................137
Figura 7: Astro Boy (Tetsuwan Atomu), 1952 – 1968............................................................138
Figura 8: Galaxy Express 999 (Ginga Tetsudou 999), 1977 – 1987.......................................139
Figura 9: Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seiya), 1986 – 1990.................................................140
Figura 10: Neon Genesis Evangelion (Shin Seiki Evangerion), 1994 – 2013........................141
Figura 11: Kantai Collection – 2013-Presente........................................................................142
Figura 12: Gráfico do número de frequentadores do Comic Market - 1975 – 2005...............143
Figura 13: Estratégia 'Cool Japan', 2012.................................................................................144
Figura 14: Panfleto turístico de Akihabara, 2012...................................................................145
Figura 15: Osamu Tezuka e Maurício de Souza.....................................................................146
Figura 16: Notas, avisando sobre o sentido de leitura............................................................147
Figura 17: Cosplayers no AnimeCon 2002.............................................................................148
Figura 18: Panfleto de um fã-clube, Animecon 2003.............................................................149

Nota: As imagens presentes nessa monografia tem caráter estritamente ilustrativo, sem
vínculos lucrativos de quaisquer espécie.

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Sumário
Introdução.............................................................................................................7
História do Japão ................................................................................................11
Do fim do isolacionismo a abertura dos portos.........................................................11
Da era 'Meiji' à Segunda Guerra Mundial e Legado..................................................14
O fenômeno dos Animes e Mangás.....................................................................18
A origem e evolução dos Mangás...............................................................................18
O Desenvolvimento dos animes e as trocas entre mídias.........................................30
A 'viagem' dos Mangás ao ocidente....................................................................44
Animes e Mangás nos Estados Unidos: Salto Cultural............................................44
Animes e Mangás no Brasil........................................................................................57
Eventos de Animes..............................................................................................72
O Comic Market e o espaço de expressão do 'Eu'......................................................72
Eventos de Anime no Brasil – Evolução, Retrocesso e o Anime Friends.................87
Anime Friends e sua inserção cultural na cidade de São Paulo.......................104
A questão cultural em São Paulo.............................................................................104
Eventos de Anime e a realidade brasileira: O Anime Friends.................................115
Referências Bibliográficas.................................................................................128
Anexo 1 – Leis referentes diretamente aos Animes e Mangas.........................133
Anexo 2 – Figuras e Quadros............................................................................135

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Introdução

Como descendente de imigrantes japoneses, o contato com a cultura japonesa


em todos os seus aspectos, sempre foi constante. Pertencendo a uma geração bem
mais recente do que a dos primeiros 'desbravadores' orientais, sempre houve a
mistura de culturas, que se traduz por exemplo nas refeições e no consumo do arroz
japonês com o feijão brasileiro. Por tratar tal mescla de maneira tão cotidiana, por
muito tempo, nunca observei os mangás e animes como um produto diferenciado das
produções americanas e brasileiras, talvez pela pouca idade que tinha quando os vi
pela primeira vez na extinta TV Manchete. Os animes, apesar de não ter
conhecimento do termo, sempre fizeram parte do meu dia a dia, mas o primeiro
contato real com a essência deles, ocorria através de um amigo, que me apresentava o
primeiro mangá (quadrinhos japonês): Samurai X (Rurouni Kenshin, no original),
nos idos de 2001. O contato com o mangá foi uma surpresa. “PARE! Ei, você
começou a ler o mangá do lado errado!!!” foi a primeira frase lida, seguido de uma
explicação sobre como ler o mangá. Lado errado? Como assim? Foram as primeiras
reações ao pegá-lo pela primeira vez. Foi uma experiência de exploração única, para
alguém que apesar das origens, passou a infância lendo gibis da turma da Mônica e
alguns comics dos X-men. O contato com os traços e a história também se
apresentavam como experiência únicas pois eram quadrinhos com características
próprias, exaltando principalmente uma leitura muito mais dinâmica do que os
comics e quadrinhos que até então, conhecia. A partir desse ponto, me envolvi com os
diversos aspectos da cultura dos animes e mangas, participando de fóruns, de
encontros de fãs, indo a eventos e principalmente, fazendo amizades que perduram
até hoje.
Assim, veio o curso de Geografia. Com tropeços e avanços, o curso era como a
nossa casa. Críticas e momentos ruins, convivem ao lado de momentos alegres. E
surgiu, a partir das inúmeras indagações a respeito do curso e de mim mesmo, a ideia
de se trabalhar com os animes e mangás no trabalho de graduação. Era um choque,
pois na ideia de alguns, não existe a ideia de espaço geográfico nesse tipo de
produção, visto que não é possível de imediato observar o ambiente normalmente
visto pela geografia física e nem, a da geografia humana como o espaço onde as ações

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humanas acontecem. Ou se existe, ela deve ser imediatamente mapeável e paupável.
Por que devemos ser tão restritos ao tratar do espaço, colocando-o nas rédeas de
velhos preceitos, sendo que a Geografia nos dá tantas ferramentas para pensar o
espaço de forma mais ampla? Foi a partir dessa ideia, que surgiu a essência do
trabalho: Observar e compreender como os animes e mangás e suas práticas acabam
por aparecer no espaço da cidade, através dos eventos de animes. O objeto de análise
é pontual na sua forma, mas extremamente amplo se considerarmos toda a história
evolutiva por detrás deles. Portanto, a “geografia dos animes e mangás” não existe
como algo imediatamente mapeável pois ela não existe na sua forma física. Não
existem no Brasil, ao contrário do Japão, restaurantes, lojas, e ruas aos quais
podemos afirmar: “Trata-se de um bairro dos animes”. A sua espacialidade aparece
de forma tão sutil que, para pessoas acostumadas em observar fenômenos que
'saltam' aos olhos tais como movimentos de massa ou evolução de bairros de uma
cidade, essa espacialidade inexiste. Mas pelo contrário, ela se faz presente através de
seus detalhes e para tal, buscou-se um pouco dos conceitos da Geografia Cultural, que
nos dão algumas pistas, principalmente no que diz respeito a ideia de significado dos
lugares, mais precisamante a importância que tais geógrafos dão para a imaginação e
seu papel central para, através de metaforas e simbolismos, interpretar o mundo.
(COSGROVE, 2000) para conseguir enxergar a espacialidade nos animes e mangás.
Com o evoluir da monografia, percebeu-se que o espaço sempre existiu em
meio a tais produções, até mesmo na sua origem. O ponto de partida foi, considerar a
evolução dos animes, desde suas origens no Japão feudal até os tempos atuais. A
volta ao passado propiciou observar como os desenhos que originavam os mangás
carregavam no seus traços características do modo de vida das pessoas e de como os
mangás sempre, durante toda sua evolução, representavam a realidade dos leitores. E
para compreender essa realidade, era necessário compreender o Japão nos seus
aspectos sociais, econômicos e culturais. Ao se estudar como o Japão se organiza para
compreender os animes e mangás, o estudo se torna automaticamente geográfico.
Além disso, percebeu-se que o que nos apresentava em relação aos mangás, era uma
estrada de duas vias. Era possível partir de um estudo do Japão e compreender o
mangá e também, observar o mangá e compreender o espaço (Japão) através de suas
representações e das práticas do seus fãs, que os realizam em lugares específicos.
No segundo capítulo buscou-se fazer um estudo das origens dos mangás e

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depois, um estudo dos animes. Ambos fazem parte de um mesmo movimento, e
podem ser compreendidos como uma entidade única, mas essa realidade, somente se
fez presente na década de 90, ou seja, era um processo recente. Como ambos, apesar
de terem processos evolutivos semelhantes, desenvolveram-se de forma paralela e
não em simbiose, decidiu-se pela divisão dos dois temas.
O terceiro capítulo trata de um dos maiores ambientes onde os animes e
mangás ganham a sua expressividade máxima, o evento intitulado Comic Market. O
tamanho e importância do evento foram fundamentais para compreender, através de
sua gênese, a mudança pelo qual os animes e mangás passaram, principalmente
durante a década de 70 e de como, a mudança na verdade representou um contexto
muito maior, em que a sociedade japonesa como um todo se modificava,
principalmente devido as crises econômicas.
A partir disso, no quarto capítulo buscou-se compreender como essas
produções conseguiram, mesmo com todas as diferenças culturais, chegar aos países
ocidentais, principalmente ao Brasil e serem bem aceitos. As diferenças entre o
público norte-americano já acostumado ao universo de ficção científica e portanto
aos quadrinhos e o brasileiro, desacostumado de quaisquer tipos de leituras e
pertencente a um ambiente onde existe pouco espaço para a reflexão e tudo se torna
prática e dinheiro, apresentavam-se como temas instigantes a pesquisa, por exemplo,
como a cultura no sentido visto pelos geógrafos culturais, que surge a partir da
vivencia e das práticas do dia a dia é vista no Brasil, que tem o dinheiro e o lucro
como as fundações da sociedade e que portanto tratam a cultura como uma
mercadoria. Então, a compreensão de como foi a entrada dos mangás e animes no
Brasil, foi essencial para finalmente observar os eventos de animes bem como toda a
carga cultural que se apresenta neles veio ao país.
O capítulo cinco trata dos eventos de animes em si, ou seja, do aspecto da
cultura dos animes e mangás que é mais imediatamente observado na cidade. As suas
práticas, as origens e evolução confundem-se com a própria evolução dos imigrantes
japoneses e das trocas culturais que ocorreram com o passar dos anos.
Finalmente, o sexto capítulo busca verificar, como o maior evento de anime
sul-americano, o Anime Friends se insere, no meio da lógica espacial de São Paulo,
com especial atenção a questão da cultura. Em uma cidade extremamente dinâmica e
'financeirizada' onde vive-se a paranoia do trabalho e do lucro, em detrimento das

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condições decentes de vida, é no mínimo estranho considerar que o evento consiga
refletir, mesmo que de forma parcial, a essência dos animes e mangás, através de suas
práticas. Portanto, o capítulo surgiu, como forma de compreender a relação dual
entre um universo, o dos animes e mangás, que dá extremo valor as atividades sociais
e a reflexão em relação ao mundo e, o espaço da cidade, onde a única reflexão
plausível é a reflexão em torno do lucro, estando as pessoas a mercê dessa lógica
perversa.

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História do Japão

Do fim do isolacionismo a abertura dos portos

É impossível tratarmos dos animes e mangás ou de quaisquer aspectos da


cultura japonesa sem que seja feito um estudo histórico preliminar do país no qual
elas se originaram. Não só restrito ao Japão mas tal análise, mesmo que não seja
objetivo do geógrafo, nos permite visualizar o contexto que permeiam os fenômenos
espaciais, mesmo porque tudo possui uma temporalidade. Dessa forma, pretende-se
nesse capítulo realizar uma breve contextualização histórica do país, levando em
consideração os aspectos culturais da sociedade japonesa.
Consideramos como ponto de partida o período imediatamente anterior ao
início da era Meiji (1868-1912) estendendo-se até a atualidade devido a importância
histórica dos acontecimentos, principalmente relacionados ao início da era Meiji. Os
mangás e animes são presentes em nosso cotidiano, portanto, o recorte temporal não
pode de forma alguma terminar em uma data específica pois corre-se o risco de
analisar uma realidade que já não é presente, salvo, os casos em que o objetivo é o
estudo de 'realidades' passadas para o entendimento de processos atuais. Assim, tal
intervalo de tempo foi considerado importante, como veremos a seguir, devido às
inúmeras e profundas mudanças econômicas, políticas e sociais que ocorreram no
período.
A chamada era Meiji trouxe profundas mudanças econômicas, pois colocava
fim em quase trezentos anos de uma política econômica isolacionista onde grandes
trocas econômicas como as que se realizavam, por exemplo, com os grandes insumos
produzidos no Brasil como a cana e o café ou até mesmo entre produtos de menor
valor, eram realizadas com estrito controle por parte do governo. Mas antes de
compreender no que a era Meiji foi revolucionaria, é necessário compreender, mesmo
que de forma breve, o que ocorria no Japão no período anterior.
O Japão possuía uma organização econômica e social que era semelhante ao
feudalismo, observado na Europa, porém com características distintas. Existia um
governante central (o imperador) e os xoguns, famílias que possuíam grande poderio
militar e vastos territórios. O imperador apenas representava o Japão e não tinha o

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real poderio político e militar no país, mas apenas simbólico estando o real poder nas
mãos dos chefes militares, chamado Xoguns. Estes possuíam grande poderio militar e
seu poder era atrelado à quantidade de terras que possuíam, visto que, em uma
economia predominantemente agrícola, o tamanho e poder do exército eram
linearmente proporcionais à qualidade e quantidade dos alimentos produzidos. Ao
contrario do que ocorria na Europa, o poder militar e a posse de terras estavam nas
mãos de uma pessoa, e enquanto no ocidente esse poder era dividido entre os que
tinham a posse das terras e os que possuíam o poder militar.
Sabe-se que o Japão foi, por trezentos anos, um país fechado ao mundo
externo devido a política instaurada pelo Xogun Tokugawa e levada adiante pelos
xoguns posteriores até a Revolução Meiji. O “sakoku”, como foi chamado tal política,
proibia quaisquer estrangeiros de adentrar o país ou a qualquer cidadão japonês a
sair, sob pena de morte.
Quanto aos aspectos econômicos, uma política distinta e muito conhecida se
instaurou durante o governo do Xogum Iemitsu, que era o isolamento do país em
relação ao mundo exterior. Essa política é fundamental para compreender como a
sociedade japonesa se comporta e os desdobramentos econômicos e políticos pelo
qual o país passou durante a revolução Meiji. Não é objetivo nosso uma discussão
aprofundada dos motivos que levaram o país a instaurar tal política, mas nos é
interessante demonstrar o que ocorria por trás do chamado isolacionismo.
Essa política econômica, possuía dois grandes principais pontos. Primeiro,
nenhum cidadão estrangeiro poderia adentrar o pais e nenhum cidadão japonês
poderia deixá-lo, sob pena de morte para ambos os casos. Segundo, trocas
econômicas estavam restritas a certas companhias estrangeiras e restritas a certos
portos japoneses. Parece-nos nesse ponto, que a palavra isolacionismo é ideal para
definir a situação política japonesa, mas não devemos nos ater as definições
consagradas, pois nos dão a ideia errada do que realmente ocorria. Essa política foi
instaurada não para isolar o país do mundo externo, como a palavra nos faz acreditar,
mas foi criada especificamente para não permitir que os portugueses em específico
adentrassem o território japonês e passassem a dominá-lo devido ao seu poderio
econômico e militar. Porém, as trocas com outros países que não Portugal
aumentaram consideravelmente nesse período e dessa forma, a economia no período
de isolacionismo prosperava de certa forma, ao contrário do que se imagina. Como

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era proibida a entrada e a saída de pessoas do território, a possibilidade de alguma
troca cultural era difícil se não impossível, durante esse período. Criou-se então na
sociedade japonesa como um todo, uma sensação falsa de paz e segurança, aonde as
preocupações e conflitos do mundo ocidental pouco chegavam aos ouvidos da
população como um todo. Porém, o Japão não era um território inerte as influencias
externas e mudanças políticas mundiais no final da era dos xoguns forçou o país a
mudar radicalmente essa política - Trata-se da revolução Meiji.
Esse período, colocou fim ao modelo feudal e foi o período marcado por fortes
mudanças, sobretudo sociais e políticas. O mundo, durante os trezentos anos de
‘fechamento’ do Japão havia mudado e a potencia portuguesa dava espaço para o
poderio náutico inglês e sobretudo americano. A ameaça econômica, com base na
política imperialista-expansionista que tinha no uso da força militar o seu maior
poder de negociação agora era uma realidade no mundo ocidental e estava as portas
do território japonês. Mediante as pressões externas, era impossível apenas proibir a
entrada de pessoas e restringir o que era comercializado. Economicamente a posição
dos países europeus era clara: Garantir mais um território no qual pudessem escoar o
excesso de capital. É importante compreender, porém, que o maior impacto da
abertura forçada dos portos se encontra, não no aspecto econômico, mas sim no
social e principalmente cultural.
Como foi observado, o fechamento do país durante do Xogunato era muito
mais social do que econômico, pois havia uma pesada restrição a circulação de
pessoas estrangeiras no território, mais do que restrições de produtos. O Japão sofria
cada vez mais pressão para a abertura dos portos até o estopim, causado pelo
atracamento de navios militares do Comodoro Perry nos portos de Tokyo,
desencadeou a abertura imediata dos mesmos e deu início a Revolução Meiji. Muito
mais do que uma pressão militar, de cunho econômico, o impacto psicológico dos
navios foi muito mais intenso pois o contato cultural com o ocidente era ínfimo.
Imaginemos que o país se encontrava fechado ao mundo durante quase trezentos
anos e repentinamente, a população que se encontrava em um período de relativa
(falsa) paz, se deparava com embarcações cuja tecnologia e poderio bélico não se
comparavam com as que o Xogunato possuía. Assim, o Japão se viu obrigado a ceder
as pressões externas e abrir seus portos a outras nações. A visita dos navios Perry
foram o estopim para o processo de intensa industrialização e desenvolvimento do

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pais como potencia internacional.
Após a visita dos navios da marinha americana, o Japão passou a adotar a
política da nação forte. Para tal, precisava equiparar-se tecnologicamente com os
países europeus e ocidentais para que se eliminasse a ameaça imperialista
estrangeira. Ideologicamente adotava-se tudo o que parecesse novo e era proveniente
de fora do país, então, não eram raras as fotos onde pessoas usando roupas
tradicionais japonesas se misturavam as vestimentas ocidentais, demonstrando a
mescla cultural forçada, movida pelo forte sentimento de inferioridade em relação
aos países estrangeiros. Durante o período, o país passava por uma dualidade de
processos: Por um lado, temia-se uma invasão e anexação tanto econômica quanto
política, pensando-se na lógica imperialista que dominava o mundo do século XIX e
por outro, a fascinação pelo novo e estrangeiro.
Assim sendo, podemos destacar que a abertura dos portos japoneses e o fim
dos quase trezentos anos de reclusão causaram fortes impactos na política, economia
e principalmente cultura japonesas, visto que o período de reclusão e a sua ruptura
abrupta deram origem a características que são embrionárias para a sociedade
japonesa moderna e por consequência aos animes e mangas, podendo-se destacar a
relação dela com a imagem do 'estrangeiro' e do 'novo'. É claro que, a origem dos
mangas remonta a arte dos Ukyo-ê originária do século XI como veremos
posteriormente, porém, se destaca que esse período de ruptura foi importante no que
diz respeito a construção da cultura do Japão moderno.

Da era 'Meiji' à Segunda Guerra Mundial e Legado

A partir da abertura dos portos ocorrida na era Meiji, o pais passava a tomar as
formas que conhecemos atualmente, grande parte devido a forte industrialização e
desenvolvimento econômico. A adoção da política imperialista por parte do Japão era
clara, pois o país passou a anexar diversos países da Oceania e Ásia, na busca
incessante pelo aumento de sua influência na região. Foi necessário para tanto, a
unificação política na figura do imperador, como foi descrito anteriormente e
principalmente a unificação religiosa. Nos parece estranho citar esse aspecto em
específico do Japão em meio a uma avalanche de desenvolvimento, porém devemos
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pensar que o pais precisava de quaisquer motivos para se unificar, devido a ameaça
estrangeira. Portanto, a centralidade do imperador era a peça fundamental para que
se conseguisse chegar a um pais unido e portanto, foi produzido por meio de
campanhas ideológicas, uma imagem de líder divino atrelada ao imperador.
O desenvolvimento do pais quanto as questões tecnológicas foi tamanha, que a
população não teve tempo de refletir sobre esse fato. Explica-se: a grande parte dos
países desenvolvia-se tecnologicamente a medida que esta se tornava necessária a
população. Por exemplo, o código morse surgiu devido a necessidade de comunicação
a longas distancias. No caso Japonês, ocorria o oposto, as tecnologias adentravam o
território sem que a população enxergasse uma real necessidade para elas. Algumas
tecnologias traziam vantagens claras em meio ao contexto de autoafirmação pelo qual
o pais passava, como os armamentos, pois era necessário que se protegesse o
território. Porém, outras como a imprensa, roupas, novos modelos de construção civil
não eram de necessidade imediata a grande parte da população. Esses insumos foram
adotados pelo país apenas pelo seu caráter inovador, não tendo uma imediata
aplicabilidade para as pessoas – Essa é uma das características que iria marcar essa
sociedade para o resto do século XX e início do XXI.
A Era Meiji foi uma período muito peculiar na história do Japão, pois for
marcada pela mescla entre culturas extremamente discrepantes. Não é raro observar
fotos desse período onde vestimentas tradicionais japonesas (os quimonos) e as
espadas (katanas) se encontravam juntamente com roupas ocidentais e armas de
fogo, demonstrando que existia um abismo tecnológico e cultural que o pais tentava a
todo custo superar. Essa vontade de superação, mais uma vez pensando-se no
contexto no qual o Japão se encontrava, foi acima de tudo focado para aumentar o
poderio militar e aliado a construção de uma forte ideologia centrada na imagem do
imperador, ideologia essa que se aproximava de um fanatismo religioso,
proporcionou meios para que se realizasse a revolução industrial no pais colocando-o
agora, forçadamente, em posição de competir economicamente com os países
europeus.
O novo Japão portanto, era marcado por duas características principais, a
primeira por uma política desenvolvimentista pautada no uso extensivo da
tecnologia, essa, aplicada para fins militares e a segunda, a implantação da
centralização política e ideológica nas mãos do imperador que, através de extensa

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propaganda por parte do governo, acabaria por gerar em meio a população em geral
uma imagem divina do imperador.
Durante a Primeira Guerra Mundial, o Japão colocou sua máquina de guerra
em força total e anexou diversos territórios pelo continente Asiático e Oceania. O
expansionismo dos primeiros 30 anos do século XX serviu para reforçar e reafirmar a
glória obtida através do desenvolvimento tecnológico (militar) e acima de tudo,
reafirmava o papel simbólico do imperador. Porém, o país não encontrou nenhuma
oposição significativa ao seu expansionismo pois a maioria dos territórios anexados
não pertencia a nenhuma grande potencia Europeia e portanto, não possuíam
capacidade de se opor a esse expansionismo, tornando-se vítimas da sede japonesa
pelo poder. As reverberações dessa política são claramente observadas nos dias
atuais, principalmente entre a população idosa de tais países, onde existe um forte
sentimento de desconfiança e em casos extremos, de aversão aos japoneses. As
gerações mais jovens, porém, passaram por outro contexto cultural e portanto já não
possuem tal bloqueio cultural, tendo relações amigáveis com pessoas do Japão.
A Segunda Guerra Mundial nada mais foi que o aprofundamento do que foi
observado na primeira guerra, levado a condições mais extremas. Em nome do
desenvolvimento do país, procurava-se anexar a força, quaisquer territórios que
oferecessem resistência, portanto, as notícias de massacres por parte do exercito
japonês não eram raras. A sede por poder se tornava, de certa forma, doentia e as
inúmeras tentativas de sansões por parte da comunidade ocidental somente serviam
para alimentar esse sentimento. Em, 1941 o governo japonês iniciava um plano para
atacar as potencias europeias com o objetivo de isolá-los de seus territórios na Ásia e
pretendia uma negociação de paz com o governo americano, visto que a vitória era
impensada, contra tal oponente. Tratava-se de tentar manter o domínio sobre a ásia
enquanto se esperava que seu mais temido oponente não se opusesse a ele.
O fim da guerra e a derrota do Japão em 1945 trouxe profundas mudanças no
país principalmente ideologicamente, pois a imagem que o governo havia construído
de si agora ruía, levando até mesmo ao surgimento do movimento 'Shindou Rimei'
em meio aos imigrantes japoneses no Brasil, que acreditavam que a derrota não
passava de uma forma de controle do governo brasileiro. Porém, o fim do aspecto
expansionista e o foco no desenvolvimento econômico e produtivo foi estrondoso
durante os anos do pós-guerra, levando a total reconstrução de cidades destruídas em

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um intervalo de apenas 15 anos levando o país a conquistar durante muito tempo a
posição de segundo país mais próspero do mundo. A crise dos anos 70 foi um
prelúdio, levando o país a sentir pela primeira vez, a pressão econômica, depois de
anos de sucesso que levou-o a repensar as políticas econômicas. O fenômeno da
globalização iniciada nos anos 80 que culminou, assim como em outras culturas no
mundo, na disseminação da cultura japonesa e sua aceitação como parte da realidade
mundial que desconsidera cada vez mais as diferenças entre países, passando a
considerar o mundo 'globalizado' e ao conceito de 'aldeia global' serviu para o
surgimento de um novo Japão a partir dos anos 2000. O país perdeu um pouco para
outras potencias em termos de produção bruta, mas ainda se mantem como o centro
de produção cultural no extremo oriente, principalmente devido aos animes, mangás,
a música e a sua ligação simbiótica com a parte 'clássica' da cultura japonesa, a
comida e as artes provenientes do período anterior a Restauração Meiji.

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O fenômeno dos Animes e Mangás

A origem e evolução dos Mangás

Os Animes e Mangás, produtos culturais, originaram-se no Japão e fazem


parte de um mesmo contexto, o da cultura pop nipônica, mas possuem origens
distintas apesar da influência que ambos sofrem reciprocamente. Os Mangás tem a
sua origem remontando ao século XIX enquanto os Animes surgiram em um
momento um pouco posterior, tendo a sua evolução associada ao desenvolvimento
das tecnologias, principalmente a TV e a internet. Os estudos sobre o mangá,
sobretudo os ocidentais, que surgiram muito recentemente, principalmente após a
década de 80 – coincidente com início do interesse do ocidente pelo Japão – e levam
em consideração, na sua maioria, os aspectos evolutivos históricos relacionados
muitas vezes a evolução das técnicas de desenho. O mangá nessa perspectiva é
tratado como um simples produto cultural de exportação, o que acaba por esconder
todos os processos de construção e reconstrução do significado para o seu leitor, real
força motriz por detrás do desenvolvimento dos mangás.
Para entendermos o que são os mangás, observar a etimologia da palavra é um
começo interessante, pois a escrita japonesa (ideogramas) já dão pistas sobre o
significado. A palavra é escrita em japonês pela junção dos ideogramas 漫 (man) e 画
(ga), que significam respectivamente 'livre' e 'desenhos'. Os “desenhos livres” (o
termo Manga só foi oficialmente utilizado no século XIX) foram durante o Japão
feudal uma técnica de desenho amplamente difundida e utilizada por um grande
número de artistas por retratarem cenas do cotidiano japonês e, pelo fato de serem
pinturas referentes ao dia a dia, faziam com que a arte se tornasse muito mais
próxima das pessoas. Essa relação de proximidade do artista com o público
utilizando-se de temáticas voltadas ao dia a dia viria a se tornar uma característica
marcante do mangá atual. O Hokusai Manga, uma coletânea de desenhos de artistas
de Ukiyo-ê – Aqueles que retratavam através de pinturas, o cotidiano japonês - Foi o
primeiro mangá reconhecido historicamente, publicado em 1814.
Antes de compreendermos o Hokusai Manga, é necessário observar o contexto
que rodeava o surgimento dele, no século XIX. Sabe-se, que o país passou por um

18
período de quase 200 anos de reclusão, ignorando e limitando o acesso a ele por
quaisquer pessoas não japonesas. Essa reclusão foi motivada pela influência que o
cristianismo havia conquistando no território japonês e pelo medo de que essa
religião fosse um meio ideológico para que o país fosse conquistado por nações
estrangeiras. Além disso, o Japão era um país essencialmente feudal e a entrada de
insumos externos poderia colocar em xeque a posição de domínio dos xoguns,
conquistada a partir do controle militar de vastas porções de terras.
Porém, pressões externas para que o país abrisse seus portos ocorriam desde o
início do século XIX e passaram com o andar do tempo a deixar de ser apenas
pedidos diplomáticos para se tornarem ameaças militares. O episódio mais
significativo disso, foi o atracamento de um grupo de navios militares americanos nos
portos da cidade de Edo (atual Tokyo), que ficou conhecido como o episódios dos
navios negros. A consequência desse episódio foi o período de profundas mudanças
sociais, políticas, econômicas e sobretudo ideológicas que ocorria a partir de 1868: a
restauração Meiji.
Foi nesse período de mudanças, que podemos observar algumas das
características que vieram a formar o mangá no início do século XX, uma delas,
observável a partir da publicação do Hokusai Manga. Essa obra, publicada entre 1814
e 1878 era uma espécie de coletânia de pequenos estudos e ensaios artísticos,
realizados por artistas de Ukiyo-e.

“O Hokusai Manga consistia em representações do movimento do corpo


humano e movimento muscular, alem de ilustrações narrativas e cômicas
retratando a vida cotidiana, tema típico do ukiyo-e. Alias, a representação do
cotidiano de pessoas comuns é o tema mais recorrente no mangá até os dias
de hoje” (VASCONCELLOS, 2006 p.19)

O que torna essa obra interessante é observar em que context0 ela se


despontava. Sabe-se que o Japão vivia um século muito conturbado de revoluções
políticas e ideológicas que incluíam pressões externas para a abertura dos portos e a
guerra civil entre forças que desejavam a centralização do governo devido as
constantes ameaças externas, e os que defendiam a continuidade do sistema feudal
vigente com a divisão do território em grandes senhores de terra. O fim dos quase
duzentos anos de reclusão terminavam, levando as inúmeras mudanças políticas e
ideológicas da Restauração Meiji. Essa obra, como outras, eram representativas

19
desses acontecimentos na medida em que os artistas desse período procuravam novas
maneiras de executar a sua pintura ou procurar novas temáticas a serem
representadas, ilustrando de forma metafórica como o mundo a sua volta se
transformava de forma rápida.

“In the Meiji era (1868-1912), Japan ended its policy of forbidding contact
and trade with other countries and began to pursue Westernization and
modernization. During that time, Japanese youth were expected to pursue
goals divorced from everyday reality; the object of their aspirations vacillated
over time between developed western societies and images of the future. It
was under such climate that they developed their identity.” (TSUJI, 2012
p.5-6 In Fandom Unbound)1

A perseguição pelo 'novo', pela ocidentalização, tinha uma motivação muito


forte: Devido aos anos de isolamento em relação ao mundo, o país era
tecnologicamente inferior a muitos países europeus. Essa diferença foi evidente no
episódio dos 'Navios Negros'. Quatro embarcações militares americanas, atracadas na
baía da cidade de Tokyo com seus canhões apontados para a cidade. Nenhuma
embarcação japonesa da época se equiparava ao poderio militar dos navios e a cidade
não tinha meios para se proteger caso algum bombardeiro acontecesse devido a
própria arquitetura das casas, feitas em madeira e portanto não resistentes a
explosões. O medo em meio a população da cidade se propagou rapidamente pelo
pais, levando a Restauração Meiji e as mudanças ideológicas vistas por Tsuji e a
implantação da ideologia chamada Fukoku Kyohei (Nação rica, Exército forte).
A partir desse período de abertura, novas formas de contato com o ocidente se
iniciavam, com reflexos para o mangá. Uma delas é a introdução da linguagem dos
quadrinhos, trazidas por jornalistas europeus, com especial destaque para Charles
Wirgman, correspondente inglês e George Bigot, francês, ambos, chargistas políticos.
Chegando ao Japão em pela primeira vez em 1857 passando a morar no pais em 1859,
editou em 1862 a revista Japan Punch, revista humorística de conteúdo político.
Nessa revista, Wirgman usava balões para representar falas e Bigot organizava os
desenhos de forma a produzir um padrão narrativo – Era introduzido ao japones, a
linguagem dos quadrinhos, através de temas políticos. (VASCONCELLOS, 2006 p.20

1 Tradução: “Na era Meiji (1868-1912), o Japão encerrou a política de proibir contatos e trocas com
outros países e passou a perseguir a ocidentalização e a modernização. Durante esse tempo,
esperava-se que os jovens joponeses perseguissem metas dissossiadas da realidade diária; o objeto
de suas aspirações oscilava entre as socidades ocidentais desenvolvidas e imagens do futuro. Foi
sob esse clima que eles desenvolveram suas identidades.” (TSUJI, 2012 p5-6 In Fandom Unbound)
20
citando LUYTEN, 2001 p.101). A partir desse momento, inúmeros artistas japoneses
passaram a se dedicar à produção de quadrinhos, na sua maioria focados no público
adulto devido as influências de Wirgman e suas charges de cunho político. Devemos
ter em mente que o Japão passava por um período de 'corrida' desenvolvimentista,
desencadeada pela abertura forçada do país e assim sendo, podemos observar a
grande aceitação de tais charges como um dos desdobramentos dessa ideologia.
A busca pelo 'novo' como forma de desenvolvimento tecnológico (e também
econômico) foi levada muito a sério pelo governo japonês. As migrações para o Brasil
ocorreram, sobretudo, devido a propaganda ideológica que o pais fazia aos japoneses:
o Brasil, como terra de novas oportunidades. A força imaginativa do japonês,
plantada nos primeiros anos da era Meiji, foi focada nos primeiros anos do século XX
no desenvolvimento tecnológico e econômico, pautado na cópia de objetos e ideias
vindas do ocidente. Nesse contexto, as charges políticas de Wirgman eram bastante
representativas desse movimento.
Diversos desenhistas japoneses, seguindo o legado deixado por Wirgman,
passaram a se dedicar aos quadrinhos. No início do século XX, começou a se observar
o foco na produção de histórias infantis, influenciado pelo mercado americano de
quadrinhos que focava suas produções em histórias voltadas sobretudo aos jovens.
Pouco depois, ocorria a crise da bolsa de New York, que trazia algumas mudanças
importantes a serem consideradas. A primeira delas, foi o endurecimento das
políticas imperialistas japonesas que teve como consequência aprofundamento da
ideologia da nação rica e exército forte e levou o já governo militar japonês a tornar-
se ultranacionalistas. Devido aos efeitos da crise, muitos desenhistas de mangá
focavam suas histórias em temáticas que tentavam diminuir seus efeitos nas crianças,
através de historias calcadas na evasão da realidade, fazendo com que esse
posicionamento levasse a um embate em relação ao governo, que tinha um objetivo
ideológico bastante claro, focado na conquista e expansão a qualquer custo.

