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A MENSAGEIRA

Revista literaria dedicada á mulher brazileira


Directora — Presciliana Duarte de Almeida

Publica-se no dia 15 de cada naez


P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m ero avu lso
a d ia n ta d o Endereço: Roa de Sta. Iphigenia, N. 57. J 1$000

m m m

A u r e a P ires

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO S.A.IMESP


Edição fac-sim ilar
VOLUME I
A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direetora — Presciliana Duarte de Almeida

Pviblica-se no dia 15 de cada mez


P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno j N u m ero avu lso
a d ia n ta d o Endereço; Rua de Sta. Iphigenia, N. 57. Rs. 1 $ 0 0 0

1
________ ______________________
Edição fac-similar da Revista Literária
dedicada à mulher brasileira,
publicada de 1897 a 1900, co-editada
pela Secretaria de Estado da Cultura
e Imprensa Oficial do Estado,
com comentários de Zuleika Alam bert,
Presidenta do Conselho Estadual
da Condição Feminina.

C o n v ê n io IM E S P /D A E S P
São Paulo
1987
Dados de Catalogação na Publicação Internacional (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

A M en sa geira : rev ista literária ded icad a à m ulher brazileira, d irectora


M 518 P rescilian a D u a rte de A lm eid a . — E d ição fac-sim ilar / com com en tários
V .l — 2 de Z uleika A la m b e rt. — São P aulo : Im p ren sa Oficial do E sta d o : S e c r e ­
taria d e E sta d o da C ultura, 1987.

R e p ro d u çã o em liv ro, dois volu m es, da R ev ista L iterária publicada de


1897 a 1900, na cid a d e de São P aulo.

1. F em in ism o e literatu ra — Brasil 2. L iteratu ra — P eriód icos 3. M u lhe­


res jorn a lista s — Brasil I. A lm eid a , P rescilian a D u arte de, 1867 — 1944. II.
A la m b e rt, Z u leik a.

C D D - 070.483470981
-3 0 5 .4 2 0 9 8 1
87-1308 -8 6 9 .9 0 5

Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : F em in ism o : S o cio lo g ia 305.420981


2. B r a s il: Im p ren sa fem inina : J orn alism o 070.483470981
3. B r a s il: J orn a lism o para m u lh eres 070.483470981
4. Brasil : R e v ista s literárias 869.905
5. R e v ista s : L itera tu ra brasileira 869.905
A presentação

A reprodução d’A Mensageira constituição histórica do processo


dá seguimento a uma política de di­ pelo qual as mulheres, em nossa so­
vulgação de documentos históricos ciedade, reivindicaram seus direi­
pouco acessíveis à pesquisa. E tam­ tos. Importa conhecer cada um dos
bém ajuda a preencher uma impor­ momentos desse longo percurso: as
tante lacuna em nossa historiogra­ causas pelas quais lutaram, os re­
fia, pois são poucos os estudos so­ cursos de que se valeram, as bar­
bre a imprensa feminina brasileira reiras encontradas, os “ espaços”
— sobre a mulher como jornalista e que puderam conquistar em meio
sobre a mulher como público leitor. aos bordados, aos cosméticos, à
Em que pese o interesse des­ moda e à literatura.
pertado pelo tema nos dias de hoje,
as dificuldades de acesso às fontes
(incompletas, dispersas e raras) Deputada Federal Bete M endes
são ainda um forte empecilho na re­ Secretária de Estado da Cultura
A Mensageira: Uma Contribuição Feminista

“Toda a história das mulheres foi exploração da mulher. “Não se nas­


escrita pelos homens” , escreveu Si­ ce mulher: torna-se mulher” escre­
mone de Beauvoir em seu famoso veu ela.
livro ‘'O Segundo Sexo", escrito em A imprensa e os historiadores
1949. conseguiram, portanto, durante sé­
Nessa simples frase está encer­ culos, ofuscar ou esconder a força
rada uma grande verdade. de um m ovim en to n o tá v e l,
0 estudo da categoria sexo ridicularizando-o ou diminuindo
feminino tem sido, ou ignorado pe­ sua importância.
los cientistas sociais, ou abordado Foi necessário que as próprias
como parte de um todo que se quer mulheres, conscientizando-se de
explicar. E, exatamente por ser sua condição e dando-se conta des­
feito por homens, esse estudo ja­ sas injustiças milenares perpetra­
mais enfoca a mulher em toda a ri­ das contra seu sexo por uma cultu­
queza de sua especificidade. ra que as condena ao silêncio da
Só mais recentemente, dada a história, surgissem em cena bus­
explosão da mulher na vida cando recuperar palmo a palmo o
político-social e cultural de todos os seu passado escondido e ressusci­
povos — como o mais importante tar a linguagem e os feitos de suas
fenômeno social de nossa época — antepassadas.
tem sido ela objeto específico de Por que recordamos agora tudo
pesquisa e análise. isso?
Trata-se, evidentemente, de um Para enfatizar o grande significa­
silêncio imperdoável, já que ele do para a mulher brasileira da pu­
oculta um movimento — o feminis­ blicação, pela Secretaria de Estado
mo — que envolveu gerações e ge­ da Cultura e pelo Arquivo do Esta­
rações de seres humanos que vão do, da coletânea de exemplares da
de Sapho, a notável poetisa nascida revista literária feminina “A
na ilha de Lesbos, na Grécia, no Mensageira"editada no final do sé­
ano de 625 a.C., e que fundou um culo XIX.
centro para a formação intelectual Esta publicação nos permite, de
da mulher, até Simone de Beau­ um lado, recuperar um pedaço da
voir, a grande escritora francesa história do feminismo no Brasil e,
autora do livro "0 Segundo Sexo", de outro, indicar que a luta que ho­
lançado neste segundo após- je travamos por reafirmar que o se­
guerra, livro que correspondeu a xo é político pois nele existem rela­
uma verdadeira revolução em ter­ ções de poder; que a luta que trava­
mos de feminismo. Nessa obra, Si­ mos para tornar claro o caráter
mone de Beauvoir, acrescentando subjetivo da opressão, os aspectos
muito às análises feitas por Engels emocionais da consciência etc. etc.,
e Bebel, apresenta uma dimensão é um prolongamento avançado da
psicológica, que extrapola as limi­ luta anterior de nossas bisavós e
tações de uma explicação unica­ avós por direitos da mulher ao tra­
mente econômica para a opressão e balho e a instrução num tempo em
A Mensageira: Uma Contribuição Feminista

que era atribuída uma neutralidade 1.“ parágrafo do editorial de lança­


ao espaço individual e se definia co­ mento da revista assinado por D.
mo político unicamente a esfera pú­ Presciliana; “estabelecer entre as
blica, objetiva. brasileiras uma simpatia espiritual
Diante dos exemplares da revis­ pela comunhão das mesmas idéias,
ta “A M ensageira" agora publica­ levando-lhes de quinze em quinze
dos, resta-nos, apenas, trabalhar dias ao remanso do lar algum pen­
seus textos com os instrumentos samento novo — sonho de poeta ou
teóricos que hoje possuímos, mas fruto de observação acurada — eis
sem ignorar o contexto histórico o fim que modestamente nos propo­
em que foram produzidos. mos” .
0 feminismo, como instrumento Nossos propósitos, porém, são o
de luta da mulher por sua liberta­ de examinar ‘A M ensageira” den­
ção, tem uma longa história. Ele tro de determinado contexto histó­
surgiu como movimento a partir de rico.
certo grau de desenvolvimento da Assim sendo, após ler todos os
sociedade humana (meados do sé­ exemplares que fazem parte desta
culo XIX) e foi-se desenrolando pa­ publicação, entendemos que esta­
ri passu com o progresso da socie­ mos diante de um momento bem
dade até atingir seu estágio atual determinado da história do feminis­
neste findar do século X X . mo brasileiro onde aquela revista
Logo, não pode ser avaliado nes­ desempenha o papel que poderia
te ou naquele País, fora de deter­ desempenhar uma publicação de
minadas condições econômicas- mulheres avançadas em fins do sé­
políticas-sociais e culturais, ou culo passado.
ignorando-se os reflexos dessas Temos a considerar, também,
condições na condição de vida da que o feminismo, ainda como idéia,
mulher e em seu grau de consciên­ apenas se gestava e, portanto, ta­
cia para transformá-la. teava em busca de seu caminho
Só com essa verdade bem assimi­ dentro de uma sociedade conserva­
lada é qu poderemos avaliar de dora e preconceituosa. Logo, era
maneira correta o papel desem pe­ passível de ambigüidades, contra­
nhado pela revista literária "A dições, confusões de todo tipo, na­
Mensageira turais em tudo aquilo que nasce.
Caso contrário iremos considerar Basta lembrar que a palavra de or­
a revista criada e dirigida pela poe­ dem central do feminismo da época
tiza Presciliana Duarte de Almeida e, portanto, também da revista de
nos anos 1897-1900, infantil em “educar a mulher para todos os em ­
suas análises, excessivamente re­ bates da vida” aparece freqüente-
buscada em seu estilo para o nosso mente vinculada ao esforço para re­
moderno gosto literário, ou infini­ forçar seu papel de mãe, esposa e
tamente romântica para nossas ca­ dona-de-casa.
beças objetivas deste final de sécu­ Mas isso não pode invalidar o de­
lo X X . Basta para isso destacar o sempenho de ‘A M ensageira” no
A Mensageira: Uma Contribuição Feminista

sentido de divulgar as produções Somente na segunda metade


femininas, enaltecer os feitos da desse século, mudanças começaram
mulher dentro e fora do lar, seu pa­ a ocorrer mais rapidamente, inclu­
pel na literatura, nas artes, nas sive afetando a vida das mulheres
ciências,' no magistério, nas profis­ das classes urbanas mais privile­
sões liberais; no sentido de abrir giadas, permitindo que algumas
em suas páginas, espaços para a mulheres excepcionais expandis­
mulher dizer o que pensava de si, sem seus horizontes.
da família, e do mundo; no sentido Que mudanças foram essas?
de tornar conhecido os nomes das Os avanços tecnológicos da Euro­
mulheres que no mundo e no País pa começaram a chegar ao Brasil.
estavam fazendo história. 0 advento da estrada de ferro,
do barco a vapor, do telégrafo etc.,
Este desempenho torna-se mais
estimularam muito o crescimento
valioso aos nossos olhos se temos
dos centros urbanos.
noção do contexto político e socioe-
Intensificaram-se os desequilíbrios
conômico dentro do qual a revista
regionais. Nesse processo o Sul foi
surgiu e atuou.
sendo privilegiado. A organização
É bom recordar que, até meados social dessa região do País
do século X IX , o Brasil era um País modificou-se, crescendo o número
atrasado, como uma sociedade alta­ de trabalhadores assalariados nas
mente estratificada e uma econo­ cidades e nas plantações de café,
mia dependente do trabalho escra­ aumentando a imigração européia
vo. para o País com os seus usos e cos­
Os 7 milhões de habitantes do tumes. São Paulo e Rio de Janeiro
País se concentravam na costa. A se beneficiaram financeira e politi­
maioria da população era rural, cul­ camente do desenvolvimento da
tivando a terra com técnicas primi­ economia cafeeira.
tivas. Aprofundando essa análise Sede do Governo Federal e em
do Brasil, na época, June E. Hah- sua condição de maior cidade brasi­
ner‘ assinalou em seu livro “A Mu­ leira, o Rio de Janeiro e depois São
lher Brasileira nas Lutas Sociais e Paulo mantiveram-se na liderança
Políticas 1850-1937”: que “ através intelectual, cultural e econômica do
da primeira metade do século XIX Brasil,
a maioria das cidades continuava a Não podemos, portanto, nos ad­
ser locais públicos com ruas lamas- mirar de terem surgido nessas ci­
centas, transitadas por veículos de dades os primeiros sentimentos fe­
cargas, porcos e galinhas, embora ministas especialmente entre as
também servissem como centro so­ mulheres de classe média e supe­
cial e religioso, de comércio para as rior.
áreas vizinhas. Os meios de trans­ “A Mensageira" ioi em São Pau­
porte eram rudimentares e as in­ lo, nada mais do que a expressão
dústrias de manufatura pratica­ desses sentimentos em nosso Esta­
mente inexistentes” . do.
A Mensageira: Uma Contribuição Feminista

As colaboradoras da revista ção da Mulher — a revista recupe­


apresentam como ponto alto desses rou, divulgou, projetou nomes e
sentimetos a Educação como ele­ biografias de mulheres que se des­
mento essencial para o preparo das tacaram em diferentes funções pú­
mulheres para todos os planos de blicas revelando-se capacitadas a
vida em sociedade. empunhar a pena, forçar a porta
Júlia Lopes de Almeida conheci­ das universidades ou exercer uma
da poetiza brasileira e um dos no­ profissão, a fim de servirem de
mes que mais aparecem na revista, exemplo a outras mulheres. Isso
assim se expressou sobre o assun­ era muito importante no momento
to: “ Esta revista dedicada às mu­ em que a alfabetização era privilé­
lheres parece-me dever dirigir-se gio dos mais ricos e principalmente
especialmente às m u l h e r e s dos homens.
incitando-as ao progresso, ao estu­ June E. Hahner informa em seu
do, à reflexão, ao trabalho e a um livro “A Mulher Brasileira e suas
ideal puro que as nobilite e as enri­ Lutas Sociais e Políticas” que “ a
queça. Ensinará que, sendo o nos­ primeira legislação relativa a edu­
so, um povo pobre, as nossas apti­ cação da mulher surgiu em 1827,
dões podem e devem ser aproveita­ mas a lei admitia meninas apenas
das em variadas profissões remu­ para as escolas elementares e não
neradas e que auxiliem a família para as instituições de ensino mais
sem detrimento do trabalho do ho­ adiantadas. A tônica permanecia
mem” . na agulha e não na caneta” .
Considerando a educação como a Algumas das articulistas foram
chave da libertação da mulher a re­ além em suas denúncias relativas à
vista não poupou esforços em de­ ignorância da mulher. Foram capa­
monstrar essa verdade. Suas arti­ zes de sentir com absoluta precisão
culistas para isso gastaram muita o tipo de educação diferenciada que
tinta e papel. Assim sendo, "A era ministrada nas escolas aos me­
M ensageira”, que aceitava a cola­ ninos e meninas. V.M . de Barros
boração dos escritores e homens foi uma dessas mulheres. Escreveu
públicos solidários com sua luta, “ a injustiça começa no berço: para
abriu suas páginas para Sílvio de meninos, mestres, colégios, ginás­
Almeida que assim se referiu à re­ tica; para meninas, a ignorância, o
vista: “ Em suas páginas delicadas e atrofiamento da energia, a mobili­
encantadoras, vem palpitar a alma dade forçada pela vida sedentária:
inefável da mulher brasileira, que depois chega à puberdade: ele, o
não se limita mais ao simples papel rapaz, escolhe esta ou aquela car­
de exclusiva companheira do lar, reira, a seguir prefere este ou
mas que já se atira à imprensa e ao aquele meio de vida; a moça, ela
livro para viver conosco, não só a nada tem a resolver: o círculo de
vida do corpo, mas também a vida ferro, a cadeia fatal aí está ...”
superior do espírito” . Com sua pa­ “A M ensageira” em seu feminis­
lavra de ordem central — a Educa­ mo tateante não ficou apenas na
A Mensageira: Uma Contribuição Feminista

questão da educação da mulher co­ voto para a mulher; essas, posições


mo fator de sua libertação. Embora bem avançadas para a época.
vagamente pressentiu o papel do ‘A Mensageira” foi pacifista
homem em sua opressão. “ Os ho­ combatendo a guerra, seus efeitos
mens zombam da ignorância das e a existência dos exércitos perma­
mulheres sem se lembrar de que as nentes.
educam como escravas, que só ne­
cessitam saber obedecer” (Gracia Evidentemente que os elementos
H. de Matos) ou então, “se lançar­ do feminismo de ‘A Mensageira’
mos um relance de vistas sobre a eram frutos do capitalismo nascen­
te em nosso País e, portanto, um
atual condição da mulher ficamos
produto do liberalismo, ideologia
tristes diante do desequilíbrio so­
legitimadora do modo de produção
cial que ainda reina e dos direitos
capitalista. E seus limites estavam
que lhes são usurpados pela outra
contidos dentro desse modo de pro­
m etade do gên ero humano”
dução. Assim, o discurso liberal
(M .P.C.D.).
por maiores direitos trabalhistas e
Folheando detidamente a revis­ educacionais para a mulher, era in­
ta, outras facetas desse feminismo suficiente para esmaecer o seu pa­
iniciante vão se delineando: "A pel exclusivo de mãe, esposa e
M ensageira” foi internacionalisti- dona-de-casa, que aliás era cantado
camente solidária com as mulheres em prosa e verso até mesmo pelos
de todo o mundo ao divulgar suas “pró-libertação” da mulher. Por is­
lutas e conquistas. “ La Fronde” , so m e s m o a r e v i s t a “A
jornal feminista francês publicado Mensageira” está. eivada de frases
em Paris, é objeto de muitos arti­ como: “A mulher que lê e escreve,
gos e citações. Também a criação, ilumina o espírito sem prejuízo das
na capital francesa, por Eliza Leno- obrigações domésticas” ; “ Instruir a
mier, da “ Sociedade de Proteção mulher para a felicidade de toda a
Materna” (creches), depois trans­ família” ; “A educação da mulher
formadas em Escolas Profissionais, não prejudica sua vida doméstica”
merece destaque como bom exem­ etc., etc. Essas frases estão calça­
plo para o Brasil onde “ as mães que das por esteriótipos tão conhecidos
trabalham com os filhos no colo so­ como: “ dotes naturais” , “eterno e
frem enormes suplícios” . A nova lei doce feminino” , “grandeza e doçura
francesa promulgada autorizando o da alma feminina” , “poesia e tran-
testemunho da mulher nos atos ci­ qüilidade da mulher” , “o belo se­
vis e instrumentais foi saudada em xo” , “sexo fraco” , “altruísmo da
muitos tópicos por várias articulis­ mulher” , “recato natural da mu­
tas. lher” etc. etc.
‘A M ensageira” ioi ainda política Mas nada disso invalida o papel
ao defender a abolição da escrava­ de “A Mensageira” na história do
tura; ao exaltar a revolução france­ feminismo brasileiro bem como o
sa; ao destacar a importância do papel de toda uma série de jornais
r
A Mensageira: Uma Contribuição Feminista

tais como: “ 0 Sexo Feminino” , “ 0 passagem não seria possível às fe­


Domingo” , “Jornal das Damas” , ministas de hoje a articulação da
“Miosótis” , “ Eco das Damas” etc., teoria que denuncia as verdadeiras
que serviram como importante raízes da opressão da mulher: a cul­
meio para a troca de idéias e infor­ tura patriarcal, baseada na divisão
mações entre mulheres das classes de papéis de sexo e na permanência
mais letradas. da condição primordial de reprodu­
Para que o feminismo aprofun­ tora da espécie humana.
dasse sua análise e elaborasse suas Daí a importância valiosa da co­
propostas através de mudanças letânea de “A M ensageira” que
realmente revolucionárias ao des­ agora se publica, para todos aque­
cobrir as raízes mais profundas da les que se dedicam a conhecer a
opressão feminina, foi necessário fundo a história do feminismo bra­
que ele passasse pelo estágio de sileiro.
reivindicações parciais tipo educa­
ção, direito de voto, profissionali­
zação, que abriu para as mulheres Zuleika Alambert
as primeiras portas na sociedade Presidenta do
dando-lhe oportunidade de expe­ Conselho Estadual da
riência e aprendizado. Sem essa Condição Feminina
São Pi Jtubro de 1897 Anno I, N. 1

>G E IR A
liter "deáieMa á mulher brazileira
Direüiora ma Duarte de Almeida

publicação durante unvanno.


^ "Tnoÿ dias 15 e 30 de cada mex.
P a g a m e n to N u m ero avu lso
a d ia n ta d o Preço da assi^natura, 12$000 por anno Rs. 1 $ 0 0 0

S u m m a r io : — Duas palavras, l^resciliana zileiras? Não o cremos! e é por


Duarte de Almeida; — Entre amigas,
isto que nos arrojamos a uma em-
Julia Lopes de Almeida; — Do «Livro
da Saude», soneto, Zalina R olim ; — Uma preza desta ordem.
carta e Brilhantes Brutos, conto, Maria Ha tempos o Correio Paulistano^
Clara da Cunha Santos; — Recuerdos,
soneto, Hyppolito da Silva; — Cartão de
publicando ura bello soneto de Ge­
parabéns, Silvio de Almeida ; — O de­ orgina Teixeira, dizia, entre outros
serto, soneto, Julia Cortines; — Chroni­ enthusiasticos conceitos, as seguin­
ca omnimoda, J. Vieira de Almeida; —
tes palavras, que nos lisongcaram
Contraste, soneto, Aurea Pires; — Selcc-
ção; — D. Alzira e Meu Filhinho, poe­ sobi-emodo: «Decididamente a epo-
sias, Presciliana Duarte de Almeida; — cha ó do renascimento das letras.
Notas pequenas.
De toda a parte surgem novos
livros de prosadores e poetas c
2)uas palavras percebe-se (pie a actividade intel­
Estabelecer entre as brazileiras lectual segue resolutamente nu’a
uma sympathia espiritual, pela coiii- :narcha gloriosa em busca do ideal
munhão das mesmas idéias, levan- artistico.
do-lbes de quinze em quinze dias, Das senhoras que trabalhavam
ao remansoso lar, algum pensa­ na republica das letras tinhamos,
mento novo — sonho de poeta ou até ba pouco, apenas Xarciza Ama­
fructo de observação acurada, eis lia, (jue já se recolheu ao silencio,
0 fim qne, modestamente, nos pro­ Adelina Vieira e Julia Lopes. Ago­
pomos. ra, além dessas, temos Fi-ancisca
Será recebida com indifferença Julia da Silva, Zalina Rolim, Julia
a Mensageira — portadoi'a feliz da Cortines, Presciliana Duarte de Al­
prosa amena e discreta de Julia meida, Josephina Alvares de Aze­
Lopes de Almeida e dos versos vedo e Georgina Teixeira, que sur­
artisticos o sentidos das mais fes­ ge agora no horizonte num esplen­
tejadas e conhecidas poetisas bra- dor de luz aurorai.» Acrescentemos
A M E N S A G E IR A

a estas, Maria Clara da Cunha San­ me para que tantas se tenham podido
tos, Aurea Pires, Elvira Gama, Ma­ individualisar e excitar a admira­
ria Emilia da Rocha, Anna No­ ção dos contemporâneos. Assim,
gueira Baptista, Maria Jucá, Amelia ao emprehendermos esta publica­
de Oliveira, Maria de Azevedo, ção, sentimo-nos animadas da mais
Analia Franco e qualquer outra viva esperança, depositada no espi­
cujo nome nos haja escapado, e rito progressivo ^ na benemerencia
veremos com enthusiasmo que na de nossas compatriotas.
terra de Paraguassú e de Da- Para mais variada e interessante
miana da Cunha, o espirito femi­ tornarmos a nossa revista, tomos,
nino se desenvolve miraculosamen­ além da collaboração das mais il­
te e a mulher procura illuminar a lustres escríptoras nacionaes, o con­
sua intelligencia, concorrendo tam­ curso de distinctissimos cavalhei­
bém com 0 penhor de suas vigilias ros, cultores fidalgos e devotados da
para o engrandecimento das letras. arte da palavra. Esperamos, portan­
Não é, porém, sómente na lite­ to, 0 apoio de nossas intelligentes
ratura que a sua aptidão se revela, patrícias e aqui ficamos com braça­
e, para prova, basta citarmos o no­ das de flores para receber os traba­
me da Doutora Ermelinda de Sá, lhos de todas aquellas que nos qui-
essa pujante mentalidade que se zerem trazer o auxilio de seu talento.
affirmou na Academia de Medicina Que a nossa revista seja como
do Rio de Janeiro, onde fez um que um centro para o qual con­
curso brilhantissimo, m e r e c e n d o virja a intelligencia de todas as
treze distineções nos exames das se­ brazileiras! Que as mais aptas, as
ries lectivas, de clinicas e de these de mérito incontestável, nos pres­
e que hoje, como judiciosamente tem 0 concurso de suas luzes e
notou Arthur Azevedo no Album^ enriqueçam as nossas paginas com
conta em cada cliente uma fervoro­ as suas producções admiráveis e
sa e convicta propagandista da sua bellas; que as que começam a ma­
perícia e dedicação profissionaes ! nejar a penna, ensaiando o vôo al­
Ora, esse desenvolvimento intel­ tivo, procurem aqui um ponto de
lectual da mulher brazileira não apoio, sem 'o qual nenhum talento
se haverá cingido unicamente ao se manifesta; e que. finalmente,
grupo dajS que surgem á tona, ap- todas as filhas desta grande terra
parecendo na imprensa ou nos cur­ nos dispensem o seu auxilio e um
sos de ensino superior. Havemos pouco de boa vontade e benevo­
convir em que o seu desenvolvi­ lência.
mento collective deve ter sido enor­ P r e s c iij a k a D u a r t e de A i^m e id a .
A M E N SA G E IR A

