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Em Busca do Divino:

Reflexões sobre a Cabala e a Compreensão do Universo


Maurício Mirra, 09/11/2023

Cabala1 possui origem no latim medieval a partir da expressão qabbālāh que tem significado de “o
que deve ser recebido, ou tradição recebida”. Há uma nuance de partida para seu significado e
conteúdo, pois trata-se de um conjunto de conhecimentos esotéricos, que diferem das referências
religiosas tradicionais, representando, antes de tudo, conjunto de conhecimentos místicos. Há
descrições e interpretações sobre Deus, o sobrenatural, a conduta humana, entre outras dimensões
da vida, direcionadas ao estudo de maneira reservada em círculos restritos de estudiosos, condição
que pode até ser considerada hermética. A origem da Cabala está associada à religião judaica, mas
também conta com outras representações, como aquelas associadas ao esoterismo ocidental, com
as cabalas “cristã” e a “hermética”. Não se pretende aqui aprofundar as caracerísticas doutrinárias e
interpretações místicas, com suas conformações específicas, mas sim realizar uma breve reflexão
sobre seus elementos essenciais e simbólicos.
Dados estes parâmetros de partida, segue o texto com alguns
apontamentos de compreensão subjetiva deste autor sobre a
Cabala, considerando-se o seguinte alerta:
Os apontamentos são baseados em entendimento geral dos
elementos constitutivos da Cabala, descritos com um claro viés:
“maravilhamento” do autor em relação à indelével busca pelo
entendimento da mágia do universo, seus mistérios, a sucessão
de acasos que facultam nossa vida na Terra e a natureza
esplendorosa que evidencia esta condição. Escrevo como quem
cumpre a medida inata de registrar e transmitir a inquietude
diante do desconhecido, a constante procura pela compreensão
sobre o todo, o “todo inteiro” e a forma como interagimos com o
“universo”.

Luz e Sombras Figura 1: Árvore da Vida, Cabála


Mistérios podem ser descritos como aquilo que é não se Sinérgica
compreende, algo que não se consegue explicar; representam
enigmas que se associam ao “obscuro, o que é envolto em escuridão, onde não há luz”. Sem
considerar o étimo associado à religião, podemos dizer que mistério é tudo aquilo que não se
conhece, não se pode decrever e não se apreende a finalidade, alcance, seus atributos e outras
característicass.

Pensemos juntos: aquilo que desconhecemos pode ser tudo, pode ser grande ou pequeno, pode ser
uma ameaça ou uma ajuda, pode, inclusive, ser o oposto do que se
considera inicialmente. O “todo” associado a esse mistério, pode ser
decomposto com noções e classificações. Imaginemos um sentido
atrelado ao que “não é”, ao que “não lhe faz parte” e, portanto, vai lhe
situando em conjuntos outros. A definição destas exclusões, fortalece a
inclusão do “mistério” em grupos que se sucedem e se hierarquizam
Figura 2: Luz (expressão
quanto à maior ou menor probabilidade de acerto em “contê-lo” e, daí,
ilimitada de Deus) e Receptor - poder ser desenhada uma possível “descrição”, mesmo que sumária e
O início de tudo potencialmente incerta.

1 Tradição mística e esotérica que se originou no judaísmo e que, de certa forma, pode ser interpretada como uma
busca pelo entendimento de padrões e significados ocultos no mundo e na existência.
Para desvendarmos mistérios, temos, sem pretender hierarquizar ou conferir maior ou menor
importância às ações elaboradas que realizamos, movimentos que buscam compreender os
“fenômenos” com os quais nos deparamos desde que viemos à vida. Empregamos os mais variados
recursos de interpretação que podem envolver classificação e análise, a partir de comparação
com outras referências conhecidas: valendo-se de parâmetros e padrões, parâmetro enquanto
valer-se de “outra coisa” a se comparar, e padrões, com referência comparativam com atributos de
determinados “modelos” e/ ou “perfil de procedimentos” em que pode ser identificada alguma
similitude. A elaboração, sofisticação e/ ou complexidade dos recursos de interpretação estão
associados à nossa realidade, nossos perfis de apreensão, conforme frequencia com a qual
observamos ou soubemos de determinados eventos, bem como a variedade destes, associados a
outras experiências de nossa vida. Além dos elementos citados, consideremos também as ideações
que realizamos para compreender a razão de ser, o por que se dão as ocorrências, que em resumo
podem ser definidas como identificação da causalidade.

