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CAPITULO SEGUNDO c1p:o da era Ming. reconheceu ser.

1 dificuldades a suserania
da China, e os imperadores renovavam a intervalos regulares
seu juramento de obediência; Iong Lo dignou-se reconhecê-lo
num édito que dirigiu ao Imperador Ioshi Mitsu:

"Rei, sempre tendes sido leal, prudente e fiel, não cessas­


tes de prestar-nos inestimáveis serviços e sempre destes prova
do maior respeito ao nosso trono. . . Rei do Japão, nós vos
A CHINA E O JAPÃO conferimos, pelo presente ato, uma recompensa, para demons­
trar-vos tôda nossa satisfação." 1
I
Dinastia nacional, os Ming levavam avante uma polí­
A conquista de Malac3 pelos portugueses. em 1511, · tica que podemos qualificar gross·o modo de restauração. Hong
abrira aos navios europeus esse Pacífico desconhecido que ba­ U dedicava-se a ressuscitar o espírito da cultura chinesa tra­
nhava o gigante �hinês e partia em pedaços o Império do dicional; promulgou todo um Código de leis, que repunha em
Sol-Levante. Foi através dos chineses estabelecidos na Ma .. vigor a organização burocrática do império e ao mesmo tem­
lásia. originários sob .çetudo de Fuquiã, que os portugueses po reforçava o mandarinato, restabelecendo o sistema de con­
conheceram as imensas riquezas ào império chinês. Rafael cursos imperiais. Iong Lo ( 1403-1424) reconstruiu Pequim
Perestrelo foi o primeiro a atingir a costa chinesa e regressou e lhe deu mais ou menos sua fisionomia atual, compilou uma
após superar no seu junco tantos mares quantos perigos. No imensa enciclopédia, a Iong Lo Ta Tien, e lançou numerosas
ano seguinte Jorge Mascarenha s ( segundo o historiador in­ expedições marítimas, uma das quais, a de Cheng Ho, que
glês George Philipps) atingiu Tchang �cheu e estabeleceu sulcou o oceano índico com seus navios e foi até a costa da
contato com mercadores chineses. As narrativas destes doi;i,­ Arábia. Mas estes não são os únicos títulos de Iong Lo
pioneiros fizeram crer aos portugueses que_ só teriam lucro de que haja recordação. A dominação que exerceu sobre
em comerciar com a China. Tomás Pire§, um boticário, por­ Anam, a Coréia e o Japão, os tributos que impôs, graças às
tador de uma carta de rei de Portugal. foi levado por Peres expedições de Cheng Ho ao Sião, a Java, a Sumatr? e a
de Andrade até Cantão. Andrade, que dirigia a base marí­ todos os países do Sul, onde a China nunca exercera mais
tima portuguesa de Malaca, levara consigo um carregamento que uma vaga suserania, tudo isto faz dele um dos maiores
completo de pimenta, artigo de que os chineses sempre preci­ príncipes que a China conheceu.
savam. O embaixador recebeu uma acolhida muito cordial Embora seus sucessores não tenham sido tão notáveis, o
das autoridades cantonesas, que logo autorizaram Andrade império sob os Ming - no século XVI e de fato até a me­
a vender sua mercadoria e comprar produtos chineses. tade do século XVII - gozou de uma paz e de uma pros­
O imperador reinante, Cang Te, pertencia à dinastia peridade quase contínua. A administração, recuperada pelas
Ming, fundada por um monge patriota e budista chamado reformas de Hong U e Iong Lo, funcionava norm;:ilmente e
Tchu Iuen-Tchang, que organizara a resistência aos mongóis. revelava-se apta a exercer sua autoridade por toda parte;
Profundamente chinesa. esta dinastia representava urn renas­
cimento do espírito nacional. Tchu luen-Tchang tornando-se 1. Citado por Kuno. ecn Japanese Expansion on the Asiatic Continent
t. I, PP- 273-274. O Pror. Iosnl Kuno publicou igualmente numerosos do�
imperador sob o nome de Hong U, estendera seu império .:ité cumentos que estabelecem com segurança a suserania da China sobre o
a Coréia e as ilhas Rio-kio; a Birmânia e alguns outros,es­ Japão durante quase todo o período Ashlkagsr. o Imperador do Js.p!i.o che­
gava por vezes &tê a declarar-se "súdJto do Imperador Ming" e utilizava
tados vassalos lhe p.:igavam tributo. O própr:o Japão, no prin- º. selo de Estado que lhe fõra dado pela corta üe Pequim. V. Kuno, Japanese
i,;xpanston, t. 1. apêndice 23, pp. 266-274.

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pode-se mesmo afirmar que, em relação à dimensão gigan­ meiros anos da dinastia, como vimos, presenciaram uma ati­
tesca do império, seu rendimento era extremamente satisfa­ vidade marítima considerável; as viagens de Cheng • Ho ao
tório. Sob Cang Te, quando os portugueses desembarcaram oceano Indico e os contatos do império com a Malásia e as
pela primeir a vez, a administração imperial satisfazia perfei­ ilhas do Sul mostravam claramente que o isolac'onismo estava
tamente; e os vice-reis e governadores locais que os portu­ longe de ser um dos princípios da política chinesa. Os estran­
gueses encontravam pela frente sabiam dar prova de inicia­ geiros recebiam uma acolhida cordial e desde que se subme�
tiva e resolver por si mesmo os problemas que surgiam em tessem ao cerimonial da corte e reconhecessem as pr�tensões
suas províncias. De fato, não é falso caracterizar o estado do Filho do Céu, as embaixadas de todos os países eram
político da China àquela época pela competência da admi­ muito bem recebidas; Tomás Pires inclusive, como vimos.
nistração local e por sua lealdade, que a eventual corrupção fora autorizado a dirigir-se a Pequim. Nestas condições, como
e imperícia do governo central jamais desencorajaram. exptcar uma mudança tão brusca na atitude chinesa e a re­
O imperador, devidamente informado da chegada de Pi­ cusa de qualquer relação com os portugueses? A resposta é­
res, enviara-lhe, após o prazo de rigor um salvo-conduto para simples: encontra-se na exorbitante pretensão dos portugu�­
Pequim. Porém, ao mesmo tempo, a corte dos Ming recebeu ses e na selvageria de sua conduta.
informações não muito favoráveis aos portugueses; os sultões Recorda-se, com efeito, que o rei de Portugal se pro­
malaios haviam solicitado socorro ao seu suserano contra os clamara "Senhor da Navegação" e reivindicara a soberania
recém-vindos; o sultão de Bitang, principalmente, pusera o de todas as terras descobertas por seus súditos. Se os por­
governo de Pequim em guarda contra os portugueses, que. tuguêses não pensavam firmar suas pretensões no próprio
segundo dizia ele, dissimulavam sob seus trajes de comer­ continente, e o desastre de Albuquerque em Cal:cute, no ano
ciantes a espada do guerreiro e do conquistador. Chegara a de 1511, pusera fim a todas as .suas tentativas neste terreno.
