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Capítulo 13

Fundamentos e Práticas Pediátricas e Neonatais – Edição III

Ruptura esplênica; Recém-nascido; Neonato

CAPÍTULO 13
AS PRINCIPAIS CAUSAS E DESFECHOS DA RUPTURA
ESPLÊNICA EM RECÉM-NASCIDOS

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Capítulo 13
Fundamentos e Práticas Pediátricas e Neonatais – Edição III

INTRODUÇÃO Selecionaram-se os artigos seguindo as re-


comendações do PRISMA que divide o pro-
A ruptura do baço no período neonatal é um cesso de busca em quatro etapas (identificação,
acometimento raro e pode ser secundário à seleção, elegibilidade e inclusão).
coagulopatias ou anormalidades esplênicas. Na fase de identificação, buscaram-se estu-
Geralmente é causada por traumas durante o dos publicados nas bases de dados do PubMed
parto, prematuridade, distúrbios hemorrágicos, e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Com o
uso materno de medicações, entre outras causas objetivo de captar um número maior de estudos,
(JOSHI et al., 2017; ADAMU et al., 2016; um cruzamento de termos foi realizado:
MOREIRA & DAS, 2018). O sangramento do “Ruptura esplênica”, “Recém-nascido”,
baço leva à formação de um hematoma subcap- “Neonato”, combinados com o operador
sular que proporciona hemostasia por pressão booleano "OR", sendo encontrados um total de
local, a sintomatologia manifesta-se sistemati- 342 resultados com a utilização dos descritores.
camente e o tratamento pode ser conservador, Na fase de seleção, a aplicação do seguinte
através da análise dos sinais vitais e exames filtro foi realizada: artigos com até dez anos de
físicos e laboratoriais, ou cirúrgico, por meio de publicação, aparecendo 39 resultados.
uma laparotomia exploratória ou esplenecto- A terceira fase (elegibilidade) remeteu à lei-
mia. Portanto, é fundamental um diagnóstico tura dos artigos para seleção dos que respon-
precoce que seja realizado o tratamento mais diam aos seguintes critérios de inclusão: dispo-
adequado e eficaz (GOKCEBAY et al., 2020; nibilizados na íntegra e com nível de relevância
BADAWY et al., 2017; JOSHI et al., 2017). científica. Os estudos selecionados para a fase
O objetivo deste estudo foi demonstrar as de inclusão foram lidos minuciosamente para
principais causas e desfechos da ruptura esplê- que os seguintes critérios de exclusão fossem
nica em recém-nascidos e as abordagens tera- aplicados: artigos duplicados, disponibilizados
pêuticas mais indicadas para cada paciente. apenas na forma de resumo e que não
abordavam a proposta para esta pesquisa.
MÉTODO Realizou-se a busca, durante todo o pro-
cesso, por dois investigadores independentes,
O estudo trata-se de revisão integrativa da seguindo as recomendações de duplo cega-
literatura dos anos de 2011 a 2021, realizado no mento preconizadas pelo PRISMA, e em caso
mês de agosto de 2021, caracterizando-se por de divergências entre os pesquisadores, resol-
possuir um caráter sistematizador na revisão veu-se através de um terceiro investigador que
dos diferentes resultados e rastreio de artigos, deu seu parecer final. Assim, dos 342 artigos
pretendendo o entendimento do tema proposto encontrados inicialmente nas bases de dados,
e levando em consideração os diversos estudos 10 foram selecionados para compor o presente
selecionados. Dessa forma, busca responder a estudo.
seguinte pergunta: quais as principais causas e
desfechos da ruptura esplênica em recém- RESULTADOS E DISCUSSÃO
nascidos?
O baço pode estar envolvido por várias con-
dições, como processos infecciosos, doenças

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inflamatórias, vasculares ou hematológicas e parto (BADAWY et al., 2017). Por conse-


