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* %

0 E N S I N O D A M A T E M Á T I C A 'ENTRE N Ó S
ALUNOS DESPREPARADOS

DEVEMOS ACEITÁ-LOS INDEFINIDAMENTE?*

Moema Sa Carvalho

"Os alunos que recebemos vêm totalmente despreparados."


"Nossos alunos nos chegam cada vez piores."

Serão válidas expressões desse gênero, como justificativas de


insucessos em nossas escolas?
Ate que ponto devemos aceitá-las?
O fato de aparecerem já no l 2 grau e se estenderem ate a Univer­
sidade constitui um grave indício, nada animador para quem se preocupa com a
Educação.
Tomadas como justificativas, parecem indicar certa intenção de
se colocar nos alunos a causa do fracasso escolar. Provavelmente não do fracas­
so geral, considerando o sistema como un todo, porém do fracasso no seu aspecto
local, de momento, constatado pelo "professor do dia".
Não alimentamos a pretensão de levantar aqui todas as possíveis
causas determinantes desse quadro de'um sistema educacional falho, inccnpleto,
desfocado e injusto.
,■> Queremos, no entanto, frisar que não aceitarros serem os alunos
cs fatores determinantes dos insucessos escolares (mesrc os locais). Ao ccr.tra-
rio, consideramos que eles são vitimas indefesas de todo un encadeamento de fa­
lhas que vêm se acumulando ao longo do tempo, em todos os níveis de ensino.
Colocamos as questões:
Aceitaremos indefinidamente essa produção contin uada de "despre­
parados"? . '*■
Encontraremos meios de estancá-la?
Poderemos recuperar um "despreparado" em meio à sua trajetória?
Com satisfação registramos que, se por um lado parecemos,como so_
ciedade, aceitar um tal sistema educacional, por outro lado, individualmente ou
em pequenos grupos, pelo menos, começamos a nos conscientizar e a reagir,em mo­
vimentos de resistência e de ação construtiva, enfrentando os desacertos que vi_
mos presenciando e procurando corrigi-los.
Nossa intenção, em modesta contribuição a esses grupos ,é oferecer
alguns subsídios para análise de falhas comuns no processo ensino-aprendizagem
entre nós, e, especificamente, no de Matematica.
Avaliemos inicialmente a alegação de "alunos despreparados".
De que maneira, no primeiro grau, poderão estar "despreparadas"
crianças que se encontram em pleno início de seu desenvolvimento, da sua forma­
ção ?
0 que, no 22 grau, se estará cobrando desses alunos, para que seu
"despreparo" impeça um bom rendimento escolar? Ter-se-á substituído o "atenda-
se o aluno no seu desenvolvimento" por "adestre-se o aluno para que de respos­

ta Te xto apr es enta do no 15 Enco n t ro Estadual de P rofes so res de M a t em á t ic a de 18 e 28 Gr a u s - U N E S P -


C aapu s de Rio Claro, nov/1983.