fazer uma exposição completa dos métodos portugueses no nas ilhas como Ceilão ou Malaca, ao contrário, onde a su­
oceano lndico. Embora levado ass·m à desconfiança, o im­ perioridade de sua frota era decisiva, não recuavam de ne­
perador não se negou a receber o embaixador e, como já nhuma das suas reivindicações. Nos mares, igualmente, toma­
vimos, fê-lo vir a Pequim. Durante o tempo que Pires levou vam ao pé da letra o seu título "Senhores da Navegação",
para chegar à capital, os portugueses deram prova de que e confiscavam ao seu bel�prazer as mercadorias de todos os
era impossível conÍiar neles. Simão de Andrade, irmão do
navios que encontravam percorrendo os mares sem sua per�
almirante que trouxera Pires, chegou d'ante de Siang Chã
e conduziu-se como os capitães portugueses estavam habi­ missão. Quanto à ,sua concepção do comércio, já vimos ao
tuados a fazer na Malásia; tinha simplesmente a intenção de vivo em Malaca, em Cochim e outros pequenos principados:
instalar-se no país; desembarcou com um destacamento. co­ desembarcava-se em local conveniente, construía-se um forte,
meçou a edificar um forte, e foi preciso que a frota chinesa depois do que se considerava o território assim esbulhado
entrasse em cena para que ele se retirasse. Ao saber das como sua propriedade. Foi o que Simão de Andrade tentara
piratarias de Simão de Andrade, o governo voltou atrás em fazer em Siang Chã, no justo momento em que um cmbai�
sua decisão, recambiou o embaixador português para Cantão. xador de seu país se encontrava a caminho de Pequim.
onde ficou preso ·até a morte, cm 1523. Enfim, a corte de Pequim estavá perfeitamente a par dos
Nunca é demais insistir na ausência de preconceitos e atos de pirataria dos portugueses. O imperador da China fora
prevençõ�s entre os chineses da época em relação aos estran­ informado, pelos príncipes malaios - vassalos reconhec:dos
geiros. Malgrado suas tendências nacionalistas e a ressur­ de Pequim ,...... e particularmente pelo sultão de Bitang·. das
reição da civilização chinesa que, após a dominação estrange;­ exações cometidas pelos portugueses nas costas dos reinos
ra dos Iuã, ela representava, a dinastia Ming estava pronta malaios e de sua ambição política, mas também de sua ins­
a manter relações com o resto do mundo; e, de fato, os pri- talação em Goa, Ormuz e no mar Vermelho. Através de seus

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correligionários - pois o Islã formava então, como hoje, uma dos portug ueses e a extravagância de suas pretensões à do­
comunida de internacional - os príncipes muçulmanos da Ma­ minação do Oriente fizeram com que se chocassem tanto com
lásia puderam informar a corte de Pequim sobre os portu­ a população, indígena quanto com os serviços administrativos;.
guêses, q u e não se preocupavam em mascarar suas ambi­ os portugueses foram expulsos p ara satisfação geral. No
ções nas relações com os pequenos potentados do oceano entanto, o comércio fora bastante proveitoso de parte a par­
lndico. te, para que não se fosse tentado a recomeçá-lo. E os por­
Está fora de dúvida 'que a lição que o zamorim infligi u tugueses, após pagarem pesadas multas por seus transbor­
ao aventuroso marechal ensinara aos portu gueses a impossi­ damentos e oferecerem presentes de circunstância ao vice­
bilidade de conquistar e de manter territórios fora do a .lc:an­ rei e às demais autoridades de menor categoria, foram auto­
ce de sua frota ; longe de arriscar-se a desafiar o poderio chi­ rizados, em 1557, a utilizar como entreposto um promontó­
nês, contentavam-se plenamente com as pequenas ilhas que rio deserto chamado Amaukau; essa nesga de península, li­
controlavam. Porém os imperadores chineses tinham horror gada à terra firme por um istmo, veio a ser hoje em dia
aos promotores de des0rdens e er a-lhes impossível entender­ Macau.
se com um povo que não respeitava nenhum direito inte.rna-· No curso de uma caç� aos piratas, um almirante chinês
-cional e q u e se entregava abertamente, desavergonhadament.e. fora ajudado por um navio português; em reconhecimento, o
à piratari a. governador autorizou os portugueses a servirem-se de Macau
Os portugueses tentaram depois, em vari as oportunida.- como base comercial; porém até 1887 não obtiveram nada.
des, entab ular relações diplomáticas com Pequim. Mas até além disso. Cabe esclarecer, antes de tudo, que os portu­
o século XIX s uas propostas foram sempre repelidas. Em gueses, até 1819, pagaram regularmente um foro sobre a
1522 Afonso Martins de Melo, que esperava receber auto­ terra e que os chineses mantiveram em Macau tanto o con­
rização para dirigir-se a Pequ im, vi u sua esquadra atacada trole das finanças quanto o da justiça civil ou çriminal. Os
e completamente destruída. Uma nova tentativa teve l ugar tribunais chineses funcionaram até 1690 e havia inclusive um
em 1552 mas a embaixada não foi além de Malaca; o gover­ magistrado especial que residia em Macau; ainda mais: os
·n ador d� país, conhecendo a irritação do governo chinês, assuntos criminais estavam sob a jurisdição da corte de Can­
aconselhara-a a retornar. Foi preciso esperar qu ase 200 anos
para qu e uma embaixada p u des�e alcançar Pequim; mu ito pro­ tão, e, nessa Macau, "cidade portuguesa", era impossível
construir até uma casa sem pagar certa renda às autorida­
vavelmente, foi recebida pelo imperador, e Alexandre Metelo
Sousa e Meneses prostrou-se de acordo com a etiq ueta e re­ des chinesa s. A opinião qu� prevalece geralmente e segundo
cebeu de joelhos os presentes destinados ao seu rei. Os chi­ a qual Macau fora tomada com grande luta contra os asiá­
neses não viram na embaixada mais que uma missão encar­ ticos e erigida como uma ameaça à China, vê-se logo, é des­
regada de render-lhes tributos e os portugueses tiveram de provida de qualquer fundamento. De fato, até a instauração,
·voltar sem entabu lar q ualquer relação diplomática. na metade do século XIX. da dominação européia na China
Nem por isso deixaram de empenhar-se nu m rendoso co­ pela França e pela Ingla terra, os portugueses encontravam­
mércio com os portos do sul. As trocas comerciais jamais se em Macau em atitude de súplic�. E a quem suplicavam'?
