Você está na página 1de 12

Rev. IG, São Paulo, 4(1/2): 67·78, jan.ldez.

1983

PAISAGEM, MEIO AMBIENTE E PLANEJAMENTO

ManoeI Carlos de OLIVEIRA *

RESUMO
A paisagem tem amplas relações com o meio ambiente. Seu estudo é composto
de temas que são de grande importância para o planejamento ambiental. Alguns
desses temas, tais como, conceito de paisagem, sua tipologia, são abordados neste
trabalho que apresenta ainda uma tentativa de regionalização da paisagem no Estado
de São Paulo. Esta regionalização baseia-se na relação existente entre embasamento
geológico/geomorfológico e fatores culturais que se expressam no espaço criando uni-
dades.

ABSTRACT
The landscape has broad relationships with environment. Its studying is based
on themes which are important for the environniental planning. Some of these themes
are presented in this work, with an attempt of the regionalization in São Paulo State.
This regionalization is based in the relationship between geological/ geomorphological
basis and the cultural factor which are expressed in the space creating units.

INTRODUÇÃO rem aplicar medidas paliativas, populistas


sem enfrentar o cerne da questão. Muitas
Os anos de 1982-1983 foram excepcional- vezes, devido a uma distorção de ótica e
mente chuvosos no sul do Brasil acarretan- algumas vezes por comodismo é preferível
do catástrofes de grande monta, cidades in- apelar para o populismo, na medida em que
teiras foram alagadas. Logo após esse perío- este último fato permite desviar a atenção
do de grande pluviosidade houve um verão dos problemas reais.
extremamente seco em 1984 que provocou Existem pessoas tentando desencadear
ou perda ou diminuição de safras agrícolas. uma ação no sentido de reverter o estado
O quadro apresentado acima sugere que em que se encontra a questão ambiental no
se coloque mais uma vez em discussão a Brasil. A próprio comunidade se organiza
questão ambiental, que nos últimos tempos e reivindica uma ação mais objetiva através
vem sendo eclipsada pela preocupação com dos movimentos ambientalistas. Existem téc-
a crise econômica.' nicos coerentes, mas solitários, tentando
Os problemas ambientais vão se agravan- apresentar soluções. Os meios de comuni-
do cada vez mais, aliado aos problemas eco- cação tem vindo a público com denúncias,
nômicos que muitas vezes tem a mesma ori- que se tornam inócuas, na medida em que
gem. Ao lado do crescimento demográfico não estão gerando nenhuma ação eficaz. Não
descontrolado, tem se a diminuição das sa- tem havido nenhuma desaceleração da crise
frasagrícolas, o custo sempre crescente dos ambiental atual. Ela se agrava a cada dia.
alimentos e a perda gradativa da qualidade O planejamento como uma solução tornou-
de vida. O espaço agrícola sofre concorrên- se neste país um termo pejorativo, pois o
cia do espaço urbano, em decorrência do que se tem feito de planos os quais não dão
crescimento desmesurado das cidades nos certo ou prejudicam m ais do que ajudam,
países subdesenvolvidos que por sua vez é é indescritível. No entanto é necessário res-
fruto da migração descontrolada. A passivi- tabelecer a credibilidade no planejamento,
dade das p~ssoas frente a crise é a tônica principalmente no caso específico do meio
dominante, as autoridades e técnicos prefe- ambiente. Sem dúvida são os países onde o

* Instituto Geológico - Caixa Postal 8772 - 01000 - São Paulo, SP, Brasil

67
Rev. IG, São Paulo, 4(1/2): 67-78, jan.ldez. 1983

planejamento e a organização são levados relações de espaço mais expressivas para os


