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1) “Mas, o que importa, nesse prefácio, não é falar de mim, mas sim do problema que me

motivou a escrever este livro e a torrar a paciência do leitor com o aparente exercício
narcísico de falar sobre as minhas leituras de adolescente: a constrangedora escassez de
livros de divulgação científica no âmbito das ciências humanas e sociais. Quais as razões
dessa escassez, dessa quase ausência? Por que o "vulgarizador" (no sentido francês de
vulgarisateur), isto é, o perito que também se preocupa com a popularização do
conhecimento científico, é personagem tão pouco usual nas ciências sociais? (Regra em
relação à qual, justiça lhes seja feita, os historiadores têm sido a principal exceção, pois
vêm brindando o público leigo cultivado, e não é de hoje. com livros deliciosos e atraentes
para qualquer amante da leitura.) [...]”
(SOUZA, 2005, p. 11)

3) “[...] Além do mais, as cidades são assentamentos humanos extremamente


diversificados, no que se refere às atividades econômicas ali desenvolvidas, diferentemente
dos assentamentos rurais que são as aldeias e os povoados. Além de tudo isso, a cidade é,
igualmente, um "centro de gestão do território", por sediar as empresas. Porém, nem tudo
se resume à economia! A cultura desempenha um papel crucial na produção do espaço
urbano e na projeção da importância de uma cidade para fora de seus limites físicos, assim
como o poder. A cidade é um centro de gestão do território não apenas enquanto sede de
empresas (privadas e estatais), mas também enquanto sede do poder religioso e político.
Além do mais, uma cidade não é apenas um local em que se produzem bens e onde esses
bens são comercializados e consumidos, e onde pessoas trabalham; uma cidade é um local
onde pessoas se organizam e interagem com base em interesses e valores os mais
diversos, formando grupos de afinidade e de interesse, menos ou mais bem definidos
territorialmente com base na identificação entre certos recursos cobiçados e o espaço, ou
na base de identidades territoriais que os indivíduos buscam manter e preservar.”
(SOUZA, 2005, p. 28)

4) já a "lógica" urbana é a do solo enquanto um simples suporte para atividades que


independem de seus atributos de fertilidade: produção industrial (indústria de transformação
e construção civil), -› atividades terciárias, habitação e circulação (ruas, avenidas ete.). O
que pode confundir é que, na franja rural-urbana, muitas vezes a face visível do espaço (a
paisagem) continua tendo um aspecto "rural", às vezes até belamente bucólico - algumas
plantações, muito verde, grandes espaços servindo de pastagem para algumas cabeças de
gado -, quando, na verdade, por trás disso se verifica uma presença insidiosa e cada vez
mais forte da
"lógica" urbana de uso do solo. Grandes áreas servindo de pastagem para umas tantas
cabeças de gado, por exemplo, nada mais são, fre-quentemente, que uma "maquiagem"
para glebas mantidas como reserva de valor por empreendedores urbanos; são, assim,
terras de especulação, "em pousio social", por assim dizer, e que serão conver-tidas, depois
de muitos anos ou mesmo após algumas décadas, em loteamentos populares ou
condomínios fechados de alto status, dependendo de sua localização. Nem tudo aquilo que
parece ser, por conseguinte, de fato é, em matéria de espaço periurbano... (Ver, para uma
contextualização mais apropriada do espaço periurbano na cida-de, o Cap. 4, A cidade vista
por dentro.)
5) “[...] O que pode confundir é que, na franja rural - urbana, muitas vezes a face visível do
espaço (a paisagem) continua tendo um aspecto "rural", às vezes até belamente bucólico -
algumas plantações, muito verde, grandes espaços servindo de pastagem para algumas
cabeças de gado -, quando, na verdade, por trás disso se verifica uma presença insidiosa e
cada vez mais forte da "lógica" urbana de uso do solo. Grandes áreas servindo de
pastagem para umas tantas cabeças de gado, por exemplo, nada mais são,
frequentemente, que uma "maquiagem" para glebas mantidas como reserva de valor por
empreendedores urbanos; são, assim, terras de especulação, "em pousio social", por assim
dizer, e que serão convertidas depois de muitos anos ou mesmo após algumas décadas,
em loteamentos populares ou condomínios fechados de alto status, dependendo de sua
localização. Nem tudo aquilo que parece ser, por conseguinte, de fato é, em matéria de
espaço periurbano ...[...]”
(SOUZA, 2005, p. 27)

