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1 dificuldades a suserania
da China, e os imperadores renovavam a intervalos regulares
seu juramento de obediência; Iong Lo dignou-se reconhecê-lo
num édito que dirigiu ao Imperador Ioshi Mitsu:
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pode-se mesmo afirmar que, em relação à dimensão gigan meiros anos da dinastia, como vimos, presenciaram uma ati
tesca do império, seu rendimento era extremamente satisfa vidade marítima considerável; as viagens de Cheng • Ho ao
tório. Sob Cang Te, quando os portugueses desembarcaram oceano Indico e os contatos do império com a Malásia e as
pela primeir a vez, a administração imperial satisfazia perfei ilhas do Sul mostravam claramente que o isolac'onismo estava
tamente; e os vice-reis e governadores locais que os portu longe de ser um dos princípios da política chinesa. Os estran
gueses encontravam pela frente sabiam dar prova de inicia geiros recebiam uma acolhida cordial e desde que se subme�
tiva e resolver por si mesmo os problemas que surgiam em tessem ao cerimonial da corte e reconhecessem as pr�tensões
suas províncias. De fato, não é falso caracterizar o estado do Filho do Céu, as embaixadas de todos os países eram
político da China àquela época pela competência da admi muito bem recebidas; Tomás Pires inclusive, como vimos.
nistração local e por sua lealdade, que a eventual corrupção fora autorizado a dirigir-se a Pequim. Nestas condições, como
e imperícia do governo central jamais desencorajaram. exptcar uma mudança tão brusca na atitude chinesa e a re
O imperador, devidamente informado da chegada de Pi cusa de qualquer relação com os portugueses? A resposta é
res, enviara-lhe, após o prazo de rigor um salvo-conduto para simples: encontra-se na exorbitante pretensão dos portugu�
Pequim. Porém, ao mesmo tempo, a corte dos Ming recebeu ses e na selvageria de sua conduta.
informações não muito favoráveis aos portugueses; os sultões Recorda-se, com efeito, que o rei de Portugal se pro
malaios haviam solicitado socorro ao seu suserano contra os clamara "Senhor da Navegação" e reivindicara a soberania
recém-vindos; o sultão de Bitang, principalmente, pusera o de todas as terras descobertas por seus súditos. Se os por
governo de Pequim em guarda contra os portugueses, que. tuguêses não pensavam firmar suas pretensões no próprio
segundo dizia ele, dissimulavam sob seus trajes de comer continente, e o desastre de Albuquerque em Cal:cute, no ano
ciantes a espada do guerreiro e do conquistador. Chegara a de 1511, pusera fim a todas as .suas tentativas neste terreno.
fazer uma exposição completa dos métodos portugueses no nas ilhas como Ceilão ou Malaca, ao contrário, onde a su
oceano lndico. Embora levado ass·m à desconfiança, o im perioridade de sua frota era decisiva, não recuavam de ne
perador não se negou a receber o embaixador e, como já nhuma das suas reivindicações. Nos mares, igualmente, toma
vimos, fê-lo vir a Pequim. Durante o tempo que Pires levou vam ao pé da letra o seu título "Senhores da Navegação",
para chegar à capital, os portugueses deram prova de que e confiscavam ao seu bel�prazer as mercadorias de todos os
era impossível conÍiar neles. Simão de Andrade, irmão do
navios que encontravam percorrendo os mares sem sua per�
almirante que trouxera Pires, chegou d'ante de Siang Chã
e conduziu-se como os capitães portugueses estavam habi missão. Quanto à ,sua concepção do comércio, já vimos ao
tuados a fazer na Malásia; tinha simplesmente a intenção de vivo em Malaca, em Cochim e outros pequenos principados:
instalar-se no país; desembarcou com um destacamento. co desembarcava-se em local conveniente, construía-se um forte,
meçou a edificar um forte, e foi preciso que a frota chinesa depois do que se considerava o território assim esbulhado
entrasse em cena para que ele se retirasse. Ao saber das como sua propriedade. Foi o que Simão de Andrade tentara
piratarias de Simão de Andrade, o governo voltou atrás em fazer em Siang Chã, no justo momento em que um cmbai�
sua decisão, recambiou o embaixador português para Cantão. xador de seu país se encontrava a caminho de Pequim.
onde ficou preso ·até a morte, cm 1523. Enfim, a corte de Pequim estavá perfeitamente a par dos
Nunca é demais insistir na ausência de preconceitos e atos de pirataria dos portugueses. O imperador da China fora
prevençõ�s entre os chineses da época em relação aos estran informado, pelos príncipes malaios - vassalos reconhec:dos
geiros. Malgrado suas tendências nacionalistas e a ressur de Pequim ,...... e particularmente pelo sultão de Bitang·. das
reição da civilização chinesa que, após a dominação estrange; exações cometidas pelos portugueses nas costas dos reinos
ra dos Iuã, ela representava, a dinastia Ming estava pronta malaios e de sua ambição política, mas também de sua ins
a manter relações com o resto do mundo; e, de fato, os pri- talação em Goa, Ormuz e no mar Vermelho. Através de seus
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correligionários - pois o Islã formava então, como hoje, uma dos portug ueses e a extravagância de suas pretensões à do
comunida de internacional - os príncipes muçulmanos da Ma minação do Oriente fizeram com que se chocassem tanto com
lásia puderam informar a corte de Pequim sobre os portu a população, indígena quanto com os serviços administrativos;.
guêses, q u e não se preocupavam em mascarar suas ambi os portugueses foram expulsos p ara satisfação geral. No
ções nas relações com os pequenos potentados do oceano entanto, o comércio fora bastante proveitoso de parte a par
lndico. te, para que não se fosse tentado a recomeçá-lo. E os por
Está fora de dúvida 'que a lição que o zamorim infligi u tugueses, após pagarem pesadas multas por seus transbor
ao aventuroso marechal ensinara aos portu gueses a impossi damentos e oferecerem presentes de circunstância ao vice
bilidade de conquistar e de manter territórios fora do a .lc:an rei e às demais autoridades de menor categoria, foram auto
ce de sua frota ; longe de arriscar-se a desafiar o poderio chi rizados, em 1557, a utilizar como entreposto um promontó
nês, contentavam-se plenamente com as pequenas ilhas que rio deserto chamado Amaukau; essa nesga de península, li
controlavam. Porém os imperadores chineses tinham horror gada à terra firme por um istmo, veio a ser hoje em dia
aos promotores de des0rdens e er a-lhes impossível entender Macau.
