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O presente artigo foi escrito em 2000/2001 por dois professores, ligados ao ensino
secundário e superior, por ordem de entrada. Destina-se a alertar a sociedade Portuguesa
relativamente ao estado catastrófico em que o sistema de ensino se tem vindo a
encontrar, e das razões que justificam essa situação. Se na leitura do mesmo ocorrer
uma sensação de ter estado a dormir durante as últimas décadas, será então a altura de
acordar. Este assunto diz-nos respeito a todos, e as consequências desta fraude
politicamente correcta a que continuamos a chamar ensino serão irremediáveis.
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Muito se tem discutido, nos últimos anos, acerca da qualidade do ensino em Portugal.
Não é segredo para ninguém que, após o 25 de Abril, o sistema de ensino sofreu
profundas remodelações e que a própria filosofia do sistema de ensino se tenha
modificado de uma maneira irreversível. Durante esse período, em particular na última
década e em especial durante o período de governação socialista a remodelação do
sistema educacional tem sido muito activa, embora não do ponto de vista qualitativo.
Essencialmente, a política demagógica dos últimos governos está a transformar o ensino
numa espécie de fábrica de diplomas, onde são observadas como determinantes as
estatísticas de progressão e de aprovação dos alunos, sem que haja a preocupação com a
qualidade do ensino, onde a autonomia e o poder dos professores é reduzida ao mínimo,
de modo a que possa haver o máximo controle destes por parte do estado; onde são
aprovadas leis que dão ao ensino uma imagem de pseudo-democracia e pseudo-
humanismo, à custa da transferência das responsabilidade de pais e de alunos para
professores e de poderes de professores para pais e para alunos, mas onde em vez de se
promover a autonomia, a criatividade e a qualidade dos alunos, se procura neles
integrar, de uma maneira medíocre, uma filosofia de aceitação, de seguidismo, de
estupidez intelectual, sem que haja a mínima preocupação com a qualidade dos
conhecimentos que adquiriram ou desenvolveram.
Não se pode ordenar a saída de sala de aula de um aluno que insulta e perturba, é
preciso adoptar uma medida «pedagógica» e dar-lhe «tarefas». Mas este estado de
coisas vai piorar ainda mais, quando se fizer aprovar a passagem administrativa dos
alunos até ao 9º ano de escolaridade, e se a escolaridade se tornar obrigatória até ao 12º
ano, quando as escolas se tornarem autónomas, e passarem a não contratar professores
que não obedeçam às estatísticas... Aparte disto, aquilo que se observa como mais baixo
e mais hipócrita, é o esforço (conseguido em muitos casos) de dar ao ensino uma
imagem mais humanista: para «democratizar» as escolas deixam de haver conselhos
directivos e passam a haver conselhos executivos (os professores só executam). As
escolas passam a ter pseudo-orgãos de gestão constituídos também por encarregados de
educação, alunos e funcionários, retirando assim o «ónus» aos professores de gerirem as
escolas e desviando o poder de uma forma conveniente. Simultaneamente, aumentam-se
as obrigações e o policiamento dos professores, numa estratégia desleal mas altamente
demagógica que sugere uma imagem de (falso) rigor. Os professores vivem
aterrorizados com a idéia de cometerem alguma falha numa vigilância de um exame,
quando poderá surgir alguma «rigorosa» acção disciplinar. Existe uma razão
fundamental para que este artigo se escreva hoje, e essa razão é de que, para variar, as
pessoas se comecem a aperceber de que o problema de falta de qualidade do ensino em
Portugal não se relaciona com uma questão de «má formação pedagógica» dos
professores nem de qualquer característica mística que faz dos jovens de hoje em dia
uma geração «rasca», mas é sim, em primeiro lugar, o produto de uma gestão criminosa
e incompetente do sistema de ensino, aliada a uma política de laboratório de
experiências para satisfazer o ego de falsos pedagogos medíocres e, também a uma
atitude de profunda inércia e passividade de uma grande maioria de professores que se
deixam transformar em «impressores de diplomas». Para isto contribui também a
maneira abusiva como os professores no secundário são tratados, a política de
contratações desumana que tenta fazer dos professores «descartáveis» (perdão,
«candidatos» a professores) uma espécie de intrumentos sem personalidade própria. Era
bom que abríssemos os olhos, porque o futuro do nosso país está a ser seriamente
comprometido e os danos serão irreversíveis, e nessa altura, só nos poderemos queixar
do que não fizemos, do que aceitámos quando poderíamos não ter aceite, daquilo que
fingimos não ver, preferindo tranferir as responsabilidades para outros...
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É talvez um pouco estranho vir falar da realidade do ensino quando são tão poucas as
pessoas que não têm um familiar no ensino nem estão no ensino, a estudar, a dar aulas
ou a administrar. Porém, estou convicto de que os cidadãos estão enganados acerca do
ensino e estão MUITO enganados acerca do ensino superior.
Estes pequenos diálogos têm acabado em silêncio, sinal de dúvida ou de medo. Caro
leitor, espero que quando acabar de ler este texto tenha passado do medo ao terror. É
que estes pequenos diálogos não descrevem as causas profundas do problema nem
transmitem a natureza catastrófica dos seus efeitos. Refiro, já a seguir, as duas causas
fundamentais para a degradação do ensino superior.
Estas causas têm promovido uma degradação gradual da qualidade do ensino que se
revela nos seguintes sintomas.
--Silêncio.
Caro leitor, já que chegou até aqui, permita-me ainda que foque um aspecto importante:
a Educação tem um impacto determinante na cultura e, por consequência, na economia
duma nação a longo prazo. Por esta razão é muito grande a responsabilidade dos
professores. Essa responsabilidade não pode ser escamoteada por causa de políticas de
curto prazo. Note, caro leitor, não pretendo regressar ao passado, apenas lembro que,
mais tarde ou mais cedo, seremos todos obrigados a tomar decisões difíceis e que nessa
altura convirá estarmos devidamente preparados. Confesso que me sinto envergonhado
por só agora divulgar o engano que ajudei a perpetuar.
Quando se entra para a universidade fica-se preso por ter cão e por não ter. Não se
aprende mais nem por já se saber bastante nem por ainda não saber nada. O melhor é
não tentar aprender e continuar a cometer os mesmos erros de sempre. E se ainda não
está aterrorizado então inscreva-se na universidade. Vai ver que, ao fim de algum
tempo, consegue um diploma que não servirá para nada.