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FICHAMENTO DE TEXTO

BARATA-SALGUEIRO, Teresa. Do centro às centralidades múltiplas. In: _____ FERNANDES,


José Alberto Rios e SPOSITO, Maria Encanação Beltrão. A nova vida do velho centro: nas
cidades portuguesas e brasileiras. 2013, p.13-29.

Resumo

“Neste texto propõe-se uma reflexão sobre a complexidade urbana que a metáfora das
centralidades múltiplas procura dar conta. Pretende-se explorar a ideia que a transição da
organização urbana de uma estrutura monocêntrica para o policentrismo acompanha a
consolidação da sociedade do consumo, no quadro da crescente produção e apropriação simbólica
da cidade.” (P.13)

“Começa por discutir o conceito de centro e centralidade na geografia urbana, depois, na segunda
parte, apresenta a evolução da área central ao longo do tempo, tendo por referência as cidades
portuguesas, para em seguida elencar alguns elementos d que se poderá chamar a nova vida para o
centro, no final do século 20”. (P.13)

Citações:

“[...] Lipovetsky (2006) teoriza sobre a sociedade do hiperconsumo que corresponde a uma nova
fase do capitalismo de consumo em que o consumidor desempenha papel central na economia de
mercado. Isto implica novas lógicas de produção do espaço urbano destinado a seduzir e atrair
consumidores, novos produtos e novos espaços onde se desenrola o processo de consumo [...]. A
lógica do consumo converteu a cidade em mercadoria, fomenta a sua promoção e marketing
suportados por iniciativas de alteração de imagem e intervenções na sua morfologia e
funcionalidades dos vários sítios.” (P.13)

“A atual cidade expandida e descontínua possibilita aos consumidores fazer uma espécie de
‘zapping’ que permite a compra, em lugares e momentos diferentes [...]. Enquanto a cidade pré-
industrial e a cidade industrial tinham um ‘centro’, a cidade fragmentada da modernidade tardia
será melhor caracterizada pela existência de uma rede de centralidades ou, para outros, como
Michel Dear, pela justaposição de fragmentos distintos como as peças de um puzzle [quebra-
cabeça], a copresença de grupos variados e da diversidade de temporalidades, espacialidades e
modos de vida.” (P.13)

1. Centro e centralidade na Geografia Urbana

“O conceito de centro, a sua função, e a relação com os outros centros e as áreas envolventes pode
ser analisada a duas escalas interligadas, uma, mais geral, a que se pode chamar do sistema
urbano, em que a cidade é um ponto, e outra, dada pela ampliação da maior escala, em que a
cidade é uma área com extensão.” (P.14)

“A nível dos sistema urbanos as cidades são centrais em termos de emprego, porque concentram
grande diversidade de atividades e por isso atraem população rural dispersa em busca de trabalho.
São também centrais pelos serviços que prestam e que obrigam deslocações de pessoas ou à
distribuição de bens pelos territórios circundantes.” (P.14)

“O novo quadro interpretativo do desempenho e dos diferentes caminhos de sucesso das cidades
tende a valorizar o papel exercido pelas redes em que os lugares participam, em detrimento das
funções que cumprem para os territórios envolventes e outros lugares do seu sistema urbano. A
minha preocupação nos estudos urbanos tem sido principalmente a da cidade como área, por isso é
essa a que se privilegia neste texto. Podemos então analisar o centro em função de três dimensões
analíticas:

a) A dimensão geométrica

“O centro é o lugar geométrico das menores distâncias à periferia. O efeito distância teve
grande importância na explicação da organização do espaço em coroas concêntricas em
torno do ponto central desde Von Tunen.” (P.15)

“De fato, numa sociedade de mobilidades crescentes cada vez mais tecnicizada, a
acessibilidade é mais significativa do que a pura distância a um ponto. A centralidade
torna-se cada vez mais dependente da conectividade, da existência de ligações, do tempo
de deslocação, do seu custo relativo. Assim, Beaujeu-Garnier e Delobez (1977) [...],
salientam que, [...] mais importante do que a distância é a rapidez da deslocação e a
facilidade de estacionamento.” (P.15)

b) A dimensão funcional

“Na Geografia Urbana o centro rapidamente deixou de ser visto apenas como uma área
central pela localização e pela acessibilidade para passar a sê-lo devido à aglomeração de
atividades terciárias, principalmente as que exigem deslocação de pessoas e propicia o
contato pessoal”. (P.15)

