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A NECESSIDADE DE ACEITAÇÃO DO USO DO NOME SOCIAL PARA PESSOAS

TRANSEXUAIS1

Anna Carolina Duarte Saraiva


Lorrainy Maria Silva

Resumo
O presente artigo visa o estudo acerca da legislação, de artigos, jurisprudência e demais
materiais que possam levar ao entendimento sobre o nome social e seu uso para pessoas
transgênero e travestis. A necessidade de se entender sobre o instituto “nome social” e de se
demonstrar que o transgênero e a travesti são vistos como grupos marginalizados se faz
substancial, ainda, para que se fundamente de maneira sólida o presente artigo. Para tanto,
serão analisados decretos e resoluções que buscaram diminuir o preconceito e elevar o nome
social a um patamar que passa a ter como objetivo maior a aceitação dos grupos sociais de
transgêneros e travestis, para sua melhor aceitação e para uma convivência harmoniosa entre
estes e a sociedade em geral.

Palavras-Chave: Nome social. Preconceito. Transgênero. Travestis. Aceitação.

Introdução

O presente artigo, cuja temática tratada é “Nome Social”, intitulada como “A


necessidade de aceitação do uso do nome social para pessoas trans” encontra fundamental
relevância, principalmente diante do alto nível de violência para com as minorias, em
especial, aos grupos enquadrados como LGBTQIA+, que diariamente sofrem com o
preconceito cuja única motivação é o fato de não possuírem uma maneira de levar a vida
que condiz com a da maioria da sociedade. Em suma, são marginalizados por levarem sua
vida como bem entendem e como de fato são felizes.
Diante disto, bem como da necessidade de intervenção do Direito nesta área tão
delicada, é que se tem a motivação e a demonstração da relevância do tema em destaque,
com o objetivo de se analisar acerca da legislação existente e de demonstrar a necessidade
de que a sociedade aceite da melhor maneira possível o uso do nome social para pessoas
trans, tendo em vista o acolhimento necessário para que a pessoa transgênero se sinta be m
com a identidade de gênero que se identifica. O trabalho se dará a partir da análise de

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Trabalho de Curso apresentado a Faculdade UNA de Catalão, como requisito parcial para a integralização do
Curso de Direito, sob orientação do professor Marcos de Oliveira Gonçalves Toledo.
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artigos científicos da internet, do uso da doutrina, análise jurisprudencial e de todo o


material documental que corroborar e agregar para o entendimento acerca do assunto.
Num primeiro momento, surge a necessidade de entendimento sobre “nome social”,
que, em definição, se trata do nome que pessoas transgênero e travestis preferem ser
chamados(as), cuja proteção seja a mesma do nome de registro, conforme assegura o
Decreto 8.727/2016 (BRASIL, 2016).
No Brasil, o primeiro diploma normativo registrado com vistas à regulação e à
utilização do nome social foi editado pela Secretaria de Estado e de Educação do Estado do
Pará que, por meio da Portaria n.º 16/2008-GS, que estabeleceu que a partir de 2 de janeiro
de 2009, todas as Unidades Escolares da Rede Pública Estadual do Pará passariam a
registrar, no ato da matrícula dos alunos, o prenome social de travestis e transexuais.
Com relação ao conceito de transexualidade, serão debatidos acerca de dois conceitos
estabelecidos pelos Princípios de Yogyakarta, documento internacional que estabelece os
princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos, que se dão em
relação à orientação sexual e identidade de gênero.
Ademais, será tratado sobre a legislação vigente, bem como sobre a legislação em
geral, que possui como temática o nome social, a partir da análise da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, do Decreto n.º 1.675 de 21 de maio de 2009, da
Portaria n.º 210 de 2012, e do Decreto n.º 8.727 de 2016.
Ao final, será demonstrado sobre o processo legal de alteração do nome, nas mais
diversas modalidades, bem como sobre a possibilidade de alteração do nome e do gênero na
Certidão de Nascimento da pessoa transgênero. Tal fato, se tratando de enorme avanço para
que o convívio social deste grupo, ainda muito marginalidade, se dê da melhor e mais
harmoniosa forma possível.

1. Nome social: Percepções

Em geral, nome social se trata do nome que pessoas transgêneros e travestis


preferem ser chamadas, possuindo a mesma proteção concedida ao nome de registro,
conforme assegura o Decreto 8.727/16 (CANÇADO, 2006).
O nome é uma característica substancial na vida do ser humano, pois, afinal, é o
elemento que primeiro nos diferencia e identifica. É pelo nome que o cidadão, de modo
geral, se apresenta, é como ele é chamado ou referido e que consta em todos os seus
documentos pessoais (CANÇADO, 2006).
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Neste diapasão, importante dizer que, ainda, trata-se de um direito e um dever ao


mesmo tempo. Afinal, o nome é, também, de interesse coletivo e social. Pessoas que
cometem crimes, por exemplo, serão procuradas e processadas por seu nome (CANÇADO,
2006).
O nome, conforme disposição do Código Civil Brasileiro, é o conjunto de prenome e
sobrenome. Com toda a importância que carrega, o nome goza de grande proteção
legislativa. Ninguém pode se utilizar do nome de outra pessoa sem sua autorização.
Ademais, como um direito da personalidade, o nome é irrenunciável, intransferível,
indisponível, imprescritível e despido de valor patrimonial (CANÇADO, 2006).
Entretanto, alguns indivíduos não gostam de seu nome de registro ou, mais do que
não gostar, não se identificam com o nome que lhes fora atribuído. Tal fato implicando em
grande problema na vida destas pessoas, já que, sendo uma característica tão importante e
reforçada no cotidiano, fica difícil ignorar o próprio nome.
Alguém pode simplesmente não gostar do próprio nome por ser, por exemplo, de
difícil pronúncia, ou excessivamente criativo. Em outros casos, o nome em si pode traz er
algum constrangimento ou não guardar semelhança com os demais elementos da
personalidade daquela pessoa. Um exemplo é quando um nome usualmente utilizado para
homens tenha sido dado a uma mulher (CANÇADO, 2006).
A anteriormente citada não identificação pessoal com o nome, por qualquer motivo
que seja, normalmente gera grande prejuízo para a autoestima e para a vida da pessoa em
sociedade, já que a legislação estabelece que, em princípio, o nome é imutável. É como
dispõe o art. 58, da Lei de Registros Públicos – Lei n.º 6.015 de 1973:

O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por


apelidos públicos notórios.
Parágrafo único. A substituição do prenome será ainda admitida em razão
de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração
de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o
Ministério Público.