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tas corretas "?
0 objetivo primeiro estará sendo o cunprimento do programa, com
o aluno ou "apesar" dele? ,
À Universidade chegam alunos selecionados através de incontáveis
-provas e exames, aos quais se submeteram ao longo de sua vida escolar até o
vestibular, inclusive. E ainda chegam "despreparados"?
Como se explica?
0 treinamento específico a que o estudante se submete, para for­
necer respostas corretas, quando solicitadas ern questões padronizadas, a "co­
la" mesmo, a própria falibilidade natural dos sistemas de seleção podem expli­
car situações assim anômalas no topo do sistema, mas isso não basta. 0 mal que
está feito não se restringe aos que chegam "despreparados" ao 3 2 grau e, ainda
assim, por vezes se diplomam. Os que ficam pelo meio do caminho também serão
. adultos que passarão a desafiar o seu próprio equilíbrio ao tentar exercer algu
ma função sem o lastro indispensável para tal desempenho.
Pois bem, mesmo entre os que ingressam "despreparados" n o 3 2 grau,
mesmo entre esses, e oportuno, além de justo, que se lhes ofereça um atendimen­
to, visando à sua recuperação. Esse atendimento, quando bem orientado, escoima-
do das distorções iniciais, tem grande probabilidade do sucesso.
Seja em que nível de escolaridade for, e quanto mais cedo melhor,
evidentemente, se receberem atendimento de acordo com o nível de desenvolvimen­
to cognitivo que estejam revelando, esses estudantes "despreparados" consegui­
rão vencer o seu atraso, num reencontro com a sua inteligência e a sua. potência
lidade ate então sufocadas, 'mais depressa do que se possa às vezes esperar.
Talvez soe estranho uma afirmativa que poderia dizer-se cusada.
Como pode um dia ser vencida tanta dificuldade acumulada e tanto bloqueio forma
do ante una disciplina "tão difícil e hermética" como é a Matemática?
Porém, o que, realmente, deve-se considerar estranho, é que se
acumule tanta dificuldade em una disciplina que, afinal de cor,tas, nasceu no
dia-a-dia do homem. Pior ainda e ver a Matematica elementar tomar-se inacessí
vel a tantos alunos, de inteligência normal, e que só conseguem vencer os obsta
cuios das provas quando sustentados por um batalhão de professores particula­
res, logopedistas etc. É ver una suposta "discalculia" quase v i r a r tm mal endê
mico.
Numa primeira avaliação do que se passa em nossos meios escola­
res, chegamos a fatores que podem ser apontados como co-responsáveis por essa
situação e servir como indicadores para encaminhamento de soluções. A saber:
-— 0 fator historico.
°
— Os fatores de alienação do ensino da Matemática face:
à Pedagogia;
à Psicologia;
à qualidade do livro didático.
— 0 domínio insuficiente do conteúdo matemático.

0 Fator Histórico

Sem dúvida, o de maior profundidade, pois que provém do próprio


avanço da Matemática.
Sua influência no ensino alastrou-se' por todos os paises, inclu­
sive o nosso que ainda não conseguiu superar os excessos e defeitos que ~acompa
riham as mudanças bruscas. Apelidou-se "Matemática Moderna" essa influencia e,em

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seu nome ,'11101ta calamidade tem-se cometido.
Recebemos no ensino os reflexos de toda uma revolução formalista
que se imprimiu à Matemática do final do século passado para cá.
0 processo pelo qual os matemáticos esquematízaram, formalmente,
a sua ciência, nas "estruturas-mães" (algébricas, de ordem e topológicas), pas­
sou a influenciar a didática da Matemática, desde o primeiro nível escolar, na
interpretação de que esse formalismo já deveria aí estar presente.
Muita polêmica tem havido; tentativas de conciliações, acertos,
desacertos. Vo ■ *arn— « HíaVig^pe; rln emrrv~i mio rH TV>rrv-ig rvar-irooori^-oHn nnr> rPVi<-\m
com o dos bourbakistas1. Vejam-se também as denúncias sobre os exageros de for
malizc-ções levados aos colégios, feitos por Morris Kline2..
0 que se tem observado é que a formalização açodada, p
não tem produzido bens frutos no ensino da Matemática. Pretendeu-se induzir o
aluno a alcançar um nível de abstração totalmente em desacordo com o seu amadu­
recimento; dejrivou-se para a transmissão de informações e de códigos, com uma
exigência de uso dos sinnbolos é de definições, totalmente descabidos,porque des_
ligados do processo de vivênciajreal_do_aluno.
'Conseguiu-se com isso um divorcio entre o ensino_da._Matemática__e
a realidade, pior ainda, entre a Matemática e a inteligência; sem se atingir o
objetivoTde abrir perspectivas e iluminar caminhos para generalizações e redes-
cobertas; o que deveria ter sido o ponto de partida d e s s a escalada. Estimulou-
Sg~õ~desenvplvlmento de uma cognição~Tigurativa,"em~detrimento da cognição ope­
rativa.
Distinguimos uma da outra, como o faz Furth3 , chamando cognição
figurativa" a que permite a repetição !'ipsis litteris"de informações recebidas,
sem no entanto incorporá-las aos esquemas de ação; e chamando "cognição operati
va" a que 'incorpora aos esquemas‘ de ação a conquista do objeto da informaçao.
. A repetição continuada desse procedimento chega ao ponte de le­
var a criança, numa defesa natural, a considerar a Matematica como algo hermetl
co, ccci o qual a sua inteligência, a sua ação, a sua cccpreensão nada teriam a
ver.
Acontece que, na caracterização de ura. estrutura matematica, na
passagem de una estrutura a outra, da mais geral para ura particular, ou vice-
f *