haviam sido proibidas, e parece inclusive que os governado­ Nem mesmo à corte de Pequim, mas a um subcomissário qual­
res chineses locais foram favoráveis a tais relações, q ue lhes quer de Cantão.
proporcionavam tantos produtos de valor. Jorge Mascarenhas Os espanhóis foram os segundos a chegar à China. Ten­
·entrou em contato com as associações mercantis de Tchang do atingido desde o começo do século as Filipinas, totalmen­
Tcheu e insta urou-se, com o acordo tácito das a utoridades lo­ te conquistadas a partir de 1571, e ,onde fundaram Manila,
cais, um comércio florescente, embora clandestino, particular­ haviam qualquer dia de entrar em contato com os chineses.
mente em Tchang Tcheu e Ningpó. Mas o caráter violento Os dois primeiros e·spanhóis a visitar a China foram dois pa-

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dres: Martin de Herreda e Gerón·mo Marín. Por mais cor­ Ching, que resistira encarniçadamente em Amói, decidiu re­
diais que fossem as relações com as autoridades da China do tirar-se para Formosa. A frente de um exército de 25 mil
Sul, e embora, para os fins do século, recebessem autorização homens, a�acou a ilha, obrigou os holandeses a se renderem
apó� assediar su� fortaleza, e tomou posse da ilha, em nom�
de comerciar em Cantão, os espanhóis não obtiveram maior
<lo imperador Mmg ( 1662). Não satisfeito em repelir todos
sucesso que os portuguesa<; em suas tentativas de fazer-se re­
os ataques, Coxinga lançava incursões na costa de Fuquiã,
conhecer diplomaticamente pela China. Isto aliás em nada
contrariava o progresso de seu comércio nas Filipinas. Era. com tanto sucesso que o imperador manchu teve de mandar
na verdade. um comércio bem singular, no qual Manila re­ evac�á-la. Após a morte de Coxinga sucedeu-o o filho, e só
presentava o papel de entreposto do México e em que a rota depois da morte deste os manchus puderam assenhorear-se
da ilha.
da China à Espanha passava pela Amér:ca Central. "A pra­
ta das minas da América, de Calao e de Acapulco, era con­ A_ invasão da China pelos manchus, que acarretara a
tinuamente permutada por produtos asiáticos, algodão. sêda, conqu1sta de Formosa por Coxinga, constitui um aconteci-·
_
especiarias, porcelanas, com grande prejuízo para os cofres de mento importante da história da Ásia, pois a dinastia que
· Suas Majestades Católicas." 2 .afastou os Ming governou a China, sem interrupção até 1911
O declínio português no Pacífico data do primeiro quar­ e dêste modo encontrou-se no centro da ·cena d�rante 25Ó
tel do século XVII. Os holandeses expulsaram os portugue­ .anos de relações euro-asiáticas. Sua ascensão, o prestígio de _
,que revestiu a China, enfim, seu desmoronamento final for­
ses de Amboína em 1605, e pouco a pouco os afastaram de
todo o arquipélago indonésio. Em 1619 haviam estabelecido mam um capítulo essencial da história mundial.
uma fábrica em Jacarta ( que foi rebatizada Batávia) e obtive­ A din�stia Ming, depois de Cang Te, ,só produziu prín-
.
ram assim; segundo os termos de um comandante holandês. opes débeis e degenerados, que se tornaram o jogu�te dos
"uma pousada e um domínio na terra de Java." Todas as posi­ eunucos da corte e dos cortesãos corrompidos. O Imperador
ções portuguesas nos mares orientais foram sucessivamente to­ l;Ian Li . ( I 773-1619), pr:ncipe afeminado que subiu ao trono
madas pelos holandeses. Uma expedição de 15 barcos, dirigi­ .amda criança, alma escrava dos prazeres, que deixou às suas
da sobre Macau, em 1662, não conseguiu expulsar de lá os concubinas e aos seus eunucos a preocupação do estado, teve
portugueses, mas obteve outro resultado bem mais importante: como alma danada o castrado Wei Cheng-hien, que adquiriu
a ocupação de Formosa, que na época ainda não fora real­ .a fama de personagem mais ignóbil que a China· conheceu.
mente colonizada pelos chineses. Os holandeses estabelece­ Foi com sua ajuda que o sucessor de Uan Li foi assassinado
ram-se na ilha e levantaram um forte. Não será inútil. con­ pela concubina de seu próprio pai; foi ele quem, após colocar
siderando o papel que a ilha será chamada a desempenhar so_!, seu d ?mínio o novo imperador 3, governou com a ajuda da
na História, deter-se um pouco sobre os acontecimentos de mae adoti·,•a de se:1 soberano. Sua depravação e seu flagran­
que foi palco. te desprezo dos mteresses públicos atingiram irremediàvel­
mente o prestígio da dinastia 4• Sobre o imperador seguinte,
Os holandeses não colonizaram Formosa, mas utiliza­ Tchong Tchen, haveria de recair as conseqüências dos des­
ram-na sobretudo como base comercial e como ponto avança­ mand�s de Wei Cheng-hien. O império ruiu em pedaços e
do para. o Japão. Ivfas logo foram, como vimos, sériamente .
.a capital almhou-se ao lado de Li Tsen-Tcheng, quando ele
ameaçados, desta vez por um defensor dos derrubados Ming. desencadeou uma revolta. Foi essa decomposição do impé­
Ching Ching-Cong, conhecido sob a alcunha de Coxinga. _
no que permitiu ao poder nascente dos manchus instalar-se.
Quando os manchus ocuparam o norte àa China e os parti­
dários dos Ming se viram condenados ao extermín:o total,
'3. TI Esong.
-4 • Wel Cheng-hlen constituiu o obj ito de um requisitório de 16 pontos,
2 • Hudson, p. 241. R1:potta-se Igualmente ao Pe. Henri Bernard, Les Jle.� .apresentado em 1624 pelo censor Iang Llen.
l'fttitppines, Tlentsln.