a sério que a crise ambiental tem sido con- geógrafos.
tornada satisfatoriamente, vide exemplos do SOTCHAVA apud DEMEK (1978) in-
Japão, União Soviética, Estados Unidos. A troduz~u o termo geossistema para descrever
Alemanha é hoje em dia o paraiso do pla- a paisagem como um sistema com todos seus
nejamento ambiental, no que se refere ao subsistemas componentes. A paisagem co-
manejo das áreas verdes. mo um geossistema é caracterizada pelos se-
Este trabalho é uma tentativa de colocar guintes aspectos: DEMEK (1978) "posição
em discussão a questão ambiental através na superfície da terra; limites definidos; as-
da paisagem, uma das formas de expressão pectos externos específicos; estruturas espe-
do meio ambiente e da natureza em sua cíficas e relações de feedbacks entre subsis-
organização. A natureza em sua organização temas abióticos, solo, bióticos e sócio econô-
cria esquemas bastante rígidos. É necessá- micos; balanço específico de energia; desen-
rio que o Homem aprenda a interpretá-Ia volvimento acima do espaço e tempo depen-
para produzir organizações que lhe sejam dendo dos in puts e out puts variáveis de
compatíveis. No dizer de BERNALDEZ massa e energia no geossistema."
(1981) paisagem é informação e portanto,
está aí a nos contar como conviver com ela. SOTCHA VA (1977) mostra a relacão
Procura-se assim colocar em discussão vários existente entre ecossistema e O"eossiste~a.
temas sobre a paisagem, sua interpretação "Ecossistema de biocenose são'" complexos
e a importância destas discussões para o m,onocêntricos (biocêntricos) nos quais o
planejamento do meio ambiente como um ambiente natural e suas bases abióticas são
todo. examinadas do ponto de vista de suas cone-
xões com os organismos". "Geossistemas
2 A PAISAGEM E SEU CONCEITO abrangem complexos biológicos e possuem
uma organização de sistemas mais comple-
O estudo da paisagem envolve um nú- xa." "Geossistemas são policêntricos."
mero muito grande de conceitos e procura- Na realidade o geossistema funciona co-
se citar os principais e mais abrangentes mo uma unidade espacial mais abrangente
para compreender sua organização e funcio- podendo englobar um número muito grande
namento. de ecossistemas, é o caso da região de Cam-
Segundo BERTI\AND (1972) a paisagem pos do Jordão na Serra da Mantiqueira.
é a confluência entre geografia e ecologia. Para complementar o estudo conceitual
Era a princípio uma denominação que pos- da paisagem seguem três conceitos que tra-
suía caráter mais botânico, sendo posterior- tará do assunto. BERTRAND (1971) con-
mente adotada pelos geógrafos que aí con- sidera a paisagem como "uma determinada
centra"ram seus estudos. Troll, em 1938, porção do espaço, o resultado da combina-
estabeleceu o conceito de geoecologia ou ção dinâmica portanto instável, de elemen-
ecologia da paisagem. Ele foi buscar muitos tos físicos, biológicos e antrópicos que rea-
de seus conceitos na ecologia, como por gindo dialeticamente uns sobre os outros, fa-
exemplo, o conceito de ecossistema. zem da paisagem um conjunto único e indis-
O ecossistema foi um termo criado por sociável em perpétua evolução". TROLL
Transley em 1935 para caracterizar um sis- apud SEIBERT (1974) fala em aspectos in-
tema aberto composto de biotopo e bioce- ternos e externos da paisagem. A conjuga-
nose. O biotopo corresponde o espaço onde ção desses aspectos formam unidades re-
se processa as relações entre os seres vivos, gionais.
as biocenoses, que estão intimamente asso- OLIVEIRA (1976, 1982) define meio
ciadas a ele em função da existência de re- ambiente como um determinado espaço
cursos alimentares disponíveis. Os ecossis- constituído de componentes que estão rela-
temas são unidades espaciais hierarquizada, cionados entre si. Em OLIVEIRA et alii
em função de balanço energético específico, (1976) a paisagem é mostrada como o as-
com suas entradas, fluxos e saídas de ener- pecto visual do meio ambiente. Os compo-
gia. Formam-se assi-n macro, meso e micro- nentes da paisagem são igualmente os do
ecossistemas. Para o estudo da paisagem meio ambiente abióticos, bióticos, solo e
interessam mais os mesoecossistemas onde componente cultural. Representam o arran-
aparecem as florestas, os lagos; e os macro- jo externo.
ecossistemas, com os oceanos, os continen- Nesses conceitos verifica-se que a paisa-
tes. São nessas unidades onde ocorrem as gem representa espaço e arranjos de com