“A centralidade funcional está associada com a organização e o controle da produção,


portanto, com a produção do espaço para a realização do capital, mas também com a
apropriação e o uso para a reprodução da vida.” (P.15)

“As funções que fazem centralidade não são necessariamente as mesmas nos sítios em que
o espaço é transformado para servir a produção e a circulação do capital (centro de
negócios) ou para atrair visitantes para o consumo (centro de comércio, serviços, cultura e
lazer). Tradicionalmente coexistem no mesmo espaço, mas os grandes centros, nota-se
uma tendência para a separação interna das funções [...]. Hoje em dia o exercício das
funções que fazem as diversas centralidades funcionais transformou-se, bem como os
padrões de localização e frequentação, e o consumidor pode escolher entre ir no cinema no
centro tradicional de diversões, num dos centros comerciais periféricos ou num complexo
de cinemas de uma das novas áreas de lazer e consumo.” (P.15)

c) A dimensão simbólica

“As cidades são objetos materiais com uma determinada estrutura física habitada que
provoca representações abstratas as quais, por sua vez, afetam as decisões e a vida das
pessoas” [laços afetivos que as pessoas desenvolvem com os lugares, mostrando que os
sítios são imbuídos de sentidos]. (P.16)

“A centralidade simbólica está essencialmente ligada as ideias do prestígio e do poder que


explica a marcação física desse espaço pelo poder, ao longo dos tempos, e a atração que
transforma os centros em lugares de reunião de pessoas.” (P.16)

“Cedo na história urbana encontramos o uso simbólico do espaço pelo poder político e
religioso que ‘marcam’ o espaço central, desde logo pela sua localização nele, depois pela
construção de monumentos que os simbolizam e exprimem. A arquitetura e o desenho
urbano se encarregaram de valorizar estes sítios de os tornar, pela via artística, imponentes
e impressivos.” (P.16)

“A valorização crescente dos sentidos dos lugares na sociedade de consumo contribui


assim para a proliferação de novas centralidades definidas por grupos e formas de capital
diferentes” P.17)

2. Caminhos do centro

“A observação da realidade empírica, a área ocupada pelo centro das cidades europeias ao longo
do tempo, revela, no entanto que, independente de haver crescimento na sua periferia imediata, a
maior parte dos centros ‘caminha’, pois a invasão [da coroa envolvente, segundo as zonas
concêntricas de Burgess] não se dá uniformemente em coroas mas progride numa direção
privilegiada, traduzindo-se numa deslocação do centro ao longo do tempo. Encontramos
referências a este tipo de movimento em cidades muito grandes como Paris, em que a direção é
dada pela localização das residências de classes altas.” (P.17)

“Na segunda metade do século 20, a grande expansão e transformação das atividades do setor
terciário com a terceirização das economias urbanas, pelo menos nos países mais desenvolvidos,
vai ter grande impacto na área central das cidades que aumenta consideravelmente, seja pela
verticalização, seja pela horizontalidade do alargamento da extensão. Neste contexto, encontramos
e novo um processo de crescimento com duplicação e especialização, entre a Baixa e a Boavista
no Porto, a Baixa e as Avenidas Novas, em Lisboa.” (P.17)

“Nesta fase as cidades apresentam um ‘novo’ centro de atividades terciárias, muito dinâmico,
ancorado nos modernos edifícios de escritórios pontilhados com algum comércio, no geral por via
de galerias e pequenos centros comerciais, e uma ‘Baixa’ [um velho centro] em processo de
declínio, com atividades rotineiras, imóveis degradados e progressivamente esvaziados.” (P.17-18)

“Este caminhar do centro a partir de uma localização inicial tem sido documentado em muitas
cidades, designadamente pelo estudo do comportamento locativo do comércio de nível mais alto.”
(P.18)

“[...] De fato, sensivelmente ao mesmo tempo que os serviços se dispersavam nas avenidas novas,
produzindo aí uma nova centralidade, surgem em Lisboa outras centralidades, por vezes
especializadas, fora desta área, como são os parques de escritórios ou de empresas, as grandes
superfícies comerciais e os parques de diversões e outros espaços de lazer.” (P.18)
“Tornou-se difícil, senão impossível, identificar o centro nas metrópoles contemporâneas que
ocupam vastos territórios e apresentam estruturas muito complexas de centralidades múltiplas que
polarizam grande volume de deslocações.” (P.18)