Humano e Divino
Voltemos a analisar as palavras e seus étimos, seguindo a etimologia do termo “lógica” que, no
grego ogikós,ḗ,ón singnifica: “conveniente ao raciocínio” e que “serve à palavra”: “cabala” –
compreendida como 'tradição recebida' (p.opos. à lei escrita) – é uma tradição de preceitos
místicos sobre os segredos do universo, mas também do coração e da alma humana e considera que
o homem é potencialmente divino, uma vez que ele veio da Fonte Primeira e Única. E, sendo assim,
ele é tanto humano quanto divino. Mas se ele só desenvolve seu lado humano, perde a meta
principal, que é a volta às suas raízes e torna distante o seu contacto com o Superior. A cabala deve
ser estudada e praticada com a transmissão destes conhecimentos sobre o universo material e não
material, além da natureza física e metafísica de toda a humanidade. Esse movimento sequencial,
por sua vez, conforme origem do termo “tradição” – vem do latim tradicional, ōnis no sentido de
'ação de dar; entrega, traição; no sentido figurado de transmissão, tradição; ensino' que
preconiza transmitir caminhos de “crescimento espiritual” e “aprimoramento da consciência” para
que se atinja a claridade, compreensão e liberdade de seus praticantes e que, diante do caos, a dor e
o sofrimento, cumpram seu potencial para a felicidade.

Em resumo...
O mistério nos desafia a movimentos opostos ao que representa, enquanto algo obscuro. Diante do
escuro, se busca a luz, com elementos de interpretação aos quais se recorre, como classificação,
avaliação e, busca por entendimentos, conforme parâmetros e padrões já conhecidos, além da busca por
entender a causalidade. Temos, de maneira complementar a estas ações de busca por luz e entendimento
com artifícios ou recursos associados, o movimento de comunicação e transmissão de toda esta situação
de “deparar-se com o mistério” e o “como se faz para decifrá-lo”. Intuitivamente, podemos dizer que a
transmissão de “relato narrativo sobre o que se ‘sabe’ e ‘não se sabe’” sobre o desconhecido, bem como o
que foi sendo acumulado como “entendimentos tradicionais sobre estas questões”, são formas de
“abreviar a angústia diante do incerto”, conferir-lhe sentidos e significados, mesmo que não se clareie
totalmente sua obscuridade.

São 22 duas linhas e 10


círculos, consolidando trinta e
dois caminhos de sabedoria.

Circulos:

Kether, A Coroa,
Cholmah, Sabedoria,
Binah, Compreensão,
Chesed, Misericórdia,
Geburah, Severidade,
Tiphareth, Beleza,
Netzach, Vitória,
Hod, Esplendor,
Yesod, Alicerce e
Malkuth, Reino
Como receber o “que deve ser recebido”? Vamos partir da constatação de que as
questões citadas acima, no tópico Luz e Sombras, como a busca por desvendar os mistérios da nossa
existência ou clarear os segredos da vida, são dilemas universais. E que em Humanos e Divinos,
sem aprofundar a compreensão detalhada dos elementos da Cabala, a transmissão de seus
ensinamentos, caminhos e práticas representam esforços de apresentar um determinado
entendimento sobre o universo, uma visão de mundo, uma cosmologia frente a questões existenciais
e que nos acompanha desde sempre.

A cabala e sua origem e vínculo ao judaismo, ou suas versões cristá ou hermética (esotérica),
mesmo que possuam elementos relacionados às religiões, não representa impedimento ao seu
estudo por outras práticas de fé, pois configura-se não como um dogma religioso, mas antes de tudo
um sistema de interpretações complexo e que lança mão de arquétipos, elementos matemáticos,
identificação de padrões que permitem entendimento sobre o aparente caos, conforme modelos
analíticos.