68
Rev. IG, São Paulo, 4(1/2): 67-78, jan.ldez. 1983

ponentes que se expressam visualmente. Ela reação ambiental à alteração de uma área,
tem um funcionamento que decorre de um causada pelo homem onde havia primitiva-
dinamismo (aspecto interno) que é o estado mente uma floresta. Pode constituir-se em
de relação entre componentes que reagem um ecossistema estável em resposta às no-
entre si. São mutáveis mas dentro de um vas condições de biotopo.
equilíbrio dinâmico (OLIVEIRA, 1982). Em Em relação à paisagem cultural foram se-
decorrência a estes fatos a paisagem apa- lecionados alguns conceitos que para efeito
rece como uma estrutura quase estática, pois de planejamento apresentam aspectos bas-
sua mutação é praticamente invisível e a tante ricos de interesse. Aparece no primei-
longo prazo. Somente o homem quando en- ro caso a paisagem cultural quanto ao as-
tra como componente cultural transforma a pecto predominante da ocupação humana.
paisagem com grande rapidez podendo pro- É vista através de elementos visuais que
vocar a perda do equilíbrio natural dinâmi- foram criados através de novos arranjos dos
co (OLIVEIRA, 1982). componentes abióticos-bióticos acrescidos
dos componentes culturais. Tem-se por exem-
3 TIPOLOGIA DA PAISAGEM plo a paisagem urbana, no caso das cidades;
a paisagem rural, nas áreas onde predomi-
Os tipos de paisagem apresentados a se- nam as atividades agropecuárias e as paisa-
guir baseiam-se em úma classificação que gens ruro-urbanas, quando a agricultura e
decorre da predominância de alguns fato- cidades se mesclam. Área rural versus urba-
res no arranjo dos componentes da paisa· na criam uma relação dialética, onde uma
gemo São de interesse para o planejamento, área procura anular a outra. Na atualidade
pois mostram o grau de interferência do ho- o crescimento desenfreado das cidades nos
mem na natureza. países subdesenvolvidos anulam muitas ve-
O primeiro tipo que surge é o da paisa- zes zonas de solos bastante ricos. São em
gem natural, onde predominam o arranjo geral países carentes de alimentos e neces'si-
dos componentes bióticos, abióticos e o solo, tam explorar cuidadosamente seus recursos
muito pouco alterados, sendo que o fator agrícolas para garantir a sobrevivência de
cultural é inexpressivo. Hoje em dia é difí- uma população que cresce de forma desen-
cil encontrar uma paisagem eminentemente freada. No Estado de São Paulo aparece
natural, não tocada pelo homem. A ação des- exemplos gritantes deste fato. São as áreas
te é planetária, provocando alterações da de terra roxa, o solo mais rico do estado,
mesma proporção. A. poluição atinge a at- que vem sendo invadidas por cidades como
mosfera em sua totalidade com diversos Campinas, Jaú, em decorrência de sua ex-
graus de concentração de poluentes que pansão territorial.
atuam por toda parte. Quanto à organização das atividades sur-
gem as paisagens planejadas, e/ou de inter-
Pode·se dividir a paisagem natural em venção aleatória. Quanto às primeiras, algu-
original e alterada. No primeiro caso os ní- mas são realizadas utilizando-se técnicas pri-
veis de ação humana são mínimos. O ho- mitivas, onde se criam ambientes muito es-
mem pode conviver com as paisagens origi- táveis em funcão do uso da terra. Isto ocor-
nais sem causar nenhuma modificação. ~ o re nas regiõe~ de agricultura em terracea-
caso dos índios brasileiros que vivem em mentos, na Asia de Sudeste.
perfeita comunhão com a natureza. Suas ati-
vidades não causam alterações no ambiente, Hoje em dia, as paisagens organizadas
pois são concentradas e itinerantes e não com técnicas modernas podem ser estáveis,
apresentam grande magnitude de ações. decorrentes do equilíbrio cultural dinâmi-
co (OLIVEIRA, 1982), ou não. O uso que
No Estado de São Paulo somente algu- se vem fazendo dessas áreas é intenso e
mas regiões da Serra do Mar, mais inaces-
síveis podem ser consideradas como paisa- muitas vezes sem promover a necessária
gens originais. O Vale do Rio Ribeira de pausa para recuperar suas condições poten-
Iguape tinha regiões com estas característi- ciais. Onde se aplica a tecnologia branda,
cas. Na atualidade a pressão sócio-econômi- aquelas que alteram o mínimo as condições
ca e a posse da terra .de forma desordenada naturais, pode-se criar relações ambientais
estão contribuindo para alterar de modo ne- bastante estáveis. Nessas áreas pratica-se o
gativo a paisagem, nessa região. controle biológico das pragas e evita-se as
O segundo tipo de paisagem é a natural ~ubstâncias poluentes que envenenam o
·alterada. A mata secundária é um tipo de meio ambiente. É o caso das fazendas bio-