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Os manchus eram um povo fronteiriço que reconhecera, responde ao Sinquiang se libertava também completamente.
em diferentes épocas, a suserania chinesa, mas que jamais Os russos avançavam na mesma época pelos imenS(?S espa­
fora realmente conquistado pela China. Organizados em clãs. ços da Sibéria. Assim, quando os Tsing ( como era chama­
não constituíam uma verdadeira nação, até o dia em que Nu­ da a dinastia manchu) subiram ao trono de Pequim, o ter­
rachi ( nascido em 1559), movido pelo desejo de vingar o pai ritório da China limitava-se à reunião situada ao sul da Gran­
e o avô assassinados por um oficial chinês, pôs-se a orga­ de Muralha e não compreendia nem o Sinquiang nem o Ti­
nizar as tribos manchus em confederação. As autoridades chi­ bete. Uma sucessão de príncipes bem capazes, part:cular­
nesas tentaram aplacá-lo, confiando-lhe a vigilância das fron­ mente i{ang Hi e Kien-Long -- que a China conta entre os
teiras militares e conferindo-lhe o título de General do Dra­ seus maiore� monarcas -- consolidaram de novo o império,
gão e do Tigre. Tais distinções, porém, só concorreram para limitaram a expansão russa ao Amor, reconquistaram o Sin­
aumentar o poder e o prestígio de Nurachi, que desse modo quiang, onde se instalaram solidamente, enviaram tropas ao
estendeu sua autoridade às tribos e pôde constituir ·um pode­ Tibete, onde fizeram com que fossem reconhecidas suas pre­
roso exército. Por volta de 1586, todas as tribos manchus tensões. Os dois séculos seguintes presenciaram um crescimen­
estavam submetidas à sua lei: era o chefe inconteste da Man­ to desmedido do império chinês, do extremo norte da Coreia
chúria. Sua autoridade estendeu-se progressivamente à Mon­ à Camboja, e do Pacífico ao Himalaia e ao Caracorum.
gólia, onde a frouxa autoridade dos últimos Ming deix�ra Desde o fim da era dos Ming até começo do século XIX.
pràticamente de fazer-se notar. Quando o governo de Pequim. sempre houve na corte de Pequim um certo número de reli­
em 1618, ajudou os Iehos, que tentavam abalar o poder de giosos europeus. r:,,Ias esses missionários exerciam principal­
Nurachi, éste declarou guerra à China. A acelerada deca­ mente a função de sábios: tinham por tarefa iniciar a corte
dência dos Ming não impedia que o seu enorme império con­ nos segredos ,da ciência européia; o Imperador Kang Hi, par­
servasse uma certa força: prova disso é que se enviou um ticularmente, foi para eles um aluno apaixonado, que mani­
exército para castigar o insolente manchu e que a luta pros­ festava em relação a todas as coisas uma curiosidade tão rara
seguiu de modo desordenado por 17 anos. No entanto, o po­ quanto insaciável. Em contrapartida, a civilização e a cultura
derio dos manchus afirmava-se de ano para ano, e, quando chinesas, vulgarizadas na Europa pelas traduções desses mes­
da morte de Nurachi, em 1626, já se haviam introduzido na mos missionários, marcaram de certo modo o século XVIII
península de Liao Tung e ameaçavam diretamente o império. europeu; posteriormente, veremos em que medida.
O sucessor de Nurachi, Tien Tsung, estabeleceu o do­ Foram principalmente os holandeses que tentaram esta­
mínio manchu sõbre o estado coreano e sobre os mongóis belecer relações diplomáticas com o novo império. Haviam
do Tchaar e levou a guerra ao território chinês. Após sua ajudado o soberano manchu em sua luta contra Coxinga e
morte desencadeou-se a grande rebelião de Li Tzu-cheng, que pensavam que, em retribuição, aceitariam receber suas em­
levou ao suicídio o último dos Ming. Era a oportunidade es­ baixadas. Acontece que eram protestantes e podiam esperar
perada pelos manchus. Aliando-se de saída aos defensores muito bem que os missionários católicos já instalados aí tudo
Ming no Norte, contribuíram para esmagar os rebeldes, mas fizessem para impedi-los de entabular relações com a China.
reinvidicaram, logo depois, o império para si mesmos e sub­ Peter de Goyez, em 1655, chegou a vir até Pequim para ren.­
meteram a China à sua lei ( 1645). der tributo; toda a missão prosternou-se ante um trono vazio
A nova dinastia triunfante trazia para a China sangue e o imperador chegou até, graciosamente, a fazer alguns pre­
novo, num momento crucial de sua história. As tribos das fron­ sentes, mas os holandeses tiveram de voltar apenas com a
teiras do Norte, como os mongóis, rejeitaram, ao fim do rei­ autorização de enviar outras embaixadas com quatro navios
nado dos Ming, a dominação chinesa. Os calcas, os calmu­ de comércio, de oito em oito anos. Dez anos depois o impe­
cos e várias outras tribos semi-independentes romperam por rador acolheu cortesmente Pieter van Hoorn e agradeceu-lhe
igual seu jugo, enquanto o imenso território que hoje cor- o tributo que acabara de trazer-lhe. Não passou disso, porém;

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a missão holandesa.não pôde sequer empreender conferências. Sua atitude de conquistadores prontos a negociar, mas
Em Batávia, van Hoorn contou que haviam sido conduzidos exigindo imediatamente obediência, não podia deixar de dar­
a Pequim como espiões e despachados com ladrões. se mat Um .destacamento de 100 homens desembar�ou pou­
Aquela época os holandeses, de resto, não estavam so­ co depois, instalou-se próximo ao rio, e logo o vento fez tre­
zinhos nos mares da China: os ingleses lhes impunham por mular o orgulhoso pavilhão de Sua Majestade britânica. Du­
toda parte uma luta sem tréguas. E, no entanto, fazia 50 ano�, rante todo o tempo em que ele dominou o rio, os ribeirinhos
_ só podiam imaginar que os haviam abandonado em mão de
suas duas frotas haviam chegado como aliadas: como cump h­
ces, As duas companhias das lndias. decidiram, em 1619, em­ piratas. Mas os chineses foram pacientes; mandaram condu­
preender uma ação comum, que visava nada mais nada me­ zir a Cantão dois oficiais ingleses, que puderam assim for­
nos que a obrigar os juncos chineses a comerciar. com elas; mular devidamente sua petição às autoridades locais; estas
era necessário, todavia, ocupar de início .uma ilha qualquer mostraram-se inflexiveis. O Capitão Weddel só pôde des­
da costa chinesa. Um "Conselho de Defesa" único coordena­ culpar-s� e prometer jamais repetir sua ofensa; foi-lhe então
va as operações. E o artigo 109 do acordo precisava que "a autorizado carregar seus navios e retornar às índias.
