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Incêndio em túneis construídos com concreto reforçado com fibas com função
estrutural

Article · April 2020

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6 authors, including:

Ronney Rodrigues Agra Ramoel Serafini


University of São Paulo Universidade São Judas Tadeu
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Dimas Alan Strauss Rambo Marcos Vinicius Martinez Sylverio


University of São Paulo Instituto de Pesquisas Tecnológicas
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The effect of fire on the mechanical properties of fiber reinforced concrete View project

Spalling and thermal behavior of sprayed concrete View project

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u pesquisa e desenvolvimento

Incêndios em túneis construídos


com concreto reforçado com
fibras com função estrutural
RONNEY RODRIGUES AGRA – Engenheiro Civil, Mestrando DIMAS ALAN STRAUSS RAMBO – Engenheiro Civil, Professor-Doutor
RAMOEL SERAFINI – Engenheiro Civil, Doutorando Universidade São Judas Tadeu
MARCOS VINICIUS MARTINEZ SYLVERIO – Engenheiro Civil, Mestrando
ANTONIO FERNANDO BERTO – Engenheiro Civil, Mestre
ANTONIO DOMINGUES DE FIGUEIREDO – Engenheiro Civil, Professor-Doutor
Laboratório de Segurança ao Fogo e a Explosões do Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

RESUMO abordagem próxima àquela adotada no e fib Model Code 2010 – estabelecem

O
concreto reforçado com Brasil através das práticas recomendadas apenas como deve ser realizado o pro-
fibras é utilizado na fabrica- do IBRACON [4] e vêm sendo base dos jeto estrutural do CRF em temperatura
ção de segmentos destina- textos ora em discussão na ABNT sobre ambiente revelam a necessidade de
dos ao revestimento de túneis. Porém, o tema. Nessa abordagem, é fundamen- investigações a respeito do comporta-
os requisitos normativos e pré-normati- tal a parametrização do comportamento mento do CRF em situação de incêndio.
vos nacionais e internacionais não apre- do CRF através do estabelecimento de Embora os estudos focados no efeito
sentam uma abordagem abrangente de equações constitutivas que caracterizem do fogo em túneis sejam escassos na li-
projeto para o CRF em situação de in- a capacidade resistente do compósito até teratura, destaca-se o trabalho realizado
cêndio, o que revela a necessidade de a fratura da matriz, em conjunto com as por Serafini et al. [5], que avaliou o efeito
investigações a respeito do assunto. O resistências residuais pós-fissuração. do fogo nas propriedades mecânicas
objetivo deste artigo é apresentar uma Há diversos exemplos históricos de do concreto reforçado com macrofibras
revisão de estudos sobre os efeitos das acidentes, em vista do reconhecimento sintéticas1 para aplicações tuneleiras.
elevadas temperaturas nas proprieda- tardio de que as estruturas de concre- Os resultados mostram que um intenso
des mecânicas do CRF para túneis. to devem ser verificadas para a condi- gradiente de temperaturas é induzido no
ção de incêndio. Entretanto, requisitos interior do compósito com a elevação
1. INTRODUÇÃO normativos e pré-normativos nacionais da temperatura. Essa verificação, no en-
O uso crescente do concreto refor- e internacionais, bem como códigos- tanto, só é possível por meio de ensaios
çado com fibras (CRF) na construção -modelo, não apresentam abordagem de aquecimento em fornos, com a ação
civil e, em especial, em túneis, se deve adequada e abrangente de projeto para direta de chama, o que permite análises
a razões econômicas e técnicas. Isto o CRF em situação de incêndio, o que reais de simulação de incêndio para a
se consolidou na área de túneis após pode conduzir a soluções ineficientes, avaliação pós-incêndio das estruturas
a publicação do Boletin 83 da fib [1,2], colocando em risco a segurança estru- de CRF. Dessa forma, o presente artigo
que parametrizou sua utilização para tural nessas condições. A escassez de tem como objetivo apresentar uma re-
o revestimento de túneis produzidos base normativa para o modelo de pro- visão do estado da arte dos efeitos das
com anéis segmentados executados jeto em situação de incêndio do CRF e elevadas temperaturas em concretos
com tuneladoras TBM (Tunnel Boring o fato de que as normas e pré-normas reforçados com fibras para túneis cons-
Machines) [3]. Essa publicação possui uma atuais – como é o caso da EN 1992-1-2 truídos com tuneladoras TBM.