“Pode-se dizer que essa foi a primeira crise enfrentada pela florescente industria
do manga, uma vez que os grupos ultranacionalistas e militaristas eram ferozes
críticos dos mangas infantis da épica, que passaram a ter historias que tentavam
consolar e amenizar o efeito da crise nas crianças. As histórias eram leves,
cômicas e calcadas na evasão da realidade pela fantasia.” (VASCONCELLOS,
2006 p.21)

21
A segunda guerra mundial era para o Japão, além de uma disputa econômica,
uma guerra de fundo ideológico, dessa forma, sua aliança relação aos países do Eixo
não foi mero acaso ou fruto de relações econômicas. O ataque aos Estados Unidos que
desencadeou a entrada deste para a guerra foi simbólica no sentido que representava
para o Japão, que outrora foi ameaçado pela pressão militares americana durante a
restauração Meiji, agora se imaginava tão forte quanto aqueles que o ameaçaram.
Obviamente havia a motivação econômica para o avanço militar pois o país percebeu
que era a única maneira de equiparar-se ao ocidente desenvolvido, pensando nas
questões econômicas, era assegurar o controle dos pontos fornecedores de matérias-
primas para a indústria.
Durante os anos de guerra, os mangás e também as animações, que surgiam no
sofriam os pesados efeitos da censura. Não era permitido nenhuma publicação,
excetuando-se as que fizessem propaganda militar, o que reitera a posição ideológica
que visava focar-se na conquista e na vitória perante o ocidente. Porém, a máquina de
guerra norte americana era muito superior a japonesa e os resultados da guerra são
conhecidas por todos: O ataque nuclear a duas cidades, Hiroshima e Nagasaki,
levando a derrota do Japão. Sabe-se, é claro, que o pais foi paulatinamente perdendo
os territórios conquistados na Ásia e Oceania e que as bombas nucleares
representaram o fim de uma série de bombardeios realizados pela marinha/força
aérea americana no Japão. Porém, mais do que entrar em uma discussão de juízo de
valores, ou sobre a real necessidade delas, é preciso observar todo o simbolismo
presente na guerra e nas suas consequências.
Como dito, para o Japão, houve muito simbolismo envolvido na guerra.
Podemos citar como o principal exemplo, a existência dos pilotos kamikaze durante
os períodos finais da guerra que representava como a propaganda militar tinha sido
efetiva em realizar uma lavagem cerebral, a ponto de se acreditar que o sacrifício de
vidas era considerado um ato heroico em prol da nação. Os militares de alta patente
portavam pequenas espadas para que, em caso de captura, cometessem o suicídio, de
forma que informações estratégicas não fossem vazadas. Havia, dessa forma, um
torpor gigantesco em meio a população e muitos acreditavam firmemente que o país
seria levado a vitória por poderes divinos. As bombas colocaram um fim abrupto no
sonho japonês, tendo consequências profundas na sociedade e nos mangás. Por um
lado, o pós-guerra representou um período de extrema miséria, marcado pelo

22
domínio americano sob o país. Por outro, o fim do governo militar e a censura, levou
a um florescimento na produção de mangás. Observa-se também a mudança
ideológica da sociedade:

“The Meiji-era slogan of Fukoku Kyohei (Rich Nation, Strong Army) had
faded away and only the slogan Shokusan Kogyo (Increase production,
Promote Industry) remained from that period. In terms of youth
imagination, the loss of occupied territories and disbanding of the military
meant the loss of the expansive space of the imagination, forcing youth to
refocus their powers of imagination toward the temporal expanse presented
by the society of the future.” (TSUJI, 2012 p.11 In Fandom Unbound) 2

O excerto demonstra a raiz da mudança de mentalidade. A sociedade ainda se


mantinha muito criativa, mas mudava o seu foco, antes voltado para a guerra, e a
busca de novos territórios como representante da perseguição pelo 'novo', para se
focar no desenvolvimento (tecnológico) e no futuro. Foi nesse período de pós-guerra
que o principal nome em relação ao mangá despontava, Osamu Tezuka. Considerados
por muitos como o 'Deus dos Mangás' o título não é um exagero, mas sim uma
homenagem pois o autor foi responsável pelo mangá (e pelo anime) que conhecemos
hoje.
Mas no que esse desenhista foi inovador, visto que existiam diversas pessoas
que assim como Tezuka, buscavam colocar nos papéis e nas animações, todo o poder
criativo latente, durante o período de guerra? A resposta a essa questão está no modo
inovador como ele se relacionava com os mangás já existentes e da influência que as
animações tiveram em suas obras. Durante sua juventude, Tezuka cursou medicina,
influenciado por um médico que curou seus braços devido a uma doença. Chegou a
terminar o curso, mas resolveu dedicar-se ao desenho de mangá, utilizando-se dos
estudos de anatomia e fisiologia aprendidos durante a faculdade. Porém, o real
objetivo de Tezuka não era a produção de mangás, mas sim a entrada no mundo da
animação e foi acidentalmente, estudando as técnicas de animação, que o desenhista
criou o seu primeiro mangá, Shin Takarajima. Essa obra, na realidade, foi criada a
partir de um storyboard para animação e, o que Tezuka não imaginava, é que ao

2 Tradução: “O slogan Fukoku Kyohei (Nação Rica, Exército Forte) da era Meiji dissipou-se e
somente o slogan Shokusan Kogyo (Aumentar produção, Promover indústria) daquele período
permaneceu. Em termos de imaginação dos jovens, a perda dos territórios ocupados e a dispersão
do exército significou a perda do espaço expansivo da imaginação, fazendo com que os jovens
refocassem suas forças imaginativas para a expansão temporal apreentada pela sociedade do
futuro.” (TSUJI, 2012 p.11 In Fandom Unbound)
23
mesclar as técnicas de enquadramento provenientes da animação e do cinema com as
técnicas de desenho já existentes em relação ao mangá, ele criava uma linguagem
completamente nova.
Após Tezuka, ler um mangá era uma experiencia completamente diferente,
pois as obras ganhavam o dinamismo do cinema, fazendo com que após ele, uma
infinidade de outras obras fossem publicadas chegando no nível que possuem
atualmente. O período da década de 50 foi propício para esse movimento, pois como
visto, o Japão mudava o foco do seu poder criativo da guerra e expansão marítima,
para o futuro e a tecnologia. Essa mentalidade, que além de fazerem as grandes
cidades, bombardeadas durante a guerra e reduzidas ao pó se reconstruírem em um
intervalo de pouco mais de 10 anos, também fez com que os mangás sofressem uma
explosão criativa. A segmentação das histórias dos mangás, já observada nos anos
anteriores à guerra, entre as voltadas para adultos (de conteúdo militar e teor
político) e para crianças (mais simples, fantasiosas e leves) aumentava, passando a
atingir diferentes faixas etárias e públicos cada vez mais diversos, ampliando a faixa
etária de seu leitor.
Esse período de forte crescimento econômico e criativo teve seu ápice na
década de 60. A exaltação da tecnologia e do futuro como meios para atingir o
desenvolvimento foi bastante evidente durante essa década, em um contexto global. A
corrida espacial e o programa espacial Apollo, o surgimento de séries de ficção
científica, famosas até os dias atuais como Star Wars e Star Trek e o advento da
televisão foram, apesar de serem objetos pontuais, bastante representativos da
ideologia no qual o mundo vivia. O Japão, obviamente, não se encontrava a mercê
desse movimento, o período de forte crescimento econômico da década de 60 refletia-
se na sociedade e nos mangás; Astro Boy foi o trabalho de Osamu Tezuka mais
reverenciado até mesmo nos dias atuais, pois conseguia sintetizar toda a ideologia
presente na sociedade da época: Tratava-se da história de um garoto-robo e sua
inserção em meios aos humanos. Percebe-se que a ideologia era muito similar a
existente na série Star Wars e os robôs R2D2 e C3p0, que demonstram de uma
maneira cômica a humanidade que possuem. A mescla entre tecnologia e o ser
humano era evidente nessas obras, que reiteram a ideia de que o Japão, vivia o auge
do que Tsuji chama de foco da imaginação na sociedade do futuro (TSUJI, p.11 In
Fandom Unbound)

24
A década de 70 foi um período, assim como a Segunda Guerra, essencial para a
compreensão do que os mangás são na atualidade, devido as inúmeras mudanças que
ocorreram, tanto nos aspectos específicos ao mangá, quanto aos que os rodeiam,
principalmente em relação aos leitores e consumidores desse produto. No âmbito
geral, a crise do petróleo ocorrida em 1973 significou o fim dos anos dourados de
crescimento econômico acelerado, pautado no modelo fordista, para um modelo
consumidor, de baixo crescimento econômico. Em relação aos mangás,
principalmente para os leitores, o baixo crescimento significava que a força criativa,
que na década passada, que foi força motriz do 'milagre japonês', agora tinha outro
direcionamento.
Tsuji, ao estudar um tipo específico de publico fã de animes e mangás, nota
que:

“The loss of directional clarity of imagination was accompanied by a shift


away from the future and towards the ghosts of the past, resulting in an era
of the imagination of illusion.(...)With their imaginations having undergone
a directional shift, some youth came to be called otaku. These otaku are
characterized by an affinity for the unreal and a tendency to have a negative
sense of self.” (TSUJI, 2012 p.20 in Fandom Unbound)3

Observamos, a partir do excerto, uma pequena tendencia a fuga da realidade e


também, a atribuição da ideia de escapismo, com o 'gostar' de animes e mangás,
alcunha que muitos deles passariam a carregar por muito tempo. Azuma, ao estudar
os fãs de animes de uma maneira geral, parte para uma aproximação similar ao
observada pro Tsuji, atribuindo as mudanças observadas na década a uma mudança
de mentalidade atribuída ao período do pós-modernismo. De maneira geral, o autor
apoia-se na ideia de que o mundo moderno era pautado em uma única 'grande
narrativa', ou visão de mundo, que servia como um ponto de referencia, para a
humanidade. O mundo pós-moderno, para Azuma, foi marcado pelo fim da visão de
mundo única e o surgimento de inúmeras visões de mundo, cada qual tendo o seu
valor e a sua lógica. Partindo dessa observação, o autor enxerga o fenômeno do
surgimento dos otakus – pessoas obsessivas em relação a um objeto ou um tema –
como reflexos do novo 'mundo'.

3 Tradução: “A perda da clareza direcional da imaginação foi acompanhada por um distanciamento


do futuro em direção aos fantasmas do passado, resultando na era da imaginação da ilusão. (…) Por
suas imaginações terem passado por essas mudanças, alguns jovens passaram a ser chamados de
otaku. Esses otakus eram caracterizados por uma afinidade pelo não-real e pela tendência a ter uma
visão negativa de si.” (TSUJI, 2012 p.20 In Fandom Unbound)
25
“Modernity was ruled by the grand narrative. In contrast, in post-modernity
the grand narratives break down and the cohesion of the social entirety
rapidly weakens. In Japan that weakening was accelerated in the 1970, when
both high speed economic growth and “the season of politics” ended and
when Japan experienced the Oil Shocks and the United Red Army Incident.
From this vantage point, we can view the otaku's neurotic construction of
“shells of themselves” out of materials from junk subcultures as a behavior
pattern that arose to fill the void from the loss of grand narrative” (AZUMA,
2012 p.34)4

Muitos, viam o surgimento de fãs mais devotos aos mangás (e também de


animes) como infantilidade, fuga da realidade, tratando tais pessoas como casos
clínicos. Alguns dos estudos ocidentais, que aos poucos começam a ter a tendencia de
observar o universo dos animes e mangás fora dos seus aspectos externos (imagem,
técnicas, mercado , etc) ainda possuem essa concepção.

“To many, the otaku figure has seemed to encapsulate all-too-perfectly the
infantilization and impotence of the Japanese nation-state and its mass
culture in the wake of Japan's defeat in 1945. (…) Primarily gendered male,
otaku find their mass-cultural conterparts in the objectified persona of
shoujo (young girl), a word indicating a subject position that is primarily
female but can be affectively shared by either gender” (IVY, 2010 p.5 In
Mechademia volume 5)5

Porém, tais concepções mais radicais falham ao considerar os fãs de animes


como um publico totalmente homogêneo, desprovidos de suas individualidades, o
que acaba por esconder a diversidade de aspectos ao redor desse fenômeno. A década
de 70, foi um período de re-significações e mudanças e um dos seus aspectos, já
observado, foi a mudança de mentalidade, da sociedade japonesa como um todo. Ou
seja, o redirecionamento do poder criativo para a imaginação, que para alguns é

4 Tradução: “A Modernidade era governada pela grande narrativa. Em contraste, na pós-


modernidade as grandes narrativas se romperam a a coesão social rapidamente enfraqueceu. No
Japão, esse enfraquecimento foi acelerado em 1970, quando o rápido crescimento econômico e a
'temporada da política' terminaram quando o Japão experimentou a crise do petróleo e o incidente
com o 'exército vermelho unificado'. Deste ponto vantajoso, podemos observar a construção
neurótica pelos otakus dos 'casulos de si próprios' com materiais de subculturas ruins, como padrão
de comportamento que surgiu para preencher o vazio deixado pelo fim da grande narrativa.”
(AZUMA, 2012 p.34)
5 Tradução: “Para muitos, a figura do otaku pareceu encapsular deveras muito perfeitamente a
infantilização e a impotência da nação-estado japonesa e sua cultura de massa, ao fim de sua
derrota em 1945. (…) Primariamente masculino, o otaku descobriu o seu homólogo objeto cultural
de massa na objetivação da persona do shoujo (jovem garota), uma palavra que indica um sujeito
primariamente feminino, mas que pode ser compartilhado afetivamente por ambos os generos.”
(IVY, 2012 p.5 In Mechademia volume 5)
26
compreendida como fuga, pode também ser visto como um fenômeno global,
refletida nos mangás. Para Ivy, o foco dos animes e mangás, no mundo pós moderno
era reflexo de uma imaturidade, pois significava viver em um mundo 'desconectado'
dos problemas do dia a dia. Porém, a degradação das bases do mundo pós moderno e
o surgimento de pequenas realidades mostra que no mundo atual, tal diferenciação
não mais existe.
Como a ideia de sociedade desenvolvida via tecnologia havia ruido após a crise
econômica, as individualidades ganhavam cada vez mais força, em detrimento de um
contexto geral. O surgimento dos chamados 'blocos' econômicos em substituição ao
mundo 'bipolarizado' demonstra como o mundo começava a se modificar, de forma
que os dois grandes centros de poder (Estados Unidos e União Soviética) começavam
a perder espaço para outros polos econômicos, a exemplo da União Européia e do
bloco Asiático. Em escalas menores, o surgimento de inúmeros movimentos sociais,
sindicais, de pequenos grupos defendendo seus direitos- cada qual argumentando a
importância de sua posição- representa a condição pós-moderna descrita por Azuma.
Os fãs de animes são uma parte pequena desse grande movimento que
posteriormente através do Comic Market representam em uma escala bastante
específica, um movimento que ocorria de forma global.
Para compreender o surgimento desse evento é preciso voltar um pouco no
tempo, novamente nos remetendo a figura de Osamu Tesuka. Devido a fama que suas
histórias tiveram, por entrarem em sincronia com o contexto no qual o Japão vivia, o
desenhista seguiu carreira, mesclando animação e desenho, chegando a abrir seu
próprio estúdio e a publicar suas revistas. Paralelamente a isso, desde o final da
segunda guerra, pequenos grupos universitários se dedicavam ao estudo dos mangás,
das suas técnicas de desenho, discussão em torno das histórias com a produção de
informes e boletins e a produção de seus próprios mangás, chamados 'doujinshis'.

“After the war, story manga and later gekiga (Japanese comics aimed at
adults, popular in the '60s and '70s) became very popular, and many more
amateur manga groups were stablished. Though these groups' members were
mere manga fans, all were aiming to become professional artists. These
groups' members exchanged information about drawing techniques, since
artistic techniques during this period were largely unknown to the public and
drawing materials were almost nonexistant.” (LAM, 2010 p.234 In
Mechademia volume 5)6

6 Tradução: “Após a guerra, mangás com histórias e posteriormente gekiga (Quadrinhos japoneses
voltados aos adultos, populares nos anos 60 e 70) se tornaram muito populares e muitos outros
grupos de mangá amadores foram estabelecidos. Embora todos os membros fosse meros fãs, todos
almejavam se tornar artistas profisisonais. Os membros de tais grupos trocavam informações sobre
27
Tezuka, sabendo da importância do leitor, criou no final da década de 60 uma
publicação de nome COM, que convidava esses grupos amadores a mandarem seus
doujinshis, para que fossem publicados nas revistas. Com o fim da publicação desse
periódico no final da década de 70 e considerando as mudanças substanciais na
mentalidade da grande maioria das pessoas, causada pelas crises econômicas, houve
um aumento na necessidade de se ter, um espaço para que as pessoas se
expressassem. Eventos que abriam espaço para publicações amadoras, como o Nihon
Manga Taikai eram consideradas por tais grupos como sendo 'elitistas' pois havia
uma diferenciação clara entre desenhista já estabelecidos e amadores.
Foi nesse contexto, que o Comic Market surgia. Esse evento, permitia que
quaisquer pessoas, não importando a qualidade de sua técnica de desenho ou carreira
no mercado de mangás, pudessem ter um espaço para que seus doujinshis fossem
publicados ao mesmo tempo que proibia que quaisquer empresas ou pessoas de
renome usassem de seu poder de influencia para conseguir privilégios.
Considerando-se que havia uma forte necessidade da sociedade em geral se
expressar, que era observada também em meio aos leitores de mangá, o espaço surgia
como resposta a falta de direcionamento do poder criativo.
Os números relativos ao evento demonstram o quanto ele foi bastante efetivo:
A primeira edição, contava com 32 grupos publicando doujinshis e 700 pessoas.
Cerca de 15 anos depois, o evento contava com 25mil grupos e um público estimado
de 400mil pessoas (Comic Market Preparations Comitee, What is Comic Market,
2008). O surgimento desse evento foi importante aos mangás porque permitia, a total
liberdade criativa, que era refletida nas histórias e na variedade de temáticas e
personagens existentes. Era possível, através da produção de um doujinshi expressar
os valores, indagações e opiniões pessoais, que não era possível nos mangás
tradicionais, visto que a sua própria organização (particularmente, das vendas, que
dependiam da produção de histórias com boa aceitação) se colocava como uma
barreira natural no que diz respeito a aceitação de quaisquer tipos de histórias.
Após o Comic Market houve a real explosão de temáticas, existentes em
relação aos mangás. Havia desde histórias voltadas para a alfabetização de crianças,
ao público infantil, adolescente e até as voltadas para o cotidiano de empresas. Além
técnicas de desenho pois nesse período, as técnicas artísticas eram desconhecidas do grande
público e os materiais de desenho eram praticamente inexistentes.” (LAM, 2012 p.234 In
Mechademia volume 5)
28
disso, ao contrário do que se imagina, o evento não foi destrutivo ao mercado formal
de mangás mas passou a funcionar de forma complementar, como veremos nos
capítulos seguintes. O evento se tornou, com o passar do tempo, tão gigantesco em
tamanho, que a sua própria existência movimentava um mercado paralelo de livrarias
e pequenas empresas, especializadas em atender pessoas interessadas em publicar
suas obras. Além disso, o sucesso do Comic Market tem total relação com a mudança
em relação ao 'foco' que a criatividade teve na década de 70 e também, no que diz
respeitos as mudanças de mentalidade do mundo pós-moderno e a fragmentação dos
animes.
A década de 80 e principalmente 90, foram consequências dos processos
observados na década de 70. Houve, com o advento do Comic Market, a possibilidade
de que os fãs de animes e mangás se expressassem, na divulgação de mangás
amadores. Porém, paralelamente a isso, o mundo se tornava cada vez mais
fragmentado e, por que não, caótico, fazendo com que uma infinidade de pequenas
verdades, fossem elas movimentos sociais de grupos sociais específicos, novas
maneiras de ver a ordem geopolítica ou no caso dos animes e mangás, o esvaziamento
do sentido geral das histórias e sua substituição pelos aspectos puramente visuais.
Esvaziado de seu sentido, os animes e mangás passaram, cada vez mais, a serem
tratados como marcas. A discussão sobre o sentido da palavra que identifica os fãs de
animes – Otaku – é bem significativa desse processo, pois mistura em momentos
distintos do tempo, uma significação construída com base na mídia moderna que só
foca-se no que é 'espetacular', e não nos fatos e estatísticas e o próprio processo de
esvaziamento de sentido, que os animes e mangás tiveram.
Além disso, alguns bairros da cidade de Tokyo se tornaram bastante
expressivas desse movimento. Akihabara, bairro conhecido pela venda de produtos
eletrônicos para o lar, esvaziada após as crises econômicas da década de 70 e início da
de 80, refloresceu na década de 90 ao ser berço para o surgimento de inúmeras lojas
de venda de acessórios e pequenos 'objetos' ligados aos animes e mangás, reiterando
o processo de esvaziamento de sentido e sua troca pela ideia de 'marca'. Shinjuku
também expressa esse movimento, ao se tornar o bairro da 'arte' – Nos finais de
semana, a região é conhecida por ser palco de artistas de rua e pessoas expressando a
sua individualidade, seja por roupas, por músicas ou por encenações. É interessante
notar que tais bairros são, de certa forma, o espelho do que foi observado nos animes

29
e mangás, visto que, durante os dias 'úteis' tais regiões são, em geral, bairros
comerciais onde os negócios fluem a todo vapor e aos finais de semana, tem o seu
sentido modificado, ao se tornarem espaços para a 'expressão' do 'eu'.

O Desenvolvimento dos animes e as trocas entre mídias.

Muito do que foi dito sobre os mangás, também é valido para os animes visto
que os dois tipos de mídias, a partir de um certo período, passaram a ser
complementares. Como dito no capítulo anterior, os animes despontaram em um
momento muito posterior aos mangás, fazendo parte de um contexto específico no
qual os mangás já faziam parte, o do florescimento de histórias e desenhistas devido
ao fim da censura, no pós-guerra. Os animes, assim como como os mangás fazem
parte da chamada cultura pop nipônica e como veremos a seguir, se inter-relacionam
com os mangás e com outras mídias de forma simbiótica, mas antes devemos
observar um pouco da evolução dos animes.
Assim como nos mangás, vamos observar um pouco da origem da palavra que,
embora muito simples, já tem coisas interessantes a nos mostrar. A palavra 'anime',
provém da palavra americana 'animation' e é usado no Japão como sinônimo de
desenhos animados em geral. Como a entrada de Cartoons e HQs no país, por muito
tempo, foi ínfima e todas as produções animadas eram basicamente japonesas (e
baseadas em mangás famosos), é muito comum associar-se a palavra Anime com
desenhos animados japoneses, embora no Japão, o conceito represente algo mais
geral. A representação gráfica na escrita japonesa é feita de forma mais incomum
usando-se Hiraganas あにめ ou de forma mais comum, com o uso de Katakanas ア
ニメ. O que de imediato chama a atenção é o fato dos kanas, em especial o katakana
(alfabeto fonético designado para palavras estrangeiras) são infinitamente mais
simples que os ideogramas (kanjis), diferente do que foi visto quando observamos a
origem da palavra 'mangá' e, além disso, não há um 'sentido' na sua grafia, ele apenas
representa um som, assim como o alfabeto ocidental. Isso decorre do fato dos
Hiraganas (e também em menor instancia os Katakanas) representarem o primeiro
passo no aprendizado da escrita japonesa visto que um dos primeiros passos do
aprendizado de uma língua é apropriar-se de sua fonética. Para uma melhor

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compreensão de como a língua japonesa é complexa, uma mesma palavra pode ser
escrita com três grafias diferentes e pode ser lida em geral, no mínimo, de duas
maneiras diferentes.
Tomando como exemplo a palavra 'montanha' (yama), as suas respectivas
grafias serão 山 (ideograma, kanji), やま (hiragana) e ヤマ(katakana, incomum).
Quanto as leituras, ela pode ser lida como 'yama', 'san' ou 'sen'. Todas essas diferentes
representações do mesmo objeto na língua, são explicados de forma simples: É
extremamente difícil para uma criança (ou alguém que está iniciando o aprendizado
da língua) aprender ideogramas, pois existem, somente na língua japonesa, cerca de
13mil ideogramas (incluíndo os necessários para leitura técnicas e excluíndo se os
mais de 85mil do mandarin) e cerca de 2mil considerados de aprendizado básico.
Além disso, kanjis quando postos juntos podem ter sua leitura modificada, portanto
lê-los isoladamente e lê-los em conjunto com outros kanjis, pode se tornar uma tarefa
árdua para alguém que não está acostumado com a língua. Dessa forma, os hiraganas
e katakanas são usados em conjunto com os kanjis para o aprendizado da língua pois
os primeiros, pela sua simplicidade e fonética, fazem com que o aluno acostume-se
com as leituras e o significado do ideograma até que o uso deste e não do hiraganas se
torna normal. Essa troca é incentivada devido ao fato da fonética de algumas palavras
ser bastante parecida, se não igual, fazendo com que a leitura fonética das palavras
seja confusa em leituras mais complexas, como em mangás para o público adulto.
Voltando-nos novamente aos animes, como existe uma diferença fonética
entre o japonês e o alfabeto romano, e considerando que as trocas culturais se
tornaram constantes, principalmente após a Restauração Meiji, o uso do katakana se
tornou muito comum pois em essência, o katakana serve para representar palavras
estrangeiras na fonética japonesa. O fato do leitor de mangá ler, de forma
'automática', as publicações destinadas a sua faixa etária, como explicitado por
Vasconcellos, além das questões culturais, ou seja, do conteúdo e das histórias que
são voltadas para o público especifico, pode ser explicado também pela barreira
linguística e na dificuldade em se ter o domínio total da língua japonesa, que leva
anos e é feita em etapas, passando pelo período escolar, extendendo-se até a
universidade e a vida adulta. Dessa forma, a palavra anime, mais do que uma simples
representação de desenhos animados, trás uma carga cultural muito forte que por
diversas vezes perde-se, ao não considerarmos os aspectos linguísticos e sociais ao

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seu redor.
O início da animação no Japão nos remete ao início do século XX e de pronto,
a afirmação nos apresenta como uma contradição, posto que já foi dito que os animes
surgiram em um momento posterior, mas a explicação é simples. As animações não
foram chamadas 'douga' (imagens em movimento) até a ocupação americana em 1945
e todo o anime que conhecemos atualmente, bem como seu termo, foi criado apenas
em 1950 com a fama que Osamu Tezuka e suas obras ganharam, apesar das técnicas
de animação se desenvolverem desde o início do século XX. Assim, o primeiro
contato do japonês com as animações ocorreu através do cinema, onde eram exibidos
curtas-metragens provenientes do núcleo pioneiro de animação de Nova York (SATO,
2005). Influenciado por tais animadores, surgiram em 1917 as primeiras animações
japonesa, Sara Kani Kassen (“A luta entre o caranguejo e o macaco”) e o famoso
Momotaro (“O menino pêssego”), ambas baseadas em fábulas infantis.
Na década seguinte, nos anos 20, houve um avanço das técnicas de animação
com o advento do desenho sobre celuloide, do som e do full animation, com a
fotografia de 24 imagens por segundo de animação, que passa ao olho humano a
sensação de fluidez de movimento. Além disso, as temáticas se diversificavam e a
partir dos anos 20, surgiram temas também voltados ao público adulto, tais como
Osekisho (“O inspetor da Estação”) e Katsura Hime (“A princesa Katsura”), em um
movimento semelhante ao florescimento dos mangás, observado no capítulo anterior.
Porém é preciso ter em mente que, diferente de desenhar histórias em papel, fazer
uma animação exigia muito mais tempo e esforço do que os mangás e portanto,
apesar do florescimento deles, a diversidade ainda era inferior ao observado em
relação aos mangás. Apesar disso, observamos que os animes sofreram a influencia
dos Ukiyo-e, ao apresentar durante os anos 20 e 30, temáticas ligadas a histórias do
cotidiano japonês, que é característico da cultura dos animes e mangás.
Porém, os anos que precederam a segunda guerra, foram marcados por forte
censura por parte do governo, que como visto no capítulo anterior, estava sobre a
ideologia produzida na revolução Meiji, ou seja, na produção de um país de exercito
forte sob a ideologia imperialista do final do século XIX, que refletia-se na censura
como forma de incitar a população a uma postura de guerra. A criatividade, ou
melhor, a ideologia de busca pelo futuro e por novas tecnologias também foi
difundida entre os jovens. As animações, dessa forma, ficaram sob o controle do

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governo que passava a financiar, além de censurar, os estúdios de animação para que
fizessem produções de cunho propagandista (SATO, 2005). Havia durante o período
da Segunda Guerra, em relação aos animes e mangas, duas forças opostas que se
contrapunham. Por um lado a ideia de desenvolvimento e tecnologia implantada
desde a revolução Meiji, que norteou o surgimento das indústrias e foi a força motriz
para que o país evoluísse a partir de um passado feudal e por outro a forte censura do
governo ia de forma contrária a essa base. A partir das políticas adotadas pelas forças
de ocupação americanas com o fim da guerra, em 1945, as portas foram abertas para
uma verdadeira explosão criativa, observada tanto nos animes quanto nos mangás.
No ano do fim da guerra, cerca de 100 animadoras independentes se juntaram
para a formação do Shin Nihon Douga, iniciativa que durou dois anos. Em 1947,
partindo-se dessa iniciativa, produziu-se quatro animações, voltadas principalmente
ao público infantil. No mesmo período, foi fundado um estúdio que ficaria por muito
tempo, sendo um dos maiores estudos de animação japoneses, a Toei Animation, sob
o nome de Nihon Douga Eiga. Esse estúdio foi responsável por algumas séries,
conhecidas também do público brasileiro, como DragonBall e em escala muito maior,
Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seiya) febre no Brasi durante os anos 90. A abertura da
Toei Animation pavimentava a estrada para o surgimento de diversos outros estúdios
posteriores, tais como a Madhouse, Gainax, J.C.Staff, Production IG, Gonzo
Animation, entre outras, que se tornaram pilares da animação japonesa moderna.
Porém, é difícil tratar da história dos animes (e nem dos mangás) sem que se
mencione a figura de Osamu Tezuka, considerado por muitos o pai/deus dos mangás,
apelido que não foi dado sem motivos. Durante os anos 50, a imagem de Osamu
Tezuka como desenhista de mangá despontava, principalmente devido a técnica que
utilizava em seus desenhos, provenientes do cinema. Sua primeira obra famosa, Shin
Takarajima, considerado o primeiro mangá dele, foi na realidade um storyboard de
animação com falas e onomatopeias em balões (Sato, 2005) que dava um dinamismo
nunca antes observado nos mangás até então. Osamu inclusive chegou a trabalhar na
Toei Animation, o maior estúdio da animação da época, que lhe rendeu bastante
experiencia fazendo com que em 1961 montasse seu próprio estúdio de animação, a
Mushi Productions. Em 1963, ia ao ar a série animada, baseada em um de seus
mangás de sucesso, Astro Boy, que sacramentava a entrada dos animes na TV
japonesa. A importância desse anime em meio a diversas outras animações, se deu

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por alguns motivos-chave. Astro Boy foi a primeira série regularmente produzida,
com o lançamento de episódios semanais, regularidade que outros animes não
possuíam. Segundo, a série foi baseada em um mangá, de mesmo nome, já
amplamente conhecido no Japão, fazendo com que o anime já tivesse uma
perspectiva de retorno financeiro, característica que iria marcar a forma como os
animes atualmente são produzidos, como veremos posteriormente nesse capítulo. E
por último, a série abriu portas para o surgimento da cultura dos animes e mangás
nos Estados Unidos, com a venda dos direitos de transmissão pela rede de TV NBC,
em 1964, plantando a semente para o que seria o maior mercado consumidor de
animes e mangas depois do Japão.
Astro Boy foi um anime famoso pois entrava em sintonia com o momento
cultural onde tanto o Japão e os Estados Unidos passavam. O Japão vivia os anos
dourados de economia próspera, desenvolvimento tecnológico crescente e aumento
exponencial da qualidade de vida, que se refletia nas cidades, com especial destaque
para Tóquio e o bairro de eletrônicos Akihabara, que sofria um boom de
desenvolvimento com o surgimento de inúmeras lojas dedicadas a artigos eletrônicos
para o lar. Nos Estados Unidos, o programa espacial Apollo, proposto pelo presidente
Eisenhower e colocado em pratica durante o governo Kennedy, criou, além de um
grande desenvolvimento na área espacial, principalmente na de satélites, uma cultura
semelhante a japonesa, no qual vivia-se o sonho da exploração espacial. As séries de
TV Jornada nas Estrelas e Guerra nas Estrelas são as mais significativas desse
movimento, e são também, séries sofreram um desenvolvimento similar a observada
nos animes e mangas, onde destacamos o intenso envolvimento dos fãs com a série.
Ainda podemos mencionar a série da TV britânica Dr. Who que assim como as séries
americanas, entrava em sintonia com o momento de exaltação da tecnologia, vivida
pelo mundo durante a década de 60.
Diversos animes surgiram na década de 70 após o legado deixado por Astro
Boy, com especial destaque para as séries chamadas de 'Space Operas' – Séries cuja
as temáticas giram, como o próprio nome diz, no espaço sideral e nos eventuais
desafios de uma exploração e convivência no espaço, com especial destaque para a
série Space Battleship Yamato cuja temática entrava em sincronia com a ideologia
tecnológica vigente durante os anos 60 e 70. A história da série girava em torno de
uma espaçonave, de nome Yamato e a luta de humanos com seres extraterrestres. O

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plot é aparentemente simples e essa temática não é exatamente nova, principalmente
considerando-se a história da ficção científica, mas existem uma série de fatores que
fizeram a série ser aclamada, durante o período de sua exibição. Primeiro, como
mencionado, a temática tecnológica, principalmente ligado a exploração espacial,
estava em alta, principalmente devido ao legado deixado pelo programa Apollo e a
corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética, que, apesar de ser uma
corrida política, era vista como olhos de uma corrida armamentista/tecnologia devido
também a propaganda por parte dos governos e da mídia. O segundo diz respeito a
questão das descobertas e da busca por tudo que é 'novo', fruto da política
implementada pelo governo japonês que tem suas origens no período de abertura
política do país, a Revolução Meiji. E por último, o nome da espaçonave estava
atrelado a uma embarcação de mesmo nome usado pela marinha imperial japonesa
na Segunda Guerra Mundial que, pelo seu simbolismo (tratava-se da maior
embarcação militar japonesa, usada durante a guerra), exaltava o sentimento
nacionalista daqueles que viveram a guerra e tambem, para os que não participavam
dela mas viveram o período de educação militar.
Dado a tamanha repercussão da série, não é difícil imaginar que de forma
muito rápida, diversos clubes de animes e mangas que já existiam desde a Segunda
Guerra, começaram as discussões a respeito da série o que traria diversas
implicações, inclusive levando ao surgimento do Comic Market, de suma importância
para a compreensão dos animes e mangás, como veremos nos capítulos seguintes.
Space Battleship Yamato além de sacramentar um estilo de anime (os Space Operas),
marcava a mudança do Comic Market para o formato pelo qual ele é conhecido nos
dias atuais. Essa importância se deve, principalmente a como essa série se colocava,
perante o contexto de crises econômicas da década de 70, que fizeram com que a
economia retraísse, pondo fim a toda ideologia progressista dos anos 60 e, para os fãs
de animes e mangás, significou a perda de 'foco' da ideologia criativa. O surgimento
de séries com temáticas complexas, tal como Yamato, era reflexo de como a
criatividade para o desenvolvimento, passava a ser focada em parte, na fantasia.
O fim da década 80 e início de 90, demonstrou um desenvolvimento
gigantesco do mercado de animes, que se tornou um produto de exportação para
diversos países, incluindo o Brasil, que chegou a exibir durante os anos 80 diversos
animes (Zillion, Patrulha Estelar, G-force) todos considerados obras que se

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referenciavam na série Yamato, marcando a entrada tímida dos animes no país. Além
desse estilo específico de história, diversas outras surgiram atendendo a nichos
dentro do universo dos animes e mangás, dos quais destacamos, as histórias de
romance para garotas (Shoujo monogatari), as histórias de robos diretamente
influenciado por Yamato, os animes de fundo humorístico (Sato, 2005) e por fim, as
histórias de garotas 'bonitinhas' que levou ao surgimento do fenômeno 'moé'
observado nos anos 2000.
Houve também, devido a série Yamato, o surgimento em meio a mídia e a
população japonesa, o termo 'otaku', associado ao fanatismo de algumas pessoas em
relação aos animes e mangas, principalmente devido a acontecimentos nefastos
associados a eles, vistos no capítulo anterior. Durante o final da década de 80, até o
final da década de 90, a palavra 'otaku' foi associada a imagem negativa que os fãs de
animes, tinham, relacionados com a sua obsessão e aos episódios pontuais que pelo
eu caráter fantástico, tiveram a atenção da mídia e portanto, dos japoneses de
maneira geral. Alguns estudos tratam os fãs de animes como casos clínicos,
geralmente associados a inabilidade de conviver socialmente (Azusa In ITO, 2010),
outros como (Ivy In Lunning, 2008) defendem que existe um aspecto psicológico
associado principalmente ao sentido da visão e o fascínio que este exerce sobre as
crianças, que são atraídas por tudo o que é chamativo e colorido e que portanto, faria
com que os fãs de animes, devido ao seu gosto por personagens igualmente coloridos
e chamativos, seriam casos clínicos de pessoas que ainda viveriam sob a mentalidade
infantil, caracterizando-se por serem casos clínicos. Há também, pessoas que
defendem a marginalização da mulher na sociedade japonesa e de como a presença
maior de personagens femininos nos animes e mangás refletem o patriarcalismo e
uma idealização da imagem da mulher. Muitas dessas discussões foram influenciadas
pelos episódios ocorridos em 1989 (assassinato e violência sexual de quatro menores)
e em 1995, com o ataque terrorista, pois os acusados eram claramente pessoas com
problemas psiquiátricos graves. Porém algumas dessas críticas, principalmente as
que o tratam como sendo casos clínicos, dificilmente refletem os fãs de animes e
mangás de maneira condizente principalmente devido ao fato desse universo ser
construído e reconstruído com base na interação entre os fãs (Eng, 2012) e em como
eles relacionam-se com a realidade que os cerca. Em relação ao patriarcalismo, não se
desconsidera como falsa verdade, mas também não se considera como uma verdade

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absoluta, pois existem visões opostas, como McCargo que vê a sociedade japonesa
como hierárquica e paternalista e os dados da comissão organizadora do Comic
Market – Maior evento ligado aos animes e mangás – que demonstra um predomínio
maior do público feminino, contradizendo a ideia de paternalismo. Além disso,
refutando um pouco a ideia de que a presença maior de personagens femininos nos
animes e mangas é reflexo do 'machismo', devemos observar que sempre existiu,
embora tenha ganhado notoriedade somente dos anos 2000, o termo 'fujoshi', que é
usado em sentido análogo ao da palavra 'otaku', porém, associado a mulheres e
jovens que tem a imagem idealizada do homem bonito e forte.
O significado que a palavra 'otaku' teve acabou modificando-se com o passar
do tempo, até que ela se dissociou do seu aspecto negativo, atrelado principalmente
ao fanatismo, ganhando um significado mais estereotipado e humorístico. A mudança
de significado tem relação direta com o desenvolvimento dos animes durante meados
da década de 90 e início do século 21, que pode ser compreendida, tomando-se como
ponto de partida, a teoria da evolução dos fãs de anime proposta por Azuma,
principalmente em uma teoria complexa que o autor chama de 'Database
Consumption'.
Essa teoria baseia-se na ideia de que o mundo pós moderno seria um mundo
onde a 'Grande Narrativa', ou seja, um ideal/visão de mundo única seria substituída
por diversas pequenas narrativas, cada qual detendo uma verdade em relação ao
mundo. Atrelado a essa ideia, está o conceito no qual o autor nomeia de 'Banco de
dados' que seria a fragmentação de uma determinado anime ou mangá, em uma
infinidade de pequenos detalhes, cada qual, por fazer parte do mesmo anime ou
mangá, detém consigo, uma verdade válida em relação a obra como um todo, no que
seria então, um reflexo da pós-modernidade.
A teoria é fomentada principalmente pelo surgimento e popularização dos
meios de comunicação, com destaque a internet, onde a ideia de descentralização é
predominante (não existem centros que controlam os fluxos da internet) e também
pelo surgimento de animes sem 'história' aparente, que retratam o dia a dia dos
personagens sem nenhum conceito ou ideia central. Esses animes e mangás não
seriam atrativos aos fãs pela ideia geral que existe intrínseco ao roteiro, ao contrário
dos animes como Yamato que entravam em sincronia com o mundo e o ideal
imaginado pela sociedade, mas sim pelos seus inúmeros detalhes, principalmente

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ligados aos personagens e aos traços de personalidade atrelados a eles.
O aumento desenfreado do consumo de objetos ligados aos animes e mangas,
que levou até a modificações no espaço de algumas regiões de Tokyo, no que autores
como Morikawa afirmam como a extensão dos 'Quartos' para o espaço urbano –
Onde 'Quartos' seria a representação da imagem e esterótipo do otaku produzido a
partir dos episódios ocorridos em 1989 e 1995, e sua inabilidade em relacionar-se
socialmente e o apego ao material – pode ser visto como um reflexo da condição geral
dos fãs de anime em um contexto muito mais global, do que especificamente
relacionado somente as questões psicológicas do deles. O que explicaria a mudança
do 'consumo' de uma série como um todo para o consumo de suas pequenas partes,
materializadas em objetos (figures, dvds, cds, etc), estaria na base do funcionamento
do sistema pós moderno, proposto por Azuma pois estaríamos consumindo pequenas
realidades, pedaços de um anime ou mangá. De maneira bastante simplificada, esse
sistema, defende que, as pequenas partes de uma série não seriam partes de um
grande vaso quebrado, mas sim, como cada fã observa a série, ou seja, uma infinidade
de pequenos vasos, cada qual tendo para si uma verdade em relação a série, pois se as
séries são desprovidas de um “sentido”, quem criava tal sentido seria o
leitor/espectador. Como cada pessoa possui o seu posicionamento perante o mundo,
os pedaços não seriam partes de um todo, mas pequenos “todos”.
Tratam-se de conceitos complicados, mas o que se observa na realidade é que
para Asuma, um anime (ou mangá) não atrairia pessoas interessadas em uma ideia
presente nele, mas sim, pelo tamanho do 'banco de dados', ou seja, a quantidade de
pessoas que, por exemplo, gostam de personagens de cabelos azuis da série “A” ou da
personalidade marcante de algum personagem da série “B”. O 'banco de dados' seria
uma espécie de 'termômetro' que possibilitaria aos fãs, saberem quais series são boas
ou não, baseadas nos próprios fãs. Os inúmeros objetos vendidos, seriam
representações físicas desse 'alinhamento' por parte dos fãs e ao mercado que se
observa nos bairros ligados a cultura pop no japão, principalmente os que são ligados
aos animes e mangás, é um reflexo dessa teoria.
Como observado por Morikawa no seu estudo sobre o desenvolvimento do
bairro de Akihabara em Tokyo, a sua mudança, principalmente em relação a
quantidade de propagandas relacionadas aos animes e mangas existentes bem como
ao crescimento de lojas destinadas a tal público, seria associado a um esvaziamento