neoplasias (benignas e malignas). Pode se apre- guinte, as causas mais frequentes de hemorragia
sentar como lesões incidentais ou pode produzir intra-abdominal são lesões hepáticas com 65%,
esplenomegalia significativa e predispor à rup- lesões adrenais com 15% e lesão adrenal com
tura esplênica (LEO et al., 2016). A ruptura 10% (CHANG et al., 2021). Devido ao liga-
esplênica ou hematoma foram descritos em cri- mento esplenorrenal geralmente associado a
anças com hemofilia grave após trauma, con- distocia e dificuldades de extração, o hemope-
tudo foi raramente relatado em meninos recém- ritônio secundário a ruptura esplênica é mais
nascidos. Geralmente é causada por trauma de frequente, favorecidas pelas manobras de
nascimento, prematuridade, distúrbio hemorrá- Lovset e Bracht (DESCAMPS et al., 2017).
gico, uso de antiepiléptico materno, hemangi- A fisiopatologia da lesão esplênica durante
oma cavernoso rompido, eritroblastose fetal e o parto não é totalmente compreendida. O me-
sífilis congênita (GOKCEBAY et al., 2019). canismo envolvido poderia ser uma pressão
As causas da ruptura do baço neonatal intratorácica fetal elevada durante as contrações
podem estar associadas aos parênquimas pato- uterinas, que empurra o fígado e o baço para
gênicos, como hemangioma esplênico, patolo- fora da cavidade diafragmática, resultando em
gia hematológica, hemofilia neonatal e eri- uma tensão excessiva dos ligamentos de
troblastose fetal ou favorecida pela síndrome do suporte (RAATS et al., 2021).
baço errante, sendo a distocia do ombro como Geralmente, a ruptura esplênica evolui em
principal causa. No entanto, a ruptura esplênica dois estágios levando a diagnóstico e gestão
pode ocorrer sem ser de origem traumática e difícil: a formação inicial de um hematoma sub-
sem doenças de base (DESCAMPS et al., capsular, que muitas vezes é quase assintomá-
2017). A maioria dos casos de ruptura esplênica tico e então, várias horas ou vários dias depois,
espontânea ocorre em condições patológicas ruptura capsular súbita responsável por um he-
que causam esplenomegalia, como neoplasias moperitônio maciço com um estado de choque
hematológicas, infecções, distúrbios metabóli- hemorrágico (DESCAMPS et al., 2017). Além
cos, eritroblastose fetal e hipertensão portal disso, as lesões esplênicas variam de lacerações
(GOKCEBAY et al., 2019). superficiais a hemorragia parenquimatosa. Nas
Associações mais raras incluem doenças primeiras horas ou até a segunda semana de
esplênicas primárias ou malignidades de distúr- vida, a hemorragia esplênica pode ocorrer e
bios na hemostasia. O parto apenas pelo canal apresentação precoce com menor ou igual 12
de parto já é um trauma suficiente para causar horas foi associada a um mau prognóstico, le-
um hematoma subcapsular, iniciando o vando ao aparecimento precoce de sintomas e
processo de ruptura, que se manifesta três dias difícil recuperação (CHANG et al., 2021).
depois (ADAMU, I; ASARIAN, A; XIAO, P; A hemorragia intra-abdominal é um evento
2012). Geralmente, a ruptura esplênica é atribu- raro em neonato, sendo os sintomas de hemor-
ída ao aumento da pressão intratorácica durante ragia esplênica neonatal inespecíficos, podendo
o trabalho de parto e parto, que empurra o baço ocasionar um diagnóstico tardio em alguns
inferiormente para a cavidade abdominal, casos. Ademais, a causa de hemoperitônio em
expondo-o a trauma direto através do canal de neonatos por lesão esplênica é menos frequente,

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dado que o baço está bem protegido no qua- O tratamento da ruptura esplênica não é
drante abdominal superior esquerdo. Os consensual, ficando a cargo do médico a esco-
achados mais comuns de hemorragia esplênica lha de como manejar o caso, a depender dos
neonatal são a palidez ou anemia e descolora- sintomas e da presença ou não de fatores hemo-
ção ou distensão abdominal. Dessa forma, a dinâmicos. Ou seja, embora existam opções de
tríade: anemia, distensão abdominal e choque, tratamento conservadoras viáveis para ruptura
é a apresentação típica de hemorragia intra- esplênica, o tratamento operatório faz-se neces-
abdominal em neonatos (CHANG et al., 2021). sário quando há instabilidade hemodinâmica,
Além disso, caso ocorra uma anemia grave aco- hemorragia contínua ou comprometimento de
plada com palidez, encontrada principalmente órgãos vitais (ADAMU et.al., 2012).
em partos que se apresentem difíceis, a ultras- O manejo clínico é fundamental e muito ci-
sonografia (USG) abdominal deve ser feita com tado como conduta primária diante do diagnós-
urgência (DESCAMPS et al., 2017). Em caso tico de ruptura e/ou hemorragia esplênica. O
de suspeita de sangramento subcapsular com tratamento conservado da lesão esplênica inclui
escape para a região intraperitoneal deve ser monitoramento dos sinais vitais, repetição em
feito USG abdominal ou tomografia computa- série do exame físico e do hematócrito até a es-
dorizada (TC) (MULINGE, I; JOSHI, S; tabilização hemodinâmica. (GOKCEBAY et
KAMAT, M; 2017), também utilizadas como al., 2019). Casos com hemorragia intensa, diag-
instrumentos para o diagnóstico da ruptura es- nóstico de hemofilia, choque hemorrágico ou
plênica (CHANG et al., 2021). O reconheci- outras condições de descompensação hemodi-
mento imediato do choque hemorrágico com os nâmica, indicam ressuscitação volêmica imedi-
resultados radiológicos que confirmem o san- ata (com transfusão de glóbulos vermelhos até
gramento visceral é de extrema importância 40 mL/kg) e administração de Fator VIII re-
para prevenir a mortalidade e minimizar a combinante até seu nível se manter em 100% e
morbidade em neonatos afetados (MOREIRA, o paciente estabilizar. (MOREIRA, A; DAS,
A e DAS, HRISHIKESH, 2018). A raridade dos HRISHIKESH, 2018). Alguns relatos de caso
casos de ruptura esplênica somada aos sintomas descreveram melhora no quadro e não necessi-
inespecíficos também dificulta o diagnóstico, dade de intervenção cirúrgica posterior, mas na
que por vezes é feito apenas na necropsia ausência de boa resposta ao tratamento inicial,
(ADAMU et.al., 2012). a laparotomia exploradora e esplenectomia
A verdadeira ruptura espontânea do baço foi estão indicadas (BADAWY et al., 2018).
descrita pela primeira vez por Peskin e Orloff A ruptura esplênica em neonatos é uma rara
em 1958. Existem quatro critérios: 1. Sem his- emergência cirúrgica associada a alta mortali-
tória de trauma; 2. Nenhuma evidência de dade (RAATS et al., 2021). A abordagem cirúr-
doença; 3. Nenhuma evidência de aderências gica diante de um quadro de ruptura esplênica é
periesplênicas ou cicatrizes do baço. O baço tida como uma emergência. Visto que a causa
deve estar normal no exame macroscópico e da ruptura pode ser secundária a outras condi-
histológico, além dos achados de hemorragia e ções, sejam elas congênitas ou decorrentes do
ruptura (TIBONI et al., 2015). parto, como onfalocele, hemofilia, lesão hepá-
tica e até mesmo a própria lesão esplênica, os
sintomas e a intervenção podem inicialmente