1
Macrofibra de polipropileno (Barchip48) de comprimento 48 mm, fator de forma 67 e módulo de elasticidade de 10 GPa.

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2. APLICAÇÕES DO CRF lítico de cálculo e o método viga-mola peratura de exposição e o tempo de
EM TÚNEIS TBM para determinar os esforços, mediante exposição. A principal preocupação
Devido à maior flexibilidade para a análises eficientes por meio de progra- é quanto à sua resistência residual
produção de elementos pré-fabricados, mas de elementos finitos. Os carrega- à tração, que pode ser severamente
o CRF elimina ou diminui consideravel- mentos devem ser analisados de forma prejudicada em temperaturas acima
mente a necessidade de montagem da cuidadosa para alcançar segurança de 300ºC. O concreto reforçado com
armadura convencional, proporcionan- na estabilidade de túneis, inclusive a fibras de aço (CRFA) apresenta me-
do ganhos de produtividade e redução capacidade resistente residual após a nores reduções na resposta pós-pico
do espaço necessário para a fabrica- ocorrência de um potencial incêndio. para temperaturas acima de 400ºC,
ção de segmentos destinados ao re- Nesse sentido, é importante entender enquanto o concreto reforçado com
vestimento de túneis TBM [3]. Esses a influência da temperatura e da ação fibras poliméricas (CRFP) apresenta
segmentos são utilizados para compor do incêndio no CRF, de modo a realizar maiores reduções de resistência à tra-
os anéis que são instalados a cada uma verificação bem fundamentada. ção pós-fissuração e tenacidade em
avanço do equipamento, por meio de razão da degradação das fibras.
atuadores hidráulicos (jacks), que exer- 3. O EFEITO DA TEMPERATURA Por meio da utilização do ensaio
cem forças de empuxo sobre as adue- E DO INCÊNDIO NO CRF preconizado pela EN 14651, Serafini
las do anel anterior. Em geral, o comportamento da et al. [5] avaliaram a resistência resi-
Esses anéis de revestimento têm matriz de concreto do CRF sofre alte- dual à tração na flexão do CRFP sub-
sua adequação estrutural garantida rações com a temperatura de maneira metido ao fogo. Os prismas de CRFP
pela armadura, que pode ser constituí- similar àquelas verificadas para o con- (8 kg/m³ de macrofibras poliméricas2)
da por sistemas convencionais, pelo re- creto simples. Entre as propriedades foram submetidos ao ensaio de fogo
forço exclusivo de fibras ou pelo reforço mecânicas do concreto, a resistência direto, em aquecimento unifacial a tem-
híbrido composto por fibras e barras de à tração apresenta o comportamento peraturas de até 1100ºC por 120 mi-
aço. As aduelas pré-moldadas para o mais sensível à temperatura (Figura 1). nutos, reproduzindo a curva H (hidro-
revestimento de túneis precisam resistir De forma geral, após o resfriamento e carbonetos), o que tornou a simulação
a esforços nas fases transitórias (des- em relação ao concreto aquecido, a
moldagem, empilhamento, transporte, resistência à tração é maior para con-
forças de empuxo e forças de intera- creto com sílica ativa; decresce rapida-
ção com o solo), sendo que a adição mente com a temperatura em concreto
de fibras nessas peças acarreta me- de alto desempenho (principalmente
lhoria da ductilidade dos elementos, para T ≥ 600°C); é pouco afetada pelo
garantindo a segurança durante a ma- tipo de resfriamento (lento e controlado
nipulação das peças [3]. Por meio do no forno ou rápido na água); e é próxi-
correto estudo de dosagem das fibras, ma da resistência a quente em concre-
pode-se evitar o processo de fissura- to de alta resistência com sílica ativa [6].
ção originado por efeito dinâmico de No entanto, esta condição de variação
impactos nas fases anteriores à insta- comportamental está associada à ga-
lação da aduela em obra. rantia de que não haja lascamento ex- Fonte: adaptado de [6]