6) "A centralidade de uma cidade, já se viu, é função, acima de tudo, da sua capacidade de
ofertar bens e serviços para outros centros urbanos, estabelecendo, desse modo, uma área
de influência. Essa centralidade, portanto, é de natureza, acima de tudo, econômica."
(SOUZA, 2005, p. 57)

"Os espaços onde as atividades de comércio e serviços se concentram são de vários tipos.
A grande maioria das cidades possui, claramente, o seu "centro", correspondendo, o mais
das vezes, ao centro histórico (local onde a urbe foi fundada, e que abriga prédios de um
certo ou mesmo um grande valor histórico-arquitetônico). Esse "centro", no caso das
cidades maiores, tendeu, muitas vezes, a se expandir e evoluir até atingir as dimensões de
uma moderna área central de negócios, mais conhecida, entre os estudiosos, pela sigla
CBD (abreviatura, como se viu no Cap. 1, de central business district). O CBD sozinho,
porém, não daria conta de atender a todas as demandas da cidade por bens de consumo
não-rotineiro."
(SOUZA, 2005, p. 54)
“Uma cidade será tanto mais complexa e possuirá uma posição tanto mais elevada na
hierarquia da rede urbana, quanto mais ela possuir essa capacidade de ofertar bens e
serviços e capturar uma área de influência maior. No entanto, à primeira vista, dois tipos de
situação parecem perturbar essa presunção de correspondência entre complexidade do
centro urbano, centralidade e posição hierárquica na rede urbana.”
(SOUZA, 2005, p. 57)

7) “As diferenças entre a segregação em uma cidade norte-americana contemporânea e


em uma grande cidade brasileira são, todavia, enormes, apesar de serem ambos produtos
de um modelo social capitalista. Nos EUA, a etnicidade possui um significado imenso
enquanto um fator que, em si, e independentemente de outros fatores (como a renda),
determina a segregação de certos grupos. Além do mais, os grupos segregados
correspondem a minorias, basicamente a minorias éticas. A literatura clássica sobre
segregação residencial, que é principalmente norte-americana, tende a apresentar a
segregação, por conseguinte, como um problema de grupos minoritários. No Brasil,
diversamente, a segregação afeta uma enorme parcela, não rara maioria da população de
uma cidade, a qual mora em favelas, em loteamentos de periferia ou em cortiços.”
Pág.68e69
8)“O primeiro e, até hoje, mais famoso modelo de organização interna da cidade, é o de E.
Burguess, sociólogo pertencente à célebre Escola de Chicago, o qual, nos anos 20, propôs
um modelo em que a cidade aparecia como um conjunto de círculos concêntricos (vide
figura 4), tendo no centro o CBD, em seguida o anel das áreas de obsolescência (com seus
guetos, sua boemia etc.), depois dele o da classe trabalhadora mais bem integrada e, por
fim, o anel das camadas privilegiadas. Para Burguess, representante do que ficou
conhecido como abordagem de "Ecologia Humana", uma certa analogia com as leis da
natureza, especialmente com a teoria de Darwin sobre a seleção natural, seria cabível para
se explicar a dinâmica urbana: a sociedade urbana testemunharia a “sobrevivência do mais
forte" em meio à "luta pela vida", com aqueles indivíduos mais aptos e talentosos
conseguindo escapar do gueto. O que Burguess e a Escola de Chicago, assim, punham em
primeiro plano, não era uma estrutura social menos ou mais justa, mas os indivíduos,
competindo entre si. Expressão mais clara do individualismo norte-americano, impossível.
Outros modelos muito conhecidos são o de H. Hoyt e o de C. Harris e V. Ulmann (vide figura
5). O modelo de Hoyt toma o de Burgess como base, mas o torna mais complexo ao
combinar círculos com setores (refinamento introduzido ao levar-se em conta a influência da
malha viária e dos transportes). Quanto ao de Harris e Ulmann, também conhecido como
"modelo de múltiplos núcleos", ele procura fazer justiça à