expedição devia servir para obter o comércio com a China. E, Em 1685 um decreto 'imperial abriu o pórto de Cantão
µcua tanto, as frotas serão enviadas às Filip:nas, de onde po­ ao comércio, e a. Companhia das lnd-ias, que detinha o mo­
derão impedir e dissuadir os chineses de comerciar com ou­ nopólio do comércio inglês na Asia, obteve o direito de ins­
tros que não nós". Essa aliança logo se romperia: os ho­ talar aí uma feitoria (bem como um pequeno posto em Ning­
landeses se puseram a afastar os ingJeses, após tê-los utili­ pó). Após a viagem do Macclesfield, em 1700, as relações
zado para a fortificação de Pescadores. Os mercadores in­ comerciais se desenvolveram e os barcos da Companhia in­
gleses voltaram-se então para os portugueses. O governador glesa voltaram todo ano a Cantão. Mas foi somente em 1715
de Goa concedeu-lhes uma autorização, e uma esquadra in­ que os ingleses estabeleceram uma feitoria permanente e que
glesa partiu para Macau. Seu comandante, o Capitão Wed­ o comissário imperial, o Hoppo, por convenção oficial, atri­
del, porém, era tão ingênuo quão mal-informado: pensava buiu ao comércio britânico um estatuto legal. Tratava-se, no
que as cartas de apresentação do governador de Goa ao de entanto, apenas da cidade de Cantão; e todos os negócios de­
Macau lhe abririam, sem mais nem menos, as portas do co­ veriam ser tratados por intermédio do Hong, uma guilda
mércio chinês . Deve ter ficado surpreso, ao ouvir o gover­ de mercadores que detinha o monopólio do comércio da ci­
nador de Macau confessar-lhe que "a miserável sujeição" em dade. De início simplesmente reconhecida pelas autoridades,
que os chineses mantinham os portugueses impedia de pres­ se não protegida por elas, sua existência foi mais tarde san­
tar-lhe a mínima ajuda. O :nglês, entregue a si mesmo, encar-. cionada por uma lei que lhe concedia "todos os poderes do
regou-se de precipitar os acontecimentos, tomou duas barcas Hoverno: agindo em nome i;le Pequim, recebia "dele integral
e 50 homens e subiu o rio de Cantão. As autoridades chine­ apoio, e, sendo, como era, o canal necessário de todas as ri­
sas detiveram-nos e lhes ordenaram que abandonassem o rio. t]Uezas, tornou-se o inesgotável bolo, do qual cada funcionário
Os ingleses assumiram então seu tom dos grandes d:as para público esperava tirar a sua parte do leão".
"pedir que se lhes .iutorizasse, como aos portugueses, comer-_ V;ili> a oena examinar o mecanismo desse comércio, prin­
ciar livremente e que, contra pagamento em dinheiro. se lhes cipalmente se considerarmos os incidentes políticos que sus­
fornecessem provisões para seu barcos, coisas que os manda­ citou no século XIX. A atitude da China diante do comér­
rins prometeram pedir às autoridades de Cantão; que se lhes cio estrangeiro encontrava-se perfeitamente expressa num de­
desse, ademais, um prazo de seis dias, o que lhes foi con­ creto do vice-rei de Cantão. "O Celeste Império nomeia fun­
cedido". 0 cionários militares para repelir os malfeitores. Os humildes
negócios comerciais são da alçada dos próprios mercadores:
5. Emoassy to cntna, t. I. pp. 8 e 9, Londres, Balmer &: Co., 1797. os funcionários não têm por que se envolver neles." O co-

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m.ércio do lado chinês, pois, estava em mão dos mercadores deixe de ser oferecida à Companhia", diz certa feita uma
do Co-Hong, 6 que dependiam do Comissário imperial, o testemunha levada ante uma comissão de inquérito da Câ­
Hoppo ( segundo a corruptela do nome chinês), o qual de­ mara dos Comuns; "quero dizer que cada lote de chà de al­
tinha o direito de conceder licenças e, conseqüentemente, exer­ gum valor é, de saída, oferecido à nossa Companhia e sub�
cia, por intermédio da associação dos mercadores, uma rigo­ metida ao seu exame." Por certo os inglese s não estavam so­
rosa vigilância sobre todo o comércio. zinhos, porém as compras dos concorrentes estrangeiros não
Os escritórios comerciais europeus em Cantão consistiam representavam um sétimo das suas. Antes do fim do século
numa fileira de edifícios alugados. pelo Hong às companhias XVIII o chá tornara-se a bedida nacional da Inglaterra. E
européias. "Cobriam", diz Sir John Pratt, "uma superfície de foi para pagar essas énormes quantidades de chá que a Com­
1 100 pés por 700, com uma reduzida área defronte. O seu panhia inglesa encorajou a venda do ópio, que Warren Hast­
acesso era vedado às mulheres; ainda em 1830, o vice-rei ings transformaria em monopólio na índia.
ameaçou fechar os escritórios se as senhoras inglesas de Ma­ Era na China que a Companhia tinha mais residentes;
cau continuassem a vir visitá-los." A feitoria inglesa, diz no entanto não se decidiu, senão, bem mais tarde, a enviar
ainda Pratt, era a mais imponente e a mais luxuosa de todas: uma missão diplomática· a Pequim. A primeira partiu em
e a Companhia inglesa era reputada por sua vida faustosa e 1787, porém seu chefe, o Coronel Cathcart, morreu a cami­
sua hospitalidade principesca. O grande portal abria-se num nho. Alguns anos mais tarde Lorde Macartney, que levava
corredor calçado, que levava a um "vasto patamar"; no alto cr�denciai.c; do Rei George III, teve melhor sorte: atingiu Pe­
dos degraus havia uma varanda que dava acesso a uma biblio­ quim.Tratava-se, em verdade, de uma missão diplomática pou­
teca onde os convidados se reuniam, enquanto esperavam o co comum, que requerera longos preparativos e que compre­
jantar. Ao se abrirem os batentes da porta, os convidados - '!ndia um pessoal numeroso; deslocou-se com grande pompa
de ordinário uns 30 - passavam a uma magnífica sala-de-es­ até Pequim, precedida de uma bandeira onde se lia em chi­
tar que os lustres de cristal facetado e os candelabros de nês: "Embaixador trazendo tributo do país da Inglaterra."
prata maciça dispostos sóbre a mesa faziam cintilar em mil Diante do imperador, todavia, Lorde Macartney recuperou
clarões. Com toda a pompa e a etiquêta do século XVIII, toda sua dignidade; recusou prosternar-se, consentindo tão­
servia-se um jantar na melhor tradição inglesa. somente em pôr um joelho por terra para apresentar suas
Dentro do seu edifício, os ingleses eram reis, mas fora credenciais. Kien-Long demonstrou uma grande bondade para
com o embaixador, porém permaneceu surdo no capítulo da di­
dêle encontravam-se na China. O regulamento encarregava­
plomacia e do comércio.