se com um povo que não respeitava nenhum direito inte.rna-· No curso de uma caç� aos piratas, um almirante chinês
-cional e q u e se entregava abertamente, desavergonhadament.e. fora ajudado por um navio português; em reconhecimento, o
à piratari a. governador autorizou os portugueses a servirem-se de Macau
Os portugueses tentaram depois, em vari as oportunida.- como base comercial; porém até 1887 não obtiveram nada.
des, entab ular relações diplomáticas com Pequim. Mas até além disso. Cabe esclarecer, antes de tudo, que os portu
o século XIX s uas propostas foram sempre repelidas. Em gueses, até 1819, pagaram regularmente um foro sobre a
1522 Afonso Martins de Melo, que esperava receber auto terra e que os chineses mantiveram em Macau tanto o con
rização para dirigir-se a Pequ im, vi u sua esquadra atacada trole das finanças quanto o da justiça civil ou çriminal. Os
e completamente destruída. Uma nova tentativa teve l ugar tribunais chineses funcionaram até 1690 e havia inclusive um
em 1552 mas a embaixada não foi além de Malaca; o gover magistrado especial que residia em Macau; ainda mais: os
·n ador d� país, conhecendo a irritação do governo chinês, assuntos criminais estavam sob a jurisdição da corte de Can
aconselhara-a a retornar. Foi preciso esperar qu ase 200 anos
para qu e uma embaixada p u des�e alcançar Pequim; mu ito pro tão, e, nessa Macau, "cidade portuguesa", era impossível
construir até uma casa sem pagar certa renda às autorida
vavelmente, foi recebida pelo imperador, e Alexandre Metelo
Sousa e Meneses prostrou-se de acordo com a etiq ueta e re des chinesa s. A opinião qu� prevalece geralmente e segundo
cebeu de joelhos os presentes destinados ao seu rei. Os chi a qual Macau fora tomada com grande luta contra os asiá
neses não viram na embaixada mais que uma missão encar ticos e erigida como uma ameaça à China, vê-se logo, é des
regada de render-lhes tributos e os portugueses tiveram de provida de qualquer fundamento. De fato, até a instauração,
·voltar sem entabu lar q ualquer relação diplomática. na metade do século XIX. da dominação européia na China
Nem por isso deixaram de empenhar-se nu m rendoso co pela França e pela Ingla terra, os portugueses encontravam
mércio com os portos do sul. As trocas comerciais jamais se em Macau em atitude de súplic�. E a quem suplicavam'?
haviam sido proibidas, e parece inclusive que os governado Nem mesmo à corte de Pequim, mas a um subcomissário qual
res chineses locais foram favoráveis a tais relações, q ue lhes quer de Cantão.
proporcionavam tantos produtos de valor. Jorge Mascarenhas Os espanhóis foram os segundos a chegar à China. Ten
·entrou em contato com as associações mercantis de Tchang do atingido desde o começo do século as Filipinas, totalmen
Tcheu e insta urou-se, com o acordo tácito das a utoridades lo te conquistadas a partir de 1571, e ,onde fundaram Manila,
cais, um comércio florescente, embora clandestino, particular haviam qualquer dia de entrar em contato com os chineses.
mente em Tchang Tcheu e Ningpó. Mas o caráter violento Os dois primeiros e·spanhóis a visitar a China foram dois pa-
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dres: Martin de Herreda e Gerón·mo Marín. Por mais cor Ching, que resistira encarniçadamente em Amói, decidiu re
diais que fossem as relações com as autoridades da China do tirar-se para Formosa. A frente de um exército de 25 mil
Sul, e embora, para os fins do século, recebessem autorização homens, a�acou a ilha, obrigou os holandeses a se renderem
apó� assediar su� fortaleza, e tomou posse da ilha, em nom�
de comerciar em Cantão, os espanhóis não obtiveram maior
<lo imperador Mmg ( 1662). Não satisfeito em repelir todos
sucesso que os portuguesa<; em suas tentativas de fazer-se re
os ataques, Coxinga lançava incursões na costa de Fuquiã,
conhecer diplomaticamente pela China. Isto aliás em nada
contrariava o progresso de seu comércio nas Filipinas. Era. com tanto sucesso que o imperador manchu teve de mandar
na verdade. um comércio bem singular, no qual Manila re evac�á-la. Após a morte de Coxinga sucedeu-o o filho, e só
presentava o papel de entreposto do México e em que a rota depois da morte deste os manchus puderam assenhorear-se
da ilha.
da China à Espanha passava pela Amér:ca Central. "A pra
ta das minas da América, de Calao e de Acapulco, era con A_ invasão da China pelos manchus, que acarretara a
tinuamente permutada por produtos asiáticos, algodão. sêda, conqu1sta de Formosa por Coxinga, constitui um aconteci-·
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especiarias, porcelanas, com grande prejuízo para os cofres de mento importante da história da Ásia, pois a dinastia que
· Suas Majestades Católicas." 2 .afastou os Ming governou a China, sem interrupção até 1911
O declínio português no Pacífico data do primeiro quar e dêste modo encontrou-se no centro da ·cena d�rante 25Ó
tel do século XVII. Os holandeses expulsaram os portugue .anos de relações euro-asiáticas. Sua ascensão, o prestígio de _
,que revestiu a China, enfim, seu desmoronamento final for
ses de Amboína em 1605, e pouco a pouco os afastaram de
todo o arquipélago indonésio. Em 1619 haviam estabelecido mam um capítulo essencial da história mundial.
