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Bioeletricidade

Bioeletrogênese

Atividade elétrica na célula animal

Biofísica Geral – FCAV/UNESP


Bioeletricidade

Bioeletrogênese

O que vamos estudar?

1. Origem da eletricidade na célula animal


2. Componentes do mecanismo de bioeletricidade
3. Papel da membrana no mecanismo
4. Biopotenciais
5. Alterações do mecanismo de transmissão elétrica
Papel fisiológico dos eventos elétricos

Células excitáveis:

• neurônios
• células musculares
• células sensoriais

Importância na área biológica:


• funcionamento dos sistemas biológicos

ECG - eletrocardiograma
Importância na área médica EEC - eletroencefalograma
EM - eletromiograma
Sistema nervoso

Características gerais da sinalização


celular

 Funções do sistema nervoso:

• receber e processar informações;


• analisá-las;
• gerar respostas coordenadas para controlar
comportamentos complexos.
Fases do funcionamento do sistema nervoso

1. Recepção e codificação das informações

2. Transmissão das informações – via neuronal

3. Processamento das informações – SNC

4. Efetuação de respostas
Processamento

SNC
Transmissão Transmissão

Receptores Efetores

Estímulos externos e Resposta aos


internos Estímulos
Requisitos para o funcionamento do sistema nervoso

 Estruturas especializadas

 Transformação de energia em código neural

 Codificação das informações ➔ linguagem


do sistema nervoso ➔ sinais elétricos (código
neural)

 Alterações eletroquímicas de ponto a ponto


O sistema nervoso é dividido anatomicamente em:

SISTEMA NERVOSO CENTRAL (SNC)


• Encéfalo
• Medula

SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO


a) Sensitivo (aferente: periferia para o SNC)
- somático.
- visceral.
b ) Motor (eferente: SNC para periferia)
- somático: musculatura esquelética.
- autônomo: musculatura lisa visceral,
musculatura do coração e glândulas
exócrinas.

O tecido nervoso é formado por dois tipos de células:


- Neurônios
- Células da glia (Gliócitos)
Formação e anatomia de um neurônio
Relações anatômicas de um
neurônio

Direção do impulso
Rede de neurônios

Sinapses
CÉLULAS DA GLIA

 Astrócitos
 nutrição;
 sustentação;
 regulação iônica

 Oligodendrócitos
 síntese de mielina

 Microgliócitos
 Defesa (função fagocitária)
 Astrócitos
 nutrição;
 sustentação;
 regulação iônica.
SNC: Oligodendrócitos

 Oligodendrócitos
 síntese de mielina.
Organização do Sistema Nervoso

Relação do Sistema Nervoso Central e Periférico

Neurônios sensoriais (aferentes)

Neurônios motores somáticos


(eferentes)

Neurônios motores viscerais


(eferentes)
Composição iônica intra e extracelular

O K+ é principal íon intracelular.


O Na+ e o Cl- são os principais íons extracelulares.

Distribuição iônica determina a polaridade da célula


Composição iônica intra e extracelular
Distribuição iônica (Na+, K+, ânions) determina a polaridade da célula
Potenciais biológicos

Assimetria iônica tem importância biológica

 Potenciais biológicos através das membranas estabelecem


uma diferença de potencial (d.d.p.) estável nas células
animais.

 Esta d.d.p. possibilita o estabelecimento de fenômenos


bioelétricos essenciais à vida celular.
Forças que determinam o movimento dos íons

Duas forças atraem o Na

Na+

K+
Uma força atrai o K

2
Potencial de repouso (Vrep ou Vm)

Bomba de Na+ K+ responsável pela manutenção do


potencial de repouso
Gradientes movimentam Na+ e K+ (difusão) durante o
potencial de repouso, por canais* (de vazamento)

*
Potencial de repouso ou Potencial de membrana
 Potencial de repouso ➔ medido quando nenhum evento ativo
está ocorrendo (varia de -20 a -100 mV).

 Potencial de ação ➔ No caso de um estímulo, as membranas


das células excitáveis (neurônios, células musculares e sensoriais)
respondem com alterações na voltagem (d.d.p.) gerando um
impulso elétrico
Impulsos Elétricos (P.A.) – movimento da corrente elétrica

Gerados no corpo celular/dendritos - propagados pelos axônios até os


botões terminais.

