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A Criação na teoria Sufi - Parte 5 e Final

O Juizo Final, a morte fisica e a finalidade da Criação


O Juizo final é a leitura do livro por cada um de nós,da nossa vida, onde os maldosos,
ignorantes e descrentes afinal descobrem a sua natureza superior e onde os homens se julgarão a si proprios,
em Deus, em função do exercicio da sua parcela de livre arbitrio (uma gota de agua no oceano da
Omnipotência do Criador), a liberdade existe enquanto usada no interior da Realidade, fora Dela auto anula-se
e o homem decai, prisioneiro da sua escolha ilusória.

Para o sufismo a morte fisica é o terminar de uma experimentação de uma multiplicidade de estados,na
periferia do circulo, até ao momento do refluxo,do regresso á origem, ao Centro que está em toda parte.

A dissolução individual é semelhante e prefigura a dissolução ciclica do cosmos.

Viver a efemeridade da nossa vida não deve ser associado com dor ou tragédia porque viver o passageiro é
realizar a essência profunda da Existência.

Para o Sufi na morte fisica é removido o véu ,para aqueles que não o fizeram em vida,que cobre a Realidade
e TODOS sem excepção, vêem a sua verdadeira natureza,TODOS conhecem a Deus
no momento da sua morte fisica.
A morte é apenas mais um acto de Misericórdia Divina que deu a existência ao mundo e que na morte
fisica dá uma oportunidade a TODOS.

O nascimento é uma morte espirtual, a morte um renascimento do espirito .

Na morte,o homem é testemunha da Presença Divina em si ,obtém consciência dos Atributos Divinos que
possui e sabe verdadeiramente o que era estar vivo.

O mestre Sufi Al-Hallaj na véspera de ser executado disse :

-- Matai-me, ó meus amigos, pois,no ser morto, está a minha vida!.

No instante da morte cada um realiza ,de acordo com a vida que levou na terra,a junção dos opostos e vê
quanto a sua vida respeitou a Realidade.

Cada um sabe , nesse momento, quanto afastado de Deus esteve na vida,por incúria ou submissão cega às
paixões .

Sabe qual é a proporção entre as perversidades e as formosuras do seu caracter.

Na morte acaba o véu do corpo em relação à Realidade e TODOS verão a visão verdadeira.

Allah diz no Corão a quem morre : Hoje levanta-se a cobertura e a tua visão será perfurante!

Quem não ‘encontrou’ Deus em vida, é confrontado com esse erro que ‘deforma’ o seu Eu superior,que o torna
‘feio‘.

O Inferno e suas penas é esse momento de intenso sofrimento que passam os que ‘não encontraram’ por
ou ‘não procurarem’ ou nem ao menos terem vivido em paz (salam) ou submissão (islam).

O homem desce ao fundo da sua propria vileza para alcançar a natureza do seu mal.
O Inferno é Real ?
Para o danado é-o de certeza,pois se confronta duramente com si mesmo,com a mentira da sua vida e
com a Verdade Real , para ele é real e interminável.

Para quem vê de fora ....é uma mera ilusão , paradoxo divino


No sufismo o inferno é o afastamento ou privação da Realidade Absoluta ou Ipseidade Divina.

Como diz o poeta argentino José Luis Borges, o inferno real é o homem não se conhecer nem conhecer o
seu destino.

Maomé disse uma frase sobre este tema : ‘A morte abre uma ponte que cruza o inferno que ‘cada um
criou’,larga para quem reconheceu o Ser na sua vida,mais fina que o gume de uma espada para quem
venerou apenas o seu eu pequeno’.

O Ser Uno quer ser ‘conhecido’ por um ‘conhecedor’e para isso existe o homem.

Se o homem ‘não encontra’ Deus na sua vida, ‘frusta‘ esse ‘conhecimento’ e isso é um ‘desvalor’ enorme
no momento da morte, do Juizo final pois ‘falhou’ a finalidade para que foi criado.

Nesse ‘falhanço’ recebe não os seus Atributos Divinos mas a sua imagem invertida, essa imagem
Atributos do Rigor
invertida ( torna-o predador,satânico,dominador) determina o aparecimento dos
de Deus que são a expressão causal da Sua Ira.
Esta Ira, mesmo como Atributo Divino, não possui natureza emocional pois trata-se de repor o equilibrio
perdido, é a balança da Justiça Divina.