uma fábrica em Jacarta ( que foi rebatizada Batávia) e obtive A din�stia Ming, depois de Cang Te, ,só produziu prín-
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ram assim; segundo os termos de um comandante holandês. opes débeis e degenerados, que se tornaram o jogu�te dos
"uma pousada e um domínio na terra de Java." Todas as posi eunucos da corte e dos cortesãos corrompidos. O Imperador
ções portuguesas nos mares orientais foram sucessivamente to l;Ian Li . ( I 773-1619), pr:ncipe afeminado que subiu ao trono
madas pelos holandeses. Uma expedição de 15 barcos, dirigi .amda criança, alma escrava dos prazeres, que deixou às suas
da sobre Macau, em 1662, não conseguiu expulsar de lá os concubinas e aos seus eunucos a preocupação do estado, teve
portugueses, mas obteve outro resultado bem mais importante: como alma danada o castrado Wei Cheng-hien, que adquiriu
a ocupação de Formosa, que na época ainda não fora real .a fama de personagem mais ignóbil que a China· conheceu.
mente colonizada pelos chineses. Os holandeses estabelece Foi com sua ajuda que o sucessor de Uan Li foi assassinado
ram-se na ilha e levantaram um forte. Não será inútil. con pela concubina de seu próprio pai; foi ele quem, após colocar
siderando o papel que a ilha será chamada a desempenhar so_!, seu d ?mínio o novo imperador 3, governou com a ajuda da
na História, deter-se um pouco sobre os acontecimentos de mae adoti·,•a de se:1 soberano. Sua depravação e seu flagran
que foi palco. te desprezo dos mteresses públicos atingiram irremediàvel
mente o prestígio da dinastia 4• Sobre o imperador seguinte,
Os holandeses não colonizaram Formosa, mas utiliza Tchong Tchen, haveria de recair as conseqüências dos des
ram-na sobretudo como base comercial e como ponto avança mand�s de Wei Cheng-hien. O império ruiu em pedaços e
do para. o Japão. Ivfas logo foram, como vimos, sériamente .
.a capital almhou-se ao lado de Li Tsen-Tcheng, quando ele
ameaçados, desta vez por um defensor dos derrubados Ming. desencadeou uma revolta. Foi essa decomposição do impé
Ching Ching-Cong, conhecido sob a alcunha de Coxinga. _
no que permitiu ao poder nascente dos manchus instalar-se.
Quando os manchus ocuparam o norte àa China e os parti
dários dos Ming se viram condenados ao extermín:o total,
'3. TI Esong.
-4 • Wel Cheng-hlen constituiu o obj ito de um requisitório de 16 pontos,
2 • Hudson, p. 241. R1:potta-se Igualmente ao Pe. Henri Bernard, Les Jle.� .apresentado em 1624 pelo censor Iang Llen.
l'fttitppines, Tlentsln.
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Os manchus eram um povo fronteiriço que reconhecera, responde ao Sinquiang se libertava também completamente.
em diferentes épocas, a suserania chinesa, mas que jamais Os russos avançavam na mesma época pelos imenS(?S espa
fora realmente conquistado pela China. Organizados em clãs. ços da Sibéria. Assim, quando os Tsing ( como era chama
não constituíam uma verdadeira nação, até o dia em que Nu da a dinastia manchu) subiram ao trono de Pequim, o ter
rachi ( nascido em 1559), movido pelo desejo de vingar o pai ritório da China limitava-se à reunião situada ao sul da Gran
e o avô assassinados por um oficial chinês, pôs-se a orga de Muralha e não compreendia nem o Sinquiang nem o Ti
nizar as tribos manchus em confederação. As autoridades chi bete. Uma sucessão de príncipes bem capazes, part:cular
nesas tentaram aplacá-lo, confiando-lhe a vigilância das fron mente i{ang Hi e Kien-Long -- que a China conta entre os
teiras militares e conferindo-lhe o título de General do Dra seus maiore� monarcas -- consolidaram de novo o império,
gão e do Tigre. Tais distinções, porém, só concorreram para limitaram a expansão russa ao Amor, reconquistaram o Sin
aumentar o poder e o prestígio de Nurachi, que desse modo quiang, onde se instalaram solidamente, enviaram tropas ao
estendeu sua autoridade às tribos e pôde constituir ·um pode Tibete, onde fizeram com que fossem reconhecidas suas pre
roso exército. Por volta de 1586, todas as tribos manchus tensões. Os dois séculos seguintes presenciaram um crescimen
estavam submetidas à sua lei: era o chefe inconteste da Man to desmedido do império chinês, do extremo norte da Coreia
chúria. Sua autoridade estendeu-se progressivamente à Mon à Camboja, e do Pacífico ao Himalaia e ao Caracorum.
gólia, onde a frouxa autoridade dos últimos Ming deix�ra Desde o fim da era dos Ming até começo do século XIX.
pràticamente de fazer-se notar. Quando o governo de Pequim. sempre houve na corte de Pequim um certo número de reli
em 1618, ajudou os Iehos, que tentavam abalar o poder de giosos europeus. r:,,Ias esses missionários exerciam principal
Nurachi, éste declarou guerra à China. A acelerada deca mente a função de sábios: tinham por tarefa iniciar a corte
dência dos Ming não impedia que o seu enorme império con nos segredos ,da ciência européia; o Imperador Kang Hi, par
servasse uma certa força: prova disso é que se enviou um ticularmente, foi para eles um aluno apaixonado, que mani
exército para castigar o insolente manchu e que a luta pros festava em relação a todas as coisas uma curiosidade tão rara
seguiu de modo desordenado por 17 anos. No entanto, o po quanto insaciável. Em contrapartida, a civilização e a cultura
derio dos manchus afirmava-se de ano para ano, e, quando chinesas, vulgarizadas na Europa pelas traduções desses mes
da morte de Nurachi, em 1626, já se haviam introduzido na mos missionários, marcaram de certo modo o século XVIII
península de Liao Tung e ameaçavam diretamente o império. europeu; posteriormente, veremos em que medida.