69
Rev. IG, São Paulo, 4(1/2): 67-78, jan.ldez. 1983

dinâmicas que já existem no Estado de São 4 A AÇÃO DO HOMEM E O


Paulo. IMPACTO AMBIENT AL
Muitas das regiões planejadas com tecno- O resultado da intervencão aleatória do
logia pesada, principalmente as agrícolas, homem na paisagem, desc~nsiderando seu
tornaram-se bastante degradadas, pois essa potencial, representa o impacto ambienta!.
tecnologia contribui para desagregar o solo Este último implica numa pressão sobre o
e facilitar sua erosão. Os Estados Unidos
arranjo estrutural dos componentes do sis-
exportaram modelos tecnológicos baseados tema ambiental, alterando seu dinamismo
em umà mecanização excessiva. Com isto a negativamente, criando novos sistemas que
produtividade agrícola era muito alta. No nem sempre são favoráveis ao homem. A
entanto verificou-se posteriormente que. os natureza reage tentando criar novas formas
danos à natureza eram intensos e a recupe- de equilíbrio. A intervenção aleatória pode
ração das condições primitivas onerosas e ocorrer de várias maneiras, seja eliminando
difíceis.
a vegetação para implantar atividades agrí:
A intervenção aleatória da paisagem se colas, ou para promover loteamentos urba-
faz tanto com técnicas modernas quanto nos, seja promovendo obras de terraplana-
primitivas. No primeiro caso estão as cons- gem que destroem o solo e provocam ampla
trucões de estradas que são feitas com o erosão.
mítiimo de planejamento, usando maquina- O Homem potencializa uma 'relação de
rias pesadas. Essas rodovias são construídas causa e efeito que se torna bastante ampla,
sem levar em conta o potencial da paisagem abrangendo todo um arranjo ambientar em
que em decorrência desse fato provoca uma determinada unidade de espaço. Pode criar
série de catástrofes que muitas vezes destroe assim novos arranjos que são desfavoráveis
essas rodovias. É o caso da Rodovia dos Imi- à ocupação humana. Os efeitos dessa rela-
grantes. Quando ela começou a desabar sur- ção em geral são acumulativos, de difícil
giu a preocupação de recuperar, seu entorno previsão e decorre da vulnerabilidade do
que estava bastante degradado. meio ambiente. Quanto mais vulnerável for
Nas áreas onde a intervenção aleatória esse meio, maior será a duração e extensão
sem ser intensa, é feita com técnicas primiti- ,do impacto aí existente.
vas, não há alterações significativas na pai- A figura 1 mostra uma seqüência dos im-
sagem quando os impactos são mínimos. pactos exercidos sobre os componentes da
Com o aumento desses impactos começam paisagem e são classificados em ordem de
a acontecer as catástrofes. O exemplo mar· interferência direta, que são os impactos de
cante é o das favelas construídas nas encos- efeito imediatos e, de interferência indireta,
tas de montanhas, em regiões quentes e úmi- derivados dos primeiros.
das. São áreas de grande instabilidade, su- No quadro que acompanha este ítem es-
jeitas a escorregamentos que ocorrem nas tão explicados com maiores detalhes a se-
épocas de maior pluviosidade. qüências, suas fontes de origem.

70
Rev. IG, São Paulo, 4(1/2): 67·78, jan./dez. 1983

ar, - da
erosão
água
paisagem
qualidade de -de
Diminuição
do
aodaas ---Fontes
-térmico
homem
doenças Terraplanagem
Responsável
-maisdedade---- Impactu
Caçadas
Aumento
Indústria
Crescimento
de
do
Resíduos
Desaparecimento
essencial
pelas do
--Aumento
dediversidade
de pragas
Umidade
incidência
Desconforto
vida
-Assoreamento
climático
urbano
Erosão
Modificação
Aumento
solo
ecossistemas
Perda
tóxicos
Impacto
alimentos
qualidade
Diminuição
Poluição
Subnutrição
populaç,ões
Favelizaçãobiológica
excessiva
Empobrecimento
Compactação
Perda
Aumento
quantidade
Destruição
espécies
espécies
Impacto
Impermeabilização
para da
de
componente
Incidência
plantas
recuperação
doenças
dedo ritmo
qualidade
doDerivado
de
custo 02
solosdas
mananciais
fonte
de
daninhas
dede dade de incidência
solo
Perda
baixas SEQOENCIA DE IMPACTOS AMBIENTAIS
de vida -
doenças Rebaixamento
- lençol
Doenças do
agrícolasfreático
mento Ar Interferência Direta
Interferência Indireta