Uma mãe instruida, disciplinada,


^ntre amigas bem conhecedora dos seus deveres,
Não é sem algum espanto que marcará, funda, indestructivelmente,
eu escrevo este artigo, para um no espirito do seu filho, o senti­
jornal novo, e, de mulheres! mento da ordem, do estudo e do
E’ uma tentativa sem grandes trabalho, de que tanto carecemos.
fundamentos? Viverá pouco? fi­ Parece-me que são esses os ele­
cará? Só 0 tempo poderá respon­ mentos de progresso e de paz para
der a estas perguntas; entretanto, as nações.
que fique, ou que passe no sopro Os paes não pesam estas respon­
ligeiro dos dias curtos, esta revista sabilidades e é frequente ouvirmos
assignala um facto, digno de at- dizer: que sempre é mais barato
tençào de que o movimento femi­ e mais facil educar as meninas do
nista vae desenvolvendo a força que os rapazes...
das suas azas, no Brazil. O assumpto é tão melindroso,
A mulher brazileira conhece que que eu o evito sempre, e se lhe
pode querer mais, do que até aqui toco hoje, é porque a indole espe-
tem queiido; que pode fazer mais, cialissima deste joi'ual a elle me
do que até aqui tem feito. Preci­ chama com certa imposição c in­
samos comprehender antes de tudo sistência. ..
e affirmar aos outros, atados por Imaginemos;
preconceitos e que julgam toda a Ninguém manda para os montes,
liberdade de acção prejudicial á mu­ a pastorear ovelhas, ou qualquer
lher na familia, que é a bem da outra especie de animaes, zagala
própria familia, principalmente d’el- que não leve o seu farnel, que não
la, que necessitamos de desenvol­ conheça os caminhos, que não saiba
vimento intelectual e do apoio se­ distinguir as más liervas das ex­
guro de uma educação bem feita. cellentes. que não conheça o nu­
Os povos mais fortes, mais prá­ mero exacto de que se compõe o
ticos, mais activos, e mais felizes seu rebanho, que não saiba pelas
são aquelles onde a mulher não differentes gradações dá. luz solar,
figura como mero objecto de or­ conhecer as horas, e que não possa
namento; em que são guiadas para reunir, a um signal emittido pela
as vicissitndes da vida com uma voz, em torno a si, todas as suas
profissão que ampare num dia de ovelhas em caso de perigo ou de
lucta, e uma boa dose de noções retirada.
e conhecimentos solidos que lhe A prevenção é bôa; creatuiinha
aperfeiçõem as qualidades moraes. por mais bella e sympathica, que
A M E N S A G E IR A

não tivesse essas qualidades reve­ ada entre o piano e a valsa, ou


ladoras de attenção e conselho, ar- quando muito entre o pudim e a
riscar-se-ia a tresmalhar o gado, agulha, agasalhar um pensamento
deixal-o pastar em maus terrenos, curioso de um filho, elucidal-o, tor­
perdel-o, esquecel-o e voltar para nando as suas palavras simples,
0 ponto da partida com os olhos como verdadeiras pontas de luz
chorosos e as mãos a abanar... com que esclareçam as coisas mais
Verieis então, como o dono da complicadas e terriveis, fazendo-as
bicharia perdida se havia de con­ entrar no cerebro da creança do
doer da doçura do seu semblante, modo mais natural e mais logico?
ou da magia da sua voz ! Pois Banida do convivio espiritual do
sim ! Romperiam palavras amar­ homem, como pode a mulher bem
gas como fel e azedas como vina­ educar o homem ?
gre, e sobre o corpinho mimoso A resposta provável, 6 banal e
da pastorinha nem só as palavras chocha. por conhecida e impensa­
fariam damno ! da. Dirão que á mãe só compete
A mim, affigura-se-me, que des­ formar o coração e que o resto fica
de as coisas mais simples, como a por conta do pae e dos mesti’cs...
que indiquei, e em que só se pre­ 0 pae, no afan dos seus dias
cisa pôr em pratica qualidades in­ trabalhosos, pensa acaso em corri­
tuitivas, ato ás mais complicadas gir os defeitos dos filhos, com quem
e subtis, ha a mesma exigencia de pouco convive? Conhece-os todos
attenção, de bom e efficaz conse­ porventura!? Os mestres?... A h!
lho, de preparo solido e habil. os mestres...
Saber distinguir bem, como a pas­ Bom ! eu não quero nem posso
tora, as más hervas das excellentes ir muito longe! Este assumpto é
parece-vos coisa facil ? A mim não. perigosamente escorregadio ; mal a
Para chegar ao resultado ma­ gente pensa e está em um ponto
gnifico de saber viver, e o que é a que não queria chegar!
mais: ensinar a viver bem aos fi­ Retrocederei :
lhos, eu creio que a mulher pre­ Esta revista, dedicada ás mulhe­
cisa de habilitar-se para a vida, res, parece-me dever dirigir-se es­
como a pastorinha para o campo, pecialmente ás mulheres, incitan­
com a comprehensão nitida e per­ do-as ao progresso, ao estudo, á
feita das suas responsabilidades. reflexão, ao trabalho e a um ideal
Uma mulher ignorante, ou futil, puro que as nobilite e as enriqueça,
não pode ser uma mãe perfeita. avolumando os seus dotes naturaes.
Ora como pode uma mulher, cri­ Ensinará que, sendo o nosso, um
A M E N SA G E IR A

povo pobre, as nossas aptidões po­


dem e devem ser aproveitadas em (2)o “ Livro da Saudade” )
variadas profissões remuneradas e Outr’ora, quando as penas me feriam,
que auxiliem a familia, sem detri­ Na sua voz eu tinha allivio santo,
mento do trabalho do homem. Seus affagos dulcissimos diziam:
— «Filha, não quero nos teus olhos pranto!»
Temos poucas medicas, e mesmo
escriptoras, se não temos de menos,
E eu, esquecendo as maguas que pungiam.
também não temos de mais (e en­ Acreditava nelle tanto e tanto
tre parenthesis: a Mensageira que Que as tristezas e lagrimas fugiam,
abra os olhos ás senhoras que pen­ D o seu consolo ao poderoso encanto.
sam que se pode escrever com a
Hoje a lagrima vem e vai sósinha...
mesma facilidade com que se pode Ninguém nos olhos meus sente e adivinha
fazer creme de laranja ou manjar^ A magoa que, em silencio, vem e vae...
branco, coisas aliás delicadas); te­
mos já algumas senhoras emprega- Alma de orphã, de angustias vive presa,...
Onde um consolo á intérmina tristeza
gadas no telegrepho, no commercio,
Que me ficou quando perdi meu pae?!
e nas industrias e artes, mas a por­
Z a l in a R o lim .
centagem é tão diminuta que nem
vale 0 alludir-se a ella.
Não sei qual é o progi’amma da
Mensageira^ escrevo de longe, para
satisfazer ao desejo de uma amiga
Uma carta
Minha querida amiga
carissima, em um cantinho tépido
de jardim, bafejada pelas carícias Disseste-me em a ultima carta
de meus filhos amados, na melhor que me escreveste, envolta em sau­
paz do mundo. Não sei qual seja dades e carícias, que a «Mensagei­
o programma desta nova folha ou­ ra» sahiria coxa se não trouxesse
sada, mas conheço o coração que um trabalhozinho meu. Agradeci­
a hade dirigir atravez das venturas da! Eu sei que o muito que me
e dos revezes, e por sabêl-o bom, queres te faz divisar em mim qua­
genei’oso e forte, é que affronto lidades superiores, que infelizmente
esta affirmativa: esta nova revista, não possuo.
dedicada ás mulheres, será para as Em todo 0 caso, obedecerei a
mulheres um apoio forte e um con­ teu desejo, dar-te-hei todo o meu
selho generoso e bom. esforço.
Pudesse eu satisfazer-te plena­
JuLi.v L opks de A lmeida.
mente !!
A distancia que nos separa é
w

A M E N S A G E IR A

um grande tropeço ás minhas as­ observado no sertão de Minas, n’a-


pirações literárias. Estou tão acos­ quellas paragens longinquas e for­
tumada a escrever sempre a teu mosas e relatado com toda a sin­
lado! Lembras-te do Colibri? o geleza e naturalidade. Adeus.
saudoso jornalzinho manuscripto Toda tua, M. C l a r a .
que escreviamos em Pouso Ale­
gre?! (*)
De longe... mandar-te-hei as mi­
nhas impressões, na singela lingua­
Brilhantes brutos
gem que escrevo sempre, tão des­
A ’ Isbella da Cunha.
pida de encantos e de arte.
Assim pois, guarda para mim. Ninguém sabia explicar a mys-
em tua revista, um logarzinho para teriosa vida do Dr. Charles Roche­
as «Cartas do Rio», que iniciarei fort. Era um excellente homem e
uo proximo numero. um grande medico, muito reserva­
Por hoje, para que a «Mensa­ do, inconstante em seus gostos,
geira» traga em lettra redonda meu volúvel na escolha de seus livros,
nome, satisfazendo assim teu de­ soffrego e original. Advinhava-se
sejo que me alegi’a tanto, envio-te que aquella bella alma soffria al­
um conto que escrevi hontem, após guma forte contrariedade.
a visita de uma velha amiga, im­ Francez de origem, o Dr. Char­
pressionada por um caso por ella les Rochefort que no máximo teria
40 annos, morava, havia 10, no
(*) O Colibri, periodico bi-iuensal que interior de Minas, em uma cidade
publicámos durante tantos annos era Pou­ pequena, lá para os lados do Serro.
so-Alegre, fala bera alto era norae de nos­
sos ideaes! Sem typographia nem meios Todos os dias, invariavelmente,
de mandal-o imprimir, conseguiamos toda­ sahia a visitas medicas, depois pas­
via publical-o em manuscripto, com certa
regularidade relativa ! sava horas e horas a 1er, a estudar.
Tendo sempre por alvo o engrandeci­ A cidade de S. João Baptista
mento moral e intellectual da mulher, nun­
ca trepidámos diante de preconceitos ou era nesse tempo — quantos annos
de qualquer sorte de difficuldades que nos lá se vão! — pequeníssima e po­
surgissem no caminho.
Como periodico manuscripto, de limita- bre. As ruas eram cinco ou seis
dissima tiragem e distribuição gratuita, apenas, calçadas de grandes pedras
ficou quasi inteiramente desconhecido o
Colibri', entretanto, a sua collecção, reli­ avermelhadas. As casas, muito dis­
giosamente guardada por nós, servirá um tanciadas umas das outras, sem es-
dia para mostrar a nossas filhas que, mesmo
sem o preparo e cultivo necessários, sou­ tylo, sem gosto, sem arte. A ma-
bemos comprehender a grandeza da causa ti’iz, situada ao alto da ladeira,
que defendiamos e pela qual ainda hoje
trabalhamos. Nota da Redacção. dominava toda a cidade.
A M E N SA G E IR A

Um cruzeiro, carcomido pelo a casa do fazendeiro, que distava


tempo, enorme, com os instrumen­ da povoação cerca de meia legua.
tos do supplicio — torquez, pre­ A pé fizeram todo o trajecto.
gos, martello, etc, ali estava, em Era engraçado ouvir os diá­
frente á matriz, sobre um pedestal logos d’aquella gente! Santa sim-
de pedras soltas, que os fieis tra­ pleza!
ziam em longas romarias para cum­ O Dr. Charles não conversava,
primento de promessas. ia taciturno e pensativo. De vez
Pois foi nessa cidade mineira em quando olhava para a noiva,
que 0 Dr. Charles Rochefort fixou furtivamente.
residência e clinicava. Um grande banquete esperava a
Um bello dia correu a noticia gente do casamento. A mesa col-
de que o medico ia se casar com locada ao ar livre, debaixo de ja-
a filha mais velha de um conhe­ boticabeiras antigas e copadas, co­
cido fazendeiro alli d’aquelles lados. berta com alva toalha apresentava
Ninguém queria acreditar nesse aspecto agradavel. Muitas palmas
casamento. verdes enfeitavam a mesa e ao
Uma moça ignorante, grosseira, centro um enorme leitão assado
analphabeta, sem encantos de es­ com uma rosa vermelha na bocca,
pirito, poderia inspirar paixão a dava um tom carnavalesco á festa.
um homem fino, talentoso e de Que barulho, santo Deus!
aspirações como o Dr. Charles? Fizeram uma algazarra medonha
— Impossivel ! á hora do jantar.
Que significava pois tão desas­ Cada um se servia á vontade e
troso casamento? Interesse? os pratos em tremenda confusão
— Não, nunca, elle era um es­ circulavam de mão em mão.
pirito nobre, elevado, e ella tam­ Doces e leitões, fructas e perús,
bém não era rica; o pae, fazen­ castellos de coco, linguiças e man­
deiro não estava bem de fortuna. jares finos, tudo isso em formidá­
A causa desse enlace extrava­ vel contradança. E as saúdes?
gante foi sempre um mysterio Cada qual mais exquisita.
para todos; o certo, porém, é que Apezar de todas essas expan­
se casaram em um sabbado, ves- sões de júbilo 0 noivo mostrava-se
pera do Carnaval. pensativo e melancólico.
Lembro-me bem, era uma tarde Depois do banquete seguiu-se o
linda, de Fevereiro, tarde deliciosa! catêretê, dança muito semelhante
Após a cerimônia na egreja. se­ ao batuque e que não prima abso­
guiram noivos e convidados para lutamente pela decencia.
8 A M E N S A G E IR A

0 noivo, sempre calado, era a um mysterio aquella casa. Não


nota dissonante e triste daqiiella visitavam pessoa alguma, passe-
festa tão alegre. iavam unicamente, á tarde, em
Eram quatro horas da madru­ volta da casa.
gada, animada continuava a dança. O medico já não clinicava e
Os noivos se recolheram a seus raras vezes era visto na povoação.
aposentos. O sogro, um homem grosseiro e
Seriam nove horas da manhã bruto, lamentava a sorte da filha e
desse mesmo dia — domingo de só 0 consolava a ideia de que
entrudo — quando a mulher do ella estava aprendendo a 1er com
Dr. Charles se levantou apressada­ 0 marido e que era bem tratada,
mente para juntar-se ao grupo dos segundo affirmava a Simplicia, a
foliões que brincavam de limão de unica creada que os servia e acom­
cheiro. panhava n’aquella mysteriosa vida.
O desembaraço da noiva da ves- Ao fim de alguns mezes o Dr.
pera aterrou o Dr. Charles. Ella Charles e a mulher foram se des­
parecia despreoceupada inteiramen­ pedir dos parentes; partiam para a
te do marido e entrou a jogar en­ Europa. Foi a ptimeira vez que
trudo com desembaraço de louca. ella abraçou suas irmãs, depois de
Molhada completamente, com as casada. Que differença ! A Ma­
roupas grudadas ao corpo deixan­ dame — foi este 0 nome que de­
do apparecer as formas, a noiva ram á roceirinha — era já uma
da vespera pouco se importava senhora polida e delicada, falava
com tudo isso, queria brincar, cor­ com acerto, tinha modos correctos
rer, folgar como creança. e distinctos.
O Doutor, furioso, recolheu-se a Partiram.
seu quarto. D’ahi a pouco aquelles Nunca escreveram. A lembrança
brutos íissontaram de arrombar a estava viva no coração dos paren­
janella do quarto e molhar o me­ tes, mas todos receiavam a exqui-
dico tarnbem. Tentaram em vão, sitice do medico e pensavam: es­
pois 0 Doutor ameaçou-os com um crever para que? a Madame está
revolver e disse que o primeiro muito afrancezada, paciência!
que ousasse molhal-o seria morto.
D’ahi a dois dias o medico e a Vinte annos depois, estando de
mulher retiraram-se para uma ca­ pa.sseio no Rio de Janeiro, fui
sinha alva e poética que ficava apresentada á Madame Rochefort,
distante da povoação cerca de dois uma senhora instruida, fina, deli­
kilometros. Ninguém os via, era cada, que, tendo perdido em Paris
A MENSAGEIRA

0 marido — um clinico notável Contou-me esta historia uma a-


— voltava ao Brasil, sua patria, miga que presenciou a scena do
acompanhada de um filho único, entrudo no dia seguinte ao do ca­
formoso mancebo de 18 annos de samento do medico e que viu de­
edade, que cursava por essa epocha pois a Madame Rochefort correcta,
as aulas da Escola Polytcchnica. polida, instruida, a enriquecer a
A Madame era encantadora de phantasia de seu filho com os ma­
graça, de belleza e de meiguico. ravilhosos contos de sua terra, a
Teria 36 annos, se tanto! formosa terra dos brilhantes brutos.
De conclusão em conclusão che- M a r ia C l a r a da C unha S antos .
guei ao conhecimento de que esta­
va faliando á antiga e grosseira
roceirinha de Minas, aquella me­
nina estouvada e que fôra educada
pelo grande espirito o grande co­
^ecuerdos
ração de seu esposo amigo.
Falámos do passado, com sau­ Vai te minando um intimo desgosto...
dades! Ella não se esquecera ain­ V a i... que o vejo em teu rosto desmaiado,
da dos episodios do entrudo, c E nesse teu sorriso illuminado
Por um tremulo raio dc sol posto.
com os olhos rasos d’agua disse-
me, n’um transporte de dôr: Estou Sei (jue a lagrima ardente da amargura
viuva ha seis mezes, meu filho Rola-te pela cutis côr de opala,
desejava ardentcinentc conhecer Como n’um vaso de crystal resvalla
minha terra, meu Brazil, e eu que­ A gotta d’agua, luminosa e pura.

ro mostrar-lhe a minha cidadezi-


Ao ver-te assim, minha vontade, — a unica !
nha natal, a terra do meu berço — Era despir tua alma dessa túnica
e ([ue desejo que seja igualnicntc De tristes apprehensões que a veste agora,
a de meu tumulo.
O rapazinho fallava mal o por- E depois, quando o beijo ao labio assoma.
Sentir o mesmo encanto, o mesmo aroma
tuguez. era o retrato vivo do pae,
Daquellas santas illusões d’outrôra!
disse-me que desejava muito ir a
S. João Baptista, a terra das bar­ Campinas 1880.
ras de ouro e dos billhantcs brutos. IIieeor.YTO da S ilv a.

Dos brilhantes brutos, disse eu


abanando distrahidamente a cabeça,
é verdade, dos brilhantes brutos!
IO A M E N S A G E IR A

apenas a mulher como um ente


0artáo de parabéns sensivel ; agora, é preciso que a
Esta revista representa um feliz; vejamos também como uma crea-
tentamen, digno, por certo, de todo tura intellectual, — pois é neces­
0 acoroçoamento. Em suas paginas sário que ella pense para que possa
delicadas e encantadoras vem pal­ sentir mais nobrem ente.
pitar a alma ineffavel da mulher Só deste modo é que, em prol
brazileira, que não se limita mais do progresso da especie, mais fe­
ao simples papel de nossa exclu­ cundamente se aproximarão as duas
siva companheira do lar, mas que grandes metades que a compõem.
já se atira á imprensa e ao livro, Não deixemos vegetar na igno­
para viver coranosco não só a vi­ rância e no abatimento esse nobre
da do corpo,. mas também a vida e generoso ser em cujas entranhas
superior do espirito. de piedade germina e se desenvolve
Esta revista apparece aos olhos, a semente do futuro.
talvez espantados da velha educa­ Acatar a mulher é elevar o ni-
ção burgueza, como um brado elo­ vel moral de nossa raça.
quente em favor da emancipação Onde quer que a vejamos, ele­
intellectual do eterno e doce femi­ vemos-lhe um altar de adoração,
nino, que aprendemos a extremecer ou, pelo menos, tenha ella o nosso
no olhar de bençam de nossas mães, respeito, porque ainda as mais des­
santificadas no culto da mais no­ graçadas não deixam de ser nossas
bre veneração pelos seus sacrifícios, irmãs.
e acabamos finalmente por idealisar Só assim 6 que se poderá so­
no paraiso terrestre do sorriso de cialmente desenvolver o grandioso
felicidade de nossas esposas amo- principio da fraternidade republi­
raveis. cana combinado com o bello con­
Oxalá vejamos aqui um teste­ ceito da irmandade catholica.
munho valioso da exhuberancia Só assim é que ficarão as mu­
mental das filhas de Eva, que a lheres inteiramente associadas á
grosseria masculina tem querido obra da nossa regeneração social,
até hoje reduzir á mera condição politica e religiosa; serão nossas
de corpos sem alma, embora tenha irmãs principalmente pelo cerebro,
sido sempre o seu coração incom­ ou por sua activa e consciente coo­
parável 0 secreto manancial de ins­ peração nos destinos ideaes da Hu­
piração dos mais nobres commet- manidade.
timentos do Homem. Não lhes falta competência para
Por emquanto, temos apreciado tão santa cruzada.
A M E N SA G E IR A I I

E a prova disto se acha no bri dignificação da mulher, o elemento


lhaiitismo da presente revista, que central da familia e da sociedade.
não se teria publicado sem um Por isso fazemos votos para que
certo espirito de iniciativa e a mais ventos favoráveis entufem as velas
heroica perseverança da parte das gloriosas deste bergantim doirado,
suas promotoras. a revista Mensageira!
Para tanto conseguirem, foi mis­ Vão nelle muitas esperanças; e,
ter que ellas vencessem a obcecada ao vel-o atirar-se corajosamente ao
orientação do nosso meio. de todo desconhecido da publicidade, er­
em todo entregue ás mais estreitas guemos-lhe daqui uma saudação
cogitações da politicagem e do ma­ commovida
terialismo interesseiro. — O’ gênios bemfazejos do mar,
Aberta aos talentos feminis, não salvae dos escolhos este batei, que
tem esta revista por alvo uma ri- leva comsigo, pelas ondas, o nosso
dicula ostentação literaria: ella visa proprio coração!
sobretudo o elevado fito da justa S il v io de A l m e id a .

0 2)eserto
A Presciliana Duarte de Almeida

O sol queima; o ar suffoca; a infinita celagem


D o céu resplende sobre o infinito deserto ;
E do vasto horisonte, ao derredor aberto,
Sopra, como de um fôrno, uma ardente bafagem.

Nada á flor do areial, quer á distancia ou perto ;


E, atravez da nudez da vasia paizagem,
Nem sequer a illusoria e ephemera miragem
Deixa, ao longe, entrever o seu perfil incerto. . .

Nem o leve ruflar de uma aza; nem um grito,


Fazendo estremecer o deserto que dorme,
Como uma flecha, vara a mudez do infinito . . .