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de uma imagem, associada ao desenvolvimento e riqueza, que levou-o a ser
preenchida por outra, essa, ligada aos fãs de animes e mangas. Associado a isso,
podemos colocar as mudanças propostas por Azuma como sendo o fator propulsor,
da mudança observada no bairro e no aumento de lojas destinadas a vendas de
objetos ligados aos animes e mangás e na construção da imagem de 'bairro otaku' que
é vista até hoje. É interessante notar que o bairro após o final da década de 70, ficou
marginalizado, no que diz respeito ao interesse do capital financeiro, em detrimento
de outras regiões da cidade e que somente voltou a se tornar interessante após a onda
mundial voltada para transformar o espaço da cidade em um grande outdoor, onde
há um interesse crescente pelo turismo comercial (vide figura 5)
O advento das tecnologias, em especial, da internet, propiciou que o fenômeno
observado por Azuma se desenvolvesse para o nível no qual se observa atualmente,
com a intensa fragmentação das séries em pequenos elementos que são consumidos
pelos fãs, mas que ao mesmo tempo trouxe mudanças substanciais ao universo da
cultura pop japonesa de uma maneira geral. Existia antes uma hierarquia clara entre
animes e mangas, que foi criada naturalmente devido a evolução dos dois meios e
também posteriormente pela enorme diferença de custos relacionados a exibição de
um anime que gira em torno dos 300mil dólares por episódio.
(ann.com/feature/2012-03/05), fazendo com que os animes fossem o 'passo seguinte'
no qual somente os mangás mais famosos conseguiriam chegar. Esse era o cenário
que se observava para os animes no período anterior a recessão dos anos 90, onde
havia dinheiro suficiente em circulação para que animes fossem produzidos com
iniciativas provenientes de poucas empresas. Porém, a recessão do final da década de
80 fez com que os custos da produção de animes tivessem que ser divididos entre um
numero muito maior de empresas, criando-se os comitês de produção, que reúnem
diferentes ramos de atuação, tais como estúdios de animação, redes de fast-food,
estúdios responsáveis por trilhas sonoras, pela contratação de dubladores, etc, que
sendo ou não relacionado diretamente as áreas ligadas aos animes e mangás, veem
neles uma possibilidade de lucro através da propaganda, criando-se uma verdadeira
industria do anime. O investimento massivo nas séries retorna exatamente no
consumo dos fãs de anime em produtos diretamente relacionados as séries, tais como
dvds, blu-rays, cds, figures, etc ou de maneira indireta, através de visitas em lugares
mostrados nas séries ou no consumo de produtos indiretamente ligados ao anime em

39
si, mas ao ser mostrado nos shows, acabam por criar um publico consumidor
remetendo-nos novamente a teoria de Azuma e o consumo dos fragmentos dos
animes e mangas
Os animes também deixaram em parte, de representar em forma alegórica o
posicionamento dos fãs em relação ao contexto econômico e social japonês para se
tornarem atividades de alta socialização, que tem relação direta com os estudos de
Azuma. Como, segundo o autor, os animes e mangás passaram a ser vistos a partir
dos seus detalhes, e não pela sua ideia geral, não é estranho pensar que houvesse uma
tentativa (que ocorreu de fato) de classificar todos os animes e mangás e criar
websites especializados na catalogação enciclopédica dos mesmos. Os fãs, dessa
forma, estariam atrás da obtenção de uma quantidade cada vez mais crescente de tais
detalhes, que explicaria a explosão no consumo dos objetos ligados aos animes, bem
como um aumento na troca de informações referentes aos animes, não como forma
de compreendê-los de forma mais ampla, mas sim pelo simples fato de alimentar a
atração por uma característica, um fragmento, de uma série. A qualidade dos animes
e mangas no mundo pós moderno poderia assim, ser medido, não pela qualidade das
histórias, mas por quão grande é o tamanho das trocas de informações em relação as
séries, que pode ser mensurada através da venda de produtos relacionados, ou no
momento atual, observando-se as redes sociais. Não é de se espantar que os fãs
passassem cada vez mais a procurar meios de se inter-relacionarem como forma de
ter um 'feedback' sobre as séries que explica a expansão da quantidade de pessoas
interessadas nessa cultura. O surgimento da internet e de sites especializados em
catalogar animes, distribuir imagens, fóruns de discussão são apenas reflexo do
processo observado no final da década de 80. Esse processo pode ser entendido
olhando-se os estudos de Eng, baseado na evolução dos fãs nos Estados Unidos, onde
ele observa os animes e mangas como sendo uma atividade que baseia-se em uma
combinação de contatos pessoais (offline) e via internet ( online), estudo que já leva
em conta a atual organização dos fãs ao redor dos animes e de como essa
característica foi uma evolução baseada em como os clubes de ficção científica se
organizavam. Lourenço, ao estudar antropologicamente os fãs de animes brasileiros,
destaca que existe uma interação entre as mídias eletrônica (jogos), impressa
(mangás) e cinematográfica (animes) e um produto (no caso uma ideia que gira em
torno de um anime), permitindo uma ampliação e entrecruzamento entre os

40
aficionados e as diversas mídias. A diluição da ideia por detrás de um determinado
anime em meio a uma infinidade de objetos e mídias é uma das características do
atual momento da cultura pop japonesa, no qual os animes fazem parte.
Afirma-se que os animes mudaram parcialmente para o cenário descrito por
Azuma em 'Database Animals' pois com o próprio autor afirma, o seu estudo foi
publicado em 2001, ou seja, o cenário que ele tinha para si era diferente do que se
observa atualmente.. Além disso, o seu estudo é baseado na proliferação de inúmeros
animes estilo 'Slice of Life' – como o próprio nome diz, contam o dia a dia de
personagens, em geral, no ambiente escolar, sem uma aparente trama e geralmente,
são atrativos devido ao aspecto físico dos personagens e não pela história, porém,
nunca foi o único estilo de anime produzido. Existem animes em que há um profundo
estudo da história do Japão a fim de que não houvessem contradições em relação a
fatos ocorridos no passado. Em outros, as relações geopolíticas são colocadas de
forma alegórica, com regiões fictícias representando países do mundo real, o que
exige um grau considerável de interação do autor que idealiza o mangá com a
realidade a sua volta e também, pode representar o posicionamento dele em relação a
ela. Tais mangás e animes são amplamente consumidos, da mesma forma como os
'slice of life' o são. O estudo de Asuma é válido na media em que o seu objeto de
estudo eram os mangás em um período que a grande parte das produções focava-se
somente no aspecto visual e sem com uma trama totalmente desconexa dos
problemas da realidade japonesa. Porém, os mangás nunca foram totalmente
separados da realidade, como um mundo de fantasias (as vezes o são), mas mesmo
quando desconexos, representam de forma indireta as indagações e questionamentos
que o leitor, e em maior escala, o japonês tem sobre a sociedade e mundo em que
vive.
Os animes e mangás tornaram-se fragmentados, perdendo um pouco do
sentido que possuíam devido a condição pós moderna descrita por Asuma. Sofreram
sim, a fragmentação em pequenos pedaços e observa-se um certo esvaziamento de
suas histórias, mas os animes e mangas nunca perderam a essência, ou seja, de ainda
representarem uma alegoria em relação a realidade pelo qual estão imersos. Como o
mundo se tornou um ambiente com múltiplas verdades é natural que os animes e
mangas reflitam esse aspecto, que se observa atualmente na gigantesca variedade de
temáticas presentes neles.

41
Existem tambem, outros aspectos que demonstram que os animes e mangás
não são invólucros vazios voltados somente para o lucro. Houve no ano de 2006 um
fenômeno ao qual deu-se o nome de Haruísmo. Esse fenômeno surgiu a partir de uma
série de nome Suzumia Haruhi no Yuutsu, de gigantesco sucesso em meio aos fãs de
anime, gerando uma onda mundial de discussões em torno do anime. Não eram
porém, discussões em torno do tipo de cabelo da personagem principal, ou sobre o
traço utilizado pelos animadores, mas sim, relacionada a trama e a história
construída ao redor dos personagens. As discussões atingiam patamares psicológicos,
com a análise dos padrões de personalidade dos personagens e de como eles seriam
representações da consciência humana. Dada a identificação dos fãs com os
personagens, a prática do cosplay tambem foi incitada e com ela, haviam as
discussões em fóruns sobre tipos de materiais a serem usados para a confecção das
fantasias ou como incorporar os personagens em uma possível apresentação teatral
em eventos. Essa série resgatava um pouco do que foi Yamato em sua época.
Os exemplos do caráter socializante não terminam. A própria 'entrada' de tais
séries no ocidente é feita por meio dos próprios fãs, pela prática do fansub, no qual
grupo de pessoas se reúnem com o intuito de legendar os animes para que possam ser
compreendidos pela esmagadora maioria das pessoas que não possuem fluência em
japonês. Os próprios fansubbers-como são chamados os fãs que participam
ativamente dessa prática- são alvo de discussões e piadas devido à algum erro de
tradução ou pela qualidade dos vídeos exibidos. Eng em relação aso fãs nos Estados
Unidos, Lourenço ao estudar os fãs brasileiros e Ito são unanimes em apontar a
existência da aspecto social em relação aos animes, dessa forma, os animes nunca
foram reflexo de um indivíduo com dificuldades de relacionar-se socialmente e
tampouco, reunião de pessoas em torno da adoração de objetos, pelo contrario,
levaram a interação muito maior dos fãs em torno de seus hobbies. E isso só ocorre
porque há uma forte identificação do leitor, em relação aos personagens e aos
desafios impostos a ele, pela história muitos deles, são alegorias de algumas
dificuldades que encontramos ao redor do processo de crescimento.
Dessa forma, observamos que os animes surgiram a partir da influencia de
animações estrangeiras, mas que desenvolveram-se de modo bastante peculiar no
Japão, alcançando um estado onde possuem uma relação simbiótica com os mangás,
nos quais foram baseados, e com outros tipos de mídias. O seu desenvolvimento foi

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sempre similar ao dos mangás, principalmente no que diz respeito a sua relação com
o momento, principalmente econômico, no qual o Japão se encontrava. Após a
década de 80, com maiores efeitos nos anos 90, observou-se uma fragmentação dos
animes em dois sentidos: Primeiro, no sentido de parte deles perderem a relação que
tinham com o contexto do país, fazendo-os se tornarem vazios em conteúdo.
Segundo, a fragmentação dos animes, aliado a presença de novas tecnologias,
possibilitou a sua inter-relação com outros tipos de mídias de entretenimento e
comunicação, tais como jogos de videogames, programas de computadores e
principalmente os mangas, além de propiciar meios para que mais fãs interagissem
entre si, tanto devido a reunião em torno das características físicas de personagens,
fruto essa fragmentação, quanto pelas inúmeras temáticas existentes em tantos
outros animes, que se refletiam em práticas, como o do cosplay.

43
A 'viagem' dos Mangás ao ocidente

Animes e Mangás nos Estados Unidos: Salto Cultural

Como visto anteriormente, o surgimento dos mangás e animes no Japão foi


intimamente ligado com a história política e econômica do mesmo. Antes de
estudarmos como esse fenômeno chegou ao Brasil, é necessário entender como ele
conseguiu pular o muro linguístico e cultural do país no qual surgiu bem como
algumas maneiras pelo qual os animes e mangas são vistas pelo ocidente.
Considerando as influencias que a cultura americana teve para a formação dos
mangás no Japão, optou-se por observar o desenvolvimento dos mangás nesse pais
para tentar compreender alguns mecanismos que o fazem ser bem aceito, fora do país
de origem.
Ao fazermos o apanhado do desenvolvimento dos animes e mangás no Japão, é
impossível observar a evolução de tais produtos no ocidente, sem considerar antes o
contexto social, político e econômico no qual o Japão se encontrava. Eng, Ruh,
Lourenço, Lamarre e diversos outros autores apontam de diferentes formas que é
difícil compreender os animes e mangás sem observar seus fãs pois essa forma de
cultura vai muito além de seus produtos físicos, sendo algo que se cria com a
convivência. Todos também apontam que as reuniões de fãs de ficção científica
tiveram um papel muito importante nesse meio principalmente no que diz respeito a
divulgação da cultura japonesa, levando ao surgimento de grandes eventos. Antes de
compreender como os animes e mangás adentraram e se estabeleceram no território
americano, é preciso compreender um pouco de como os clubes de ficção surgiram.
Podemos começar a traçar a origem de tais clubes por volta da década de 20,
quando as primeiras revistas de ficção científica começaram a ser publicadas. Tais
revistas, traziam consigo um espaço de discussão onde leitores, primariamente
adolescentes, devido ao fato de terem seus endereços divulgados, puderam trocar
cartas e informações, criando um círculo de amizades ao redor de um mesmo hobby,
dando origem a pequenos grupos de fãs. Fred Patten, figura central na evolução dos
animes e mangás nos Estados Unidos desde a década de 50, participante de diversas

44
convenções tanto de ficção científica quanto ligada aos animes e pioneiro dos estudos
sobre cultura pop japonesa, diz, sobre o surgimento dos fãs de ficção científica:

“The pioneering science fiction magazine, Amazing Stories, began monthly


publication in April 1926. It printed opinions and criticisms from its readers,
along with their full addresses, in a "Discussions" column. Rejoicing in their
newfound kindred, many early fans, most of high school and college age,
began writing to each other. Within a few years, a group of two or three
hundred of these pen pals around North America and Britain had formed a
loose social association. Some organized more formally. A Science
Correspondence Club was started during 1928, and began publishing a club
magazine, The Comet, in May 1930. By the early 1930s several of the more
literate fans, individually or in collaboration, started their own amateur
magazines in emulation of the professional SF magazines.” (PATTEN, 2013
Los Angeles Science Fantasy Society http://www.lasfsinc.info)7

O surgimento desses fãs não foi simples ato do destino e de forças ocultas.
Durante o final do século XIX e início do século XX, grandes nomes da ficção
científica já tinham diversas obras publicadas. Dentre os grandes nomes, podemos
citar Herbert George Wells, e em momento posterior, John Ronald Reuel Tolkien,
responsável por livros famosos como O Hobbit e O senhor dos anéis, ambos
adaptados recentemente para o cinema. Portanto, observamos que a temática de
ficção científica não era recente na história, e que dessa forma, o surgimento dos fãs
desse tema era apenas um reflexo desse fato. Com o passar do tempo, tais clubes
cresceram em tamanho e importância, levando ao surgimento de eventos, como o
Worldcon (e posteriormente ao conhecido atualmente, Comic Con). Porém, como
subcultura, a ficção científica sempre se mantive por muito tempo as margens da
cultura de massa americana. Seus fãs, similar ao que ocorria com os fãs de anime e
sua designação (otakus) também sofriam dos mesmos preconceitos e críticas, por
parte da sociedade em geral por darem uma posição de destaque aos seus hobbies em
relação as suas vidas, que foi por muito tempo associado a problemas de

7 Tradução: “A pioneira revista de ficção científica, Histórias Fantásticas (Amazing Stories), começou
sua publicação mensal em Abril de 1926. Ela exibia opiniões e críticas dos leitores juntamente com
seus endereços, em uma seção de “Debates”. Alegrando-se com os novos 'semelhantes', os
primeiros fãs, muitos deles colegiais e universitários começaram a trocar correspondências entre si.
Em pouco anos um grupo de cerca de duzentas ou trezentas pessoas entre Norte Americanos e
Britanicos formaram pequenas associações sociais. Algumas organizadas de maneira mais formal.
Um Clube de Correspondência Científica começou em 1928 e passou a publicar uma revista, The
Comic (O Cometa), em Maio de 1930. No início de 1930, muitos outros fãs letrados, de modo
coletivo ou individual, começaram suas próprias revistas amadoras, emulando as publicações SF
(Ficção Científica) profissionais.” (PATTEN, 2013 Los Angeles Science Fantasy Society
http://www.lasfsinc.info)

45
comportamento e de socialização. (AZUMA, 2012)
Foi portanto, sobre tais bases, que os animes e mangás começaram a entrar no
território americano, durante a década de 60 através da figura de Osamu Tezuka e
suas obras famosas como Speed Racer, Astroboy e Kimba the White Lion (que
posteriormente rendeu controvérsias devido a similaridade com O Rei Leão, feito
pelos estúdios Disney).

“Anime made its debut in the United States in early 1960, with titles such as
Astroboy (Tetsuwan Atom), Speed Racer (Mach Go Go Go) and Simba the
While Leaon (Jungle Taitei), capturing the imagination of children (and
adults) who watched the shows with little awareness that they were actually
created in Japan specifically for japanese audiences.” (ENG, 2012 p.159)8

Destacamos, que o fato de tais séries não terem sido imediatamente negadas
pela sociedade americana, decorre do fato de que, os anos 60 foram marcados pelo
período do surgimento de movimentos de contracultura, fomentados pelo contexto
geopolítico dos Estados Unidos. O contexto ideológico da guerra fria e a ameaça
nuclear, a guerra do Vietnã como representante do embate ideológico entre a
potencia capitalista e a potencia comunista, os embates internos em relação aos
direitos humanos, entre outros movimentos, fazia com que a década fosse propícia ao
surgimento de movimentos e ideologias novas e que portanto, fazia com que um
produto estrangeiro não se tornasse tão estranho aos olhos do público. Apesar da
exibição de séries ter começado nos anos 60, foi na década seguinte que ocorreu a
verdadeira aterrissagem dos animes, nos Estados Unidos.
A partir das primeiras séries de animes trazidas, diversas outras adentraram o
ocidente (leiamos, Estados Unidos), porém, sofrendo pesadas modificações por parte
dos produtores das emissoras responsáveis pela exibição delas, levando em momento
posterior a críticas, muitas vezes raivosas de alguns fãs em relação ao fato de estarem
consumindo um produto 'falso'. Porém, como visto, os animes, em especial os que
passaram a ser exibidos no final da década de 70 até a final da década de 80,
surgiram em um contexto específico de crises e mudanças de significado no Japão,
como visto por TSUJI:

8 Tradução: “Os animes estrearam nos Estados Unidos no começo de 1960, com títulos como
Astroboy (Tetsuwan Atom), Speed Racer (Mach Go Go Go) e Simba o Leão Branco (Jungle Taitei),
capturando a imaginação das crianças (e dos adultos) que assistiam a tais séries sem estarem
conscientes de que na realidade elas foram criadas no Japão para a audiência japonesa.” (ENG,
2012 p.159)
46
“The 1973 oil crisis was symbolic of the transition from high economic growth,
which led to the transition from a production-centric society to a
consumption-centric one. In other words, the periodo signaled the advent of
postindustrial society and consumer society.(...) The term “low growth”
indicated a lack of spatial expansion as well as a loss of an expansive
imagination of the future. These changes were tied to the rise of
comtemporary otaku culture and a shift in the culture of imagination as many
otaku shifted their imagination toward unreal objects.” (TSUJI, 2012 p.17) 9

Tsuji, nesse trecho, fomenta de forma breve o contexto específico no qual os


animes da década de 70 se encontravam. A crise do petróleo com o aumento
considerável do preço dos barris, fez com que a principal matéria-prima que move as
indústrias pelo mundo se tornasse extremamente cara e de uma hora para a outra
não era mais possível produzir em larga escala a preços baratos. A produção
industrial se tornava muito cara e a solução encontrada foi investir massivamente nas
campanhas publicitárias e no consumo, como forma de equilibrar as balanças
comerciais. Nesse contexto, para o Japão, significou o término da ideia de
desenvolvimento a partir da produção, pois o aumento do custo dos produtos para a
indústria foi, de certa forma, repassado para a população, fazendo em essência com
que toda a dedicação ao trabalho de décadas anteriores passasse a não surtir tanto
efeito, após a crise do petróleo devido a diminuição do poder de compra. Havia uma
crescente necessidade, de um espaço para que os fãs tivessem 'voz', levando ao
surgimento do Comic Market. Os animes e mangás também se modificavam, no que
diz respeito a quantidade e variedade de histórias, fruto do Comic Market e pela
dilatação do público-alvo dos animes e mangás. A série Gundam (assim como de seu
antecessor, Yamato) é bastante expressiva da especificidade que os animes viviam.
Por ter uma narrativa complexa e pela ausência de cenas de ação, essa série não era
atrativo ao publico mais jovem, mais interessada na forma do que no conteúdo, mas
sim para as pessoas mais velhas, na casa dos 20 aos 30 anos mais interessadas nas
historias e narrativas, do que nos aspectos visuais. Essa foi uma das maneiras que os
animes e mangás se utilizaram para manter-se lucrativos, pois Gundam e outros

9 Tradução: “A crise do petróleo de 1973 foi simbólica na transição de uma economia de forte
crescimento, que levou a transição de uma sociedade focada na produção para uma focada em
consumo. Em outras palavras, o período marcado pelo advento da sociedade pós-industrial e a
sociedade de consumo.(...) O termo “baixo crescimento” indicava a carência da expansão espacial
bem como a perda da imaginação expansiva do futuro. Essas mudanças estavam ligadas ao
crescimento da cultura otaku comtemporanea e a mudança na cultura da imaginação, visto que
muitos otakus focaram sua imaginação em objetos não reais.” (TSUJI, 2012 p.17 In Fandom
Unbound)
47
animes marcavam o começo do fim da era dos grandes animes. Isso era, apenas uma
das inúmeras mudanças pelo qual os animes e mangás passavam e que representava
a desilusão da sociedade como um todo, considerando-se o contexto descrito por
Tsuji.
Assim, considerando que as séries surgidas após a década de 70 eram
diferentes das produzidas na década de 60 principalmente por serem fruto de
mudanças, sobretudo econômicas, que culminaram na mudança de comportamento,
do japonês, não havia a certeza por parte dos produtores americanos, de que as séries
continuariam bem aceitas. Muitas delas foram, dessa forma, pesadamente
modificadas a fim de que se adequassem ao público americano da época.

“Beginning in the late 1970s, American television producers not only adapted
anime for U.S. Broadcast but began changing the shows around to generate
programs that were almost entirely american creations. Such shows took the
source animation as a kind of new material and completely rewrote the
stories to make them something unique for presentation to american
audiences as well as to television audiences around the world.” (RUH, 2010
p.31)10

Esse processo de modificações de séries, ocorria também no Brasil, tendo


como um dos exemplos famosos a série Inu Yasha, que ao ser exibida do canal a cabo
Cartoon Network, teve em uma das cenas que envolviam monstros nus atacando
protagonistas modificada, a fim de que seios e mamilos fossem cobertos, visto que a
nudez quase explícita ia contra a política do canal, que tinha uma programação
voltada ao público infantil.
Em paralelo ao processo de entrada dos animes na TV, ocorria a fundação do
primeiro clube de fãs de animes nos Estados Unidos, o Cartoon Fantasy Organization
(C/FO). Ainda que esse clube tivesse ainda sido fundada não devido a influencia dos
animes, mas devido a ficção científica, ele é considerado por muitos como o primeiro
clube de animes e mangas devido ao fato de exibirem séries japonesas, animes e ser,
pelo próprio fato do ambiente dos fãs de ficção científica propiciar isso, uma maneira
de encontrar pessoas que nutriam dos mesmos gostos devido tanto a dificuldade em

10 Tradução: “Começando no final de 1970, os produtores de televisão americanos não somente


adaptaram os animes para a exibição nos EUA mas começaram a mudar as séries para gerar
programas que quase fossem completamente criações americanas. Esses shows pegavam as
animações originais, como uma espécie de material novo e reescreviam as historias, fazendo-as algo
único para a apresentação as audiências americanas bem como para audiências de televisão ao
redor do mundo.” (RUH, 2010 p.31)
48
se obter séries japonesas para assistir, quanto em encontrar pessoas que moravam
geograficamente distantes uma das outras.
Destaca-se também o papel dos clubes em relação ao desenvolvimento dos
mangás por agirem como os primeiros intermediários no que diz respeito a entrada
de tais produtos, visto que o que era exibido nas emissoras de TV, representava
apenas uma fração pequena da 'indústria' cultural japonesa. Segundo Eng:

“The availability of anime in mainstream retail outlets was still limited, and
clubs enabled fans to pool their resources so that they could see anime that
was too difficult or expensive to acquire on their own. They also allowed fans
to share information with each other. Most important, fandom was still
nascent enough in the United States that finding like-minded fans in one's
hometown could be a challenge. Therefore, college clubs represented the first
opportunity for some fans to make friends with other fans, in person.” (ENG,
2012 p. 162)11

Essa curiosidade por tudo que provinha do Japão tinha motivações também
econômicas. O produto interno bruto per capita japonês durante o intervalo 1970-
1990 teve crescimento muito aproximado ao americano, tendo ambos, um
crescimento aproximado de 0,6%. A termos de comparação, o Brasil no mesmo
período teve variação negativa do PIB per capita de aproximadamente -0,8% com
consideráveis flutuações devido ao período de crises econômicas no qual o país
passou durante a década de 80. A década de 80 em relação a década de 70
demonstrou um aumento considerável no valor total das exportações japonesas, o
que é condizente com a avassaladora entrada de produtos eletrônicos japoneses
observadas nos Estados Unidos e também no Brasil (dados retirados do sitio
www.tradingeconomics.com) o que fomentou a curiosidade ocidental pelo Japão, país
que permanecia incógnito para a grande maioria das pessoas e da cultura de massa
ocidental até meados da década de 80. É claro que esse panorama é extremamente
superficial dado que, valores estatísticos se comportam como uma média,
escondendo grande parte da mecânica por detrás de tais valores, mas busca-se

11 Tradução: “A disponibilidade dos animes nos lojas do varejo ainda era limitada e os clubes
possibilitaram que o fãs partilhasse seu recursos para que [os clubes] pudessem obter animes que
eram muito caros ou muito difíceis de adquirir de forma individual. Eles tambem permitiam que
fãs trocassem informações uns com os outros. Mais importante, o fandom ainda era
suficientemente pequeno nos Estados Unidos que encontrar alguém com a mesma ideologia na
mesma cidade natal era um desafio. Dessa forma, os clubes de faculdades representaram a primeira
oportunidade para alguns fãs de fazerem amizade com outros fãs, pessoalmente.” (ENG, 2012
p.162)
49
demonstrar, mesmo que de forma breve, um pouco do contexto econômico que
permeava os animes e mangás.
A clara entrada de insumos japoneses durante a década de 80 nos Estados
Unidos e o interesse deste pelo Japão, pode ser observada por exemplo nos filmes
hollywoodianos. Uma parcela considerável deles retrata um dos dois aspectos do
país: O tecnológico, desenvolvido e futurista e outro, o país das tradições milenares e
valores sociais rígidos como honra e dever à nação. As séries de animes, exibidas nos
Estados Unidos durante a década de 80, eram basicamente séries que tinham como
pano de fundo o elemento futurista. Sabendo-se do crescente interesse pela imagem
do Japão, algumas empresas resolveram investir no mercado de séries e animações
importando-as para serem exibidas na TV americana, que propiciou um aumento
ainda maior do público americano pela cultura japonesa pois se notou a existência de
um mercado interessado na cultura japonesa.
Nesse momento, repara-se que existem dois movimentos opostos, de um lado
os clubes que em essência buscavam compartilhar animes e séries japonesas e a
mídia televisiva, interessada em mostrar os animes para o grande publico.

“These clubs, in addition to providing a fun and social atmosphere where


fans could watch anime together, played an importan role in educating the
fandom about the diversity of anime beyond what was commercially
available. By doing so, the clubs helped generate demand for varied, high-
quality, unedited, and well translated anime in the United States”. (ENG,
2012 p. 163)12

Nota-se que Eng chama a atenção para a questão da originalidade e


diversidade dos animes e também a relação entre os primeiros fãs de animes surgidos
no final da década de 70 e os fãs da década de 80:

“While the older fans were happy about having any Japanese animation to
watch, and they did not always object to English-dubbed works, newer fans
often thought that the works were best in their original language with as little
tampering as possible. This attitude was probably spurred by poor
translations and adaptations that were not true to the original storylines,
along with a growing appreciation of anime as a uniquely Japanese cultural
product” (ENG, 2012 p. 161)13

12 Tradução: “Esses clubes, além de propiciarem uma atmosfera social divertida onde fãs podiam
assistir animes juntos, tiveram um papel importante em educar os fãs para a diversidade dos
animes para além do que estava disponível comercialmente. Ao fazer isso, os clubes ajudaram a
gerar uma demanda por séries mais variadas, não editadas, de melhor qualidade e tradução nos
Estados Unidos.” (ENG, 2012 p.163)
13 Tradução: “Enquanto fãs mais velhos estavam felizes em assistir quaisquer animações japonesas e
nem sempre se opunham as séries dubladas, os fãs mais novos por diversas vezes achavam que as
50
Constrói-se nesse momento um cenário duplo, no qual por um lado haviam os
fãs de animes, que por terem conhecimento da variedade de séries existentes no
Japão, trazidos aos clubes por meio de contatos e fontes, se colocavam em posição
oposta aos animes exibidos na TV devido ao que muitos fãs, a exemplo do que
ocorreu com a série Nausicãa, que dentre os inúmeros mecanismos utilizados para
adaptar a série ao mercado americano, teve 20 minutos do tempo de exibição
cortado, rendendo inúmeras críticas por parte de fãs que conheciam a série original.
Ruh(2010) afirmava no entanto que a modificação de séries de animes era
normalmente praticada pela industria americana e não era tida como uma
'atrocidade', até o surgimento desse filme.
Porém, Ruh e Eng esquecem-se (ou ao menos não imaginaram nesse
momento) que a mídia televisiva é em essência uma empresa comercial, ou seja, não
é preocupada com a qualidade, mas sim em como fazer com que um produto, no caso
os animes, fossem atrativos a maior quantidade possível de pessoas. Nesse aspecto,
empresas como a Streamline Pictures foram bastante efetivas, como afirma Eng

“One of the earliest anime licensing and distribution companies was


Streamline Pictures, headed by the late Carl Macek, who brought anime to the
masses in the mid-1980 through Robotech, a mashup of three separate and
narratively unrelated anime titles. Streamline had an advantage of being
early to market capitalizing on the fandom's desire to have easy access to
anime.” (ENG, 2012 p.160)14

Tais empresas surgiram sim, a partir de uma demanda crescente por parte dos
fãs por um acesso mais fácil as series, porem o objetivo nunca foi atender aos fãs, mas
sim lucrar a partir de tais séries. Como os clubes de animes tinham um maior
conhecimento sobre essa cultura, devido as constantes trocas de informações e
contatos no Japão, não é de se espantar que o processo de adaptação e 'mutilação' das
séries exibidas na TV por empresas como a Streamline atraíssem a atenção dos fãs
mais 'interados' com o assunto. Esse movimento é similar ao movimento dos eventos
de anime no Brasil, observado por Lourenço(2009), principalmente no que diz
séries eram melhores na sua linguagem original com o mínimo de modificações possível. Essa
atitude foi provavelmente estimulada pelas adaptações e traduções fracas que não eram fiéis as
histórias originais juntamente com o aumento da apreciação do anime como um produto cultural
único.” (ENG, 2012 p.161)
14 Tradução: “Uma das primeiras empresas de licenciamento e distribuição foi a Streamline Pictures,
dirigida por Carl Macek, que trouxe os animes para as massas em meados de 1980 através de
Robotech, uma união de três animes de narrativas diferentes e não relacionados. A Streamline
tinha a vantagem de ser a primeira no mercado a capitalizar os desejos dos fãs em terem acesso
fácil aos animes.” (ENG, 2012 p.160)
51
respeito a uma prática especifica dos fãs de animes, o Cosplay, pois existe em ambos
os casos, um embate entre os que conhecem o meio e os que não conhecem os
processos de formação, a variedade e só enxergam a cultura japonesa imediatamente
disponível.
Essa dualidade porém foi dissolvida durante os anos 90, principalmente
devido ao advento de novas tecnologias de comunicação e pela fragmentação dos
animes e mangas vista por Azuma. Havia uma diferenciação clara nos anos 80 em
relação aos animes, que levou até ao surgimento do termo “Japanimation” para
diferenciá-los das produções americanas mas essa barreira foi gradativamente sendo
rompida. O aumento da importação de animes e mangás no final da década de 80 e
início da de 90, já começava a mostrar sinais de que esse produto cultural japonês
deixava de ser único, para se tornar massificado, fruto das modificações observadas
em relação aos animes e mangás e seu desenvolvimento, após o Comic Market.
Enquanto os fãs no final da década de 80 já podiam obter algumas séries a
partir da locação de vitas de vídeo e em lojas, ainda precisavam frequentar clubes
para que pudessem ter acesso a séries de temáticas diferentes das que eram
vendidas. Havia ainda, a questão da qualidade das séries que vinham sendo trazidas
pois “Streamline and other early anime-distribution companies developed a reputation for
releasing only the most provocatively violent or sexually explicit anime,which fan thought
hurt the reputation of anime in the United States” (ENG, 2012 p.161). Porém, o papel dos
clubes se dissolvia cada vez mais, e o papel das tecnologias aumentava, de maneira
inversamente proporcional. Enquanto que, para os primeiros fãs surgidos na década
de 70 e os da década de 80 que apesar de terem muito mais contato com os produtos
japoneses devido a TV e importações, ainda precisavam do contato pessoal para obter
séries melhores, os fãs da década de 90 já não possuíam essa necessidade, devido ao
advento da internet como principal meio de comunicação em massa. Não era mais
necessário frequentar clubes e encontros a fim de obter informações sobre séries
novas, pois esses 'dados' eram cada vez mais disponibilizados ao público.

“The rise of the web in the 2000s and more accessible means of self-
publishing offered new ways for fans to express themselves to ohter fans, and
this communication has continued to evolve in tandem with changing
technical capabilities. With improved bandwidth and sophisticated
compression algorithms, anime itself could be distributed online, and anime
fans were some of the earliest, most prolific, and most sofisticated video-file

52
sharers on the Internet” (ENG, 2012 p.165)15

Uma outra consequência causada pelo advento da internet é que, devido as


facilidades de obtenção de informações sobre animes, os fãs passavam a ter um maior
contato com as séries e com tudo que se encontrava a sua volta (atores, musicas, etc)
e por consequência direta, passavam a conhecer maiores detalhes sobre as séries. A
informação, agora facilmente obtida se tornava banalizada e dessa forma, os clubes
começavam a perder o propósito de serem pontos de encontro para fãs de animes. O
advento dos eventos de animes no início da década de 90 foi significativo ao mostrar
que essa cultura começava a se generalizar. Apesar dos eventos americanos e
brasileiros (após o Anime Friends), serem realizados “de fãs para fãs” percebe-se na
sua evolução que houve uma troca gradual, entre a divulgação e a confraternização
pela ideia de venda e do 'marketing'. Esse efeito é apenas um desdobramento da
própria evolução dos animes e mangás no Japão, que sofreram um processo gradual
de esvaziamento e substituição por fragmentos de realidades.
Porém, alem dos efeitos da massificação da informação sem a construção de
um sentido, que fez com que os animes passassem a ser um produto cultural japonês
único para se tornarem cada vez mais, produtos de massa, em um processo
semelhante aos cosplays, que deixaram de representar a produto de um processo pra
se tornar um simples produto, houve o rompimento total da barreira posta aos
animes e mangás como produtos japoneses. Se antes, o termo japanimation era
usado com relativa frequência, atualmente, utilizar-se de termos que evidenciam essa
'separação' frequentemente causa risos e estranhezas pois a realidade claramente
mudava, o anime passou a ser visto, com mais naturalidade por parte dos fãs mais
modernos, embora essa aceitação seja muito mais associada a um consumismo
desenfreado de produtos e 'figures' ligados aos animes, do que pelas próprias series.
Pode-se afirmar que, os animes e mangás passaram a ter uma aceitação maior pelo
ocidente quando estes sofreram a ultima modificação, observada em 1995 no Japão,
quando ocorreu a ultima 'mudança' de sentido dos animes e mangás e a sua
transformação total em produto e 'marca', destituindo-se quase que a totalidade de
15 Tradução: “O surgimento da web nos anos 2000 e meios mais acessíveis para a publicação de
conteúdo pessoal ofereceu novas maneiras para os fãs se expressarem para outros fãs e essa
maneira de se comunicar continuou a se desenvolver em tandem com mudanças nas capacidades
técnicas. Com maior largura de banda e algorítimos de compressão sofisticados, os animes podiam
ser distribuídos online e seus fãs se tornaram um dos primeiros, mais produtivos e mais
sofisticados compartilhadores de vídeos na Internet.” (ENG, 2012 p.165)
53
seu sentido.
Esse fenômeno não é exclusivo do público norte-americano, mas trata-se de
um fenômeno em escala global. Se antes, séries como Macross, Yamato, Cavaleiros do
Zodíaco eram marcantes como animes 'do Japão' no ocidente, atualmente é difícil
citar séries realmente marcantes devido a enorme quantidade de séries e mangás que
chegam, tanto por meios oficiais quanto pelos meios não oficiais, via
fansub/scanlation. Essas práticas merecem atenção, pois a sua lógica resume como
os animes e mangás se colocam perante o 'ocidente'. O fansub, ou fan-subtitles (e
posteriormente scanlation) teve origens nos encontros de fãs de animes da década de
80 e início da de 90 e tinha como objetivo, colocar legendas em episódios de animes e
de séries de Tv japonesas para que os fãs compreendessem melhor a história, dado
que pouquíssimas pessoas eram fluentes em japonês. Além disso, os grupos
procuravam priorizar a divulgação os animes em meio as reuniões de fãs pois ao
exibir uma única fita (pirateada) para um grupo de pessoas, acreditava-se que a
prática não seria prejudicial a industria do anime pois uma quantidade relativamente
pequena de fitas circularia em meio aos fãs.