71
SEQUÊNCIA DO IMPACTO AMBIENTAL

INTERFERÊNCIA INTERFERENCIA
DI RETA INDIRETA

AR

C L f MA

ÁGUA

HOMEM

VEGETA~ÃO

FAUNA

SOLO

FIGURA 1

72
Rev. IG, São Paulo, 4(1/2): 67-78, jan.ldez. 1983

4 PAISAGEM E PERCEPÇÃO cação dos fatos visuais que são na paisagem,


AMBIENTAL vegetação, relevo, afloramento rochoso,
água superficial e formas de uso da terra.
Em BERNALDEZ (1981) "o conceito Com a audição tem-se a identificação da voz
original de paisagem tem uma conotação de dos animais, do ruído, dos fenômenos natu-
informação, de percepção de uma cena". A rais e culturais (vento, trovão, ruído de má-
percepção da paisagem envolve uma série quinas); com o tato tem-se a percepção de
de operações fisiológica e mentais, que re- forma (arredondada, plana, etc.), dimensão,
sultam numa forma de comportamento deri- textura, identificação de frio e calor; e as-
vado dos estímulos ambientais. Na atualida- sim por diante em relação aos outros sen-
de é motivo de amplos estudos, pois o vo- tidos.
lume de impacto ambiental e as catástrofes O comportamento ambiental resulta da
naturais são de tal ordem que é necessário ação do com-juntode percepções, ,sendo as-
saber como o homem se comporta frente a sim a maneira como o ser humano interpre-
eles e como se adapta. Esses estudos têm ta as informações sensoriais e perceptivas.
amplas conotações sociológicas, antropoló- A finalidade desse processo é criar meios
gicas, psicológicas, etológicas, pois interpre- para se adaptar à paisagem, ao meio am-
tam as várias formas de comportamento hu- biente. O homem do Nordeste quando ouve
mano sendo portanto uma área de conver- o canto de determinado pássaro, percebe
gência multidisciplinar. Tanto os geógrafos qual o fenômeno natural que poderá acon-
quanto outros profissionais envolvidos no tecer, se irá 'chover ou continuar a estiagem.
planejamento da paisagem tem se interessa- O ser humano vivendo em comunidades
do pelo estudo da percepção, como um dos mais próximas da natureza tem um sentido
meios utilizados na tomada de decisão fren-
de percepção mais acurado em função da
te ao conjunto de informações obtidas em paisagem, se comparado ao que vive nas
determinada região. Torna-se a percepção grandes cidades, pois possue uma persona-
um instrumento bastante eficiente para pro- lidade ambiental mais definida.
mover a participação da comunidade de A percepção e comportamento ambiental
forma efetiva e objetiva no planejamento da são responsáveis pela formação da cultura.
paisagem.
Quando um agrupamento humano vive um
O modelo operacional indicado para es- determinado local por longo tempo, sua ten-
tudar a percepção ambiental é o seguinte: dência é de aprender a se adaptar às condi-
sensação, percepção e comportamento am- ções existentes nesse local. Todas as ativi-
biental. (fig. 2) dades passam a ser condicionadas por estas
atividades, assim moradia, vestuário, hábi-
S~P~C tos alimentares são regulados pelo potencial
do meio existente, bem como das informa-
A maior parte dos componentes da paisa- ções sensoriais e perspectivas desse local.
gem podem ser observados através dos sen· Um determinado grupo quando migra, ad-
tidos e dependem dos estímulos sensoriais. quire uma certa tendência de perda da per-
cepção ambiental. Em contacto com novos
SENTIDO ESTíMULO meios e novos estímulos sensoriais torna-se
difícil a adaptação à nova situação que se
visão luz, cor, forma vê agravada pela pressão sócio-econômica
audição som desfavorável. Os migrantes do norte do país
tato - forma, textura, que se dirigem às grandes cidades do sul,
extensão, constroem suas casas nas encostas instáveis
temperatura ou em áreas insalubres de alagados. São si-
olfato cheiro tuações muito mais diversas daquelas de
paladar - gosto onde vieram. Estão surgindo numerosas fa-
velas nas encostas da Serra do Mar e nos
O conjunto de informações sensoriais pro- mangues da Baixada Santista.
movem a percepção que já implica no pro- Os antropólogos chamam o processo cita-
cesso de identificação. As informações de do acima de aculturação. A perda mais
cor, formas, tamanho, luz, levam à identifi- grave relacionada a este processo é a da