O sucessor de Nurachi, Tien Tsung, estabeleceu o do Foram principalmente os holandeses que tentaram esta
mínio manchu sõbre o estado coreano e sobre os mongóis belecer relações diplomáticas com o novo império. Haviam
do Tchaar e levou a guerra ao território chinês. Após sua ajudado o soberano manchu em sua luta contra Coxinga e
morte desencadeou-se a grande rebelião de Li Tzu-cheng, que pensavam que, em retribuição, aceitariam receber suas em
levou ao suicídio o último dos Ming. Era a oportunidade es baixadas. Acontece que eram protestantes e podiam esperar
perada pelos manchus. Aliando-se de saída aos defensores muito bem que os missionários católicos já instalados aí tudo
Ming no Norte, contribuíram para esmagar os rebeldes, mas fizessem para impedi-los de entabular relações com a China.
reinvidicaram, logo depois, o império para si mesmos e sub Peter de Goyez, em 1655, chegou a vir até Pequim para ren.
meteram a China à sua lei ( 1645). der tributo; toda a missão prosternou-se ante um trono vazio
A nova dinastia triunfante trazia para a China sangue e o imperador chegou até, graciosamente, a fazer alguns pre
novo, num momento crucial de sua história. As tribos das fron sentes, mas os holandeses tiveram de voltar apenas com a
teiras do Norte, como os mongóis, rejeitaram, ao fim do rei autorização de enviar outras embaixadas com quatro navios
nado dos Ming, a dominação chinesa. Os calcas, os calmu de comércio, de oito em oito anos. Dez anos depois o impe
cos e várias outras tribos semi-independentes romperam por rador acolheu cortesmente Pieter van Hoorn e agradeceu-lhe
igual seu jugo, enquanto o imenso território que hoje cor- o tributo que acabara de trazer-lhe. Não passou disso, porém;
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a missão holandesa.não pôde sequer empreender conferências. Sua atitude de conquistadores prontos a negociar, mas
Em Batávia, van Hoorn contou que haviam sido conduzidos exigindo imediatamente obediência, não podia deixar de dar
a Pequim como espiões e despachados com ladrões. se mat Um .destacamento de 100 homens desembar�ou pou
Aquela época os holandeses, de resto, não estavam so co depois, instalou-se próximo ao rio, e logo o vento fez tre
zinhos nos mares da China: os ingleses lhes impunham por mular o orgulhoso pavilhão de Sua Majestade britânica. Du
toda parte uma luta sem tréguas. E, no entanto, fazia 50 ano�, rante todo o tempo em que ele dominou o rio, os ribeirinhos
_ só podiam imaginar que os haviam abandonado em mão de
suas duas frotas haviam chegado como aliadas: como cump h
ces, As duas companhias das lndias. decidiram, em 1619, em piratas. Mas os chineses foram pacientes; mandaram condu
preender uma ação comum, que visava nada mais nada me zir a Cantão dois oficiais ingleses, que puderam assim for
nos que a obrigar os juncos chineses a comerciar. com elas; mular devidamente sua petição às autoridades locais; estas
era necessário, todavia, ocupar de início .uma ilha qualquer mostraram-se inflexiveis. O Capitão Weddel só pôde des
da costa chinesa. Um "Conselho de Defesa" único coordena culpar-s� e prometer jamais repetir sua ofensa; foi-lhe então
va as operações. E o artigo 109 do acordo precisava que "a autorizado carregar seus navios e retornar às índias.
expedição devia servir para obter o comércio com a China. E, Em 1685 um decreto 'imperial abriu o pórto de Cantão
µcua tanto, as frotas serão enviadas às Filip:nas, de onde po ao comércio, e a. Companhia das lnd-ias, que detinha o mo
derão impedir e dissuadir os chineses de comerciar com ou nopólio do comércio inglês na Asia, obteve o direito de ins
tros que não nós". Essa aliança logo se romperia: os ho talar aí uma feitoria (bem como um pequeno posto em Ning
landeses se puseram a afastar os ingJeses, após tê-los utili pó). Após a viagem do Macclesfield, em 1700, as relações
zado para a fortificação de Pescadores. Os mercadores in comerciais se desenvolveram e os barcos da Companhia in
gleses voltaram-se então para os portugueses. O governador glesa voltaram todo ano a Cantão. Mas foi somente em 1715
de Goa concedeu-lhes uma autorização, e uma esquadra in que os ingleses estabeleceram uma feitoria permanente e que
glesa partiu para Macau. Seu comandante, o Capitão Wed o comissário imperial, o Hoppo, por convenção oficial, atri
del, porém, era tão ingênuo quão mal-informado: pensava buiu ao comércio britânico um estatuto legal. Tratava-se, no
que as cartas de apresentação do governador de Goa ao de entanto, apenas da cidade de Cantão; e todos os negócios de
Macau lhe abririam, sem mais nem menos, as portas do co veriam ser tratados por intermédio do Hong, uma guilda
mércio chinês . Deve ter ficado surpreso, ao ouvir o gover de mercadores que detinha o monopólio do comércio da ci
nador de Macau confessar-lhe que "a miserável sujeição" em dade. De início simplesmente reconhecida pelas autoridades,
que os chineses mantinham os portugueses impedia de pres se não protegida por elas, sua existência foi mais tarde san
tar-lhe a mínima ajuda. O :nglês, entregue a si mesmo, encar-. cionada por uma lei que lhe concedia "todos os poderes do
regou-se de precipitar os acontecimentos, tomou duas barcas Hoverno: agindo em nome i;le Pequim, recebia "dele integral
e 50 homens e subiu o rio de Cantão. As autoridades chine apoio, e, sendo, como era, o canal necessário de todas as ri
sas detiveram-nos e lhes ordenaram que abandonassem o rio. t]Uezas, tornou-se o inesgotável bolo, do qual cada funcionário
Os ingleses assumiram então seu tom dos grandes d:as para público esperava tirar a sua parte do leão".