Percebe-se que o mal(desvalor) do castigo não é senão a expressão da Misericórdia, já que só mediante o mal
e através da pedagogia da pena pode o homem conceber o Bem e que aqui a Ira Divina (Não-Misericórdia) é
ainda e apenas Amor como um pai que castiga um filho.

Como diz um sufi : ‘Podemos desertar da nossa deiformidade (imagem de Deus) aproveitando as vantagens
mas não podemos escapar às consequências que ela implica’.

O sufi Al-Gazali afirma : ‘No dia do Juizo serão abertos os livros ,montada a balança porque o único valor
do homem reside no que fez no passado e será tarde demais para indemnizar o mal causado pelas suas
faltas.

O cálice da morte é amargo para quem em vida ‘não encontrou’ o Ser pois nesse cáilice saboreia-se a
Verdade e sofre-se o seu tormento.

Quem ‘não encontrou ‘ vê o horrendo que corporizou em contraste, insuportável,com a Beleza da sua
realidade transcendente.

Por isso, os hipócritas, os que mentem a si proprios, são na concepção islâmica, os que mais duramente se
penalizam.
As penas do Inferno são eternas ?
Não, porque eterno só existe Um.

Porque antes da Ira Divina existe sempre a Misericórdia Divina.

Porque a liberdade do homem move-se na estreita faixa consignada na determinação arquétipa.

A eternidade temporal das penas e do sofrimento é função da consciência e percepção espiritual que cada um
desenvolve, ao iniquo parece-lhe uma eternidade perpétua face ao confronto a que é exposto mas na
Realidade é um tempo finito.

Nalguns trechos do Corão fala-se no tempo interminável (do ponto de vista de quem o suporta) do
castigo,noutros fala-se ‘até que o Senhor o deseje’ (11:107) ou apenas por um tempo limitado (2:80-81).

Ibn Arabi afirma a finitude do inferno e do paraiso : ‘Ambas as situações(na verdade dádivas divinas)
regressarão à Misericórdia no final ‘.

No Corão se diz : Uma parede com uma porta existe entre o Paraiso e o Inferno, a face não-manifesta dessa
porta (interior) é o Paraiso da Misericórida ,a face manifesta(exterior) será o Inferno do castigo.

Ibn Arabi diz : O paradoxo da Misericórdia Divina é que ninguém nem nada pode ser definitivamente mau, uma
vez que tudo provém de Allah , tudo é por essência, no final supremo, destinado à Bondade e ao Bem.
O paradoxo da obediência ser uma Perfeição onde se manifestam os Nomes Divinos,Misericórida e
Generosidade mas também da desobediéncia ser outra Perfeição com os também Nomes Divinos como o
Vingador e Castigador.

Nascimento e morte são processos de expansão e contracção, uma série de ‘acidentes‘ da Essência Una que
, apesar de não poder ser ‘alterada’ pela sua propria definição Una, de uma certa forma A espelham e
refletem na sua infinita capacidade e potencial arquétipo.

Para quê ?
Como diz uma lindíssima frase sufi :

Para que sendo ‘conhecida’ e Amada, nos Amasse também.


Nós existimos para ter consciência da ligação ao Todo, para
afastar o véu que nos cobre a Realidade, para sacrificar a
vida sem a ela renunciar, no sentido de podermos ver com
os ‘dois olhos’ a Realidade por detrás do aparente real.
Deve ser este o nosso ritual de vida,realizá-lo ou falhá-lo
é a diferença entre Paraiso e Inferno.

Publicada por Christiano à(s) 1/02/2011 05:33:00 da tarde 0 comentários


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SÁBADO, 1 DE JANEIRO DE 2011

A Criação na teoria Sufi - Parte 4

O ascestismo(solidão tipo eremita ) leva a algum lado ?


Ao Fanã (aniquilamento)?

Não necessáriamente , existem 2 palavras , Tajrid ( despojamento ascético= nada possuir) e Tafrid( abolição =
não ser possuido por nada ) e a meta do Sufi sempre foi o Tafrid .

Atingir o Tajrid é meramente material (quem nada possui pode mesmo assim ser ‘tentado-perturbado’ pelo
exterior ,ser ‘influenciado’ mentalmente ) , atingir o Tafrid é ser indiferente a tudo exterior tendo ou não
tendo bens materiais , é estar já em outro nivel mental.
Ibn Arabi precisa : Quem renuncia ás coisas do mundo só o faz por ignorância e pelo véu que cobre os seus
olhos , se soubesse que o mundo é um louvor ,uma manifestação do Criador e que Dele dá testemumho
,como poderia renunciar a ele , se ele tem tal atributo ?