Dentre as metodologias analíticas plosivo, o que deve ser controlado por


de dimensionamento, a Associação metodologia específica. u Figura 1
Internacional de Túneis e do Espaço O comportamento pós-fissuração Redução da densidade e
resistência à compressão e à
Subterrâneo [2] (em inglês Internacio- do CRF, quando submetido a eleva-
tração do concreto em função
nal Tunneling and Underground Space das temperaturas, varia conforme o da temperatura
Association) apresenta o método ana- tipo e o teor de fibra utilizado, a tem-

2
Macrofibra de polipropileno (Barchip48) de comprimento 48 mm, fator de forma 67 e módulo de elasticidade de 10 GPa.

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mais próxima da realidade de incêndio croestruturais na pasta de cimento e, tivamente com a temperatura (Figura 3).
em túneis. Os resultados demonstram principalmente, na deterioração das fi- O efeito da temperatura na redução da
que o CRFP não apresenta resistência bras. Verificou-se ainda que a densida- resistência mecânica e no módulo de
à tração na flexão significativa após ex- de e o módulo de elasticidade dinâmico elasticidade do CRFP se apresentou de
posição ao fogo (Figura 2), o que está foram reduzidos devido à influência de maneira similar ao que ocorre no concre-
relacionado com a fusão (170ºC) e igni- fissuras no corpo de prova, redução no to convencional.
ção (400-500ºC) das fibras poliméricas volume de sólidos da pasta, mudanças O efeito da temperatura não foi sig-
na região de tração do corpo de prova, físico-químicas na matriz e degradação nificativo até 200ºC, visto que as amos-
especialmente nos primeiros 12 cm a das fibras [5]. tras de CRFP apresentaram valores de
partir da face afetada. Em 600ºC, as reduções em termos resistência residual similares aos da
Os valores de resistência à tração de resistência à compressão e módu- temperatura ambiente. Entretanto, a
da matriz cimentícia reduziram, em mé- lo de elasticidade foram, em média, partir de 400ºC, a resistência à tração
dia, 96,6% em relação à temperatura de 64,9% e 96,6%, respectivamente, pós-fissuração reduziu-se significati-
ambiente, o que está associado com a quando comparados aos valores obti- vamente (em torno de 54%) quando
decomposição dos produtos de hidra- dos na temperatura ambiente. O mode- comparada à temperatura ambiente.
tação da pasta de cimento, redução da lo experimental proposto por Serafini et Os autores citam que o ensaio de Du-
área específica dos hidratos, aumento al. [5] indica que as taxas de redução plo Puncionamento não apresentou
no volume total de poros e mudanças de resistência à compressão do CRFP resposta conclusiva após exposição a
na distribuição de poros na pasta de são 0,32; 0,20; 0,11; 0,07 e 0,07 MPa/min altas temperaturas devido à degrada-
cimento. Já as reduções apresentadas para as distâncias de 3, 6, 9, 12 e 15 ção da superfície da amostra, somada
nos valores de resistência à tração pós- cm da face aquecida diretamente pelo à punção que resulta no esmagamen-
-fissuração no estado limite de serviço fogo, respectivamente. Em relação ao to da matriz deteriorada. Apesar disso,
(ELS) – em torno de 85,3% – e estado módulo de elasticidade, as taxas de re- o gradiente de temperatura no interior
limite último (ELU) – em torno de 94,1% dução são 0,2; 0,15; 0,08; 0,05 e 0,05 das amostras pode ter preservado par-
– estão relacionadas a mudanças mi- GPa/min para as distâncias de 3, 6, 9, te do material (matriz ou fibras) e, con-
12 e 15 cm, respectivamente. Esse mo- sequentemente, parte da resistência
delo consiste em uma abordagem ex- pós-fissuração do compósito.
20
perimental alternativa para a avaliação Após exposição à temperatura de
16
pós-incêndio de estruturas de túneis 600ºC, o valor de densidade de consu-
construídas com CRFP. mo de energia (kJ/m³) para uma defor-
Carga (kN)