"pedir que se lhes .iutorizasse, como aos portugueses, comer-_ V;ili> a oena examinar o mecanismo desse comércio, prin
ciar livremente e que, contra pagamento em dinheiro. se lhes cipalmente se considerarmos os incidentes políticos que sus
fornecessem provisões para seu barcos, coisas que os manda citou no século XIX. A atitude da China diante do comér
rins prometeram pedir às autoridades de Cantão; que se lhes cio estrangeiro encontrava-se perfeitamente expressa num de
desse, ademais, um prazo de seis dias, o que lhes foi con creto do vice-rei de Cantão. "O Celeste Império nomeia fun
cedido". 0 cionários militares para repelir os malfeitores. Os humildes
negócios comerciais são da alçada dos próprios mercadores:
5. Emoassy to cntna, t. I. pp. 8 e 9, Londres, Balmer &: Co., 1797. os funcionários não têm por que se envolver neles." O co-
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m.ércio do lado chinês, pois, estava em mão dos mercadores deixe de ser oferecida à Companhia", diz certa feita uma
do Co-Hong, 6 que dependiam do Comissário imperial, o testemunha levada ante uma comissão de inquérito da Câ
Hoppo ( segundo a corruptela do nome chinês), o qual de mara dos Comuns; "quero dizer que cada lote de chà de al
tinha o direito de conceder licenças e, conseqüentemente, exer gum valor é, de saída, oferecido à nossa Companhia e sub�
cia, por intermédio da associação dos mercadores, uma rigo metida ao seu exame." Por certo os inglese s não estavam so
rosa vigilância sobre todo o comércio. zinhos, porém as compras dos concorrentes estrangeiros não
Os escritórios comerciais europeus em Cantão consistiam representavam um sétimo das suas. Antes do fim do século
numa fileira de edifícios alugados. pelo Hong às companhias XVIII o chá tornara-se a bedida nacional da Inglaterra. E
européias. "Cobriam", diz Sir John Pratt, "uma superfície de foi para pagar essas énormes quantidades de chá que a Com
1 100 pés por 700, com uma reduzida área defronte. O seu panhia inglesa encorajou a venda do ópio, que Warren Hast
acesso era vedado às mulheres; ainda em 1830, o vice-rei ings transformaria em monopólio na índia.
ameaçou fechar os escritórios se as senhoras inglesas de Ma Era na China que a Companhia tinha mais residentes;
cau continuassem a vir visitá-los." A feitoria inglesa, diz no entanto não se decidiu, senão, bem mais tarde, a enviar
ainda Pratt, era a mais imponente e a mais luxuosa de todas: uma missão diplomática· a Pequim. A primeira partiu em
e a Companhia inglesa era reputada por sua vida faustosa e 1787, porém seu chefe, o Coronel Cathcart, morreu a cami
sua hospitalidade principesca. O grande portal abria-se num nho. Alguns anos mais tarde Lorde Macartney, que levava
corredor calçado, que levava a um "vasto patamar"; no alto cr�denciai.c; do Rei George III, teve melhor sorte: atingiu Pe
dos degraus havia uma varanda que dava acesso a uma biblio quim.Tratava-se, em verdade, de uma missão diplomática pou
teca onde os convidados se reuniam, enquanto esperavam o co comum, que requerera longos preparativos e que compre
jantar. Ao se abrirem os batentes da porta, os convidados - '!ndia um pessoal numeroso; deslocou-se com grande pompa
de ordinário uns 30 - passavam a uma magnífica sala-de-es até Pequim, precedida de uma bandeira onde se lia em chi
tar que os lustres de cristal facetado e os candelabros de nês: "Embaixador trazendo tributo do país da Inglaterra."
prata maciça dispostos sóbre a mesa faziam cintilar em mil Diante do imperador, todavia, Lorde Macartney recuperou
clarões. Com toda a pompa e a etiquêta do século XVIII, toda sua dignidade; recusou prosternar-se, consentindo tão
servia-se um jantar na melhor tradição inglesa. somente em pôr um joelho por terra para apresentar suas
Dentro do seu edifício, os ingleses eram reis, mas fora credenciais. Kien-Long demonstrou uma grande bondade para
com o embaixador, porém permaneceu surdo no capítulo da di
dêle encontravam-se na China. O regulamento encarregava
plomacia e do comércio.
se de fazer-lhes lembrar: proibição de usar cadeirinhas, proi
A missão de Lorde Amherst não teve sequer direito às
bição de ir a jardim público sem estar acompanhado de um benevolências do soberano. O imperador esperou energica
guarda, proibição de penetrar na cidade; finalmente, todas as mente a prosternação do embaixador, e o embaixador, não
reclamações, requerimentos e comunicações deveriam passar menos energicamente, recusou prosternar-se. A Grã-Bretanha
pelo Co-Hong. não ganhou uma polegada de terreno na China, até que,
O prodigioso desenvolvimento da Companhia inglêsa na fortalecida com a conquista da lndia, resolveu usar d e vio
lndia permitiu-lhe, no correr do século XVIII, abocanhar a lência.
parte do leão no comércio chinês. Os ingleses compravam chá,
sobretudo o chá-·preto, que o Co-Hong mandava buscar na II
provinda de Fuquiã ...\Não há uma só folha de chá ·preto que
Antênio Galvano, governador de Malaca, menciona que
6. Associação de mercadores chineses de cantão, de uma dúzia de membros, em 1541 os portugueses Antônio de Moto, Francisco Zimoro
que recebera (E:m 1745), do governo chinês, o monopólio do comércio ocm
o estrangeiro. (N. do T.)
e Antônio Perrota ch�garam ao Japão.