Ou seja, conforme disposto no artigo mencionado, o nome não poderá ser alterado,
sendo admitido apenas que, em caso de conhecimento público, se use algum apelido,
entretanto nada se refere com relação à modificação do mesmo. Admitindo, entretanto, que
se substitua o prenome em caso de colaboração para com a investigação de crime em
apuração, ou, ainda, como forma de “proteção à testemunha”.
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Visando a resolução deste problema de forma mais simples, quem têm problemas
com relação ao próprio nome acaba adotando um nome social, que nada mais é do que o
nome que prefere ser chamado(a) no cotidiano (CANÇADO, 2006).
A sociedade sempre aceitou que as pessoas se valham de nomes sociais, espécies de
apelidos ou pseudônimos, utilizados em substituição ao nome de registro, sem a necessidade
de efetiva alteração do nome registral. Inclusive, os nomes sociais gozam da mesma
proteção concedida ao nome de registro (desde que, é claro, utilizados para atividades
lícitas). A verdade é que, infelizmente, apenas se mostram problemáticos no caso de pessoas
transexuais (CANÇADO, 2006).
Para corroborar com o que foi dito no parágrafo anterior, basta que se observe o
seguinte: inexiste questionamento com relação ao nome de artistas, como, por exemplo,
Anitta, Fernanda Montenegro, Chay Suede, Cazuza, Tony Ramos ou Silvio Santos. Todos
estes nomes são sociais, utilizados em substituição, respectivamente, a Larissa, Arlete
Pinheiro, Roobertchay Domingues, Agenor de Miranda, Antonio de Carvalho e Senor
Abravanel (CANÇADO, 2006).
Assim, resta evidente que é respeitado, sem questionamentos, os nomes sociais
utilizados por pessoas cis gêneros – quem se identifica com o gênero que lhes foi atribuído
ao nascimento), mas continuam relutantes em respeitá-los no caso das pessoas transgênero,
por puro preconceito, evidenciando ainda mais as dificuldades que estas pessoas enfrentam.
No caso de pessoas transgêneros, a questão é mais complicada, pois a relutância da
sociedade em aceitar o nome social pode expor ao ridículo e até mesmo ao perigo, já que
vivemos no país que mais mata pessoas trans no mundo, segundo a ONG Transgender
Europe (TGEU, 2022).
Em 2022, o país ainda carrega a marca de ser o país que mais mata pessoas trans.
São 13 anos seguidos ocupando o posto de primeiro colocado no ranking mundial. O Dossiê
Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras registrou número
elevado de mortes de transgêneros em 2021 (BARREIROS, 2022).
Segundo o relatório, 140 pessoas transgênero foram assassinadas no país em 2021,
número composto pelas mortes de 135 travestis e mulheres transexuais e cinco homens trans
e pessoas trans masculinas. Comparando os dados com o ano de 2020, houve diminuição
nos casos narrados, pois neste ano foram registrados 175 assassinatos de pessoas trans.
Ainda assim, o número permanece superior ao de 2019, anterior à pandemia de covid-19,
quando foram mortas 124 pessoas trans (BARREIROS, 2022).
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Podem não ser números extraordinários, ou muito impactantes, entretanto é um


número elevadíssimo se for levado em consideração que suas mortes advém do fato de,
simplesmente, serem pessoas transgênero, ou seja, em 2021 140 pessoas perderam a vida
em nome do preconceito e do ódio, unidos.
O STF possui posicionamento com relação ao tema. Em março de 2018, a Corte
Máxima reconheceu, em uma votação memorável, a importância de retirar a obrigatoriedade
da cirurgia de transgenitalização e a solicitação judicial para a retificação do nome. Desde
então, é possível que pessoas trans procedam à alteração do nome em cartório, bastando a
autoidentificação como transgênero, e sem condicionamento à cirurgia. A tese defendida foi
a seguinte (STF, 2018):

i) O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu


prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo,
para tanto, nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual
poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela
via administrativa;
ii) Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento,
vedada a inclusão do termo “transgênero”;
iii) Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a
origem do ato, vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a
requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial;
iv) Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado
determinar de ofício ou a requerimento do interessado a expedição de
mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos
públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre
a origem dos atos.

Assim, fica evidente o quanto mudou positivamente a vida da pessoa transgênero


que vive no Brasil, proporcionando a facilitação da alteração do nome e visando assegurar-
lhes a dignidade e o respeito no tratamento em sociedade.