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ser inespecíficos. Na ocorrência de ascite e he- abdominal neonatal que pode estar associada
morragia abdominal intensa, o tratamento de por vezes à hemorragia esplênica. Portanto, a
escolha é a laparotomia, que na confirmação da tríade clássica é a anemia, distensão abdominal
ruptura esplênica resulta em esplenectomia para e o choque, sendo de grande importância tam-
controlar o sangramento. Alguns autores reco- bém os achados dos exames de imagem como
mendam a laparotomia exploratória de imedi- ultrassonografia de abdome e tomografias com-
ato, assim que o diagnóstico é feito, mas não é putadorizadas. Assim, a baixa incidência e os
uma posição consensual dado o alto risco de sintomas inespecíficos impactariam menos no
sepse e morte do recém-nascido. Outra opção e fechamento do diagnóstico, possibilitando o
tratamento invasivo já citado na literatura é o seu reconhecimento e início de tratamento
tratamento endovascular através da emboliza- precoce (CHANG et al., 2021; ADAMU, I,
ção proximal ou distal, a depender do caso, da et.al., 2012).
artéria esplênica. Essa modalidade de interven- Portanto, os tratamentos, apesar de não
ção foi citada por Rong et al em 2017 e mostrou terem um consenso, seguem a linha de monito-
desfechos menos fatais comparados à esplenec- rizar e controlar os sinais vitais, repetindo o
tomia (ADAMU, I, et.al., 2012). Apesar da exame físico e o hematócrito do paciente até
escolha de tratamento aumentar ou diminuir a estabilizá-lo hemodinamicamente, podendo ser
ocorrência de algumas complicações, como a usada a transfusão de glóbulos vermelhos e a
sepse, existem outros preditores de mortalidade administração do Fator VIII, em casos mais gra-
neonatal que podem culminar em desfecho ne- ves e específicos de ruptura com instabilidade
gativo, como insuficiência pulmonar e o nível hemodinâmica persistente. Por outro lado, em
de prematuridade (SAXENA, A; RAICEVIC, casos em que esse tratamento inicial conserva-
M, 2018). dor não mostra bons resultados, a intervenção
realizada por laparotomia exploratória e esple-
CONCLUSÃO nectomia são usados como opção de tratamento
mais invasivos. Além disso, a embolização
Nesse contexto, constata-se que a ruptura
proximal ou distal da artéria esplênica também
esplênica do baço em neonatos é uma rara
é citada como método alternativo para a esple-
emergência cirúrgica, porém alcança altas
nectomia. Dessa maneira, fica evidente a
porcentagens de mortalidade quando acontece,
importância do diagnóstico precoce para o
sendo necessária uma atenção redobrada em
início do tratamento, sobretudo para garantir a
relação as suas etiologias com o propósito de
hemostasia do paciente, reduzindo significati-
preveni-las ou diagnosticá-las precocemente.
vamente a mortalidade e a morbidade neonatal
Como exemplos de causas de ruptura do baço,
advinda da ruptura esplênica (MOREIRA, A;
temos os traumas no decorrer do canal do parto
DAS, HRISHIKESH, 2018; BADAWY, X; et
– mais frequente dos fatores causais –
al., 2018; ADAMU, I, et.al., 2012).
hemofilias, uso materno de medicamentos anti-
epilépticos, entre outros (RAATS et al., 2021;
GOKCEBAY et al., 2019; JOSHI et al., 2017).
Para isso, deve-se estar atento aos sinais clí-
nicos mais comuns de hemorragia intra-

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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