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O J apão encontrava-se, então, em plena crise feudal:
alimentada pelas rendas da Coroa, não podia deixar de con
os ·grandes príncipes do Oeste, dirigidos pelo dáimio de Sat fundir-se com a obra comercial e política.
suma, haviam conquistado sua independência e rejeitado a As facilidades dadas aos missionários cristãos por No
autoridade do Micado e do Xógum. O xogunato ainda não bunaga teriam conseqüências desastrosas, não fora a sabedo
era o poderoso órgão de centralização que dele faria, em ria e a precaução do general que o sucedeu. Hideioshi era
começos do século XVII. a família Takugawa. Na completa não propriamente um grande chefe militar, mas também um
anarquia feudal que assolava o país em 1600, viu-se sur�ir, político prudente e um organizador genial, artesão incansá
não obstante, uma figura genial, a de Oda Nobunaga ( 1534- vel da grandeza de seu país. No princípio estava tão dese
1582) que conseguiu bater os todo-poderosos dáim; ,.-.: ..:: exer joso quanto Nobunaga de manter relações amistosas com os
ceu o poder supremo. portugueses e seus missionários. porém certos fatos o puse
Foi durante esse período conturbado da história do Ja ram de sobreaviso. Observou os canhões que os portugueses
pão que os portugueses desembarcaram. A novidade. a efi haviam instalado para proteger a missão; ao S\tbir a bordo
cácia de seus métodos de guerra seduziram os japoneses; os de um navio para visitar o Padre Coelho, consfato.u- que esse
dáimios compreenderam rapidamente a grande vantagem que pequeno barco carregava armamento pesado. Soube do in
poderiam tirar dos barcos pesadamente armados e dos arca teresse dos dáimios do Oeste pelas armas e pelo equipamen
buses dos portugueses; os do Oeste, que lutavam por sua to dos portugueses; finalmente, ao ter conhecimento de que
independência, saudaram a chegada dos intrusos; e um de eles tentavam ganhar os estrangeiros para sua causa 9ão
les, em 1551. fez partir um emissário com Francisco Xavier, hesitou mais e, em 1587, as missões cristãs era·m proibi
esperando, como muitos senhores feudais da costa, que os por em todo o território japonês.
tugueses os ajudassem a aumentar seu poderio. Entrementes, os e,spanhóis haviam-se estabelecido soli
Felizmente para o Japão, os portugueses, àquela época, damente nas Filip!nas e conquistado as principais ilhas. Ora.
já haviam perdido toda a influência política, m�smo nas re os japoneses mantinham de longa data relações comerciais
giões costeiras; nos tempos de Albuquerque, teriam pelo me com as Filipinas. Hideioshi, portanto. _gostaria bastante de en
nos agravado a situação interna do Japão e ocupado algumas tabular negociações com os espanhóis, porém um incidente o
pequenas ilhas. Mas, com os "sessenta anos de cativeiro" impediu de fazê-lo. O comandante de um galeão espanhol
consecutivos à União das Coroas, Portugal tinha imensa di
que fó.ra lançado -às coistas· jé;lponesas atirou à face do dái
ficuldade em manter sua soberania nos próprios lugares onde
mio, que salvara sua embarcação e reclamava a carga, o po
havia 50 anos ela se encontrava solidamente estabelecida; não
iria a Holanda, num futuro próximo, arrebatar-lhe suas prin derio de Espanha e os feitos dos Cdnquistadores. Hiedioshi,
cipais possessões? Finalmente, sob a autoridade de Nobuna já informado das proezas dos portugueses no Oriente. deu
ga, o Japão reencontrou uma unidade que os próprios prínci ordem para prender todos os espanhóis e mandou crucificá
pes rebeldes pouco a pouco perderam a esperança de rom los em Nagasaki como espiões.
per. O único perigo vinha dos missionários cristãos; basta-nos lyeiasu Tokugawa sucedeu a Hidefoshi 7 em 1600. Três
dizer, por enquanto ( já que abordaremos o assunto mais tar anos depois o título de Shetai Xógum, ou Grande General
de, em separado), da estreita ligação dos capitães portugue d.a Submissão dos Bárbaros. Os Tokugawa, que oGuparam o
ses com os missionários e precisar que ela era inevitável, pois xogunato durante 265 anos, exerceram uma autoridad� de fato
a Coroa de Portugal estava historicamente vinculada à evan sobre todo o Império japonês, salvaguardando ao mesmo tem
gelização do Oriente, em virtude do jus patronatus; os mis po a forma e a dignidade do título imperial. O Xógum, que
sionários trabalhavam pela grandeza e pela glória de Portu
gal: não era São Francisco Xavier legado do Papa e ins 7. Talko Hldeloshl foi assassinado em 1598. Seu filho. Hldeloshl, �enta
petor das missões reais? A obra missionária, obra nacional. assumir o poder, mas é vencido por Iyelasu, fundador do xogunato dos
Tokugawa. (N. do T.)
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possuía o poder real, devia no entanto prestar contas de sua�, os recém-convertidos do Japão ( como também de outros paí
ações ao imperador, informá-lo dos problemas de importân ses) haviam mostrado que suas simpatias se dirigiam aos seus
cia nacional e obter sua sanção para as medidas graves .O po mentores estrangeiros. A revolta cristã de Shembarc;, ell}
der militai, todavia, era detido por ele com exclusividade; os 1637, revelou ao xógum a extenão desse perigo. Foi neces
dáimios deviam prestar-lhe juramento de obediência; os que sário todo um exército, uma longa e custosa campanha para
haviam combatido lyeiasu. chamados tozama ou senhores de vencer os rebeldes, que, segundo se dizia, eram apoiados pelos
fora, tiveram autorização para retirar-se para suas terras, mas portugueses. Finalmente, o xógum não ignorava as conquis
não se lhes admitiu a mínima participação no governo. tas portuguesas, holandesas, espanholas ou inglesas no Pa
O xogunato dos Tokugawa estabelecera, assim, a auto cifico -- particularmente nas Filipinas, nas Molucas e em
ridade central e instaurara uma espécie de ditadura que de Java ,.;..,, e tanto bastava para convencê-lo de que cumpria agir
veria durar mais de dois séculos e meio . Mas a estrutura duramente com todos esses intrusos e sobretudo nâo lhes dar
feudal do regime, a insubmissão dos senhores de fora, o po oportunidade de se estabelecerem solidamente em território
derio de certos grandes senhores feudais do Oeste, como os japonês. Em 1615 enviou um espião às regiões do sul para
dáimios de Satsuma, faziam ainda do Japão -uma presa fácil informar-se das atividades européias. Não teve por que se
para os �gitadores estrangeiros. Os senhores de fora, como arrepender de sua desconfiart�a. quando, em 1622, soube que
Choshu, que possuía 13 das 65 províncias do Japão, e o os espanhóis haviam estudado um plano de invasão do Japão.