Implacável, o sol, quente e fulvo, dardeja


Uma luz que, abrazando a solidão enorme,
No ar, na areia e no cén treme, brilha e llammeja .
.luT.iA Co r t in e s .
I 2 A M E N S A G E IR A

gressou a regiões menos glaciaes,


6hronica omnimoda
e já outro navegante se arrisca a
Atravessamos uma epoca de com- fazer companhia a Sir John Fran­
memorações. klin e seus desventurados collegas!
Ha poucos dias, celebrámos o O dr. Andrée — pennis non
anniversario do portentoso desco­ homini datis — procura desven­
brimento de Colombo; e já nos pre­ dar os segredos de Boreas que
paramos, para recordar a maravi­ mais e mais se obstina em subtra-
lhosa travessia de Vasco da Gama! hir-se ás perquisias de sciencia!
índia e America; Christovam Co­
lombo e Vasco da Gama... E como si para distinguir este
Assumptos, só dignos de serem já moribundo século das luzes, não
ti-actados por um Homero, ou um bastassem todas essas arrojadas ten­
Camões... tativas, annnncia-se ainda nova
Mudemos de clave... expedição e desta vez ás terras
austraes!..
E as festas centenárias comme- Na Bélgica apresta-se uma expe­
morativas de taes descobrimentos dição, que vem á procura do sel­
parecem como que estimular novas vagem austral!
emprezas...
Estes dois irmãos siamezes liga­
Uma vez descoberto o caminho
dos pelo enorme cordão umbilical
das índias, em seguida ao feito
do eixo terrestre, por mais que se
arrojado de Bartholomeu I)ias, ten­
occultem sob o seu manto de bru­
do emergido do Mar tenebroso^ a
mas impenetráveis, ultimamente tem
um aceno da vara magica do grande
andado expostos á curiosidade irri­
genovez, a famosa Atlantida de
tante dos exploradores modernos...
Platão; exploradas em todos os
De caracteres muito differentes,
sentidos, as terras de Maluco e a
como aquelles dois exemplos ul-
aurea Chcrsoneso\ perlustrado, em
tra-classicos de teratologia humana,
todos os sentidos, o continente ne­
estes irmãos glaciaes só em uma
gro; era de crer que a humanidade
coisa concordaram : em se furtar
se contentasse com o patrimônio
ás indagações dos Réclus da actua-
adquirido e se não aventurasse
lidade...
ainda pelo dissociabili oceano do
E dizem até que o polo do sul,
Venusino...
mais intractavel que o seu confra­
Entretanto, assim não acontece! de. também se mostrava mais es­
A hora actual 6 — a hora polar! quivo do que elle ás blandícias das
Mal 0 audacíssimo Nansen re­ sociedades sabias do velho mundo.
A M E N SA G E IR A 13

Acastellado por trás do seu Erebo se dê 0 luxo de uma villegiatura


e do seu Terror, nomes que do em taes paragens!..
per si já fazem tremer; dava-nos, A hora actual, 6 a hora polar!..
apenas, signaes de sua existência,
nas flechas enregeladas do pampe- Atravessamos uma época de coni-
rio que, ora engulia 0 malfadado memorações.
Jiio Apa e os seus desditosos pas­ Ha poucos dias, celebrámos 0
sageiros; ora arrasava-nos os bron- anniversario do portentoso desco­
chios e a pitintaria, com formido- brimento de Colombo; e já nos pre­
losos ataques da traiçoeira influ- paramos para recordar a maravi­
enxn e pneunomias concomitantes! lhosa travessia de Vasco da Gama!
índia e America; Christovam Co­
Hoje, porém, elle, como um polo lombo e Vasco da Gama...
que se preza, também vai tomar Assumptos, só dignos de serem
parte no convivio da civilisação tractados por um Homero ou um
hodierna... Camões!!!...
Tracta de cortar as longas bar­ Mudemos de clave...
bas de... icebergs e, envergando S. Paulo - 15 Outubro - 1897.
um modernissimo, um elegante smo­ J . V ieira de A lm eida .
king talhado por algum Reaunier
da terra Adelia, desassombrada-
mente frequentará os salões da aris­
tocracia européa, ou da plutocracia
Contraste
norte-americana... Talvez nest’hora ein que a chorar suspiro

Darão entrada nos museus ar- Lembrando-me de ti, saudosa e afflicta,


Bem junto estejas da mulher bonita
cheologicos os trenós e outros ap­
Que te escravisa o coração que aspiro.
parel hos de... selvageria, em uso
nessas inhospitas regiões... E emquanto eu soffro aqui no meu retiro
O ciume atroz que no meu peito excita
Dentro em pouco, já ninguém
Cada vez mais essa paixão maldita,
mais ouvirá fallar em phócas, em
E de raiva e de dor quasi deliro;
ursos brancos, ou rapozas azues...
Os pólos se converterão mesmo Em paragem risonha, enflorecida,
Talvez tu’ alma esteja n’ um transporte
em cabarets^ onde 0 licor correrá
Toda inteira em su’ alma transfundida!
a jorros, irisados pelas scintillações
de um espirito finamente gaulez!.. __ Bem diversa da tua é minha sorte;
Haverá companhias, que hão de No seio de outra encontras tu a vida,
E eu na tua inconstância encontro a morte !
emittir bilhetes a preços reduzidos,
Á u r e a P ir e s .
para que a bohemia da actualidade
A M E N S A G E IR A
14

A modéstia não inhibe o enthu-


5elecçào siasmo.
A sorte das mulheres depende C a t h a r in a T im an d ro .

muitas vezes da educação moral


que se lhes dá, ou da instrucção Quantas senhoras dignas de se­
scientifica que adquirem. rem lembradas por titulos gloriosos
não baixariam ao tumulo com seus
Os homens zombam da ignorân­ nomes? Por muito tempo contri­
cia das mulheres, sem Se lembra­ buiu uma acanhada e mesquinha
rem de que as educam como ás educação para que morressem em
escravas, que só necessitam saber esquecimento muitas senhoras bra-
obedecer. zileiras, e mal entendida modéstia
Ha muitos homens que perdoam obstou que vissem a luz da publi­
com mais difficuldade ás mulheres cidade algumas composições e tra-
0 talento do que os vicios. ducções que talvez emparelhassem
G r a c ia H. C . M a t t o s .
com a de nossos melhores litera­
tos. E ainda hoje quantos homens
A verdadeira felicidade da mu­
ignorantes não têm por incompatí­
lher consiste em amar seu marido
vel com 0 melindre do sexo femi­
e ser amada por elle.
nino a mais innocente das obras
M mk . da LA F a y e t t e .
inspirada pela mais nobre das pai­
Com as mãos sujas de carvão, xões, e não vêm na sua publicação
na cozinha, accendendo o fogo pa­ um como compromettimento ? Re­
ra fazer o almoço do marido, co- sultou 0 que se devia esperar: —
sendo-lhe a roupa, ammamentando a perda de numerosas composições
os filhos, varrendo a casa ou en- e d’ahi o não serem conhecidas
terpretando Chopin; pintando uma sinão pelo seu nome as poetisas
aquaralla ou amairando um bou­ mineiras, D. Barbara Heliodora Gui-
quet^ a mulher tem sempre a mes­ Ihermina da Silveira, esposa do ce­
ma poesia: a de trabalhar para ser lebre poeta Alvarenga Peixoto, que
agradavel, util, bôa, para satisfazer finou-se no exilio, e D. Maria dita,
uma necessidade moral ou intel­ por autonomasia, das Contendas,
lectual do esposo e da familia, re­ por causa de sua belleza e outras
velando-se amorosa e digna do doce muitas.
J . N o r b e r to .
e pesado encargo que a sociedade (Brazileiras Celebres.)
lhe destinou.
J u l ia L o pe s de AijtfEm A.
(Do Livro das Noivas.)
A M E N S A G E IR A 15

Todos os dias eu acordo rindo,


2 ). í ^ l z i r a A ouvir o pipilar desse canario.
Desperto dês que a aurora vem surgindo.
E ’ D . Alzira morena,
Recita com o ninguém !
E a beijal-o, a beijal-o, doidamente.
Na sua bocca pequena
Tem o o destino turbulento e vario,
Que encanto o verso não tem!
Que apaga um sol brilhante, de repente.

Vestida sempre de luto,


E esse cuidado que por elle sinto,
Com mostras de grande dor,
Esse cuidado o meu amor augments,
D o romantismo é um producto,
E p6e-me o coração num labyrintho!
D o sentimento é uma flor!
18 de Julho de 1893.
Occulta, em prantos, ouvi-a P r e sc ilia n a D u .a r te de A l m e id a .
Falando comsigo s ó ...
Varou-me a melancolia,
Fiquei cortada de d ó !

Fui perguntar-lhe o motivo 7<otas pequenas


D o seu tormento cruel.
Disse-me em tom decisivo, Maternidade de S. Paulo — Vi­
Com voz ungida de fel, sitámos, iia dias, esse admiravel
estabelecimento de caridade, habil­
Que amára tanto na vida mente dirigido pela illustrada Dou­
Que nunca mais poude amar.
tora M^ria Renotte e mantido a
Desde que certo suicida
expensas das generosas sócias, que
Deixou-a, triste, a penar.
mais uma vez pôem em evidencia
E que, portanto, um convento a grandeza do coração feminino.
Seria o seu nobre fim... E’ 0 primeiro estabelecimento
E sem um leve lamento dessa ordem que na America do
Foi-se de perto de mim.
Sul se mantém exclusivamente a
8 de Hetembro de 1897. custa de senhoras, 0 que honra em
extremo 0 nome das distinctas pau­
listanas, nome cheio de bellas tra-
dicçoes desde a guerra dos Em -
Meti plhinho boabas.
Enorme capricho, iireprehensi-
Sorri diante do espelho, extasiado,
V endo o seu rosto, que inda não conhece,
vel asseio e tudo 0 que a hygiene
E que é meu céu form oso! enluarado! moderna exige para uma institui­
ção com semelhante destino, fazem
Inda não fala, mas já balbucia... daquella casa um verdadeiro tem­
Como um botão de rosa, aos poucos cresce,
plo de amor e piedade.
E faz também crescer minha alegria!
i6 A m e n s a g e ir a

Quantas penas alliviadas. quan­ Sem podermos apreciar de visu


tas vidas que se teriam submergido os trabalhos apresentados ao publi­
a falta de recursos, encontram alli co do Rio de Janeiro polas amado­
0 necessário abrigo e carinho, para ras, avaliamos todavia o seu mérito
poderem proseguir depois na faina pela critica dos jornaes daquella
diaria, luctando com toda a sorte de capital; e aproveitamos o ensejo
privações e fadigas incompensadas! pai a enviar d’aqui parabéns áquellas
A nós, mulheres residentes em distinctas senhoras pelos applausos
S. Paulo, cabe-nos o humanitário que têm merecido da imprensa.
dever de auxiliar tanto quanto pos- Não nos podemos furtar, entre­
sivel essa casa, onde a mulher ope­ tanto, ao prazer de enviar em es­
raria e desprotegida da sorte en­ pecial um aperto de mão á nossa
contra, em dias bem melindrosos prezada amiga e apreciadissima col-
para sua existência, o conforto e laboradora Maria Clara da Cunha
arrimo ([ue temos a toda hora em Santos pelos francos elogios que
nossos lares. recebeu da critica em geral o seu
Canudos — Repeicutiu em todo quadro intitulado Meu gabinete.
o paiz 0 brado de enthusiasmo Diccíonario em projecto — A
pela victoria das forças legaes em Viscondessa de Cavalcanti empre-
Canudos, e 6 por isso que a Men­ hende organisar, em Pariz, um
sageira também, de todo alheia ás Diccionario biographico brazileiro,
luctas politicas, sente-se cheia de e para conseguir o seu desidera­
nobre alegria diante da imagem tum pede aos nossos estadistas, li­
da Patria aureolada de esperanças! teratos, scientistas, artistas, etc., que
A ’ distincta e abnegada esposa lhe enviem á Avenue Victor Hiigo.^
do glorioso general Arthur Oscar, n." 95, os dados necessários ás suas
enviamos os nossos effusivos pa­ biogi'aphias, taes como: data e lu­
rabéns. gar do nascimento, titulos scienti-
Bellas Artes — A ’ exposição de ficos e literários, profissão, indica­
pintura da Escola Nacional de ção de obras publicadas, etc., etc.
Bellas Artes concorreram este an­ Oxalá consiga a eminente se­
no as seguintes senhoras flumi­ nhora fazer um trabalho que ple­
nenses, D. D. Alina Teixeira, Bea­ namente satisfaça aos seus louvá­
triz F. C. de Miranda, Maria Clara veis intuitos!
da Cunha Santos e Mary M. Sayão
que sabem, cultivando seu espirito, — No proximo numero, poesia
aproveitar- as horas vagas no de­ de Francisca Julia da Silva.
senvolvimento do bello e do util.
i8 A M E N S A G E IR A

modo de certos homens que não do ás suas filhas todos os meios


têm nunca uma opinião firme e de serem educadas e dignas, su-
decisiva, agitein-se embora no seu geitando-se para isto aos maiores
paiz as mais complicadas e impor­ dissabores e sacrificios.
tantes questões de interesse publico! Abençoemos o nome de nossas
Felizmente, porém, é muito maior mães e busquemos continuar a sua
0 numero das que sabem pesar as obra, aclarando o porvir de nossas
suas responsabilidades e cumprir o filhas. M a r ia E m il ia .

seu dever a todo custo, apezar de


não o parecer a quem não tenha
0 genio bastante observador. Fa­
lamos ás nossas patricias e deve­
forn a d a
mos dizer a verdade tal qual é. Infancia! Trilho doce, em farta messe
De rosas, cheio de aves multicores,
Todas nós sabemos que nossas avós,
Onde, do sol aos últimos fulgores,
por via de regra, pelo menos no No regaço materno se adormece.
interior do Brazil, não aprenderam
Adolescência! O mundo que parece
a 1er; nossas mães, mais felizes
Um perenne jardim de eternas flores.
um pouco, aprenderam a soletrar e Em que, entre sonhos, presentindo amores,
fazer muito mal as quatro opera­ O som do baile se mistura á prece.
ções; a actual geração váe obtendo
Mocidade! Luz Plena! O céo na terra!
emtanto alguma cultura intellectual, A vida intensa! Amar e ser amada!
já váe adquirindo conhecimento de Eis a maior das bemaventuranças!
algumas linguas, sciencias. etc., etc.
E tudo isso. a verdade seja dita Velhice! Atra avalanche que soterra
Em densissima treva illimitada,
sem rebuços, tudo isso a esforços,
Illusões, devaneios, esperanças...
a sacrificios ingentes das nossas
Outubro-97.
mães devotadas. E’ a essas santas
A d e l in a L opes V i e i r a .
creaturas que devemos a pouca de
luz que se váe fazendo sobre o
destino das brazileiras. Para isso,
quanto softreram e luctaram? Os
paes, tendo grandes aspirações so­
Carta do pio
bre seus filhos, não ambicionavam, Começam agora os formosos dias
salvo honrosas excepções, sinão de verão! Levanto-me muito cedo
que as filhas fossem honestas. Isto para os banhos de mar e aprecio
bastava ! As mães, porém, por in­ immensamente estas deliciosas ma­
tuição e poi' uma altivez natural nhãs, que me enchem a alma de
iam sempre que podiam ministran­ sã e benefica alegria.
A M E N SA G E IR A 19

0 mar 6 um encanto ! Nadar — trágico, não direi que fossem lan­


eis um dos maiores prazeres con­ çadas ao mar, por hygiene e for­
cedidos por Deus aos miseros mor- mosura das praias, mas lançadas ás
taes. Outro dia, estava no mar, chammas de uma fogueira enorme!
admirada, esquecida a contemplar
a magestade das ondas que pláci­
Para toda a alma bem formada,
das e serenas davam ao mar 0 as­
a natureza ó a melhor mestra, 6 0
pecto de um manso lago. De re­ mais importante factor da perfecti-
pente sinto bom juncto a mim um
bilidade humana.
objecto estranho que aos balanços Nenhum poeta consegue impres­
preguiçosos das ondas se aproxi­ sionar e arrabatar seus leitores se
mava da praia. Contemplo-o ad­ suas poesias não têm verdade, se
mirada! Que havia de ser? Uma suas dores são mentirosas, se suas
trança postiça de cabello grisalho, descripções são falsas.
presa ainda a um grampo de tarta­ O pintor que inventa marinhas,
ruga ! que falsifica paysagens e que de
A trança despresada aos balan­ cór pinta 0 que não vê e por con­
ços das ondas approximava-se 0 seguinte 0 que não sente, não con­
afastava-se de mim. seguirá jamais imprimir a seus qua­
Pobre trança perdida! disse eu! dros a nota caracteristica e alegre
De quem és? A quem pertences? da verdade e do bello.
Quem seria a tua primitiva dona? As naturezas muito sensiveis sen­
Comecei a imaginar mil cousas ex- tem-se impressionadas diante de
quisitas. quadros verdadeiros e cheios de
Aquella trança era velha, estava criteriosa observação.
cheia de cabellos brancos, e seria Esta impressão, esta alegria é a
a velhice a causa de seu despreso? consciência da propria verdade.
Não creio. Fora talvez perdida no
banho, quando prestava á sua velha
A Mensageira teve feliz accei-
dona 0 serviço precioso de não lhe
tação aqui no Rio. Ouvi de muitas
deixar a calva á mostra. pessoas auctorizadas, palavras de
Neste tempo de horrível carestia,
animação e apreço.
aquella trança daria ainda alguns
Ainda bem !
nickeis em um belchior qualquer
da rua da Carioca.
Trança postiça — que ignominia! Projecta-se para breve uma bella
A falar verdade, todas as tran­ festa ao ar livre, no Passeio Pu­
ças postiças deviam ter um fim blico, organisada por senhoras das
20 A M E N S A G E IR A

principaes famílias desta Capital. mula, com a voz entrecortada pelo


Haverá corridas de bicyeletas, baile pavor e dizia, meio rindo meio
infantil e mil outras cousas encan­ chorando: «Seu Azevedo, estou per­
tadoras. Applaudo essas festas cam­ tinho do Senhor e não tenho medo
pestres, onde as creanças podem nenhum.»
brincar á vontade, sem receio de As outras creanças, pasmas com
abalar o p o r t e - bibelots com as so­ a coragem desta menina, gritavam:
lavancos dos pulos ou fazer em volta, volta, que elle te péga.
muitos pedaços um bello e precioso 0 pobre velho, desapontado, fin­
gia não entender a historia das
vaso de Sèvres.
A proposito de creanças : minha creanças; a avó, envergonhadíssima,
vizinha tem uma filhinha adoravel, disfarçava como melhor podia.
formosa e loura, de 4 annos de
edade. Em casa acostumaram-se De 15 em 15 dias conto poder
(que maldito costume!) a amedron­ palestrar com as leitoras desta re­
tar as creanças quando fazem ma­ vista. Promette ser lacônica e con­
nhas com a invocação do nome de tar só cousas alegres, mesmo por­
seu Azevedo. É preciso que eu que com tristezas, como já disse­
explique que seu Azevedo 6 um ram, não se pagam dividas.
bom amigo de familia, muito velho Os jardins estão lindíssimos a-
e horrivelmente feio. É carinhoso gora. Em minha casa as marga­
para as creanças, mas não consegue ridas e jasmins do Cabo abundam
a affeição desses anjinhos por causa em profusão. As flores, além das
de sua horrível careta, que a falar muitissimas virtudes que têm, pos­
verdade, assusta até a gente grande. suem mais uma que percebi por
A menina da vizinha, querendo esperiencia propria: falam-nos das
mostrar a sua coragem, o seu grande pessoas amadas que estão ausentes,
heroísmo ás outras creanças, suas com imperiosa e doce insistência,
companheiras, approximou-se de e é por isso que ao ver marga­
seu Azevedo, que todo grave e sen- ridas brancas e roxas juntas em
tencioso conversava com a avó da um ramilhete lembro-me saudosa
creança, no sofá da sala. de Zalina Rolim que em um dia,
A pobresita queria-se mostrar va­ de agradavel palestra, me contou
lente e conseguiu dar alguns pas­ sua predileção por essas duas es-
sos para juncto do homem, mas pecies de margaridas — as bran­
era impellida por uma força ex- cas e as roxas.
tranha e afastava-se, depois, nova­ Por hoje, faço ponto.
mente se approximava, toda tre­ M a r ia C l a r a da C unh a S antos.
A M E N SA G E IR A 2 I

0 mergulhador
(Idéa de Murger)

Querendo mais um astro em seu cabello, a clara


Rainha assim fallou: «Desce ao mar e passeia
Por esse amplo palacio onde canta a sereia,
E traz-me lá do fundo a pérola mais rara.»

E o bom mergulhador, em busca do thesouro,


Desce, passeia o olhar pela amplidão marinha;
Acha a pérola, e offerta-a á formosa rainha
Numa caixinha azul verniculada de ouro.

O poeta é assim também; se teu capricho, instante.


Requer, Senhora, um verso, unicamente um verso,
Mas um verso perfeito, aureo, sonoro e terço,
Que diga a tua ideal formosura radiante.

Ao fundo da su’alma immaculada e santa,


Undoso plaino azul, vasto mar onde boia
O dourado palacio onde a sereia canta.
Mergulha, e vae buscar a desejada joia.

F r a n c isc a J u l ia d a S il v a .