“While individuals could request and obtain fansubs in the mail, anime clubs
were often given priority when it came to getting fansubs first. Fans believed
that, when circulated via clubs, fansubs helped educate people about anime
but did not harm the industry because only a few people owned them. A
single fansub could benefit an entire club of twenty to one hundred
members, as opposed to every one of those members owning a bootleg tape.”
(ENG, 2012 p. 162)16
Porém, a evolução da internet e dos computadores propiciou que a prática do
fansub ganhasse proporções gigantescas, fazendo com que um único episódio fosse
distribuído por milhões de pessoas ao redor do mundo através de tecnologias de
compartilhamento de arquivos, como o Torrent e por servidores IRC (Internet Relay
Chat). Os grupos de fansubs obtém os episódios a partir de contatos no Japão ou em
países próximos que possuem acesso aos canais nos quais os animes são exibidos. A
partir da gravação do programa, é feita a conversão para formatos digitais, a edição
(com inserção de legendas) e depois, distribuída pelos meios descritos anteriormente.

16 Tradução: “Mesmo que fansubs podiam ser requisitados e obtidos individualmente via serviço
postal, a prioridade na obtenção era sempre dos clubes de animes. Os fãs acreditavam que, quando
circulavam entre os clubes, os fansubs ajudavam a educar as pessoas sobre os animes sem
prejudicar a indústria, pois somente poucas pessoas tinham a sua posse. Um único fansub podia
beneficiar um clube inteiro de vinte a cem membros, ao invés de cada um deles possuir um bootleg
(gravação amadora, de distribuição não-autorizada).” (ENG, 2012 p.162)
54
Ito separa o fansub em dois momentos distintos. O primeiro, que tambem foi
citado por Eng, no qual havia a necessidade de uma maior divulgação dos animes no
ocidente, então, as práticas (e a 'ética') dos fansubs eram voltados para esse fim:

“It was during this period that fansubbers established ethical guidelines that
signaled their support of the industry and their noncompetitive intent. They
defined their work as strictly noncommercial, and they would stop
fansubbing and distribution as soon as a series was licensed for the U.S.
Market. Fansubbers justified their work as an effort to build and test an
audience for new series in the United States to encourage commercial release
outside Japan” (ITO, 2012 p.184)17

E o segundo momento, no qual a prática ganha uma escala muito maior, quase fabril,
onde todos possuem uma função (tradutor, controle de qualidade, tipografo, etc),
obedecem prazos e turnos de 'trabalho' em um rítimo frenético para lançar um
determinado episódio.

“This collaborative and high-pressure work situation requires effective


coordination and management and also leads to tensions and politics
between groups. A few of the fansubbers I spoke to had founded their own
groups or were part of the founding of groups. They described how groups
were started with a spirit of fun and experimentation, gradually developing
into more formally organized work teams.” (ITO, 2012 p.186)18
Ito, e parte de contato que tive com esse meio, permitem afirmar que, para os
grupos, em específico, existe um embate entre os que defendem a indústria dos
animes e os que acham a prática prejudicial visto que muitos fansubs não se
importam realmente com os animes e os tratam apenas como um meio para
evidenciar o seu engajamento com esse universo, mantendo os episódios 'piratas'
disponíveis, mesmo após o lançamento oficial deles, em DVDs e Blu-Rays no
ocidente. Outros, já acreditam que a prática ajuda a divulgar os animes, visto que tal
produto ainda não é visto com o respeito por parte do público em geral. Acredita-se
que os fansubbers atuais tem um papel muito mais positivo que negativo nesse

17 Tradução: “Foi durante esse período que os fansubbers estabeleceram orientações éticas que
assinalavam o suporte a industria e a sua intenção em não competir. Eles definiram seus trabalhos
como estritamente não comercial e eles cessariam a legendagem e a distribuição assim que as séries
fossem licenciadas no mercado norte americano. Os fansubbers justificavam seus trabalhos como
um esforço para construir e testar uma audiência para novas séries nos Estados Unidos para
encorajar o lançamento comercial fora do Japão” (ITO, 2012 p.184)
18 Tradução: “Esse ambiente de trabalho colaborativo e de alto extresse necessitava de coordenação e
administração efetivos, que tambem levava a tensões e políticas entre os grupos. Alguns dos
fansubbers com quem conversei haviam fundado seus próprios grupos ou foram parte de grupos
florescentes. Eles descreveram como os grupos começaram com um ambiente divertido, de
experimentação e gradualmente se desenvolveram em times de trabalho mais formalmente
organizados.” (ITO, 2012 p.186)
55
cenário, considerando-se a evolução dos eventos de animes e da própria indústria
ocidental em relação as séries.
As séries de animes, apesar de ainda serem claramente produções japonesas,
já começam a demonstrar sinais de que o seu público-alvo não é somente o fã
japonês, através da inserção de diálogos em inglês, representação de estereótipos
estrangeiros (o afro-americano, a garota britânica loira e rica) ou pela própria
propaganda de franquias estrangeiras (Speedo, KFC, PizzaHut). Esse processo, de
tornar os animes um meio de propaganda é parte da maneira no qual os estúdios de
animação se utilizaram, para conseguir arcar com os custos (gigantescos) de
produção dos animes, e garantir verbas para a produção, porém, nota-se através de
alguns detalhes que a industria de animes japonesa já vem há algum tempo
percebendo que existe um grupo considerável de fãs de animes fora do Japão que
somente conheceram os animes e mangás através dos fansubbers e que, através disso,
passaram a movimentar diretamente a indústria japonesa ligada a tais produtos,
incluindo o turismo ao Japão.
O próprio mercado ocidental de animes e mangás se beneficiou com o
processo, algumas distribuidoras japonesas montaram escritórios nos Estados
Unidos para que algumas séries chegassem com mais rapidez. Além disso, os
fansubbers funcionam como um termômetro para a indústria ocidental, de forma que
o feedback dos fãs mais ávidos – aqueles que assistem os animes assim que um grupo
fansubber lança um determinado episódio via internet – que expressam as
frustrações ou as euforias em relação a um determinado episódio, funcionem como
uma pesquisa de opinião para que a industria ocidental saiba, quais séries devem ser
licenciadas para distribuição e quais não seriam tão lucrativas para esse fim. O
contato direto com esse público, permite dar uma certa credibilidade no que foi
afirmado. O lançamento de um episódio de uma série mais bem 'aceita' inicia uma
cadeia de reações nas redes sociais. Durante a exibição de uma série, comentários
sobre cenas, screenshots (“fotos” digitais de cenas do episódio em si) e reações das
mais diversas ocorrem entre os fãs que, nada mais é do que um reflexo da condição
dos fãs vista por Azuma, que é o consumo dos 'detalhes' das séries. Isso é evidenciado
pela quantidade de comentários relacionados aos personagens presentes nos animes
tal como ('Essa cena da personagem X foi hilária') e pelo compartilhamento de
imagens que evidenciam cenas específicas, remetendo-nos ao fato de que os animes

56
não são vistos pela sua totalidade, mas sim pelos seus fragmentos.
A partir da exibição dos animes, começa a se ponderar sobre a possível
fabricação de figures e ao lançamento de dvds/blu-rays, que são comprados logo
assim que lançados, pelos mais aficionados. Se o anime faz alusão a algum produto,
este passa a ser procurado por fazer referencia a série e o mercado fonográfico segue
a tendencia, vendendo cds de músicas relativas a série e até alavancando a carreira de
alguns grupos musicais. Os eventos de animes se tornam locais onde todas as práticas
se entrelaçam, pois é possível comprar produtos relacionados as séries, assistir a
shows de cantores e dubladores de animes e tambem, 'socializar-se' através de
algumas práticas.
Observou-se que os mangás e animes surgiram de forma muito tímida no
ocidente, seguindo-se na 'rabiola' dos grupos de ficção científica. Os pequenos
espaços dos clubes universitários no qual muito dos primeiros fãs se reuniam e para
muitos, o único local no qual podiam trocar informações, socializar e assistir animes
acabou por dar vez a um fenômeno de caráter mais global e mercantilizado. Se antes
era possível contar quantos dos clubes se dedicavam a distribuir os animes, agora é
impossível observar os fãs de animes sem pensarmos na em conceitos como escala,
distribuição e nem tampouco considerar os aspectos econômicos envolvidos. Não se
trata mais, de considerar os animes e mangás como se fossem um produto exótico,
assistido em pequenas salas de exibição, mas sim, de um produto cultural, ainda
japonês, mas que modifica e é modificado pelo público que o assiste, em uma relação
simbiótica. Romperam-se as barreiras e entraves culturais, em nome da maior
circulação de informação e consequentemente do dinheiro.

Animes e Mangás no Brasil

Como visto no capítulo 2, os mangás e animes, a partir do seu surgimento no


Japão, conseguiram romper as especificidades do meio e da sociedade que o
produziram para tornar-se um objeto de exportação, fato esse que foi atrelado
inicialmente aos animes e o poder de atração, que a Televisão ganhava no início da
década de 60 e também, no caso específico dos Estados Unidos, houve uma sintonia
entre as atividades realizadas pelos clubes de ficção científica e o que os animes, por
57
serem diferentes e novos, representavam para tais grupos. A partir de um
determinado momento, os animes e mangas começaram a entrar de forma constante
no país, criando um publico voltado especificamente para essas produções, observado
atualmente na realização de inúmeros eventos.
O Brasil teve algumas similaridades em relação aos Estados Unidos quanto a
evolução dos animes e mangás, mas teve peculiaridades interessantes como veremos
a seguir. Dessa forma, como ponto de partida, podemos considerar como geógrafos, o
início da imigração japonesa ao país como o primeiro contato dos mangás em terras
brasileiras e portanto a entrada física deles como o marco da entrada de tais
produções no país. Deixando-se possíveis críticas a esse paragrafo de lado, o que se
busca mostrar com a breve piada é que, até mesmo no caso brasileiro, os mangas
refletiam de alguma forma a realidade pelo qual, os japoneses passavam., nesse caso,
não pelas histórias em si e sua relação com o contexto social e econômico, como visto
nos capítulos anteriores, mas no que os mangás representavam em relação ao país de
origem, no contexto específico da época.
Sabe-se que a imigração japonesa ao Brasil teve como origens as mudanças,
sobretudo políticas e econômicas ocorridas no Japão, principalmente após a
Revolução Meiji, que mudou o modo como o país se portava perante o mundo,
passando para uma postura imperialista e agressiva e também, através da adoção
deveras forçada, da cultura focada no desenvolvimento, na tecnologia e na busca do
novo. A migração Japonesa, ao contrário de outros movimentos migratórios que
ocorreram em direção ao Brasil, de fundo econômico, pautada na piora exponencial
das condições de vida ou de guerra nos países de origem, ocorria simplesmente
devido a busca por novas oportunidades de enriquecimento, movida pelo ideal de
desenvolvimento.
Durante os primeiros trinta anos do século XX, assim como ocorria com em
outros países, houve uma entrada considerável de imigrantes japoneses que vinham
ao Brasil com as esperança de enriquecerem e, para o país, como uma forma de mão
de obra barata. A partir dos anos 30, houve uma maior valorização de tudo o que era
nacional e dessa forma, as migrações estrangeiras para o país sofreram severas
restrições. Esse fato coincide com o azedamento das relações diplomáticas japonesas
em relação a outros países, principalmente devido a política expansionista adotada
pelo país durante o início do século e a anexação de diversos territórios na Ásia e na

58
Oceania. Cada vez mais nações, principalmente os Estados Unidos, maior receptor de
imigrantes asiáticos durante o início do século, fechavam as portas para os japoneses,
o Brasil continuava a recebê-los de forma amistosa, decorrente do fato de existir,
como ainda hoje ocorre de forma mais ou menos similar em relação aos novos fãs de
animes (Lourenço, 2009), uma imagem exótica ligada ao Japão que em nada
correspondia com a realidade vivida.
Dessa forma, os imigrantes chegaram ao Brasil, frutos de duas visões opostas,
porém complementares: para enriquecer através do trabalho, e pela ideia fantasiosa
de que os japoneses iriam realmente enriquecer e retornar ao Japão, trabalhando nas
lavouras de café brasileiras. Essa ilusão dentre os imigrantes de retorno rápido ao
país de origem fez com que não houvesse a preocupação com a compreensão da
língua e costumes brasileiros, caracterizando-se na sua reclusão em relação ao Brasil
e a formação de colônias japonesas, principalmente no interior paulista. Essa
característica se tornaria mais forte durante os anos precedentes à segunda guerra,
devido ao fortalecimento do governo militar e ao alinhamento dele ao governo dos
Estados Unidos.
Durante a segunda guerra, principalmente porque os imigrantes não eram
fugitivos, ou pessoas procurando novas oportunidades, fugindo de condições
precárias de sobrevivência, mas sim, eram teoricamente cidadãos do império japonês,
o mesmo império que alinhado ao Reich alemão e ao fascismo italiano. Assim, o
aumento do isolacionismo dos japoneses em relação ao Brasil durante a Segunda
Guerra, fez com que os imigrantes que aqui viviam se fechassem em colônias
localizadas principalmente no estado de São Paulo e Paraná. Além do fechamento
físico, não podemos deixar de considerar o isolamento cultural, que fez com que
muitas das tradições permanecessem inalteradas por alguns anos, até décadas. O
isolamento só começou a ser rompido, a partir do momento em que os japoneses,
dando conta da impossibilidade de retorno ao Japão, começaram a investir
pesadamente na educação de seus descendentes, como forma de conseguir, no
território que lhes apresentava como hostil, uma possibilidade de prosperidade social
e financeira. Ao perceberem que a prosperidade não era tão longínqua, e que a
inserção social se tornava uma realidade, Lourenço destaca como os mangás,
diferentemente dos quadrinhos, vistos por muito tempo como uma expressão de arte
menor, excetuando-se a figura de Maurício de Souza, eram lidos nas comunidades

59
nipônicas, que as encaravam como uma forma de expressão da realidade vivida por
eles, através de histórias como o do Salary-man ou que evocavam o futuro e o
desenvolvimento. Não se trata de algo surreal, basta lembrarmos que os mangás
produzidos no pós guerra representavam tanto a explosão criativa, devido ao período
de censura quando pelo movimento de reconstrução, em um período de extrema
pobreza.
Baseado em relatos e algumas entrevistas com familiares de quem vos escreve
esse trabalho, diz-se que as pessoas entrevistadas por Lourenço na elaboração de seu
doutorado viveram ou passaram parte de sua infância em comunidades ou fazendas,
no interior do Estado de São Paulo, por volta da década de 50 e que os mangás foram
consumidos por eles quando jovens, portanto, considera-se que esse tipo de produção
adentrou o território brasileiro por volta dos anos 50, principalmente devido aos
imigrantes e o contato que alguns deles conseguiram manter, no país de origem. É
interessante notar que, o modo como os primeiros japoneses imigrantes e os
primeiros descendentes nascidos no Brasil, mesmo tão distantes de seu país de
origem e já imersos, mesmo que parcialmente na cultura brasileira, viam o mangá era
muito similar a forma que os japoneses viam esse tipo de produção: Como uma forma
de arte que refletia nas suas histórias, a realidade do mundo a sua volta, característica
marcante dos mangás até mesmo depois da suas inúmeras re-significações.
O mangá, porém, permaneceu durante um tempo considerável restrito a
comunidade nipônica e aos que tinham contatos mais próximos com os japoneses
dessas comunidades, visto que esse produto cultural foi produzido em meio a um
contexto muito específico e totalmente diferente do que a realidade brasileira se
apresentava, onde os quadrinhos nunca fizeram parte como um material de cultura
respeitado por serem voltados historicamente as crianças, fato que que viria a
“dificultar a percepção do mangá como um produto cultura destinada a todas as
faixas etárias, inclusive adultos” (Lourenço, 2009).
Apesar da entrada dos mangás no Brasil nos remeter aos anos 40 e 50,
demorou-se outros cinquenta anos, para que finalmente ganhassem reconhecimento
por parte do público brasileiro. Parte disso, decorre do fato dos quadrinhos,
historicamente serem vistos como uma forma de arte menor voltada para o público
jovem e sem quaisquer preocupações ou cargas culturais, que é uma falsa verdade
visto que muitos dos quadrinhos surgiram em contextos sócio-culturais específicos, a

60
exemplo do personagem 'Zé Carioca', que é versão caricata do brasileiro criada por
Walt Disney, em um contexto onde procurava-se estreitar as relações diplomáticas
entre Brasil e Estados Unidos, no contexto da Segunda Guerra.
Porém, o mercado de quadrinhos no Brasil não dependia somente de
produções estrangeiras e adaptações delas, pois assim como no Japão, tínhamos o
nosso “Osamu Tezuka” nacional, o desenhista Maurício de Souza. É desnecessário
dizer que ele é, atualmente, o maior nome que temos em questão de quadrinhos
nacionais e a unanimidade das pessoas já ao menos passou os olhos pelos quadrinhos
da 'Turma da Mônica' e de personagens caricatos como Magali, Cebolinha e Cascão. A
boa aceitação de seus gibis não decorre de técnicas de marketing e na produção de
uma ideia em volta de um produto, mas sim de fatores que,como veremos a seguir,
tem ligação íntima com os mangás.
Maurício viveu a infância próximo a colônias japonesas de Mogi-das-Cruzes,
tendo um contato muito próximo com a cultura japonesa e com as especificidades
dela, principalmente no que diz respeito a importância que os imigrantes davam aos
estudos, nas palavras de Maurício “Na parte da filosofia oriental, contamos com o
rigor da Alice (sua esposa) na orientação e na condução da educação dos nossos
filhos. E todo mundo tem boas notas por causa disso”
(www.japao100.com.br/perfil/424), onde nota-se que houve mesmo em terras
longínquas (o Brasil), a influência do período de florescimento dos mangás do pós-
guerra pois os mesmos, pela evocação de seus temas entre os leitores, entravam em
sintonia com o momento vivido pelos imigrantes japoneses, principalmente durante o
período da Segunda Guerra e repressão por parte do governo brasileiro, em relação
aos japoneses. Portanto, Maurício de Souza conviveu de perto com a realidade pelo
qual as colônias passavam e a relação íntima que tinham com os mangás, esses, tanto
por representarem parte da cultura no qual muitos se sentiam 'arrancados', quanto
pelo sentido de superação, que representavam aos imigrantes, de onde vem grande
parte da sua influência ao criar os quadrinhos da Turma da Mônica. É interessante
notar que grande parte dos blogs e reportagens mencionam a importância (até
incontestável) que o desenhista teve, no sentido de criar um mercado editorial
voltado para os quadrinhos no Brasil, mas a grande maioria esquece-se de outro
fator: a enorme influência que os mangás tiveram em Maurício de Souza na criação
de seus gibis.

61
Ao observar o desenho, por exemplo, da personagem 'Mônica', percebemos
diversas similaridades com os traços dos mangás. São personagens com rostos
extremamente expressivos, com especial atenção aos olhos grandes, com cores
vívidas porém limpas e sem excessivos diálogos. É nas palavras de Maurício, o 'traço
limpo, que Tezuka possuía' (www.japao100.com.br/perfil/424). Além disso, o maior
destaque, que aproxima as obras de Maurício com os mangás é a simplicidade de suas
histórias, sem se tornarem totalmente vazias, mas que refletiam de alguma forma, a
realidade no qual a criança brasileira estava inserida. Todos os personagens, refletem
em maior ou menor grau, cenas do cotidiano brasileiro: Mônica e as crianças
briguentas, as dificuldades de dicção de algumas crianças com Cebolinha, a 'preguiça'
do banho, representada por Cascão, entre outros que são recortes alegóricos da
realidade das crianças brasileiras. Os quadrinhos de Maurício evoluíram, com a
inclusão de diversos outros personagens tais como Xaveco, Hiro, Penadinho que
representam ainda mais a influencia que os mangás tiveram nas obras do desenhista.
E antes que entremos em falácias ou suposições, Maurício afirma que foi “amigo
pessoal de Tezuka e que trocaram muitas ideias, no que diz respeito aos quadrinhos”
(www.japao100.com.br/perfil/424), reiterando a influencia que este, teve na
construção de seus gibis.
A grande influência que o desenhista brasileiro teve para o mercado nacional
de quadrinhos, é irrefutável, porém é interessante notar que suas obras plantaram as
primeiras sementes, no que diz respeito a formação do público brasileiro leitor de
mangás, que surgiria no final dos anos 90. Havia porém, um movimento paralelo (e
complementar) no que diz respeito a evolução dos mangás e animes no Brasil, tratada
por Lourenço e que tem ligação, também, com os imigrantes japoneses: O surgimento
e evolução das editoras de mangás nacionais. Muito do corpo editorial de tais editoras
era formada por imigrantes que sempre tiveram muito contato com os mangás. A
fundação da ADESP (Associação de Desenhistas de São Paulo) em 1959 serviu como
um ponto central para o surgimento de quadrinhos nacionais e abria portas também,
para a produção nacional de mangás. Lourenço faz um apanhado de como grande
parte das pessoas envolvidas na criação de diversas editoras, tais como a Edrel,
responsáveis pela produção de alguns mangás nacionais tinha grande envolvimento
com os mangás, não somente por serem um objeto de consumo, mas tambem pelo
que eles representavam. Muitos deles, à exemplo de Minami Keizi, fixaram-se no

62
bairro da Liberdade, próxima ao Glicério, destacando as condições precárias nos
quais a região se encontrava, mas como o bairro foi um ponto central na cidade, onde
diversos desenhistas tinham a possibilidade de trocar ideias e informações.
Além disso, a editora Edrel fundada por Minami Keizi viveu de perto os anos
60 e 70 de repressão ideológica do período da Ditadura Militar e os temas polêmicos
e de conteúdo predominantemente adulto de algumas de suas produções tais como o
incesto, iam de encontro à censura. Sem entrarmos no mérito pessoal ou ideológico
dos temas, percebe-se nesse momento, novamente, a representação dos mangás em
relação a realidade vivida, nesse caso, a violência da repressão ideológica que tinham
como força de resistência, essas produções. Eventualmente a editora acabou por
ceder as pressões governamentais, fechando em 1972, porém já deixando, assim
como Maurício de Souza, sementes plantadas para o florescimento de uma geração
posterior, igualmente interessada em mangás, mas inserida de forma mais ampla à
sociedade brasileira.
A partir do início da década de 80 começa a se delinear as bases para o que
seria o fenômeno dos animes e mangas, observado nos anos 2000, com destaque
para a Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações (ABRADEMI). A
origem dela remonta ao ano de 1979, com a figura de Francisco Noriyuki Sato que
editava um jornal voltado para a comunidade jovem de descendentes de japoneses
em São Paulo. O publicitário, em uma das inúmeras visitas ao Bunkyo (Sociedade
Brasileira de Cultura Japonesa) no bairro da Liberdade percebeu a falta de uma
quantidade maior de atividades voltadas a esse público. Nesse momento, Sato propôs
a realização de uma exposição de quadrinhos no próprio Bunkyo, convidando
diversos nomes como Paulo Fukue que participou da editora Edrel e a professora
Sonia Maria Bibe Luyten, que tinha fundado há pouco tempo, um grupo de estudos
de mangá, na Universidade de São Paulo. Essa exposição ganhou um certo destaque
da mídia impressa, atraindo um grupo considerável de pessoas para a época. Foram
realizadas algumas exposições nos anos seguintes, abrindo espaço para que mais
pessoas amadoras fossem descobertas como talentos, mas como característico do
país, as questões financeiras imediatas se opuseram a iniciativa. A exposição marcada
para ocorrer em 1983 foi cancelada pois aos olhos da gerência responsavel pelas
questões de locação, as pessoas responsáveis pela exposição não “pagavam aluguel”
pelo uso do espaço, que se apresentava como absurdo, dado o contexto de

63
desenvolvimento dos mangás no Brasil. (www.abrademi.com – Francisco Noriyuki
Sato) Percebe-se nesse momento como as políticas urbanas da cidade se faziam
perceber, pois a cidade foi “..construída sob os fundamentos da terra como
mercadoria fundamental na reprodução social” (SUZUKI, J.C. In Geografias de São
Paulo), demonstrando como no país, as condições de vivência e sobrevivência do
homem se tornam mercadorias e de como existe a troca de importância, entre bem
estar social e o capital financeiro.
A partir do embate, foram realizadas algumas reuniões que levaram a
formação da ABRADEMI, como uma entidade que tinha como objetivo divulgar o
mangá e os quadrinhos, na realização de palestras, cursos e outras atividades
pertinentes a área (www.abrademi.com – Francisco Noriyuki Sato). É interessante
notar que a associação, teve um papel extremamente similar com o observado no
Comic Market no Japão na década anterior, no que diz respeito principalmente a
construção de um espaço que fosse contrário as realidades que se apresentavam ao
redor deles, no caso japonês em relação a liberdade de expressão e a hierarquização
do mangá, e no caso brasileiro, devido a total falta de importância que era dado a essa
cultura, bem como a importância que o capital empresarial tinha, visto que no
momento do embate, o espaço foi cedido a Yakult, empresa do ramo alimentício. É
claro que esse é somente um exemplo, 'a ponta da ponta do iceberg' de um
movimento que sempre foi característico da cidade, onde o espaço como meio de
sobrevivência se tornava objeto de trocas. Apesar das semelhanças, existem algumas
diferenças, específicas ao contexto brasileiro, principalmente a preocupação que a
Associação tinha no que diz respeito a sua sustentação financeira, fato que não
ocorria com o Comic Market de forma direta.
Assim, as bases para a entrada definitiva dos mangás e sua popularização se
formavam, por um lado através de Maurício de Souza e os gibis da Turma da Mônica,
que formavam um público que acostumava-se aos poucos com a linguagem dos
mangás e por outro com iniciativas como as da ABRADEMI que buscava divulgar os
quadrinhos e os mangás como uma forma de cultura, voltada principalmente para os
jovens em um contexto onde, apesar de existirem diversas produções nacionais
voltadas os jovens, não havia o caráter, pelo qual muitos se identificaram, de
construção/socialização que não havia no Brasil.
A partir do final da década de 80 e início da de 90, alguns dos processos que

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levaram a popularização dos animes e mangás são similares aos observados nos
Estados Unidos. Em ambos os países, ocorreu a formação, por processos diferentes,
de um público cada vez mais interessado na linguagem que o mangá oferecia,
principalmente pela seu “...forte elo entre o real e o imaginário popular”, criado
pelos autores e que “...serve como ponto de discussão do próprio posicionamento da
sociedade e da cultura de um povo” (BARBOSA, A. 2005). Além disso, em ambos os
países, a TV teve um papel importante no que diz respeito a divulgação dos animes e
mangás.
No caso brasileiro, assim como no americano, as primeiras séries japonesas
chegaram por volta da década de 60, porém com efeitos diferentes. Os anos 60 eram
caracterizados como sendo os anos 'dourados', onde havia um boom da venda de
aparelhos de TV devido aos inúmeros acontecimentos que ocorriam na época, tais
como o programa espacial Apollo e ao surgimento de séries como Guerra nas Estrelas
e Jornada nas Estrelas, que alimentavam o desejo pela compra do aparelho nos
Estados Unidos e no Japão, pois ambos os países passavam por um período de
relativa prosperidade econômica. Porém, ao contrário do que ocorria em tais países, a
TV era um artigo muito luxuoso e seu acesso era extremamente restrito no Brasil.
Portanto, apesar de séries como National Kid serem exibidas desde os anos 60, o
conhecimento delas pela esmagadora maioria dos brasileiros era quase nula dada as
condições econômicas do país.(LOURENÇO, 2009) Além disso, o país se encontrava
a beira do seu período mais negro, a ditadura militar que pelo seu caráter repressor,
evitava quaisquer formas de expressão mais livres, fazendo com que parte do poder
de criação, principalmente da música e das artes fosse voltado para a oposição ao
regime, como é possível notar em diversas letras da Jovem Guarda.
Os animes só começaram a aparecer de forma mais constante no Brasil a partir
da década de 80. A TV deixava de ser um artigo de luxo para se tornar artigo cada vez
mais comum nos lares dos brasileiros, porém não necessariamente significando a
melhora econômica visto que o PIB brasileiro sofreu uma queda brusca de 7,1% até
1983, e um crescimento modesto de 5.9% até 1987 (FRANCESCONI,2004), além das
taxas de inflação de mais de dois dígitos, demonstrando que o momento econômico
era um tanto quanto preocupante, apesar de haver um crescimento na década
anterior. A popularização das Tvs no Brasil, mais do que um resultado de um
processo ideológico e econômico, era na realidade produto das inovações tecnológicas

65
e do barateamento de custos de produção, que por consequência reduziram o custo
dos aparelhos e possibilitaram que esse produto se tornasse mais acessível. Durante
esse período também, houve o firmamento da rede Globo como a emissora nacional
dominante no mercado, atingindo cerca de 80% da audiência total, graças as
Telenovelas, presentes desde a década de 60 no país, que em similaridade com os
animes e mangás, são representações da realidade vivida pelo brasileiro e esta, cria
um vínculo com o espectador pela sua identificação com os temas e personagens.
Em um cenário onde havia uma rede de TV predominante, era difícil para
outras emissoras conseguirem fatias de mercado significativas. Muitas delas
copiavam o formato mostrado pela Globo, tentando exibir o mesmo tipo de programa
durante os mesmos horários que a concorrência, na tentativa de obter pontos de
audiência e outros focavam em grupos demográficos específicos, como forma de
tentar ganhar espaço. Nesse contexto, destacamos uma emissora em especial, que
teve ligação direta por um tempo considerável com o mundo dos animes e mangas, a
rede Manchete. A emissora, fundada em 1983 se encontrava em uma posição
desafiadora, dado o tamanho e importância que as emissoras rivais tinham, em
relação a ela. Dessa forma, buscando implementar uma programação competitiva,
mas de baixo custo, a emissora começou tímidamente a exibição de tokusatsus nos
horários voltados a programação infantil (LOURENÇO,2009). A rede Manchete
exibia diversas séries japonesas, sendo animes ou não, como forma de conseguir um
espaço na audiência e é inegável que a emissora foi muito bem sucedida ao adotar
seriados e animes japoneses na sua grade de programação. O maior exemplo do
sucesso que a rede Manchete teve é como, a imagem do herói Jaspion, ainda é
associada com os orientais, apesar da associação criar certo constrangimento e
olhares tortos, por parte de pessoas dessa origem. Além disso, o boom causado pelo
anime 'Cavaleiros do Zodíaco' (Saint Seiya) durante o início dos anos 90, foi muito
expressivo, movimentando até o comércio informal com a importação de brinquedos
relacionados ao anime.
Nessa época também, era comum a gravação de episódios da série em fitas
VHS e a troca dessas fitas entre grupos de amigos que compartilhavam do mesmo
gosto pela série.(LOURENÇO) Tais trocas, mesmo informais, estavam nas bases da
formação dos fansubbers – grupos destinados a aquisição (informal), principalmente
de animes, e a sua tradução (legendagem) – que fazem parte da lógica mais recente

66
ao redor dos animes e mangás no Brasil e no Mundo. Após os Cavaleiros do Zodíaco,
diversas séries tentaram seguir a mesma receita de sucesso, porém observa-se que os
animes, apesar de ganharem considerável importância que justificava o surgimento
dos primeiros eventos de animes em São Paulo reunindo algumas centenas de
pessoas, ainda era condenado pelo mesmo estigma: eram produções voltadss para
crianças, não se justificava o investimento no sentido de se trazer mais produções e
expandir o mercado consumidor em volta desse produto, ao contrário do que ocorria
nos Estados Unidos e outros países. Além disso, apesar de iniciativas como da
ABRADEMI no sentido de difundir a cultura oriental, não havia em meio ao público
brasileiro de forma geral, a 'essência' necessária para que os animes e mangás
florescessem de maneira mais ampla, ou seja, a existencia de um ambiente em que fãs
e essas produções fossem consumidos não pelo seu valor como objeto, mas por suas
histórias e temas, como ocorre em outros países.
Apesar das inúmeras incursões dos animes na TV aberta brasileira, esse tipo
de programação nunca teve a atenção do grande público brasileiro, excetuando-se
iniciativas como as de Sérgio Peixoto que começaram, com pouco apoio financeiro os
primeiros eventos de animes, esses, apesar de terem um constante crescimento, ainda
eram muito pequenos, com cerca de 3 mil pessoas (PEIXOTO, 2012) se comparados,
por exemplo, ao Comic Market que atingia um público participante na casa das
200mil pessoas. Parte do fato explica-se pela própria formação econômica e por que
não, social brasileira de caráter desigual e segregador, onde, no caso de São Paulo, foi
“...construída sob os fundamentos da terra como mercadoria fundamental na
reprodução das relações sociais” (SUZUKI, 2004), evidenciando que o dinheiro,
principalmente no Brasil, sempre foi posto a frente do 'humano'. É claro que, no
mundo moderno, o dinheiro, ou melhor, sua posse, se tornou condição necessária a
vida, mas o que se aponta é o caráter avassalador com que essa lógica faz parte, da
realidade brasileira e de como a partir dessa lógica, nunca se deu real importância
aos movimentos culturais menores, que fazem parte da formação da cidade, mas sim,
somente aos que tem alguma possibilidade de se reverterem imediatamente em lucro,
tal como o Samba, que partiu de um movimento cultural das regiões periféricas da
cidade e que, destituída das suas bases, da sua essência, como algo criado na
realidade de uma comunidade, portanto, agregada de valores, tornou-se
simplesmente mercadoria vendida como cultura.

67
Além disso, o Brasil não acompanhou o desenvolvimento dos animes e a sua
capacidade de se colocar como um meio para reflexão em relação a realidade vivida
pois todas as séries trazidas, ou a maioria delas do início dos anos 90 até meados de
1999, eram séries que tinham a luta (física) como temática central que sempre tinham
a atenção, do publico infantil, pelo peso que este dá ao movimento e a 'ação', em
detrimento das temáticas e da construção da história. Além disso, devemos
considerar que o Japão vivia um momento, onde já havia ocorrido a mudança de
mentalidade em relação a produção de animes, e a valorização dos seus fragmentos
em detrimento do seu conceito, como visto por Azuma, fazendo com que fossem
ainda mais bem aceitas pelo publico infantil.
Não existiam, também, mangás traduzidos no país, portanto, o único contato
com esse meio era através da TV que, pelo que foi visto, focava-se somente no publico
infantil, impossibilitando por muito tempo, o surgimento do verdadeiro fã de anime,
nos moldes observados nos Estados Unidos e Japão dado o fato da criança ainda não
ter o poder de se colocar criticamente em relação ao mundo e as representações que o
cercam.
No início dos anos 2000, a internet de banda larga se expandia e cada vez mais
residências tinham acesso a conexões cerca de quatro ou cinco vezes mais rápidas,
que a internet dial-up que era predominante no país. A maior largura de banda
permitiu que arquivos maiores pudessem ser compartilhados de forma mais efetiva
pois a transferência de arquivos grandes, principalmente vídeos, que antes levavam
horas, agora poderiam ocorrer em minutos. Nesse contexto, mutos fãs a vendo a
possibilidade de um compartilhamento maior de animes e mangás, iniciaram a
pratica do fansub, trazendo principalmente animes e legendando-os para que fosse
distribuídos via internet. No mesmo período, editoras como a JBC e a Conrad,
começavam a trazer mangás de forma mais consistente e principalmente, mantendo-
se as formas de leitura e tomando cuidado na tradução, para que a mínima
quantidade possível de detalhes da linguagem não fosse perdida.
A banda larga permitiu também, que, diferentemente do que ocorria nos anos
90, excetuando-se as crianças que assistiam os animes exibidos na TV aberta, os fãs
mais velhos conseguissem encontrar e até reunir pessoas com os mesmos gostos, a
exemplo do extinto Fórum Cosplay Brasil e os encontros semanais de sábado na
Liberdade. Para as pessoas desse fórum e de outros menores que surgiram, assim

68
como o que foi observado nos Estados Unidos, os encontros e as trocas de
informações e experiências em torno dos animes, eram a base com que faziam-nas se
reunirem, ao mesmo tempo em que se aumentava-se o gosto pela animação e
quadrinhos japoneses, caracterizando os animes e mangas por serem mais do que um
produto de consumo, mas sim um produto que só existe devido a interação hibrida
entre pessoas, as experiências pessoas, e as representações delas, nos animes e
mangás. Lourenço em sua tese, compara os fãs de animes com torcedores de futebol,
traçando pontos semelhantes em relação a ambos, principalmente no que diz respeito
a como essas atividades foram muito mais sociais do que ligadas a um consumismo
tolo, como visto na presença de lojas e artigos dedicados a determinados times e Eng,
reitera o caráter social das práticas dos encontros entre os fãs.

“Essas organizações de torcedores são formadas através das paixões


individuais que cada um traz consigo por um mesmo time mas que, em
torno de projetos coletivos, adquirem uma dimensão social pautada por
interesses comuns” (LOURENÇO, 2009 cit. TOLEDO, 1996).

