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RESUMO
Este artigo procura realizar uma análise dos elementos históricos e estéticos que
planeta Terra visto do espaço, e a prisão de Caetano no final de 1968 – esta análise tem
por objetivo compreender como tais fatos contribuíram para a concepção estética desta
música. Para isto, será utilizado como referência o fonograma que faz parte do álbum
(1)
“Muito (Dentro da Estrela Azulada)”, lançado em julho de 1978 pelo próprio
compositor.
Suplente do cosmonauta russo Yuri Gagarin, German Titov teve que amargar a
decepção de não ser o primeiro homem a voar para o espaço e com isso dar aos
soviéticos um passo à frente dos americanos na corrida espacial, pouco antes do ápice
(1)
No site oficial do compositor: http://www.caetanoveloso.com.br/biografia.php
“Terra”, de Caetano Veloso: uma análise estética e histórica.
da Guerra Fria. Ambos igualmente preparados para missão, Gagarin foi escolhido por
ser oriundo da classe proletarizada, fato que vinha de encontro aos ideais comunistas da
antiga União Soviética, enquanto Titov pertencia à classe média russa (2).
No entanto, na missão seguinte Titov foi incumbido, entre outras tarefas, de registrar as
primeiras imagens da Terra azul descrita por Gagarin na primeira expedição. Para isso
carretéis de 300 milímetros utilizados para a filmagem é que saíram as primeiras fotos,
que mostram, conforme a própria descrição dada por Titov ao centro de controle russo,
Caetano na cela da prisão onde o compositor esteve preso por dois meses, entre o fim de
momento no qual viu “pela primeira vez as tais fotografias”, aproximadamente oito
anos depois do feito de Titov, e como toda a circunstância de sua prisão o influenciou
“Eram as primeiras fotos em que se via o globo inteiro – o que provocava forte
situação: preso numa cela mínima, admirava as imagens do planeta inteiro, visto
do amplo espaço. Anos depois, já de volta à Bahia, compus uma canção de que
ainda gosto muito (“Terra”) e cuja letra começa por referir-se a esse momento.
fotografias ‘onde apareces inteira, porém lá não estavas nua e sim coberta de
(2)
WINTER, Otton Cabo e PRADO, Antonio Fernando Bertachini de Almeida. A Conquista do Espaço: do Sputnik à Missão
Centenário. São Paulo, Editora Livraria da Física, 2007. pp. 43-48.
(3)
EFE. Primeiras fotos do planeta Terra completam 50 anos. Disponível em
http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,primeiras-fotos-do-planeta-terra-completam-50-anos,755597,0.htm. 08/08/2011.
“Terra”, de Caetano Veloso: uma análise estética e histórica.
Terra não estava ‘nua’ nas páginas da revista, embora no instante de fazer a
canção eu não me desse conta, me veio à mente sem dúvida por causa das outras
seminuas que me enchiam de desejo e com que sonhava todas as noites.” (4)
é possível notar em toda a concepção da canção elementos que fazem menção à Terra
de forma ambígua, ora como o planeta em que vivemos, outrora como personificação da
sensualidade feminina.
– mais precisamente, um Sol maior. Aliás, esta também a tonalidade da canção, ou seja,
o eixo sobre o qual sua melodia e seus acordes giram, gerando uma inevitável analogia
com o fato de a Terra rodar em torno do Sol. A ausência de outros instrumentos também
cria uma sensação de solidão, também análoga ao sentimento de Caetano durante sua
prisão. Este mesmo violão, tocado de forma dedilhada, traz uma alternância repetida nas
suas notas mais graves (os baixos, caminhando circularmente entre a tônica e a terça
maior), que sugere que Caetano está caminhando em círculos, como se andando dentro
A melodia inicia-se em modo lídio (5) e no registro grave da voz de Caetano, evoluindo
Terra quase nua provoca no compositor/intérprete, este tenta também seduzi-la (Terra
chega ao ápice em “de nuvens”, com a primeira mudança harmônica que surge desde o
transitando entre o modo lídio e o jônio. A letra passa a se dirigir diretamente ao objeto
desejado por Caetano, formando o refrão que se repetirá durante toda a música:
(5)
O modo lídio equivale a uma escala maior (modo jônio) com a alteração de sua quarta nota em meio tom para cima. Na
canção “Terra”, a tonalidade de Sol no modo lídio fica evidente com a presença constante da nota Dó sustenido na melodia da
primeira parte. No restante da canção, ocorre a incidência tanto do Dó sustenido como do Dó natural, este ultimo característico
do modo jônio.
“Terra”, de Caetano Veloso: uma análise estética e histórica.
todos em formato de tríades – que, neste contexto, sugere uma simplicidade de quem
tem poucos elementos à mão naquele momento (“preso na cela de uma cadeia”). Desta
Estas duas partes da canção se repetem algumas vezes. Os únicos elementos novos que
surgem são as letras diferentes para cada primeira parte e os elementos de arranjo que
entram aos poucos, intensificando cada vez mais o jogo de sedução. Na estrofe seguinte,
violão de 12 cordas, inclusive, tem uma sonoridade que transita entre a de um sitar
“acercamento”.
do estado de equilíbrio, ou seja, “um sentido de coerência que a faz ver o mundo de uma
materializando-a em seu estado puro e palpável, oferecendo a sua menina terra “terra à
(6)
Não foi possível localiza a data de nascimento de Dedé até o fechamento deste artigo.
(7)
QUEIROZ, Gregório José Pereira de. AS QUALIDADES PRIMITIVAS NA ASTROLOGIA. São Paulo, Editora
Pensamento, 1989. pp. 24-25.
(8)
Também no site oficial do compositor: http://www.caetanoveloso.com.br/biografia.php
“Terra”, de Caetano Veloso: uma análise estética e histórica.
Nesta parte, Caetano utiliza ainda a astrologia como fio condutor. Nascido em 7 de
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agosto , o compositor é do signo de Leão e regido pelo elemento fogo, que se
caracterizados por excessos e por uma disposição impulsiva (ou compulsiva) de caráter
canção e que, por isso, entra como alicerce harmônico de todos os outros instrumentos -
subentende-se nesta estrofe uma abordagem de cunho ecológico (“que a força mande
coragem / pra gente te dar carinho / durante toda a viagem”). E, pela primeira vez,
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QUEIROZ, Gregório José Pereira de. AS QUALIDADES PRIMITIVAS NA ASTROLOGIA. São Paulo, Editora
Pensamento, 1989. pp. 24.
“Terra”, de Caetano Veloso: uma análise estética e histórica.
Para finalizar, Caetano reverencia seu estado natal. O clima de mistério se intensifica
ainda mais com a entrada de um sitar no arranjo, contrapondo-se com esta última
estrofe. Aparentemente desconexa de todo o contexto da letra, este trecho faz conexão
com o verso “do mar se diz terra à vista”, significando a Bahia como o chão do Brasil, o