0hronica omnimoda Rezam as chronicas monásticas


que aquella physionomia seraphica,
« Vigilate et orate ...»
representada em todos os quadros
Ainda se ouve o tilintar das con­ de altar, é a do austero 8ão Do­
tas dos rosários. mingos ...
Terminou o mez consagrado ao Recebe de Maria o rosário, syni-
culto da Mãe de Deus ! . . . bolo da oração, para inculcar á
posteridade a precisão de orar in­
Quem é aquella figura de asceta sistentemente, sem jamais descon­
que se vê prostrada aos pés de tinuar.
Maria de quem recebe aquellas co­ 0 rosário 6 a concretisação do:
roas, que serviam outróra para or­ — vigilate et orate do Divino Mes­
nar as cabeças das virgens christãs tre, — no Gethesemani...
ao caminharem para o martyrio?!..
22 A M E N S A G E IR A

Bem sei, ó grande, ó mystíco Lancemos a vista para Uberaba,


Batriarcha que tempo houve, em que é como quem diz — para as
que os interesses terrenos, em que fronteiras da civilisação e veremos
a raxão de estado andou arrastando como daquelle ninho de afjuias os
0 teu sancto instituto, pelas cinzas discipulos de S. Domingos desfe­
dos borazeiros da malsinada Inqui­ rem 0 voo, cm busca do selvicola,
sição ! que se occulta nas cerradas bre­
Não creio, porém, que jamais nhas de Matto G ro sso !...
sanccionasses taes horrores; nem Continuadores da obra ingente
que 0 chiar das carnes crestadas de Nobrega e de Anchieta, todos
nas chammas purificadoras (?) das os dias arrancam ás garras do abu­
fogueiras do Sancto Officio podésse tre da selvageria essas pombas in­
em tempo algum soar aos teus ou­ nocentes, sempre dispostas a se
vidos, com 0 rythmo suave dos psal- deixar prender, nas malhas suavís­
mos entoados no côro dos mostei­ simas do Evangelho ! . . .
ros que fundaste ! . . .
Sempre acreditei que o interesse Na supercivilisada França, elles
mundano das dymnastias reinantes superintendem á educação da mo­
illaqueasse a boa fé, a ingênua cidade; elles dirigem a consciência
crença dos teus filhos e os envol­ das multidões ! . . .
vesse nas malhas de suas redes; Da cadeira profana ou da cadeira
convencidos de que extirpavam he­ sagrada, sempre são os fanaes que
resias, quando apenas consolidavam apontam o caminho aos navegan­
tyrannias !... tes que se desviaram da rota, nos
mares tempestuosos da vida ! . . .
Passando a esponja da justifica­
ção nessa mancha negra, que tis­
Não creio, portanto, que deva
nou por algum tempo o habito
continuar a pesar sobre os Domi­
alvinitente dos teus discipulos; con­
templemos esses infatigáveis traba­ nicanos a accusação de cumplici­
lhadores da vinha do Senhor, pela dade na pavorosa tragédia de Tor-
mais nobre de suas faces: — o quemada !
Prefiro encaral-os como aposto-
ensino!
Vejamos como os Dominicanos, los do bem, como victimas, talvez
na cathedra de professores, ou na incautas, de sua boa fé, ingenua­
tribuna de prégadores, levam a luz mente posta ao serviço da sombria
a todos os espiritos e a consolação politica dos Philippes ! . . .
a todas as consciências ! . . .
A m e n s a g e ir a 23

Não !... Mas um canto vibrou, longe, plangente,


Aquolle olhar celeste que adivi­ Quem é que a solidão perturba agora?
Ah! quem se atreve pela noite á fora
nhamos na physionomia seraphica
Um grito, desferir lugubremente?!...
do padre S. Domingos, não se po­
dia fitar nas cnrochas e mmbem- E ’ pcir ventura um’alma forasteira,
tos, supremo escarnoo (ia ferocidade Que vagueia sosinha na espessura
fanatica, espadanando sobre as vi- Da noite, procurando a companheira?

ctimas imbelles dos preconceitos da


N ão... Talvez seja a gargalhada insana
época ! . . . De alguma ave de agouro que procura
O rosário (pie recebeste das mãos Escarnecer da dor da vida humana!
divinas de Maria não podia servir A m e l ia de O l iv e ir a .
de grilhão, para encadear consciên­
cias ...
Elle é 0 symbole sagrado desse
commercio mystico, que existe en­
tre a creatura e 0 Creador; é, por Traços ligeiros
um feliz acaso, a recordaijíão do Arthur Azevedo, em sua Pales­
martyrio dos christãos primitivos!.. tra de 21, aconselha a directora da
— lnquisi<;ão e S. Domingos — Mensageira a supprimir a collabo-
são expressões antinomicas ! rat;ão de homens, para (pie esta
revista adquira uma nota mais ori­
ginal e sympathica.
A hi se extinguem os éccos dos
Sentimos discordar complotamcn-
últimos cânticos sagrados!
te, neste ponto, do notável homem
Ainda se ouve o tilintar das con­
de letras que tão assignaladamente
tas dos rosários ! . . .
abrilhanta as columnas do Paü.
Terminou 0 mez consagrado ao
Em primeiro logar, já não seria
culto da Mãe de Deus ! . . . uma originalidade^ mesmo aqui no
S. Paulo, Outubro de 1897. Brazil, uma publicação periodica
J . V lE IltA 1)K A i .MKIDA. exclusivamente feita por mulheres;
e, por outro lado, parece-nos que
em nada se apouca a sympathia
JSl
desta revista por admittir em suas
columnas algumas pennas mascu­
Soneto
linas.
Noite fechada ! O espaço inteirauiente Os melhores salões estão sempre
E’ trevas. Que tristeza encerra esta hora
abertos aos dois sexos, e a absoluta
Em que tudo é silencio e a alma que chora
Abafa as vozes do soffrer latente!
exclusão dos marmanjos só se po-
24 A M E N S A G E IR A

deria exigir em um convento de nestas plagas do sabiá, conseguiram


freiras. ainda viver muito mais do que a
Si 0 proprio Paix., que 6 um maltratada rosa da poesia de Ma­
jornal militante e forte, nunca se lherbe, — como poderia viver a
negou ás escriptoras, por que razão Mensageira confiada apenas ás de­
havia de excluir aos homens a licadas mãos de algumas, e ainda
Mensageira, que deve ser toda raras, escriptoras nacionaes?
gentil ? Saiba Arthur Azevedo que, si
Entendemos que este periodico estas aqui se apresentam com suas
só tem a lucrar com o augmento pennas de luz, é porque não se
do numero dos seus auxiliares, tanto deixaram entibiar pela indifferença
mais quanto o meio literário do de uns e a má vontade de outros, e
Brazil se caracteriza ató hoje pelo porque roubam, ás vezes, aos diver­
desalento e pela inércia; e não sa­ timentos, e ao descanso, o parco
bemos bem porque, uma revista tempo que lhes sobeja das afflic-
destinada ás mulheres, ha de deixar ções do lar ou dos misteres dida-
de inserir qualquer producção que cticos que, — para viver nesta so­
lhes seja proveitosa ou agradavel, ciedade tão mal dirigida, — tive­
só porque tenha vindo do cerebro ram de abraçar algumas, e das mais
de um homem... A nossa opinião illustres, literatas brazileiras...
seria, pois, que a directora da Men­ Si, para o geral dos nossos patrí­
sageira, sem quebrar a linha ac- cios, 0 ideal da mulher consiste só
centuadamentc feminina destas pa­ em saber lavar, cozinhar, etc., como
ginas, procurasse enfeital-as, ainda qualquer uma das antigas escravas,
mais, com os trabalhos de um Ar­ — quanto arrojo e talento lhes
thur Azevedo, de um Filinto de não será necessário para que ellas
Almeida, de um Olavo Bilac, ou escrevam ?
de um Raymundo Corrêa... Oxalá, concordando comnosco,
O crystallino escriptor da Pales­ viessem os mais alados talentos
tra estava devóras optimista quan­ masculinos (como, por exemplo,
do formulou aquelle seu modo de Arthur Azevedo) dar a esta revista
pensar! Pois, si nem mesmo as a honra dos seus nomes e a forte
revistas literárias feitas por ho­ vibração do estylo dos mestres!
mens vantajosamente conhecidos. S il v io de A l m e id a .
A M E N SA G E IR A 25

Nair, branda e calma como a na­


tureza, sem estimulos, permanecia
'ideal em extremo opposto, occulta em
Entre a dolencia acerriina e chorosa cabana á margem de um regato.
De um sentimento infindo, Véra, pallida e melancólica, era
Vive a minh’alma — a lyra suspirosa,
0 emblema vivo do amor, d’ esse
Que chora, muita vez, cantando e rindo!
amor que não olvida mesmo 0 tu-
Nem me bastára a luz de teu sorriso, mulo, onde vive sempre em forma
Nem todo o teu amor! de uma cruz.
Eu quizera um doirado paraiso, Moacyr era 0 elo mvsterioso ipte
Onde eu fosse o teu unico esplendor!
ligava taes corações, que, divorcia­
(Quizera uma avenida perfumada dos pela origem, tinham, todavia, 0
De flores odorantes, mesmo culto.
Onde eu brilhasse mais que a madrugada Elle, 0 amado de todas, 0 sonho
Aos teus olhares meigos, fascinantes! constante de cada uma, era 0 só
Dens verdadeiro entre as très erea-
Quizera ser o riso, o alento, a aurora,
A luz do teu viver. turas distinctas.
Ser tudo o que tu’alma aspira e adora. Imperava, porém, em cada cora­
Anjo da noite e flor do alvorecer! ção do modo bem diverso e em
13 de Novembro de 1890. forma toda especial.
P r e s c il ia n a D u a r t e d e A l m e id a . AVanda, linda e dinheirosa, con-
quistára de um só golpe a affeição
do cavalheiro amado e amante de
Nair, desde os tempos de creança.
Impetuosa nas resoluções e vio­
lenta nas acções, ella destruira ar­
‘Trindade rogante 0 templo onde outr’oraXair
Em très localidades do torrão fora rainha.
Educada sob a falsa athmosphei-a
mineiro, existiam très almas amar­
do luxo, tinha Wanda e.xigencias
guradas, pela compressão de uma
de princeza e oscillações de doida.
só dor.
Wanda branca e loura donzolla, Conhecera em antigos dias o bor-
habitava chalet formoso em deca­ borinho dos fócos civilisados, e,
portanto, causava-lhe agora horror
dente cidade.
Altiva, caprichosa e leviana, ti­ a permanecencia em silencioso po­
nha momentos de loucura e ins­ voado.
Moacyr apparecera, pois, qual
tantes theatraes.
2Ó A M E N S A G E IR A

estl’ella, em meio do pavor que llie vura contra os seus, e espera im­
inspirava a solidão. paciente reconquistar a victoria.
i\reiga e sorridente, affecta por Xair, que por esse tempo, ainda se
Moacyr a mais espontânea dedi­ lembrava d'aquelle que tantas juras
cação. de amor lhe fizera, debaixo da man­
Dema.siado bello, elle o 6, e por­ gueira favorita, e por quem ella
tanto quasi diminuto seria o seu agora saudosa suspirava, foi sor-
constrangimento em apresental-o prehendida em breves dias pela sua
por esposo, quando estivesse longe volta inesperada.
e bem longe d’aquelle immenso Sem ter ideal formado, ella era,
degredo. todavia, captiva de um amor im­
Com liabil energia e firmeza sin­ menso, visto que «0 habito 6 uma
gular. executara os planos que segunda natureza».
traçara com o fim da algemar-lhe Espirito inculto, e alma affeita
0 coração. aos carinhos, a pobre Xair, tinha-
Facil lhe fôra o seu intento, por- se acostumado, d’esde o inicio de
(jue também o ouro de seus cofres sua mocidade a amar ao interes­
compraria a independencia d'aquel- sante jovem, que se mostrava tão
le que tanto sonhava coin a liber­ affectuoso para com ella e que se
dade pecuniária. tornaria um dia o companheiro fiel
Tudo tinha, portanto, para am­ de sua vida cheia de serenidade,
bos 0 prisma da felicidade egoista, porque o seu pecúlio era bastante
visto que, apesar de unidos vive­ sufficiente para garantir o futuro
ria cada um para si mesmo. calmo com que sonhava.
Xão se esqueceu, porém, a sa­ Xão desejava sahir do meio onde
bedoria divina de impedir a con- fôra nascida e nem tão pouco tinha
summação de tal desastre. ambição de apparecer no mundo
Contratempos, provindos por op- social.
posição da parte da familia de Wan- Uma existência ignorada, mas
da, desalentaram por forma bem resguardada de privações, era todo
atróz 0 animo de Moacyr, que tris­ 0 .seu desejo.
tonho via desapparecer as nuvens Graças ao seu temperamento cal­
compactas do ouro e surgir nova­ mo e um tanto benigno, não se
mente das brumas do passado o exasperava contra os rigores da
vulto sympathico de sua ex-amada, dor. assim como não se enthusias-
cjue fôra bem sincera e carinhosa. niava com os ostridulos da felici­
Wanda. allucinadapela derrota de dade.
seu intento, commette actos de bra­ Do que não restava, porém, du-
r

28 A M E N S A G E IR A

Inten’Oga ao mundo inteiro, por­ Um consolo apenas reservo para


que é assim tão desgraçada, quem mim; que 6 de um rápido aviso
tanto sabe amar... fazer aos corações que desconhecem
Nas suas vigilias negras, escu­ os segredos do amor apaixonado.
tam todos os seus lamentos, qúe A vós almas feitas de puro ideal,
assim são formulados: eu vos previno contra as seducções
Não sou Wanda, que o quer do amor que nos arrasta até a
como simples libertador do poder amar as próprias rivaes.
paterno, que lhe inflinge 0 castigo E um suspiro doloroso foi 0
de um exilio; nem tão pouco, penso termo d’aquella que desfallecera
como Naïr, que 0 sequestra como sobre um tapete de relva.
hastea forte que lhe garantirá a Caxambú, 18 de Setembro de 97.
firmeza sobre 0 solo da ventura.
D olores A l c a n t \r a de A ra u jo .
Eu quero e almejo apenas, um
altar singelo e verde, onde, em-
moldurado de flores, elle fique se"
reno e puro a sorrir para mim,
que de joelhos murmurarei esta Slasphemo
breve prece de amor: — permitta
Como uma negra e horrida muralha,
Deus, 0 ceo e a terra, que a vida A noite envolve a terra e o espaço alaga.
me seja infinda, para em delirio No céo não fulge a rutilante malha
adorar-te. Astral. A derradeira luz se apaga.
Não quero de teus lábios a re­
A vida pára. O chaos arfa e farfalha
compensa de um sim. mas, pro- Da estrella de ouro á solidão da fragíi. . .
mette-me em phrase simples, que A natureza inteira se amortalha
meu amor tão pobresinho, não to Sob essa enorme e pavorosa vaga !
inspira muito horror.
Sim ! Não mais brilhe o paramo estrellado,
Vê como são tristes os dias de
Que a terra seja um tumulo gelado,
meu viver, que busco como allivio
Que seja o mundo um turbilhão de abrolhos.
para os martyrios que soffro, pen­
sar incessantemente nas imagens Que a flora morra! Obumbrem-se os espaços!
Tenho um mundo melhor nos teus abraços,
assustadoras das traiçoeiras rivaes,
Um sol mais hello nos teus negros olhos!
porque só assim 0 meu pensamento,
A rthur A ndrade.
pode de leve cruzar com 0 teu!!
Supplico aos santos todos, em
nome dos anjos cândidos, para im­
pedir que as ondas da minha vin­
gança me impulsionem junto a ti.
A MENSAGEIRA 29

Kief
Puz-me diante de ti, por largo espaço posto
O olhar no teu olhar, fixa e immovel a vista,
Fazendo-a penetrar, ein triumphal conquista,
Luzes dentro, nos soes que brilham no teu rosto:

íris brilhante, com reflexos de amethysta;


Tons claros do cariz do céo, no mez de agosto.
Azul aguado, azul escuro, num composto,
Numa nuance de luz e sombras exquisita.

Cego de luz, (echei os olhos; longamente


Pude vêl-os ainda em prolongada pausa.
Embebido de luz, numa visão ardente.

Desde a esclerotica á pupilla de azeviche,


Na aguda percepção da febre, que nos causa
O Kief oriental da embriaguez do hachich!

J u u o C f.s a r da S il v a .

olhos de outros uma cousa desa­


5elecção
gradável, sim, mas afinal fatalmente
Julgando-me dispensado de en­ determinada por lei da natureza,
trar em apreciações sobre a maior e até aos olhos de muitos... uma
ou menor capacidade da mulher graça de mais, um adorno poético,
para 0 cultivo intellectual, eu te­ um attractivo lyrico!...
nho para mim, como verdade cla- T obias B arreto .
rissima, que um dos maiores em­
baraços com que lucta a civilisa-
Apprende-se a pensar como a
ção, 6 a ignorância desproporcional
costurar bem, e eu desejaria que
da bella metade do genero huma­
a moda introduzisse este aprendi­
no; ignorância que, por cumulo de
zado na educação das mulheres.
infelicidade, aos olhos de uns ain­
M m e. d ’A goqlt .
da é uma cousa indifferente, aos
30 A M E N S A G E IR A

E, supplicante, ao Deus de minha crença


“ Los grandes pensíos Eu peço que me poupe a dura sorte,
viennent du cœur’ ’
E dô-me sem piedade a dor da morte !
VaoTrnargoes.

Para inicio de minha collabora- Assim, vou meditando dia e noute


çâo n'A Mensageira, lembrei-me de Naquillo que rae fere como açoute
O conição de mãe enternecido.
escrever uns versos á adoravel crea-
turinha que me embellezao lar, en-
chendo-o de encantos e de alegria. Oh! não! eu te quizera sempre assim.
Dediquei-os á minha Heloisa, no Risonha e pequenina junto a mim,
altar de meu culto, cuja consagra­ O’ anjo de meu lar, anjo querido!

ção é a minha vida. Os tercettos 21 Outubro 1897.


Ste lla L e n tz.
abaixo, tirei-os de meu coração, e
assim, vão sem uma expressão affe-
ctada, sem um requinte de arte.
Escrevo quasi que so por amor
á minha filha, para estimulo de seu
^otas pequenas
futuro, para que ella mais tarde
saiba o apreço que dou á mulher Amélia de Oliveira — Por in­
que lê, á mulher que escreve, elu­ termédio de uma intelligentissima
cidando 0 espirito, sem prejuizo das e bôa amiga, pudenios obter tres
obrigações domesticas. Viva em sonetos da lavra daquella inspirada
uma esphera superior e possa ella e maviosa poetisa, que é, infeliz­
de bem alto vibrar amorosas e ter­ mente, bem pouco conhecida de
nas as cordas do coração feminino ! nossas leitoras. Amélia de Olivei­
Só assim poderá bem comprehender ra, irmã do grande Alberto de
a influencia da mulher na socieda­ Oliveira, pertencente áquella admi­
de como filha, como esposa, como rável familia eleita das Musas, me­
mãe. recia pelo seu bello talento uma
H s lo is a nomeada que não tem por indis-
culpavel retrahimento e excessiva
Ao contemplar-te o vulto pequenino
Saltando pela casa, alegremente,
modéstia! Dando-nos os originaes
Minha alma toda exulta de contente! de suas poesias, não nos garantiu
a nossa referida amiga que esti­
Si penso em teu futuro, em teu destino,
Deixando o nosso lar abandonado,
vessem até hoje inéditas; cremos
Pelas ternuras de um esposo amado; emtanto que assim o seja porque
nunca as vimos em letra redonda,
Eu sinto então ferir-me a dor intensa
De ser talvez por ti menos lembrada e, mesmo que não o fossem, nada
Que aquelle a quem serás tão dedicada. perderiam as leitoras relendo o
A M E N S A G E IR A 31

bellissimo soneto que ora publica­


mos. Mensageira
Palestras Femininas — Todos A ’ delicada e generosa imprensa
que amam a literatura devem se de S. Paulo, do Rio de Janeiro e
lembrar com saudades das delicio­ de algumas cidades do interior de
sas Palestras Femininas^ escriptas Minas e de S. Paulo, agradecemos
pela laureada poetisa e adoravel os altos conceitos formulados sobre
prosadora Adelina Lopes Vieira, a Mensageira^ pedindo venia para
na primeira phase da encantado­ transcrever as seguintes noticias:
ra Semanal Por isso exultamos A Mensageira^ revista litteraria
de contentamento ao noticiar, com dedicada á mulher brazileira.
ufania, que em breve apparecerá Damos-lhe hoje 0 logar de hon­
na Mensageira aquella fulgurante ra, não porque se trate de uma
secção, segundo promessa que nos revista dirigida por senhoras —
fez em amavel cartinha a cantora pois que isso não constitue por si
das Margaritas. só uma primazia litteraria — mas
A Viuva Simões — Sobre este porque estamos em frente do uma
interessantissimo livro da nossa in­ obra que tem 0 elevado escopo de
signe collaboradora Julia Lopes de reunir, educar e ennobrecer a mu­
Almeida, pretendemos publicar no lher brazileira.
proximo numero um juizo critico, Salve, D. Presciliana Duarte de
devido á penna do conhecido es- Almeida... Nós vos saudamos co­
criptor Leopoldo de Freitas. mo excellente missionária do bem,
Aos collegas de imprensa — fazendo votos sinceros por que esse
Pedimos a todos os jornaes que nobre espirito veja rasgados e azues
transcreverem ti’abalhos da M en­ esses horisontes esplendidos...
sageira a fineza de declararem a Não seremos nós que vos levan­
sua procedência. Empenhando to­ taremos obstáculos; não... Have­
dos os esforços para obtermos uma mos, pelo contrario, de vos dulci-
collaboração escolhida e variada, ficar a via dolorosa^ já que tereis
visto só publicarmos ti’abalhos iné­ de encontrar a traição dos invejo­
ditos, julgamo-nos com direito a sos, 0 fel dos estúpidos e 0 chasco
dos indifférentes, nesse caminho
essa deferencia.
para 0 Calvario dos illuminados.
Mas avante, que 0 ideal é nobi-
lissimo, é grandioso, tanto mais
que rarissimes póvos se poderão
amoldar tanto á doce acção em-
32 A m e n s a g e ir a

polgante da mulher como nós. A- Quantos homens seriam então


vante, pois! mais caseiros, esposos mais fieis,
O numero l.° da Revista abro 0... paos cuidadosos dos filhos!?...
por Duas palavras da sua dircc- (D o Imparcial, de S. Paulo).

tora 1). Prosei li an a sobre o carac­


ter da publicação e sobre o valor Tenho presente o 1“ numero d’A
intellectual da rnulber brazileira; Mensageira, revista litteraria, de­
segue um artigo forte e conciso. dicada á mulher brazileira e publi­
Entre amigas^ de D. Julia Lopes cada em São Paulo sob a direcção
do Almeida, uma poesia de d. Za­ da poetisa Presciliana Duarte.
lina Rolim, do JÁvro da Saudade^ «Estabelecer entre as brazileiras
uma carta e um conto interessante uma sympathia espiritual em com-
de d. Maria Clara de Cunba San­ munhão das mesmas ideas (diz o
tos, com 0 titulo Os brilhantes artigo-programma), levando-lhes de
brutos^ e vários artigos, cln-onicas, l.õ em 1.5 dias, ao remansoso lar,
poesias, Notas pequenas. Km con­ algum pensamento novo — sonho
clusão: numero interessante e pro- de poeta ou frueto de observação
mettodor, bem escripto, variado e acurada, — eis o fim que, modes­
aquecido por ideaes elevados. tamente. nos propomos».
Ainda bom; para que se arran­ Insere a nova revista um bonito
que a mulher brazileira da preoc- artigo de Julia Lopes, que sem
cupação do luxo ou dos passeios contestação c a primeira das nos­
frívolos, que de nada Ibe servem; sas prosadoras passadas e presentes,
e para que ella volte o se con­ um conto de Maria Clara da Cu­
centre no lar, de que é o centro nha Santos, e uma carta, em (pie
luminoso e o foco mais distincto, esta distincta escriptora promette
na graça infantil de menina, nas a sua collaboração para todos os
promessas ridentes de sinbá, nas números (VA Mensageira.
responsabilidades de esposa, nos de­ As poetisas brazileiras estão di-
veres de mãe e nas agmras do gnaniente representadas, nas pagi­
chefe do familia. nas da revista, por Zalina Rolim,
Julia Cortines, Aurea Pires e Pre­
A.ssini todas comprebendossem
sciliana Duarte. Julia Cortines tem
(juanto 0 lar é doce, e tanto mais
a primazia com um soneto bellis-
doce, quanto mais bello o tornar
simo no pensamento e na forma
a mulher com os primores das suas
(Trecho da Palestra de A. A.)
mãos ou com as gentilezas do seu
espirito!
São Paulo 15 de Novembro de 1897 Anno I, N. 3

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direetara — Presciliana Duarte de Almeida

Esta revista garante a sua publicação durante um anno.


Publica-se no$ dias 15 e 30 de cada mez.

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m ero avu lso


a d ia n ta d o Endereço: Rua dos Estudantes N. 23 Rs. 1 $ 0 0 0

Summario: — Chronica omnimoda, J. V. tas de um orvalho celeste dos lá­


de Almeida; — Gonçalves Dias, poesia,
bios encarnados de um fogoso pro­
Presciliana Duarte de Almeida; — Carta
do R io, Maria Clara C. Santos ; — H o­ pagandista...
ras de sonho, soneto, Georgina Teixeira; Assegurava elle ás familias pau­
— Carta á Presciliana Duarte de Almei­
listas a paz, a mais octaviana; e
da, Ibrantina Cardona; — De longe, poe­
sia, Aurea Pires; — Carta com ares de 0 respeito, o mais inquebrantável
chronica, Maria Emilia; — Lenda, Maria ao lar domestico..
Clara; — Selecção; — Notas pequenas.