se de fazer-lhes lembrar: proibição de usar cadeirinhas, proi­
A missão de Lorde Amherst não teve sequer direito às
bição de ir a jardim público sem estar acompanhado de um benevolências do soberano. O imperador esperou energica­
guarda, proibição de penetrar na cidade; finalmente, todas as mente a prosternação do embaixador, e o embaixador, não
reclamações, requerimentos e comunicações deveriam passar menos energicamente, recusou prosternar-se. A Grã-Bretanha
pelo Co-Hong. não ganhou uma polegada de terreno na China, até que,
O prodigioso desenvolvimento da Companhia inglêsa na fortalecida com a conquista da lndia, resolveu usar d e vio­
lndia permitiu-lhe, no correr do século XVIII, abocanhar a lência.
parte do leão no comércio chinês. Os ingleses compravam chá,
sobretudo o chá-·preto, que o Co-Hong mandava buscar na II
provinda de Fuquiã ...\Não há uma só folha de chá ·preto que
Antênio Galvano, governador de Malaca, menciona que
6. Associação de mercadores chineses de cantão, de uma dúzia de membros, em 1541 os portugueses Antônio de Moto, Francisco Zimoro
que recebera (E:m 1745), do governo chinês, o monopólio do comércio ocm
o estrangeiro. (N. do T.)
e Antônio Perrota ch�garam ao Japão.

84· 85
O J apão encontrava-se, então, em plena crise feudal:
alimentada pelas rendas da Coroa, não podia deixar de con­
os ·grandes príncipes do Oeste, dirigidos pelo dáimio de Sat­ fundir-se com a obra comercial e política.
suma, haviam conquistado sua independência e rejeitado a As facilidades dadas aos missionários cristãos por No­
autoridade do Micado e do Xógum. O xogunato ainda não bunaga teriam conseqüências desastrosas, não fora a sabedo­
era o poderoso órgão de centralização que dele faria, em ria e a precaução do general que o sucedeu. Hideioshi era
começos do século XVII. a família Takugawa. Na completa não propriamente um grande chefe militar, mas também um
anarquia feudal que assolava o país em 1600, viu-se sur�ir, político prudente e um organizador genial, artesão incansá­
não obstante, uma figura genial, a de Oda Nobunaga ( 1534- vel da grandeza de seu país. No princípio estava tão dese­
1582) que conseguiu bater os todo-poderosos dáim; ,.-.: ..:: exer­ joso quanto Nobunaga de manter relações amistosas com os
ceu o poder supremo. portugueses e seus missionários. porém certos fatos o puse­
Foi durante esse período conturbado da história do Ja­ ram de sobreaviso. Observou os canhões que os portugueses
pão que os portugueses desembarcaram. A novidade. a efi­ haviam instalado para proteger a missão; ao S\tbir a bordo
cácia de seus métodos de guerra seduziram os japoneses; os de um navio para visitar o Padre Coelho, consfato.u- que esse
dáimios compreenderam rapidamente a grande vantagem que pequeno barco carregava armamento pesado. Soube do in­
poderiam tirar dos barcos pesadamente armados e dos arca­ teresse dos dáimios do Oeste pelas armas e pelo equipamen­
buses dos portugueses; os do Oeste, que lutavam por sua to dos portugueses; finalmente, ao ter conhecimento de que
independência, saudaram a chegada dos intrusos; e um de­ eles tentavam ganhar os estrangeiros para sua causa 9ão
les, em 1551. fez partir um emissário com Francisco Xavier, hesitou mais e, em 1587, as missões cristãs era·m proibi­
esperando, como muitos senhores feudais da costa, que os por­ em todo o território japonês.
tugueses os ajudassem a aumentar seu poderio. Entrementes, os e,spanhóis haviam-se estabelecido soli­
Felizmente para o Japão, os portugueses, àquela época, damente nas Filip!nas e conquistado as principais ilhas. Ora.
já haviam perdido toda a influência política, m�smo nas re­ os japoneses mantinham de longa data relações comerciais
giões costeiras; nos tempos de Albuquerque, teriam pelo me­ com as Filipinas. Hideioshi, portanto. _gostaria bastante de en­
nos agravado a situação interna do Japão e ocupado algumas tabular negociações com os espanhóis, porém um incidente o
pequenas ilhas. Mas, com os "sessenta anos de cativeiro" impediu de fazê-lo. O comandante de um galeão espanhol
consecutivos à União das Coroas, Portugal tinha imensa di­
que fó.ra lançado -às coistas· jé;lponesas atirou à face do dái­
ficuldade em manter sua soberania nos próprios lugares onde
mio, que salvara sua embarcação e reclamava a carga, o po­
havia 50 anos ela se encontrava solidamente estabelecida; não
iria a Holanda, num futuro próximo, arrebatar-lhe suas prin­ derio de Espanha e os feitos dos Cdnquistadores. Hiedioshi,
cipais possessões? Finalmente, sob a autoridade de Nobuna­ já informado das proezas dos portugueses no Oriente. deu
ga, o Japão reencontrou uma unidade que os próprios prínci­ ordem para prender todos os espanhóis e mandou crucificá­
pes rebeldes pouco a pouco perderam a esperança de rom­ los em Nagasaki como espiões.
per. O único perigo vinha dos missionários cristãos; basta-nos lyeiasu Tokugawa sucedeu a Hidefoshi 7 em 1600. Três
dizer, por enquanto ( já que abordaremos o assunto mais tar­ anos depois o título de Shetai Xógum, ou Grande General
de, em separado), da estreita ligação dos capitães portugue­ d.a Submissão dos Bárbaros. Os Tokugawa, que oGuparam o
ses com os missionários e precisar que ela era inevitável, pois xogunato durante 265 anos, exerceram uma autoridad� de fato
a Coroa de Portugal estava historicamente vinculada à evan­ sobre todo o Império japonês, salvaguardando ao mesmo tem­
gelização do Oriente, em virtude do jus patronatus; os mis­ po a forma e a dignidade do título imperial. O Xógum, que
sionários trabalhavam pela grandeza e pela glória de Portu­
gal: não era São Francisco Xavier legado do Papa e ins­ 7. Talko Hldeloshl foi assassinado em 1598. Seu filho. Hldeloshl, �enta
petor das missões reais? A obra missionária, obra nacional. assumir o poder, mas é vencido por Iyelasu, fundador do xogunato dos
Tokugawa. (N. do T.)