73
PERCEPÇÃO AMBIENTAL

ES T íMU LO PERSONALIDADE
AMBIENTAL

COMPORTAMEN
SENSArÃO PERCEPrÃO AMBIENTAL

FIGURA 2

74
Rev. IG, São Paulo, 4(1/2): 67-78, jan.ldez. 1983

noção de perigo que é um dós mecanismos ta-se da região metropolitana de São Paulo.
básicos do instinto de sobrevivência. Acon- Os impactos ambientais na grande cidade
teceu um fato dramático em março de 1984, são intensos e extensos. Surgem no centro
foi o incêndio da Vila Socó em Cubatão. com o adensamento urbana indo à perife-
Um grupo de migrantes construíram suas ria com o povoamento desordenado.
moradias em cima de um oleoduto da Pe- IC - Trata-se da Bacia do Rio Paraí-
trobrás, e com o incêndio deste ocorrem ba. O fato marcante nesta região é a linea-
centenas de mortes e perdas materiais de ridade da urbanização São Paulo-Rio com
grande monta. seus problemas peculiares. Nas áreas mais
h necessário que se tente estabilizar os acidentadas a erosão é intensa acarretando
agrupamentos humanos para haver uma um grande assoreamento na rede hidrográ-
convivência equilibrada com a natureza. So- fica.
mente assim será possível perceber e com- ID - São as áreas mais acidentadas do
preender seus mecanismos. Estado de São Paulo. Na direção NNE sur-
ge a Serra da Mantiqueira e a SSE a Serra
6 TENTATIVA DE REGIONALIZAÇÃI) do Mar. Devido ao fato de serem áreas mui-
PAISAGÍSTICA DO to acidentadas não há povoamento pleno,
ESTADO DE SÃO PAULO mas esparso. Conservam assim, grande par-
te das paisagens naturais, intocadas e de
A tentativa de regionalização da paisa- grandes belezas naturais.
gem baseia-se em OLIVEIRA apud GEI- Na Serra do Mar próximo à Baixada
SER et alii (1978) quando foram descritas Santista existe o problema da poluição in-
as macrounidades paisagísticas do Estado tensa que está destruindo os ecossistemas
de São Paulo com algumas áreas de impac- naturais. Em Cubatão as favelas sobem as
to ambiental intenso. encostas da serra e estão em situação de
O presente trabalho retoma os conceitos grande perigo em face da instabilidade des-
do anterior e os amplia, mostrando mais ses sítios.
detalhes quanto ao arranjo do conjunto de IE - A região litorânea apresenta pla-
fatores ambientais que determinam as uni- nícies costeiras em contato com as escarpas
dades paisagísticas. (fig. 3) da Serra do Mar. Possue grandes belezas
Macrounidade paisagística I - R~presen- naturais que atraem os turistas, motivando
ta basicamente uma relação entre embasa- a especulação imobiliária desenfreada que
mento geológico e seu reflexo geomorfoló- desestrutura o espaço.
gico. Caracteriza-se por conter uma grande Apresenta como nas outras macrouni-
diversidade de rochas duras e resistentes dades grande volume de impacto.
aliadas a uma topografia bastante acidenta- Macrounidade paisagística 11 - Repre-
da. h um ambiente de grande vulnerabili- senta quase 2/3 do Estado de São Paulo,
dade com baixa capacidade de carga. A sendo como na outra macrounidade uma
grande diversidade rochas, topografia, solos reação entre rocha e relevo. Caracteriza-se
aliada à ação contínua de massas de ar car- por conter rochas sedimentares e um relevo
regadas de umidade promoveu uma grande menos acentuado onde as formas tabulares
diversidade de ecossistemas e portanto são uma constante. A exceção é a região das
de formas de vida. cuestas basálticas onde surgem rochas mais
Esta região possue povoamento mais resistentes, fruto de derramamentos. basál-
antigo e a maior concentração demográfica ticos. O relevo aí, torna-se mais aéidentado
do país. Em decorrência disto o volume de com escarpas íngremes e topos planos.
atividades humanas provoca uma conside- A diversidade biológica na macrouni-
rável quantidade de impacto nesta área. dade paisagística 11 é menor se comparada
IA - h uma submacrounidade paisa- com a I, existem menos unidades de ecos-
gística. Pode ser considerada a área repre- sÍstemas naturais. A presença do homem é
sentativa da macrounidade I, embora apre- intensa e a fisionomia da paisagem é carac-
sente aspectos diversificados quantos fatos terizada pelos fatores culturais agrícolas e
paisagísticos. urbanos.
IB - Esta submacrounidade representa lIA - Submacrounidade paisagística -
um fator cultural marcante, o urbano. Tra- Trata-se do Planalto Ocidental; região ca-

75
"
0'1 FIGURA :3 SITUACÃO DA PAISAGEM

I NO
',~,
,----,-
.............
",
"-/ (,\J {,
o,Votuporanga
•....• ESTADO DE SAO PAULO
Franca )
~,\
_.,
\\
\
\
•...0,,:
-, .)(
.•....•..