Chronica omnimoda
Nem a mulher que vota, nem a Entretanto...
mulher que mata! Entretanto, quem compulsar as
Nem Luisa Michel, nem Carlota paginas da curta historia desta Re­
Corday !... publica, pasmará ante a absoluta
falta de cumprimento dessa pro­
messa!
Parece-me que é mais luetuosa Em menos de dez annos de novo
do que risonha a data, que hoje regimen, o coração das brazileiras
se commémora. patriotas se tem compungido, ante
Ainda se não conta um decen- as scenas da mais requintada bar­
nio da proclamação da Republica baria !
e dir-se-ia que um século transcor­ As mais lancinantes dores têm
reu já, tão cruciantes agonias cons- asseteado o seu fragilimo peito!...
tringeni a alma nacional! Não quero aqui resvalar para o
Dois dias após o memorável 15 terreno escorregadio e ingrato da
de Novembro de 1889, ouvi, alli politica...
no velho theatro S. José^ palavras Detesto tanto a mulher que vota,
tranquillisadoras, cahidas como got- como a mulher que mata...
34 A M E N S A G E IR A

0 meu ideal é Cornelia, mãe nho do ostracismo, á mais suave,


dor Gracchos!... á mais meiga das mães, sem, ao
Abomino, por egual, a Luiza menos, o protesto mudo das vossas
Michel e a Carlota Corday!... lagrimas e de vossos gemidos aba­
Mas, sempre direi que o senti­ fados?!...
mentalismo feminino, traço caracte- Seria possivel que também vós,
ristico das minhas compatriotas, por ó corações dedicadissinios; seria
mais de uma vez, tem sido forte­ possivel que também vós estives-
mente abalado! seis convencidas da necessidade de
Exemplifiquemos: tamanho sacrificio ? 1...
O Molock insaciável da dema­
gogia rubra reclamava o holocausto
de tal victima propiciatória?!...
O edificio da Republica se ini­
ciou, gravanda em seu portico uma
tragédia inteira de Shakspeare...
O velho monarcha desterrado, E que nos dóram em troca?...
tacteando nas trevas do Largo do Sim, com que justificaram o exi-
Paço. encarnou perfeitamente o rei cio das velhas instituições?...
Lear, expulso pela ingratidão mons­ Para responder, ahi estão Cucuhy,
truosa das filhas degeneradas!... Rio Grande do Sul, a bahia de
Com uma differença notável: Guanabára, Canudos e o... anspe-
não teve a sua Cordelia!... çada de ferrol...
Onde se escondêra naquelle trá­ Temos vivido em continuas per­
gico momento a celebrada cordura turbações, podendo-se dizer que só
brazileira; em quo escuro antro fizemos a Republica, por espirito
se occultou a famigerada brand ura de imitação...
do nosso caracter?!... Precisavamos de nos... f<nl-ame-
ricanisar!
Faltava-nos o attentado contra
os depositários do poder supremo...
Mães brazileiras, que vos tinheis
Ahi temos a coroa do edificio:
accostumado a ver na velha sobe­
está completa a nossa educação
rana 0 modelo mais completo de
political...
todas as virtudes domesticas, onde
vos sumistes, naquelle angustioso
transe ?!...
Como foi que consentistes que Eleve-se, poróm, um protesto
apontassem, de tal modo, u cami­ contra essa anarchia quo nos ame-
A MENSAGEIRA 35

aça e que surja elle do seio das lia, mãe dos Gracchos, como um
familias brazileiras! modelo, digno de imitação.
Nos homens que nos governam, A educação da mocidade é a
já ninguém mais pode ter con­ mais grata occupação da mulher!
fiança... Eu aborreço aos viragos!
O poder é a sua unica aspira­
ção...
A regeneração social depende da
influencia da mulher brazileira,
Nem a mulher que vota, nem a
deve promanar do lar domestico!
mulher que mata!...
A.s lições de patriotismo, minis­
Nem Luiza Michel, nem Carlota
tradas pelas mães, essas é que hão
Corday !...
de operar o prodigio da regenera­
ção nacional! S. Paulo, 15 Novembro 1897.
Por isso 6 que aponto a Corue- J. V ie ir a de A lm eida .

Gonçalves 2)ias
Ao cantor inspirado e bom do Pindoraina
A mulher brazileira uma grinalda tece...
De sonhos de oiro e luz sua alma se recama!
Como que o seu orgulho innato e grande cresce
Para poder sorrindo o nome gloriar
Desse, que como a selva enorme e secular,
Synthétisa a belleza amazônica e rude,
Belleza singular e sã, que nunca illude!

Nós nascemos assim ! Nós amamos a gloria !


Adoramos o Poeta imaginoso e altivo
Que embellezou a patria e primitiva historia!...
Seus versos têm o tom do acre cheiro activo
Da matta viridante e farta do Brazil,
Que rumoreja ao vento e sob um céu de anil !

Modelemos-lhe era bronze a faustosa grinalda


Que a gloria brazileira o pavilhão desfralda !

10 de Novembro de 1897.

P r e s c il ia n a D u a r t e ue A lm e id a .
36 A m e n s a g e ir a

turada esposa do Marechal e aos


0arta do ^io 11 queridos filhinhos que deixou,
Ha dois dias que esta grande ca­ essa manifestação espontânea de
pital está sob a dolorosa impressão pezar e de respeito do povo, ha
que causou o nefando attentado de com mover em ex tremo. Sobre
contra o Presidente da Republica 0 tumulo do glorioso Marechal Bit­
e occasionou a morte do inclyto tencourt — martyr de seu grande
e valoroso Marechal Bittencourt. coração — eu verto sinceras la­
A expressão do pezar e da magoa grimas de dor!
lê-se em todos os semblantes.
Nós, mulheres brazileiras, enver- O mais importante acontecimen­
gonhamo-nos desse triste aconteci­ to artístico da quinzena foi, sem
mento que enlutou a aima nacional, duvida, a exposição de pintura da
porque foi um brazileiro o auctor «Escola ao ar livre», dos alumnos
de tão barbaro crime. do paysagista Parreiras. São 4 os
O Marechal está hoje immorta- expositores, entre elles uma se­
lisado. O seu enterro foi uma nhora, e 60 os quadros. Álvaro
apothéose, sentia-se que a aima do Cautanheda expõe 25 telas. Elle é
povo soluçava diante de seu tu­ 0 mais adiantado dos discipulos de
mulo coberto de flores ! E que Parreiras. De seus quadros des­
morte cheia de heroismo ! Quanta taco 0 de n.® 24 — Rua em la­
abnegação ! Para salvar um amigo deira — que me agradou muito
querido e um chefe respeitável, elle pela correção do desenho e verda­
0 valoroso e bravo Marechal nao de das cores.
trepidou em expor seu peito ao Ha nesse trabalho muita perspec­
punhal assasino. tiva, a gente vê que as pilastras
Morreu como vivera — legando d’aquelle portãosinho são feitas com
um exemplo de altruisme e de he­ geométricas proporções.
roica disciplina aos republicanos O quadro n.° 21 — Rancho de
sinceros. Camaradas — é dfficilimo mas não
«Victima do dever» foi o distico agrada geralmente. As brazas da-
que se lia nas fitas da riquissima quelle fogão rústico que os cama­
grinalda que o estado de Minas of- radas costumam fazer nos ranchos,
fereceu ao grande morto. Expres­ são brazas verdadeiras, sente-se que
siva e verdadeira essa inscripção aquella côr é quente, é de fogo;
tão singela! mas 0 aspecto geral é triste, não
Duzentas e tantas grinaldas so­ impressiona bem.
bre a sua sepultura! A ' desven- A maneira do 8iir. Ciuitanlieda
A M E N SA G E IR A 37

interpretar a natureza é bem di­ dancia de verniz, principalmente


versa da de seu profesor. Assim sobre o verde das arvores e dos
é que eu comprehendo o talento montes e o verniz usado assim, em
de um artista. demasia, prejudica os effeitos da
Abomino a rotina que entendia luz.
que 0 alumno seria a continuação Em todo 0 caso essa exposição
do mestre! Cada um deve pintar denota que a arte da pintura vae
como sente, como comprehende e fazendo progressos, entre nós.
como vê a Natureza — a grande Parabéns sinceros a .Parreiras e
mestra. seus talentosos discípulos.
D. Hortencia apresenta 3 bons
trabalhos. Incontestavelmente os
melhores quadros do Snr. Alberto Não quero terminar esta carta
.Silva são Mangueiras e Amendo­ como principiei, com uma nota
eiras. Quanta verdade,’ observação triste; muito ao contrario quero
e poesia nesses trabalhos! Adivi­ contar aos leitores da Mensageira
nha-se logo que 0 pintor é um cousas alegres.
poeta. Os reflexos da luz do sol Assisti, ha dias, a uma festa in­
são feitos por mão de artista, Do tima, por occasião do anniversario
mesmo pintoi destacarei ainda o natalicio do marido de uma amiga.
qnadrinho «Roça». O programma da festa, originalís­
Ha muita alegria nessa téla e simo, começava pela «Manifestação
eu adoro os quadros claros e alegres. dos Bébês — um grupo de engra­
Faz-nos lembrar, esse quadro, çados rapazes que vestidos como
umas casinhas rústicas que vimos creancinhas de 2 annos, de touca,
na infancia, assim vagamente, sem camisola ampla, babadouro e pan-
poder precisar a epocha e nem o deirinho á mão — faziam-nos rir
logar. a morrer. Imaginem, os rapazes
O quadro n.” 31 — Porteira — pareciam verdadeiras creancinhas,
6 muito bello. Fala-nos á alma das falavam em linguagem incerta, ti­
paysagens do sertão. tubeando e andavam como quem
O Snr. Silvio Moreira apresenta ensaia os primeiros passos, cáe
um bello estudo de mar no qua­ aqui, cáe acolá. A festa continuou
drinho n.° 50. A espuma da praia pela noite a dentro, cheia sempre
é fiel e parece que as aguas vão de surprezas e originalidades e ter­
e voltam nas ondas impetuosas d’a- minou com uma engraçada come­
dia e um enthusiasmado Cotillon.
quelle mar agitado.
Os quadros tinham grande abuii- Arremedar uma creança com graça
A M E N S A G E IR A
38

e naturalidade é muito mais diffi- commigo essa satisfação espiritual


cil do que arremedar o Fregoli. que, deixando-me, gor algumas ho­
Quem duvidar... experimente, 6 um ras, esquecida de uma persistente
brinquedo inoffensivo. e manhosa enfermidade que ha me-
zes me aniquila o corpo, concor­
7 de Novembro.
reu para que eu recobrasse o en-
M a r ia C l a r a da C unha S antos.
thusiasmo para dizer vos, na phrase
de M.^'' de Stael, que — «a vós
JSl pertence um logar entre aquellas
que bem mostram ser a mulher
Horas de sonho apta para todos os arrojos do en­
Do meu piano a musica sentida, genho humano».
Nos seus accordes mágicos, saudosos. E, para confirmar esta asser­
Longe me leva em sonhos venturosos ção, aqui está, sobre a minha mesa
Na aza voando de illusão querida. de trabalho, A Mensageira, cujo
programma revela o mais louvável
E se a minh’alma sinto entristecida,
tentamen de um espirito superior,
E se no peito sinto os venenosos
Espinhos da saudade, torturosos, em favor da instrucção; aqui estão
No coração me abrindo uma íerida os preciosos Iructos intellectuaes
das pensadoras que acompanham
Choro, e da Norma sinto que os gemidos.
a marcha do progresso, sob o la-
Fazem-me bem, e, vou nos sons doridos
Dessa divina musica, sonhando...
baro triumphal da Arte.
Julia Lopes de Almeida, na
E esta minh’alma triste, apaixonada, sua prosa adoravel, disse-nos que;
Que tanto sofTre, sente-se embalada, «se não temos medicas e escripto-
Feliz, na dór que a vive alimentando!
ras de mais, também não temos de
G e o r g in a T e i x e i r a .
menos; que a mulher brazileira
conhece que pode querer mais do
que até aqui tem querido; que
póde fazer mais do que até aqui
tem feito».
0arta E tanto assim é, que esta ob­
A’ Presciliana Duarte de Almeida. servação da sympathica autora da
Minha Senhora: Fanrilia Medeiros torna-se incon­
'Per amor jiela leitura, diz Mon­ testável perante o apparecimento
tesquieu, 6 trocar as horas de tedio de novos nomes que, dia a dia,
por horas deliciosas. E, realmente, assignalam uma épocha de pro­
depois que li A Mensageira, senti gresso na literatura feminina.
A M E N SA G E IR A
39

Em todos os Estados do Xortc recente publicação, em fnsbôa, in­


da Republica, nota-se um j^rande seriu 0 seguinte topico biographico.
numero de escriptoras, as (piaes,
«E' uma distincta senhora que
muito principalmente as citadas
muito tem trabalhado para a ele­
pelM Menmfjeira, são idij^nas dos
vação do nivel intellectual de mu­
mais enthusiasticos appiaüsos pelo
lher, no Rrasil. Desde muito crean-
seu real merecimento.
ça principiou a cultivar a poesia.
Também no .Sul, principalmente
110 Estado do Rio Grande, há um
Os seus primeiros versos foram
publicados cm 1874, n’M Grinal­
elevado numero de escriptoras, den­
da; em seguida fez parte da re­
tre as quaes salientarei, pelo seu
dacção literaria do Diário de Pe­
másculo talento e cultivo espiritual,
lotas, folha hoje extincta. Nascida
a infatigável Revocata Heloisa de
em l^jrto Alegre, no Rio Grande
Mello. Esta notável esci'iptora reu­
do Sul, descende a estimada e.s-
ne no seu complexo temperamento
criptora de uma familia conhecida
de artista de raça. a tenacidade de
no mundo das letras. Sua mãe,
uma laboriosa excepcional que, não
já fallecida, foi também uma apre­
obstante as atribulações de uma
ciada poetisa.
vida votada ao magistério, acha o
indispensável para desenvolver todo ü. Revocata publicou há tempo
o movimento da literatura feminina um livro de prosa, intitulado F o­
jielas paginas d’ G ('onjmbo^ jornal lhas errantes, prefaciado pelo es-
que ella própria fundou e que man­ criptor Mucio Teixeira: redige, há
tém, semanalmente, sob a sua re­ quatorze annos () (ionpnho, inte­
dacção, há quatorze annos. ressante revista em cujas columnas
E foi ])el’ O ('orifmhn que Re­ conseguiu iIlustrar o seu nome.
vocata de Mello advogou a causa Tem collaborado em muitos jor-
naes brasileiros, assim como n ’ A
do seu ideial: — a instrucção da
Patria Illvstrada, que outr’ora sa-
mulher e a sua influencia moral
hiu a lume em Buenos Ayres, e,
na sociedade — traçando artigos
de collaboração com sua intelli­
vibrantes, nhuna orientação tenaz,
gente irmã, D. Julieta de Mello
nuima lógica inquebrantável, cheios
Monteiro escreveu o ('orarão de
de conceitos e de bellezas admi­
mãe, drama em dois actos, além
ráveis, que firmaram o nome im-
d’outro. intitulado Mario.
morredouro na literatura nacional.
1). Guiomar Torrezão. prestan­ Julio Ribeiro, o saudoso philo-
do justa homenagem ao peregrino logo paulista, escreveu no Correio
talento dc- Revocata Mello, n uma de S a n to s , a 2.3 de Janeiro de 1886.
40 A M E N S A G E IR A

em numero especial, dedicado á nes Lobo, Anna Aurora do Amaral,


Revocata: Carlota do Amaral Lisboa, Candida
«Espirito superior, Revocata de Abreu, Julia Cavalcanti, Carolina
Mello soube quebrar as prisões com Koseritz, Zamira Lisboa, Maiia de
que nós procuramos abafar as as­ Menezes, Paula Ferreira, Geldipa
pirações feminis, e fez voar o seu Guimarães e outras cujos nomes
nome dos 'pampas do Rio Grande me escapam da memória.
ás florestas do Amazonas.» Emquanto estas, pelo magistério,
Como escriptora de egual mere­ pelo jornalismo e pela literatura,
cimento, também nascida em Porto revelam a capacidade do talento
Alegre, tivemos Maria Benedicta feminino, outras, dedicando-se ar­
de Borghman, (Délia, fallecida em duamente ao estudo scientifico, tam­
1895) que tanto brilhou estreian- bém provam as suas aptidões, mar­
do-se na Gaxeta da Tarde, onde chando pelo progresso, calcando pre­
escrevia folhetins, ao lado de José conceitos, tomando como roteiro as
do Patrocinio, e na Gazeta de N o­ tradições dos brilhantes cursos aca­
ticias, ao lado de Ferreira de A- dêmicos das D.*'“® Antonieta Dias
raujo. Morpurgo e Rita Lobato Lopes.
Collaborou também n ’ 0 Paiz, Digam lá, como o querem mui­
escrevendo bellissimos contos, ao tos, que as mulheres não passam
lado de Quintino Bocayuva. Como de donas de casa, que o mesmo
romancista, publicou As duas ir ­ coração que afaga com ternura um
mãs, Magdalena, Aurelia, Celeste filhinho adorado, não sente o im­
e Leshia. Délia foi considerada pulso da coragem para as luctas
como uma das mais notáveis es- da vida, não se enthusiasma pelos
criptoras do Brasil contemporâneo. grandes commettimentos, não se an­
Actualmente, Revocata de Mello gustia também, quando o seu tor­
é a escriptora que mais brilha na rão natal passa pelos transes afflic­
literatura do Sul; é um astro de tives da guerra, e não corre ao
primeira grandeza, que tem como campo da batalha para defendel-o....
satellites; — Julieta de Mello Mon­ Dou como exemplo de mulher
teiro, a primorosa poetisa dos Pre­ patriótica, D. Gabriella de Mattos
lúdios, A'Alma e coração, dos Os­ que acompanhou o exercito Fede-
cillantes e do Tabernáculo; Andra- ralista em 1893, no Rio Grande do
dina de Oliveira, elegante prosa­ Sul, na brigada que operou sob ás
dora dos Prelúdios; Luiza Caval­ ordens de Juca Tigre. De uma
canti Guimarães, poetisa das Alvo­ Folha do Norte que publicou o re­
radas; Candida Fortes, Tsrcilia Nu­ trato dessa heroina, guardo na me-
A MENSAGKTRA 41

moria 0 seguinte trecho biogra- vulto, cujo espirito já é, desde há


phico: muito, familiarisado com 0 meu,
«Ao iniciar-se 0 movimento fe- pelos vossos crystalinos versos; que­
deralistas, D. Gabriella de Mattos, ria, cedendo-me á irresistível atti’a-
estancieira mandou tocar todo o- cção com que prendeis a minha
seu gado para 0 Estado ' Oriental, admiração pelo vosso luminoso ta­
pôl-o ás ordens de Silva Tavares; lento, apertar as vossas delicadas
mandou desasete peiòes, aos quaes mãos, e ia dissertando sobre um
pagou integralmente dois annos de thema que melhor cabe á penna
salarie, encorporarem-se ás forças de Julia Lopes, quando escreve
de Juca Tigre, ao qual entregou contemplando as angélicas filhinhas;
20:000$000 em metal, prata e on­ mas, esta revista, exclusivamente
ças hespanholas e todas as joias dedicada á mulher, se encheu-me
que possui a.» de enthusiasmo pelo vosso presti­
Nobre exemplo de civismo fe- , gio, orgulhando-me, pela parte que
minino ! se destina a mim, também me des­
A mulher possue todos os dotes pertou uma saudosa recordação das
com que a Natureza dotou 0 ho­ minhas distinctas conterrâneas; e
mem, e em nenhum d’elles torna- porisso é que, alhadas ás minhas
se-lhe inferior. felicitações, escapam-se-me duas pa­
Instruida com solidez, ella não lavras sobre a instrucção e 0 valor
será um peso para 0 seu compa­ das nossas patricias.
nheiro, um fardo para a sociedade; Oxalá que A Mensageira da ci-
mas, sim, um braço forte que luc- vilisação. na espinhosa sendo por­
tará com dignidade e altivez para que vae atravessar, conseguindo er­
a felicidade da familia e para or­ guer a mulher ao nivel da luz, no
gulho desta grande Patria. plaustro azul da Arte, possa des­
Alguém disse que instruir a mu­ fraldar 0 lábaro da Victoria, para
lher é preparar as gerações futu­ compensação do vosso immaculado
ras; sim, porque é justamente pela ideial, minha Senhora!
instrucção da mulher que se co­ Da adr.“ patricia e collega
meça a do homem; e, como 0 disse Campinas, S— 11— 07.
0 grande Napoleão: «0 futuro de Tb r a x t ix x C a r d o x .\.
de um filho é sempre obra de sua
mãe.»
Minha Senhora, eu queria só­
mente, na galeria das mulheres mo­
dernas, destacar o vosso gracioso
42 A m e n s a g e ir a

2)e Longe
A ’. Ignex Sabino

Porque não vens? Porque? Acaso tu não sabes


Que eu luorro de saudade aqui neste deserto
Com a alma lacerada e o coração coberto
De luto e de aíHicção? Para que assim me acabes
Esta vida que é tua o que te fiz? Responde?
Olha, não posso mais lutar com a minha sorte,
Já se estende em meu rosto a pallidez da morte,
Tudo em volta de mim é sombra, o sol se esconde
Já não me beija a face!...

.\’s vezes no meu leito


Quando a noite vae alta acordo soluçando
E fico a meditar!... E as horas vão passando,
Mas não passa esta dor que geme no meu peito!

Nas estrellas, na luz formosa do luar,


Nas ro.seiras em flor, na casta sensitiva,
Na alegria divina e communicativa
Da creança feliz, no doce murmurar
De uma fonte escondida entre a ramagem verde,
No ceu, no valle, emfim, não vejo mais belleza,
Não vejo mais poesia, immersa na tristeza
— Profundo abysmo escuro onde esta alma se perde!

Porque te amei na vida? o’ tu que me fugiste


Para sempre talvez!... Quem sabe se me odeias
E que livre de .\mar tu’alraa sem cadeias
>^orri-se e em sonhos douro o teu viver consiste ?
Emquanto eu soffro aqui sem ter quem me soccorra
Sem ter quem me console, ha tanto tempo já!
Tem piedade de mim ! Não te commoverá
Meu lamento de dor, ou tu queres que eu morra ?

Porque não vens?... Mas não, não, tu não sabes nada!


Não vês correr meu pranto e nem vês meus pezares.
E entre nós se ajiresenta a vastidão dos mares!...
Tu não podes ouvir a minha voz magoada
Que te chama debalde!...

Ai nesta soledade
Virgem Mãe de Jesus, quem me pode valer ?
Eu sei que lá te prende a algema do dever!
Eu sei que tu não vens! E eu morro de saudade !

AURE.\ PIRK.S.