versa, ao se destacarem propriedades basicas para formaliza-las e delas tirar


as conseqüências cabíveis, utiliza-se a lógica formal. Sem duvida, esse procedi_
mento permite evidenciar a utilidade de uma hierarquia estrutural, com todo o
enriquecimento que pode oferecer para o progresso no desenvolvimento de uma teo
ria. No entanto, no ensino, toda vez que uma estrutura particular explorada não
partiu da vivência ou da experiência de cada. úm, esse potencial vai a zero. 0
processo passa a ser meramente o de um repasse de informaçoes, do professor pa­
ra o aluno, a estimular apenas a sua cognição figurativa, acima referida.
A influência do fator historico, porém, apesar de sua importan-
cia, por si so não explica a sucessão de fracassos na aprendizagem da. Matemati­
ca.

Passemos aos outros fatores mencionados.

(1) PIAÍàET, et aiii. La e n s e n a n z a de las aa teaaticas i o d e r n a s . Sei. e Prol. de J esu s H e r n a n d e z . s .


I.5, A l ian za Uni ve rsidad, s.d.
(2) KLINE, Morris. 0 fracasso da matemát ica a o d e r n a . s.l., Ibrasa, s.d.
(3) FURTH, H. G. Piaget na sala de a.ula. s.l., Forense, s.d.
• I

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A l i e n a ç ã o do E n s i n o F a c e à Pedagogia'

É desnecessário salientar que a Pedagogia que se adota deve ser


função de uma determinada filosofia educacional. .
Se se aceita que "educar" seja conseguir reflexos condicionados,
entao, logicamente, a atuação pedagógica poderá se restringir a treinamentos
sucessivos, mesmo quando se ensina Matemática: treinam-se as crianças em algo­
ritmos de cálculos, em resoluçoes que se assemelhem, não importando que essas
crianças participem ou não da elaboração dos mesmos. Dessa forma, o que se esta
ra fazendo é adestrar os alunos, tal qual faríamos, guardadas as devidas propor
çoes, se quiséssemos obter determinadas condutas de animais que estivéssemos a-
mestrando.
Se, no entanto, nossa concepção de educar.é outra, principalmente
a de se criarem condições favoráveis para que o educando se desenvolva em toda
sua potencialidade, em harmonia com seu melo social, em sintonia com a evolução
do pensamento da humanidade, então nossa atuação, como educadores, deverá ser
totalmente outra.
Contudo, tem sido mais comum do que se deveria tolerar, dentro de_s
sa filosofia, o fato de se substituir educação por treinamentosespecíficos.
1 Creio que cada um de nós poderá ilustrar essa afirmação,com exem
pios de maoS cheias;basta que se folheiem ç ademos escolares da nossa atualidade.
Citaremos, apenas, um exenplo, de exercício encontrado em cader­
no escolar,salientando que não constitui fato isolado:
"A sana dos três números de una subtração é 126.
Quanto vale o miriuendo?"
A resposta 42, dada pelo aluno, que obtivera dividindo 126 por 3,
estava riscada. Fora substituída por 63, copiada do quadro.
—* Por quê? perguntados-lha.
— Porque a professora dividiu por 2.
— Por que dividiu por 2?
— Não sei.
No entanto, outros problemas com o mesmo enunciado foram propos­
tos, trocado o dado numérico, e foram "resolvidos" pela criança, dividindo por
2. Dividir por 2 dava a resposta que o professor aceitava.
Esses alunos terão se desenvolvido de algum modo com isso? Ou a-
penas exercitaram uma certa obediência e docilidade, para não dizermos aliena­
ção?
Observe-se que esse mesmo problema, se explorado de outra manei­
ra, poderia ter oferecido para o aluno urra oportunidade de descoberta.
A criança poderia ter sido convidada a efetuar várias subtrações
com números pequenos e convidada a observar o que acontecia:
a) quando somava o resto com o subtraendo;
b) quando somava os três termos da subtração.
#• *
0 "estalo", isto e, a descoberta pelo proprio aluno, ao perceber
que a soma dos três termos era o dobro do minuendo, seria o único verdadeiro
, proveito didático que se teria obtido.
Nessa descoberta, o aluno teria "crescido", aumentado a sua auto
confiança, penetrando nos supostos "mistérios" da Matemática etc... De descober
ta em descoberta, o aluno se t o m a capaz de forjar soluções engenhosas em pro­
blemas ou situações futuras, nas diversas are as do conhecimento. Ao passo que
o treinamento específico não se transfere de uma area para outra; limita e man­