12 As propriedades mecânicas do CRFP mação de 0,2% foi, em média, 89,9%

8
exposto a elevadas temperaturas também menor que o valor obtido à temperatura
foram investigadas em estudo conduzido de 25ºC. Também em 600ºC, as redu-
4 por Rambo et al. [7]. O ensaio de Duplo ções em termos de resistência à com-
Puncionamento foi aplicado para avaliar a
4
pressão e módulo de elasticidade foram
0
0 1 2 3 4 resistência à tração residual do compósito estatisticamente semelhantes aos valores
CMOD (mm)
(8 kg/m³ de macrofibras poliméricas5) obtidos no estudo de Serafini et al. [5]. A
Fonte: adaptado de Serafini et al. [5] exposto a temperaturas de até 600ºC perda significativa de resistência residual à
em um forno elétrico industrial (Inforgel compressão a partir de 300ºC está rela-
u Figura 2 Company). Notou-se que a resistência à cionada com a incompatibilidade entre as
Curvas Carga-CMOD3 para o
tração do CRFP reduz-se gradualmen- deformações térmicas do agregado e da
CRFP antes e após exposição ao
fogo (curva de hidrocarbonetos) te com o aumento da temperatura e a pasta, a decomposição dos produtos de
resposta pós-fissuração varia significa- hidratação do compósito e a degradação
3
CMOD – Crack Mouth Opening Displacement – abertura da fissura no entalhe central da peça, medida no ensaio normalizado de resistência à tração na flexão de CPs de
concreto reforçado com fibras.
4
CPs de 150 x 150 mm (diâmetro x altura). Discos de carga de diâmetro 37,5 mm.
5
Macrofibra de polipropileno (Barchip48) de comprimento 48 mm, fator de forma 67 e módulo de elasticidade de 10 GPa.

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das fibras sintéticas. A redução do módu-
lo de elasticidade está relacionada com o
aumento da porosidade do compósito,
justificada pelo intenso processo de de-
composição dos produtos de hidratação,
principalmente entre a faixa de tempera-
tura compreendida entre 150 e 450ºC [7].
Agra et al. [8] evidenciaram que o
ensaio DEWS6 é capaz de caracterizar o
CRFA (35 kg/m³ de fibras de aço7) quan-
to à resistência à tração residual, mesmo
em condições severas, como no caso de
amostras submetidas à ação do fogo. A
avaliação ocorreu sem haver prejuízos
aos valores obtidos como resposta do
material, visto que não foram constata-
dos danos no concreto em condições de
contato. Os autores citam que os valores
de resistência à tração da matriz cimen-
Fonte: adaptado de Rambo et al. [7]
tícia após exposição ao fogo foram, em
média, 71,1% menores que os obtidos u Figura 3
em temperatura ambiente, o que está as- Curvas tensão-deformação obtidas por meio do ensaio de Duplo Puncionamento
sociado a desidratação de produtos da de corpos de prova de CRFP submetidos a diferentes temperaturas
pasta de cimento, perda de capacidade
de reforço das fibras e mudanças na dis- resistência à tração da matriz cimentícia, tribuir para melhorar o comportamento
tribuição dos poros. após exposição a 600ºC, foram, em mé- pós-fissuração do CRF.
Já, os valores de resistência à tração dia, 82,5% menores que os obtidos em Esses resultados [5,7,8,9] constituem
pós-fissuração no ELS (COD = 0,5 mm) temperatura ambiente. Já, os valores de referências importantes para a avaliação
e no ELU (COD = 2,5 mm) foram, em resistência à tração pós-fissuração no ao fogo de aduelas pré-moldadas de CRF
média, 64,1% e 59,8% menores que ELS (COD = 0,5 mm) e no ELU (COD no revestimento de túneis. Considerando
os obtidos em temperatura ambiente = 2,5 mm) foram, em média, 74,3% e que a maior contribuição das fibras ocorre
(Figura 4). Esses efeitos estão relacio- 72,2% menores que os obtidos em tem- no estágio pós-fissuração do compósito,
nados com mudanças físico-químicas peratura ambiente. propriedades como resistência à tração
na matriz, mudanças microestruturais Os processos de oxidação e corrosão residual são severamente afetadas em ele-
do compósito e degradação das fibras das fibras de aço começam a acontecer vadas temperaturas, devido a degradação
utilizadas como reforço. em 500 e 700ºC, respectivamente. Assim, das fibras. Esse fator deve ser levado em
Em um estudo realizado por Serafini as fibras de aço expostas a elevadas tem- conta na fase de projeto, a fim de garantir
et al. [9], os resultados obtidos por meio peraturas se tornam friáveis e facilmente a segurança estrutural dos elementos de
do ensaio DEWS para o CRFA (35 kg/m³ danificadas, devido aos efeitos de redu- CRF, especialmente quando há conside-
de fibras de aço ) exposto a 600ºC tam-
8
ção da área transversal e aumento signifi- rável demanda por esforços de flexão.
bém mostram que a resistência à tração cativo no tamanho do grão do aço. Logo, Vale ainda ressaltar que, na maioria
da matriz cimentícia e a resistência à por volta de 700ºC, o compósito não dos casos, a espessura dos elementos
tração residual no ELS e ELU são sig- apresenta mais ganho de ductilidade, vis- de CRF está acima dos 15 cm utiliza-
nificativamente afetadas. Os valores de to que as fibras passam a não mais con- dos na maioria das análises [5,8,9] e as
6
DEWS = Double Edge Wedge Splitting, ensaio de compressão de corpo de prova com duplo corte em cunha.
Fibra de aço Dramix 3D 80/60BG de comprimento 60 mm e fator de forma 80.
7,8