1.1. História do fato

Se faz pertinente dissertar sobre a evolução histórica do tema em comento. Em todo


o Brasil, o primeiro diploma normativo registrado a regular a utilização do nome social foi
editado pela Secretaria de Estado e de Educação do Estado do Pará que, por meio da
Portaria n.º 16/2008-GS, estabeleceu, de forma sucinta, que: a partir de 2 de janeiro de
2009, todas as Unidades Escolares da Rede Pública Estadual do Pará passarão a registrar, no
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ato da matrícula dos alunos, o prenome social de travestis e transexuais (CERQUEIRA,


2015).
O Estado do Pará, seguindo uma tendência de vanguarda nacional sobre o tema,
editou posteriormente o Decreto n.º 1.675 de 21 de maio de 2009, dispondo em seu art. 1º
que a Administração Pública Estadual Direta e Indireta, no atendimento de transexuais e
travestis, deverá respeitar seu nome social, independentemente de registro civil.
Após, foi editado o Decreto nº. 726 de 29 de abril de 2013 que instituiu, no âmbito
estadual, o respectivo documento de identificação, que agora é emitido pela Polícia Civil do
Estado, como resultado do programa estadual “Pará sem Homofobia”. A expedição da
carteira foi alvo de estudos por parte do Conselho Estadual de Segurança Pública –
CONSEP, que editou a Resolução n.º 210/2012-CONSEP, com o fim declarado de realizar
“mudança dos valores da sociedade”, impedindo o constrangimento de travestis e
transexuais, além de proporcionar espaço para a superação de desigualdades de gênero
(CERQUEIRA, 2015).
No âmbito federal, o primeiro registro de regulamentação oficial sobre “nome social”
ocorreu somente em 2010, com a edição da Portaria n.º 233 de 23 de maio de 2010, do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Tal regramento garantiu aos servidores públicos federais travestis e transexuais o
direito de se utilizar do nome social (assim entendido como o nome pelo qual o respectivo
servidor é conhecido pelo seu meio social) nas comunicações internas e externas dos órgãos
públicos federais, inclusive para criação de endereço eletrônico funcional, crachás e logins de
informática (CERQUEIRA, 2015).
Surge então o instituto singular do “nome social”, para evitar conflitos internos ao
serviço público federal. Passou-se a autorizar, de forma oficial, que os servidores transexuais
e travestis indicassem a forma pela qual preferiam ser tratados dentro de suas próprias
repartições. Mitigam-se as situações de constrangimento dessa classe de servidores que,
conforme sabido, enfrentam diversos problemas relacionados ao preconceito, dentro de seu
próprio ambiente de trabalho (PRÓCHNO, 2011).
No âmbito da União, o “nome social” só é admitido ao servidor público, não havendo
previsão de tratamento também para com os usuários do serviço público, conforme nome de
sua preferência. Até o ano de 2015, houve enorme proliferação de diplomas normativos que
instituem o “nome social” nos mais diversos entes federativos.
A exemplificar, se tem o Estado do Rio Grande do Sul, que editou o Decreto n.º
49.122, de 17 de maio de 2012, e instituiu a Carteira de “nome social” para travestis e
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transexuais, que servem para tratamento nominal em toda a administração pública estadual
(RIO GRANDE DO SUL, 2012).
O Distrito Federal publicou, em 09/05/2013, o Decreto n.º 34.350, regulamentando o
instituto perante a administração distrital, contudo, no dia seguinte, o Diário Oficial publicou
a revogação do respectivo decreto. (CERQUEIRA, 2015).
Há também legislação instituindo o nome social para travestis e transexuais nos
seguintes entes federativos: Piauí (Lei n.º 5.916 de 2009), Estado de São Paulo (Decreto n.º
55.588/2010), Estado de Pernambuco (Decreto n.º 35.051 de 2010), Estado do Rio de Janeiro
(Decreto n.º 43.065/2011), Estado do Mato Grosso do Sul (Decreto n.º 13.684 de 2013). De
forma setorial, apenas para tratamento perante alguns órgãos públicos, podemos mencionar:
na Bahia, a Portaria n.º 220 de 2009-SEDES; na Paraíba, a Portaria n.º 41 de 2009-GS; no
Município de Manaus, a Portaria n.º 151 de 2010-GS/SEMASDH (CERQUEIRA, 2015).
Ocorre que, com relação aos dispositivos legais citados anteriormente, fora realizado
com o intuito de exemplificar que, por se tratar de tema que, de certa forma, gera polêmica,
fora tardiamente iniciado, tendo como primeiro registro o Decreto do Estado do Pará, que fora
feito em 2008.
O Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, do ano de 2015, passou a prever, em
seu edital, a possibilidade de utilização do nome social para os estudantes travestis e
transexuais que assim desejem (CERQUEIRA, 2015).
Assim, em relação a outros institutos, observa-se que “nome social” é relativamente
novo, entretanto está a se difundir rapidamente entre os diversos entes federativos, bem como
pela própria União, como forma de respeitar as decisões individuais de cada cidadão, bem
como para respeitar a identidade de gênero dos brasileiros.

2. Os transexuais como grupo vulnerável

A presença da pluralidade e da intolerância dentro de um corpo social não é um


fenômeno recente e tem legitimado a criação de tratados referentes a minorias políticas e
religiosas desde o século XVII (SÉGUIN, 2011, p. 15).
Entretanto, o tema retornou com força à agenda internacional no final da década de
quarenta do século passado, em virtude do colapso dos regimes comunistas e, principalmente,
por conta das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial (MORENO, 2009, p.
143).
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Em decorrência destes fatos históricos, ensejou-se no surgimento, agora evidente e