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Potencial de ação (PA)

• Alterações rápidas no Vm que se propagam pelo axônio


sem redução da intensidade ➔ evento “tudo ou nada”.

• Geração do potencial de ação depende:

Presença de CANAIS IÔNICOS VOLTAGEM DEPENDENTES


✓ Permitem a passagem de íon específico.
 Originam correntes iônicas que fluem através da
membrana.
Ex.: Canais de Na+ e canais de K+ ➔ mais
importantes na produção de um PA.
Potencial de ação

Despolarização

Repolarização

Potencial de repouso Hiperpolarização

A alteração temporária no potencial de membrana mostra que


o neurônio é eletricamente excitável.
Mudanças de voltagem na membrana

- 70 mV Potencial de repouso

- 70 mV
Potencial de ação
- 55 mV
+ 35 mV Despolarização
Repolarização
- 70 mV Hiperpolarização
- 85 mV

Movimento de íons
Potencial de ação (PA)
Fluxos iônicos
durante o potencial
de ação
Alterações durante o potencial de ação
Anestésicos locais bloqueiam a condução do PA nos axônios
sensoriais, por se ligarem a sítios específicos dentro dos canais de
Na sensíveis a voltagem, reduzindo a capacidade de despolarização
da membrana.

Cocaína - primeiro anestésico a ser usado, mas por causa da


toxicidade e potencial para dependência, alternativas foram
desenvolvidas.

O primeiro análogo sintético da cocaína usado para anestesia local,


a procaína, foi produzida em 1905.

Outros anestésicos locais deste tipo incluem a lidocaína e a


tetracaína
POTENCIAL DE AÇÃO DE UMA CÉLULA CARDÍACA

Despolarização
(platô) – abertura dos
canais “rápidos” de
sódio e “lentos” de
cálcio.
O que determina o potencial de
ação?

ESTÍMULO LIMIAR → corrente de estimulação


suficiente para desencadear um PA.

 Estímulo sublimiar
 Estimulo limiar
 Estímulo supra-limiar
E3
E1 E2

EVENTO TUDO-OU-NADA

 Estímulo sublimiar (E1, E2): não causa PA.


 Estimulo limiar (E3): causa um único PA.
 Estímulo supra-limiar: causa mais de 1 PA, sem alterar a
amplitude.
 Uma vez iniciado o PA, é impossível impedi-lo de acontecer.
Limiar de excitabilidade

Estímulo

Lei do tudo ou nada

Potencial local
Potencial graduado
Lei do tudo ou nada
Impulso elétrico

Alterações
eletroquímicas ponto- a-
ponto

PA vai sendo propagado


pela célula
Transmissão do impulso elétrico (PA)
Transmissão do impulso elétrico (PA)
Sentido ortodrômico
(corpo celular ➔ axônio)
Sinapses

Sentido do fluxo de
corrente

Ortodrômico

Botões terminais

Depósito de
neurotransmissores
Mielinização dos axônios

Bainha de mielina
Mielinização dos axônios

Células de Schwann (periféricos)


Oligodendrócitos (glia)
Célula de Schwann

Nódulo de Ranvier
Bainha de mielina
Potencial de ação nas fibras com mielina

Condução saltatória

Informação chega rapidamente ao SNC, onde é


processada
Potencial de ação nas fibras com mielina

Condução saltatória
Neurônio amielinizado

Informação é transmitida
ponto-a-ponto

 Velocidade de
transmissão

Sensação de DOR LENTA


Conduzida por neurônios
amielinizados
DOR - MECANISMOS PERIFÉRICOS

Fibras sensoriais

• As fibras Aδ são mielinizadas e as fibras C são amielinizadas e


possuem a capacidade de transmitir estímulos dolorosos em
diferentes velocidades. As fibras Aδ transmitem o estímulo de forma
rápida; fibras C são responsáveis pela transmissão lenta da dor.
Síndrome de Guillain-Barré (paralisia aguda)

Polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda

Inflamação grave nos nervos – doença autoimune


Aula prática

Bioeletrogênese em peixes
Tuvira

Nome Popular: Tuvira / Sarapó


Nome Científico: Gymnotus carapo
Família: Gymnotidae
Habitat: América do Sul: da
Amazônia ao Norte da Argentina
Poucos volts

Poraquê

Poraquê (o que faz dormir)


Electrophorus electricus
Gymnotidae
Bacia Amazônica
± 500 volts
"Unexpected species diversity in electric eels with a description of the strongest living bioelectricity
generator" Nature Communications (2019). DOI: 10.1038/s41467-019-11690-
z , www.nature.com/articles/s41467-019-11690-z

Nova espécie de peixe-elétrico descoberta na Amazônia é a mais


poderosa do mundo (860 v)

Electrophorus voltai produz a descarga elétrica mais forte já registrada em


seres vivos (Créditos da imagem: Leandro Lousa/UFPA).

https://phys.org/news/2019-09-species-electric-eel-highest-voltage.html
"Unexpected species diversity in electric eels with a description of the strongest living bioelectricity
generator" Nature Communications (2019). DOI: 10.1038/s41467-019-11690-
z , www.nature.com/articles/s41467-019-11690-z
Electrophorus electricus, que se
acreditava presente em toda a
Amazônia, vive apenas no escudo
das Guianas. O mais antigo.
(Fonte: Wikimedia Commons /
Harum Koh / Reprodução)

Electrophorus varii vive nas águas


turvas e lentas das várzeas do
Amazonas.
(Créditos da imagem: Leandro
Lousa/UFPA).
Jovem leva choque de peixe-elétrico em rua de
cidade do Amapá e fica com metade do corpo
paralisado
Lucas Rocha Oliveira, de 18 anos, está internado há 4 dias, desde
sexta-feira (29), após ser atacado na área urbana de Laranjal do Jari,
que sofre com cheia histórica.

Laura Machado, g1 AP — Macapá

03/05/2022

https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2022/05/03/jovem-fica-com-lado-esquerdo-do-corpo-
paralisado-apos-ataque-de-peixe-eletrico-no-
amapa.ghtml?fbclid=IwAR2bqZnLxaGLpoABclCvf1J9rxgxSYof5RJOOsIbZ1xrH7Zf5YZ7YxnKTeM
Eletrolocação e eletrorrecepção

• Água turva;
• Visibilidade precária;
• Visão pouco desenvolvida.

Vantagens Desvantagens
• Explorar o meio quando a visão é • Alcance limitado (poucos
inadequada metros)
• Independe do ciclo diurno-noturno
Produção de eletricidade – controle central

2
1

3
4
Produção de descargas elétricas

Órgão elétrico – células musculares modificadas ou neurônios


especializados - eletrócitos.
Eletroplacas empilhadas (5.000 a 10.000) de cada lado do corpo,
conectadas às terminações nervosas. Baterias ligadas em série.

Estes órgãos elétricos especializados, em atividade coordenada com


eletrorreceptores na pele, formam o Sistema Eletrogênico e
Eletrosensorial, para a produção e recepção de correntes elétricas.
Formação de campo elétrico

O órgão elétrico dispara um fluxo contínuo de pulsos, a frequências


variáveis.
A cada descarga, a extremidade da cauda fica momentaneamente
negativa em relação à cabeça.
Uma corrente elétrica flui em direção à água ao redor.
Formação de campo elétrico
Eletro recepção

Os peixes podem também se comunicar pela modulação das


ondas elétricas que eles geram, uma habilidade conhecida
como eletro comunicação

• Eletro-receptores presentes na pele

• Células especiais ligadas a terminações nervosas

• Informação elétrica chega ao cérebro do peixe, que a traduz

• Permite a percepção do ambiente


Eletrorrecepção Configuração do campo elétrico depende
da condutividade do meio e é distorcida
se um objeto com condutividade superior
ou inferior à água for introduzido no
campo

Objeto Linha de fluxo de corrente


Condutividade mais alta convergem
Condutividade mais baixa divergem
Peixe nariz de elefante
Curiosidades sobre
bioeletricidade
Humanos e bioeletricidade

• Pele humana. Atividade bioelétrica constante / Potencial baixo (µvolts,


mV). Diferença de potencial - resistência galvânica da pele.