\.
\I ('-
II ,I
\ / ~I~. r"\
Ir~ ----..I\
I
'\~\ Y
'-" /
l
j
'"'.
" ,
-'
(

i~ >\' \~ 'Easa ~ranca


-, I~-, I •'" I

R
~«<.
-"'W.-,
" teVen,e"au -',-----'.
P,e"den " \ / (C ."\. D f~'
,r"JV " ~ ,
I"

' O p~ M";!,Ha \',,_ Cl; j 'üUOIJ1J!J1! / 51jWllil~


"'---" .,----'.
Legenda
........
O P'udente _---',....
~ :;1r'\ •••8, ~-~~~DG~llU""~%~1rf.I'
i\..,~)
'" .•. j'",) / /
._F C
I • Saa "---"D~
c/'" W
I
"il( _

"-'- ), ~---: "~~i11i1


~ Área Metropolitana .~-
(
,."'-- r/ A n
(\l~B3_"::IJ>l--=-rJ~~
(_I' ~OijDoooDlli'llo
-'nV-..s
/1
I,DOO'
O Cidade
Área muito acidentada I~ /""-, - - r"rtflI1J1J \l arq ...
At
n ~. [TD
1Jm1n,
-_/
,.,.. ~~n~).fLu:
Limite de Maero-unidade paisagística \nDDDOU~O~1 \, _

-'--~-- Limite de Sub miero unidade paisagística jJ CI' I


~DUtJ'i' " oI 50
I 100 Km
.1
Rev. IG, São Paulo, 4(1/2): 67-78, jan./dez. 1983

racterizada por uma topografia plana e tabu- havendo inclusive a formação de uma área
liforme fruto da decomposição de rochas metropolitana na região de Campinas e ar-
sedimentares do grupo Bauru, com algum redores. A vulnerabilidade ambiental é va-
afloramento do basalto onde a topografia se riável. Em algumas áreas demarcadas na
torna mais movimentada. Os solos são rela- figura 3 ocorre erosão intensa e voçoroca-
tivamente ricos e a ocupação da agricultura mento.
é intensa. Mais ao sul do Planalto Ociden-
tal, numa ampla faixa que vai de Presidente 7 CONSIDERAÇOES FINAIS
Prudente e Marília, surge uma área mais
vulnerável que em decorrência da ocupação Os temas que foram apresentados e dis-
humana, apresenta um amplo processo de cutidos nesse trabalho evidenciam mostrar
erosão e voçorocamento. O mesmo fato apa- o amplo espectro do estudo da paisagem
rece ao norte da região de Votuporanga. como subsídio do Planejamento Ambiental.
I1B - Na região das cuestas basálti- No momento p~esente, em face do descaso
caS encontra-se a terra rocha, o solo mais com que o assunto "ambiente" vem sendo
fértil do Estado de São Paulo. A urbaniza- tratado as medidas para a recuperação am-
ção nessa área tem avançado sobre esses biental são setorizadas e emergenciais. En-
solos anulando-os com a impermeabilização quanto isso os problemas se avolumam. Os
decorrente das construções. técnicos interessados em propor soluções
I1IC - A submacrounidade paisagísti- para os problemas do meio ambiente e da
ca a seguir é bastante complexa do ponto paisagem, terão uma área de atuação bas-
de vista do embasamento geológico pois aí tante espinhosa e complexa como cenário
aparecem inúmeras formações. No entanto de intervenção.
ele se caracteriza por ser uma área rebaixa- Urge que os profissionais em planejamen-
da em relação à macrounidade paisagísti- to ambiental apliquem medidas que deixem
ca I e se contrapõe ao front das cuestas de ser setorizadas e passem a ser globais.
basálticas. Essa região rebaixada recebeu o A natureza é um conceito global. Somente
nome de Depressão Periférica. Apresenta so- através das medidas preconizadas acima será
los bem mais pobres que as regiões lIA e possível conviver com a natureza em toda
I1B, o impacto ambiental é mais elevado sua magnitude.