príncipe de Satsuma que reinava sobre tôda uma província da Em começos do século XVIi. a Espanha reforçara sua po
ilha Kio-Sio, em se coligando. poderiam pôr em xeque.- a sição nas Filipinas e lá concentrara importantes forças navais.
autor i dade dos Tokugawa. O xogunato, sempre pronto a Todavia as demais nações européias já haviam dividido entre
descobrir as ameaças contra sua própria existência, deu-se si a quase totalidade do Pacífico. Apenas em um local -
conta do perigo que representaria uma aliança desses príncipes o Japão - a Espanha não ia de encontro às pretensões de
com estrangeiros todo-poderosos no mar. Tomou assim a úni Portugai é à distribuição papal do Universo, que seus inte
ca decisão possível: proibiu qualquer contato com o estran resses mais evidentes aconselhavam respeitar. Diante disso,
geiro, salvo sob contróle oficial . Essa política isolacionista preparavà-se êõín a maior naturalidade do mundo para con
imposta pelo xogunato a partir de 1637 encontra portanto .qui�Uir o· Japão. A reação do xógum foi imediata e brutal.
justificativa tanto no plano dos negócios interiores como no Tódós os espanhóis foram expulsos sem demora, e o� japo
plano dos negócios exteriores. Internamente, impedia que os neses convertidos ao Cristianismo eliminados. Poucos anos
grandes senhores feudais sempre prontos a levantar a ca mais tarde, o Japão encontrava-se fechado às nações européias.
beça, se aliassem com as potências estrangeiras ou simples É interessante comparar o xogunato com duas institui
mente que obtivessem delas armas modernas. Externamente, ções que nasceram em circunstâncias mais ou menos simila
suprimia qualquer relação direta entre o povo japonês e os res, a saber: o sistema do Peishva do império marata e a
estrangeiros, pois estes só entravam em contato, para as pou administração Rana do Nepal. O Peishva, como o xógum,
cas relações necessár'ias. com os representantes oficiais do detinha o poder real. porém oficialmente era tão-somente de
xógum e ainda assim num porto predeterminado. legado do soberano Satara; como no xógum, seu cargo era
O xógum tinha motivos de sobra para agir de tal modo. por igual hereditário. Os peishvas tomaram o poder como
lyeiasu Tokugawa não desconhecia os métodos de conquista promotores de uma política de expansão que punha os mon
de Portugal e Espanha; Jacques Spex lhos explicara todos: góis diretamente em perigo e se, ao contrário do xógum, seu
Henri Brower apresentara-lhe, em 1612, uma longa exposição poder era civil e não militar, foi não obstante sua política de
sobre o assunto. Quanto ao segundo Tokugawa ( Hidetada), expansão militar que lhe permitiu conservá-lo. A principal
as nações· européias vieram todas, alternadamente, denunciar fraqueza dos xóguns, como dos peishvas, decorreu da opo
lhe as pretensões de conquista dos seus rivais. Por outro lado, sição dos grandes senhores feudais; apoiados pelos chefes
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militares do norte. cbmo Holkar, Puar e Scindia, o peishva Em verdade, o édito de exclusão não levava a uma rup
checava-se continuamente à hostil'dade de Gaekwad, que pre tura total com o Ocidente. lyeiasu permitira que o� holan
tendia defender os interesses do soberano de Satara. Em deses instalassem um entreposto em Hirado ( 1611) e o dáimio
suma: o império matara ruiu no dia em que os peishvas foram da província obtinha grandes lucros 8. HaVia, igualmente.
incapazes de impedir seus vassalos Gaekwad e Scindia de um estabelecimento português em Nagasaki. Em 1613 os in
intrigar com os estrangeiros e preparar, assim. a ruína do gleses entraram no jogo. O Capitão Saris chegou em seu
país. O império do Sol-Levante resistia justamente porque navio, o Clove, e apresentou ao xógum uma carta de Jac
os xóguns, durante 200. anos. souberam impor respeito aos ques I. Foi recebido cordialmente e autorizado a fundar uma
seus poderosos vassalos. feitoria. A ·concorrência entre essas diversas feitorias era pro
Em dias -mais recentes a família Rana desempenhou idên veitosa para os japoneses. que exigiam canhões em troca de
tico p:1pcl no Negai. Em 1848. após eliminar seus rjvais, Jun suas mercadorias, de tal modo que os holandeses e os ingle
ga Bahadur Rana • tornou-se primeiro-ministro e generalíssi ses adquiriram o hábito de fabricar seus canhões aí mesmo. em
mo do seu pais. Essas duas funções foram atribuídas here Hirado; logo, porém, os representantes do xogunato passa
ditariamente à sua família, que as assumiu até 1951. O rei ram a exigir canhões fundidos na Inglaterra, pois se ha·.;iam
foi relegado a segundo plano: embora os primeiros-ministros. dado conta, como o indica Richard Cociks em seu Diário, que
oficialmente, fossem apenas delegados do poder real, eram, de a quaJ,dade dos canhões made in England era bastante supe
fato. os senhores absolutos.. Seu poder repousava, tal como rior. Os holandeses, que se haviam revelado úteis em suas
no xogunato, essencialmente no exército, cujos postos chaves relações, gozavam de medidas de favor, quando do édito de
havial]l sido confiados ·pelos Ranas ,....., que eram os seus gran exclusão. Tiveram, no entanto, de abandonar Hirado e trans
des senhores - a membros de sua família. Também à se ferir sua feitoria para o ilhéu de Deshima, perto de Nagasaki;
melhança dos xóguns, impuseram uma política isolacionista. mercadores e marinheiros não tinham autorização para perma
só autorizando, até 1911, raros estrangeiros a visitarem o necer ali mais de um ano; uma vez por ano deviam ir a ledo 11
país, ou melhor, apenas a capital. Quando, porém, sob a apresentar-se ante o xógum como humildes solicitantes;
pressão das circunstâncias, se viram obrigados a abrir o reino· era-lhes proibido trazer suas esposas e mulheres européias, e
aos estrangeiros, não puderam impedir uma restauração do só podiam manter relações com prostitutas. Embora quase ja
poder rr ;i. l. mais estivessem em contato com a população japonesa, os ho
No Japão, após a exclusão dos europeus, o govêrno do landeses não eram estimados. Takekoshi. histor'ador japonês
contemporâneo, observa que "a despeito das medidas de favor
">:ógum ou Bakufu, que se apoiava na nobreza militar, difun
adotadas pelo xogunato para com os comerciantes holandeses.