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tém o aluno- em condição de dependência do professor.
0 que é fornecido pronto, num "a priori" que não se justifica,pa
ra que o aluno fixe num exercício de memorização:
18) nem sempre tem utilidade para uso futuro;
~ 2 B) nunca contribui para uma descoberta por parte do aluno, para
o "estalo” tão importante em todo processo de aprendizagem.
Outra deformação comum no ensino da Matemática constitui séria fa
lha didática: a de acreditar-se que conceito matemático se "ensina" através de
transmissão de sua definição. Pelo contrário^ conceito matemático se forma no
intelecto de cada um, através da própria vivência, experiência e observação in­
dividual. —Cabe

ao professor
— n ■ — » ■•"'■■■ " ■ ■ -
propor
— —— n r —
atividades,
1
proporcionar
- y —— — — ■ I
JT "
oportunidades
.......................................—
que
-..1 ■ ■■-. — —
orientem essa vivência. A definição podera ou devera aparecer como um coroamen-
to futuro, quando o próprio aluno for capaz de formalizá-la, ao explicitar o con
ceito com o qual já estará certamente familiarizado, pelo muito que com ele
já terá convivido, durante sua caminhada escolar. A precisão, o rigor de tais
definições, poderá ser uma das metas a serem alcançadas, no refinamento natural
que se conquista, e aparecera a seu tempo.
Afinal i como frisa Dieudonné1, "o fim último do ensino da Matemá
tica, em qualquer nível, é sem dúvida dar ao estudante uma intuição firme dos ob­
jetivos que jnaneja".

A l i e n a ç ã o do E n s i n o Face à P s i c o l o g i a
# •
*

Pensar a criança cano sendo um adulto em miniatura parece ideia


ridícula, ao ser dita, explicitamente. Porem, essa concepção cá indicios de es­
tar presente, com mais freqüência do que se poderia imaginar, e a-neaça seriamen
te o ensino.
0 desabrochar da criança envolve toda uma integração con seu meio,
*

numa conscientizaçao espaço-temporal progressiva que precisa,.no minimo, ser res_


peitada. ^
. A lógica, por exenplo, não sendo inata na criança, podera ir se
desenvolvendo através de suas atuações, seu entendimento, e bom que seja estimu
lada no seu desenvolver, porem jamais agredida.
•E agressões à lógica são freqüentes na vida escolar.
Cito apenas um exenplo, para ilustrar, colhido em c a d e m o esco­
lar:
"Conplete com maior ou menor:
d é ......... do que £."
0 aluno, não tendo sabido responder,copiou do quadro:
"d é menor do que e".
/ M A

Supérfluo informar que esse aluno nao soube dizer por que.
• 0 que terá se passado na cabeça de quem escreveu essa "joia" no
quadro? ,
Parece-nos que o "fio da meada" era a ordem alfabética a qual,
sem ter sido explicitada na questão proposta, deverá estar figurando por detrás
desse "menor", indevidamente substituindo o "precede"; E tudo isso provavelmen-