“A organização urbana passou, portanto, de uma situação dominada por um centro para uma outra
de policentrismo em que existem várias áreas de centralidade, sendo que umas são especializadas,
por exemplo nos serviços de ócio e lazer, e outras diversificadas porque combinam comércio e
escritórios, ou habitação-comércio e escritórios, embora a tendência atuais do planejamento sejam
críticas da separação funcional do Modernismo e favoráveis a alguma diversidade, suporte da
variedade de usos.” (P.18)

3. Nova vida para o centro

“O avanço do centro para novas áreas tem acarretado o declínio das que são libertadas e
abandonadas.” (P.19)

“Depois de um período de decadência os centros ganham nova vida, em articulação com o


desenvolvimento de novas procuras e novas estratégias de produção do espaço, e a sua função
predominante desloca-se para a esfera do consumo e para a produção simbólica que lhe está
associada.” (P.19)

“Do ponto de vista comercial a transformação das áreas centrais, mostra naturalmente diferenças
segundo ramos e áreas do centro. As novas áreas ofertas podem substituir os antigos comércios de
rua ou surgir em centros ou galerias comerciais que se multiplicam nas áreas centrais de muitas
cidades. Em termos de grandes tendências pode-se dizer que se nota um aumento da diferenciação
por via de processos de dualização, etnicização e criatividade que vão ao encontro da maior
segmentação dos consumidores por estilos de vida e padrões de consumo. A separação geográfica
do comércio de luxo em relação as ruas comerciais não é um fenômeno novo, mas foi ampliado
pelo desenvolvimento de uma elite global de super ricos e pela atração das marcas. Já a vitalidade
das ruas comerciais do centro decorre mais de fenômenos geracionais e culturais do que
propriamente econômicos.” (P.19)

“Há também exemplos de revitalização de certos bairros até então marginalizados do ponto de
vista socioeconômico, por vezes ocupados por minorias étnicas, por intermédio de atividades de
turismo, cultura e lazer em torno da música e da restauração, já sem considerar o turismo de risco
que ‘vende’ excursões com estadia nas favelas do Rio de Janeiro.” (P.20)

4. Fatores e Desafios

“[...] o propósito principal desse texto é sublinhar a importância que o consumo tem na
transformação da estrutura de centralidades.” (P.20)

a) Fatores de contexto

“Tem-se assistido ao crescimento da sensibilidade ambiental e dos valores sobre a ecologia e


sustentabilidade que levam as pessoas a procurar estilos de vida mais saudáveis, como andar mais
a pé ou de bicicleta, consumir produtos bio e frequentar ginásios, com menos impactos negativos
no ambiente, e a mudanças de atitude no sentido de aumentar s reutilização e reciclagem.” (P.21)
“Neste contexto, a procura para o comércio e os serviços urbanos é muito superior s estimada com
base na população habitualmente residente , e inclui visitantes e turistas, residentes a tempo não
inteiro na cidade, caso de estudantes e residente em segunda habitação.” (P.21)

b) Alteração nos estilos de vida. A cultura do consumo

“As transformações nas paisagens só tem sucesso se as pessoas e empresas se apropriarem dos
novos espaços produzidos.” (P.21)

“Depois de uma época de generalização do acesso aos bens de consumo de massa relativamente
igualitários, assiste-se a um aumento da complexidade social com a maior diferenciação de
pessoas e grupos. Surgiram novas profissões que não possuíam estatuto social o qual foi
construído por meio de processos de consumo. Formaram-se novas elites, novos grupos sociais
ricos em outras formas de capital que não necessariamente o econômico, que recorrem ao
consumo cultural como forma de reconhecimento e de identificação individual e do grupo.” (P.22)

“O processo de consumo transformou-se num ato social, uma atividade de produção e reprodução
de sentidos e códigos, numa transação simbólica, em que intervém estratos das novas classes
médias burguesas e indivíduos com elevado capital cultural.” (P.22)

“No quadro da sociedade do hiperconsumo há consumidores que já não estão pressionados pela
necessidade de mostrar sinais de estatuto [status], mas buscam no consumo experiências
emocionais, bem-estar, qualidade de vida, saúde, autenticidade. (LIPOVETSKY, 2006)” (P.22)