• Capacidade condutora varia com grau de hidratação, nível de estresse e


quadros patológicos.

• Isso modifica a capacidade das células na epiderme internalizarem cátions


- o meio externo fica saturado com ânions.

• Medição das correntes elétricas – ferramenta para diagnosticar doenças.

• Eletrocardiogramas e eletroencefalogramas medem os potenciais


bioelétricos na superfície da pele para mensurar os níveis de estímulos em
órgãos específicos como o coração e o cérebro.
Humanos e bioeletricidade

• Bioeletricidade x processos de reparo de lesões.

• Uma corrente elétrica direta se estabelece entre a pele e os tecidos mais


profundos do corpo quando há danos superficiais, sendo que esta
corrente unidirecional é interrompida quando o ferimento é reparado.

• Em locais feridos, ocorre uma alteração do potencial elétrico, o que causa


a atração de macrófagos, fibroblastos e induz a excreção de fatores de
proliferação celular.
Humanos e bioeletricidade

• Papel da comunicação elétrica celular como alvo potencial no


combate ao câncer.

• Durante a metástase de tecidos cancerígenos, há uma alteração no


potencial bioelétrico - relacionado a despolarização do potencial de
repouso.

• Radiação ultravioleta, medicamentos e indução de expressão gênica de


canais iônicos pode levar a hiperpolarização das membranas, o que
parece ter um efeito supressor de tumores.

• Mecanismo de detecção de cânceres de forma não-invasiva - medição de


potenciais elétricos de tecidos alvo.
Humanos e bioeletricidade

• Estudo com peixes elétricos (Gymnotus carapo e Brachyhypopomus


pinnicaudatus) – modelo para compreender redes neurais humanas
moduladoras do funcionamento do coração e estágios do sono. Mestrado e
doutorado - Alberto C. Stanham, Universidad da República, Uruguai.

• Resultado – Elaboração de um modelo computacional, capaz de reproduzir,


com bastante semelhança, o comportamento de determinados neurônios,
chamados marca-passos, responsáveis pela geração e coordenação do ritmo
de descargas elétricas produzidas por esses peixes.

• “Os peixes elétricos são um paradigma para compreendermos sistemas


biológicos mais complexos. O que fizemos foi observar espécies simples, com
condutas simples, para entender como sua rede neural as origina“.
Outros animais

• Capacidade regenerativa de tecidos em répteis e anfíbios está


diretamente relacionada a estímulos elétricos.

• Gradientes de voltagem parecem ser capazes de direcionar o padrão de


crescimento de células tronco multipotentes sem que haja remodelação
ou edição do DNA.

• Experimentos com girinos - o controle do fluxo dos íons H+ e Na+ - crucial


na geração de um potencial elétrico que estimula a regeneração de caudas
completas, compostas por pele, músculos e cordão espinhal.

• Resultados indicam que as células envolvidas na reconstrução dos tecidos


migram e se dividem em um sentido estabelecido por eletrostática,
sendo o tecido danificado um polo carregado positivamente.
Bibliografia
• Cunningham, J.G.; Klein, B.G. (2014). Tratado de Fisiologia Veterinária. 5ª ed.
Saunders-Elsevier.
• Catania, K. C. L. (2016) Leaping eels electrify threats, supporting Humboldt’s
account of a battle with horses. PNAS 25, 6979-6984.
• Pullar, C. E. (2018). The physiology of bioelectricity in development, tissue
regeneration and cancer. 344p. CRC Press. ISBN 9781138077836
• Gardner, S.E., Frantz, R. A., Schmidt, F.L. (1999). Effect of electrical stimulation on
chronic wound healing: a meta-analysis. Wound Rep. Reg. 7, 495-503.
• Stanham, A.C. Doutorado em Neurociencias (1999), Universidad da República,
Uruguai. Caracterización experimental y desarrollo de modelos estadísticos de la
descarga espontánea y la respuesta de evitación de interferencia en el pez eléctrico
Gymnotus carapo.
• Tseng, A. S., Levin, M. (2012). Transducing bioelectric signals into epigenetic
pathways during tadpole tail regeneration. The Anatomical Record: Advances in
Integrative Anatomy and Evolutionary Biology, 295, 1541-1551.

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