descentralização do setor terciário no interior da grande cidade, destacando a existência de


subcentros de comércio e serviços, e à presença de áreas industriais e residenciais
localizadas no entorno da cidade, as quais correspondem, no caso das áreas residenciais,
aos suburbs (os quais, diferentemente dos "subúrbios" de certas grandes cidades
brasileiras, são, normalmente, áreas residenciais de status
médio ou mesmo alto).”
Pág. 72 e 73

9)“No Brasil, diversamente, a segregação afeta uma enorme parcela, não raro a maioria da
população de uma cidade, a qual mora em favelas, em loteamento de periferia ou em
cortiços. Não se trata, nessa situação, da segregação de um grupo específico, por razões
fortemente étnicas ou culturais, embora a correlação entre pobreza e etnicidade seja,
conforme já se disse, forte; o que se tem é uma situação na qual os pobres são induzidos,
por seu baixo poder aquisitivo, a residirem em locais afastados do CBD e das eventuais
amenidades naturais e/ou desprezados pelos moradores mais abastados. Nesses locais,
não é apenas a carência de infraestrutura, a contrastar com os bairros privilegiados da
classe média e das elites, que é evidente; a estigmatização das pessoas em função do local
de moradia (periferias, cortiços e, principalmente, favelas) é muito forte. Sérios problemas
de integração e de convivência entre grupos sociais diferentes e de autoestima coletiva
costumam estar associados a essa questão.”
Pág. 69
“A figura 9 busca retratar as diferenças espaciais no padrão de expansão urbana em duas
cidades hipotéticas: uma, onde o transporte sobre rodas reina soberana e exclusivamente
("Rodópolis"), e outra, onde o transporte sobre trilhos foi preservado e expandido
("Trilhópolis"). Nesta última, são principalmente os eixos de circulação sobre trilhos que
arcam com a função de orientar a expansão urbana, embora, logicamente, não substituam
inteiramente o transporte sobre rodas coletivo ou privado, que segue sendo importantíssimo
e imprescindível.”
Pág. 87
10) “Devido a essa importância da dimensão espacial é que eu acredito ser legítimo falar de
desenvolvimento sócio-espacial, em vez de, somente, desenvolvimento social. A referência,
aqui, não é apenas ao "desenvolvimento do espaço social", como se se tratasse de
transformar apenas o próprio espaço (situação em que a grafia deveria ser socioespacial),
mas à transformação das relações sociais e do espaço social, simultaneamente. Na minha
convicção, o desenvolvimento é, nos seus termos mais simples, um processo de mudança
para melhor, um processo incessante de busca de mais justiça social e melhor qualidade de
vida para o maior número possível de pessoas - e isso exige, tanto em matéria de análise
de problemas quanto de formulação de estratégias para a superação dos problemas, não
somente a consideração das várias dimensões que compõem as relações sociais, mas
também uma visão de como essas relações se concretizam no espaço.”
(SOUZA, 2005, p. 112)

11) “A reforma urbana, no sentido do presente livro, não se circunscreve a uma


remodelação do espaço físico. Ela é uma reforma social estrutural, com uma muito forte e
evidente dimensão espacial, tendo por objetivo melhorar a qualidade de vida da população,
especialmente de sua parcela mais pobre, e elevar o nível de justiça social.
Enquanto uma simples reforma urbanística costuma estar atrelada a um entendimento
estreito do que seja o desenvolvimento urbano, pode-se dizer que o objetivo geral da
reforma urbana, em seu sentido mais recente, é o de promover um desenvolvimento urbano
autêntico, nos termos delineados no Cap. 6 deste livro.”
Pág. 100

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