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solicitações em serviço são menores resulta na resposta mecânica média necessidade de controle do lascamento
que as transitórias. Assim, mesmo se das camadas afetadas. Sabe-se que explosivo a partir de uma proteção pas-
houver deterioração significativa do ma- a diferença de temperatura observada siva, de modo a garantir a integridade do
terial na face exposta ao fogo, isso não na seção de um material depende de revestimento e uma capacidade resis-
significa necessariamente a perda das alguns fatores como a gravidade do tente residual do conjunto que garanta a
condições de estabilidade do revesti- incêndio em termos de duração e tem- estabilidade da estrutura.
mento do túnel, visto que há possibilida- peraturas máximas, a rapidez do início
de das camadas interiores fornecerem do incêndio, a forma da seção e suas 5. DINÂMICA DO INCÊNDIO
condições de suporte suficientes [5]. propriedades térmicas [6]. Entretanto, EM TÚNEIS
Isto se deve ao fato do dimensionamen- poucos são os estudos que enfatizam Incêndios em túneis, como o caso
to dos segmentos estar correlacionado o gradiente de temperatura no CRF ex- do Eurotúnel em 1996 (Figura 6), en-
a condições críticas transitórias, como posto ao fogo e seu impacto nas pro- fatizaram a preocupação quanto à
o empuxo dos atuadores, o que faz priedades mecânicas. segurança de estruturas de concreto
com que as condições de serviço sejam No estudo realizado por Serafini et submetidas ao fogo, principalmente tra-
atendidas com grande margem de se- al. [5], verificou-se que, à medida que o tando-se do concreto de alta resistên-
gurança na grande maioria dos casos. tempo de exposição do CRFP ao fogo cia. Na maioria dos casos de incêndios
aumenta, a temperatura interna do con- em túneis, foram atingidas temperaturas
4. GRADIENTE DE TEMPERATURA creto aumenta em taxas diferentes para de até 1100°C. Nesta situação, a eleva-
NO CRF EXPOSTO AO FOGO cada distância avaliada. Além disso, a ção da temperatura produz mudanças
As propriedades mecânicas do CRF temperatura interna do concreto dimi- significativas na composição química da
são afetadas em função da distância nui rapidamente em maiores distâncias matriz cimentícia e na microestrutura do
até a face aquecida diretamente pelo do fogo, como pode ser comprovado compósito, que são conhecidas por afe-
fogo, visto que é induzido no compó- na Figura 5, que apresenta os valores tar significativamente o comportamento
sito um gradiente de temperatura em de regressão linear (Figura 5a) e taxas mecânico do CRF. Por isso, o projetis-
um cenário de incêndio, gerando assim de aquecimento interno em função da ta deve estar atento à verificação ante
diferentes camadas de desidratação distância (Figura 5b), para os resultados as ações de caráter excepcional, como
da pasta de cimento e microfissuras. experimentais obtidos neste estudo. ações devidas ao incêndio, reconheci-
Dessa maneira, qualquer avaliação das Os resultados indicam que a taxa de das pelo Eurocode 1 como uma situa-
propriedades mecânicas globais de aquecimento interno do CRFP é prati- ção acidental que compromete o estado
elementos de CRF expostos ao fogo camente constante para uma determi- limite de serviço (ELS) da estrutura e re-
nada profundidade e é função apenas quer apenas verificações no estado limi-
da distância do fogo, como apontado te último (ELU), associados com colapso
5
Média 25ºC na Figura 5a. estrutural ou outras formas semelhantes
Resistência à tração (MPa)