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possuía o poder real, devia no entanto prestar contas de sua�, os recém-convertidos do Japão ( como também de outros paí­
ações ao imperador, informá-lo dos problemas de importân­ ses) haviam mostrado que suas simpatias se dirigiam aos seus
cia nacional e obter sua sanção para as medidas graves .O po­ mentores estrangeiros. A revolta cristã de Shembarc;, ell}
der militai, todavia, era detido por ele com exclusividade; os 1637, revelou ao xógum a extenão desse perigo. Foi neces­
dáimios deviam prestar-lhe juramento de obediência; os que sário todo um exército, uma longa e custosa campanha para
haviam combatido lyeiasu. chamados tozama ou senhores de vencer os rebeldes, que, segundo se dizia, eram apoiados pelos
fora, tiveram autorização para retirar-se para suas terras, mas portugueses. Finalmente, o xógum não ignorava as conquis­
não se lhes admitiu a mínima participação no governo. tas portuguesas, holandesas, espanholas ou inglesas no Pa­
O xogunato dos Tokugawa estabelecera, assim, a auto­ cifico -- particularmente nas Filipinas, nas Molucas e em
ridade central e instaurara uma espécie de ditadura que de­ Java ,.;..,, e tanto bastava para convencê-lo de que cumpria agir
veria durar mais de dois séculos e meio . Mas a estrutura duramente com todos esses intrusos e sobretudo nâo lhes dar
feudal do regime, a insubmissão dos senhores de fora, o po­ oportunidade de se estabelecerem solidamente em território
derio de certos grandes senhores feudais do Oeste, como os japonês. Em 1615 enviou um espião às regiões do sul para
dáimios de Satsuma, faziam ainda do Japão -uma presa fácil informar-se das atividades européias. Não teve por que se
para os �gitadores estrangeiros. Os senhores de fora, como arrepender de sua desconfiart�a. quando, em 1622, soube que
Choshu, que possuía 13 das 65 províncias do Japão, e o os espanhóis haviam estudado um plano de invasão do Japão.
príncipe de Satsuma que reinava sobre tôda uma província da Em começos do século XVIi. a Espanha reforçara sua po­
ilha Kio-Sio, em se coligando. poderiam pôr em xeque.- a sição nas Filipinas e lá concentrara importantes forças navais.
autor i dade dos Tokugawa. O xogunato, sempre pronto a Todavia as demais nações européias já haviam dividido entre
descobrir as ameaças contra sua própria existência, deu-se si a quase totalidade do Pacífico. Apenas em um local -
conta do perigo que representaria uma aliança desses príncipes o Japão - a Espanha não ia de encontro às pretensões de
com estrangeiros todo-poderosos no mar. Tomou assim a úni­ Portugai é à distribuição papal do Universo, que seus inte­
ca decisão possível: proibiu qualquer contato com o estran­ resses mais evidentes aconselhavam respeitar. Diante disso,
geiro, salvo sob contróle oficial . Essa política isolacionista preparavà-se êõín a maior naturalidade do mundo para con­
imposta pelo xogunato a partir de 1637 encontra portanto .qui�Uir o· Japão. A reação do xógum foi imediata e brutal.
justificativa tanto no plano dos negócios interiores como no Tódós os espanhóis foram expulsos sem demora, e o� japo­
plano dos negócios exteriores. Internamente, impedia que os neses convertidos ao Cristianismo eliminados. Poucos anos
grandes senhores feudais sempre prontos a levantar a ca­ mais tarde, o Japão encontrava-se fechado às nações européias.
beça, se aliassem com as potências estrangeiras ou simples­ É interessante comparar o xogunato com duas institui­
mente que obtivessem delas armas modernas. Externamente, ções que nasceram em circunstâncias mais ou menos simila­
suprimia qualquer relação direta entre o povo japonês e os res, a saber: o sistema do Peishva do império marata e a
estrangeiros, pois estes só entravam em contato, para as pou­ administração Rana do Nepal. O Peishva, como o xógum,
cas relações necessár'ias. com os representantes oficiais do detinha o poder real. porém oficialmente era tão-somente de­
xógum e ainda assim num porto predeterminado. legado do soberano Satara; como no xógum, seu cargo era
O xógum tinha motivos de sobra para agir de tal modo. por igual hereditário. Os peishvas tomaram o poder como
lyeiasu Tokugawa não desconhecia os métodos de conquista promotores de uma política de expansão que punha os mon­
de Portugal e Espanha; Jacques Spex lhos explicara todos: góis diretamente em perigo e se, ao contrário do xógum, seu
Henri Brower apresentara-lhe, em 1612, uma longa exposição poder era civil e não militar, foi não obstante sua política de
sobre o assunto. Quanto ao segundo Tokugawa ( Hidetada), expansão militar que lhe permitiu conservá-lo. A principal
as nações· européias vieram todas, alternadamente, denunciar­ fraqueza dos xóguns, como dos peishvas, decorreu da opo­
lhe as pretensões de conquista dos seus rivais. Por outro lado, sição dos grandes senhores feudais; apoiados pelos chefes

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militares do norte. cbmo Holkar, Puar e Scindia, o peishva Em verdade, o édito de exclusão não levava a uma rup­
checava-se continuamente à hostil'dade de Gaekwad, que pre­ tura total com o Ocidente. lyeiasu permitira que o� holan­
tendia defender os interesses do soberano de Satara. Em deses instalassem um entreposto em Hirado ( 1611) e o dáimio
suma: o império matara ruiu no dia em que os peishvas foram da província obtinha grandes lucros 8. HaVia, igualmente.