fora das “sombras” da humanidade, de grupos culturais, étnicos, religiosos ou
linguisticamente diversos, no seio das sociedades, que, sendo alvo de discriminação e tendo
os seus direitos e cidadania negados, demandavam uma proteção especial não apenas dos
Estados, mas também da ordem internacional (BAHIA; CANCELIER, 2017, p. 103-104).
Em 1947, a Comissão de Direitos Humanos da ONU criou uma subcomissão voltada
para a prevenção da discriminação e proteção das minorias. Apesar dos esforços, todas as
tentativas da subcomissão de definir o termo minorias foram rejeitadas e, a partir de meados
da década de cinquenta, ela passou a centrar suas atividades na prevenção da discriminação
(MORENO, 2009, p. 143).
O tema minorias voltou a ser abordado em 1966, com a inclusão do art. 27 no Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos. Posteriormente, em 1992, a Assembleia Geral da
ONU aprovou a Declaração Internacional sobre os Direitos de Pessoas Pertencentes a
Minorias Nacionais, ou étnicas, religiosas e Linguísticas, principal documento internacional
sobre a matéria (BAHIA; CANCELIER, 2017, p. 104).
Muito embora as definições de minorias e de grupos vulneráveis tenham sido alvo de
debates e tentativas de delimitação, não há ainda consenso em torno desses dois conceitos.
Isso acontece porque é muito difícil alcançar uma definição única sobre minorias, pois se trata
de questão complexa, delicada, que envolve o fato de lidar com diferenças de variadas
dimensões entre os grupos étnicos (LEVY, 2009, p. 495).
Vale ainda destacar o fato de que a noção de grupos vulneráveis é mais ampla do que a
de minorias, referindo-se a grupos de pessoas, presentes em dada sociedade humana, que
compartilham entre si determinadas características físicas, sociais, econômicas, culturais,
ideológicas ou de identidade pessoal. (ANJOS FILHO, 2010, p. 40).
Neste sentido, denota-se que se trata de classificação genérica, que pode abarcar
diversas coletividades, como mulheres, idosos, crianças, deficientes, indígenas, quilombolas,
entre outras.
Em virtude da existência de sua vulnerabilidade, tais grupos passam a demandar uma
proteção diferenciada por parte do Estado e, embora não precisem ser formados
necessariamente por nacionais vinculados ao país onde se encontrem, para que assim sejam
considerados, não podem ocupar uma posição dominante na sociedade (BAHIA;
CANCELIER, 2017, p. 104).
Embora as minorias, em geral, sejam consideradas grupos vulneráveis, elas
apresentam uma compreensão um pouco mais restrita, exigindo, para a sua configuração, a
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presença de elementos mais específicos. O elemento que diferencia minorias de grupos


vulneráveis é a presença de determinada característica estável que diferencia a minoria do
restante da população.
É o que ocorre em relação à etnia, à religião e à língua, que podem dar origem a
minorias étnicas, religiosas ou linguísticas. Contudo, esse critério sozinho é insuficiente para
definir o que é uma minoria, pois, se assim fosse, qualquer pessoa que apresentasse alguma
singularidade seria considerada minoritária (ANJOS FILHO, 2010, p. 36).
O elemento quantidade, por sua vez, exige que a minoria não corresponda à maioria da
população, pois se presume, nesses casos, a ausência de vulnerabilidade e, consequentemente,
a desnecessidade de proteção especial de grupos numericamente majoritários (ANJOS
FILHO, 2010, p. 37).
Embora diversos sejam os fatores utilizados para se definir e diferenciar “minoria” de
“grupo vulnerável”, alguns autores não se preocupam em diferenciar tais expressões,
acolhendo uma visão mais abrangente de minoria, para o caso. Os melhores critérios para
identificar uma minoria são a sua exclusão social e a ausência de sua participação nas
decisões políticas. Segundo este entendimento, todo grupo cujos membros tenham direitos
limitados ou negados apenas pelo fato de pertencerem a esse grupo, deve ser considerado um
grupo minoritário (LOPES, 2008, p. 21).
Independentemente do acolhimento de uma visão ou de outra, é evidente que a
concretização de um Estado Democrático de Direito passa pela aceitação das diferenças que
marcam os diversos grupos humanos, pelo respeito às peculiaridades de cada um e pela oferta
de igualdade de participação e de oportunidades para todos eles, apesar de suas diferenças
(BAHIA; CANCELIER, 2017, p. 106).
Com relação ao conceito de transexualidade, inicialmente, é importante trazer à baila
dois conceitos estabelecidos pelos Princípios de Yogyakarta, documento internacional que
estabelece os princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em
relação à orientação sexual e identidade de gênero, que se relacionam diretamente com a
matéria (BAHIA; CANCELIER, 2017, p. 106).
De acordo com o documento em destaque, entende-se como orientação sexual a
capacidade de cada pessoa de experimentar uma profunda atração emocional, afetiva ou
sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim
como de ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas.
Já a identidade de gênero, fica definida como se tratando de experiência interna,
individual e profundamente sentida que cada pessoa tem em relação ao gênero, que pode, ou
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não, corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo-se aí o sentimento pessoal do


corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por
meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive o modo de
vestir-se, o modo de falar e maneirismos (BAHIA; CANCELIER, 2017, p. 106-107).
Como resta evidente, orientação sexual e identidade de gênero não se confundem. O
primeiro refere-se ao sentimento que os indivíduos desenvolvem em relação a sua afetividade
e sexualidade e costuma ser enquadrado dentro de um dos três padrões: a homossexualidade,
quando o afeto e a sexualidade se direcionam a pessoas do mesmo gênero; a
heterossexualidade, quando o afeto e a atração recaem sobre indivíduos de gêneros opostos ou
a bissexualidade, quando a orientação afetivo-sexual do indivíduo estende-se a pessoas de
ambos os gêneros.
Já no que tange à identidade de gênero, esta diz respeito à forma como cada um se
relaciona com o gênero que lhe foi atribuído no momento do nascimento. Algumas pessoas se
identificam com essa atribuição e são classificadas como cis gênero, enquanto outras, em
virtude de uma experiência interna, individual, desenvolvem outra expressão de identidade
que as aproximam do gênero oposto, sendo conceituadas como transgênero.
A expressão “trans” seria um termo “guarda-chuva”, utilizado por algumas das
pessoas que se declaram em situações de trânsito identitário de gênero. Refere-se a sujeitos
que vivenciam experiências entre gêneros, em virtude de terem um gênero atribuído na
gestação e/ou nascimento que não corresponde ao gênero a que se identificam (MARANHÃO
FILHO, 2012, p. 91).
Neste diapasão, a transexualidade pode ser considerada como uma experiência
identitária, por meio da qual sujeitos constroem novos sentidos para o masculino e o
feminino, e com isso enfrentam a dor e a angústia de viverem experiências que lhe são
vedadas socialmente, por não se amoldarem ao padrão considerado adequado para o seu sexo
(CASTRO, 2016, p. 2).
Num sentido totalmente inverso da realidade brasileira, hoje altamente plural,
dinâmica e complexa, o que se observa é um retumbante silêncio legislativo, que se esquiva
do seu dever de assegurar mediante leis e políticas públicas específicas, tanto a identidade
quanto os direitos da personalidade deste grupo vulnerável. Como se verá mais adiante,
apenas aspectos pontuais são tratados na legislação, por meio, quase sempre, de decretos e
resoluções, mas nada muito específico com relação à Lei propriamente dita.
Como resultado, se tem a invisibilidade deste grupo social perante o Estado, que não
lhes reconhece direitos básicos, e a ausência de proteção destes cidadãos contra todas as
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formas de preconceito e discriminação a que são submetidos diuturnamente. Diante desta dura
realidade, muitos transgêneros são obrigados a levar uma vida clandestina e impossibilitados,
muitas vezes, de resgatar a sua própria história (BAHIA; CANCELIER, 2017, p. 108).

3. Evolução dos marcos legislativos brasileiros pós Constituição Federal de 1988

Dada a importância e relevância que cercam o tema “nome social”, se torna


importante, dentro da fundamentação, tópico que faça referência à evolução histórica do tema
para demonstração do seu desenvolvimento no Brasil.

3.1. Constituição Federal de 1988

Diante do horizonte constitucional e convencional, o nome social de pessoas


transexuais deve ser respeitado por todos, nos ambientes públicos e privados, em atenção às
categorias jurídicas da identidade de gênero e dos direitos fundamentais à liberdade de
expressão e dignidade da pessoa humana (MPPR, 2022).
A efetivação do direito ao uso do nome social por pessoas com identidade de gênero
diversa do gênero constante no registro civil está intrinsecamente relacionada com a
observância do princípio da dignidade humana, enquanto um dos fundamentos que regem a
República Federativa do Brasil (MPPR, 2022).
Além do amparo constitucional, é certo que o instituto fundamenta-se em previsões
cogentes da Carta Magna, do Direito Internacional, dos Direitos Humanos, bem como de
normas infraconstitucionais, que ressaltam a sua relevância para a construção da identidade da
pessoa trans e para o reconhecimento dos seus direitos conforme a sua personalidade (MPPR,
2022).
A Constituição Federal de 1988, ao elencar entre os objetivos da República Federativa
do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, tendo como pressuposto a
erradicação da marginalização, redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de
todos sem qualquer forma de discriminação, conforme preceito do art. 3º, incisos I, III e IV,
da CF/88, alicerça as suas demais normas no postulado de respeito à pluralidade e
democracia.
Assim, impede qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência de direitos entre
as pessoas de forma injustificada e baseadas nas características humanas, incentivando, por
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outro lado, a promoção de ações, programas e políticas públicas que contribuam para a
superação dessas desigualdades (MPPR, 2022).
Neste sentido, observa-se que os princípios constitucionais, já citados, são os
responsáveis pela tutela e permissão do uso do “nome social”, principalmente como forma de
reduzir a discriminação sofrida por certos grupos sociais.
Os mandamentos constitucionais já citados, bem como os princípios da igualdade, da
não discriminação e da liberdade, em todas as suas dimensões, devem ser interpretados em
conjunto com a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), o Protocolo de São
Salvador (1988), a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e
Formas correlatas de Intolerância, os Princípios de Yogyakarta (YOGYAKARTA, 2006) e
demais documentos internacionais correlatos. Dessa forma, a aplicação das normas passa por
um controle multinível para uma mais adequada tutela de direitos humanos (MPPR, 2022).
Quanto aos Princípios de Yogyakarta, vale mencionar que o princípio 19 faz
referência especificamente ao Direito à Liberdade de Opinião e de Expressão de identidade ou
autonomia pessoal, inclusive quanto à escolha de nome, sendo que, para assegurar o pleno
gozo de tal direito, deverão ser tomadas todas as medidas necessárias, quais sejam, apenas,
obedecer aos requisitos e mandamentos legais, como, por exemplo, ir ao cartório para
manifestar em registro a vontade de que se use um determinado nome para o tratamento
adequado daquele indivíduo (YOGYAKARTA, 2006).
Desta forma, o nome social deve ser observado nos ambientes públicos e privados,
como respeito à identidade de gênero e aos direitos fundamentais à liberdade de expressão e
dignidade da pessoa humana.