4 Média pós-fogo
Notou-se ainda que os valores de de falha estrutural, como falha por defor-
3 gradiente de temperatura tendem a au- mação excessiva.
2 mentar de forma quase linear com a du- O estudo do comportamento de
1 ração do incêndio e reduzir em função segmentos pré-moldados (aduelas)
0 da distância da face afetada diretamente no revestimento de túneis em uma si-
0 0,5 1 1,5 2 2,5
COC (mm) pelo fogo. A baixa condutividade térmica tuação de incêndio envolve algumas
Fonte: adaptado de Agra et al. [8] do concreto é um dos principais fatores variáveis, inclusive relacionadas com
associados ao aumento do gradiente a interação solo-estrutura, durante
u Figura 4 de temperatura em função do tempo. À a exposição ao fogo, além da pró-
Curvas de resistência à tração medida que o gradiente de temperatura pria degradação dos elementos, cuja
média por abertura de fissura
no concreto aumenta, as tensões de ori- espessura é relativamente pequena
(COD) do CRFA na temperatura
ambiente a após exposição ao fogo gem térmica provocam danos na forma (250 a 500 mm), o que pode compro-
de fissuras no compósito. Isto reforça a meter a segurança estrutural.

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Apenas uma camada relativamente
fina do revestimento do túnel de con-
creto é termicamente danificada, uma
vez que a temperatura não aumenta
além de 100°C a 140 mm de profundi-
dade e além de 500°C a 50 mm de pro-
fundidade [5]. Geralmente, as primeiras
fissuras aparecem após 31 minutos de
Fonte: adaptado de Serafini et al. [5]
exposição ao fogo e, após 60 minutos,
todo o revestimento está fissurado. A
u Figura 5
formação e o desenvolvimento de fis-
Taxa de aquecimento interno do concreto:
suras são benéficos para a estrutura, (a) regressão linear; (b) valores de taxa de aquecimento
pois, reduzindo a rigidez geral da estru-
tura, também reduz as reações causa-
das pela expansão térmica diferencial, que permitam tratar o CRF sujeito a no que concerne a requisitos, méto-
atenuando seus efeitos [10]. altas temperaturas de forma adequa- dos de ensaio e procedimentos para
O estudo realizado por Lilliu e Meda da para verificações de projeto, o que projeto de estruturas de CRF quando
[10] descreve um possível procedimen- pode ocasionar resultados ineficien- submetidas à ação do fogo, especial-
to para prever o comportamento de tes, que coloquem em risco a segu- mente no que se refere à caracteriza-
um túnel sob uma carga de incêndio, rança estrutural. Assim, a carência de ção do comportamento do material e
onde a interação com o solo, o efeito base normativa sinaliza a necessida- a obtenção de equações constitutivas
da expansão térmica e o dano material de de aprofundamento de estudos confiáveis para serem aplicadas nos
muitas vezes não são levados em con-
sideração pelos códigos. Desta forma,
tal procedimento pode ser usado para
o projeto de incêndio de túneis. Ape-
sar de toda fissuração, a estabilidade
estrutural do túnel pode ser garantida
por até 120 minutos de duração do
fogo. Esse tipo de análise requer o uso
de um código de elementos finitos não
lineares adequado, que considere a in-
teração solo-estrutura, comportamen-
to de materiais não lineares e fissuras
no concreto, dependência térmica das
propriedades do material e acoplamen-
to entre o problema térmico e mecâni-
co. Dessa forma, parametrizações do
comportamento como as descritas no
item 3 são fundamentais.