(í) PIAG ET et alii. La ens enanza de las aatená tic as m o d e r n a s . Sei. í Prol. de Jesus H e r n a n d e z . s .
1., Alian za Univ er sid ad, s.d. . ,

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te, porque o s í m b o l o " " * ^ " será o mesmo para simbolizar tanto uma expressão
quanto a outra, tratando-se em ambas de uma relação de ordem. Isso é o que nos
parece. 0 que terá parecido à criança?
É comum encontrar professores que não atentam para as etapas do
desenvolvimento cognitivo do educando: não orientam nem sugerem atividades que’
possam enriquecer não so a etapa cognitiva em que o estudante se encontre, como
a passagem natural de uma fase cognitiva a outra; ignoram, nas suas propostas,a
fase do desenvolvimento cognitivo em que se encontra o seu aluno. É comum o ape
lo feito ao raciocínio operatorio formal, quando o aluno ainda se encontra na
fase do raciocínio concreto. Sao propostos problemas que, embora aparentemente
não requeiram grandes abstrações, exigem que o aluno seja capaz de formular o
"se...então"para organizar e vencer as etapas necessárias a sua resolução.
Como tais problemas estão acima da capacidade de abstração da cri
ança, quando propostos prematuramente, acabam sendo "ensinados" para que, mais
una vez, os alunos sejam treinados nessa solução padronizada que deverá servira
outros problemas que repetem os anteriores. .
Os exemplos são vários e facilmente encontraveis.
Ilustramos com exercício, copiado também "ipsis litteris" de um
caderno de 5*. série, e que também não constitui fato isolado. Observamos, no en
tanto, que este exerrplo, particularmente, retrata um momento infeliz do curso,
que acreditamos não ser freqüente, tanto pelo enunciado, quanto pela solução que
o aluno copiou. Citamo-lo, porém, para que sirva ainda como un alerta quanto ao
cuidado extremo que devemos ter com a precisão dos enunciados e com as razões
apresentadas para as suas soluções.
"Complete:
"1 - Usaremos ..... algarismos para escrever todos os núrreros
0) de 1 algarismo:"
"Solução:
de 1 até 9 há (9-1) + 1 = 9 números.
Total de algarismos:
9nas x lalg"
* ,

"2 - U s a r e m o s .... algarismos para escrever todos os nixneros de


2 àlgarismos,
de 10 até 99 há
(99-10)+l = 90 n as
Total de algarismos
90nSs x 2 alg = 180 alg."
"3 - Usaremos ...algarismos para escrever todos os númèros de 3
algarismos,
de 100 até 999 ha
(999-100)+l = 900 n 2s
Total de algarismos
900nes x 3 alg. = 2700 alg."
Seguiram-se mais quatro problemas iguais, mudando somente os da­
dos numéricos, a confirmar a. intenção do treinamento, nesse infeliz encadeamen-
to.
Poderiamos, de modo mais completo, respeitar as fases do desenvol_
vimento cognitivo do aluno,se orientássemos o ensino da Matematica, como o das
ciências experimentais deve ser feito. .. ..
"Não anuncie fatos, estimule a t o s " , seria um excelente "slogan"pa
ra os professores, em geral.

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D o m í n i o do Conteúdo M a t e mático

,~ "Quem sabe faz; quem não sabe ensina."


Esse dito popular não está muito longe de interpretar o que se
tem passado nas escolas.
Soa assim como uma justa cobrança de competência a quem pretende
ensinar. Pois quem ensina, alem de "saber fazer", precisa também saber as ra­
zões de por que o faz e de como o faz, além, é claro, de conduzir o aprendizado.
Quem ensina Matemática certamente não deve escapar a essa régra.
Precisa, é claro;
— saber usar com firmeza os instrumentos matemáticos a que recor
re quando necessita matematizar una situação;
— perceber o alcance desses instrumentos;
— conhecer o cerne dos principais assuntos com que lida,sendo ca
paz de enfocá-los sob os vários ângulos que um conhecimento ma
temático permite;
— saber distinguir as principais vias que conduzam ao conhecimen
to matemático da sua época;
— oorhecer a evolução do p e n s a m e n t o matemático, nos seus momen­
tos mais significativos. j"