A M ENSAGETKA 43

ve a generosidade de collocar-me.
0arta Houve, porém, ligeiro engano quan­
c o m a re s d e c liro n ica to ao meu ultimo nome, que rara­
Mmha Poetisa. mente assigno e é Lemos.
Maria Emilia da Rocha é pseu-
Uepois de haver enviado á Men-
donymo de um literato do Rio que
sageh'a o men artigo intitulado
de ha muito zomba dos leitores do
Falso encanto., foi que tive a sa­
Paix andando vestido de saias!
tisfação de receber o primeiro nu­
Por coincidência adoptou os meus
mero da revista que se publica sob
dois primeiros nomes e mais de
a sua direcção e que tanto se pré­
uma vez tenho tido necessidade de
occupa com 0 aperfeiçoamento mo­
regeitar os elogios feitos aos seus
ral da mulher. Faz bem! Já em
sonetos attribuidos a mim, que, in­
1869 0 eminente exilado de Jer­
felizmente, só escrevo em prosa!
sey, 0 immortal poeta e grande
Digo infelizmente porque a Poesia
democrata, Victor Hugo emfim, er­
é depois da Musica a maior con­
guia a sua voz no encerramento
soladora da frágil humanidade. O
do congresso da paz em Lausana,
verdadeiro poeta encontra sempre
e proclamava, entre delirantes ap­
um echo em nossos corações! Sen­
plauses da multidão, o «direito da
timos as suas alegrias e choramos
mulher como igual ao do homem»;
as suas amarguras! Ah! ser poeta
direito esse que temos deixado pro-
c ter a faculdade de agradar fa­
fligar e que, mesmo quando (pie- lando unicamante no que nos in­
remos defender, desvirtuamos algu­
teressa, un (pie nos vem do cora­
mas vezes pelo exaggero das the­ ção! Para o prosador o publico
ses. Nada, portanto, de exaltação. c mais exigente: quer sempre uma
Queremos a igualdade da mu­ ideia que interesse, sinão a todos,
lher tal como é descripta pelo im­ pelo menos a grande numero de
mortal e bom Legouvé, igualdade
leitores.
na differença., igualdade que póde
existir sem prejuizo de nenhuma Para terminar estas linhas devo
das duas metades do genero hu­ dar-lhe os mais festivos emboras
mano, igualdade que eleva a mu­ pela iniciação de sua vida jorna-
lher e prova cm favor do homem. listica. A Mensageira aqui nestas
Concorda? Então passemos adiante. legiões silenciosas e tristes do in­
terior chega como a pomba d'al-
Entre as brazileiras mencionadas liança, trazendo ao nosso espirito
no sou artigo de apresentação te­ sequioso do novo e do hello uma
A M E N S A G E IR A
44

doce recreação qual a de poder­ veias 0 meu sangue ardente, eu


mos por instantes ouvir a prosa quero o calor, eu quero a vida.
incomparável de Julia Lopes ou a A segunda disse: Eu quero eter­
conversação engraçada e alegre de na a primavera humana, quero ser
Maria Clara. Nas poetisas não fa­ sempre joven, abomino a velhice
lo! A ellas já me referi quando com seu tristissimo cortejo de frias
falei dos poetas em geral! realidades.
Portanto, ponto. Ser joven eternamente, que de­
licia! E ’ a minha suprema aspi­
Minas, N ovem bro 97.
ração !
M a r ia E.m il ia .
A terceira estava calada, o anjo
lhe disse então: Fala também, dize
0 que desejas.
— Eu, responde humildemente
Lenda — quero que marques a fronte
dos ingratos com um estygma igno­
CNo album de M aria L uixa Coelho)
minioso — para que sejam conhe­
No principio do mundo, appare- cidos e delles possamos fugir. E
ceu cá na terra um anjo, que se ao dizer estas palavras, pensava
gabava de ser um dos preferidos ainda em seu adorado ingrato, que
de Deus. Tinha amplos poderes, lhe roubara para sempre a calma,
só fazia 0 que queria. Favores, a esperança, a alegria.
preciosas dadivas concedia elle a-
miudadas vezes.
O anjo, embaraçado com pedidos
Um dia o anjo encontrou-se em
tão custosos, pensou comsigo mes­
ignotas paragens com très moças
mo: Graças desta ordem, estão fora
formosissimas e encantadoras.
de minha alçada; revogar as leis
Preso de amores por ellas, pro-
do mundo... eu não posso. E voou,
metteu conceder-lhes as graças to­
foi ao céo... e voltou triste dizen­
das que solicitassem.
do que 0 pedido da terceira não
Cada uma, disse o anjo, formule
fôra attendido para não haver dis-
seu pedido.
tincçõos, comquanto Deus o achas­
Eu, disse a primeira — quero
se muito razoavel. Os outros de­
que a primavera seja eterna, odeio
sejos de primavera eterna e de
0 inverno, o frio que me faz lem­
eterna mocidade — foram rejeita­
brar a morte. Quero viver sempre
dos por serem absurdos!
em atmosphéra cálida, ver flores
viçosas 0 exhuberantes, sentir nas M a r ia C l a r a da C lxh a S axtos.
A MENSAGEIRA 45

5elecçào Trotas pequenas


Quereis que vos diga a verdade? Escriptoras nacionaes.
Vós tendes, minhas senhoras, 6 di­
A Revista do Braxil^ noticiando
reito e 0 dever de protestar.
0 apparecimento da Mensageira^
Porque sois as bellas filhas desta
lembra os nomes de Edwiges de
idade, que se illustrou por George
Sá Pereira, Francisca Clotilde, Julia
Sand e Emilia Girardin, por M.'"®
de Azevedo e Zenobia do Carmo
de Staël e Harriet Stowe. Ainda
que «nunca deverão ser esqueci­
mais: porque sois filhas desta ma­
das» entre as literatas brazileiras.
gnifica terra da America — patria
Cremos que são todas aquellas se­
das utopias, — região croada para
nhoras do Norte do Brazil (como
a realisação de todos os sonhos
0 director da Revista)^ e não tive­
da liberdade, — de toda extincção
mos ainda a ventura de ler os seus
de preconceitos, de toda conquista
trabalhos literários.
moral.
Lendo a reclamação da Revista
A terra que realisou a emanci­
e a Carta de Ibrantina Cardona,
pação dos homens, ha de realisar
que aqui inserimos hoje, mais nos
a emancipação da mulher.
convencemos de que tinhamos ne­
C astro A l v e s .
cessidade de uma publicação que
(Carta ás senhoras bahianas.) como a Mensageira, visasse o con-
graçamento das escriptoras nacio­
Quando o marido e a mulher naes. Assim pensando, almejamos
forão criados nos mesmos princi- que, tanto as do Norte como as
pios de sensatez e trabalho, quan­ do Sul, venham ligar-se ás do cen­
do existe entre elles combinação tro para que com toda a pujança
de esforços e analogia de senti­ e brilhantismo seja a nossa revista
mentos, quando forão desde o berço um attestado vivo da capacidade
submettidos á mesma disciplina intellectual das brazileiras. A união
mental, não restará duvida sobre a faz a força, diz a sabedoria popu­
felicidade que os ha de unir. lar, e, ao terminar esta noticia,
A mérico W e r x e c k . lembramos ainda os nomes de Er-
(Arte de Educar os Fdhos.)
nestina V areia e Ignez Sabino, que
não foram até agora citados.
Gonçalves Dias — Ha tempos,
Olavo Bilac e Bernardelli tiveram
a arandiosa ideia de perpetuar no
O
46 A M EN SAGEIRA

bronze a admiração das brazileiras orgulho de brasileiras e de paulis­


a Gonçalves JÜias e José de Alen­ tas, não se pede uma esmola, exi-
car. Por essa occasião tivemos a gc-se uma divida.
felicidade de fazer o pouco que E’ em nome da poesia, é em
nos coube em prol da realisação nome da Arte Sagrada que se vos
dessa homenagem (jue, glorificando exhorta; dessa Arte que veio a-
0 nome dos poetas, glorificava tam­ través do tempo como um sopro
bém 0 da mulher brazileira. divino espiritualisando o barro, con-
Hoje agita-se de novo a questão torneando o blocco tosco e gros­
em S. Paulo. Alguns distinctos seiro dos primitivos instinctos na
homens de letras dirigiram uma graciosa e nobre forma do senti­
bellissima carta ás senhoras pau­ mento.
listas, carta que a Memageira tom A poesia é uma mulher; a poe­
0 dever de trasladar para suas co- sia sois vós.
luninas, declarando que está prom- E ’ da revoada dos vossos sonhos
pta a receber as dadivas que por e dos vossos affectos, aves azues
seu intermedie quizerem fazer a escapadas pela claridade dos vos­
Gonçalves Dias. K, para começar: sos olhos, que o poeta forma o
Redacção da M ensageira Ks. ]0$000
viveiro aonde canta o passaredo
das suas rimas.
A’s senhoras paulistas Os poetas de hontem, os poetas
de hoje e os poetas de amanhã
Senhoras: são os sacerdotes do Amor, que
Não é para coroar a fronte dos elles pontificam no altar da vossa
guerreiros, nem para amparar a in­ Graça e da vossa Virtude, erguendo
fância desprotegida; não ó para a hóstia perpetuadora do Beijo nos
hospitaes nem para creches que dedos finos e fidalgos do Verso.
hoje vimos, joelhos dobrados dian­ Olavo Bilac, um poeta, um ar­
te da soberania de vossa Hondade, tista. um desses torturados que
pedir que as vossas mãos se es­ palmilham a pedra das ruas na
palmem no impulso de um obulo, grande insaciedade do sonho, do
essas mãos generosas de patricias, indefinível Ideal, para que tem
em que as dadivas refulgem mais sempre os olhos voltados, mas que
pelo brilho irradiado da meiga luz cegos, pela sua L u z, tacteando
de vossos corações do que pelo va­ sempre, nunca tocam com a pro­
lor intidnseco que ellas encerrem. fanação material dos dedos, teve a
Não se apella aqui para a vossa idéa de enraizar n’ um canto da
caridade, appella-se para o vosso terra da Patria, um monumento

L
48 A M E N S A G E IR A

E ’ para o homero das illyadas 20 desta magnifica folha de modas


sul-araericanas, para esse primeiro vêm repletos de bonitos figurinos
clarim da nossa nacionalidade, que c trazem ainda excellente parte li­
pedimos a vossa homenagem, tra­ terária, constando de trabalhos de
duzida, em dadivas para o seu mo­ Machado de Assis, F loy, o Heroe,
numento. e outros. Agradecemos a remessa
Bohemios amantissimos de todas que nos foi feita e desejamos que
as virtudes, temos certeza de que continue a sua vida triumphal a-
as vossas mãos, que os poetas vi­ quella publicação que conta já o
vos cantam, abrir-se-hão para glo­ X X V I anno de existência.
rificar com um obulo o nome de Plectros — Com este titulo será
um poeta immortal. brevemente atirado á luz da pu­
Cabaré de Sapo Morto. — A n ­ blicidade um livro de versos da
dré Gü, Michel Bohême Meio Sapo poetisa rio-grandense Ibrantina Car-
Zé Falstaff, Zulmo Marco, D. Bi- dona. Sabemos que trará um pre­
has, Sovto Feliz, Jatobá, João M i­ facio de Carlos Ferreira e o retrato
nhoca, Magriço. da auctora.
Aguardamo-lo com o interesse
Analia Franco — Desejando ob­ que sempre nos desperta o traba­
ter a collaboração desta notável lho de qualquer patricia.
brazileira que tantas e tão bellas
A Viuva Simões — Não nos foi
paginas escreveu sobre educação,
possivel dar hoje a promettida cri­
e ignorando o seu paradeiro, diri­
tica daquelle romance de Julia Lo­
gimo-nos á illustre escriptora Jo-
pes de Almeida, pelo que pedimos
sephina Alvares de Azevedo, re-
desculpas a nossas leitoras.
dactora da Familia, pedindo-lhe
Aos nossos assignantes, tanto
informações a respeito; e foi com
desta capital como de fora, roga­
a mais profunda magua que tive­
mos 0 obséquio de nos enviarem
mos então conhecimento de que
a importância de suas assignaturas
Analia Franco se recolhera a vida
até 0 fim do mez. antecipando-lhes
privada ferida por terrivel cegueira.
por essa fineza a nossa gratidão.
Sem poder amenisar as agruras
da sorte daquella que tão agrada-
veis leituras nos proporcionou, guar-
damos-lhe todavia em nossa alma
profunda sympathia e indelevel re­
cordação.
A Estação — Os numeros 19 e
São Paulo 30 de Novembro de 1897 Anno I, N. 4

 M E N S â GEIR â
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direotora — Presciliana Duarte de Almeida

Esta revista garante a sua publicação durante um anno.


Publica-se nos dias 15 e 30 de cada mex.
P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno | N u m ero avulso
a d ia n ta d o Endereço ; Rua dos Estudantes N. 23 Rs. 1 $ 0 0 0

Summario: — A nossa condição, M. F. a mulher se affastando da limitada


C. D .; — Velha saudade, soneto, Geor­
gina Teixeira; — Carta do R io, Maria esphera intellectual que lhe cir-
Clara da C. Santos; — Noite, soneto, cumscreve o egoismo da metade da
Amelia de Oliveira; — Chronica omni-
nioda, J. Vieira de Almeida; — Supplica, humanidade não seja boa esposa
poesia, Arthur Andrade; — O trabalho e boa mãe, seja lançada ao olvido.
de verso, soneto, Manoel Viotti; — Se-
lecção; — O ramo da esperança, poesia, Para os espiritos frivolos, a mu­
Samuel Porto; — Na Thebaida, Ignez lher instruida não pode ser bôa
Sabino; — As cartas, poesia, Presciliana
Duarte de Almeida; — Dão licença, Geor­ esposa, porque julgam que o estudo
gina Santiago; — A Mensageira; — N o­ lhe rouba o tempo destinado aos
tas pequenas.
arranjos domésticos e á creação dos
nossa condição filhos. Empregamos aqui o termo
É demais; a tolerância tem at- creação em vez de educação, por­
tingido 0 seu ultimo grau ! que esta só poderá ser dada por
Precisamos de uma completa re­ quem a tiver, e a mulher que sa­
forma na educação moral da mu­ tisfizer a esses espiritos frivolos, ha
do necessariamente não ter edu­
lher. Ella precisa saber que tendo
intelligencia e nobres aspirações cação, e portanto não poderá dis­
pensar a seus filhos mais que a
não deve opprimir e limitar seu
creação, a qual sem a educação nos
pensamento. Não basta que lhe
colloca ao nivel dos irracionaes.
arda no cerebro o fogo da inspi­
ração e a comprehensão do bello, A mulher instruida será melhor
6 necessário que patenteie, em lin­ mãe que a ignorante, prova-nos a
guagem clara e precisa, esses sen­ experiencia e attesta-nos a razão.
timentos e essas inspirações. E Seria mais facil contermos com a
mister que a sua maneira de pen­ fragilidade de nossos braços a im­
sar seja francamente apresentada, petuosidade de uma corrente, que
e que a crença tradicional e sem negarmos esta verdade ! Citaremos
fundamento algum que julga que aqui um pensamento do Marquez
A M EN SAGEIRA

de Maricá, comprovando a nossa nosso espirito esse typo de mulher


asserção ; «Pode-se avaliar a civi- inútil e pensemos em uma M.'"® de
lisação de um povo, pela attenção, Sevignó, que ao mesmo tempo que
decencia, consideração com que as escrevia suas cartas, que são flores
mulheres são educadas, tratadas e da literatura universal, escrevia e
protegidas. » assignava receitas de doces, fazen-
Não admittimos o egoismo nesta do-os ella mesma, com admiravel
questão — a instrucção. Um ho­ perfeição.
mem civilisado e intelligente deve Não basta que comprehendamos
instruir e educar suas filhas, pela a utilidade 0 os attractivos do es­
melhor forma que lhe permittirem pirito cultivado, 6 mister que fa­
as suas circumstancias. çamos de nossa parte 0 maior es­
Ha entretanto homens doutos, forço possivel, procurando instruir-
cujas filhas são quasi analphabetas! nos e desenvolver-nos a bem da
Mas, perguntamos, esses homens patria e da familia.
merecem a consideração da socie­ Quanto mais illustrada e intelli­
dade e ü nome de bons cidadãos? gente for uma mulher, tanto mais
Não, de certo. Elles devem ser zelosa 0 cumpridora de seus deve­
estigmatizados porque para ella ca­ res será. E ainda ha quem receie
vam uma ruina, descuidando-se da esclarecel-a com a luz da verdade
educação de suas filhas, que ama­ temendo um futuro de trevas! Oh!
nhã serão esposas e mães, e como é preciso que se arranque do es­
taes, responsáveis pela prosperidade pirito de certos homens essa crença
de uma geração. retrograda, que c a bronzea cadêa
Seria inconveniente, e até mes­ que nos opprime. E como romper
mo detestável, uma mulher que en­ essa prisão que anniquila o pensa­
tregue completamente a seus estu­ mento e esterilisa a intelligcncia ?
dos, não se lembrasse de que seus Estudando, e estudando muito.
filhos, ao cuidado da creada, al­ Negar a instrucção a uma filha
moçaram doces em vez de bifes e é um attenfado revolfante, é negar
que em pleno mez de Janeiro, na a mão ao cego que vacillante cir-
força do calor, dormiram de cami­ cumda 0 abysmo, é negar 0 pão
sola de flanella; que a sala de vi­ ao mendigo que dcsfallece e morre
sitas não foi varrida e que os mo­ de fraqueza.
veis conservam-se cheios de pó! Em algumas das capitaes do Bra­
Tsso não seria só atrazo para o zil, como em S. Paulo, já se en­
marido, seria uma calamidade para contram estabelecimentos de edu­
toíla a familia. Mas, afastemos de carão onde a mulher })ódc elucidar
A MENSAGEIRA 51

e prover a sua intelligencia digna- profunda virá nos animar, compen-


raente; e amanhã, quando os lyceus sando as indisposições que acar-
e gymnasios se acharem pelo in- retamos agora que francamente
terior dos Estados, dissipando a reclamamos a instrucção para a
ignorancia e elevando 0 nivel in- mulher.
tellectual da mulher, uma alegria M. P. C. D.

Velha Saudade
A Presciliana Duarte de Almeida
Eu fico horas inteiras contemplando
Os céus em noites de luar, saudosa. . .
E se uma nuvem passa vagarosa
Da lua a face pallida occultando,

E se uma estrella vejo se apagando,


Que palpitante eu via e luminosa
Como dourada flôr, irradiosa.
Alto, no azul somnambula brilhando,

Eu fico-me a pensar... Paira em minh’alma


Velha saudade, tristemente calma,
Que do passado aos dias me transporta ;

E 0 pensamento então que não descança,


Faz reviver em mim doce esperança:
— Ave, em seu ninho ha muito tempo morta...
G e o r g in a T e ix e ir a .

A annunciada chuva de estrellas


0arta do ^io não veiu. Debalde muita gente fi-
Desta vez mestre Flammarion cou acordada, trocando inutilmente
ficou com pouquíssima cotação para as melhores horas de somno por
os cariocas. , ,
Os sábios erram, os philosoplios Para compensar tamanha deco-
pção, 0 céo quiz nos consolar e no
52 A MENSAGEIRA

sabbado passado, entre onze horas pre cultivando com esmero seu es­
e meio dia, muita gente viu um pirito delicado, conseguiu tornar-se
phenomeno metereologico interes­ uma mulher illustrada e util.
sante, um arco-iris enorme a roda Hoje, casada com o Juiz de Di­
do sol. Sinto realmente não ter reito de lá, vive feliz e transmitte
observado esse holophote celeste a seus filhos a educação solida e
que, segundo me disseram, foi bel- benefica que possue.
lissimo. A segunda filha do fazendeiro
Os sábios erram, os philosoplios não gostava absolutamente de estu­
mentem... dar. Os livros e o piano causa­
rara mim, a melhor philosophia vam-lhe somno. Aos 14 annos
consiste em saber viver, supportai- mal sabia assignai* o nome. O pae
com paciência os defeitos alheios — isto é que é ser philosopho —
e procurar diminuir ou atténuai* ccmprehendeu depressa a inclina­
os proprios. ção da filha e chamou-a á fala um
Conheci, no sertão de Minas, um dia. Depois de longas ponderações,
homem de mediana educação e que, disse-lhe: a gente neste mundo de­
no emtanto, era um philosopho per­ ve servir para sala ou para cosi-
feito. Elle encarava a vida como nha; a utilidade das creaturas ó a
a vida é: uma serie de factos, uns mesma, quer interprete Chopin, co ­
alegres e outros tristes, mas todos mo tua irmã. quer cultive a terra,
naturaes e esperados. Tinha e.sse como eu; quer amamente os filhos
homem muitos filhos, era fazen­ e remende a roupa velha, como
deiro e remediado de fortuna. A tua mãe, quer finalmente, como teu
sua filha mais velha era muito ta­ irmão, dome animaes bravios. O
lentosa, mostrava muito gosto pelas que 6 preciso é que cada um siga
lettras e pela musica. O pae man­ a sua inclinação, ahi ó que está o
dou educal-a em um excellente grande segredo da vida. Acho que
collegio em Ouro-Preto, fez con­ esta historia de livros e de musica
tente as grandes despezas que obri­ não to agrada; vê lá se queres ou­
gavam as penosas e longinquas tra vida, por exemplo — casar.
viagens e durante õ annos a filha Se queres te casar, dize-me, falarei
foi todo 0 seu cuidado e todo o ao filho do Compadre Lopes, que
seu orgulho. está nos casos, 6 bom rapaz, tra­
Concluida a educação no colle­ balhador, sadio.
gio, voltou para a Fazenda, onde — E ’ isso mesmo, meu Pae, sou
tinha escolhida bibliotheca e excel­ de sua opinião, não dou para estu­
lente piano. Lia, estudava e, sem­ dos, (piero mo casar.
A MENSAGEIRA

Em menos de dois mezes o filho Bem razão tinha elle em affirmar


do Compadre Lopes recebia como que cada um deve seguir a sua
esposa a formosa roceirinha. inclinação.
Passaram-se os tempos. Quando Não foi muito melhor assim?
a terceira filha estava na edade de Eu prefiro um bom hortelão a
ir para o collegio, o pae chamou-a um medico mediocre, do mesmo
e, em um discurso cheio do ver­ modo que gosto mais de uma mu­
dades incontestáveis, depois de lhe lher que faça excellentes biscou-
dizer o que era a vida na sua tinhos fritos na gordura do que
dolorosa accepção, perguntou-lhe: de uma que faça sonetos do pó
([ueres estudar, como tua irmã mais quebrado.
velha 011 casar, como a outra? E assim é que deve ser a vida.
Papae, eu quero estudar e de­
pois... mais tarde... casar.
— Perfeitamente, iremos então Na quinzena passada tive o gran­
na próxima semana para Ouro-Pre- de prazer de ir á bordo do «La
to, vaes para o collegio onde este­ Plata» abraçar a minha distincta
ve tua irraá. amiga Mrs. Speers, esposa do il­
A quarta filha, mais disposta á lustre superintendente da S. Paulo
vida material do que ás lettras, Railway, ingleza de nascimento e
pediu em vez de livros — um ma­ paulista de coração, pois que, ha
rido. Desta sorte o homem philo- vinte annos, reside nessa capital,
sopho não contrariou a vocação que 6 a patria de seus filhos.
das filhas e vivem hoje as quatro Voltava de Londres. Estava es­
muito felizes, a seu modo, está plendido 0 dia! Um sol brilhante
claro. — parecia de encommenda. As
A terceira, casada com um me­ montanhas, o mar e toda esta bahia
dico, é amiga inseparável da pri­ ostentavam o mais bello panorama
meira, tocam piano juntas, lêm os possivol.
mesmos livros, estudam e criam Mrs. Speers, encantada, saudosa
seus filhos muito diversamente da desta terra sem igual, não se can-
segunda e da quarta, que, também çava de admirar a nossa rica na­
muito amigas, vivem lá a cultivar tureza.
a terra, plantando favas e pepinos A ’ bordo vinba um inglez velho;
c creando os filhos a laçar bois, ora a primeira vez que vinha ao
pescar, caçar; emfim, uma vida com­ Brazil. 0 velho — que já viajou
pletamente material. 0 velho — a Africa, a Asia, a Europa quasi
0 philosopho, ama-as por egual. toda, dizia embevecido que o pa-
T l

A MENSAGEIRA
54

norama do Rio de Janeiro era o


mais esplendido que elle conhecia.
0hronica omnimoda
Desembarcaram e durante as ho­ Vai pelas escolas um borborinho
ras que passaram em terra visita­ entontecedor...
ram O pittoresco arrabalde do Cos­ As colmeias estão em plena a-
ine Velho, a rua do Ouvidor e ctividade !
alguns edificios notáveis, adquirin­ Os enxames vão sahir!...
do algumas vistas da formosa Gua­
nabara. E note-se que o inglez
já devia estar muito acostumado
com bellos panoramas porque elle São Paulo ainda não perdeu o
é da Escossia, onde a natureza, di­
sceptro das lettras, no meio desse
zem, 6 exhuberante e formosa!
vertiginoso para a barbaria: nin­
M aria C lara da C unha S antos. guém lhe contesta o direito ao ti­
tulo de — Athenas do Sul.