O sufi é panteista ?
Não, porque para o sufi o mundo não é Allah !

O mundo não tem realidade com R grande como a Existência ,existe ,baseia-se numa manifestação da Essência
mas é impermanente e temporário, não é a Essência , é uma ilusão neste sentido ( não de não existir ) ,um
reflexo da Existencia .

Para o sufismo importa não confundir a Ipseidade de Deus com a alteridade real do mundo.

O eu existencial é uma ‘precipitação/reminiscência ‘ da divina Ipseidade.

A Essência de Deus ( al-Dhât ) contêm a sua Absoluta Possibilidade, projecção de uma Ipseidade sem alteridade
.

Assim sendo Deus ,simultaneamente , exterior( manifesto) e interior ( em potencia) Ele nunca pode ser
confundido com o Universo, um sufi se vê Deus em todas as coisas , nunca pode ‘experimentar’ que tudo
é Deus , pois os entes criados são meras possibilidaddes –potencialidades face à absolutidade ôntica de Allah .

O mestre ibérico Ibn Qasi dizia : Não se prova a existencia de Deus ,pois nada de exterior O pode
representar, cada um que O procura é que é a prova ,quando sobe à montanha .

Se o mundo fosse Deus então o Mal não existiria mas todos constatamos que ele existe no nosso dia a dia.

A natureza com as suas duras regras ,leis da vida , não conhece o Mal , é essencialmente ‘inocente ‘ como os
animais .

Para os sufis as diferenças entre os homens e o resto da criação são os Atributos ou Nomes Divinos
,enquanto o homem os reflecte na totalidade , a restante criação apenas o faz parcialmente .

Existe como que uma irradiação descendente , quanto mais para baixo menos intensa ou complexa em
Atributos é a Luz irradiada.

Toda a criação está impregnada pela Absoluta Essencia Divina ,apenas ,por assim dizer, o grau-nivel dessa
incorporação é diferente em cada ser segundo a sua complexidade.

Por isso se diz que o homem tanto se pode virar para cima e tornar-se no Anjo do Senhor ou para baixo e
ser como aos animais a comer na pocilga do mundo material e consumista das paixões .

Publicada por Christiano à(s) 1/01/2011 04:30:00 da tarde 0 comentários


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S E X TA - F E I R A , 3 1 D E D E Z E M B R O D E 2 0 1 0

A Criação na teoria Sufi - Parte 3

Existe o Mal e qual a sua origem ?

A natureza da existência para o Sufi é pois virtual , uma contingência e não uma verdadeira existência .

O Profeta diz ‘ Deus é belo e ama a beleza’ , logo onde não há a Sua Luz é o reino da sombra,do Mal .
O Mal não existe per si ,existe onde falta a Luz ,é uma ausencia de Luz e não uma
existência própria.
Quanto mais o homem se afasta da Luz mais o Mal se aproxima dele .

O Mal tem utilidade ?


Tem ,pois ajuda o homem através do sofrimento e da morte a descobrir afinal a sua contingencia face á
Realidade Divina.

Por isso Lucifer sendo uma energia invertida é no entanto um factor de Luz, o que faz a Luz.

Um sábio Sufi disse ‘o homem está entre os dois dedos de Allah ‘, ou seja , está entre o Ser e o Mal , entre a
contracção e a expansão ,entre a Ira e a Misericórdia .

O homem comum não vê as duas faces , mas apenas uma delas e pensa que o Mal é real quando é uma mera
ausência de Luz , um instrumento de ‘cura’ para a descoberta espiritual assim como uma cirurgia ou um
remédio amargo para a cura fisica.

Todo o mal tem o seu bem e toda a virtude o seu vicio , este é um dos aspectos do Coincidentia Oppositorium .

O mundo carrega uma privação existencial decorrente da natureza da Manisfestação Divina e assim pela
sua própria natureza ,jaz nele a fera adormecida do Mal que tanto faz cair como pode libertar .

Aqueles que ‘não sabem’ vivem e afirmam o seu eu em tudo o que no mundo o alimenta, como paixões e vicios
materiais .