“Watching anime became a social event, along with administrative meetings,


informal anime showings and other get-togethers that might include video
gaming or other activities not necessarily associated with anime.” (ENG,
2012 p.163)19

Apesar do pequeno vislumbre ocorrido no início dos anos 2000, o cenário em


torno dos animes a partir de 2004 se modificaria, dando-lhe o seu caráter atual, que
foca-se sobretudo na mercantilização das práticas dos fãs. A expansão crescente da
internet no Brasil, que possibilitava o acesso a arquivos e informações de forma
muito mais rápida e fácil, propiciou que mais pessoas tivessem contato com os
animes e a iniciativa de editoras como a JBC e a Conrad em trazerem séries
traduzidas oficialmente para o país, contribuiu para que mais pessoas tivessem
acesso aos animes e mangás. Porém, Lourenço observa que existe uma diferença
grande entre, o que ele chama de 'iniciados', ou seja, os fãs mais antigos, que
passaram por toda a dificuldade de se obter animes e mangás e de como as reuniões
eram necessárias para se conhecer nesse universo, e os fãs novos, que passam a
gostar de animes sem conhecer e nem se dar conta de todo o processo de evolução. Os
eventos de animes, que antes eram espaços de encontro de fãs, em nome de um
19 Tradução: “Assistir animes se tornou um evento social, em conjunto com reuniões administrativas,
exibições informais e outras reuniões que podiam incluir videogames e outras atividades não
necessariamente associadas com os animes.” (ENG, 2012 p.163)
69
interesse comum, onde as práticas, principalmente o cosplay, podiam ser vistos de
maneira similar ao torcedor de futebol da década de 50. Para esse torcedor, vestir a
camisa do time representava para ele, a condensação de todo o processo de relação
entre ele, seu time, e as atividades que ele realizava com o grupo de amigos e
torcedores. Assim como o torcedor, o cosplay representava para os primeiros fãs a
mesma condensação de valores e práticas, observada nos torcedores. Além disso, as
dificuldades em se confeccionar as roupas, faziam com que muitos dos fãs antigos
valorizassem tal prática como sinal de respeito e do valor que atribuíam aos animes e
mangás, dessa forma, quanto mais próximo e fiel ao personagem, maior era o nível de
engajamento da pessoa. Atualmente, devido as facilidades da internet e o advento de
sites de compras on-line, obter cosplays e quaisquer produtos ligados aos animes,
bem com as próprias séries, se tornou muito fácil e portanto, não existe mais a
necessidade de encontros, fóruns ou quaisquer outros meios para o conhecimento do
que são animes em sua essência. Lourenço demonstra essa característica de forma
clara, ao entrevistar uma jovem presente no evento, que diz claramente que “São dois
os tipos de otaku: os que zoam e os que vão(aos eventos) pra comprar e vão embora)”
(LOURENÇO, 2012), além tambem de observar a diferenciação dos antigos e os
novos fãs, esses, que exibem um desejo de autoafirmação em torno dos animes, que
tem no seu consumo, uma forma de demonstrar que fazem parte da cultura dos
animes e mangás.
Gostar de animes e mangás e encará-las como uma crítica ou reflexão em
relação ao mundo que cerca os fãs, sempre fez parte do processo evolutivo de tais
produções, como observado no Japão e no Comic Market, porém, houve no Brasil,
após o advento do Anime Friends, a mercantilização das práticas dos fãs, que
modificaram profundamente o que era um evento de anime. Lourenço ao realizar
suas incursões de campo percebe claramente a divisão entre os novos fãs e os velhos,
que é bastante representativo dessa mudança. Ao atribuir premiações vultosas,
instituir concursos internacionais de cosplay, os eventos colocaram 'etiquetas' em
torno do universo dos animes e mangás, tanto que, a quantidade e qualidade dos
cosplays aumentou com o passar do tempo, na proporção inversa com que tais fãs,
tivessem conhecimento dos processos e das dificuldades para a inserção dessa cultura
na realidade brasileira e de como o dinheiro e principalmente a fama. A diferenciação
entre os iniciados e os novos fãs, que consumiriam somente produtos disponíveis de

70
maneira imediata e a intensa necessidade de autoafirmação pelo consumo e uso,
como visto em Lourenço, e não pela interação entre pessoas é a característica dos
animes e mangãs atuais, fruto do processo de construção da cidade, que tem nas
trocas (mercantis), as fundações para reprodução social.

71
Eventos de Animes

O Comic Market e o espaço de expressão do 'Eu'

Como visto nos capítulos anteriores, ao se estudar a evolução dos animes e


mangás no Japão, a imagem do Comic Market sempre salta aos olhos e se encontra
no ponto central da maioria das discussões que abrangem o aspecto evolutivo de tais
produções. Os dados relativo ao público frequentador não nos colocam dúvidas
quanto ao tamanho dele: Em 2008, segundo sua comissão organizadora (Comic
Market Preparations Commitee), o evento atraiu 560mil pessoas durante os seus 3
dias de realização, no verão Japonês. Em termos de comparação aproximada, o
Comic-Con, maior evento ligado a quadrinhos nos Estados Unidos, atraiu no ano de
2010, cerca de 130mil pessoas no ano de 2010 e o Anime Friends, evento brasileiro
ligado a animes e mangás, atraiu no mesmo ano, cerca de 120mil pessoas. Os
números já nos dão uma ideia das dimensões do evento mas observa-se que o
número de participantes do Comic Market é cerca de 4 vezes maior em relação a
outros eventos similares e considerando-se que os eventos são realizados em cidades
grandes (Tokyo, San Diego e São Paulo), a proporção entre participantes e a
população salta-se como um fato interessante.
Para compreender o Comic Market, é necessário antes de mais nada não
observá-lo como sendo um resultado de processos econômicos e do desenvolvimento
das cidades pois as lógicas relativas ao dinheiro e ao urbano não explicam de maneira
concreta como o evento evoluiu. O evento é na realidade, fruto de um processo
evolutivo, o dos animes e mangás, mas principalmente da relação do seu fã em torno
do seu produto de consumo, dessa forma, é preciso fazer um breve apanhado da
situação em torno dos animes e mangás antes do evento.
Como visto, a década de 70 se apresentava como um período de mudança das
relações comerciais mundiais, onde muitos apontam como sendo:

“A Transformação da terceira revolução industrial e globalização, que


caracterizam o conjunto de processos de intensificação da produtividade do
capital envolvendo a ação do Estado e a anulação da proteção social ao
Trabalho, conquistada pelos trabalhadores ao l ongo de décadas”
(FRANCESCONI, 2004 In Geografias de São Paulo v.2 p.117)

72
Essas mudanças se faziam aparecer no Japão na variação do produto interno
bruto per capita observada entre 1970 e 1980. Durante os 4 primeiros anos houve um
crescimento de 8% (15.161,80 para 17.949.90 ienes/pessoa). Houve então uma queda
de 4% no valor (17949,90 para 17394,71 ienes), reflexo da crise do petróleo ocorrida
em 1973. Comparativamente na década anterior, o PIB per capita japonês observou
um salto de 55% (De 7079,44 para 15492,79 ienes). Os valores evidenciam que apesar
do aumento da renda ter sido constante durante o intervalo 1960-1980, percebe-se
que o crescimento dela foi muito mais acentuado na década de 60 do que na década
seguinte.
Esses valores refletiam-se no modo como a sociedade de maneira geral, via o
mundo a sua volta. A década de ouro dos anos 60, a exaltação da tecnologia, a ideia
de futuro foi rapidamente substituída por uma visão cética do mundo dada a queda
considerável do crescimento da renda média. Para alguns fãs de anime, mais ligados
com questões psicológicas da realidade japonesa, pela sua relação entre as histórias e
a realidade, o impacto foi ainda maior. Além disso, os animes e mangás passavam por
um momento de relativa prosperidade, fruto da influência que Osamu Tezuka teve,
na construção da linguagem do mangá moderno e das inovações tecnológicas trazidas
pela TV. Diz-se relativa pois ela possuía por um lado, o desenvolvimento de forma
cavalar, torando-se uma verdadeira indústria cultural, levando até a exportação de
diversas séries animadas para países como Estados Unidos e Brasil e por outro, o
surgimento do mangá e anime como uma indústria, levou ao processo de
hierarquização, entre as pessoas já inseridas no mercado de trabalho e que já haviam
construído um nome para si, e de amadores que querem se inserir nessa indústria,
em um movimento similar ao observado, por exemplo, no Comic Con onde existe o
'Portfolio Review', onde desenhistas amadores mostram suas criações para grandes
empresas de Comics, na esperança de serem contratados.
Além disso, o modo como os eventos de animes e mangás no Japão se
organizavam foi,

“...modeled after Western fan conventions. Nihon Manga Taikai modeled


itself after SF Taikai, a Japanese convention for science fiction fans. SF
Taikai was itself influenced by WorldCon, an international science fiction
fan convention. SF Taikai is credited with introduction the convention style
to Japan.” (TAMAGAWA, 2012 In Fandom Unbound, p.111)20

20 Tradução: “...modelada a partir das convenções de fãs ocidentais. O Nihon Manga Taikai se
modelou a partir do SF Taikai, uma convenção Japonesa para fãs de ficção científica. A SF Taikai
foi por sua vez influenciada pela WorldCon, um evento internacional de ficção científica realizada
73
mostrando que o Japão copiava o modelo de eventos existentes nos Estados Unidos,
sem observar que haviam diferenças entre os animes e mangás e os comics,
principalmente no que diz respeito a relação das obras com os seus consumidores.
Enquanto que nos Estados Unidos, a ideia de consumidor era predominante, no
sentido de que os fãs de ficção científica, que posteriormente deram origem aos
primeiros fãs de animes e mangás, tinham uma postura voltada a busca por tais obras
e não pela criação delas. (ENG, 2012) , no Japão, pelo contrário, havia um grande
interesse em participar dos processos de criação de mangás (e posteriormente,
animes) devido a iniciativa proposta por Osamu Tesuka intitulada COM, revista
publicada entre 1966 e 1972. Essa publicação solicitava aos seus leitores e grupos de
fãs, que enviassem trabalhos para serem publicados nessa revista fazendo com que
muitos fãs se sentissem parte desse universo.
Devemos ter em mente que as criações de fãs, chamadas Doujinshis não eram
um reflexo direto do desenvolvimento dos mangás. A sua origem, remonta ao início
do século XX, e tinha como objetivo principal, produzir relatórios e estudos sobre
quadrinhos. Era interessante notar que esses grupos de fãs eram muito heterogêneos,
reunindo pessoas amadoras e profissionais sob um mesmo ambiente (LAM, 2010),
fato que se tornou característico do Comic Market. Essas produções nunca tiveram a
atenção do grande público até meados dos anos 60 com a criação de COM, que
propiciou meios para que pela primeira vez, os grupos de fãs tivessem um real espaço
em meio ao mercado de mangás, para publicar suas obras.

“In Tezuka Osamu's manga art magazine COM (1966-1972), doujinshi circles
briefly found a central place to come into contact with each other and to
recruit new members. COM encouraged all circles to publish their doujinshi
and to exchange them with other circles and with fans in general. When the
magazine folded due to low sales, its legacy as a focal point of doujinshi
culture was taken up by a new institution: The doujinshi convention,” (LAM,
2010 In Mechademia v.5 p.234)21

por fãs. SF Taikai é creditado pela introdução desse estilo de convenção no Japão.” ( TAMAGAWA,
2012 In Fandom Unbound, p.111).
21 Tradução: “Na revista artística de Osamu Tezuka, COM (1966-1972) os grupos de doujinshis
brevemente acharam lugar central para se contatar com outros grupos e recrutar novos membros.
O COM encorajava todos os grupos a publicar seus doujinshis e a compartilhá-los com outros
grupos e fãs em geral. Quando a revista encerrou suas atividades devido a baixa vendagem, o seu
legado, como um ponto focal da cultura dos doujinshis foi tomada por uma nova instituição: As
convenções de Doujinshis.” (LAM, 2010 In Mechademia v.5 p.234)
74
Percebe-se que mesmo os doujinshis, sendo um movimento paralelo ao dos
mangás, claro, pelo fato de seus membros serem, sobretudo, consumidores ávidos de
tais produções, tinham o mesmo aspecto observado ao estudar os mangás de maneira
geral: o grande peso que a palavra “imaginação” tinha, para esse leitor. Existem
vários indícios que apontam para essa característica, Tsuji ao estudar um tipo
específico de fã, o que tem uma relação íntima com a imagem dos Trens, cita o fato do
país sempre perseguir o futuro, reiterando que tratava-se de uma mentalidade
desenvolvida pela própria sociedade (e depois pelo governo). (TSUJI, 2012 In.
Fandom Unbound, p.5). Azuma ao analisar o fã sob os olhos do movimento pós-
moderno, mostra de maneira indireta através do crescimento do aspecto 'consumista'
dos animes e mangás, o movimento em busca da criação, já vista por Tsuji. Galbraith
e Morikawa, ao observarem o bairro de Akihabara, onde os animes e mangás ganham
expressão no espaço físico, notam que a 'paisagem' que se faz presente atualmente foi
reflexo, de uma adaptação da região ao momento de explosão da bolha de
crescimento Japonesa, onde houve a desconcentração das lojas de eletrônicos que
dominavam a região até os anos 80 e sua substituição pelo que Morikawa afirma de
“architeture of otaku taste”. Assim, não é possível associar os animes e mangás a um
simples consumismo de seus produtos físicos ou televisivos, mas sim como reflexos
do movimento criativo.
Existia, durante os primeiros anos da década de 70, uma busca muito forte por
espaços similares aos oferecidos pela publicação COM, em parte devido ao legado
deixado por essa produção, e outra, pela busca sempre incessante pelo novo e
moderno, fruto da Revolução Meiji. Os eventos de mangás e animes existentes, que
tomavam como base o modelo ocidental de evento, ou seja, voltados para promover a
venda e divulgação de produtos, iam de encontro as ideias que fervilhavam entre os
grupos de fãs, principalmente os que publicavam doujinshis de forma mais regular.
Isso decorria, em parte, do posicionamento desses eventos em relação ao mercado de
mangás já estabelecido, que é muito similar aos eventos ligados aos comics,
americanos: Existe uma clara diferenciação entre obras que já são publicadas por
grandes editoras, tais como a Marvel ou a DC Comics, cujas obras são feitas por
grandes desenhistas e portanto, movimentam uma grande quantidade de dinheiro e
entre produções feitas por pessoas desconhecidas ao grande publico. Nesse sentido,
quaisquer publicações que não tenham a marca da editora, ou não sejam ligadas as

75
pessoas que ganharam fama nesse mercado, são colocadas em um patamar
diferenciado, geralmente, inferior pois tratam-se de produções sem a possibilidade
imediata de lucro. Assim, constituía-se a hierarquia existente nos eventos, com maior
atenção a obras e artistas consagrados e menos, aos artistas amadores e iniciantes
decorre simplesmente, por motivos financeiros.
Pode-se, a partir disso, imaginar que o que os fãs de animes e mangas
desejavam, durante a década de 70 era garantir um espaço para a profissionalização
de seus trabalhos, mas na realidade, observava-se um outro sentido além desse que
ganhava força durante esse período, ao se opor aos eventos de animes e mangás como
o Nihon Manga Taikai. Existia um sentimento de crescente insatisfação, pois segundo
Tamagawa, “...participants resented Nihon Manga Taikai organizers for having exclusive
decision-making power for events and guests” (TAMAGAWA, p.112 In Fandom Unbound) ,

alimentada pela hierarquização que ocorria nesse e em outros eventos, similar ao que
já acontecia em evetos de quadrinhos americanos e de como isso acabava por excluir
os grupos de produções amadoras.
É interessante mencionar nesse momento, como a questão dos originais e das
“cópias” são vistas, em relação aos animes e mangás e esclarecer um pouco as
diferenças entre mangás e doujinshis. Em termos puramente técnicos, tais como tipo
de desenho, enquadramentos, traços, linguagem, sinais e tudo que se relaciona ao
traço, não existe diferença entre ambos. Podemos até dizer que, alguns doujinshis
possuem mais qualidade técnica que os próprios mangás,o que se apresenta como um
fato muito estranho, mas na realidade não o é pois desde o surgimento dos mangás,
haviam grupos de pessoas interessados em compreender e dominar suas técnicas.

“These groups's members exchanged information about drawing techniques,


since artistic techniques during this period (50's) were largely unknown to
the public and drawing materials were almost nonexistent.” (LAM p.234 In
Mechademia v.5)22

Dessa forma, observa-se que sempre houve um interesse, parte dele movido
pelo crescente interesse em relação aos mangás, em aprender e dominar suas técnicas
e portanto, com o advento de novas tecnologias, aliado a um ambiente onde se

22 Tradução: Os membros desses grupos compartilhavam informações sobre técnicas de desenho visto
que as técnicas artísticas durante esse período (anos 50) eram desconhecidos ao publico em geral e
os materiais de desenho ram quase inexistentes”. (LAM p.234 In Mechademia v.5)
76
prezava a discussão e trocas de informações e na busca por aprimorar-se mais tanto
nas técnicas quando na compreensão das histórias, tem-se um crescimento dos
mangás amadores, os doujinshis, tanto na qualidade técnica, quando em histórias.
Esse movimento era tão importante que, a partir de um determinado momento,
participar dos grupos relativos a produção de doujinshis era tão importante, quanto o
consumo de mangás, o que faziam ambos a se equipararem. Novamente, devemos
lembrar que não eram somente as questões financeiras que movimentavam os grupos
amadores, pois não havia mercado para tais produções. O que realmente
movimentava os doujinshis era o simples gosto, pelos mangás e uma chance
democrática para poder divulgar os trabalhos, sem enfrentar barreiras, como as
impostas pelo Nihon Manga Taikai e sua organização.
Assim, surgia em 1975 o Comic Market, criado por um pequeno grupo de
pessoas que se contrapunha diretamente aos eventos até então existentes, e que tinha
como bases oferecer um ambiente onde todos, sem distinção, pudessem divulgar seus
trabalhos. Como isso foi obtido? Através da proibição da presença de empresas e sem
limitações no que diz respeito ao conteúdo do que era produzido, reiterando-se
sempre a ideia de liberdade de expressão.

“Comic Market must remain a space where freedom of expression is


maintained. It must expend every effort toward securing as much freedom of
expression as possible. In order to remain a space with the greatest freedoms
possible, self-reliance of the participants is integral, but the event cannot
function without individual moral awareness, mindfulness of manners, and
invested interests toward up-keeping this shared space.” (Comic Market
Preparations Comitee, 2008)23

Apesar da concepção do evento ser atrativa para uma parte considerável dos
fãs de animes e mangás por ser um espaço 'livre', não houve até meados dos anos 80,
uma presença significativa de pessoas procurando divulgar os trabalhos amadores e
de interessados em conhecer tais trabalhos, principalmente porque ao menos até o
fim da década de 70, as grandes produções de mangás e animes ainda tinham uma
visibilidade astronomicamente maior, do que os grupos que queriam divulgar os

23 Tradução: “O Comic Market deve permanecer como um espaço onde a liberdade de expressão é
mantida. Devem ser usados todos os esforços para assegurar o máximo da liberdade de expressão
quanto possível. Para que o espaço se mantenha livre, a auto-confiança dos participantes é
constante, mas o evento não pode funcionar sem a consciência da moral, o cuidado com as boas
maneiras e o interesse em conservar esse espaço compartilhado.” (Comic Market Preparations
Comitee, 2008)
77
trabalhos amadores. Somente a partir dos anos 90, o cénario em relação aos animes e
mangás começava a se modificar, fazendo com que o Comic Market ganhasse cada
vez mais importância.
Podemos compreender como o Comic Market teve um 'boom' no número de
participantes e de expositores (amadores, não profissionais) a partir de alguns fatores
-chave. Em primeiro lugar, a partir do final dos anos 80 os animes e mangás
passavam por uma transformação de sentido, como visto em Azuma, no qual a
proliferação de animações e mangás que tinham como atrativo seu caráter físico, em
detrimento das histórias e do contexto que representavam (lembremo-nos de astro-
boy e todo o contexto socio-economico contido nele, durante a década de 60). Assim,
as histórias e o conteúdo se tornavam secundários as técnicas de desenho, levando ao
surgimento de diversas subdivisões relativas aos animes, tais como o Yaoi, Yuri,
Hentai, e na fragmentação dos personagens das obras, em seus traços de
personalidade (Tsundere, Yandere, Kuudere, etc). (AZUMA p.44-45 In Fandom
Unbound). Como dessa forma, o aspecto visual começava a ganhar interesse, em
detrimento das histórias, nesse momento em específico, diversos grupos e até pessoas
individuais que gostavam dos mangás e animes, viam a possibilidade de atingirem a
profissionalização, dado que não era mais necessário a construção de uma carreira
em torno deles e nem ser autor de histórias que ganhassem a atenção do público,
bastava, ter o domínio das técnicas de desenho e animação. Houve então um
aumento crescente do tamanho do evento
Porém, apesar do aumento considerável do público frequentador, observado
durante o final da década de 80, passando de cerca de 50mil para 200mil
frequentadores em um espaço de três anos (Comic Market Preparations Comitee,
2008), números que já ultrapassavam os eventos similares, realizados nos Estados
Unidos atualmente, ainda existe um abismo entre o numero de participantes durante
o início da década de 90 e a quantidade de participantes observada atualmente, que
gira em torno de 500mil pessoas. Parte disso decorre, principalmente durante o
início da década de 90, de um discurso muito contundente por parte da mídia
japonesa em relação aos animes e mangás, principalmente após um caso de
assassinato, atribuído a um fã.

“In 1989, the media went into a frenzy over the arrest of Miyazaki Tsutomu,
who molested and murdered four girls between the ages of four and seven. In
his room, investigators discovered 5763 videotapes of recorded TV programs,

78
anime, horror movies, and pornography, including some examples of lolicon.
There was already a growing anxiety about “virtual reality” and media
effects, emblazoned by Itou Seikou's 'No Life King (1988), and people
demanded and explanation afor the heinous crimes. The mass media picked
up on a buzzword to decry the “otaku generation”. (GALBRAITH, 2010
p.217-218 In Mechademia v.5)24

Não é objetivo do trabalho, uma discussão aprofundada sobre os termos


específicos, mas cabe nesse momento um parênteses sobre o palavra 'otaku' pois o
seu estudo nos dá bases para compreender como o evento se encontrava, em meio ao
contexto social mais amplo, não limitado aos fãs de animes e mangás. Essa palavra é
usada, em geral, para definir no Japão, todo o tipo de adoração excessiva por algum
objeto ou ideia, incluindo-se nisso os animes e mangás. A palavra foi carregada de
negatividade principalmente após os assassinatos de 1989, atrelando-se seu
significado, a sexualidade, pedofilia e atrelou-se a ideia de sociopatia, com a imagem
do fã de anime. Parte disso, decorre da própria existência do Comic Market e da
concepção adotada pelo evento, que buscava a liberdade criativa total, o que incluía
atribuir também a sexualidade aos doujinshis, essa, que sempre foi reprimida no
Japão de uma maneira geral, ao contrário do Brasil, que vendia-a com a
mercantilização do Carnaval e suas práticas. Além disso, o próprio fenômeno de
fragmentação descrito por Azuma e as mudanças nos significados dos animes e
mangás o que levou a um crescente interesse por detalhes e traços de personalidades,
em detrimento do contexto geral de uma série, trouxe uma série de mudanças de
significado difíceis de serem compreendidos por aqueles que não fazem parte desse
meio. Entre essas mudanças, estão o surgimento de nichos de fãs, que consomem os
animes e mangás puramente pelos detalhes presentes neles, ou seja, pessoas que
gostam de personagens com olhos azuis, que gostam de cabelos roxos, entre outros, e,
entre essas infinitas subdivisões, os que gostam da ideia de inocência da imagem da
criança, atrelado a uma personalidade adulta, que está na base do que são os lolicons.
Imaginemos, uma sociedade fundada em valores feudais, aliado a mudança de
significação dos animes e a diversificação deles, juntamente com o surgimento das

24 Tradução: “Em 1989 a mídia entrou em um furor devido a prisão de Miyazaki Tsutomu, que
molestou e assassinou quatro garotas que tinham entre quatro e sete anos. No seu quarto,
investigadores descobriram 5763 fitas de vídeo com gravações de programas de TV, animes, filmes
de terror e pornografia, incluindo exemplos de lolicon. Já havia uma animosidade e uma crescente
ansiedade a respeito da 'realidade virtual' e os efeitos da mídia, potencializados pela obra de Itou
Seikou 'No Life King (1988)' e pessoas cobrando explicações pelos crimes hediondos. A mídia de
massa pegou um modismo para descreditar a 'geração otaku'.” (GAILBRAITH, 2120 p.217-218 In
Mechademia v.5)
79
subdivisões em relação aos animes e mangás, tornava-se a pólvora, pronta para
queimar. O estopim, foi exatamente a série de assassinatos cometidos por um 'otaku',
em 1989. O criminoso representava apenas uma de infinitas subdivisões dessa
subcultura, que acabou por ganhar notoriedade da mídia, mas acredita-se que
existem diversas subdivisões “potencialmente” ofensivas para a sociedade em geral,
tais como o guro (desenhos de corpos dilacerados), o hentai (versões 'pornô' de
animes) e até, um grupo, que tem atração por armas de fogo mas que passaram todo
o período conturbado do início da década de 90, imperceptíveis aos olhos da
população geral.
Dessa forma, apesar de um crescente interesse em relação ao Comic Market,
havia em meio a sociedade, uma imagem extremamente estigmatizada e negativa em
relação ao seu fã, que foi chamado de 'otaku', fazendo com que a quantidade de
pessoas que frequentavam o evento permanecesse constante durante os primeiros
anos da década de 90, dadas as implicações sociais dos atentados.

“In Japan, NHK and Asahi Shimbun deemed otaku a discriminatory word
and banned it; Okada Toshio, who pioneered the study of otaku after the
Miyazaki incident and became a public otaku persona, was cautioned against
saying the word during TV appearances” (GALBRAITH, 2010 p.219)25

Percebe-se que se considerar fã de anime, principalmente no início da década


de 90 no Japão era considerado um tabu, o que explica a aparente estagnação
observada durante os primeiros anos dessa década. Porém, a partir de meados da
mesma década, o evento observava uma explosão no número de participantes,
registrando aumentos anuais gradativos até atingir a marca de cerca de 400mil
pessoas no início dos anos 2000, passando para cerca de 560mil, nas últimas edições,
que ia de encontro a falsa imagem negativa, que se produziu ao seu redor.
Apesar da imagem do fã ser animes e mangás no Japão estar repleta de
negatividade devido a mídia, os produtos associados a essa cultura vinham sido
paulatinamente exportados, desde os anos 60. Havia um crescente interesse
estrangeiro por tudo que provinha do país. Eng, ao fazer seu estudo sobre o
desenvolvimento dessa subcultura nos Estados Unidos, diz:

25 Tradução: “No Japão, a NHK e o Asahi Shimbun consideraram a palavra otaku como
discriminatória e a baniram; Okada Toshio, que foi pioneiro nos estudos sobre otakus após o
incidente de Miyazaki e se tornou uma figura pública relacionada ao otaku, foi advertido sobre o
uso dessa palavra nas aparições em TV.” (GALBRAITH, 2010 p.219)
80
“Anime had become somewhat easier to obtain by the late 1980s. With the
rise of companies such as Streamline Pictures, US Renditions, and Animeigo,
commercially available anime was just getting its start in the United States.
The latter two companies are notable for being the first ones to release
unedited anime with the original Japanese dialogue intact, along with
english subtitles” (ENG, 2012 p.162 In Fandom Unbound)26

No Brasil, os animes e séries japonesas tambem já adentravam o território


brasileiro, principalmente graças as emissoras de TV nacionais, como a manchete,
que viu nessas produções, uma forma de se tornar competitiva em relação as suas
concorrentes, sem os altos custos que, por exemplo, a elaboração de uma novela nos
moldes da Rede Globo, poderia trazer.

“A inserção dos animes na grade de entretenimento da Rede Manchete


explica-se pelo fato da televisão brasileira ser dominada então pela Rede
Globo de Televisão, cujo carro chefe era a realização de novelas, cuja
produção era de alto custo. Sem condições de igualar-se à Rede Globo, a
estratégia da Manchete para configurar uma programação competitiva, sem
a necessidade de investimentos de maior vulto, concentrou-se na compra de
uma série de filmes e seriados – esses últimos não eram prioridade para a
rede Globo, mais preocupada com suas novelas.” (LOURENÇO, 2009 p.115-
116)

Assim, havia um interesse de mercados internacionais pelas produções


japonesas e ao contrário do que ocorria na terra do sol nascente, não havia nenhuma
negatividade associada a tais produções, pelo contrário, elas se tornaram as bases
para o surgimento de fãs de animes e mangás em tais países, que aumentava
vertiginosamente durante os anos 90 e levou a criação dos primeiros eventos de
animes, tantos nos Estados Unidos, quanto no Brasil. Houve até a formação de um
grupo de estudos especializados nessa cultura, na ECA-USP e fomentando diversos
estudos sobre tal fenômeno em diversas universidades pelo país.
No Japão, o cenário em torno dos animes e mangás se modificaria, com o
advento de uma série de nome Shin Seiki Evangelion. Essa série, produzida em 1995
pelo estúdio Gainax, não possuía nada de tecnicamente inovador. Os seus robôs, já
haviam sido utilizados em diversas outras séries e amplamente explorados em
26 Tradução: “O acesso aos animes se tornou um pouco mais facil ao final de 1980. Com o surgimento
de empresas como a Streamline Pictures, US Renditions e Animeigo, os títulos disponíveis
comercialmente começavam a aparecer nos Estados Unidos. As duas últimas empresas eram
notáveis por serem as primeiras a lançarem animes não editados com os diálogos em japones
intactos e legendas em inglês.” (ENG, 2012 p.162 In Fandom Unbound)
81
franquias como Gundam e Macross. O ambiente escolar, já era tambem presente em
diversos outros animes contemporâneos, tornava quase um padrão a ser seguido e os
personagens já tinham traços de personalidades observados em outras séries. Porém,
o que tornava-a interessante era o modo como o série se situava perante os fãs de
animes e mangas, a sociedade em geral, a economia e a política.
Primeiramente, como dito anteriormente, havia a negatividade da imagem do
otaku (o fã de animes e mangás) construída a partir de 1989 devido aos assassinatos
atribuídos a um otaku, negatividade essa que terminou por marginalizar e criar um
tabu em relação as pessoas e a essa subcultura. Em janeiro de 1995 ocorria o
terremoto de Kobe, matando 4mil pessoas causando um prejuízo de 102 bilhões de
dólares, além de impactos no mercado financeiro devido a destruição de um número
considerável de escritórios e negócios localizados na cidade. Em março do mesmo
ano Shouko Asahara e sua seita, Aum Shinrykio realizava o atentado do gás sarin, no
metro de Tokyo, matando 13 pessoas, ferindo 50 e incapacitando outras milhares que
sofreram os efeitos da substância. Dessa forma, é desnecessário mencionar que havia
um forte clima de incertezas durante esse período do ano, atrelado aos
acontecimentos e foi nesse clima, que Evangelion começava a ser exibido.

“Technology and otaku consumption and creavity were, in an oblique way,


praised. Earlier that year, however, Aum Shinrikyou, a new religion and the
most successful domestic terrorist group in Japanese history, was found to
have a discount computer store in Akihabara called Mahapoosha. Their
apocalyptic worldview was a pastiche of sci-fi technology and anime
references, including Space Battleship Yamato, This was evidence enough for
many to deem Aum an 'otaku' cult. Both Akihabara and otaku suffered from
the association. However, about six months after Aum released sarin gas on
the Tokyo subway, an anime series displayed aneerily similar vision of
apocalypse: Neon Genesis Evangelion. Evangelion resonated with the apathy
and anxiety of the 1990s, and its popularity became a major factor in
Akihabara's revival.” (GALBRAITH, 2010 p.215 In Mechademia v.5) 27
Esse anime foi o motor que movimentou as mudanças observadas no bairro de
Akihabara, parcialmente no modo com os otakus eram vistos e de como houve a
explosão e aumento exponencial no número de frequentadores do Comic Market. O

27 Tradução : “Tecnologia, consumo otaku e criativade eram venerados de maneira obliqua. No início
daquele ano, porém, foi descoberto que Aum Shinrikyou, uma nova religião e o grupo de terrorismo
doméstico mais bem sucedido na história do Japão possuía uma loja de peças para computador em
Akihabara, chamada Mahapoosha. A sua visão apocalíptica de mundo era uma junção de
tecnologias de ficção científica e referencias a animes, incluindo Space Battleship Yamato. Eram
evidencias suficientes para muitos acreditarem que Aum era um culto 'Otaku'. Tanto Akihabara
quanto os otakus sofreram com essa associação. Porém, seis meses após a Aum lançar o gás sarin
no metro de Tokyo, um anime mostrava uma visão semelhante de apocalipse: Neon Genesis
Evangelion. Evangelion ressoava com a apatia e a ansiedade dos anos 90 e sua popularidade foi o
principal fator para o ressurgimento de Akihabara.” (GALBRAITH, 2010 p.215 In Mechademia v.5)
82
ponto mais importante é o fato de que o estúdio que produziu tal série já havia
percebido a importância do mercado relacionado aos fãs de animes e de como a
fragmentação deles já era observado, pela presença do que Azuma chama de
trabalhos 'Derivados' ou, os doujinshis, feitos com base em personagens de animes e
mangás já existentes. Houve, a partir dessa série, um crescimento acentuado, na
procura de tudo o que fizesse referência ao anime, desde bonecos, cds, camisetas, etc
que tambem, propiciaram o desenvolvimento do bairro de Akihabara, a partir da
abertura de lojas especializadas na venda de tais produtos. O anime, através de seus
personagens, se tornava uma marca, que agora era comercializada nas inúmeras
lojas, tanto no Japão, como no exterior.
O Comic Market, também influenciava modificações no mercado de mangás
além de oferecer um ambiente de livre expressão. Devido ao crescimento constante
no número de participantes, o evento levou ao surgimento de inúmeras livrarias,
responsáveis pela venda de doujinshis, transformando a ideia do Comic Market em
um ambiente hibrido, similar ao que é observado nos shoppings de mercados
informais na região da 25 de março e na Av. Paulista, em relação ao comércio formal
em São Paulo. Porém, a diferença entre tais shoppings e o Comic Market é que ao
contrario de ser prejudicial ao mercado formal, o evento no Japão complementava o
mercado de mangás e animes. A existência de inúmeros produtos 'derivados' dos
originais (doujinshis) ajudava o mercado formal de mangás, na medida em que
quanto maior era a busca por essas produções, maior era a procura pela venda dos
produtos relacionados a um determinado mangá, provenientes dos meios 'oficiais'.
Isso decorre, do efeito causado pelo Comic Market, onde, houve o surgimento de um
comportamento específico. Para Azuma:

“In the past, the original work was “an original” and the derivative work “a
copy”. Only herein exists the criterion for judging the quality of a work. For
example, in the case of Evangelion, the TV series created by Anno Hideaki is
a “work” connected with the authorship and his original message, while
derivative works by amateurs and related commercial projects are mere
copies. People are supposed to strictly distinguish between these two in
consuming them. However in reality over the past twenty years a consumer
behaviour that does not discriminate between these two categories has been
gaining more power”. (AZUMA, 2009 p.65 In Fandom Unbound)28

28 Tradução: “No passado, o trabalho original era 'o original' e os trabalhos derivados 'cópias'.
Somente aqui existem os critérios para se julgar a qualidade de um trabalho. Por exemplo, no caso
de Evangelion, a série de TV criada por Anno Hideaki é um 'trabalho' conectado coma sua autoria e
sua mensagem original enquanto os 'trabalhos derivados' de amadores e outros projetos comerciais
eram meras cópias. As pessoas supostamente devem saber distinguir a diferença entre os dois de
forma clara, ao consumir tais produtos. Porém na realidade, durante os ultimos vinte anos uma
83
comportamento esse, que tinha como bases o Comic Market em sua concepção
inicial, onde
“With an event that is excluseively for doujin creators, however, the distinction
betweenprofessionals and fan creators is blurred. Both are in a sense peers,
seeking to share their creativity. Singling out the doujin sale section and
excluding professionals eliminated the basis for conflict and hierarchical
distinction and allowed all participants to see themselves as a peers.”
(TAMAGAWA, 2012 p.112 In Fandom Unbound)29

Dessa forma, percebe-se que o Comic Market, principalmente após o boom


causado pela série Evangelion, passou a se colocar como um mercado complementar
aos animes e mangás e se tornava um importante meio de divulgação dessas
produções além de, por manter a mesma concepção desde a sua fundação, permite
ainda que qualquer pessoa interessada em mangás, animes e quaisquer produtos,
relacionados conseguisse, com o domínio das técnicas, publicar doujinshis, o que
manteve vivo, mesmo após quase 40 anos de existência, o poder criativo, mesmo após
as modificações e a volta dos espaços voltados para empresas. Além disso, o próprio
evento se colocava contra, a concepção negativa construída em volta dos fãs de
animes, onde imagina-se que, devido a predominância de personagens femininos dos
animes e mangás, o evento fosse dominado pelo público masculino, que reiteraria a
ideia difundida pela mídia devido ao episódio de 1989, mas as estatísticas
demonstram que tanto entre o número de 'circulos' e o número de participantes, há a
predominância do público feminino. Dentre os círculos, há a predominância massiva
do público feminino, fazendo 71% deles. Entre o público geral, há uma leve tendência
ao público feminino, com 57% do total de pessoas. Os dados foram retirados a partir
de um estudo realizado pela comissão organizadora do evento, utilizando-se dados
desde 1975.
É interessante notar que, o crescimento sobretudo no aspecto econômico do
Comic Market e as implicações fora do seu espaço de realização, tirou dos fãs de
animes a negatividade da palavra otaku, mas ao mesmo tempo transformou a palavra
em uma marca, principalmente após os anos 2000, ganhando força com políticas
governamentais como o Cool Japan. Essa política tinha como base atrair o turismo a

atitude por parte dos consumidores que não faz essa distinção começou a ganhar mais poder.”
(AZUMA, 2009 p.65 In Fandom Unbound).
29 Tradução: “Com um evento que é exclusivo para os criadores doujin, porém, a distinção entre
profissionais e os fãs é obscurecida. Ambos são em certo aspecto 'usuários' procurando
compartilhar sua criatividade. Controlando-se as vendas de doujins e excluindo o lado profissional,
as bases para os conflitos hierarquicos foram eliminadas permitindo que todos os participantes se
enxergassem como iguais.” (TAMAGAWA, 2012 p.112 In Fandom Unbound)
84
região de Akihabara, focando-se em fazer o 'marketing' do bairro a partir da imagem
do otaku, agora desatrelada da negatividade, devido em parte, ao sucesso do Comic
Market e ao surgimento de inúmeras lojas ligadas a essa cultura, no bairro. A cidade
de Tokyo se modificava, e tentava transformar se em cidade global, e no centro da
mudança, estavam os bairros centrais da cidade, Akihabara, incluso.