T^oite
Capital artistica do Brazil, de
Quando a hora final da Ave-Maria
certo não é, como em um lance
Deixa o ecco voar espaço ein fóra;
N ’esse momento em que a melancolia dramatico a epithetisou a genial
Mais na terra se estende e se demora; tragica franceza...
Effectivamente a velha aldeia de
Quando a sombra da noite que apavora Tibiriçá, ora convertida em opu­
Eneobre o sol, escurecendo o dia,
lenta capital civilisada, não pode
Quando não temos mais da ultima aurora
A doce luz, embora fugidia; aspirar a taes honras.
Começa por não possuir uma
Quando as trevas mais negras vão crescendo Academia de Bellas-Artes, nem um
E cobrem toda a Natureza; quando Conservatorio de Musica!
Repousa e dorme tudo em paz, — gemidos
Onde estão as suas collecçôes
Ouvem-se, o espaço inteiro percorrendo... artisticas ?...
E ’ que, tristes no mundo, soluçando A não ser aquelle pandemonium
Vagueiam muitos corações perdidos. do Ypiranga, onde se accumulam
A m e l ia d e O l i v e i r a . — un pen à Ia diahle — a setta
do selvagem brazileiro e o... orni-
thorynco da Oceania, que outros
pergaminhos podemos exhibir, em
A MENSAGEIRA
.s.")

ordem a provar o nosso direito a ção, aposentando o velho S. José,


tal denominação?!... com 0 ordenado por inteiro!
Algum tanto... dépaysé^ é ver­ Convem que funde uma Acade­
dade, ainda poderia cohonestar a mia de Bellas-Artes e um Conser­
nossa inopia, nessa materia, aquelle vatório de Musica, si quizer honrar,
gru[inlio de primores artisticos, alli dignamente, a memória de Carlos
reunidos pelo entranhado bairrismo Gomes.
do pintor ituano, o inspirado auctor Urge que desenvolva a menos
da Coxinha de roça e de outros que modesta collecção de quadros
quadros de assumptos do nosso do Ypiranga, cellula-mãe, quem sa­
Folk-lore, surprehendido em fla­ be, si de algum futuro Louvre?!...
grante da mais assombrosa reali­
dade.
Ainda nos podia alimentar, arti­
ficialmente, a vaidade nativista o Mas, emquanto isso não fizer,
extraordinário talento desse aqua- que se contente de conservar o
rellista delicado, actual mente no sceptro das lettras, o qual ninguém
velho mundo, em busca do aper­ lhe arrancará das mãos!
feiçoamento, de que se resentiam Ainda se não apagou a remini­
as suas pequeninas obras primas... scência dos poetas e dos oradores
acadêmicos, meteoros brilhantes,
que illuminararn, com intensidade,
0 firmamento paulistano!
Fôra um phonographo colossal
A não serem Almeida Junior e 0 recinto do velho S. José e ainda
Pedro Alexandrino, que outros ar­ lá eccoariam as vozes de Fagundes
tistas poderiamos nós apontar?!... Varella o de Castro Alves; de José
Tendências naturaes não nos fal­ Bonifacio e de Oliveira Bello!...
tam, com certeza; mas, de boas
intenções está o inferno calçado,
lá dizia já o grande vate floren­
tine... S. Paulo, uma vez yankeefieado,
S. Paulo precisa de provar, di- voltou-se todo, e fez bem, para a
rectamente e por factos, que pode instrucção da mocidade!
e quer ser a capital artistica do Por isso foi que dispendeu e
Brazil; mas, para tanto se faz ne­ dispende milhares de contos de
cessário que comece por edficar um réis, na construcção dessas escolas-
theatro, na altura da sua civilisa- palacios, em que se prepara para
A MENSAGEIRA

as luctas sociaes a «esperança fa­


gueira da patria».
5upplica
Bem. De rastros, como quem ora
Congratulemo-nos por esse facto. com todo o culto, a uma santa,
disse-lhe arfante: senhora
Apraz-me vêr que a minha terra,
de tanta luz, graça tanta,
0 «ninho meu paterno» abandona
os arraiaes de Marte, para sacrifi­ no calmo alvor dessas faces,
car no teniplo de Minerva. em teus olhos calmos, calm >s
Eu sou partidário enthusiasta fulgem bondades fugaces,
passam fulgores de psalmos...
do grande orador romano, e tenho
para mim que a divisa do mo Ouve, pois. São penas cavas...
mento actual deve ser o: — cedant Deixa eu soltal-as fremcntes
arma togce! como as torrentes de lavas,
Do grande epico lusitano, eu to­ como o furor das torrentes.

maria a pcnna, deixando-lhe a es­


Pequei. Tão grande é meu crime,
pada... tem tantas provas, tamanhas,
Prefiro aquelle « saber de expe­ que seu peso, que me opprime,
riências feito» á sua «disciplina tem o peso das montanhas!
militar prestante»...
Venho de maguas coberto
Consagremo-nos á instrucção da
como esses ermos sombrios;
mocidade !... trago em minh’alma um deserto,
trago em meus olhos dous rios.

Eil-o, o peccado, divina:


por teu semblante de imagens
Vai pelas escolas um borborinho meu coração vibra e trina,
entontecedor... das vibrações mais selvagens.
As colmeias estão em plena a-
Amo-te! Carrego abrolhos
ctividade !
a hora que não te vejo...
Os enxames vão sahirl...
Dá-me o perdão de teus olhos,
S. Paulo, 30 Novembro 1897. dá-me a endoença de teu beijo...

J. V ieira de A lmeida. A rthur A ndrade.


'à ?
58 A MENSAGEIRA

0 casamento 6 um laço que a O quarto dia despontou brumoso


Ckjmo 08 sudarios alvos da tristeza!
esperança embelleza, a felicidade
— O nevoeiro encobre o sol radioso
conserva e a desgraça fortifica. E amortalha a coragem. Na aspereza

Obrariam os homens com mais De uma agonia nova e sem repouso


prudência não constrangendo as Julgam-se todos pelo mar perdidos,
Emquanto um tenue raio luminoso
mulheres; seria este o meio de
Rasga os lençoes das brumas destendidos.
tornal-as prudentes e acauteladas.
(Das M il e U ma N oites.) Alguma cousa vem sobrenadando :
Uns galhos verdes como se ora erguidos
Um amo demasiadamente apres­ A ’s alterosas frondes demandando
Os claros ceos azues adormecidos,
sado 6 sempre mal servido.
W alter S cott'. Avisinham-se. Um braço mergulhando
Levanta ao ar o ramo da esperança,
Victorioso e soffrego agitando
O prenuncio da' paz e da bonança.

Salvos! Alli na bruma se adivinha


0 ramo da esperança A terra firme e o nauta que idolatre-a!
— O continente é firme e se avisinha
(Inspiração do conto de Raul Pompeia) Como as palmeiras murmures da Patria!
Sa m u e l P o r t o .
Ergueu-se um delles... Pelo mar a fóra
Olhou; e o olhar piedoso e atristurado
Apenas viu a purpura da aurora
■%>
E o vasto ceo depois avelludado.

Nada restava aos naufragos! Agora Ma Thebaida


Só o batei por sobre o mar im m enso!... A mulher iutellectual é
E o sol fusila, o fulvo sol vapora u soberana dos salões.
Eu só reconheço uma
Num estorcismo luminoso e intens(j. aristocracia: a do talento.
I. G.
A tarde cáe. A calmaria morta A D. Presciliana Duarte
Traz-lhes k mente o lar num vago incenso.
0 mcii espirito enfermo, nesta
Aos pés do abysmo aberta a enorme porta,
Sobre a cabeça um mundo azul suspenso.
tarde de Novembro, precisava de
um reagente que o diilcificasse.
vista torva e tristemente absorta, Estava nos meus dias de spleen,
Nem a fumaça, além, do continente!... em que nada me agradava. Puz
E o pequeno batei tão mal comporta
de lado os Contos Cruéis de 1’ Is­
Os lassos membros da cançada gen te!...
le Adam , atirei irreverente em
cima da meza L ’ Eg Use Chretien-
A MENSAGEIRA 59
ne de Renan, corri a vista so­ por cuja iniciativa á sua directora,
bre a philosophia de Spencer, de D. Presciliana Duarte de Almeida, eu
Roberty e quasi sein attenção, para envio atravez do espaço um sincero
a Historia Universal de Cezar Can- aperto de mão, — com os perfu­
tii, depois de ter deparadQ corn mes de um punhado de rosas tra­
O estudo sobre os Lusiadas^ de zidas lá do meu norte, por aco­
Oliveira Martins. Estas leituras lher nas suas columnas a seiva
fortes, instructivas, que tanto me mental das senhoras brazileiras, en­
enchem o espirito de uma alegria xergando no futuro o quanto pode
sem nome, nessa oceasião faziam- 0 talento da mulher que pensa, lê,
me mal, não as comprehendia, de­ estuda e trabalha.
sejava isolar-me ainda mais, sem A mulher intellectual!...
saber porque, quando traz-me o Do que vale? qual a sua mis­
correio dous números da garrida são? que papel representa e re­
Mensageira^ toda vestida de bran­ presentará na litteratura do nosso
co, ar senhoril, como gentil fidalga paiz? que utilidade tem? quem a
que viesse visitar a pobre solitaria comprehende ?
da litteratura brazileira. E, por uma Num instante, atropelladamente,
sympathica coincidência, vinha me estas perguntas se apresentam ao
do Rio Grande o elegante «Co- meu espirito, a mim que tenho
rymbo», jornal também de senhoras, collaborado em todos os jornaes
um numero da Estação^ um outro de senhoras, de ha oito annos
d'A Familia e o terceiro deste para cá. Eis porque, ao pegar no
formoso jornal (jue tanto ruido ha novo athleta que já conhecia pelo
feito, «A União Acadêmica», de que que disseram os outros jornaes, nos
sem duvida eu sou a mais humil­ meus bons desejos, abri para elle
de collaboradora. um horizonte de caricias, por ele­
Como por encanto, a crise aneu- var tão alto as suas ambições, no
rasthenica que me acabrunhava e codigo absoluto da idéa.
a que eu obedecia escravisada, De novo em scena apparece a
terminou inopinadamente ; tanto, mulher brazileira no ideal do ta­
que, ao 1er a Mensageira, o Co- lento, com uma senda a seguir:
rgmbo, A Familia e a Fslação, — a elevação intellectual, comba­
exclamei radiante: — A mulher tendo os erros da sociedade, nessa
intellectual!... bemvinda seja!... suprema ventura de ser util á fa­
E tomava entre os dedos com milia, á patria e á humanidade,
despojando do seu coração as fra­
mais carinho e ceremonia a M en­
quezas que porventura lhe possam
sageira, cujas columnas devorei e
6o A M EN SAGEIRA

advir no espinhoso encargo de edu­ que, dispondo de energia, ainda que


car a infancia, a adolescência e a 0 seu intellecto as faça parecer mais
mocidade. homens do que mulheres, como
Não será essa a unica ambição Nizia Floresta Brazileira Augusto.
da mulher intellectual? Nas flores Corina Coaracy, Revocata do Mel­
mysticas do sentimento, que me­ lo, Josephina de Azevedo; ou ame­
lhor mestra do que a mãe que nas e circumspectas como Julia Lo­
lecciona o filho na escola do co­ pes de Almeida, Adelina Vieira,
ração; que melhor preceptora do Julietta Monteiro; ou despretencio-
que aquella que, a despeito da in­ sas como Maria Clara, a elegante
veja, tenha qualidades para se tor­ missivista das «Cartas do Rio».
nar lida e comprehendida? Que Eu acho que no destino da pa-
divina missão, a desse apostolo, que tria, para a salvação de um povo
aponta e corrige prejuizos, elevan­ que carece de severas licções, a
do assim as suas aptidões moraes, mulher intellectual será a sua mais
evangelisando e doutrinando?!.. nobre preceptora.
A mulher intellectual só tem A sua prepotência, congrega os
uma ancia: é transmittir a su’alma elementos da civilisação, sentindo
a outr’ alma que a comprehenda, allivio ao ser comprehendida na
sem os doidos enthusiasmos de uma vanguarda do progresso, na justa
vizionaria, mas sim com a simpli­ ambição dos seus deveres não só in-
cidade de maneiras, de palavras, tellcctuaes como moraes, na marcha
nessa percepção do cs])irito que (juotativa da felicidade de seu paiz.
doutrina, protege e só deseja (pic Uma patria sem litteratura, c u-
a não condemnem, nem a julguem ma patria morta — que mais se
louca!... pode esperar delia? Felizmente a
Nã(t admiro as politicas dese­ nossa não o ó.
quilibradas como uma Michel, mas Ao findar, desejo á Mensaijeira
em todos os tempos a mulher foi a mais completa das victorias.
util na litteratura: algumas dél­ O porvir abre-lhe os braços nes­
ias como Staël, Sévigné, Lafayette, sa (juestão social da litteratura fe­
Jorge Sand e outras muitas, attes- minina brazileira demonstrando (pic
tam 0 quanto vale a que 6 culta. o infinito do pensamento não será
Entre nós, ella ainda não é bem completo sem a evolução da men­
comprehendida, com quanto os gran­ talidade da mulher entre nós.
des espiiãtos apreciem aquellas que Isto até c questão do patriotismo.
ou dizem o que sentem conforme Rio de Janeiro, 1897.
o seu temperamento meigo ou as I gxkz S abino.
A MENSAGEIRA 6l

desempenhar a missão que lhe foi


0artas marcada.
Pétalas da saudade, eonduzindo Agora mesmo, litteratas do Rio,
O olor do pensamento ... de São Paulo e de Minas, funda­
Azas brancas do amor contra a distancia,
ram em São Paulo uma revista, A
Cartas, sois o maior contentamento
Moisrujeira^ exclusivamente dedi­
Dos que na ausência abysinam-se com ancia!
cada á mulher brazileira, sendo
Estrellas pela noite da saudade! sua directora a delicada poetiza 1).
Ilhas de flores pelo mar deserto! Presciliana Duarte de Almeida.
Cartas, que da ternura sois a essencia,
Figuram nestes primeiros números
Fazeis do longe perto.
Sois d(>s saudosos (piasi a providencia! os nomes das sras. Julia Lopes de
Almeida, Zalina Rolim, Maria Clara
18 de Março de 18í)2.
da Cunha Santos, Julia Cortines,
P r e s c ii .i a n a D u a r t e de A l m e id a .
Aurea Pires, e Francisca Julia da
Silva, a festejada auctora dos Mar-
vtorcs.
Ora, eu, francana de nascimento
e de coração, não posso assistir in­
2)ão licença? différente a este renascimento da
energia feminil e, em nome das
Srs. Redactores do Album\ minhas conterrâneas applaudo a ini­
Parecerá imprudência da minha ciativa das denodadas batalhadoras
parte, ir pedir um petpteno espaço que em São Paulo, iniciaram tão
no seu jornalzinho, que já conta edificante tentamcn.
collaboradoros eximios. Avante, pois, na gloriosa senda.
No em tanto, posso affirmai’ o
Elevado o nivel da mulher, só
contrario. 0 momento parece ser
assim ella poderá ser a companheira
de reconstrucção social, e uma das
do homem.
primeiras cogitações a préoccupai’
Onde ha escravidão ha medo,
os lieroes do porvir, 6 a elevação
onde ha medo ha hypocrisia, onde
da mulher.
ha hypocrisia ha traição, onde ha
Não c só aqui, onde se aventa
traição ha crime.
esta id6a. Em muitos paizes eu-
Onde ha liberdade ha amor, on­
ropeos, e nas capitaes do Brazil,
de ha amor ha franqueza, onde ha
lio concerto, ha poderosa unifor­
franqueza ha verdade, onde ha ver­
midade de vistas no intuito de
communicar á mulher a força mo­ dade ha paz!
Quando mesmo a mulher não
ral que lhe ó mister, para ella bem

- - X
62 A MENSAGEIRA

fosse feita para mandar, porque não ciedade, ainda algo hostil ao seu
ha de ella saber obedecer? desenvolvimento.
Saber obedecer não é uma scien- Segue-se mimoso soneto de Ade­
cia que tem preoccupado a tanta lina Lopes Vieira, a distincta au­
gente ? tora das Maryariias, que resurge
Certo que sim. Aos homens con­ para as letras com o enthusiasmo
vém, então, aproveitar ou saber a- doutras eras.
proveitar a indole, mas a indole Aproposito diremos que esta cam­
educada da mulher. pineira, cujas Palestras femininas
Queiram desculpar, srs. Redac- abrilhantavam a antiga Semana,
tores, se fui além do pequeno es­ promette trazer a mesma secção ás
paço que vos pedi. colunmas do novo periodico.
Vem ao deante a Carta do Rio,
Franca, 10— 97.
pequena série de trechos da vida
G eorgixa S antiago .
carioca, observados finamente atra­
(Do Album, da Franca.) vés delicada phantasia, por Maria
Clara da Cunha Santos.
Depois encontramos quatro qua­
dras, cheias de lavor artístico, ca­
sando perfeitamente com a idéa de
Mügei, que serviu de thema ao
^ Merisageira
Mergulhador, pois assim se intitula
Continuamos a transcrever a opi­ esse trabalho de Francisca Julia da
nião da imprensa sobre a nossa re­ Silva.
vista, apezar do limitado espaço de Logo abaixo apparece a Chro­
que dispomos. Fazendo-o temos em nica omnimoda, plena de um mys­
vista certificar a nossos collabora- ticisme doce, a desbordar pelos pe­
dores do apreço que se lhes dá e ríodos arredondados, em que se
temos com isso o mais vivo prazer: expande a alma christão e o espiri­
«Só hontem recebemos o segun­ to religioso de João Vieira.
do numero d’A Mensageira, inte- Amelia de Oliveira alinha qua­
ressantissima revista consagrada ás torze versos, denunciadores de um
senhoras, e que se publica sob as belle talento litterario, que a ha de
vistas de Presciliana Duarte de Al­ tornar festejada, como o vate das
meida. Canções românticos, das M eridio-
Abre-o um judicioso escripto de naes, etc.
Maria Emilia, relativo á condição Traços ligeiros é o titulo de um
actual da mulher em a nossa so­ artigo, no qual Silvio de Almeida,
A MENSAGEIRA
63

dispendendo boa dose de argumen­


tos, vasados em forma graciosa, con­ Kotas pequenas
troverte opinião de Arthur Azevedo. Orphams bahianos — A Exma.
Estrophes feitas com amor, reve­ Sra. D. Amélia Torres da Silva,
lando inspiraí^ão crescente, são as distincta bahiana residente em S.
de Presciliana Duarte de Aliheida, Paulo, teve a feliz ideia de fazer
buriladas em 1890 e vindas a lume uma subscripção com 0 fim de
agora, presas á singela épigraphe soccorrer e educar os orphams ba­
— Ideal. hianos, quer filhos dos soldados re­
Ha ainda a notar Trindade.^ con­ publicanos, quer filhos áos jagun­
to de Dolores Alcantara de Araujo, ços. A caridosa moça, que 6 uma
que, a ser uma estróante, qual a republicana convicta, tem trabalha­
suppomos, merece todo 0 incita­ do activamente nesse sentido, e diz,
mento. com muita razão, que precisamos
A falta de segurança no estilo, educar os filhos dos jagunços para
ainda vascilante a alguns passos, que olles não nos façam 0 que
certo desapparecerá com o habito seus paes nos fizeram!
da cscripta, polo exercitamento con­ Que a sua obra seja coroada de
tinuado da penna. todo bom exito são os nossos vo­
Fecham 0 presente numero, abun­ tos.
dante de producções dignas, Blas-
phemo e Kief, bons trabalhos poé­ Sociedade das filhas de Cuba —
ticos de Arthur de Andrade e Julio Apreciem as nossas leitoras 0 se­
Cesar da Silva. guinte trecho que transcrevemos
Emfim, A Mensageira, firme no de uma noticia sobre as heroinas
programma, que lhe traçou a illus­ cubanas:
tre directora, vai attrahindo sim- «A par dos famosos guerrilheiros
pathias congregando esforços e fa­ que, com as armas nas mãos, com­
zendo brcclia no indifferentismo in- batem pela causa da liberdade e
dos combatentes intellectuaes que,
digena.
Parabéns a Presciliana Duarte numa santa peregrinação pelo ex-
de Almeida, bem como aos seus trangeiro, conquistam as sympa-
dedicados auxiliares, de ambos os thias do mundo civilisado para esta
extraordinária epopéa de heroismo,
sexos, pelo denodo na cruzada no-
ha ura forte elemento, desconheci­
bilitante, em que todos se acham
do de muitos, — a Sociedade das
empenhados.
Filhas de Cuba, que trabalha sem
(Da Cidade de Campinaít.)
tréguas nem repouso pela causa
64 A MENSAGEIRA

da independencia da Perola das cessário para poderem contribuir


Antilhas. mais efficazmente por seus dona­
As filhas de Cuba tern por pre­ tivos para a salvação do paiz.»
sidente Mine. Gonzalo de Quezada,
uma joven de unia belleza rara e Recebemos e agradecemos: —
de uma vontade á toda prova. A a Nação^ o Correio Paulistano e
vice-])residente é Mine. V. de Za- a Platéa, desta capital; a Noticia,
yas Bazan; a secretaria, Mile. Car­ do Rio de Janeiro; a Gaxetinha,
men Mantilla, e a thesoureira. Mine. de Porto-Alegre; o Pampeiro, de
Benjamin Guerra. Arroio Grande; a Ga.xeta de Ube­
Entre as operarias dedicadas desta raba; a Gaxeta de Oliveira; o Jor­
sociedade, destacam-se Mme. Blan­ nal do CominercÃo, de Juiz de Fora;
che Zacham Beralt, dotada de ad­ 0 Picho da Barra, da Barra do Pi-
mirável eloquência, como mostrou rahy; a Gaxeta de Caçapava; a
110 Congresso Feminino, 6 ainda JMeja, de Aguas de Lambary; a
uma festejada cantora; Mme. Irene P'olha de Jaguarij; a Patria, do
Trujillo; Mme. Fidel G. Pierza; Pouso-Alegre; a Pepublira, do Ba­
Mme. Adela Azcuy de Pilota, cujos nanal; 0 Besistente, do S. João
paes foram assassinados e cuja for­ d’ El-Rei; o Noticiarista, de Bata-
tuna confiscada; é hoje capitão de taes; o Album, da Franca; o La-
uma companhia cubana, onde tem baro, do Rio de Janeiro; a Gene­
dado grandes provas de valor mi­ sis, excellente revista literaria, do
litar; Mme. K. Cabarra; Mme. J. Rio de Janeiro; a Gaxeta de Pe-
Arias; Mine. Emilia Agramonte e tropolis; 0 Alfinete, de S. Carlos
muitas outras. do Pinhal; o Annel, de S. Paulo;
Üifficilniente se podem imaginar a Revista Marithna Brazileira, do
os trabalhos e sacrifícios a que se Rio do Janeiro; a Revista Agrícola,
entregam, gostosamente, estas he­ de Uberaba; e a America Illus-
roinas da liberdade cubana. Quasi trada, números 8, 9 e 10, revista
todas deram a sua fortuna e até (piinzenal que se publica nesta
as suas joias para encher a caixa cidade sob a direcção de R. Gon-
da revolução. Muitas venderam dry e que vem repleta de excel-
seus moveis, bibelots e objectos de lentos retratos de conhecidos e no­
arte para comprar fuzis para os táveis brazileiros.
combatentes e medicamentos para
os feridos e doentes. Vivem todas
elias de um modo modestíssimo e
se reduzem ao estrictameiite ne­
São Paulo 15 de Dezembro de 1897 Anno I, N. 5

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direetora — Presciliana Duarte de Almeida

Esta revista garante a sua ptiblieaçào durante um anno.