8 REFER~NCIAS BIBLIOGRAFICAS

ALMEIDA, F.F.M. de - 1974 - Fundamentos DEMEK, J. -:- 1978 - The landscape as a geo-
óleológicos do relevo paulista. São Paulo, Uni- system. Geoforum, Oxford, 9(1):29-34.
versidade, Instituto do Geografia. 110p. (Série
Teses e monografias, 14) GEISER, R.R. et alii - 1978 - A necessidade
de uma legislação para promoção e defesa
BERNALDEZ, F.G. - 1981 - Ecologia y paisáje. da paisagem. Boletim informativo da Socie-
Madrid, H. Blume Ediciones. 251p. dade Brasileira de Ciência do Solo. Campinas,
SP, 3(3):32-36.
BERTRAND, G. - 1971 - Paisagem e geografia
HUBSCHMAN, J. - 1972 - Sols et paysages:
física global: esboço metodológico. São Paulo,
Universidade, Instituto de Geografia, 27p. (Ca- quelques problemes d'ecólogie du sol. Révue
derno de ciências da terra, 13) Géoghaphique des Pyrenées et du Sud-Ouest.
Toulouse, 43(2):147-156.
1972 - La science du paysaje, une
KLINK, H.J. - 1974 - Geocology and natural
____ o -

science diagonale. Révue Géographique des


Pyrennées et du Sud-Oueste, Toulouse, 43(2): regionalisation: bases for environmental re-
127-132. search. Applied Sciences and Development,
Tübingen, 4:48-74.
CHIOSSI, N.J. - 1983 - Impactos ambientais e MANSHARD, W. - 1973 - Man and the bios-
sociais no uso e ocupação do solo. São Paulo, phere. Applied Sciences and Development,
CETESB, Secretaria de Obras do Meio Am- Tübingen, 1 :60-65.
biente. 8fls. (Trabalho apresentado no 27.0
Congresso Estadual de Municípios) MONTEIRO, C.A. de Figueiredo - 1978 - Deri-
vações antropogênicas dos geossistemas terres-
DAJOZ, R. - 1973 - Ecologia geral; tradução tres no Brasil e alterações climáticas: pers-
de Francisco M. Guimarães. 2.' ed. Petrópolis, pectivas urbanas e agrárias ao problema da
Vozes, São Paulo, Editora da USP. 480p elaboração de modelos de avaliação. In: SIM-

77
I
Rev. IG, São Paulo, 4(1/2): 67-78, jan./dez. 1983

POSIO SOBRE A COMUNIDADE VE- SCHREIBER, K.F. - 1977 - Landscape planning


GETAL COMO UNIDADE BIOLOGICA, and protection of the environrnent. Applied
TURíSTICA E ECONOMICA, São Paulo, Sciences and Development, Tübingen, 9: 128-
1978. Anais. .. São Paulo, Secretaria da Cul- 139.
tura, Ciência e Tecnologia, Academia de Ciên-
cias do Estado de São Paulo. p. 43-75. (Publi- SOTCHAVA, V.B. - 1977 - O estudo de geos-
cação ACIESP, 15) sistemas. São Paulo, Universidade, Instituto
de Geografia. 52p. (Métodos em questão, 16)
OLIVEIRA, M.C. et alü - 1976 - A natureza e
o homem no Estado de São Paulo: um pano- ---- - 1978 - Por uma teoria de classi-
rama. São Paulo, Sociedade Brasileira de Pai· ficação de geossistemas de vida terrestre. São
sagismo. 49fls. Paulo, Universidade, Instituto de Geografia.
24p. (Biogeografia, 14)
---- - 1982 - Discussões sobre o concei-
to de meio ambiente. Revista do Instituto VINK, A.P.A. - 1982 - Landscape ecological
Geológico, São Paulo, 3(2) :53-60, jul./dez. mapping. ITC Journal, Enschede, (3):338-343.
[Special Verstappen issue]
SEIBERT, P. - 1974 - Seminário; manejo da
paisagem e mapeamento da vegetação do ZONNEVELD, I.S. - 1982 - The ecosciences in
Parque Estadual de Campos do Jordão; tra- resource and environmental surveys. ITC Jour-
dução de Walter Emmerich. São Paulo, Ins- nal, Enschede, (1):17-18. [Special 30th anni-
tituto Florestal. 198p. (Publicação IF, 5) versary issue]

78

Você também pode gostar