“Os padrões de consumo fragmentam-se pois em nichos de mercado definidos pelos estilos de
vida e preferencias culturais. O aumento da variedade dos consumidores traduz-se numa procura
diversificada que busca alternativas à oferta igual e massificada oferecida no centro urbano e nos
centros comerciais (CREWE E BEAVERSTOCK, 1998).” (P.22)

“[...] Deste modo, a cidade é envolvida na economia simbólica do consumo e da cultura.” (P.22)

“Estas tendências sociais de diferenciação e alterações no consumo, a associação entre comércios


e lazer, comércio e cultura contribuem para explica, primeiro, a transformação dos espaços de
comércio em lugares de consumo, depois, a tendência para criar ambientes que proporcionem
experiências de consumo se estenda das lojas aos sítios em que elas estão implantadas e a própria
cidade, e, finalmente, o sucesso na apropriação pelo consumo de espaços novos na área da cultura.
Ajuda também a perceber a multiplicidade de lugares (centralidades) que podem proporcionar
experiências de consumo, não mais restritos ao comércio de um centro urbano ou centro
comercial.” (P.22)

As políticas públicas

“Face ao declínio e despovoamento das áreas centrais, por um lado, e ao aumento da concorrência
entre lugares, as cidades empenharam-se desde os anos 80 em políticas destinadas a rejuvenescer
as áreas interiores, ganhando residentes; atrair investimentos, atividades e visitantes; garantir a
viabilidade e vitalidade aos centros.” (P.23)

“Estas intervenções tem efeitos sobre a imagem do espaço em que incidem mas frequentemente
são mesmo norteadas pela vontade de a alterar a fim de tornar a cidade mais e atrativa para outros
públicos. Desenrolam-se no quadro de campanhas de promoção e marketing do território que
jogam basicamente com imagens, que essas campanhas ajudam a construir, e com iniciativas que
facilitam a promoção do lugar, como exposições mundiais, jogos olímpicos e outras competições
desportivas, espetáculos e eventos de menor alcance como feiras medievais, festivais
gastronômicos ou de produtos da terra que se tem multiplicado nas pequenas e médias cidades
portuguesas.” (P.24)

“[...] Tem-se dito que estas políticas promovem o renascimento urbano na medida em que
reintroduzem no mercado áreas em declínio. Para além dos objetivos mencionados, elas servem
também para reforçar a autoestima e a resiliência de comunidades afetadas por crises, propiciando
o desenvolvimento de sentimentos de orgulho local.” (P.24)

“Muitas das intervenções mencionadas, embora dinamizadas pelo setor público, e por vezes fruto
de parcerias entre o setor público e investidores privados foram, no essencial, realizados pelo setor
imobiliário especulativo, num processo a que os autores de língua inglesa chamam property-led
regeneration (TUROK, 1992), a qual assumiu um papel central na política urbana da década de 80
(PACIONE, 2001). De fato, as políticas neoliberais aplicadas desde essa década atribuem ao setor
público basicamente uma função de atração de investimento privado e facilitador desse
investimento, com prejuízo do planejamento.” (P.24)

“Esta transição acompanha e facilita um ciclo de forte expansão imobiliário que mobiliza capitais
excedentários que não encontram aplicação na esfera produtiva, o circuito primário de
acumulação, que são transferidos para o circuito secundário do ambiente construído e para a
especulação financeira, e para o circuito terciário (serviços destinados a manter a eficiência da
mão de obra através de investimentos na saúde, educação, formação), como Harvey (1978)
explicou. Crescem então por todo lado modernos edifícios de escritórios, centros comerciais,
espações de lazer, condomínios residenciais para asa novas elites, os quais enformam as novas
centralidades.” (P.24)

“Para promover o crescimento econômico e o embelezamento, os governos locais legitimam a


demolição de velhos bairros e a construção de propriedades de grande valor, sem considerar os
interesses dos residentes locais pobres que ficam assim marginalizados do processo de
transformação urbana. De fato, as políticas empresariais marginalizam e excluem pessoas,
atividades e empresas porque tendem a subordinar os interesses gerais da comunidade aos
interesses da comunidade aos interesses da acumulação do capital, como os váriosestudos sobre
gentrification tem mostrado.” (P.25)

“Nesse quadro o grande desafio que hoje se coloca consiste em reposicionar o planejamento e a
intervenção pública de modo a que intervenções integradas permitam a inclusão e tenham em
consideração as necessidades dos residentes, os valores de uso e não exclusivamente os valores de
troca.” (P.25)

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