3.2. Decreto n.º 1.675 de 21 de maio de 2009

Vale ressaltar que não há lei federal que garanta o uso do nome social aos Transexuais
e Travestis. O Decreto Estadual n.º 1.675/2009 é responsável por determinar aos órgãos da
Administração Direta e Indireta do Estado do Pará o respeito ao nome público de Transexuais
e Travestis (PARÁ, 2019).
O Decreto em comento tem como base a aplicação do art. 3º, inciso IV, da CF/88, que
elencou como um de seus objetivos fundamentais promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, orientação sexual, cor, idade, deficiência e quaisquer outras formas de
discriminação (PARÁ, 2019).
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Levou em conta o fato de que os transexuais e travestis têm o direito de escolher a


identidade sexual que entenderem melhor para a busca de sua felicidade, sem perder de vista
os direitos que são assegurados a todas as pessoas (PARÁ, 2019).
A partir disto, decretou em seu art. 1º que a Administração Pública Estadual Direta e
Indireta, no atendimento de transexuais e travestis, deverá respeitar seu nome social,
independentemente de registro civil (PARÁ, 2019).
Vale destacar que o art. 2º trata o fato de que o nome civil deve ser exigido apenas
para uso interno da instituição, acompanhado do nome social do usuário, o qual será
exteriorizado nos atos e processos administrativos. Ou seja, usa-se o nome civil para o
tratamento de dados internos da instituição, porém, usa-se o nome social para o tratamento
público dado ao indivíduo que o possuir (PARÁ, 2019).
Por fim, o Decreto em comenta aduz, ainda, que nos casos em que o interesse público
exigir, inclusive para salvaguardar direitos de terceiros, será considerado o nome civil da
pessoa travesti ou transexual. Tratado no art. 3º, isto equivale ao que fora anteriormente dito,
pois o nome só será utilizado de forma mais discreta, para o tratamento de dados e de
interesse público com vistas a salvaguardar direitos, inclusive de terceiros (PARÁ, 2019).

3.3. Resolução n.º 210 de 19 de dezembro de 2012 do Estado do Pará

Dentre os vários argumentos inseridos no preâmbulo do documento em questão, um


deles é a necessidade de garantir o exercício dos direitos humanos ao segmento da população
LGBT, embasado em acordos internacionais e os princípios constitucionais, viabilizando,
entre outros, um documento de identificação que impeça o constrangimento de travestis e
transexuais, além de proporcionar mais espaços para superação das desigualdades (PARÁ,
2012).
Pela prévia existência de projeto com o objetivo de implementação, no Estado do Pará,
da carteira de Nome Social para Travestis e Transexuais (Registro de Identificação Social),
pelo Comitê Gestor do Plano Estadual de Segurança Pública de Combate à Homofobia do
CONSEP, é que, também, a Resolução fora redigida (PARÁ, 2012).
Assim, o art. 1º do referido instrumento legal institui a Carteira de Nome Social
(Registro de Identificação Social), adotada para pessoas de gênero travestis e transexuais no
Estado do Pará, para o exercício dos direitos estabelecidos no Decreto Estadual n.º
1.675/2009, anteriormente revisado (PARÁ, 2012).
14

A referida Carteira se fez necessária para o tratamento nominal nos Órgãos e


Entidades do Poder Executivo do Estado do Pará, ou seja, foi uma resolução importante
quando se trata do combate à homofobia e à violência contra travestis e transexuais, fazendo
com que eventuais exposições ao ridículo fossem evitadas contra este grupo de pessoas,
principalmente por se tratar do tratamento dado em repartições públicas.

3.4. Portaria nº 233 de 18 de maio de 2010

A referida portaria, editada e válida para os funcionários do Ministério de Estado do


Planejamento, Orçamento e Gestão, cujo fundamento principal para sua edição também é
constitucional, se dando diante da aplicação do art. 3º, inciso IV, e art. 5º, caput, e inciso XLI,
ambos da CF/88, bem como em consonância com a política de promoção e defesa dos direitos
humanos, versam que resta assegurado aos servidores públicos, no âmbito da Administração
Pública Federal direta, autárquica e fundacional, o uso do nome social adotado por travestis e
transexuais (BRASIL, 2010).
Ficando entendido por nome social aquele pelo qual essas pessoas se identificam e são
identificadas pela sociedade (BRASIL, 2010).
O referido dispositivo, ainda, em seu bojo, traz exposto um rol, no qual ficará
assegurada a utilização do nome social, mediante requerimento da pessoa interessada diante
do cadastro de dados e informações de uso social; comunicações internas de uso social;
endereço de correio eletrônico; identificação funcional de uso interno do órgão (crachá); lista
de ramais do órgão; e nome de usuário em sistemas de informática (BRASIL, 2010).
Com vistas ao combate do preconceito, o dispositivo também aduz que no Sistema
Integrado de Administração de Recursos Humanos – SIAPE, foi implementado campo para a
inscrição do nome social indicado pelo servidor. Ou seja, as facilidades e inclusões, ainda que
poucas, foram de suma importância para, principalmente, a melhoria do ambiente de trabalho
para as pessoas que pertencem ao grupo dos que aderem ao uso de nome social e sofrem
preconceitos por isso.

3.5. Decreto n.º 8.727 de 28 de abril de 2016

Aos vinte e oito dias do mês de abril do ano de dois mil e dezesseis, no Diário Oficial
da União, fora publicado o Decreto n.º 8.727/2016, que autoriza o uso do nome social e o
reconhecimento da identidade de gênero de travestis e transexuais no âmbito da administração
15

pública federal. O decreto foi assinado pela então presidenta Dilma Rousseff, com o intuito de
permitir que as pessoas tenham seu nome social em crachás e formulários, por exemplo
(MPPE, 2016).
Segundo o texto normativo, o nome social configura a designação pela qual a pessoa
se identifica e é socialmente reconhecida. Já a de gênero trata da dimensão da identidade no
que diz respeito à forma como ela se relaciona com as representações de masculinidade e
feminilidade e como isso se traduz em sua prática social, sem relação necessária com o sexo
atribuído ao nascimento (BRASIL, 2016).
Em uma passagem da íntegra do que diz o texto legal se observa que os órgãos e as
entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, em seus atos e
procedimentos, deverão adotar o nome social da pessoa travesti ou transexual, de acordo com
seu requerimento e com o disposto no decreto. Sendo vedado o uso de expressões pejorativas
e discriminatórias para referir-se a pessoas travestis ou transexuais (BRASIL, 2016).
Trata-se de um dispositivo legal que visa legitimar os direitos pessoais inerentes a
todos, inclusive às travestis e aos transexuais, o que não era tão respeitado, tendo em vista a
obrigação do uso do nome civil em crachás e demais procedimentos internos realizados em
seu serviço. Como já dito em partes anteriores do trabalho, o uso do nome social para pessoas
cis gênero não costuma ser contestado, entretanto, por puro preconceito, para travestis e
transexuais, sim.
Ainda de acordo com o texto legal, registros dos sistemas de informação, cadastros,
programas, serviços, fichas, formulários, prontuários e congêneres de órgãos e das entidades
da administração pública federal deverão conter o campo “nome social” em destaque,
acompanhado do nome civil, que será utilizado apenas para fins administrativos internos
(MPPE, 2016).
Vale destacar, ao final, que a partir da publicação do decreto, o nome social já poderia
ser requerido, ainda que houvesse um prazo de seis meses para que os formulários fossem
adequados, e de até um ano para que todos os sistemas informatizados implantassem a
mudança.