“By 2007 a JNTO (Japan National Tourist Organization) survey revealed


that as many as 8.6 % of foreign visitors to Japan set foot in Akihabara, 69 %
for the first time. Earlier that year, NHK had estimated 5 % of visitors to
Akihabara were from overseas.” (GALBRAITH, 2010 p.222 In Mechademia
v.5)30

“Akihabara was to be the 'Silicon Valley of Japan'. Digital/creative contents


were valued at some 11 trillion yen a year in 2000, and a 2003 report by the
Japanese government shows that 742 software developers, Internet ventures,
and data processing companies were located within one kilometer of the
akihabara train station. (GALBRAITH, 2010 p.223 In Mechademia v.5)31

Houve tambem, entre 2005 e 2007 a construção de um gigantesco complexo


predial, ligado a maior empresa de telecomunicações do Japão, a NTT Docomo
(Galbraith, 2010), próximo a estação de metro de Akihabara, além da modificação de
diversas áreas no seu entorno, reiterando a política agressiva de transformar o bairro
em uma marca. Essa política porém, esvaziou o bairro do seu sentido histórico,
principalmente de região ligada a subcultura dos animes e mangás e um espaço
alternativo de convivência, longe dos holofotes das políticas de desenvolvimento da
cidade focando na ideia de sucesso e status. O sentido de 'fã de animes e mangás'
tambem foi esvaziado, e pode ser tambem observado em Lourenço, no estudo
antropológico dos fãs de animes no Brasil.

“Enquanto os aficionados precursores mal se distinguem da maioria das


pessoas, cuja ligação com o mundo anime não era um traço de identidade
que fosse explicitado continuamente, os jovens aficionados fazem questão de
mostrar que são otakus. Um fichário cheio de adesivos de algum personagem
de Naruto – Sakura, por exemplo, umajovem inteligente e com grande força
de vontade -, significa uma forma de expressar uma determinada atitude ou
identificação, através do recurso à personagem em questão.” (LOURENÇO.
30 Tradução : “Em 2007 uma pesquisa da JNTO (Organização de Turismo Nacional Japonês) revelou
que dos 8.6% dos visitantes estrangeiros que visitaram o Japão, foram para Akihabara, 69% deles
pela primeira vez. No início daquele ano, a NHK estimou que 5% dos visitantes de Akihabara eram
estrangeiros.” (GALBRAITH, 2010 p.222 In Mechademia v.5)
31 Tradução: “Akihabara era para ser o 'Vale do Silício Japonês'. O conteúdo digital/criativo foi
avaliado em cerca de 11 trilhões de ienes ao ano em 2000 e em 2003, um relatório do governo
japonês mostrou que 742 estabelecimentos, dentre eles, empresas de software, de processamento
de dados e empreendimentos de internet se localizavam em um raio de um kilometro a partir da
estação de trem Akihabara.” (GALBRAITH, 2010 p.223 In Mechademia v.5)
85
2009 p.254-255)

Trata-se de um processo similar ao que ocorria no Japão, após 1995 e que se


intensificou durante os anos 2000. Houve, a partir das crises econômicas de 1970, o
foco dos jovens japoneses, principalmente os ligados aos animes e mangás nas
questões criativas e da imaginação. O Comic Market, surgia como um espaço que
permitia a livre-expressão e foi um reflexo, do movimento crescente dos fãs de
animes e mangás por um espaço 'artistico'. Devemos lembrar que o Comic Market foi
também, fruto do embate entre tais fãs e o modo como outros eventos, sendo reflexo
de como o mercado de mangás se organizava. O Comic Market se desenvolvia de
forma constante, mas sofreu dois períodos de crescimento, acelerado, atrelados
primeiro as mudanças em relação ao contexto geral dos animes (a perda do seu
sentido 'geral' em substituição as suas partes) e em momento posterior, aos
acontecimentos ocorridos em 1995 que deram condições para que os animes e
mangás se transformassem em uma marca, depois apropriada pelas políticas públicas
de desenvolvimento urbano. Nesse turbilhão de mudanças de valores e sentidos, o fã
de anime foi marginalizado de toda a carga cultural e transformada num estereótipo,
a medida que o Comic Market se tornava um espaço comercial, protegido do mercado
exterior devido a sua concepção de igualdade de valores.
A ideia de proteção é simples. Como visto, na sua concepção em 1975, o evento
proibiu a presença de quaisquer pessoas ou empresas, reiterando a ideia de
igualdade. Porém, o evento ganhou grandes proporções e diversos grupos viram
nesse evento, a possibilidade de ganhar notoriedade em meio a essa cultura, sem ter
que passar pelo 'calvário' dos meios formais (editoras). A medida em que o evento
crescia de tamanho, parte impulsionada pelo próprio movimento que levou a sua
formação e outra, pela possibilidade de ingresso ao mercado de animes e mangás,
cresciam também os meios de distribuição fora do evento, fazendo movimentar um
mercado considerável, atingindo a marca de 135 milhões de dólares (Tamagawa,
2010) contra 2.6 bilhões (Tamagawa, 2010), do mercado formal de mangás. Apesar
dos valores representarem apenas uma fração em relação ao mercado de mangás, os
números escondem um outro movimento em relação ao evento, muito mais
interessante. Algumas das franquias de grande sucesso, tiveram origem no Comic
Market e dadas as características do evento, é impossível que tais franquias tenham

86
surgido a partir de políticas de grandes estúdios de animação e desenho. Títulos como
Fate/ Stay Night, Tsukihime, Higurashi no Naku Koro ni e autores famosos como
CLAMP (essa, inclusive, com mangás publicados no Brasil pela editora JBC) surgiram
a partir do Comic Market. Dessa forma, observa-se o evento teve implicações diretas
no mercado de mangás e animes, não tanto como um centro alternativo de
distribuição, mas como uma forma de propaganda de ideias, que podem ser
aproveitadas pelo mercado formal de mangás e animes.

Eventos de Anime no Brasil – Evolução, Retrocesso e o Anime Friends

Como observado, o Comic Market surgiu em um momento no qual os fãs de


animes se colocam contra os moldes sociais e estruturais que haviam se construído
em torno deles. O evento foi um marco que sacramentava esse posicionamento, pois
desde o sua origem, foi vetada quaisquer tipos de atitudes que fizessem alusão a ideia
de hierarquia fazendo com que se tornasse um espaço de livre-expressão. Em um
momento posterior, o Comic Market foi apropriado de forma indireta pelo mercado
formal de mangás, fazendo com que ele a liberdade criativa antes colocada como uma
forma de oposição, se tornasse uma das formas usadas pelo mercado de animes e
mangás para se manter ativa.
O Brasil teve uma evolução, em relação aos eventos de animes, que possui
certas similaridades com o Comic Market e com eventos nos Estados Unidos, mas
tambem possui peculiaridades relacionadas, claro, ao contexto socio-cultural e
econômico brasileiro. Como tratar da evolução dos eventos de animes brasileiros é
muito difícil devido a falta de literatura especializada nesse aspecto em específico,
alias, pela falta de literatura especializada em animes e mangás, no Brasil, que ainda
tratam os animes e mangás pelo seu caráter fenomenológico, com raras exceções,
optou-se nesse capítulo em específico por uma abordagem híbrida que levou em
conta o uso de materiais não comuns ao meio acadêmico, tais como blogs, fóruns de
discussão, sites especializados em animes e mangás, sites específicos ao universo dos
fãs, contatos em redes sociais e o uso conjunto de meios conhecidos da geografia, tais
como a estatística, trabalhos em campo (observações), um pouco das ferramentas SIG
e da experiencia pessoal, tendo sido participante ativo durante um período
87
considerável de tempo de algumas atividades relacionadas a esse meio.
Existe uma dificuldade em se definir exatamente quando e onde os eventos de
animes começaram no Brasil devido a diversos embates ideológicos existentes entre
as pessoas que envolveram-se no surgimento de alguns deles, mas independente de
posicionamento, observou-se alguns fatos interessantes. Primeiramente, Lourenço ao
estudar a fundo como se deu a entrada dos animes e mangás no Brasil, nos mostra
que diversas pessoas ligadas aos animes em mangás no país começaram seus
trabalhos após mudarem-se para o bairro da Liberdade:

“Tendo nascido em 1945 e vivido sua infância em uma colônia, Keizi foi para
São Paulo com 19 anos. Como muitos descendentes de japoneses que iam
para a capital, foi morar no Bairro da Liberdade; esse bairro ainda hoje
um ponto de referência da comunidade Nikkei em São Paulo.”
(LOURENÇO,2009 p.108)

“Um belo dia eu estava dormindo no meu quartinho de estudante, e um cara


me tirou da cama, convidando para trabalhar para uma editora que estava
abrindo. Era o Minami Keizi [conhecido de Salvador Bentivegna], que estava
fundando a Edrel. Assim, quase sem saber desenhar, virei profissional. Era o
final da década de 1960” (LOURENÇO, 2009 p.109 citando SATO, 2008
p.131)

A própria Editora fundada por Minami Keizi, a Edrel, que foi responsável pela
iniciativa do mangá nacional e durante os anos 60 chegou a lançar o National Kid –
uma das primeiras séries de tokusatsus exibidas no país, se localizava na rua
Tamandaré, no bairro da Liberdade. Em período posterior, já nos anos 80, Lourenço,
ao tratar de como os animes entraram na programação da TV brasileira, cita a figura
de Toshihiko Egashira e novamente, reitera a centralidade que o bairro da Liberdade
teve, para a comunidade nipônica.

“Fundei a Everest Video em 1986. No início mexia mais com filmes. Não
conhecia muito como funcionava a televisão. Antes de começar a Everest eu
já lidava com vídeo, pois tinha uma locadora no bairro da Liberdade. Trazia
fitas com programas japoneses para atender a colônia e esses seriados
tokusatsu, na época ainda os anteriores ao Jaspion, vinham junto. Como eles
faziam sucesso entre as crianças, resolvi ir atrás dos direitos originais, pois
percebi que essas produções tinham potencial para dar certo com o grande
público.” (LOURENÇO, 2009 p.116 citando EGASHIRA, s/d, p.10)

A distribuição de filmes japoneses em fitas VHS fez parte da infância de muitos


que tiveram contato com animes na TV aberta, bem como a relação próxima com o
bairro da Liberdade, na época (idos do final dos anos 80) ainda era
predominantemente japonesa. Meus pais e tios passaram por um processo similar ao

88
descrito por Lourenço: Vinham de comunidades, sítios ou cidades do interior do
estado para fixar-se em São Paulo. Meu pai, como filho mais velho (lembremo-nos
que a cultura hierárquica, vista em McCargo sempre foi muito enraizada no Japão e
por conseguinte entre os imigrantes) foi o primeiro dos 11 filhos a vir para a cidade,
instalando-se em um pequeno cômodo no bairro da Liberdade. Durante o período em
que morou no bairro e nos arredores, foi frequentador dos cinemas existentes na
região, durante os anos 60, sendo contemporâneo ao surgimento da editora Edrel.
Em momento posterior, já casado e morando em outra região da cidade, costumava
alugar fitas VHS em locadoras especializadas em filmes para a comunidade japonesa,
tal como citado por Lourenço, trazendo filmes de Akira Kurosawa e outros cineastas
japoneses, muitos em preto e branco. Ainda reiterando como o bairro da Liberdade
fez parte de minha infância e juventude, minha avó costumava frequentar as livrarias
especializadas em literatura japonesa na região, bem como participar de grupos que
faziam estudos sobre o Haiku (poesia japonesa) no Bunkyo, nas proximidades da
estação São Joaquim do metro, e não eram raras as vezes que a via, imersa em seus
estudos em meio a algumas dezenas de livros.
Tem-se consciência de que utilizar-se de experiencias pessoais em trabalhos
acadêmicos requer extremo cuidado pois sem o embasamento teórico adequado, tal
material acaba por retirar o rigor científico no mesmo, criando-se falácias e
conclusões sem valor científico, porém, tentou-se demonstrar, nesse caso específico,
que o bairro da Liberdade representou a centralidade tanto da comunidade nipônica,
quanto da cultura japonesa, que posteriormente deu origem aos eventos de animes,
como veremos a seguir.
Levando em conta o papel do bairro da Liberdade, no que diz respeito ao
surgimento de iniciativas em relação aos mangás nacionais e do surgimento de
entidades ligadas a preservação da cultura japonesa, não é estranho imaginar que a
primeira iniciativa no que diz respeito a divulgação de quadrinhos e mangás surgisse
nessa região da cidade, na Associação Brasileira de Cultura Japonesa, ou Bunkyo
como é mais conhecido em meio a comunidade japonesa mais antiga. Essa associação
passou a realizar, desde o início da década de 80 através de um pedido de Noriyuki
Sato (ex-integrante da editora Edrel), exposições com o objetivo de divulgar os
quadrinhos e mangás no Brasil.

89
“Noriyuki sempre acreditou que era preciso organizar exposições para que o
pessoal da área de HQ pudesse se reunir, e nessas ocasiões poderiam surgir
boas idéias. Na Grafipar, que ficava em Curitiba, os roteiristas como o
Noriyuki enviavam os textos pelo correio para o editor Cláudio Seto. E o Seto
reenviava aquele texto para os desenhistas mais apropriados para aquele
assunto. Assim, roteiristas e desenhistas trabalhavam juntos, mas não se
conheciam. Noriyuki havia participado da revista Quadreca da USP, editada
pela profa. Sonia Luyten, mas não a conhecia. Foi na Exposição de
Quadrinhos realizada no Sesc Interlagos em janeiro de 1978 que a
conheceu. Aliás, naquele evento acabou conhecendo o pessoal jovem da
HQ como o Jal, Franco de Rosa, Ataíde Braz, Roberto Kussumoto e a turma
que fazia fanzine de quadrinhos nas faculdades.” (SATO, Francisto Noriyuki.
História do Mangá antes da II Guerra. Em: <http://www.abrademi.com/?
page_id=71>. Acesso em: 22 dezembro de 2013.)

Percebe-se que desde muito antes do surgimento dos grandes eventos de


animes na cidade (Animecon e Anime Friends), havia um grande interesse por parte
de um grupo de pessoas em divulgar os quadrinhos e mangás, em parte, por terem
tido um contato e conviverem com o mundo dos quadrinhos e dos mangás por muitos
anos. Esse contexto, é muito similar ao observado por Eng, no que diz respeito ao
surgimento dos primeiros eventos de animes, nos Estados Unidos, pois os mesmos
surgiram a partir de iniciativa de pessoas que tiveram ligação íntima com esse
universo.

“Members of some of the early anime clubs would go on to work in the anime
industry or to organize major conventions. Some members of Cal-Animage
Alpha, the University of California, Berkeley, anime club, would eventually
found Anime Expo, one of the largest anime trade conventions in the United
States.” (ENG, 2012 p.163 In Fandom Unbound)32

Porém, é também a partir desse momento que podemos começar a delinear


algumas características específicas da realidade brasileira, que mesmo antes do
surgimento dos eventos, passaria a moldar o modo como eles iriam se desenvolver.
Haviam exposições de quadrinhos realizados no Bunkyo, a pedido de Seto e outras
pessoas no sentido de divulgar essa forma de arte. Uma dessas exposições de
quadrinhos, que se realizavam no espaço cedido pela associação, foi abruptamente
cancelada e o espaço cedido a uma empresa, a Yakult. A principio, a discordância
entre a gerencia da associação cultural e os idealizadores das exposições nos aparece
como um desentendimento rotineiro, mas existem alguns fatores interessantes a se
32 Tradução: “Os membros de alguns dos primeiros clubes de animes foram trabalhar para indústria
dos animes ou organizar convenções maiores. Alguns membros do Cal-Animage Alpha, da
Universidade da Califórnia e clube de anime da Berkeley foram eventualmente fundar a Anime
Expo, um dos maiores eventos de anime nos Estados Unidos.” (ENG, 2012 p.163 In Fandom
Unbound)
90
considerar. A respeito da discórdia:

“Alguns meses antes da data marcada, porém, a exposição foi desmarcada


sem nenhum aviso pelo gerente da entidade, que alugou o espaço para a
empresa Yakult. Ao ser questionado do porquê do cancelamento de um
evento marcado com um ano de antecedência, veio a resposta, curta e grossa:
“Vocês não pagam aluguel”. Revoltados com o fato, uma vez que a exposição
de quadrinhos era um evento oficial da própria entidade, e que não causava
nenhum gasto para a entidade, pois os trabalhos eram trazidos, montados e
expostos pela própria comissão organizadora, Noriyuki e Naomy Kuroda,
membros da comissão, foram falar com o presidente do Bunkyo,
Masuichi Omi.

Na reunião com Masuichi Omi em sua residência, a dupla ouviu


palavras de apoio à iniciativa, porém, o presidente disse-lhes que não
poderia fazer nada para resolver essa questão das datas para a exposição.
Ele não sabia do que havia ocorrido, porém, lembrou que na locação com
uma empresa havia um contrato e esse teria que ser respeitado. Ao invés
disso, sugeriu que se fundasse uma associação, e que essa entidade
assinasse um contrato com o Bunkyo, ficando as futuras exposições
asseguradas na data escolhida” (SATO, Francisto Noriyuki. História do
Mangá antes da II Guerra. Em: <http://www.abrademi.com/?
page_id=71>. Acesso em: 22 dezembro de 2013.)

O que mais nos chama a atenção nesse excerto é o tamanho da contradição que
quase nos salta aos olhos. Como é que, uma associação destinada a cultura japonesa
se colocava contrária a uma atividade que dizia respeito a divulgação dos quadrinhos
e mangás? Parte da resposta, pode ser obtida na própria citação, pois buscou-se para
a resolução do desentendimento, a formação de uma entidade e a partir dela, a
assinatura de um contrato que possibilitasse o uso do espaço. Percebe-se nesse
pequeno exemplo, uma característica importante da urbanização brasileira
proveniente da década de 50, que priorizou a canalização do capital público para
empresas privadas, dando-lhes nos anos subsequentes, cada vez mais poder de
decisão, que levou a:

“(...)urbanização corporativa, isto é, empreendida sob o comando dos


interesses das grandes firmas, constitui um receptáculo das consequências
de uma expansão capitalista devorante dos recursos públicos, uma vez que
são orientados para os investimentos econômicos, em detrimento dos gastos
sociais” (SANTOS, 2008 p.105)

Milton Santos observa as cidades brasileiras de forma bastante ampla e


complexa, e tal complexidade é certas vezes, de difícil apreensão (ainda mais, para
um aluno de graduação), mas apesar disso, foi possível notar que o autor é muito
claro no que diz respeito ao poder que as corporações e o capital privado tem, em

91
meio a cidade. Podemos perceber que a ideologia dos interesses corporativos já se
fazia muito presente, como visto no contexto que levou ao surgimento da primeira
associação ligada aos animes e mangás.
Foi então, que em 1984 fundou-se a ABRADEMI (Associação Brasileira de
Mangá e Ilustrações) a partir da união de um grupo específico de estudos de mangá,
existente na USP e coordenada pela professora Sonia Luyten da ECA e de pessoas
envolvidas com a elaboração das exibições de quadrinhos e mangás no Bunkyo. Nesse
momento, percebe-se semelhanças em relação ao Comic Market, principalmente no
que diz respeito as questões financeiras: Nunca foi objetivo do evento japonês e nem
da associação brasileira, divulgar seus propósitos com objetivos puramente
financeiros, apesar de haver uma ligeira preocupação, no caso brasileiro, em manter
os custos da associação. Porém, no mesmo ano, um acontecimento de relevância
considerável acontecia: A visita de Osamu Tezuka ao país.
É desnecessário mencionar, nesse momento, o tamanho e importância de
Tezuka em relação aos mangás e animes, mas a sua visita não foi vista com tamanha
importância devido ao contexto político no qual o país se encontrava e a força que as
reivindicações sociais ganhavam. Cabe lembrar que poucos meses antes da visita do
desenhista, que ocorria em setembro, uma gigantesca movimentação em prol das
eleições democráticas, ocorria na Praça da Sé ofuscando ,com razão, a visita de
Tezuka. Apesar disso, o desenhista deixou um enorme legado nos poucos dias em que
esteve no país, dando conselhos, sobretudo as pessoas interessadas em iniciar-se na
carreira do mangá.

“Dentro de sua intensa programação, Tezuka ministrou uma palestra para a


coletividade nipo-brasileira, na Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa,
uma palestra especial para os profissionais brasileiros no Hotel Caesar
Park, e uma aula especial para os associados da Abrademi. Todas essas
palestras foram gravadas pelo Marcos Mikio Oiwa e pelo Worney, e foram
transcritas por Sumire Misawa e Noriyuki Sato e publicadas no fanzine
Quadrix nº 4 (na Edição Abrademi, esse Quadrix é o nº 2)”.(SATO, Francisto
Noriyuki. ABRADEMI e a visita de Osamu Tezuka ao Brasil. Em:
<http://www.abrademi.com/?page_id=71>. Acesso em: 22
dezembro de 2013.)

Seguindo o legado deixado por Tezuka, em 1988 ocorria a fundação de outro


grupo, formado por ex-integrantes da ABRADEMI, a ORCADE (Organização Cultural
de Animação e Desenho) que tinha como seu presidente, Sérgio Peixoto da Silva,

92
iniciando o período do surgimento de eventos de animes no Brasil. Não existe uma
divisão muito clara de quando encontros promovidos por fãs ou organizações como a
ABRADEMI, se tornaram eventos, pois a sua evolução foi muito gradual. Peixoto em
seu blog, afirma de forma categórica como eventos de animes são:

“Para evitar confusões e contra-argumentação, vamos deixar claro o que


estamos chamando de “evento”: são aqueles encontros de fãs e/ou
interessados em conhecer mais sobre anime/mangá que acontecem
atualmente em todo o país utilizando escolas, centros culturais, SESCs ou
qualquer outro espaço que se consiga. São organizados em sua maioria
grupos de fãs e ocorrem nos finais de semana ou emendas de feriados. Estes
eventos seguem um padrão, apresentando o mesmo formato e com as
mesmas atividades, não importa em que parte do país aconteçam:
exibições de animes, palestras com dubladores ou convidados especiais
(desenhistas, roteiristas, editores, etc), show de bandas tocando músicas de
animes, estandes vendendo produtos que interessam aos fãs (botons,
chaveiros, miniaturas de personagens de anime, mangás, posteres,
etc.), desfile e concurso de cosplay, exposições variadas e campeonatos de
videogames e card games. (SILVA, Sérgio Peixoto. Os primeiros eventos para
fãs de anime/mangá no Brasil. Em:
<http://www.animaxmagazine.com/2013/03/os-primeiros-eventos-
para-fas-de.html>. Acesso em: 21 dezembro de 2013.)

Peixoto vai além e considera que o primeiro evento de anime realizado no Brasil
ocorria em 1988, data da fundação da ORCADE, devidamente comprovado com fotos
e de notas publicadas em jornais e revistas.

“(...)o primeiro grande evento para fãs de anime e mangá totalmente


organizado por brasileiros aconteceu de 02 a 31 de julho de 1988, no SESC
Pompéia, feito para comemorar a fundação da a ORCADE – ORganização
Cultural de Animação e Desenho, grupo de fãs fundado por mim e pelo
falecido José Roberto Pereira”(SILVA, Sérgio Peixoto. Os primeiros eventos
para fãs de anime/mangá no Brasil. Em:
<http://www.animaxmagazine.com/2013/03/os-primeiros-eventos-para-
fas-de.html>. Acesso em: 21 dezembro de 2013.)

Porém, o primeiro 'evento' no qual muitas das pessoas se recorda foi o


Mangacon, realizado em 1996 e que foi para muitos dessa geração, o primeiro contato
com o mundo dos animes e mangás (a minha ocorria em um momento bastante
posterior, no Animecon 2002). Independente da importância da posição de 'primeiro
evento', devemos considerar que a partir do final da década de 80, vários eventos de
anime proliferavam ao redor do país, principalmente em cidades onde havia a

93
presença de colonias japonesas, como Curitiba, Porto Alegre e Belo Horizonte. Os
eventos realizados durante a década de 90 eram similares as primeiras versões do
Comic Market, em tamanho, reunindo-se cerca de 1000 pessoas durante os 2 ou 3
dias de realização.
A observação do arquivo fotográfico relativo aos primeiros eventos, nos
permite observar que tais eventos tinham realmente, o objetivo de divulgar a cultura
japonesa, tanto pela diversidade das atividades oferecidas (exibições de animes,
workshops, pequenos desfiles de cosplay) quando pela ausência de um espaço
destinado a compra e venda de objetos ligados aos animes e mangás, como gorros,
camisetas, chaveiros e figures, o que reitera que o objetivo do evento não era a
comercialização, mas a divulgação. Parte de seus participantes, foi influenciado pela
série Cavaleiros do Zodíaco, exibida no Brasil durante o ano de 1994 e 1995 mas é
difícil precisar quantas pessoas foram ao Mangacon e Animecon influenciados por
essas séries, e quais tinham uma ligação mais íntima com os animes e mangás antes
disso. Porém por se tratar de um evento ligado a uma cultura muito específica e
pouco divulgada e lembrando-nos que Cavaleiros do zodíaco foi exibida como uma
série para crianças não é possível que as primeiras pessoas a ir nos eventos realizados
durante a década de 90 foram influenciados por essa série pois ambos foram
contemporâneos. Dada a diferença entre o foco que Cavaleiros do Zodiaco tinha na
TV e o que os eventos se propunham a realizar e divulgar, é improvável que houvesse
uma ligação direta.
As primeiras tendências de que os eventos estariam prestes a mudar,
começaram no Animecon, evento foi realizado anualmente, entre 1999 e 2010. Foi
também meu primeiro contanto mais substancial com esse universo e com suas
práticas relacionadas. Frequentei mais de 25 eventos de animes no intervalo entre
2002 e 2013, alguns deles como 'cosplayer', alguns (poucos) como membro de bandas
especializadas em tocar músicas de animes (anisongs), e parte desse período,
pertencente a um fórum de discussão em torno do cosplay que, também se tornava
um espaço para conversas em torno dos animes e mangás. Além disso, diversos
amigos tiveram níveis diferentes de envolvimento com tais eventos, alguns deles
participando como staffs (ajudantes) e até de comissões organizadoras. Não tive um
nível administrativo de engajamento como alguns de meus amigos, mas os anos de
contato com essa cultura permitem, baseado nas observações durante os anos,

94
afirmar com certa clareza, como os eventos se modificaram após o Animecon.
A partir desse momento, a evolução dos eventos será contada a partir de outra
perspectiva, em uma relação semelhante a do geógrafo e o trabalho de campo, em
uma reflexão em torno dos eventos nos quais participei. O primeiro evento no qual
estive, foi o Animecon realizado em 2002 no colégio Arquidiocesano, próximo a
estação Santa Cruz do metro. Para uma pessoa totalmente desacostumada com a
ideia de um 'evento de anime', as proporções do local eram consideravelmente
grandes (cerca de 10mil metros quadrados). Além disso, a ideia de um evento, para
mim, era associada a ideia de venda, pois já havia frequentado salões de automóveis e
eventos ligados a pesca, todos eles, voltados a divulgação de produtos e não de ideias,
reiterando o que foi observado por Santos e por outros geógrafos, que tratam da
importância que questões econômicas tem em detrimento as questões sociais e de
como se tornou um meio para enriquecer, as custas da alienação do público
brasileiro.
O primeiro choque ocorria já na fila da entrada, nos portões da rua Loefgreen.
Havia uma fila de pessoas que dobrava a esquina entre essa rua e a rua Afonso Celso e
certamente, não imaginava que existiam tantas pessoas interessadas nesses 'animes e
mangas'. Na fila, haviam pessoas 'fantasiadas' de personagens que não reconhecia, e
no momento, não tinha conhecimento sobre a prática do cosplay, característico dos
frequentadores de eventos brasileiros. As duas possibilidades que pensava no
momento, eram que tais pessoas pudessem ser parte de um grupo de teatro ou
ligadas a festividades como o carnaval, única referência mais próxima que possuía.
Ao adentrar o evento, mais pessoas 'fantasiadas' e dessa vez, de personagens
no qual eu havia conhecido, através de mangás, cujo contato aconteceu em 2001 por
conta de um amigo, que me apresentava uma das edições iniciais do mangá Rurouni
Kenshin, publicado pela editora JBC. O fato me chamou a atenção e munido de
minha câmera (de filme), decidi que deveria registrar algumas dessas pessoas. Ao
pedir a elas, um momento para que pudesse tirar as fotos, era notório que nenhuma
delas, fossem ligadas a áreas artísticas ou de teatro devido ao comportamento. Muitas
eram, assim como eu, eram bastante tímidas ao se aproximar. Outras se esforçavam
para imitar as poses dos personagens aos quais representavam e ficam apreensivas.
A educação de muitas delas me chamou a atenção, pois novamente, ainda sob a
influencia do mundo da imagem e da marca, esperava uma espécie de hierarquização

95
entre eles, os já 'inseridos' nessa lógica, e eu, que não fazia parte dela. Minhas
observações em relação ao primeiro evento, se assemelham um pouco as de Lourenço
e sua inserção nos eventos de animes para seu estudo:

“Pelo fato do ambiente dos eventos ser consideravelmente festivo, com


grande agitação, movimentação constante e atividades variadas, ele tria uma
atmosfera divertida gerando uma grande interação entre os participantes.
Como há muita aletria dentro do evento, cria- se uma atmosfera agradável
e propicia para que as pessoas estejam, em geral, de bom humor.”
(LOURENÇO, 2009 p.237)

O bom humor, como descrito por ele, era visível no primeiro evento de anime
no qual participei e foi durante muito tempo, característica marcante dos eventos de
animes até sua reestruturação e re-significação ocorrida com o advento do Anime
Friends. Havia também uma certa ordem durante o evento, não havia a 'zoação'
característica dos jovens e dos eventos de animes mais atuais, era um ambiente onde
se podia apreciar o universo dos animes e mangás.
Também circulando pelo evento, pude notar que havia em uma das
dependências do colégio, salas de clubes, muitas delas especializadas na exibição de
animes. O fato interessante sobre elas é que não havia diferenciação entre as pessoas
que circulavam pelo evento e as que pertenciam aos clubes, era um ambiente de livre
acesso onde era possível sentar-se e apreciar os animes que eram exibidos. Essas
salas tinham um sentido similar ao dos encontros de fãs de ficção científica nos
Estados Unidos dos anos 60, principalmente no que diz respeito a divulgação de
animes, visto que a banda larga brasileira ainda não tinha a expansão e qualidade que
possuem atualmente. O espaço como um todo também tinha sua semelhança com o
Comic Market, principalmente no que diz respeito a ausência de hierarquia e de como
o aspecto comercial, da venda de produtos e do anime e manga como uma marca, não
existia nesse evento, que era similar ao Comic Market em sua concepção inicial.
Após a visita ao evento, passei a me tornar mais 'engajado', nas palavras de
Lourenço, em atividades relacionadas aos animes e mangás. Participei do falecido
Fórum Cosplay Brasil, comunidade dedicada a discussão a respeito dessa prática e de
assuntos relacionados aos animes e mangás. Havia no fórum uma heterogeneidade
muito grande, quando ao nível de formação: Alguns eram recém ingressantes no
ensino médio, outros já se encontravam na casa dos 25 anos ou mais, demonstrando

96
que tratava-se de um fenômeno cuja idade era independente do nível de
engajamento. Além disso, o fórum promovia encontros aos sábados, no bairro da
Liberdade, onde pude conhecer pessoas que compartilhavam do mesmo gosto por
animes e mangas. Nesse aspecto, o Fórum Cosplay Brasil, era

“Contrary to the stereotypical image of the otaku as socially isolated, anime


fan communities are highly social and networked, relying on a combination of
online and offline connections” (ENG, 2010 p.158)33

o que de fato acontecia nos encontros do forum, pois a internet servia como meio de
comunicação durante a semana e aos finais de semana e em eventos, os encontros
'offline' eram colocados em prática.

Porém, o que realmente me havia motivado a frequentar o fórum era, é claro, a


pratica do Cosplay. O termo tem suas origens nebulosas, autores como Okabe
apontam que a origem do termo ocorreu devido a necessidade do uso de roupas
adequadas, em peças de teatro de cunho histórico. Autores americanos, como Winge,
defendem que a origem do termo ocorreu a partir da Masquerade, uma prática que
ocorre nos eventos de ficção científica americanos, que envolve apresentações de
pessoas caracterizadas nas vestes de algum personagem e a sua atuação perante um
público, em geral, representando alguma cena característica desse personagem
(OKABE, 2010 p.229). Nesse aspecto, o Cosplay seria uma adaptação japonesa a
essência do Masquerade, uma junção dos termos Costume e Play.

Existem diversas abordagem em torno da prática e as diferentes visões a


respeito dela são igualmente conflitantes e em certos aspectos, semelhante a do
embate em relação a quem eram os fãs de animes, ocorrida no início da década de 90
no Japão. Podemos observar a prática a luz do que foi dito por Azuma e observar o
cosplay (e a importância que se dá a vestimenta) como um reflexo da fragmentação
dos animes e mangás: O cosplayer seria a representação física, de como no momento
atual, a atração em relação aos mangás se dá pelos seus detalhes, e não pelas histórias
e sua relação com o mundo. Considerando algumas vestimentas, existem também,
abordagens como as de Ivy que tratam dos fãs de anime como pessoas imaturas,
33 Tradução: “Contrário ao estereótipo do otaku como socialmente isolados, as comunidades de
animes eram altamente sociais e inter-ligadas, usando-se de uma combinação entre conexões
online e offline.” (ENG, 2010 p.158)
97
devido a importância que muitos dão a questão da imagem, sendo o cosplay, o
aspecto mais representativo das questões vistas por ela. Outros, como Okabe, Eng e
Lourenço veem os animes e mangas como atividades de alta socialização, onde a
troca de experiencias está na essência dos fãs de animes e dessa forma, o cosplay seria
um modo de inserção.
O que pude perceber no contato com o fórum é que, ao menos no Brasil, essa
prática surgiu como uma forma de socialização, não tanto a respeito das técnicas de
confecção, mas em relação a um contexto maior: 'Fazer' cosplay, significava para as
outras pessoas que faziam parte da comunidade, um dos maiores níveis de
engajamento em relação aos animes e mangas, pois era necessário ter um profundo
conhecimento da história e do personagem a se fazer o cosplay.

“A realização de um cosplay costumava ser comentada pelos cosplayers com


os quais conversei, tendo como principal justificativa uma identificação com
a personagem representada. Essa identificação seria um dos componentes
que explicaria o comprometimento dos aficionados mais antigos com essa
pratica.” (LOURENÇO, 2009 p.271)

Além disso, Lourenço ainda nota o caráter socializante da prática

“Muitos acham que essas pessoas fazem isso para aparecer. NÃO É
VERDADE, trata-se apenas de uma forma de diversão. É legal representar
um personagem que você gosta e melhor ainda, ser reconhecido. É
gratificante quando alguém chega em você e diz o quanto está legal sua
fantasia.” (LOURENÇO, 2009 p.271 citando LOBÃO, 2006 p.92)

reiterando,

“Cosplayers' meaning creation is not a solitary or temporary activity.


Through the continued participation and activity of a multitude, cosplay
becomes a cultural pratice. It is rare for cosplayes to attend events alone.
Many decide which characters cosplay as a group with friends and go to
events together.” (OKABE, 2012 p.231)34

Todas as características descritas, a identificação para com o personagem, o

34 Tradução: “'Cosplayers' como criação, não é uma atividade temporária ou solitária. Através da
atividade e participação contínuas (em relação ao envolvimento na atividade) o cosplay se torna
uma prática cultural. É raro os cosplayers irem aos eventos sozinhos. Muitos decidem os
persoagens a se fazer cosplay em grupo, com os amigos, indo aos eventos juntos.” (OKABE, 2012
p.231)
98
reconhecimento pelas pessoas e o fato de ser uma atividade social se faziam presentes
no fórum, o que me fez notar que a sua prática, além do consumo de mangás e
animes, era muito significativa e prazerosa em relação ao universo dos animes e
mangás. Era uma atividade colaborativa e nesse aspecto, os eventos eram espaços
onde era possível expressar, através da prática do cosplay, o seu engajamento com os
animes e mangás, sem que se entrasse em juízos de valor, e portanto, extremamente
similar com a concepção do Comic Market.
Porém, com o passar do tempo e principalmente com o advento do Anime
Friends, os eventos deixaram gradativamente de possuir esse caráter de 'liberdade'
para cada vez mais, serem reflexos da cultura do dinheiro, presente de forma clara na

“(...)substituição rápida e brutal, o triunfo, ainda que superficial, de uma


filosofia de vida que privilegia os meios materiais e se despreocupa com os
aspectos finalistas da existência e entroniza o egoismo como lei superior,
porque é o instrumento da buscada ascensão social. Em lugar do cidadão
formou-se um consumidor, que aceita ser chamado de usuário. (SANTOS,
1998 p.13)

Essa situação observada por Santos, foi percebida de maneira sutil na


fundação da ABRADEMI e por Silva, na necessidade da presença de um público
mínimo, presente nos eventos de animes, para que a locação do espaço pudesse ser
paga.

“Não existe uma quantidade fixa de publico para definir que um evento é um
evento, mas para sustentar os custos de toda a estrutura acima descrita, um
mínimo de 500 pessoas pagando ingresso por dia é necessário” (SILVA,
Sérgio Peixoto. Os primeiros eventos para fãs de anime/mangá no
Brasil. Em: <http://www.animaxmagazine.com/2013/03/os-primeiros-
eventos-para-fas-de.html>. Acesso em: 21 dezembro de 2013.)

Existem também, comentários de que havia uma certa dificuldade em se


conseguir espaços, devido a inflação dos preços das locações, pois tratava-se de um
fenômeno que se encontrava em pleno crescimento na cidade.