incapazes de impedir seus vassalos Gaekwad e Scindia de um estabelecimento português em Nagasaki. Em 1613 os in­
intrigar com os estrangeiros e preparar, assim. a ruína do gleses entraram no jogo. O Capitão Saris chegou em seu
país. O império do Sol-Levante resistia justamente porque navio, o Clove, e apresentou ao xógum uma carta de Jac­
os xóguns, durante 200. anos. souberam impor respeito aos ques I. Foi recebido cordialmente e autorizado a fundar uma
seus poderosos vassalos. feitoria. A ·concorrência entre essas diversas feitorias era pro­
Em dias -mais recentes a família Rana desempenhou idên­ veitosa para os japoneses. que exigiam canhões em troca de
tico p:1pcl no Negai. Em 1848. após eliminar seus rjvais, Jun­ suas mercadorias, de tal modo que os holandeses e os ingle­
ga Bahadur Rana • tornou-se primeiro-ministro e generalíssi­ ses adquiriram o hábito de fabricar seus canhões aí mesmo. em
mo do seu pais. Essas duas funções foram atribuídas here­ Hirado; logo, porém, os representantes do xogunato passa­
ditariamente à sua família, que as assumiu até 1951. O rei ram a exigir canhões fundidos na Inglaterra, pois se ha·.;iam
foi relegado a segundo plano: embora os primeiros-ministros. dado conta, como o indica Richard Cociks em seu Diário, que
oficialmente, fossem apenas delegados do poder real, eram, de a quaJ,dade dos canhões made in England era bastante supe­
fato. os senhores absolutos.. Seu poder repousava, tal como rior. Os holandeses, que se haviam revelado úteis em suas
no xogunato, essencialmente no exército, cujos postos chaves relações, gozavam de medidas de favor, quando do édito de
havial]l sido confiados ·pelos Ranas ,....., que eram os seus gran­ exclusão. Tiveram, no entanto, de abandonar Hirado e trans­
des senhores - a membros de sua família. Também à se­ ferir sua feitoria para o ilhéu de Deshima, perto de Nagasaki;
melhança dos xóguns, impuseram uma política isolacionista. mercadores e marinheiros não tinham autorização para perma­
só autorizando, até 1911, raros estrangeiros a visitarem o necer ali mais de um ano; uma vez por ano deviam ir a ledo 11
país, ou melhor, apenas a capital. Quando, porém, sob a apresentar-se ante o xógum como humildes solicitantes;
pressão das circunstâncias, se viram obrigados a abrir o reino· era-lhes proibido trazer suas esposas e mulheres européias, e
aos estrangeiros, não puderam impedir uma restauração do só podiam manter relações com prostitutas. Embora quase ja­
poder rr ;i. l. mais estivessem em contato com a população japonesa, os ho­
No Japão, após a exclusão dos europeus, o govêrno do landeses não eram estimados. Takekoshi. histor'ador japonês
contemporâneo, observa que "a despeito das medidas de favor
">:ógum ou Bakufu, que se apoiava na nobreza militar, difun­
adotadas pelo xogunato para com os comerciantes holandeses.
diu sistematicamente no seio desta uma verdadeira filosofia os japoneses não mantinham boas relações com eles".
da existência: encontramo-la exposta no Legado de lyeiasu. Através de Deshima, porta japonesa para o Ocidente, um
o fundador do xogunató Togukawa. É uma teoria da gran­ grupo de sábios, o Rangashuka, pôde permanecer em conta­
deza nacional fundada na disciplina e na aceitação de uma to com a ciência oc:dental; veremos, ulteriormente, a influên­
vida dura, que preconiza uma organização militar do país e cia que teve esse grupo na recuperação japonesa. Basta assi-
que coloca cerno valores supremos a segurança do império e,
naturalmente. a fidelidade aq xogunato. Um governo central
8. Desde 1594 os holandeses haviam lançado vê.rias expedlções comerclals
extremamente poderoso, uma engenhosa máquina administra­ para o Japão. l!:ste, porém, só velo a ter clêncla de que exlstla um povo
tiva. bem como· uma burocracia dirigida por um Conselho d� holandês no dla em que a Lie/d.e (um dos barcos da quarta expedição)
naufragou na costa japonesa. Iyelasu recolheu os sobreviventes e tratou-os
Anciãos eram os principais elementos do sistema. Foi a ins­ com a cortesia. de rigor. Em 1609 o rel do. Holanda despachou um emlssà­
rio para agradecer ao xógum suas g:mtlleza.s. Este, em troca, autortzou-os
tituição do xogunato que, após restabelecer a paz interna per­ a comerciar.
mitiu ao Japão enfrentar sem receio o mundo exterior. 9. Antigo nome de Tóquio, usa.do até 1868. (?;. do T.)

90 9i
nalar aqui que ·os japoneses, desde o início, haviam manifes­ quase heróica, aprendiam o holandês, familiarizando-se ao
tado singular interesse pelos assuntos militares, em parti­ mesmo tempo com os progressos da ciência ocidental. _Foi em
cular pela artilharia. Em 1615, Jacques Spex fundiu um ca­ Deshima que se preparou o prodigioso movimento que re­
nhão de 600 libras inglesas ( aproximadamente 260 quilos) novaria o Japão, nos 50 anos que se seguiram à chegada de
e três anos mais tarde os japoneses pediram que lhes ensi­ Comodoro Perry 10•
nasse os processos de fabricação; por maior desejo que ti�
vesse de servir-lhes. foi de logo impedido pela ausência de
especialistas; depois, no entanto, conseguiu encontrá-los, pois,
como sabemos por outra fonte, o dáimio de Hirado mandou
fundir em sua presença uni grande número de peças de arti­
lharia. Em 1638 o xógum enviou uma comissão especial para
estudar e experimentar uma partida de canhões que lhe ha­
viam sido oferecidos pela Companhia holandesa. Os holan­
deses viam com maus olhos o entusiasmo do xógum e de seus
oficiais pelos canhões e morteiros. François Caron, seu chefe.
a_nunciou que daí em diante os canhões não mais seriam fun­
didos no Japão. Antonizoon Overwater, seu sucessor, foi
ainda mais franco: falando a seus diretores de um pedido
japonês relacionado com o envio de um fundidor de pe<.iaS
de artilharia, afirmava prudentemente: "Pode-se indagãr sé
não seria mais inteligente não iniciar êste povo orgulhoso e
altivo na arte da fundição do canhão; mas hoje em dia já é
tarde demais; o jeito é nos conformarmos." Um fundidor de
artilharia veio, afinal, passar seis meses em ledo ( 1650). Esse
interesse pela artilharia, mais ou menos acentuado segundo as
épocas, permitiu ao Japão, mesmo durante o fechamento de
seus portos, jamais perder de vist5,�o� progressos da ciência
militar ocidental e, daí, conhecer sti1:ls fraquezas e o próprio
atraso em relação aos países da Europa.
O Japão permaneceu fechado ao Ocidente até o dia do
ano de 1853 em que as "naus negras" do Comodoro Perry
chegaram à vista das costas japonesas. Já desde o início do
século XIX o xógum tinha dificuldade em im pedir que se mul­
tiplicassem os contatos com o mundo exterio.ç_. Os russos já
haviam atingido o Pacífico e exploravam os m'ares do Norte.
Os ingleses, a partir de sua instalação na índi-à. manifesta­
vam uma impaciência crescente, e seus navios sempre encon­
travam algum pretexto para forçar a costa japonesa. As
autoridades japonesas estavam perfeitamente informadas das 10. Seria difícil falar de um desenvolvimento do comércio holandês em Des--·
hlma. Em 1700 apenas cinco navios !oram autortzados a entrar no porto-.
atividades européias, pelos mercadores de Deshima; alguns ja­ Em 1715 encontravam-se aí apenas dois. Sob Kansu (1789-1790) éste número
foi reduzido a um por ano; depois disso o porto de NagJl.S,aki deixou de
poneses, com uma estranha perseverança e uma paciência ver durante vários anos os barcos dos "ruivos" (V. Kuno, pp. 93-94).

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