O sábio percebe que ‘Deus escreve por linhas tortas’ e vê o Mal na sua verdadeira dimensão e contexto
dual , o sufi vive em paz porque percebe que o finito do mundo é uma mera possibilidade do Infinito, a
existência fisica um mera ilusão reflexa ,algo que é ‘não-Ele ‘ .

Como disse Ibn Arabi ‘ É Ele e não-Ele , Luz é Ser e escuridão ,é o Tudo que parece Nada ‘.

A queda de Adão é a queda do homem comum ,no desconhecimento , queda essa que o homem
comum protagoniza no seu dia a dia e é o rastilho do Mal .

Em toda a criação só o homem cai no Mal , não os restantes animais.

Maomé disse de Allah : ‘A Sua Compaixão precede a Sua Ira’ .

Assim o Mal nunca se pode sobrepor ao Amor ,por mais maligno que o homem seja não pode nunca ‘desligar-
se’ por completo da sua verdadeira essência,da sua deiformidade.

Todo o homem em alguma altura da sua vida sente uma Voz interior ,pelo seu livre arbítrio pode ou não segui-
la .

Por isso o Alcorão diz : O bem vem de Deus , o mal de vós próprios e no entanto Tudo
vem de Deus’( 4:78/79) .
Deus não quer o Mal mas deixa-o ‘actuar’ indirectamente como catalizador e ‘cura’ do homem,Seu reflexo
na criação.

‘Cada homem não conhece o mal senão à sua custa.

Ninguém transporta o fardo de outrem’ ( Alcorão ,6:164) .

O Mal , a Ira de Deus é apenas um sopro,um aspecto da Sua Misericordia.

A Misericordia provém da Existência,da Unidade, do Conhecimento e da Luz.

O mal provém da não-existência, da divisão, da escuridão.

Vencer o mal significa voltar ao Centro em direcção à Luz e é esse o caminho do Sufi.

A maldade não é mera ausencia ética mas uma carência ôntica que exprime a deficiência de recepção da Luz
do Ser , as ‘boas intenções e rigor morais‘ são por si sós insuficientes se não houver Conhecimento .

É essa deficiente recepção de Luz que nos cria uma nostalgia ao vermos algo de Belo , que nos move a
procurarmos a beleza nas criaturas e na natureza , é um sentimento de Falta , de saudade do
arquétipo .
‘Toda a beleza é incrivelmente dolorosa‘ disse um mestre Sufi.

Publicada por Christiano à(s) 12/31/2010 03:55:00 da tarde 0 comentários


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Q U A R TA - F E I R A , 2 9 D E D E Z E M B R O D E 2 0 1 0

A Criação na teoria Sufi - Parte 2

Qual é a meta para quem Caminha ?


É realizar a proximidade com Allah , não Integrá-Lo , mesmo Maomé se deteve na luz do mistério da Sua
Essencia ,pois Allah em Si mesmo na Sua Essencia não é accessível pelas criaturas,mesmo pelo homem Seu
microcosmo que só pode atingir a realidade (não a Realidade) do que Allah emana /auto revela.

Aqui alguns sufis dizem que basta ‘estar próximo’ ou ‘contemplar ‘ Allah enquanto outros dizem que é possivel
ir ‘para além de Allah ‘ e ‘mergulhar’ no Um , fonte de Allah , tal como existe esta diferença em outras
doutrinas espirituais .

Essa proximidade alcança-se através da passagem por diversos estágios de abolição/


aniquilamento(fanâ), onde se atinge não uma união( ittisâl) mas uma vivência de unicidade (tawhid).
Maomé dizia : ‘Tendes de morrer antes de morrerdes’ !
Para saborear a União(dhawq) é necessário provar a morte simbólica ainda em vida, o aniquilamento do eu
pequeno , enquanto exercicio de renascimento prepara o homem para a morte fisica e para o nascimento
do Eu grande .

Um sábio sufi dizia :’ O homem quando vive dorme e desperta quando morre ‘.

O sufi está sempre desperto .

Maomé dizia : Os meus olhos dormem mas não o meu coração .

Um Pai do Deserto para se manter alerta estava constantemente a perguntar ‘Que horas são ?’ .

O mestre Zen Honchu perguntava a cada minuto : ‘Honchu ,onde estás?’.