“Heh, me lembro de tudo isso. Eu fui um dos 5 fundadores da Animecon,


junto com o Peixoto, Celso, Marcelo e Karina. Faz um tempão mesmo!
olha que ainda tenho boletos de ingressos do primeiro evento. Uma das
razoes que tivemos que ficar mudando de local era por causa dos próprios
donos dos locais; ao ver o sucesso do evento, queriam cada vez mais grana
para locação, e ficava caro demais para realizar o evento por la. Uma
99
vergonha que SP, sendo uma das maiores cidades do mundo, não tem um
cento de convenções modernizados a altura...” (RODRIGUES,Ronaldo.
Animecon e o início dos grandes eventos. Em:
<http://willoserotaku.blogspot.com.br/2011/05/anime-con-o-
inicio-dos-grandes- eventos.html>. Acesso em: 21 dezembro
de 2013.)

O que foi observado nos excertos acima, pode também ser visto no aumento
gradativo no preço dos ingressos. Tomando como exemplo o Anime Friends, em suas
primeiras edições pagava-se cerca de quarenta reais para o acesso nos três dias de
eventos. Atualmente, o valor dos ingressos circula entre 80 e 90 reais para o pacote,
como uma série de agravantes legais, sendo vendidos como se fossem valores de
meia-entrada, assunto que será tratado no capítulo subsequente. N
Voltando-nos aos eventos, o Anime Friends foi revolucionário, no que diz
respeito aos eventos de animes no Brasil, mas ao mesmo tempo representou um
retrocesso em tudo o que foi conquistado até o momento. Além das atividades já
observadas no Animecon e em outros eventos, o Anime Friends foi inovador,
utilizando-se de uma aproximação similar ao da TV manchete, em relação a entrada
de animes no Brasil: Ao trazer pela primeira vez, atrações internacionais ligadas a
séries japonesas ( Jaspion, Jiraya, etc) exibidas na TV durante o final dos anos 80, o
evento conseguia, sem grandes investimentos, atrair um público que era ligado ao
mundo dos animes e mangás mas não totalmente engajado: O de pessoas que
assistiram as séries japonesas no início da década de 80, tiveram um envolvimento
pequeno ou parcial com os animes e agora, dada a possibilidade de rever as musicas
que outrora fizeram parte de sua infância, passavam a frequentar o evento.
Além disso, houve o surgimento de inúmeros stands relativos a venda de
produtos relacionados aos animes e mangás, como broches, chaveiros, acessórios, etc,
que são em parte, reflexo da fragmentação dos animes e mangás observada por
Azuma no Japão e o consumo das suas 'partes'. No caso brasileiro, pode ser atribuída
a uma tentativa de transformar o evento, antes de caráter amador, em algo mais
profissional, dado que grande parte da cidade é regida pelo consumo e o culto ao
dinheiro, onde destaca-se o poder do corporativismo.

“As cidades e, sobretudo, as metrópoles são corporativas, mas não apenas


pelas facilidades que criam ou representam para a operação das grandes
empresas, das corporações econômicas. A palavra corporação, alias, foi
primeiro aplicada para nomear o sistema produtivo que, na Idade Média,

100
reunia artesãos e comerciantes, em torno de determinados ofícios,
atribuindo-lhes o privilegio de um oficio ou de uma atividade. Em seguida, o
vocábulo foi empregado para caracterizar, pejorativamente, grupos fechados,
reunidos em torno de seus interesses exclusivos, sem referencia aos
interesses dos outros.” (SANTOS, 2008 p.120)

Pôde-se observar as tendencias dessa mentalidade, observando-se a evolução


do Anime Friends com o passar dos anos. Observei, durante os inúmeros eventos
realizados pela corporação Yamato, o surgimento de stands, que vendiam
inicialmente pequenos acessórios ligados aos animes e mangás e passaram, com o
tempo a se diversificar, vendendo camisetas ligadas a cultura 'nerd' e outros produtos
que outrora, eram difíceis de se obter. A popularização da internet como meio de
comunicação, da prática do fansub e a distribuição deles via sites e plataformas de
compartilhamento (torrent, IRC) e a publicação de mangás traduzidos por editoras
como Panini, JBC e Conrad, fez com que um produto, antes de difícil acesso se
tornasse, de certa forma, massificado, e assim, algumas práticas, como o de cosplay se
esvaziaram de sentido. Realizar um cosplay, deixava de representar o quanto uma
pessoa era envolvida com os animes e mangás, a ponto de representar o seu
personagem favorito para esvaziar-se de seu sentido original e ganhar, um caráter
mercantil.

“Esse senso, de estar prestando uma homenagem ao personagem se diluiu


um pouco entre os aficionados mais jovens, os quais se encantam com o
ambiente alegre e multicolorido e consideram tudo uma festa, uma
oportunidade para se divertir- assim, as vezes até parece estranho ver um
cosplayer realizando apresentações tensas e dramáticas em frente de um
publico alegre, gritando e rindo. Comprar um cosplay não era a norma entre
os cosplayers mais antigos, porém essa concepção não é hegemonica entre os
otakus mais recentes – o importante é se fantasiar e se divertir. (…).
Tambem há o surgimento de pessoas se profissionalizando na produção de
adereços e de fantasias inteiras, que torna tal perspectiva mais
comum. Antes, os cosplayers eram poucos em relação ao público geral, hoje
alguns cosplayers de mais fácil composição são vistos com frequência nos
eventos” (LOURENÇO, p.272)

A existência de premiações e de um circuito mundial de cosplay, o World


Cosplay Summit que premia os melhores do mundo nesse aspecto, é pivotal, ao
representar como a prática, foi apropriada como uma forma de comércio, de como
tudo, dentro do evento, voltou-se a esse fim e de como parte dos novos
frequentadores dos eventos é totalmente alienada dos processos que levaram os

101
animes a chegarem no país. Lourenço observa a presença do que ele chama de
'cosplays de boutique', que são pessoas “que para se vestir como Naruto, comprou
uma jaqueta, calça, bandana e kunai (réplica de uma arma ninja) em algum estande
de evento”. Tambem, em minhas observações, passei por situações inusitadas que
demonstravam o quanto a prática tinha sido muito diluída.
Houveram alguns eventos (provavelmente percebida por Lourenço), em que o
anime Naruto, estava em alta. Havia uma infinidade de pessoas, se vestindo dos
personagens da série, mas não estavam realizando a prática por gostar de animes e
terem escolhido essa série, como representativo desse gosto, mas haviam escolhido,
pela questão da visibilidade (O anime era exibido na TV e o mangá, começava a ser
publicado no pais), que os fazia chamarem a atenção. Os stands de vendas de
acessórios, percebendo tal fenômeno, passaram a vender uma infinidade de objetos
relacionados a série. Sabe-se que essa característica observada no Anime Friends não
é exclusiva nossa, o Comic Market tambem havia se modificado a ponto de se tornar
um espaço hibrido entre o comercial e o amador. Porém, no caso brasileiro, nunca se
deu atenção as questões relacionadas as iniciativas individuais. A ABRADEMI, teve
que se tornar uma associação para que pudessem ter um espaço de exibição da
cultura dos comics e HQs em um lugar que deveria, em tese, dar total apoio para tal
prática. Os primeiros eventos, realizados com esforços individuais, nunca ganharam a
atenção da prefeitura da cidade e, pelo contrário, sofriam em meio a lógica que
sempre transformou espaços da cidade, em espaços voltados para o dinheiro e para o
lucro.
O exemplo mais significativo da mudança de mentalidade, estava no
surgimento de salas, voltadas para a fotografia de cosplay. Como um frequentador
'das antigas' a própria existência delas, significava que a prática havia sido
banalizada. Isso ficou claro, certa vez, ao encontrar um grupo de pessoas com
cosplays de personagens da mesma série no qual eu e alguns amigos estávamos
usando, não houve uma preocupação, por parte das pessoas, em tentar se conhecer.
Apenas, estávamos juntos com o intuito de sermos fotografados, o que me deu a
certeza que a prática havia sido esvaziada, considerando-se as amizades que ganhei
com o Forum Cosplay Brasil. Alias, o fórum foi tambem, exemplo de como as práticas
foram banalizadas. As inúmeras discordâncias e atritos, ao meu ver, desnecessários e
ligados ao ego de alguns de seus participantes, fez com que a imagem acolhedora do

102
fórum fosse substituída por outra, ligada a desordem, levando muitas pessoas (como
eu) a abandonarem o forum. Parte dessa atitude é reflexo de uma sociedade que em
essência é uma sociedade egoísta fundamentada nas bases do 'ter' sobre o ser.

“O consumo, alias, é frequentemente a base de egoísmos de grupo ou


territoriais e encontra- se por trás da defesa útil (e as vezes bem-sucedida)
de interesses corporativos. O cidadão é não raro ensombrecido pelo usuário e
pelo consumidor, afastando para muito depois a construção do homem
público. Daí a busca de privilégios em vez de direitos”.(SANTOS, 2008 p.121)

Assim, considera-se que o Anime Friends foi inovador, no sentido de fazer com
que as palavras anime e mangá ganhassem visibilidade, mas foi destrutivo no sentido
de, a partir de uma aproximação corporativa, destituir todo o evento de sua essência,
resignificando todas as práticas envolvidas e tornando-se um involucro vazio onde, os
animes e mangás são vendidos como uma marca, uma ideia e não o resultado de um
processo de conhecimento de relação com essa cultura.

103
Anime Friends e sua inserção cultural na cidade de São
Paulo

A questão cultural em São Paulo

Durante o estudo da evolução dos animes e mangás, tanto no Japão quanto em


outros países foi observado, também devido aos motivos que levaram ao surgimento
dos eventos de animes, que eles principalmente no Brasil tiveram uma evolução
voltada para a promoção da ideia de marca, em parte similar ao que ocorria no Japão
em relação ao Comic Market e a sua mudança de significado. Existe tambem uma
outra mudança, ligada a própria evolução da sociedade brasileira no que diz respeito
a relação como as questões econômicas são vistas no país. Os animes e mangás,
atualmente, são vistos como produtos culturais japoneses e a compreensão de como
as questões culturais são vistas no Brasil, em especial na cidade de São Paulo, são
essenciais para a compreensão de como o Anime Friends, se tornou o maior evento
relativo aos animes e mangás no país e de como ele se resignificou de forma a se
adaptar ao contexto social, político e econômico da cidade.
Antes de observarmos a cidade, é preciso fazer algumas considerações sobre o
que se entende como cultura, para esse trabalho. Para tal, a geografia cultural, apesar
de sofrer muitas críticas, ser falha em alguns aspectos por dar muita importância a
questão dos significados e não ser tão pragmática quanto outras áreas da geografia,
pode ser útil para compreender parte da lógica que rege as questões culturais em São
Paulo, principalmente no atual desenvolvimento da cidade, onde o espaço flutua
entre uma concepção material (compra e venda) e outra, simbólica, produzida pelos
habitantes e sua relação emocional com ela visto que grande parte da população tem
uma relação muito próxima com o bairro em que vive.

“A cultura constitui-se em “parte ativa e integral das condições sociais de


existência” e, como tal, é simultaneamente reflexo, mediação e condição
social. Em outra palavras, a “consciência humana, ideias e crenças são partes
do processo produtivo material e, por isso, não podem ser dissociadas desse
processo. (MITHELL 2000, In CORRÊA, 2007 p.169)

Isso se tornou verdade ao observarmos como, para o Japão, as questões


ligadas a imaginação atreladas ao contexto econômico sempre foram um dos fatores

104
essenciais que 'guiaram' o desenvolvimento do país, tanto no século XIX quanto no
século XX e também como os mangás sempre tiveram ligação direta com a evolução
do Japão, por representarem o posicionamento da população em relação a realidade
que os cercava. Ao observarmos os mangás e animes, um pouco além da concepção de
simples produtos, pudemos perceber o quanto eles foram essenciais para a
compreensão da sociedade japonesa, seus valores e de como a partir disso, o espaço
(no caso mais geral, o Japão) se desenvolveu e em casos mais específicos, de como
bairros da cidade de Tóquio se modificavam para adequar-se ao público consumidor
de mangás. Assim, ao observarmos como a cultura se encaixa no contexto geral da
cidade é possível também compreender como os espaços se modificaram, a partir da
ideia que se construiu dela para a população e para o estado.
É preciso, para conhecer a cidade de São Paulo, observá-la em suas múltiplas
faces. Parece-nos uma tarefa fácil, se não estivéssemos tratando de uma cidade com
mais de 11 milhões de habitantes. As ferramentas e softwares nos ajudam a ter uma
visão geral: É possível produzir mapas de densidade demográfica, de distribuição de
serviços, de redes de transportes. São ótimos para considerar os aspectos físicos da
paisagem, pois os modelos digitais de terreno/elevação conseguem dar conta de toda
a morfologia e podemos a partir disso, produzir mapas de risco de inundação e/ou
deslizamentos. Porém, o grande fator que torna as análises ricas, como sempre, é o
estudo do homem e suas relações entre si e com o meio em que vive, e, entre as
inúmeras formas de observar essas inter-relações, está a questão da cultura.
Para compreender a 'cultura' na cidade é preciso primeiro, embora um pouco
monótono, observar como São Paulo surgiu. Segundo os estudos do IGC (Instituto
Geográfico e Cartográfico), a cidade é considerada como sendo um município
'originário' pois trata-se de uma aglomeração que não surgiu a partir do
desmembramento administrativo de outra cidade. (IGC, 1995). Tambem se considera
a importância da Igreja Católica para a formação e administração dos municípios do
estado de São Paulo, dado o seu poder de influência territorial (através da cobrança
de dízimos) e a simbólica através dos santos e da própria imagem que a igreja
construiu para si. No Brasil, considera-se que o embrião das cidades surge a partir da
construção de uma capela e da evocação de um santo, que se torna o padroeiro da
localidade, em meio a um povoamento (IGC, 1995). A importância dada a igreja
católica, no sentido de que a construção de seu símbolo (a capela) se torna um marco

105
importante para que o povoamento seja considerado um município, demonstra a
enorme influencia ideológica que ela exercia. Observamos nesse momento que, o
aspecto econômico já se fazia presente na história antiga da cidade de São Paulo, fato
que iria nortear seu desenvolvimento e a produção das relações sociais em momentos
futuros. A sua localização 'geográfica' foi propícia para o seu desenvolvimento
econômico nos anos posteriores: a proximidade com o Rio Tietê, como uma 'estrada'
natural, propiciou a exploração do território e ao surgimento de pequenas vilas às
margens desse e de outros de seus afluentes, fazendo com que durante o período
cafeicultor do estado, a cidade se encontrasse em posição vantajosa entre a produção
no interior do estado e a distribuição, no litoral.

“Caio Prado Júnior é primaz na análise da situação, dentre outros fatores


geográficos, na formação e no desenvolvimento da Cidade de São Paulo. A
sua tese é a de que o aglomerado de São Paulo se conformava como o centro
do sistema de comunicações do Planalto, tanto o sistema hidrográfico,
geomorfológico e viário.” (SUZUKI, p.132 citando PRADO, 1979)

A partir do século XIX, começam a se delinear as bases nos quais a cidade iria
se basear. O café como produto de exportação surgia como um novo meio de
obtenção de divisas para o país e o interior estado de São Paulo estava no centro
dessas mudanças. Apesar da escravidão como mão de obra já apresentar sinais de
fadiga desde 1810 com as pressões inglesas para o fim do tráfico, que ocorreria de fato
em 1888, a escravidão ainda era atrelada ao desenvolvimento econômico da cidade
pois o escravo era mercadoria no sentido de ser um objeto a ser comercializado e
também, era alugado de forma que o preço desse aluguel era proporcional a
capacidade deste em realizar os serviços. Dessa forma, e escravidão era encarada
como um negócio lucrativo durante o século retrasado, e o que chama a atenção é o
modo simbiótico como essa forma de domínio for, infelizmente natural, no
desenvolvimento da cidade, fato que é uma das bases pelo qual, em momento
posterior, observa-se a negação quase que total dos direitos as condições básicas de
vida, em detrimento da prosperidade econômica.
O fim da escravidão por meio de uma lei em 1888, assim como a gigantesca
quantidade de leis existentes no Brasil, é mais uma “lei para inglês ver”, e o fato de
sermos pejorativos não é infundado. O sistema cafeeiro estava em plena força e a lei,
em tese, significava que os grandes latifúndios do interior do estado encontrariam a
escassez de mão de obra para suas lavouras e assim se tornava, portanto, um

106
problema econômico. Porém, devido as pressões inglesas desde o início do século o
governo, prevendo um possível fim do tráfico de escravos, adiantou-se criando a Lei
de Terras em 1850. A lei, define o fim do regime de doação de sesmarias e que, o
acesso a terra somente se daria pelo ato de compra e venda, aqui destacando a
atrelação do território ao dinheiro, o que obviamente, excluía os negros e
posteriormente os imigrantes visto que ambos os grupos não tinham condições de
adquirir terras. Novamente, destacamos um outro aspecto da cidade, a segregação do
acesso as terras (no caso de São Paulo, as propriedades e espaços na cidade) que tem
como base a riqueza e a renda, que tinha como pano de fundo, manter as velhas elites
agrárias no poder. Suzuki aponta que não é possível definir a Lei de Terras como o
motivo absoluto do surgimento da propriedade privada, mas sim como o resultado
das mudanças nas relações sociais, onde “a propriedade do escravo e dos imóveis
coloca-se como instrumento de apropriação da riqueza” (SUZUKI, 2004 p.141).
Apesar de parecer um movimento radical por parte da pessoa que vos escreve,
é possível nesse momento, observar tudo o que foi descrito até então sobre a cidade
sob uma outra perspectiva: A dos significados. Observou-se até agora que as bases da
formação social brasileira giraram, em maior ou menor grau, na ideia de possessão,
dado o modo como os escravos eram vistos, e do modo como a lei de terras garantia a
posse delas. É difícil nesse momento, ainda mais considerando-se as limitações
temporais em relação a elaboração do TGI, definir bases sólidas para essa ideia, visto
que seria necessário um estudo muito mais aprofundado sobre o desenvolvimento da
sociedade brasileira, que tomaria muito tempo e tiraria o foco do trabalho. Porém,
observou-se ao estudar a evolução dos Animes e mangás no Japão, que a criatividade
como ideologia foi um dos motores propulsores do desenvolvimento econômico do
país. No caso brasileiro, podemos de certa forma inferir, que a ideia de posse foi a
força motriz do desenvolvimento do país e São Paulo, é o reflexo dessa ideologia. A
supressão de direitos de uns em detrimento de outros, a legitimação da posse de um
objeto, o desenvolvimento de legislações que tratam sobre a aquisição e venda de
produtos nos mais intrincados detalhes a fim de garantir a posse de um computador
(ou um terreno) são exemplos de como a ideia de posse, passou a fazer parte do
contexto da cidade.
Considerando-se então, o que foi afirmado sobre a cidade até agora podemos
realizar o salto temporal e considerar São Paulo no século XXI, descrita no início

107
desse capítulo, ou seja, a cidade de 11 milhões de habitantes e a sua complexidade. A
cidade atualmente é um grande centro de negócios, e os dados não deixam duvidas
quanto a posição da cidade: O PIB municipal do setor de serviços soma 309 milhões
de reais, representa 76% do PIB estadual (406 milhões) e 25% do PIB nacional (1,1
bilhão) (IBGE, 2010), porém, os números grandiosos escondem a estrutura de bases
coloniais e principalmente a ideia da posse. Milton Santos é categórico ao afirmar que
“A grande perversão do nosso tempo, muito além daquelas que são comumente
apontadas como vícios, está no papel que o consumo veio a representar na vida
coletiva e na formação do caráter dos indivíduos” (SANTOS, 1998 p.33), mostrando
uma inquietação em relação ao poder que o consumo e a posse de objetos tem, em
relação as pessoas da cidade. Essa ideologia, focada na 'posse' levou ao que Santos
enxerga como uma atrofia do cidadão, de seus direitos e principalmente no que diz
respeito ao seu posicionamento em relação a realidade em que vive, e sua
substituição pelo consumidor, que na realidade pode ser vista como uma substituição
de valores. A ostentação de uma marca, principalmente as que associam a posse a um
falso privilégio que tem como base o dinheiro, o vulgo 'Sou superior, pois tenho
condições financeiras de adquirir um produto por um preço muito mais elevado do
que a média dos preços, que me garante o direto de domínio sobre os que tem menos
posses' é o exemplo do dia a dia mais significativo dessa cultura.
Essa ideologia tem como base a busca incessante pelo objeto, em detrimento
dos valores, crenças e da cultura:

“Nesse quadro de vida, a existência é vivida não tanto para a consagração dos
valores, mas para a busca das coisas, o produtor se tornando submisso ao
objeto produzido. É o produto que ganha poder, enquanto que o trabalhador
se despoja do seu próprio poder, conforme já mostrado por Marx aos
Manuscritos de 1844.” (SANTOS, 1998 p.37)

Santos, ao fazer breve referência a Marx, já nos induz a pensar sobre os


direitos a posse, que no caso brasileiro vem bem antes dos direitos a liberdade e as
vezes, à civilidade. Diversos outros aspectos relativos ao dia a dia, como observados
por ele, são reflexos em maior ou menor escala dessa ideologia tal como observado na
cidade de São Paulo, maior e mais importante exemplo disso, onde as vultosas
quantidades de capital movimentadas pela cidades são garantidas, por todos os meios
legais possíveis. Enquanto que de forma completamente reversa, os direitos de
cidadania devem ser conquistados, construindo-se assim o quadro da realidade

108
brasileira onde os direitos do dinheiro são garantidos e os direitos do cidadão não.
Essa característica sempre se fez presente durante a história do país, tal como
observado por Santos, nos anos 50.

“A ideologia desenvolvimentista dos anos 1950 e a posterior ideologia do


crescimento e do Brasil potência justificavam e legitimavam a orientação do
gasto público em benefício de grandes empresas, cujo desempenho
permitiria ao Brasil aumentar suas exportações para poder equipar-se mais
depressa e melhor” (SANTOS, 2008 p.113)

E adiante, mencionando o modo autoritário como manifestações públicas por direitos


são tratadas e sempre marginalizadas, quase como atos criminais contra o direito de
ir e vir. É interessante pensar que o período de ditadura e a repressão ideológica
ocorrida na época não foi bem absorvida pela sociedade e tampouco estudada como
deveria, fora do ambiente universitário, que leva a formação de opiniões deturpadas
quanto as movimentações de reivindicação nas ruas.

“Esse raciocínio também conduziu a dar prioridade aos investimentos em


capital geral do interesse de umas poucas empresas, em lugar de canalizar os
dinheiros obtidos para dar respostas aos reclamos sócias. O regime
autoritário, mediante rígido controle das manifestações de uma opinião
pública já por si deformada, contribuiu, fortemente, para a manutenção
desse esquema. (SANTOS, 2008 p.113)

Assim, até o momento, observou-se que houve uma manutenção das bases já
observadas na época colonial, da supressão dos direitos a própria condição humana
em detrimento aos interesses financeiros de um grupo seleto de pessoas. O foco no
capital das empresas, em detrimento ao investimento, por exemplo, em
infraestrutura como a moradia, pedra angular do desenvolvimento urbano de São
Paulo por confrontar direitos com benefícios, é apenas um reflexo do movimento
maior, observada por Santos e outros muitos geógrafos.
Considerando-se o contexto atual da cidade, a cultura aparece de duas formas:
Atrelada as grandes empresas e ao estado, entrando como 'produto' a ser vendido e
marginalizada, como no caso do funk das periferias das grandes cidades. Em ambos
os casos as duas visões partem do mesmo princípio, sendo faces da mesma 'moeda'.
Como visto, historicamente no Brasil houve a construção da ideia de poder e do
direito pelas 'posses', que atrelado a uma politica desenvolvimentista apoiada no
capital privado, levou a ideologia de que investimentos favoráveis ao bem estar de
empresas em detrimento a melhoria das condições de vida seria uma decisão

109
plausível, remetendo-nos a velha e enferrujada metáfora do bolo, que precisa crescer.
Nessa lógica é difícil imaginar que o capital privado não tenha nenhum poder de
decisão na cidade, considerando-se as inúmeras atrocidades que o governo estadual e
municipal vem paulatinamente realizando com relação as instituições de pesquisa,
realocando verbas e forçando o corte no quadro de funcionários em detrimento de
políticas de curto prazo. Considerando-se tal poder de influencia, o governo federal
trata a cultura como uma 'indústria', o que demonstra que já nessa acepção inicial, a
cultura já foi esvaziada de seu sentido, visto que

“A cultura, forma de comunicação do indivíduo e do grupo com o universo, é


uma herança, mas também um reaprendizado das relações profundas entre o
homem e seu meio, um resultado obtido através do processo de viver”
(SANTOS, 1998 p.61)

Paul Claval, ao fazer um estudo do desenvolvimento da cultura, na geografia,


comenta que:

“Para Vidal de La Blache como para os geógrafos alemães ou americanos, a


cultura pertinente é aquela que se apreende através dos instrumentos que as
sociedades utilizam e das paisagens que modelam” (CLAVAL, 2007 p.33)

reiterando que, seja pelo simbolismo e dos signos que o homem constrói em relação a
um lugar, seja ele uma paisagem campestre ou um prédio histórico, ou, como no caso
de La Blache que liga a cultura a um modo de vivência (geralmente de pequenas
comunidades), a cultura nunca foi um produto a ser vendido e nem uma marca, mas
sempre se construiu da relação do homem com o seu 'arredor'. Em termos de
comparação, para o governo federal, as industrias culturais são

“(...)o conjunto de ramos, segmentos e atividades auxiliares industriais


produtoras e distribuidoras de mercadorias com conteúdos simbólicos,
concebidas por um trabalho criativo, organizadas por um capital que se
valoriza e destinadas finalmente aos mercados de consumo, com uma
função de reprodução ideológica e social.” (SANTANA & SOUZA, 2002
p.276 citando STOLOVICH, 2002 p.14)

demonstrando de forma clara que a cultura já é intimamente atrelada ao lucro e ao


poder. Considerando-se que as politicas do governo são atreladas ao bem estar da

110
iniciativa privada, não é difícil imaginarmos que as politicas voltadas a cultura
tambem seguem a mesma lógica ignorando as bases pelo qual diversas culturas, na
cidade, surgiram.
Assim, observou-se nas pesquisas, o crescente interesse por parte do governo
federal em fomentar os investimentos em cultura, utilizando-se da argumentação de
que o investimento em cultura gera postos de trabalho diretos e indiretos, com
destaque para a região metropolitana do Rio de Janeiro e de São Paulo, como os dois
centros que empregavam maior número de trabalhadores no setor. (SILVA &
ARAÚJO, p. 303). Tentou-se no trabalho, fazer um panorama um pouco mais
preciso, da evolução (ou retrocesso) dos empregos ligados diretamente a cultura em
relação aos empregos formais, segundo os dados fornecidos pelo governo a partir dos
Registros Administrativos de Informações Sociais, porém as tabelas são de
interpretação dúbia pois a informação sobre a variação dos empregos formais/
empregos ligados a cultura demonstra somente valores positivos, fomentando a ideia
de crescimento, enquanto que claramente, cita-se que ouve uma queda de 0,08% nos
empregos do setor cultural. Existe incoerência também em relação a importação e
exportação de produtos gráficos (revistas, jornais, etc), pois mostra-se um déficit
constante em que o valor dos produtos importados é sempre maior que o de
exportados durante o intervalo 1995-1998 e com a desvalorização da moeda ocorrida
em 1999 houve um equilíbrio de contas devido a diminuição das importações, mas
ignora completamente o fato de que houve uma queda de 4 milhões de dólares em
produtos exportados entre 1998 e 1999. (SILVA & ARAÚJO p.221-222) Ora, se
considerarmos que o volume dos produtos vendidos se manteve nos mesmos
patamares, e que o dólar se valorizou perante o real, a variação negativa nos chama a
atenção pois uma desvalorização da moeda nacional significa uma maior entrada de
cifras, o que não ocorreu.
A falta de coerência dos dados pode ser interpretada como desleixo ou falta de
rigor científico por parte daqueles responsáveis pela produção do livro, porém, mais
do que nos atermos a constatações e críticas infantis, é necessário tentar
compreender o porque, da tentativa desesperada em tentar justificar a industria
cultural, como uma área tão importante a ponto de merecer um estudo por parte do
governo federal. A explicação é muito simples: O livro, no qual baseamos os
parágrafos anteriores, foi impresso em 2003, logo após a reeleição do ex-presidente

111
Lula. O livro, surgia então como um modo de legitimação aos gastos governamentais
com a cultura, que como veremos não é, se não, a versão moderna e mais intrincada
dos mecanismos observados desde a época colonial, em relação a São Paulo, que
visam, em essência, justificar a propriedade privada aos custos do bem estar de
grande parte da população.
A cultura começou a ganhar uma força, atingindo as características observadas
no livro, a partir da criação do Ministério da Cultura, em 1985 com o desdobramento
do Ministério da Cultura e Educação, do governo federal. A partir desse momento,
diversas leis de incentivo à projetos culturais foram criadas, no âmbito federal,
estadual e municipal com especial destaque para os seguintes trechos:

Sobre a lei federal 7.505/86 que institui a criação do Fundo de Promoção Cultura;

“Art. 1º. O contribuinte do imposto de renda poderá abater da renda bruta, ou


deduzir com despesa operacional, o valor das doações, patrocínios e investimentos inclusive
despesas e contribuições necessárias à sua efetivação, realizada através ou a favor de pessoa
jurídica de natureza cultural, com ou sem fins lucrativos, cadastrada no Ministério da Cultura, na
forma desta Lei.
§ 1º Observado o limite máximo de 10% (dez por cento) da renda bruta, a pessoa física poderá
abater:

I - até 100% (cem por cento) do valor da doação;

II - até 80% (oitenta por cento) do valor do patrocínio;

III - até 50% (cinqüenta por cento) do valor do investimento.”

Sobre a lei federal 8.313/91 ou, “Lei Rouanet”;

“Art. 1° Fica instituído o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), com a finalidade de
captar e canalizar recursos para o setor de modo a:

I - contribuir para facilitar, a todos, os meios para o livre acesso às fontes da cultura e o pleno
exercício dos direitos culturais;

II - promover e estimular a regionalização da produção cultural e artística brasileira, com


valorização de recursos humanos e conteúdos locais;

III - apoiar, valorizar e difundir o conjunto das manifestações culturais e seus respectivos

112
criadores;”

Art. 3° Para cumprimento das finalidades expressas no art. 1° desta lei, os projetos culturais em cujo
favor serão captados e canalizados os recursos do Pronac atenderão, pelo menos, um dos seguintes
objetivos:

I - incentivo à formação artística e cultural, mediante:

b) concessão de prêmios a criadores, autores, artistas, técnicos e suas obras, filmes, espetáculos
musicais e de artes cênicas em concursos e festivais realizados no Brasil;

II - fomento à produção cultural e artística, mediante:

c) realização de exposições, festivais de arte, espetáculos de artes cênicas, de música e de folclore;

e) realização de exposições, festivais de arte e espetáculos de artes cênicas ou congêneres;

E finalmente em âmbito municipal, em São Paulo, a lei 10.923/90

“Art. 1° - Fica instituído, no âmbito do Município de São Paulo, incentivo fiscal para a realização de
projetos culturais, a ser concedido a pessoa física ou jurídica domiciliada no Município.

1° - O incentivo fiscal referido no "caput " deste artigo corresponderá ao recebimento, por parte do
empreendedor de qualquer projeto cultural no Município, seja através de doação, patrocínio ou
investimento, de certificados expedidos pelo Poder Público, correspondentes ao valor do incentivo
autorizado pelo Executivo.

2° - Os portadores dos certificados poderão utilizá-los para pagamento dos impostos


sobre serviços de qualquer natureza - ISS e sobre a propriedade predial e territorial
urbana IPTU, até o limite de 20% (vinte por cento) do valor devido a cada incidência dos tributos.

3° - Para o pagamento referido no parágrafo anterior, o valor de face dos certificados sofrerá
desconto de 30% (trinta por cento).

4° - A Câmara Municipal de São Paulo fixará anualmente, o valor que deverá ser usado
como incentivo cultural, que não poderá ser inferior a 2% (dois por cento) nem
superior a 5% (cinco por cento) da receita proveniente do ISS e do IPTU. 5° - Para o
exercício de 1991, fica estipulada a quantia equivalente a 5% (cinco por cento) da receita proveniente

113
do ISS e do IPTU, excluindo-se o valor destinado ao FUNTRAN.
Todas as leis descritas, apontam que as atividades ditas 'culturais' tem apoio
em diversas esferas de governo, desde a federal até a municipal. O apoio financeiro,
principalmente no que diz respeito a dedução sobre o valor do imposto de renda e do
abatimento em relação ao Imposto Territorial Urbano, ao surgimento de inúmeras
casas de espetáculos, salas de cinemas e inúmeros outros 'equipamentos' culturais',
observados em outras cidades e também, na cidade de São Paulo. Mesmo antes do
surgimento de tais leis, a cidade já se preocupava com o peso financeiro que a questão
cultural iria ganhar e demonstrou interesse na construção de espaços culturais (como
o Centro Cultural São Paulo) e o “Sambódromo” do Anhembi. É inegável a
importância que a palavra cultura ganhou para a cidade, mas acredita-se que não
existe o fomento a real 'cultura' (ou pelo menos, que esse fomento não se dá de forma
justa), ou seja, dando vozes e espaços a todos os tipos de culturas existentes na
cidade, mas sim, dando voz apenas as que são mais lucrativas, como as áreas ligadas
ao cinema ou, que tem relação com culturas mais amplamente conhecidas como o
carnaval.
Podemos utilizar o carnaval como exemplo de como as práticas culturais são
contraditórias na cidade visto que ela surgiu como uma prática cultural que surgia
nas quadras, viadutos e ruas onde aconteciam as rodas de samba, fazendo com que
tais espaços ganhassem um significado, a partir da convivência. Esse significado foi
um pouco esquecido, na medida em que as grandes escolas de samba ganharam um
caráter empresarial, principalmente pelo advento do desfile das escolas do grupo
especial, exibida na TV e ao surgimento dos carnavais de rua, organizados por
'grupos' de foliões, como ocorre em Olinda e no Rio de Janeiro. Embora a essencia do
samba sejam as práticas, que se realizam com a convivência, atualmente, ela é mais
marca, do que propriamente fruto de um processo, tal como ocorreu com a questão
cultural de maneira geral, e também, o que ocorria com os animes no Japão.
A cultura na cidade é, então, vista como sendo fruto de um processo colonial,
onde a posse se sobrepunha aos direitos humanos. A moderna cidade de São Paulo é
apenas o reflexo desse processo e a cultura uma das faces que expressa a política do
dinheiro sobre o humano visto que existem inúmeros mecanismos a fim de legitimar
o investimento na parte lucrativa da cultura, ou seja, aquela que é realizada pelas
grandes corporações e indústrias e pelo capital empresarial. No Brasil, o capital

114
sempre esteve concentrado nas mãos de poucas pessoas que buscam sempre
legitimar a desigualdade, seja por leis ou por ideologias (vide Lei de Terras e as
políticas industriais dos anos 50). Essa diferenciação entre os que 'possuem posses
vultosas' e os que não possuem foi reflexo do passado colonial e tambem, fruto de
uma sociedade cega pelo consumo e pela ideia de que as posses representam direitos.
A constante busca por privilégios, vista em inúmeras cenas do cotidiano da cidade são
representativas da ideologia, provinda da época colonial da cidade (e do país) no qual
ter o domínio sobre outro ser humano, significava ter boas condições de vida, dado
que o escravo era ter uma possibilidade direta de lucro. O fim da escravidão não
colocou fim a ideologia das posses e dos privilégios visto que o trabalhador
assalariado das lavouras de café ainda era posto em uma condição de quase servidão
e vassalagem e em momento posterior, o desenvolvimento das cidades e do país
sempre buscou favorecer os privilégios.

Eventos de Anime e a realidade brasileira: O Anime Friends

Como foi observado nos capítulos anteriores, os animes e mangás sempre


foram mais do que um produto a ser consumido, apesar de terem ganhado um caráter
mais comercial nos últimos anos. Os animes e mangás podem ser vistos como um
movimento que sempre andava em paralelo com a realidade pelo qual o Japão
passava, servindo de intermédio para um processo reflexivo por parte dos leitores, em
relação a essa realidade, que pode ser observado em diversos estudos, sobre a
evolução do seu fã tanto no Japão através do estudos de Azuma, Tsuji e Tamagawa ao
tratar as mudanças da relação do fã com os animes, quanto pelos estudos de Eng e os
fãs nos Estados Unidos e até no Brasil, em teses como a de Lourenço, que estudou os
fãs antropológicamente e de Luyten que observou a importância e inserção dessa
cultura, em nossa realidade. O aspecto mais expressivo em relação aos animes e
mangás é o evento bianual Comic Market que condensa tudo o que os animes e
mangás representam, para o Japão e seu fã, tanto ideologicamente quanto em relação
ao mercado que gira em torno de tais fãs. Ele gira em torno de duas características
principais, a primeira atrelada a ideia de igualdade e a não-difrenciação entre as
pessoas que frequentam, e segunda, como um espaço que não sofresse a influência do

115
mercado de mangás já consagrado e subsidiado pelas grandes editoras.

“With minor edits through the years, it shows that Comic Market's basic stance
has remained the same since the very beginning: honoring the equality of its
participants, providing a place for freedom of expression, maintaning this
space, and suporting the participant community.” (TAMAGAWA, 2010 p.117 In
Fandom Unbound)35

“Thirty years later, it is clear from comparing the relative scale of distribution of
doujin and commercial publications that doujin have not displaced commercial
publications. That was not the goal, however, of Yonezawa and other Comic
Market founders. Their goal was to distribute works that would not get
distributed via commercially published manga and to create a space for new
ways of self-expression through manga.” (TAMAGAWA, 2010 p.124 In Fandom
Unbound)36

As temáticas existentes nos mangás, bem como suas técnicas de desenho


provenientes do cinema, sempre salientam a relação simbiótica entre realidade e
ficção, o que lhe deu por muito tempo um caráter único em relação a grande parte
dos quadrinhos existentes no mundo. Os mangás (e também os animes) passaram
por uma mudança importante em suas narrativas: O foco em questões que envolviam
a sociedade como um todo, o “nós”, mudava gradativamente para o “eu” levando
primeiro ao surgimento do Comic Market e posteriormente a massificação dos
animes e mangás ocorrido em 1995.