Dessa maneira, quem ensina Matemática estará "sabendo fazer" e ea


bendo às razões per que o faz; aliando a esses conhecimentos os de Pedagogia e
Psicologia do Desenvolvimento, estara sabendo conduzir o processo ensino-apren­
dizagem da Matemática. - \
Estará certamente, então, mais a salvo dos modisnos, tentações que
aparecem, como apareceu, por exemplo, a monomania dos conjuntos, essa terrível
"conjuntite" que se propagou devido, provavelmente, a preocupaçao de se imperem
às crianças certas convenções feitas pelos matematicos. Não se cogitou nem das
razÕes dessas convenções, nem dos efeitos que poderiam ter sobre as crianças,
quando secamente informadas a seu respeito e instadas para que as "estudassem".
0 "ensino" do uso dos sinbolos, por exemplo, limitando-se ao plano da linguagem
(do código pelo código), transformou-se em objeto de primeira lihha; o que cor
responde a abandonar^-se indevidamente o plano das ações da criança, alem de fi­
car essa linguagem restrita a exprimir sentenças praticamente inúteis, ja que
destituídas de interesse e importância matematica, ao nivel em que estavam sen­
do "ensinadas".
Além disso, as expressões aritméticas, aqueles "carroções" enfado
nhos pelo exagero de operações que os compunham, foram substituídas pelas nao me
nos enfadonhas nem mais proveitosas operações com conjuntos.
Cobrasse em prova, por exemplo, que uma çriança de 5 a serie:
— saiba distinguir o uso do símbolo £ do uso do símbolo d , do­
minando a filigrana da distinção entre "pertence" e "está contido" (ou seja.en
tre "elemento" de un conjunto e "parte" do mesmo);
— domine a convenção que se faz, por acomodaçao formalistica.que
o conjunto vazio é parte de todo conjunto;
— conheça os codigos que abreviam a grafia de sentenças matemáti
cas, referentes a conjuntos;

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— domine operações com conjuntos, de modo a poder com
' operações nada simples;

— ■seja capaz de destrinchar, em diagramas de Venn, bastante ema-



ranhados, a união das interseções dos complementos etc., de conjuntos ali repre
sentados.
Tais tipos de exigências refletem a preocupação de se cobrarem in
formações fornecidas sobre um código de linguagem. Não levam à verificação so^"
bre o que poderia advir de ações, descobertas, processos de matematização. São x
inúteis.
Vale perguntar se a. cobrança da resposta de que o conjunto vazio
e parte de todo conjunto é precedida de uma preocupação, por parte do profes­
sor, de esclarecer o aluno sobre a necessidade de ordem formal que conduziu a
essa convenção. Ou seja, que o fato de ele dizer, por exemplo, que 0 C / l , 2 |
resulta de convenção feita, e não de uma conseqüência lógica, ou de um fato ex­
perimental, nem da definição geral da inclusão de um conjunto não vazio em ou­
tro.
No ensino elementar, o recurso a conjuntos, como coleções concre
tas de objetos para serem manipulados, poderia figurar na iniciação a uma pre-
organização lógica e à aritmética. No entanto, o tema "conjunto" vem sendo tri£
temente transformado em treinamentos em codificações de uma suposta teoria que
se arrasta'do pré-primario ao 3 2 grau./
0 pretenso preparo do aluno para uma antevisão de estruturas mate
maticas ficou sufocado por una listagem de simbolos, de definições e de nomes de
propriedades operatorias a serem decorados. Passou-se a cobrar da criança os no
mes de propriedades características das quatro operações aritméticas, de rela­
ção, de igualdade etc., que lhes são transmitidas por informações do professor
.sem que essas propriedades tenham sido descobertas por ela.
Entretanto essas propriedades,quando dominadas,porque percebidas,
descobertas, poderão servir de alicerce para cogitações ou classificações futu
ras, quase rama antevisão de processos com que se defrontarão.
0 fato de serem as propriedade nomeadas e terem seus nones decora,
dos é totalmente irrelevante. Pode até parecer estranho a un iniciante que seja
preciso explicitar, por exenpio, que a igualdade é reflexiva (a = a), simétrica
(a=b —^ b=a) e transitiva (a=b,b=c — f a=c).
São óbvias, tão intuitivas, por que "amarra-las", em lugar de as
usar com naturalidade? Mais tarde serão necessarias: quando se for recorrer, por
exemplo, a una relação de equivalência. Ai o estudante podera se reportar as
propriedades de igualdade que já deverá dominar, mesmo sem que as tivesse expli
citado, passando a fazê-lo no momento oportuno.
0 mesmo diríamos sobre a preocupação de prematuramente classifi­
car as funções, quando os exemplos matemáticos ainda são poucos para que se pos
sa a eles recorrer.