4. Alteração do nome

Inicialmente, deve ser lembrado que a principal característica do nome é a


imutabilidade. Entretanto, a regra geral da inalterabilidade do nome é relativa, segundo o
16

aduzido no caput do art. 58, da Lei n.º 6.015/73 e das hipóteses de alteração do nome
(ORTEGA, 2017).
Assim, pode-se inferir que, em princípio, pelo art. 58, da Lei de Registros Públicos,
o prenome era imutável, por ser norma de ordem pública. Porém, se a finalidade do registro
público é espelhar a veracidade dos fatos da vida e entendendo-se que o nome civil é a real
individualização da pessoa humana no seio familiar e na sociedade, é possível, nas hipóteses
previstas em lei, além das hipóteses trazidas pela doutrina e pela jurisprudência, modificar o
prenome (CHAVES; ROSENVALD, p. 173-174, 2007).

4.1. Processo legal

Existem situações que dão ensejo a alteração do prenome, inicialmente se tem sobre
o prenome que exponha seu portador ao ridículo, ao vexame, que cause constrangimento ou
que seja exótico. Neste caso, o julgador deve sentir o drama do indivíduo e compreender
que a lei não possui vontade única, mas várias vontades. E, diante da complexidade da vida,
deverá aplicar a lei na realização do mais justo. O parágrafo único do art. 55, da Lei de
Registros Públicos, dispõe que (BRASIL, 1973):

Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao


ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do
oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer
emolumentos, à decisão do Juiz competente.

A jurisprudência costuma decidir favoravelmente pela alteração do prenome, quando


da exposição ao ridículo. No ano de 1972, permitiu-se a alteração do nome de Kumio
Tanaka para Jorge Tanaka. A pronúncia possibilitada pelo nome ridicularizava o portador,
que era vítima de escárnio e zombaria, situação resolvida com a mudança decidida pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo - RT 443/146 (ORTEGA, 2017).
Outro caso é o prenome que contenha erro gráfico, sendo, aqui, caso de retificação,
não de alteração. Ocorrerá quando da grafia errada do nome. O art. 110, da Lei de Registros
Públicos, aduz que (BRASIL, 2017):

Os erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de


necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de ofício pelo oficial de
registro no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição
assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente
de pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva do Ministério
Público.
17

A partir da lei que editou a primeira Lei de Registros Públicos – Lei n.º 13.484/2017
– a autorização judicial não é mais exigida, fazendo surgir, no âmbito do Registro Civil de
Pessoas Naturais, a possibilidade de retificação extrajudicial de assentos quando ocorrer
erros de grafia e outros erros evidentes resultantes quando da feitura do registro, no próprio
cartório, realizada sem a necessidade de sentença proferida pela autoridade judicial
competente (ORTEGA, 2017).
Outra possibilidade é a da alteração de prenome para incluir apelido público notório
ou nome, sendo esta a permissão legal para acrescentar apelido público notório ou substituir
o prenome por ele, desde que o apelido seja lícito. Um exemplo é o nome do Presidente
Lula, que acrescentou o apelido Lula ao seu nome completo, passando a se chamar Luiz
Inácio Lula da Silva. A possibilidade se dá da leitura do art. 58, da Lei de Registros
Públicos (BRASIL, 1973).
Existem também a possibilidade de alteração do prenome pelo uso prolongado e
constante; por conta da pronúncia, por conta da homonímia (quando existem vários nomes
iguais e o portador deseja alterar o seu por este motivo); existe também a possibilidade da
alteração do prenome por conta da maioridade.
Neste último caso citado, independentemente de justificação, poderá o interessado
alterar seu nome, desde que não prejudique o sobrenome a terceiros, na fluência do primeiro
ano após a maioridade civil (dos 18 aos 19 anos), de acordo com o art. 56, da Lei de
Registros Públicos, que aduz que: “O interessado, no primeiro ano após ter atingido a
maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde
que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela
imprensa” (BRASIL, 1973).
Sendo esta a única hipótese de modificação imotivada, bastando a vontade do titular.
Na ocorrência desta possibilidade, apenas o nome poderá ser alterado, deixando o
sobrenome intacto. Esgotado esse prazo decadencial, a retificação só poderá ser judicial,
devendo ser fundamentada.
Existem, ainda, outras possibilidades de alteração de nome, quais sejam, a alteração
do prenome estrangeiro; alteração do prenome para proteção da vítima ou testemunha; e,
por fim, a alteração de prenome por conta da adoção. Esta última, fundamentando-se na Lei
8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 47, §5º (BRASIL, 1990).