diu sistematicamente no seio desta uma verdadeira filosofia os japoneses não mantinham boas relações com eles".
da existência: encontramo-la exposta no Legado de lyeiasu. Através de Deshima, porta japonesa para o Ocidente, um
o fundador do xogunató Togukawa. É uma teoria da gran grupo de sábios, o Rangashuka, pôde permanecer em conta
deza nacional fundada na disciplina e na aceitação de uma to com a ciência oc:dental; veremos, ulteriormente, a influên
vida dura, que preconiza uma organização militar do país e cia que teve esse grupo na recuperação japonesa. Basta assi-
que coloca cerno valores supremos a segurança do império e,
naturalmente. a fidelidade aq xogunato. Um governo central
8. Desde 1594 os holandeses haviam lançado vê.rias expedlções comerclals
extremamente poderoso, uma engenhosa máquina administra para o Japão. l!:ste, porém, só velo a ter clêncla de que exlstla um povo
tiva. bem como· uma burocracia dirigida por um Conselho d� holandês no dla em que a Lie/d.e (um dos barcos da quarta expedição)
naufragou na costa japonesa. Iyelasu recolheu os sobreviventes e tratou-os
Anciãos eram os principais elementos do sistema. Foi a ins com a cortesia. de rigor. Em 1609 o rel do. Holanda despachou um emlssà
rio para agradecer ao xógum suas g:mtlleza.s. Este, em troca, autortzou-os
tituição do xogunato que, após restabelecer a paz interna per a comerciar.
mitiu ao Japão enfrentar sem receio o mundo exterior. 9. Antigo nome de Tóquio, usa.do até 1868. (?;. do T.)
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nalar aqui que ·os japoneses, desde o início, haviam manifes quase heróica, aprendiam o holandês, familiarizando-se ao
tado singular interesse pelos assuntos militares, em parti mesmo tempo com os progressos da ciência ocidental. _Foi em
cular pela artilharia. Em 1615, Jacques Spex fundiu um ca Deshima que se preparou o prodigioso movimento que re
nhão de 600 libras inglesas ( aproximadamente 260 quilos) novaria o Japão, nos 50 anos que se seguiram à chegada de
e três anos mais tarde os japoneses pediram que lhes ensi Comodoro Perry 10•
nasse os processos de fabricação; por maior desejo que ti�
vesse de servir-lhes. foi de logo impedido pela ausência de
especialistas; depois, no entanto, conseguiu encontrá-los, pois,
como sabemos por outra fonte, o dáimio de Hirado mandou
fundir em sua presença uni grande número de peças de arti
lharia. Em 1638 o xógum enviou uma comissão especial para
estudar e experimentar uma partida de canhões que lhe ha
viam sido oferecidos pela Companhia holandesa. Os holan
deses viam com maus olhos o entusiasmo do xógum e de seus
oficiais pelos canhões e morteiros. François Caron, seu chefe.
a_nunciou que daí em diante os canhões não mais seriam fun
didos no Japão. Antonizoon Overwater, seu sucessor, foi
ainda mais franco: falando a seus diretores de um pedido
japonês relacionado com o envio de um fundidor de pe<.iaS
de artilharia, afirmava prudentemente: "Pode-se indagãr sé
não seria mais inteligente não iniciar êste povo orgulhoso e
altivo na arte da fundição do canhão; mas hoje em dia já é
tarde demais; o jeito é nos conformarmos." Um fundidor de
artilharia veio, afinal, passar seis meses em ledo ( 1650). Esse
interesse pela artilharia, mais ou menos acentuado segundo as
épocas, permitiu ao Japão, mesmo durante o fechamento de
seus portos, jamais perder de vist5,�o� progressos da ciência
militar ocidental e, daí, conhecer sti1:ls fraquezas e o próprio
atraso em relação aos países da Europa.
O Japão permaneceu fechado ao Ocidente até o dia do
ano de 1853 em que as "naus negras" do Comodoro Perry
chegaram à vista das costas japonesas. Já desde o início do
século XIX o xógum tinha dificuldade em im pedir que se mul
tiplicassem os contatos com o mundo exterio.ç_. Os russos já
haviam atingido o Pacífico e exploravam os m'ares do Norte.
Os ingleses, a partir de sua instalação na índi-à. manifesta
vam uma impaciência crescente, e seus navios sempre encon
travam algum pretexto para forçar a costa japonesa. As
autoridades japonesas estavam perfeitamente informadas das 10. Seria difícil falar de um desenvolvimento do comércio holandês em Des--·
hlma. Em 1700 apenas cinco navios !oram autortzados a entrar no porto-.
atividades européias, pelos mercadores de Deshima; alguns ja Em 1715 encontravam-se aí apenas dois. Sob Kansu (1789-1790) éste número
foi reduzido a um por ano; depois disso o porto de NagJl.S,aki deixou de
poneses, com uma estranha perseverança e uma paciência ver durante vários anos os barcos dos "ruivos" (V. Kuno, pp. 93-94).
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