Fonte: adaptado de [6]


6. COMENTÁRIOS FINAIS
A grande necessidade da socie-
u Figura 6
dade brasileira para a construção de
Danos causados pelo fogo em uma seção típica do revestimento de concreto
túneis ocorre com uma carência de do túnel localizado no Canal da Mancha
referências nacionais e internacionais

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modelos de previsão de comportamento. sim diferentes camadas afetadas com dessas camadas. Dessa forma, o co-
Em um cenário de incêndio em tú- propriedades mecânicas distintas, de nhecimento da influência da tempera-
neis um gradiente de temperatura é forma que o comportamento global tura no comportamento do material é
induzido no compósito, gerando as- da aduela consiste na resposta média essencial a essas verificações.

u REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] FÉDÉRATION INTERNATIONALE DU BÉTON – FIB. Precast tunnel segments in fibre-reinforced concrete. State-of-the-art report. Bulletin 83. Switzerland, 2017.
[2] INTERNATIONAL TUNNELLING AND UNDERGROUND SPACEY TECHNOLOGY – ITA. ITAtech Guidance for precast fibre reinforced concrete segments – Vol. 1: Design
aspects. ITAtech Activity Group Support. ITAtech Report no. 7. April. 2016..
[3] DE LA FUENTE, A.; MONTE, R.; FIGUEIREDO, A. D.; GALOBARDES, I. Projeto de segmentos para obras de túneis com tuneladora utilizando concreto com fibras.
Concreto & Construções. Ed. 88. São Paulo, 2017.
[4] Prática Recomendada IBRACON/ABECE - Projeto de Estruturas de Concreto Reforçado com Fibras. CT 303 – Comitê Técnico IBRACON/ABECE sobre Uso de
Materiais não Convencionais para Estruturas de Concreto, Fibras e Concreto Reforçado com Fibras. 2016.
[5] SERAFINI, R.; DANTAS, S.R.A.; SALVADOR, R.P. ; AGRA, R.R. ; RAMBO, D.A.S.; BERTO, A.F.; FIGUEIREDO, A.D. Influence of fire on temperature gradient and
physical-mechanical properties of macro-synthetic fiber reinforced concrete for tunnel linings. Construction and Building Materials, 2019, v. 214, 254-268.
[6] FÉDÉRATION INTERNATIONALE DU BÉTON. fib Bulletin 46, Fire design of concrete structures - structural behaviour and assessment, State-of-art report. Lausanne,
Switzerland, 2008.
[7] RAMBO, D. A. S.; BLANCO, A.; DE FIGUEIREDO, A. D.; DOS SANTOS, E. R. F.; TOLEDO, R. D.; GOMES, O. D. F. M. Study of temperature effect on macro-synthetic
fiber reinforced concretes by means of Barcelona tests: An approach focused on tunnels assessment. Construction and Building Materials, 2018, 158, 443-453.
[8] AGRA, R. R.; SERAFINI, R.; FIGUEIREDO, A. D.; BERTO, A. F. Avaliação dos efeitos do fogo na resistência à tração residual do concreto reforçado com fibras de aço
por meio do ensaio DEWS (Double Edge Wedge Splitting). In: 5th IBERIAN-LATIN-AMERICAN CONGRESS ON FIRE SAFETY. Porto, Portugal, 2019.
[9] SERAFINI, R.; AGRA, R.R.; MONTE, R.; FIGUEIREDO, A.D. The effect of elevated temperatures on the tensile properties of steel fiber reinforced concrete by means
of double edge wedge splitting (DEWS) test: preliminary results. 10th International Conference on Fracture Mechanics of Concrete and Concrete Structures -
FraMCoS-X. Bayonne, France, 2019.
[10] LILLIU, G.; MEDA, A. Nonlinear Phased Analysis of Reinforced Concrete Tunnels Under Fire Exposure Article. Journal of Structural Fire Engineering, 2013, v. 4, n. 3.

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