Em paralelo as mudanças observadas na essência dos animes e mangás, não


podemos deixar de considerar que, existem práticas ligadas a essa cultura, que são de
suma importância, pois retiram a imagem mercantilizada que geralmente temos
dessas produções e atribui um caráter único, que não é presente em nenhum lugar do
mundo-Trata-se do maior evento ligado aos animes e mangás, o Comic Market ou
Comiket. Existiam, é claro, outros eventos ligados a animes e mangas no Japão, que
surgiram a partir da demanda crescente por tais produtos, porém, esse evento em
35 Tradução: “Com poucas mudanças durante os anos, a instancia básica do Comic Market
permaneceu a mesma desde o início: honrando a igualdade dos seus participantes, promover um
lugar para o liberdade de expressão, manter esse espaço e dar suporte a comunidade que participa.”
(TAMAGAWA, 2010 p.117 In Fandom Unbound)
36 Tradução: “Trinta anos depois é claro, a partir da comparação escalar entre a distribuição de
doujins e as publicações comerciais, que os primeiros não influíram nos últimos. Esse, porém, não
era o objetivo de Yonezawa e os outros fundadores do Comic Market. O seu objetivo era distribuir
trabalhos que outrora não poderiam ser publicados via meios comerciais de manga e criar um
espaço para novas maneiras de expressão pessoal através do manga.” (TAMAGAWA, 2010 p.124 In
Fandom Unbound)
116
específico representa a insatisfação da maioria das pessoas envolvidas na produção
de mangás com as questões financeiras que ditavam quais histórias deveriam ser
publicadas e principalmente, na hierarquização que existia nos eventos de animes e
mangás no Japão. A iniciativa, inicialmente fomentada por clubes universitários
ligados aos animes e mangás teve um crescimento de público exponencial com o
passar do tempo, passando de 700 participantes para mais de meio milhão de
pessoas em suas últimas edições. (Comic Market Preparations Comitee: What is
Comic Market, 2008)
O Comiket surgia como um território livre, onde quaisquer histórias podiam
livremente ser distribuídas, sem que editoras tivessem o poder de decidir o que seria
produzido ou não, baseado no lucro. O evento surgia como um espaço onde a
liberdade de expressão é garantida, sem que os estúdios de desenho e animação
japoneses ditassem o que seria produzido, dessa forma, as produções nesse espaço
refletiam de forma extremamente transparente as inquietações da pessoa que
produzia tais obras. O aumento astronômico no número de participantes reflete um
aspecto interessante, observado somente na década de 90, mas que possui suas bases
no surgimento do Comiket: Trata-se da crescente busca da individualidade, em uma
sociedade (japonesa) que desde sempre prezou a coletividade. Não se trata, de um
fenômeno restrito ao país, pois como visto por Azuma ao estudar especificamente os
fãs percebe que trata-se de uma mudança do modo de pensar vista em ambito global.

“In the shift from modernity to postmodernity, our world image is experiencing
a sea change, from one sustained by a narrative-like, cinematic perspective on
the entire world to one read-up by search engines, characterized by databases
and interfaces. Amid this change, the japanese otaku lost the grand narrative in
the 1970s.” (AZUMA,2012 p.58 In Fandom Unbound)37

Azuma demonstra que houve uma mudança substancial no modo como a


sociedade e os fãs viam a realidade japonesa, em um contexto mais global. Esse
movimento se tornou tão forte que ganhou contornos observáveis no espaço da
cidade de Tokyo, e em especial, os arredores da Estação Akihabara, do metrô da
cidade. Modificações no espaço são interessantes aos estudos geográficos pois, por
detrás das mudanças na forma, estão as mudanças de significado e são essas, que
37 Tradução: “Na mudança da modernidade para a pós-modernidade, nossa imagem de mundo
experimenta uma mudança substancial, de uma imagem sustentada por uma narrativa, de
perspectiva cinemática do mundo para uma obtida através de sites de pesquisa e caractarizada por
banco de dados e interfaces. Em meio a essas mudanças, o otaku japones perdeu a grande narrativa
nos anos 70.” (AZUMA, 2012 p.58 In Fandom Unbound)
117
explicam de forma mais ampla, as transformações que observamos no espaço. Os
'otakus' como consumidores e atores da subcultura dos animes e mangás foram desde
sempre execrados da sociedade japonesa e tratados como párias, principalmente
devido ao seu objeto de consumo: Em geral, os animes e mangás representam em sua
maioria personagens femininos fetichizados e assim, para os olhos do resto da
sociedade, eram pessoas com graves problemas de socialização com tendencia a fugir
da realidade em que vivem. Essa visão teve seu ápice, em 1995 com o atentado
terrorista do gás Sarin, no metro de Tokyo, visto que seu mentor, Shoko Asahara foi
considerado um otaku, pois sua seita possuía uma loja de jogos de computador com
temáticas sombrias na região.
Porém os otakus representam exatamente o que a sociedade japonesa tem de
cruel, ou seja, a busca pela perfeição que é capaz de acabar com as individualidades
em nome de uma sociedade harmoniosa e perfeita e, por que não, levando a perda da
liberdade. McCargo é contundente em demonstrar o quando a sociedade japonesa é
muito diferente daquilo que imaginamos como nação desenvolvida, imagem que é
construída sobretudo devido ao 'Milagre Japones'.

“Status is a core concept in Japan, where even university students have a


strong sense of their position on the social ladder; second-year students refer
to third-year students as their senpai (seniors), and to first-year students as
their kouhai (juniors). In Japan, everyone knows the age of everyone else,
and many organizations produce seniority lists for internal distribution.
Vertical ranking, based mainly on age, pervades virtually all Japanese
institutions, determining everything from the location of each individual's
desk to the order in which cups of tea are distributed.” (MCCARGO, 2004
p.71)38

O autor vai além, e observa como o sistema educacional, é nas suas palavras,
“tirânico”, no sentido de que a aprovação nos exames 'vestibulares' decide o futuro
dos estudantes e mostrando como o aprendizado não visa o futuro, mas sim,
conservar a 'imagem'.

38 Tradução: “O Status é um conceito central no Japão, onde até estudantes universitários tem para si
um forte conhecimento de sua posição na escada social; estudantes no segundo ano referem-se os
de terceiro como senpai (veterano) e aos de primeiro ano como kouhai (novato). No Japão, todos
sabem a idade de todos e muitas organizações produzem listas de 'senioridade' para distribuição
interna. O ranqueamento vertical, baseado em grande parte na idade, permeia virtualmente todas
as instituições japonesas, determinando tudo, desde a localização das mesas até a ordem de
distribuição de xícaras de chá.” (MCCARGO, 2004 p.71)
118
“Since passing or failing entrance examinations really does largely determine
a child's future (many companies and other organizations recruit more or
less directly from particular vocational schools, colleges and universities, and
there is little concept of 'lifelong learning' and little scope for 'late developers'
in Japan), the pressure to suceed in them is enormous. The tyranny of
entrance examinations leads to highly structured and often extremely boring
lessons, in which a teacher works through an approved textbook
mechanically (usually covering one page per class hour).” (MCCARGO, 2004
p.153)39

Assim, observando como é a realidade japonesa nos seus aspectos mais


profundos, o Comic Market foi uma representação muito clara da posição contrária a
ela, que ganhava força principalmente após 1970 e as crises econômicas
subsequentes. Os fãs de animes e mangás são em essência, indivíduos que tem
resistência aos valores apresentados pela sociedade e impostos pela mídia e pelo
governo, que reflete-se no seu objeto de consumo, os animes, através das temáticas
existentes nessas produções. Esse descontentamento com a sociedade, por parte
deles, juntamente com as pressões sociais sempre fizeram com que esse grupo social
fosse marginalizado e que a sua legitimidade nunca fosse aceita, visto que aceitar a
existência deles, era admitir que a sociedade japonesa não é ordeira e nem perfeita
como a mídia japonesa tenta demonstrar. Existe ainda hoje, um embate muito forte
sobre a real importância desse fenômeno, onde posições opostas se enfrentam. Existe
os que defendem a posição favorável, como Eng, Tsuji, Luyten e Lourenço e os que
observam o fenômeno com cautela, como Galbraith, Ivy e alguns autores da série
Mechademia. É interessante notar que essa discussão surpassa o nível acadêmico e
atinge o dia a dia dos fãs, principalmente no modo como muitos fãs se posicionam em
relação a palavra otaku: Alguns veem como uma marca, uma identidade a ser
carregada, e outros como algo de que fazem parte, mas não o representam.
No ocidente o crescente interesse pelos mangás e animes é reflexo de diversos
fatores, a começar pela própria influencia que o país teve, na formação do mangá e do
anime. Além disso, a ficção científica, estilo literário existente desde a década de 20,
serviu de bases para que os animes entrassem no país pois, segundo Lourenço:

39 Tradução: “Como passar ou não em um exame de admissão determina o futuro de uma criança
(muitas empresas e outras organizações contraram mais ou menos diretamente de escolas
vocacionais, faculdades e universidades específicas, pela inexistência do conceito de 'aprendizado
permanente', e pelo pouco escopo de 'desenvolvimento posterior' no Japão), a pressão em relação
ao sucesso nos exames é enorme. A tirania dos exames de admissão leva a aulas altamente
estruturais e extremamente entediantes, em que o professor trabalha de forma mecanica em cima
de livros aprovados (geralmente cobrindo uma página por hora lecionada).” (MCCARGO, 2004
p.153)
119
“O interesse pela ficção cientifica era explicável não só pela sua enfase na
tecnologia, mas também pelo seu interesse em reflexão, discussão a respeito
das aventuras, tramas e questões levantadas sobre o impacto da ciência na
vida humana.” (LOURENÇO, 2009 p.43)

Houve sempre uma grande sintonia entre os aficionados por ficção científica e os
animes e mangas, principalmente por serem grupos de pessoas que não tratavam
seus objetos de consumo como simples objetos que podiam ser lidos ou assistidos em
casa e descartados, mas sim, que gerava uma grande socialização em torno dos
filmes, séries e animes, além de um processo reflexivo em torno da realidade, que era
também, muito similar a como os fãs japoneses de animes se portavam, bastando-nos
observar o desenvolvimento dos animes e mangás no Japão.

“Anime and information about anime was difficult to come by for the first
geneation of american fans, so clubs such as the C/FO relied heavily on
personal contacts to acquire new shows and information. Accordingly to my
informants, some of whom were intimately involved in this early American
anime fandom, anime fans from all over the country would communicate
with each other by fairly primitive means, sending hard-copy documents
containing anime information such as synopses, reviews, and translations to
each other. Club members also gathered to attend screenings of Japanese
television shows and films that would have been extremely difficult to them
to acquire on their own.” (ENG, 2010 p.160 In Fandom Unbound) 40

“These groups' members exchanged information about drawing techniques,


since artistic techniques during this period were largely unknown to the
public and drawing materials were almost nonexistent. But the biggest
obstacle for the doujinshi circles was a lack of affordable printing methods.
Thus most doujinshi were hand drawn rather than printed; these
manuscripts were then circulated between club members, who, if necessary,
split printing costs among themselves.” LAM, 2010 p.234 In Mechademia
v.5)41

Os excertos acima, sobre o momento inicial dos animes nos estados unidos
(acima) e sobre o período que precedeu a formação do Comic Market no Japão,
refletem como os animes e mangás criam uma intensa socialização em torno de si que

40 Tradução: “Obter animes e informações sobre os animes era difícil para a primeira geração de fãs
americanos, então clubes como o C/FO dependiam muito de contatos pessoais para adquirir novos
shows e informações. De acordo com meus informantes, alguns deles intimamente envolvidos com
os primeiros fandoms americanos, os fãs de animes de todo o pais se comunicavam a partir de
meios de certa forma primitivos, distribuindo cópias de documentos contendo informações sobre
animes como sinópsias, reviews e traduções entre si. Os membros também se encontravam para
participar de exibições de programas japoneses e filmes que para eles, era de difícil obtenção.”
(ENG, 2010 p.160 In Fandom Unbound)
41 Tradução: “Os membros desses grupos trocavam informações sobre técnicas de desenho, visto que
as técnicas artísticas desse período eram desconhecidas do público e os materiais de desenho quase
inexistentes. Mas o grande obstáculo para os grupos de doujinshi era a falta de métodos de
impressão baratos. Além disso, a maioria dos doujinshis eram desenhados a mão ao invés de
impressos; esses manuscritos circulavam em meio os membros desses clubes que, se necessario,
dividia os custos de impressão entre eles.” (LAM, 2010 p.234 In Mechademia v.5)
120
se tornou característico do fã de anime. O interesse pelos produtos japoneses tambem
era fruto do interesse econômico do país pelo Japão, pois “The popularity of Hello
Kitty, karate, and ninja movies coincided with the American business world's
interest in Japan's economic successes in the 1980s.” (ENG, 2010 p.160)
Assim como o mundo passava por transformações, rompimentos e mudanças,
os animes e os mangás também mudavam, sempre, sendo um reflexo do período em
que foi produzido. Os anos 60, período em que o Japão teve forte desenvolvimento
econômico, foram marcadas por séries que em geral exaltavam a ideia de expansão,
tanto econômica, quanto física.(TSUJI, 2010 In Fandom Unbound). A década
seguinte, foi marcada por profundas crises econômicas e por uma necessidade
crescente de um espaço para a expressão pessoal, levando ao surgimento do Comic
Market. A década de 80 marcou o início do período de massificação dos animes e
mangás e sua exportação como produto cultural japonês. A década seguinte, em
especial o ano de 1995 sacramentou o caráter mercantil dos animes e mangás já
observada na década anterior, que foi reflexo da fragmentação dos animes e mangás.
A última década, foi marcada pela reorganização do Japão em relação ao
cenário político mundial e a descentralidade aparente dos EUA como centro cultural,
abrindo espaço para que outros países pudessem distribuir e vender a cultura
específica de seus países à outros. O Japão passou a abraçar essa política e se utilizou
dos mangás e animes como um “objeto” de trocas culturais. As problemáticas
observadas nas séries ainda são quase que exclusivamente japonesas, mas percebe-se
a agregação de pequenos elementos que claramente refletem o mundo
descentralizado. A presença, principalmente de marcas estrangeiras nos animes,
refletem como essa mídia, tornou-se globalizada, fruto das políticas de exportação
'cultural' do Japão que culminaram com o 'Cool Japan' visto em 2008.

“The Japan National Tourist Organization (JNTO) mobilized to tap otaku


tourism. JNTO's English-language Web site advertised “otaku tours” of the
“OtakuMecca”- Akihabara. Asou Tarou, then Minister of Foreign Affairs,
began visiting Aihabara to strategically tout the global potency of Japan's
pop culture and its otaku.” (GALBRAITH, 2010 p.222 In Mechademia v.5) 42

42 Tradução: A Organização Nacional de Turismo Japones (JNTO) se mobilizou para apoderar-se do


turismo otaku. O site inglês da JNTO fazia propaganda do 'tours otaku' da “Mecca Otaku” -
Akihabara. Asou Tarou, o então Ministro de Relações Extrangeiras, começou a visitar Akihabara
para aliciar a potencia global da cultura pop japonesa e o otaku.” (GALBRAITH, 2010 p.222 In
Mechademia v.5)
121
O Brasil tambem vem seguindo a tendência observada no Japão, através da
implantação cada vez maior de políticas que visam incentivar a industria cultural,
porém, com a especificidade brasileira. A ideia de cultura envolve, em essência, a
propaganda e o marketing, com o objetivo de que um conceito, uma 'ideia' seja
apresentada, através de eventos ou festivais, a fim de que quaisquer produtos
relacionados a ela sejam valorizados tal como ocorre, por exemplo, na valorização dos
espaços da cidade mediante a realização de grandes eventos (como na Avenida
Paulista). A especulação imobiliária é mais um processo observado na cidade que
busca valorizar áreas da cidade em detrimento de outras utilizando-se da suposta
'falta de espaço' para que o preço dos imóveis se inflacione, e atrelado a esse processo
existe o marketing e a propaganda do espaço que se utiliza de eventos e festivais para
promover tanto regiões específicas quanto a cidade como um todo.
Como visto, a cultura na cidade é produto da lógica econômica proveniente do
período colonial, que coloca a obtenção de riquezas as custas do bem estar social,
esta, esvaziando a real cultura que surge através da vivencia, esvaziando-a de sentido
e vendendo-a como uma marca, um objeto. As tentativas das instancias de poder
(municipal, estatal e federal) tentarem desesperadamente justificar a importância que
a cultura ganhou nos últimos anos não levam como base a conceito por detrás, por
exemplo, do surgimento do carnaval de rua que tem uma relação intrínseca entre
musica e a realidade vivida por seus músicos e pelas pessoas que participam das
festividades mas sim, o caráter imediatamente explorável para a venda, ou seja, a
música, a bebida e tudo que incita a imagem e a 'marca'. Movimento similar, pode ser
observado nos festivais de rodeios, onde a marca ligada a ideia do 'cowboy'
predomina entre os participantes, sem que muitos tenham ideia das reais origens do
'boiadeiro' ou, saibam como funciona a realidade dos profissionais que trabalham
com o gado. Apesar de se extinguirem da sua essência, tais festividades são altamente
lucrativas tanto para os idealizadores quanto para as cidades que os realizam pois
movimentam direta e indiretamente grandes quantidades de dinheiro através da
venda da 'imagem', que acaba por valorizar os espaços nos quais tais práticas são
realizadas bem como, movimentar o comércio de produtos ligados diretamente a ela.
O Anime Friends é bastante representativo de como a cultura, as empresas e os
espaços da cidade se inter-relacionam na lógica brasileira. Os eventos de animes,
antes pequenos e voltados quase que exclusivamente para a divulgação dos animes e

122
mangás, realizados por iniciativas de poucas pessoas corajosas começou a ganhar
outros ares, a partir desse evento. Tentou-se de maneira forçada implantar a lógica
dos eventos de animes externos, que se desenvolveram ao redor dos fãs e de um
mercado de animes e mangás crescente, porém, acabou-se por produzir um evento de
características surreais, pois ao mesmo tempo em que ele é financeiramente bem
sucedido (observou-se um crescimento constante no número de participantes e
também uma maior publicidade do termo 'manga' em meio ao publico geral)
observou-se em contrapartida uma total falta de empenho em realmente divulgar a
cultura dos animes e mangás.

“Embora inicialmente pertençam a um público seleto, seu sucesso acaba por


atrair os que não faziam parte dos apreciadores iniciais. O fato de se ceder a
esses neófitos, que se aproximaram e que desejam um divertimento mais
acessível, revela o caráter comercial dessa atividade, Tocar um jazz menos
improvisado e mais linear para atender o grande público que vai para o bar
para se divertir e não para usufruir de um free jazz mais artístico, seria
reconhecer que o artista estaria se submetendo ao mercado.” (LOURENÇO,
2009 p.253)

O 'jazz mais linear' pode ser muito bem observado no Anime Friends,
principalmente no que diz respeito aos cosplays e aos animes e mangás mais famosos.
Desde o seu surgimento em 2003, observou-se no cenário mais global em relação aos
animes e mangás o surgimento de ao menos quatro séries que se destacaram nesse
universo, aos quais apenas vamos nos ater apenas aos nomes:

– Entre 2005-2009 Suzumiya Haruhi no Yuutsu


– Entre 2008 e 2012 Touhou Project
– Entre 2008 e 2013 Hatsune Miku
– E entre o intervalo 2003-2013, houve o revezamento das séries “da moda”,
Naruto, Bleach e Fairy Tail.

Dado o tamanho da repercussão que tais séries tiveram, era esperado que o
evento passasse a divulgá-las pois seria uma forma de promover tanto a venda de
pequenos produtos ligados a elas, atrair um maior numero de frequentadores para os
eventos, alem da promoção da própria imagem dele, como um evento “bom” de
123
animes, o que deixaria o evento atrativo em escala global, tal como ocorre com o
Anime Expo que além de se promover como evento de animes, também promove a
cidade no qual é realizado, atraindo fãs em escala mundial. Porém o Anime Friends
nunca teve o mínimo interesse em divulgar e ampliar (mesmo que eu mesmo veja
com ressalvas) os animes e mangás, mantendo-se sempre as margens das séries que
faziam fama e utilizando-se por um lado das glórias do passado (animes que foram
exibidos no início da década de 90) e por outro diluindo-se como um evento de
animes e mangás, para se tornar um evento multi temático cujo os animes se
encontram colocados a escanteio.
Desde a sua primeira concepção, todas as séries de maior repercussão no
mundo dos animes passaram quase que despercebidos dentre os eventos que pude
participar, demonstrando que havia total desconhecimento por parte do público
frequentador em relação a tais séries, o que nos apresenta como um fato no mínimo
inusitado. Porém o que ocorre de fato é que, via de regra no Brasil, não há a
preocupação com os interesses das pessoas participantes, no que diz respeito a
realização de um evento que seja representativo dos fãs de animes, aqueles que
observaram o desenvolvimento dessa cultura durante os anos 90, mas sim, apenas na
obtenção do lucro de forma mais prática e rápida, colocando os fãs – agentes que
sempre fizeram parte do desenvolvimento dos animes e mangas – as margens desse
processo. Nessa lógica, não há o interesse em divulgar as ultimas tendencias dos
animes e mangás, mas sim, aproveitar-se de um público que pouco ou nada tem em
relação a essa cultura a não ser pelo fato de assistirem e consumirem animes e
mangás baseados apenas no caráter visual. É claro que, como visto anteriormente, os
animes sofreram intensa fragmentação e que portanto a atração pelo 'visual' presente
nas obras é uma característica esperada por parte dos fãs mais novos, porém no
Brasil observa-se, através do cosplay, o evento se coloca como um ambiente
alienígena.
A crescente presença de cosplays de séries que não são tão (ou nada são)
conhecidas do público fã de animes e mangás no aspecto mais global, aliado ao
extremo detalhismo que algumas indumentarias possui, demonstra que não há o
interesse por parte dessas pessoas em reverenciar uma série famosa/de boa
repercussão mas sim, apenas em conseguir alguns minutos de fama devido
principalmente a boa qualidade das roupas. A presença de premiações massivas

124
serviu apenas para aumentar o caráter puramente comercial que impera no Anime
Friends além de acirrar as disputas ao redor de uma prática que sempre representou
o maior nível de envolvimento em relação aos animes e nunca foi um meio para a
auto-promoção.
As atrações musicais presentes no evento também refletem como não houve a
mínima vontade em divulgar os animes e mangás no Brasil. Dentre as atrações
chamadas, a totalidade deles foram cantores de séries tokusatsus ou de animes
exibidas pela TV manchete entre o final da década de 80 e início da década de 90,
portanto, desnecessário mencionar que apesar de fazerem parte de um período
importante para a presença dessa cultura no Brasil, não representam as tendencias
atuais, dos animes e mangás o que reitera a ideia de que não havia o interesse em
'observar os fãs', mas sim, da obtenção de lucro de forma mais rápida e facil –
Utilizando-se de uma demanda já existente, criada por algumas emissoras de TV na
década anterior, que traziam animes como forma de tampar buracos em sua
programação de desenhos animados.
Lourenço observa como houve uma crescente diferenciação entre os velhos fãs
de animes e os mais novos, principalmente no que se refere ao nível de engajamento
em relação a esse universo. Os mais novos, segundo ele, estariam interessados
somente no caráter festivo do evento, não se importando com a qualidade dos
mesmos e nem dos processos que levaram ao surgimento deles no Brasil, talvêz, pela
pouca idade. Os fãs mais velhos em contrapartida, se colocam entre aceitar a maior
divulgação dos animes e mangas as custas da perda de sentido e se colocar de forma
contrária a um evento que não era mais representativo deles. A presença de um
público bastante jovem nos eventos, representa que a tendencia do Anime Friends em
desconsiderar todas as vozes que levaram a formação dos eventos no Brasil em
detrimento de um evento quase corporativo 'disfarçado' de evento cultural é bastante
significativo pois o publico mais jovem tem a tendencia de consumir e gostar apenas
do que é mais imediatamente disponível a eles. Se o que é disponível na TV, são séries
antigas e alguns mangás publicados e que durante anos observou-se que os fãs
brasileiros frequentadores de eventos pouco ou quase nada sabem das tendencias
dessa cultura, então, não sobra mais nada ao evento a não ser o seu caráter
puramente comercial.

125
Saindo um pouco dos aspectos mais internos, observa-se que o evento tenta se
utilizar dos benefícios oferecidos pela lei Rouanet e da Lei de Incentivo, não pelo fato
de ambas as leis fomentarem o desenvolvimento da cultura, mas sim, pelos benefícios
financeiros. Como eventos financeiros não são contemplados pela lei, houve em 2009
a assinatura de um decreto, que transforma o 'Evento' em um festival, que tem em lei,
o objetivo de divulgar a cultura japonesa (que não ocorre de fato, pois o evento não se
renova de acordo com as tendencias reais dos animes e mangas). A própria existencia
da lei, reflete como a prefeitura da cidade é ávida para dar ouvidos as vozes
empresariais, que nada mais é que reflexo da política que acredita que o
desenvolvimento do país somente pode se dar a partir do envolvimento do capital
privado. Como ocorre com todas as áreas controladas pelo capital privado, houve um
aumento da qualidade (estética) dos serviços mediante aumento progressivo dos
preços pela utilização dos serviços, que beneficia muito mais as empresas que
controlam tais serviços, do que as que se utilizam dos mesmos. Fato semelhante, em
menor escala, ocorre com o Anime Friends, pois as mudanças somente beneficiam a
empresa que o realiza (poucos gastos em relação a real promoção dos animes)e em
nada acrescentam aos fãs que ajudaram a criar os eventos de animes no brasil. Além
disso, houve a transformação do evento, em um espaço quase puramente comercial,
onde até as práticas dos fãs refletem o modo como a busca quase doentia por
privilégios e por um espaço ao 'sol' se faz bastante presente tanto na cidade, quanto
no resto do país.
Dessa forma, tentamos situar como o evento Anime Friends se colocou perante
a realidade brasileira; ignorando todo o processo de desenvolvimento dos eventos no
Brasil a fim de criar um evento único que tem como objetivo divulgar a cultura pop
japonesa, mas que na realidade, não tem o real interesse na divulgação por estar
sempre as margens do que realmente se passa no universo dos animes e mangás ao
focar-se em séries e atrações de um período de desenvolvimento muito anterior dos
animes e mangás e por atribuir um caráter muito competitivo a uma prática (o
cosplay) que sempre representou a relação do fã com a série e o personagem e não, a
possibilidade de fama. O evento se tornou bastante representativo de como no Brasil,
as vozes de pequenos grupos sempre foram abafadas em detrimento de interesses
empresarias e, de maneira mais impressionante, esse processo é tão enraizado em
nossa cultura que passamos a acreditar que 'se dar bem' – Por exemplo, fazer um

126
cosplay voltado para a fama – é muito mais interessante que produzir um ambiente
no qual todos possam se beneficiar, tanto os participantes, o próprio evento, e a
cidade como um todo a partir da divulgação do que realmente são os animes e
mangás.

127
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SATO, Francisco Noriyuki. O primeiro cosplay no Brasil | Abrademi. Disponível em


<http://www.abrademi.com/?page_id=108.> - - Acesso em 22/01/2014

SEVAKIS, Justin. The Anime Economy: Let's make an anime!, 2012. Disponível em
http://www.animenewsnetwork.com/feature/2012-03-05 . Acesso em 30/01/2014

SILVA, Sérgio Peixoto. Os primeiros eventos para fãs de anime/manga no brasil. Disponível
em <http://www.animaxmagazine.com/2013/03/os-primeiros-eventos-para-fas-de.html.> -
Acesso em 03/02/2014

Comic Market Preparations Comitee. What is Comic market? Disponível em


<http://www.comiket.co.jp/info-a/WhatIsEng080528.pdf> Acesso em 04/02/2014

130
Comic Market Preparations Comitee. The Comic Market Today and Overseas participants.
Disponível em <http://www.comiket.co.jp/info-
a/C77/C77CMKSymposiumPresentationEnglish.pdf> - Acesso em 04/02/2014

Comic Market Preparations Comitee. Catalogo. Disponível em


<http://www.comiket.co.jp/info-a/TAFO/C85TAFO/C85eng.pdf> - Acesso em 04/02/2014

Referências em Vídeo

COMIC CON EP IV: Esperança para os fãs. Programa exibido na rede HBO em 08/01

131
Anexo 1 – Leis referentes diretamente aos Animes e Mangas

LEI Nº 15.417 DE 23 DE AGOSTO DE 2011

INSTITUI, NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO, O FESTIVAL ANIME FRIENDS, E DÁ


OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

(PROJETO DE LEI Nº 55/08, VEREADOR Ushitaro Kamia - DEMOCRATAS)

José Police Neto, Presidente da Câmara Municipal de São Paulo, faz saber que a Câmara
Municipal de São Paulo, de acordo com o § 7º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de
São Paulo, promulga a seguinte lei:

Art. 1º Fica instituído, no âmbito do Município, o Festival Anime Friends, a ser realizado por
instituições públicas e entidades privadas, com apoio do Poder Executivo municipal,
anualmente, no segundo e terceiro final de semana do mês de julho.

Art. 2º O Festival Anime Friends de que trata a presente lei será um evento de natureza
nacional, a ser promovido em caráter itinerante, tanto no centro quanto na periferia da cidade,
que deve contar com palestras, discussões e oficinas voltadas às questões relacionadas a essas
Artes e à sua difusão.

Art. 3º O evento Festival Anime Friends ora instituído terá como objetivos, entre outros,
divulgar as artes:

I - do Mangá;

II - do Anime;

III - do Tokusatsu;

IV - do Cosplay;

V - incluir São Paulo como referência cultural internacional no circuito das Artes descritas no
art. 3º;

VI - servir de instrumento para a promoção dos artistas brasileiros e ampliar sua inserção no
mercado de trabalho nacional e internacional;

VII - trazer para o público paulistano ou que visita o Município as melhores condições para
apresentação desta arte, de modo a criar um ambiente favorável ao desenvolvimento dessas
Artes no plano local, regional e nacional;

VIII - fomentar o intercâmbio cultural da cidade com o restante do país e do mundo;

IX - promover internacionalmente a cultura pop e folclórica japonesa, em especial a produção


de São Paulo;

132
X - firmar a imagem de São Paulo como destino turístico cultural ideal, no Brasil e no mundo.

Art. 4º As despesas com a execução desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias
próprias, suplementadas se necessário.

Art. 5º Esta lei será regulamentada pelo Poder Executivo, no que couber, no prazo máximo de
60 (sessenta) dias, contado de sua publicação.

Art. 6º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.

Câmara Municipal de São Paulo, 25 de agosto de 2011.

O Presidente, José Police Neto

Publicada na Secretaria Geral Parlamentar da Câmara Municipal de São Paulo, em 25 de


agosto de 2011.

A Secretária Geral Parlamentar, Adela Duarte Alvarez

DATA DA PUBLICAÇÃO: 13/09/2011.

133
Anexo 2 – Figuras e Quadros
Figura 1: Região de tutela especial Chuuou, Tokyo,1945.

Devastação causada pelos bombardeios americanos a Tokyo, no fim da Segunda Guerra mundial.
(Créditos: Wikimedia, Creative Commons)

Figura 2: Distrito Shibuya, em 1960.

Bairro Shibuya quinze anos após o final da guerra, exemplo do 'Milagre Japones'. (Créditos:
Wikimedia, Creative Commons)

134
Figura 3: Bairro Akihabara, Tokyo, em 1965.

Bairro de Akihabara antes da explosão 'otaku' ocorrida em 1995.(Créditos: www.dannychoo.com)

Figura 4: Bairro de Akihabara, Tokyo, em 2012.

Bairro de Akihabara após a explosão 'otaku'. Observa-se a grande quantidade de outdoors com a
temática de animes e mangas. (Créditos: www.dannychoo.com)

135
Figura 5: Mickey Mouse, 1930

Créditos: Walt Disney

136
Figura 6: Shin Takarajima, Osamu Tezuka, 1947

Pode-se observar a influencia dos quadrinhos ocidentais nos traços do personagem, bem como a
aplicação das técnicas de enquadramento provenientes do cinema nas obras de Osamu Tezuka.
(Créditos: Wikimedia Creative Commons)

137
Figura 7: Astro Boy (Tetsuwan Atomu), 1952 – 1968

Tetsuwan Atomu foi provavelmente a primeira série conhecida no ocidente. Vale lembrar que seu
Anime é que ficou conhecido durante a década de 60 e 70, e não seu Manga (que foi traduzido e
publicado posteriormente)

138
Figura 8: Galaxy Express 999 (Ginga Tetsudou 999), 1977 – 1987

Galaxy Express é o exemplo mais claro da 'Expansividade da Imaginação' de Tsuji. O trem é o ápice
tecnológico e permite viagens inter-espaciais, ainda no contexto de exaltação da tecnologia. No mundo
real o mangá entra em sincronia com a rápida modernização da malha ferroviária japonesa e a
inauguração do primeiro Shinkansen (Trem bala) em 1964. (Créditos: Leiji Matsumoto)

139
Figura 9: Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seiya), 1986 – 1990

Saint Seiya é provavelmente uma das franquia de mangas mais conhecidas pelos brasileiros devido a
exibição de seu anime entre 1992 e 1995. Interessante notar que, o manga (que é precursor a
animação) foi publicado no Brasil apenas nos anos 2000. (Créditos: Masami Kurumada)

140
Figura 10: Neon Genesis Evangelion (Shin Seiki Evangerion), 1994 – 2013

A série Evangelion foi, no Japão, representativa do conflito real x imaginário e das incertezas que o
mundo virtual causava aos japoneses. Ela foi concebida inicialmente em duas frentes: O anime, que
serviria para alavancar a audiência e o manga, que seria lançado depois. Por problemas pessoais, o
idealizador da ideia (Anno) atrasou a produção, fazendo com que o anime fosse lançado após o manga.
O manga tambem sofreu inúmeros atrasos no lançamento, com intervalos de até 4 anos entre
volumes. (Créditos: Yoshiyuki Sadamoto/Hideaki Anno)

141
Figura 11: Kantai Collection – 2013-Presente

Kantai Collection, originalmente concebida como um jogo de computador, trata de um embate entre garotas
antropomorfizadas de navios japoneses da segunda guerra e os navios abissais pela liberdade nos oceanos. A
série ganhou notoriedade em meio aos fãs de animes e mangas, em especial dentre os Gunji-Ota (otakus
especializados na 'cultura' militar) devido ao resgate de símbolos de animes e mangás dos anos 70 e 80, bem
como a mescla com a tendencia atual de exaltação do 'cute' (kawaii). As imagens acima representam as diversas
formas de representação da franquia: Mangas, Animes, Cosplays e como material promocional. (Créditos:
Kadokawa)

142
Figura 12: Gráfico do número de frequentadores do Comic Market - 1975 – 2005

O aumento do interesse dos fãs em divulgar seus trabalhos fez com que o evento atingisse o número
máximo de grupos de publicação devido a restrições físicas do local de realização. (Créditos: Comic
Market Preparations Comitee)

143
Figura 13: Estratégia 'Cool Japan', 2012

Slide de uma apresentação promovida pelo Ministério de Economia, Comércio e Indústria japonês
explicando o conceito central por detrás da política de valorização, do que se chama de Indústrias
Criativas.(Créditos: METI – Ministry of Economy, Trade and Industry)

144
Figura 14: Panfleto turístico de Akihabara, 2012

Guia turístico promovido pela Associação de Promoção Turística de Akihabara. Essa associação,
formada por lojistas da região visa, além do turismo, familiarizar as lojas participantes com o público
estrangeiro por meio de benefícios (tais como ajuda em questões linguísticas, por exemplo). Trata-se
de um dos efeitos da política 'Cool Japan' adotada pelo governo. (Créditos: ATPA, 2012)

145
Figura 15: Osamu Tezuka e Maurício de Souza.

A esquerda, Maurício de Souza e Osamu Tezuka tiram uma foto juntos, antes de uma entrevista em
Tokyo.A direita, Maurício e Tezuka em suas versões 'Mangá' com suas respectivas criações: Ribbon no
Kishi (A princesa e o Cavaleiro, 1953) em azul e Monica na versão Turma da Monica Jovem (2008).
Essa obra, produzida pelos estúdios de Maurício, focada no público juvenil, trás elementos de animes
e mangás na sua composição. (Créditos: Maurício de Souza/Osamu Tezuka)

146
Figura 16: Notas, avisando sobre o sentido de leitura.

A explicação detalhada sobre a direção de leitura era comum nos mangás do início dos anos 2000, a
exemplo de Samurai X (Rurouni Kenshin). Tais notas foram gradativamente sendo substituídas por
avisos mais simples, conforme o passar do tempo. (Créditos: Nobuhiro Watsuki/Akikan)

147
Figura 17: Cosplayers no AnimeCon 2002

Éra comum aos eventos, a reunião de grupos de cosplayers de mesma série. O encontro para as fotos
ocorria de maneira não intencional e espontânea. Foto acima: Cosplayers da série Samurai X (Rurouni
Kenshin). Foto abaixo: Cosplayers do jogo Final Fantasy VII. (Créditos: Acervo pessoal)

148
Figura 18: Panfleto de um fã-clube, Animecon 2003

Exemplo de programação de uma das salas temáticas do AnimeCon 2003. A exibição de animes era
uma atividade comum em tais salas. (Créditos: Marina Castro)

I EEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE

149
Figura 19: Cosplayers no AnimeDreams 2004 e Anime Friends 2006

A prática das fotos em grupo manteve-se durante o tempo. Acima: Cosplayers da série Angel
Sanctuary. Abaixo: Cosplayers da série One Piece. (Créditos: CosplayBr/Tang)

150
Figura 20: Ingressos Anime Friends

Diferença entre o preço dos ingressos, no intervalo de onze anos.

151
Figura 21: Mapas temáticos Cultura x Empresas em 1990 e 2012

Mapas temáticos produzidos no software Quantum GIS utilizando-se de dados referentes ao


comércio e serviços em São Paulo. Foram filtrados da base de dados, todas as empresas que
tem ligação direta ou indireta com áreas consideradas culturais pelo governo federal. A partir
da nuvem de pontos obtida, utilizou-se do método de contagem de pontos para obtenção dos
mapas acima.

152

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