O eu pequeno e material tem de se aniquilar á custa de um alerta permanente ao Eu grande espiritual que a
cada segundo tem de estar ‘virado’ para aquilo que realmente importa ao homem , a sua origem e destino
Verdadeiros.
Vai-se retirando sucessiva e progressivamente os véus (ou seja ,a ignorância do homem) que O escondem até
se chegar á Sua proximidade.

Começa-se por admitir/ter Fé em Allah , reconhecer que se é impotente para conhecer o Conhecimento ( isto
já é um conhecimento,uma humildade e um primeiro passo ) .

O caminho do sufi implica o aniquilamento gradual do eu até chegar a Allah (apenas à Sua proximidade
segundo alguns ) e perceber aí Allah como o Criador no centro plural de toda a criação.

O aniquilamento do eu não implica que o eu tenha tido alguma vez existência propria, é uma forma apenas de
expressão ,pois admitir sequer ter havido um aniquilamento implicaria dizer que o eu chegou a ter alguma vez
verdadeira existência o que é falso e uma ilusão.

Nota :

Claro que o eu pequeno existe e tem de ser aniquilado , a expressão acima sobre a ilusão e a irrealidade do eu
de alguns autores sufis é uma mera expressão filosófica assim como se diz que só o Um tem Realidade e tudo o
resto é ilusão irreal , ou seja está-se a falar em planos-niveis diferentes.

As criaturas têm um eu pequeno e um Eu grande e há que ‘aniquilar/diminuir/ relativizar/manter à escala


própria’ o pequeno e desenvolver o grande começando por uma Fé inicial .

Essa ilusão ( pensarmos que o eu tem importância quando na ‘realidade’ não a tem) é criada porque sendo nós
um reflexo da Luz criadora ,essa Luz é de tal intensidade que mesmo os seus reflexos nos ‘ofuscam’ e nós
pensamos ( fruto da nossa ignorância) que somos reais (que o nosso eu é o único que existe e que importa e
não um mero reflexo virtual) quando não passamos de um reflexo divino,a verdadeira Realidade.

Alguém disse ‘ a ilusão terrestre reflecte uma situação real ‘,o problema do homem é pensar que essa
realidade é Real e andar atrás das coisas ,de meros fantasmas que nada reflectem do Real .

O caminho do sufi é ganhar Conhecimento-consciência desta ilusão e ter a humildade de reconhecer que a
Realidade não é ele mas quem o criou e começar a ‘cooperar ‘ com o seu Criador.

Antes do fanâ ( aniquilamento) vive-se no mundo irreal, mutável, impermanente , depois do fanâ está-se fora
do tempo numa subsistência atemporal (baqâ), um estado de vigilia , a calma do silencio absoluto , onde a
Unidade é Multiplicidade e vice versa.

No fanâ , aniquilado, o sufi presencia a dissolução de tudo o que é existenciado .

Segundo o mestre Rumi: ‘Procura o tesouro nas ruínas de um coração desvastado‘.

No baqâ ,vigilante , o sufi vê o mundo emergir da absoluta indiferenciação,retomando a sua


‘realidade’,enquanto objecto de percepção.Vê Deus nas criaturas e as criaturas em Deus .

Como diz a alegoria Zen , ‘sai-se do mercado mas ao reentrar nele vê-se o mercado com novos olhos ,com
mais Conhecimento do que é a vida ,a existência, a morte e a Existência .
Como diz o sufi ‘ Vê-se com 2 olhos tudo , o da Determinação e o da Indeterminação’, tudo é simples e
multiplo, tudo é dual e Uno .

Maomé disse : ‘’Quem conhece a sua alma ,conhece o seu Senhor, tu não existes agora, tal como não
existias antes da criação do mundo’’.

Ibn Arabi diz : A Auto-Revelação Divina não se repete,uns progridem no conhecimento e na aniquilação
progressiva ,outros estagnam na ilusória realidade do eu.

O Caminho do sufi passa por estados ( hâl-fases transitórias e pura Concessão/Graça de Allah ) e estações
( maqâm-graus ganhos pelo esforço de busca ) .

A meta do sufi é alcançar uma ‘estação não-estação’( lâ maqâm),através do desvelamento e da directa visão e
aí experimentar a realidade dos limites do seu anterior estado de percepção.

Nota :

Aqui de novo alguns sufis entendem que basta ‘contemplar’ o Criador-Allah enquanto outros querem passar
‘para lá da contemplação’,para o Um .