4.2. Alteração de nome e gênero na certidão de nascimento de pessoas transexuais


18

A mudança de nome e gênero nos documentos é possível, atualmente, sem a


necessidade de ação judicial. Qualquer pessoa com mais de 18 anos pode requerer ao
cartório de registro civil de origem a adequação de sua certidão de nascimento ou
casamento à identidade autopercebida (CNJ, 2018).
O provimento CNJ 73/2018 restringe a alteração somente ao prenome e agnome,
como Filho, Sobrinho ou Júnior. Não podem ser alterados os nomes de família, nem o novo
nome pode coincidir com o prenome de outro membro da família (CNJ, 2018).
Se o pedido for feito em cartório diferente daquele em que foi inicialmente
registrado, ele será remetido entre cartórios para averbação pela Central de Informações de
Registro Civil (CRC). Entre outros documentos indispensáveis previstos no Provimento
CNJ 73/2018, estão a certidão de nascimento, cópia do RG; CPF; cópia do título de eleitor e
comprovante de endereço (CNJ, 2018).
Laudos médicos ou psicológicos que atestem a transexualidade podem ser
acrescentados, mas não são obrigatórios. Os valores cobrados no cartório variam de acordo
com o estado. Em Brasília, por exemplo, todas as taxas para retificação somam, em 2022, o
total de R$121,50 (cento e vinte e um reais e cinquenta centavos) e, para receber a nova
certidão, leva, em média, cinco dias, se a documentação estiver completa (CNJ, 2018).
No local que reside o interessado na retificação, é possível obter informações e
isenções de algumas taxas junto da Defensoria Pública do Estado, como, por exemplo, o
valor da certidão de protesto, prevendo que qualquer pendência judicial será transferida para
o novo nome (CNJ, 2018).
Ademais, apesar do Provimento citado, a ação judicial continua sendo necessária
para pessoas com menos de 18 anos, que precisam dos pais ou representantes legais para
entrar com a ação na Justiça pedindo a alteração do nome e gênero na certidão de
nascimento (CNJ, 2018).

Considerações finais

Diante da importância do tema em estudo, se atinge, finalmente, a parte conclusiva


do assunto. Se trata de fator de extrema importância a aceitação da sociedade para com as
pessoas transgênero, em geral, além das travestis, para que estes possam exercer, de fato,
todos os seus direitos e garantias fundamentais sem que sejam expostos à situações
vexatórias quando se encontrarem diante da necessidade do uso de seu próprio nome.
19

O fato do indivíduo não se identificar com o gênero atribuído de maneira biológica,


quando de sua concepção ou nascimento, não o desqualifica ou o diminui diante dos outros
na sociedade, mas sim os dão o direito de viverem plenamente, inclusive no exercício de
seus direitos, sua vida, de maneira geral. Sendo de extrema importância o instituto do nome
social, para que se evitem situações que possam causar transtornos aos transgêneros e às
travestis.
Para que se descreva e se discorra sobre a temática, foi observada uma série de
decretos e resoluções legais que visam a normatividade e o regramento do uso do nome civil
para pessoas trans e travestis, bem como os direitos e garantias fundamentais constantes da
interpretação da Constituição Federal Brasileira de 1988, chegando ao entendimento final
de que a doutrina e a jurisprudência, bem como o ordenamento jurídico em geral, se
encaminha para certa facilitação do uso do nome social para transgêneros e travestis, tal fato
sendo deduzido a partir da interpretação da legislação estudada para o desenvolvimento do
artigo.
Ao final, destaca-se a importância da evolução legislativa e de todo o ordenamento
jurídico com relação ao uso do nome social, que permite que a pessoa trans passe a fazer
uso deste direito sem que seja execrado socialmente, o que, normalmente, não ocorre com
pessoas cis gênero.
Machado de Assis, em sua obra Helena, diz que o medo é um preconceito dos
nervos. E um preconceito desfaz-se; basta a simples reflexão. Diante disto, se tem como
mensagem o fato de que o ódio não leva ninguém a lugar algum. A falta de aceitação para
com pessoas transgênero e travestis é um problema que, para quem odeia, é “pequeno”, mas
para quem sofre com o preconceito, é enorme e bastante problemático. Daí surge a
necessidade de que, pelo menos, se aceite harmoniosamente o uso do nome que aquela
pessoa deseja ter, pelo qual deseja ser reconhecida.

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TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – Volume único. 12ª edição. Ed. Método.
2022.
TERMO DE COMPROMISSO DE ORIGINALIDADE E RESPONSABILIDADE

Nós, Anna Carolina Duarte Saraiva e Lorrainy Maria Silva, alunas do Curso de

Direito, declaramos, para os devidos fins, que o trabalho de curso (TC) que elaboramos e ora

apresentado, com o título “A necessidade de aceitação do uso do nome social para pessoas

transexuais”, encontra-se plenamente em conformidade com os critérios técnicos, acadêmicos

e científicos de ORIGINALIDADE.

Nesse sentido, declaramos, para os devidos fins, que o referido trabalho foi elaborado

com base nas nossas próprias palavras, ideias, opiniões e juízos de valor deste, não havendo

nele, por exemplo, reprodução de ideias e/ou palavras de outra pessoa como se minhas

fossem, ou sem que estejam corretamente indicadas e referenciadas.

Declaramos ainda estarmos conscientes de que caracteriza a ocorrência de PLÁGIO, e,

por conseguinte, acarreta na reprovação deste trabalho: a apresentação de artigo que seja

cópia integral de outro trabalho, do próprio autor ou de terceiros; utilização no artigo de ideias

e palavras de outras pessoas sem a necessária referência a esse autor; e, a utilização das ideias

de outros autores de forma distinta da forma original.

Por fim, declaramos, nos termos do art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal, que as

opiniões contidas nesse trabalho não coincidem, necessariamente, com as da Faculdade UNA

de Catalão.

Catalão (GO), 19 de dezembro de 2022.

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Aluno (a)/Autor Aluno (a)/Autor

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