Dada a premissa de não aprofundar seu


detalhamento, o texto acima pode ser precebido
como abstrato ou obscuro, um mistério digno de
motivar a busca por clareza. Diante deste ponto,
consideremos que esta busca por entendimento vai
depender de cada cosmologia de quem lê, suas
práticas religiosas, suas formas de compreensão do
mundo e eventual curiosidade em aprofundar-se ou
não sobre esta temática. Eu mesmo, sou materialista
demais para absorver as premissas metafísicas
envolvidas pela Cabala, sua relação com os astros,
por exemplo, ou a consideração de Deus, Deuses,
Mundo, Mundos. Figura 3: Árvore da Vida (sefirá), e seus sete atributos
emocionais e qualidades
Indagará o leitor, “mas afinal, por que
você escreveu sobre Cabala?”
O acaso, que a Cabala decodifica com certos parâmetros e padrões, pode dar uma pista sobre a
resposta.

Ocorre que hoje recebi uma ligação de um grande amigo, o professor Edgar que me indagou:
“Maurício, o que é Cabala?”, sem mais, nem menos e…

Respondi com as noções desenvolvidas acima, argumentei que se trata da busca por compreender o
caos, encontrar algum padrão subjacente, algo que se revele e explique a causalidade das coisas,
numa ambição que abarca a vida, o universo, a divindade e até faculta considerar uma “ética” que
pode nos orientar na direção de desenvolvimento e crescimento. Falamos sobre como a internet
revela este caos e, a depender de nosso critério e disciplina, conseguimos encontrar elementos
valiosos para nosso conhecimento.

Finalizei citando dois filmes que me introduziram ao tema e compreendo que possa ser do interesse
do leitor, caso tenha se sentido motivado a compreender um pouco mais sobre o tema discorrido.
Não esquecendo as premissas apresentadas acima e reforçadas aqui: não foi proposta realizar a
explicação sobre a especificidade da Cabala. Tampouco os filmes abordam este tema diretamente,
mas sim os elementos e simbolos, que podem ser compreendidos como mágicos, mas também
conter significados concretos de análise da vida.
Antes de tornar o texto mais misterioso ou obscuro, vamos aos filmes? "Pi" e "Dersu Uzala".

O divino no todo
"Dersu Uzala" (1975), dirigido por Akira Kurosawa, é um filme
que se passa na Sibéria e narra a amizade entre um explorador
russo e um caçador nativo, Dersu Uzala. A história explora a
conexão entre o homem e a natureza, e como a compreensão
das leis naturais e a busca de harmonia com o ambiente podem
ser vistas como uma forma de busca espiritual e entendimento,
segundo um princípio “panteista”, considera que há presença do
divino em todas as coisas.

Obsessão angustiante
"Pi" (1998), dirigido por Darren Aronofsky, segue a história de um matemático
obsessivo que está em busca de padrões matemáticos subjacentes ao caos do
mundo. O filme aborda a busca pela compreensão e pelo significado em meio ao
aparente caos, conectando-se à ideia de que a Cabala procura descobrir
significados mais profundos e relações místicas na realidade, inclusive
recorrendo até à geometria mística para buscar respostas para questões
existenciais..

Figura 4: Cartaz do Filme Pi

Fim e começo
Em resumo, à luz desses filmes, a Cabala pode ser vista como a
materialização da busca humana por entendimento, atribuição de
significados baseados em padrões em um universo caótico, seja através da
matemática e da exploração da mente como em "Pi," ou através da
observação e conexão com a natureza como em "Dersu Uzala."

Este processo de exploração das descobertas dos segredos da vida, faz parte de uma jornada,
conforme a Cabala, em direção à nossa divindade. Este fechamento do texto nos leva de volta ao
começo e a nossa busca por respostas, desde nossa infância, para os mistérios do universo, sobre
nós mesmos, sobre um Deus criador, sua eventual inexistência, e tudo isso em um movimento de
evolução e crescimento de acordo com a dimensão de nossa deidade esquecida.

Figura 5: Cena do filme Pi produzido em P&B

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