O caminho começa para alguns com Fé ,para outros com Conhecimento sendo a meta de ambos a visão
contemplativa e unificadora do homem e seu Criador ( ou mesmo o ‘mergulhar’ no Um,fonte do Criador ) .

Na não-estação consuma-se a “coincidentia oppositorum” no coração do sufi .

Realiza-se o Homem Perfeito,sem atributo nem descrição e alcança-se a plena realidade do Islão na sua
dupla e una realidade da Paz e abandono a Allah .

Nota : Aqui de novo se notam as diferentes perpectivas sufis , uns quedam-se por contemplar Allah ,outros por
mergulhar no Um.

Pode-se falar apenas em Homem Perfeito naquele que passa para lá de Allah pois apenas esse se desprende dos
Atributos inerentes a Allah ?

Perguntaram ao Mestre Abu Yazid : Como estás esta manhã ? Ele respondeu : Eu já não tenho manhãs ou
noites, isso são apenas atributos e eu não os tenho.

Deixaram de existir obstáculos= véus entre criatura e o Criador/Allah ( esta é a teoria Sufi que busca
mergulhar no Um pois neste caso se deixava de ter Atributos estava para lá de Allah que os tem),entre
insubsistência e Existência .

Ibn Arabi diz :

‘O homem é pura imaginação,se bem que seja Real.Quem compreender isto terá alcançado os mistérios da
Via ‘.

Ou seja, é Real mas é ilusão e imaginação, contradição base do Mistério Magno.

Transforma-se o amador na coisa amada ,como dizia Camões.

Nota : Quem ama o Mundo, transforma-se no Mundo. Quem ama o Criador, transforma-se no Criador. Quem
ama o Um, transforma-se no Um.

Por assim dizer a "alma" ama o Criador, e o "intelecto/espírito" ama o Um.

Surge o ‘fakir’, o pobre rico em Deus , é ninguém e toda a agente , o possuidor de dois olhos (dhu’l-
aynayn) ,um que vê o Ser e outro que vê o nada.

Percebe a Verdade ( esotérica) e a sua manifestação( exotérica) .

‘Apaga-se’ individualmente para o mundo e ilumina-se por dentro , daí o chamado humanismo ocidental ser
considerado pernicioso no Islão porque falseia a realidade do homem dando-lhe uma existência ,baseada no
seu pequeno eu , que na verdade não tem.

Assume o ideal do Profeta quando age neste mundo como se vivesse mil anos e no outro como se fosse
morrer amanhã .

Não diz que Deus é Um (testemunho imperfeito pois seria associar o seu eu individual ao Ser ,enquanto
testemunha que contempla ) mas que Deus É ( aqui não existe contemplação apenas União/Imersão/Fusão
onde o Conhecimento apenas pertence ao Uno e a quem se encontra Nele dissolvido e reintegrado) .

Nota : Acima a escola sufi do ‘mergulhar’ no Um, neste caso no É.


O seu despojamento é como diz o sufi do sec. IX Hatim al-Asamm :’ Todas as manhãs Satã me pergunta , o que
vais comer, como te vais vestir e onde irás habitar ? Eu respondo-lhe : ‘Comerei a morte,vestirei a minha
mortalha e habitarei no túmulo’ .

Sábia lição para nós que todos os dias fazemos as mesmas perguntas e esquecemos que deve ser feita a
Sua Vontade e não a nossa ,porque afinal a Nossa é a Dele.

Ibn Arabi :

'Aquele que aceita ser guiado por Deus será guiado por si proprio ‘.

Publicada por Christiano à(s) 12/29/2010 01:30:00 da tarde 0 comentários


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TERÇA-FEIRA, 28 DE DEZEMBRO DE 2010

A Criação na teoria Sufi - Parte 1

Kaf , a montanha Cósmica


O que separa o homem da Realidade Divina é a mais ténue das barreiras .
Allah está infinitamente perto de homem mas o homem está infinitamente distante de Allah .
Esta barreira para o homem é uma montanha que ele deve remover com as suas proprias
mãos.
Escava para retirar a terra ,mas em vão; a montanha permanece ; contudo o caminhante
continua a escavar em nome de Allah .
E a montanha desaparece,afinal nunca lá tinha estado!

Definições base :
Segundo as escolas do Sufismo existem 3 planos-niveis base .