A l i e n a ç ã o do L i v r o D i d á t i c o

A profusão de livros didáticos chega a ser assustadora. Quanto


mais elementar o nível, maior o número de livros, com todo o cortejo de cores,
encadernações chamativas e, infelizmente, imperfeições muitas.
Escolher um livro didático elementar não e tarefa simples, mesmo
para professores experientes.

-12-
Seria utópico esperar o livro perfeito, mas já não é utópico espe
rá-lo dentro de certos limites toleráveis, E s s e s limites é que deverão ser nos”
sos parâmetros na escolha.
Convém observar que, principalmente nas primeiras séries, o que
realmente importa é ter em mente que o livro didático de Matemática, para o alu
no, deve apenas ser um dos elementos auxiliares do professor e, com certeza, o
de menor peso.
0 recurso do livro didático não deve substituir as ações infan-
Hw *ew »
0 seu papel é o de cooperar na afirmação da criança, naquilo que
ela descobriu e percebeu através de suas explicações.
Os exercícios que o livro propõe podem ser úteis após as experiên
cias vivenciadas pelo educando, porem não o são quando as precedem ou substitu
em.
0 espírito do professor, quando alerta e vigilante, pode evitar
prejuízos provenientes de falhas do livro adotado ou a adotar.
Apenas para chamar atenção sobre a necessidade desse "alerta" ,ci
taremos um exemplo, encontrado em um livro de I a serie (ou de classe de alfabe-

Face a essa resposta, acreditamos que os autores estivessem pre­


tendendo representar a totalidade dos objetos escolares com esse diagrama.
Se é assim, ai esta o apelo prematuro a abstração,escondido por
detrás dé um desenho nada abstrato, aparentando, à primeira vista, retratar cer
tos objetos mas que, na intenção dos autores, revelada pela resposta "pertence",
está representando,simbolicamente, a coleção dos objetos escolares, ja que em
sua resposta o lapis "pertence" àquela coleção.
Nesse exenplo, estão mescladas as convenções usuais do diagrama
de Venn com a convenção particular da autoria do livro em^apreço. Transparece,
aí, também, a intenção de se colocar o diagrama como o proprio objetivo do ensi_
M *

no, numa evidente inversão de papeis.


Diagramas são recursos simplificadores, em qualquer ramo do conhe
cimento. Para quem tem muito a representar ou indicar, economizam sentenças e
permitem visualizar esquemas que facilitam conclusõas e caminhos a seguir.
Viraram, no entanto, também eles, assunto à parte, no nível primá
rio, como se constituíssem, por si mesmos, um objetivo a ser ensinado em Materna
tica. Trouxeram em geral confusão, em lugar de simplificação e esclarecimento.
- Colocou-se o carro adiante dos bois, tentando "ensinar" um instru

- V 3-
.nento sirrplificador a quem nao tinha o que dimplificar ou sintetizar. Eis o pa­
radoxo. •
Como se não bastasse, quantas vezes já encontramos, em livros e
cadernos escolares, pedidos do gênero;'*

"Transforme essas florezinhas em um conjun­


to:"

0 que, traduzido de acordo com o seu idioma, sera: "Coloque una


rodela à volta dessas flores".!!

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