1) Um ,significa antes de Deus ser Deus , onde tudo existe em potencial,onde se encontram os
arquétipos base e o Mundo Imaginal , fonte de toda a futura criação como um banco de dados de toda
a criação .
É o buraco negro que é Tudo e Nada , donde nada escapa,nem a Luz , é o Mistério Magno.

2) Deus – Allah – Criador , emana desse Um como fonte de criação , para criar baseia-se
nos arquétipos do Mundo imaginal emanados do Um e origina os Atributos-Verbo de toda a criação.
3) O homem criado por Deus, tem os seus Atributos mas como também tem em si partes do Mundo
arquétipo e imaginal do Um , pode situar-se antes de Deus ser Deus e aí se ‘dissolver’ , se integrar
caso evolua espiritualmente-interiormente nesse sentido(ver nota abaixo).

Nota : Existem escolas em que a meta é chegar à mera contemplação de Allah , outras dizem ser
necessário passar ‘para além’ de Allah , onde Allah ainda não era Allah , ao mergulho no Um .

Porque existe Criação ?


A Essência Una podia pela sua definição ,ficar imóvel , sem emanar , assim o mundo , as criaturas e o
homem ,cada um a seu nivel , são para o sufi , actos
de Misericórdia Divina de Allah a emanação do
Um que decidiu ser conhecido por este processo .

Allah referindo-se ao Um disse a Maomé , ‘Ele era um ‘tesouro oculto’,desconhecido,quis conhecer-se e


através de mim ,sua emanação ,criou o mundo.

Alguém disse em termos simplistas : O objecto só existe se houver alguém para o ver .

Ou como diz a sabedoria popular : Só se conhece quem tem alguém que o olhe .

O Um não engendra porque nada pode existir senão Ele próprio manifestado.

Ele manifesta-se a Si Próprio sob uma outra forma de Si Mesmo que é Deus,Allah.

O Um É e não há mais nada senão Ele.

Allah revela-se através da expansão da Sua Luz , cada existência reflecte um Atributo/Nome do Criador , assim
as existências possiveis são em numero infinito pois infinitos são os Seus atributos.

Ele cria pela Sua imaginação num processo eterno e continuo capaz de alimentar a Criação para todo
o sempre.

A Sua imaginação bebe no Mundo Imaginal emanado do


Um onde fervilham os aspectos arquétipos que constituem a Unidade Divina.
Tudo na Criação se renova a cada instante , como diz Ibn Arabi ‘ o acidente não permanece por dois instantes e
a totalidade do cosmos não passa de uma colecção de acidentes ‘ , tal como diz a parabola budista da
lamparina de azeite ‘ a chama é sempre a mesma mas não cessa de se renovar a cada instante e assim nem é a
mesma nem é outra’.

Tal como a chama o homem não tem autonomia própria mas o seu arder (o viver do homem) dá-lhe uma certa
forma de ‘existência’ , a chama não subsiste sem o azeite o homem não pode subsistir sem o ‘sopro’
arquétipo que dá vida à matéria que o Criador vai criando e o sustenta em vida sempre em renovação.

Esse ‘sopro’ é uma expressão das infinitas possibilidades dos modelos arquétipos ao dispor do Criador .

O Criador ao criar o cosmos cria o Tempo onde emerge a criação , tudo o que antecede a criação não tem
tempo ,é eterno .

Sem Criação não haveria Tempo , Ibn Arabi diz : ‘Deus é um só Dia sem começo nem fim’ , é a diversidade da
criação , reflexo da manifestação dos Atributos Divinos que transforma o Dia Uno em dias multiplos no Tempo.

O Cosmos é dualidade e discontinuidade , Ele,o Ser é pura Unicidade por essência .

A formula corânica da criação é SÊ ( Kun) !! não o FAÇA-SE ( Fiat)!! da Biblia e esta diferença de
uma mera palavra é imensa pois pelo Corão é o Ser Absoluto (O Um) que se revela a Si proprio (não precisa de
alguém o FAÇA por Ele pois Deus –Allah é já um reflexo do Um , o degrau mais proximo por assim dizer na
escada da criação).

Porque não é possivel conhecer Allah na Sua Essencia ?

Ninguem conhece Allah a não ser Allah , só é conhecido pelos Seus Atributos , pela sua criação multifacetada .

Encontra-se oculto por véus ( hijab) ou barreiras , barreiras essas criadas pela própria natureza humana com a
sua percepção habitual e limitada .
Allah está velado pela luz da Sua incomparibilidade.

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