Puhlica-se nos dias 15 e 30 de cada mex.
P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno ' N u m ero avulso
a d ia n ta d o Endereço: Rua dos Estudantes N. 23 ! 1$000

Summario: — Chronica omnimoda, J. V. de Natal, com o presente do... ve­


de Almeida; — Dezoito de Nevembro,
lho da montanha!...
soneto, Aurea Pires; — Carta do Rio,
Maria Clara C. Santos; — Patuit Dea, Não podeis comprchender, e bem
soneto, Silvio de Almeida; — O voto hajais por isso, as amarguras que
feminino na Nova Zelandia; — Onde?
traga o vosso progenitor, ao ter de
soneto, Amadeu Amaral; — Impressões
de leitura. Perpetua do Valle; — No vos dar o necessário, para a vossa
chalet, poesia, Ibrantina Cardona; — Li­ educação!
teratas Polacas, Elmano do Vai; — Ne-
nia, poesia, Presciliana Duarte de Almei­
da; — Selecção; — Notas pequenas.
E ainda assim vós, ó pequeninos
perversos, ó ãge sans piiié; ainda
©hronica Omnimoda assim vós tão mal correspondeis ao
Este 6 0 niez das creanças! seu incomportável sacrifício!...
Ainda bem não deixaram ellas Vede lá si vos lembrais de pou­
os livros e se voltam já para as par ao vosso livro, considerando
gulodices! que elle custou as mais longas
Férias e arvores do Natal!... vigilias ao vosso amoroso pae!...
Reílecti e vereis que os sapatos
que estragais, palmilhando doida-
mente 0 lagedo dos passeios, ar­
Felizes vos, o pequeninos seres, rancaram lagrimas de sangue aos
que vos não tendes de préoccupai’ seus macerados olhos!
com a baixa do cambio, nem com Attendei a que, vergado ao seu
as difficuldades da venda do café. Razão, ou a seu calhamaço de pa­
peis forenses, vai elle consumindo,
Bem sabeis que o papá, moure­
lentamente, a existência, tendo uni­
jando noite e dia, sempre vos dará
camente em vista a prepaiação do
0 vosso livro novo de classe; ou
vos sorprelienderá, na madrugada vosso futuro!
66 A MENSAGEIRA

E VÓS, apenas iniciadas as fórias Podeis e deveis trocar a atmos-


escolares, já não pensais a não ser phera pesada das salas de aula
nas gulodices do Natal! pelo ar livre e saudavel das cam­
Em vossa imaginação superexci- pinas...
tada, já ides architectando os mais Precisais de correr, desapodera-
lindos castellos... damente, por montes e valles, ao
Quereis, no meio do salão, um sabor da vossa phantasia...
bello pinheiro, verde-negro, de cu­ Mas, careceis egualmente de não
jos ramos lanceolados pendam os deslembrar o lado pratico da vida...
mais extravagantes polichinelles e
os mais appetitosos bonbons...
Não sabeis si o vosso pae está
em dia com o senhorio e com o... Ahi está a patria, que tudo es­
Harpagon da esquina... pera de vos!
Vos vos quereis divertir e ... aca­ Si não fosse a esperança que
bou-se ! ella nutre na mocidade, seria caso
Como esse povo romano, a eter­ de se entregar ao desespero!
na creança, também vos importais Angustiosa 6 a situação do paiz!
apenas com o citadissimo — pa­ A caligem do estado de sitio
nem et circenses!... mais uma vez envolve o ambiente
Comtanto que vos divirtais... social; e as tenazes da suspensão
après vous le déluge... de garantias de novo comprimem
Comamos e bebamos!... a garganta do cidadão!
Rumores subterrâneos, denuncia­
dores de próxima catastrophe, põem
nos corações as agruras de um ter­
Entretanto, taes não devem ser ror vago, de um terror impalpá­
as aspirações da mocidade... vel !...
A eterna distracção, a sêde in­ Clarões sinistros cortam o negru­
saciável de divertimentos, 6 a par­ me da noite que cerca, e ninguém
tilha dos espiritos futeis e da in­ póde mais contar com o dia de
capacidade doirada... amanhã!...
Outras devem ser as idéias, pe­
las quaes deveis luctar!..
Certamente, ninguém vos quer Em vós, ó moços, unicamente
privar da folga que deveis ter do em vós, 6 que confia esta patria,
trabalho indefesso de quasi um an­ pobre mãe amargurada!...
no... Dae tregoas ás futilidades que
A MENSAGEIRA 67

VOS preoccupam e attendei aos seus Eu te abraço e te beijo! E tu, mimosa.


rogos sentidos! Abraça-me também ! Como é formosa
Neste momento a luz dos olhos teus!
Quando a nossa mãe padece, não
é justo, não 6 decente que nos en­ E assim unidas, fulgidas, contentes,
treguemos ao prazer. Nossas almas, amigas, sorridentes.
E a patria soffre e a patria re­ Lá vão cantando pelo azul dos ceus!
clama 0 concurso de todos os seus 18-11-1897.
A u r e a P ires .
filhos!...
Accostumai-vos, desde já, a en­
carar 0 lado serio da existência.
Atacae firmes e resolutos 0 pro­
0arta do ílio
blema da vida!...
Começae a ser homens!.. Durante toda a quinzena os te-
legrammas de Pariz não cessaram
de falar sobre 0 emocionante caso
do Capitão Dreyfus, sobre a cam­
Entretanto.... este 6 0 mez das panha de rehabilitação que em seu
creanças ! favor se move em França. Real­
Ainda bem não deixaram ellas mente, não pode deixar de impres­
os livros e se voltam já para as sionar todos os espiritos es.se caso
gulodices! assombroso!
Férias e arvores do Natal! Eu li a dolorosa historia do sof-
frirnento desse homem, de sua ig­
S. Paulo-15 Dezembro-1897.
nóbil degradação militar, dos des-
J. VlKIRA 1)K A l MKIDA.
presos, humilhações, insultos e ul­
trajes que soffreu e senti uma gran­
de admiração poi- aquella alma tor­
turada quando respondia a seus
2)ezoito de Novembro algozes estas palavras tão simples
mas tão expressivas e cheias de
A Maria Clara
heroismo: Eu sou innocente, eu
llo je não quero pranto nem tristeza!
sou innocente!» A ’ esposa de
Quero ininli’alma cheia de alegria,
Dreyfus, conforme 0 uso de França,
Adejaiido no céu da fantasia,
Simples e bella como a natureza ! facultou a lei 0 direito de desligar
do seu 0 degradante nome do ma­
Como tu’alma limpida despreza rido. Mas a esposa não quiz; 0
As misérias da vida, eu neste dia aii^or — 0 eterno regenerador da
Também desprezo a atroz melancolia
humanidade — falou mais alto a
Que no meu coração soluça e pesa!
68 A MENSAGEIRA

seu coração magoado quo o des- ver encerrada em um quarto de


preso e o odio da multidão enfu­ Hospicio, para satisfazer a vingan­
recida, não despresou o nome ig­ ça de um desaffecto, não teve a
nominioso'de seu companheiro de força precisa para escurecer-lhe a
existência, continuou a amal-o. Pas­ razão. Outras creaturas que não
saram-se os tempos. se tivessem declarado ainda, teriam
Hoje, mais calmos os espiritos de em vista de tão cruciantes provas,
seus cumtemporaneos, passado o excellente occasião de mostrar que
primeiro momento do delirio da soííriam da telha...
vingança, eis que a possibilidade da
imnocencia d’aquelle homem, co­ O Riachuelo, o formoso coura­
meça a apparecer. çado que durante alguns mezes es­
O seu martyrio foi tão profundo, teve em concerto no dique Gua­
tão dolorosa foi a sua tortura, que, nabara, ha dias que fluctua gar­
se elle provar que é imnocente, eu boso nas aguas de nossa bahia.
creio que a unica reparação possi- Quando o Riachuelo aqui chegou
vel a tão negra injustiça, seria a quasi inutilisado, com o casco ar­
sua canonisação. rebentado e a roda da proa par­
Extremeço ao pensar no remorso tida, houve quem dissesse ser pre-
dos algozes de um dos maiores ferivel envial-o a qualquer bom
martyres do século dezenove! estaleiro da Europa, onde pudesse
ser reconstruido com perfeição. Mas
No Hospicio Nacional de Alie­ um brazileiro que tem confiança
nados também appareceu uma his­ em sua terra e em seus patricios
toria commovente: trata-se de uma assegurou que os reparos, comquanto
senhora que foi recolhida áquelle muito difficeis, poderiam ser prati­
estabelecimento como louca e como cados aqui mesmo. E de facto, o
louca alli conservada ha mezes. Riachuelo está prompto, garboso de
Dizem que ha um mysterio em tudo sua força, orgulhoso de suas tradi­
isso, que a mulher não é louca, o ções, a balançar-se tranquille sobre
que está provando o seu advogado as aguas da nossa formosa bahia.
com attestados médicos. Realinente, Que por longos an nos não pre­
se a Snr.“ em questão provar que cise de outro concerto, 6 o que de­
não é louca e sahir do Hospicio sejo para economia dos cofres pú­
ainda em pleno goso de suas fa­ blicos, já tão depouperados e para
culdades mentaes, provará que ti­ gloria dos operários brazileiros.
nha juizo de sobra quando lá en-
rou, [)ois que a grande dor de se 8e, em epochas l’cmotas, alguém
A MENSAGEIRA 69

ousasse affirmar que os surdos- perdeu duas horas e tanto a ver


mudos, com 0 estudo de methodos se arranjava logar era um bond de
scientificos, viessem, ao fim do al­ Villa Izabel para ir ás touradas,
lium tempo, a falar intelligivelmente, nas Larangeiras. Eram precisos
duvidariamos, e com razão. No em- quatro logares, havia quatro senho­
tanto, os últimos exames do Insti­ ras nessa farailia. Os bonds pas­
tuto dos surdos-mudos desta Capi­ savam repletos, de vez em quando,
tal acabam de provar que não 6 á laia de consolação, lá um ou ou­
uma utopia 0 que nos pareceria tro tinha um logarzinho, mas um
impossivel, ha annos passados. Dois só!., óra ellas queriam quatro! —
aluranos falaram, ó verdade que também que exigentes! — e es­
monotonamente, com uma só in­ peraram, esperaram. Afinal, quan­
flexão de voz e quasi aphonicos, do conseguiram os desejados loga­
mas, em todo caso, ó um progresso res, estavam já cançadissirnas e a-
(jue devemos assignalar contentes. borrecidas. Mas quem mora em
São dignos de maiores elogios 0 Villa Izabel e quer ir á Praça de
Director do Instituto, D.*" João touros em Larangeiras tem que to­
Paulo, e os profesores, particular­ mar dois bonds; por conseguinte,
mente 0 Sn.’' Cândido Jucá. Já supplicio duplo.
não é tão desgraçado, como era em Para encurtar razões, quando as
outras epochas, 0 surdo-mudo. E’ minhas amigas chegaram ás toura­
bastante consoladora a ideia de que das, nem lá entraram; para que? 0
um homem (pie seria fatalmente povo sahia em massa, acotovelan­
um inútil, um peso para a huma­ do-se, contente, a discutir 0 mérito
nidade, 0 beiiemerito Instituto dos dos toureiros e a brabura dos bois:
Surdos-Mudos do Rio de Janeiro tinha-se acabado a função.
educa e apparel ha para as luetas
da vida com 0 mais valioso dos Recebi 0 livro de Ignez Sabino
capitaes — a instrucção. intitulado «Noites Brasileiras» com
uma captivante dedicatória. 0 li­
Os bonds, os bonds... que tor­ vro foi impresso em Pariz e 6 or­
mento! Não ha logar, passam os nado com gravuras. E’ muito bo-
bonds repletos, e a gente, que não nitinho. A auctora dedica-o ás
sabe gymnastica não se aventura creanças e ella propria me disse
a um assalto tão perigoso como 0 que elle tem tido muita procura e
de embarcar em um bond, nesta acceitação.
cidade, a certas horas do dia. Ainda bem. Gósto disso. Em
Sei de uma amiga que hontem carta dirigida ao A. A. do Paix e
70 A MENSAGEIRA

publicada na «Palestra», Ip^nez Sa­ .Junto de ti, até de mim me escjueço...


E.^queço tudo mais, que é vil e l>aixo,
bine diz francamente que não ne­
Pois nada mais encontro de tal preço!
cessita das palavras de louvor dos
nossos literatos, inclusive o A. A., .Junto de ti, olympica beldade.
pois que teve os maiores elogios Subo da baixa plana em que me acho.
Incendido na tua claridade...
de distinctes homens de letras. E
Dezembro, D7.
c por isso que eu, a mais humilde
S il v io d e A l m e id a .
das collaboradoras da «Mensageira»,
abstenho-me de falar sobre o mé­
rito do livro; faria má figura a
minha desauctorisada opinião. Que
poderia eu dizer que valesse a pena,
quando a auctora tem, como diz, em
0 suffragio feminino
em a Nova Zelandia
seu abono, a opinião dos mestres?
De coração agradeço o conto 0 seguinte artigo, que transcre­
«Entre rosas» que ella bondosa­ vemos da interessante e bem es-
mente me offereceu. cripta Gar.eta de Petropolis, c um
valioso documento cm favor da
Aproxima-se o Natal. Ahi vem mulher Attesta elle, de modo elo­
0 tempo das festas e das alegrias, quente, 0 bom senso e sobranceria
dos presentes, das amêndoas, das do sexo fraco. Yejam :
folhinhas e dos bonbons. Foi ha tres annos que as mu­
Termino esta Carta enviando lheres da Nova Zelandia exerceram
boas-festas ás assignantes da «Men­ pela primeira vez o direito eleito­
sageira». ral, não sem viva resistência da
M aria C lara da C uxiia S antos. parte de uma poderosa classe, a
dos taverneiros e vendedores de
bebidas alcoólicas, receiosos de que
a influencia de tal categoria de
eleitores, pela maior parte filiados
^atuit 2)ea...
(ou antes filiadas) ás sociedades de
Tens o que póde ter a creatura
temperança, determinasse a ado-
De mais suljlime pelo sentimento...
Teu coração é lago de ternura, pção de medidas que os impedissem
Em que se espelha todo o firmamento! de continuar a envenenar os seus
compatriotas com os produetos da
Tua meiguice, que no olhar fulgura,
sua industria.
Sorri nos lábios, a qualquer momento;
íl tua alma gentil, que é sempre pura. As mulheres acabaram por ven­
Vibra também de ardor e movimento! cer, mas não abusaram da victoria,
A MENSAGEIRA

limitanrlo-se a obter alíz;umas res- a ellas agora em grande numero;


tricções á venda das bebidas e li­ e bastou a sua preseu(.-a para in­
cores fortes, mostrando assim uma spirar aos oradores mais modera­
noção assás lúcida das exigências ção na linguagem, e mais attenção,
do orçamento, que, para se equili- cortezia e tolerância no auditorio.
l)rar, jirecisa de (pie o contribuinte Raras vezes succedeu subir qual­
se embiãague o mais possivel, ou quer mulher á tribuna; as (pie to­
pelo menos se sacrifique abundan­ maram a palavra eram quasi todas
temente ao demonio do alcool, co­ do partido da temperança obriga­
mo lhe chamava Edgar-Poê. tória.
Esta primeira intervenção da 0 principal resultado do suffra­
mulher nas luetas eleitoraes não gio feminino foi. porém, a elimi­
jiroduziu era summa grandes alte- nação. do Parlamento Colonial, de
raçíjes na composi(.-ão da camara todos os homens politicos cujos
electiva; mas. ha poucos mezes, ti­ antecedentes não apresentavam
veram ollas oceassião do exercer crystalina pureza. A mais amavel
de novo o direito de suffragio c metade do genero humano é re­
muito conscienciosamente o fize­ belde á disciplina de partido. Xas
ram; porquanto, segundo as esta- ultimas eleições, as neozelandezas
tisticas, o numero de eleitores fe­ inspiraram-so mais no coração do
mininos foi apenas inferior de 3®/o que na cabeça, e votaram pelos
ao de eleitores do outro sexo. candidatos que lhes mereciam esti­
O primeiro resultado da inter­ ma ou sympathia, sem se importa­
venção das mulheres na batalha rem com as suas opiniões politicas.
eleibn-al foi, segundo um antigo «Para solicitar com bom exito
membro do Parlamento neo-zelan- os suffragios das mulheres, escreve
dez, 3Ir. Hugh Lusk, que publica 0 collaborador do Forum, era ne­
sobre este assumpto um importante cessário gosar de irreprehensivel
artigo no Forum, attenuar, pela reputação. Todo o homem cuja
sua salutar influencia, as rixas e vida privada ou cuja caiToira po-
violências de toda a ordem que se litica deixava a desejar, estava de
produziam em toda a Colonia du­ antemão vencido. A capacidade
rante 0 periodo agudo da época mais universal mente reconhecida
eleitoral. não bastava para salvar de um
«As reuniões politicas. diz Mr. desastre este ou aquelle persona­
Hugh Lusk. deixaram de ser as- gem considerável, cujo caracter
sembléas, em que eram admittidos pessoal podia ser discutido.
só homens; as mulheres concorrem Candidatos que pela primeira
72 A m e n s a g e ir a

vez se expunham á sorte do es- eleitor comprehender que é ao ca­


crutinio, sem outro titulo além de racter que deve sobretudo attender
uma probidade incontestada, desa­ para a escolha dos seus represen­
lojaram dos seus logares na Gama­ tantes, 0 governo representativo
ra um certo numero de veteranos, não tardará em rchabilitar-se no
que pareciam ter sobre estes ad- conceito universal.
venticios a dupla superioridade do
talento e dos serviços prestados
ao seu partido. Estes resultados
que causaram na Colonia profunda
Onde?...
surpresa, eram, todavia, fáceis de
explicar. Onde está essa, que de certo existe,
Irmã desta alma triste e desolada?
A maior parte das entidades im­
Onde ella chora, desolada e triste,
portantes, que desde longos annos Buscando a companheira transviada?
occupavam situação preponderante
nos debates parlamentares, tinha Tanto o meu pobre coração feriste
Com o teu prestigio olympico de fada,
na sua vida publica ou privada
Que - - ó engano cruel ! — quando surgiste,
algum ponto fraco que as mulhe­ V i surgir-me a ventura desejada...
res não lhes podiam perdoar.»
Se isto é assim, e se em todos Mas, de novo minha alma soluçante
Em vão procura, pelo tempo adeante,
os paizes o eleitor feminino obe­
A irmã formosa, a desfazer-se em ais;
decer da mesma forma a taes in­
spirações, ahi temos a salvação do E quem sabe se a irmã formosa e pura.
systema representativo, cuja fallen- Também sósinha e a soluçar, procura.
Dorida, esta alma, sem a vêr jamais ! . . .
cia parece imminente.
S. Paulo, Agosto, 97.
Desde o momento cm que o
A m adeu A m a r a l.
corpo eleitoral eliminar da funcção
legislativa todos os individuos de
probidade avariada, como aquelles
que na vida publica deram exem­
plo de incoherencia, deslealdade e
falta de patriotismo, — o nivel “impressões de leitura
moral dos parlamentos attingirá Plectros. versos de Ibrantina Cardona,
1897.
alturas até hoje desconhecidas.
O culto supersticioso do talento Criticar um livro de versos é ta­
é, para muitos criticos politicos, a refa bastante difficil para quem sa­
primeira causa da decadência do be a influencia que exerce no es­
regimen representativo. Quando o pirito de criticado um juizo injusto.
A MENSAGEIRA 73

quer excessivamente benevolo, quer, Por consideração e cortezia á


pelo contrario, exi,e:ento demais. dama perdoam-se os foros medio-
Si a critica se despensa de apontar cros da poetisa; e, os proprios er­
os defeitos da obra e apenas fala ros. e as mesmas incorrecções ga­
de suas bellezas, deixa de propor­ nham aspectos pittorescos. passam
cionar ao escriptor ensejo de cor­ a ser bellezas adoraveis, na opinião
rigir-se e de procurar melhorar as do critico, uma vez que não possa
obras que de futuro escreva; si ó a authora sentir-se melindi-ada com
intolerante, arrisca-se a levar de­ as asperesas de uma analyse que
sanimo e abatimento ao poeta! Em prime pela rigorosa imparcialidade
taes condições, só temos um guia com que ó dever da critica condu-
seguro — a sinceridade. Dizer as zir-se nas graves questões da arte.»
impressões que o livro nos suggeriu, Felizmente raras vezes tom applica-
com a maior simplicidade possivel, ção a ironia <lo poeta. Dizemos
é portanto a rota que temos a se­ felizmente porque entendemos que
guir. os livros de senhoras, tanto como os
Os PlerAros de Ibrantina Cardo­ de cavalheiros, devem ser julgados
na trazem elegante capa, desenhada com imparcialidade e justiça. E,
pelo notável paysagista Antonio Par­ si assim não fôra, que gloria res­
reiras, um dos mais trabalhadores e taria a poetisas como Zalina Rohm
gloriosos artistas do Brazil, e um e Julia Cortines, para não falar em
prefacio do laureado poeta das Ro- mais tres ou quatro que oceupam
sa.s Loucas. Pnncipia Carlos Fer­ lugar saliente na literatura patria,
reira por falar com angustia no que louros lhes caberiam? A todo
estado politico de nosso paiz e na tempo poder-se-ia dizer: si tal no­
completa indifferença do governo meada alcançaram, é porque são
republicano pelas artes e letras. mulheres...
Antes de entrar na apreciação do E’ verdade que a critica, para
livro, diz 0 prefaciador, com muita ser justa, precisa ter certa disposi­
ironia: Não raras vezes acontece ção de bondade para com as es-
acharem-se em grande embaraço criptoras, attendendo ao pouco cul­
os mestres da critica, quando lhes tivo que tem commummente a mu­
c commettida a complicada missão lher. Não frequentando ella, como
de dizerem do merecimento de um os homens, collegios, lyceus e aca­
livro de versos, se por ventura em demias, desconhecendo os segredos
vez de ser um author o nome que de sciencias tão bellas como a bo­
os firma, é esse nome de uma gra­ tânica e a astronomia, não sabendo
historia e não tendo conhecimento
ciosa authora.
74 A MENSAGEIRA

de linguas extrangeiras e até mes­ encontram-se estrophes originaes,


mo da vernacula, como poderá fa­ feitas com ardor e grande espon­
zer tanto quanto os que têm a in- taneidade. Ao lêl-as convencemo-
telligencia esclarecida por esses nos de que estamos diante de uma
múltiplos conhecimentos? Os ho­ alma que sente ,que vive e que
mens, mesmo quando não recebe­ espontaneamente canta. Esta es­
ram solida instrucção. encontram pontaneidade é que distingue o poe­
mais facilmente meios de elucidar ta de raça do burilador de versos.
seu espirito, já em palestras com Ha individuos que em dados mo­
pessoas auctorisadas, já em viagens, mentos da existência, não podem
etc. etc. deixar de derramar sua alma era
Lemos algures que para falar do estrophes sentidas e verdadeiras!
mérito de um auctor com precisão Esses são os que têm o fogo sa­
devemos conhecel-o pessoal mente e grado^ são os que sabem sentir
atê saber os pormenores de sua vi­ com mais intensidade o vibrar das
da para dar o desconto da influen­ emoções, são os artistas natos, são
cia mesologica, etc. etc. Não es­ os «loucos sublimes» no dizer de
tamos por este lado habilitadas a alguém. Pois é essa centelha de
falar do livro de Ibrantina, visto inspiração que se nota na ultima
como não a conhecemos sinão atra- parte do livro de Ibrantina. Vejam
vez dos seus trabalhos literários. a sinceridade destes versos;
Cremos que é muito moça e vigo­
rosa, como 0 6 qua.si sempre a rio- Que o meu crime de amor seja infinito!
Eu, louca, a peccadora aventureini,
grandense. Verdadeiramente ins­ i
.Jamais o coração terei contricto!
pirada, canta com paixão os seus
sentires, sem ser piegas ou chora­ Serei, ó meu amante, prisioneira,
mingas. Muito pelo contrario. Os Para eterna augmcntar o meu delicto
seus versos são másculos e sono­ Sob a noite da tua eabelleira!

ros, e quer nos parecer que se


inspirou mais de uma vez na lei­ In tim o
tura dos Mármores. Assim a Ca­ Olha-me bem, c vê se pode agora
çada a pg. 59 nos recorda de promp- Em disfarce esconder-se o meu affecto;
to 0 soneto do mesmo titulo com .Julga se é dado ao coração que adora
que Francisca Julia sahira victo- Mudar-me um só instante o terno aspecto...

riosa num concurso literário da


A h! esse amor, revela-o indiscreto
Semana. O meu olhar. . . Esforce-me eu embora
Para nós a ultima parte do li­ Para têl-o no intiuio secreto.
vro é que revela a poetisa. Alli Bem sei que já ninguém de todo o ignora 1
A MENSAGEIRA

E cointudo... Se os olhos deram ensejo Agora, por dever de officio apon­


A desvenda de um crime, se foi pouca
tamos á auctora os principaes de­
A força de occullar o meu ee.sejo,
feitos de seu iivro de estréa. Não
1’ara que não nie crescem por ti louca, nos parece em geral bem feita a
1'recisava que a forma do teu beijo collocação dos pronomes. A ’ pag.
Não deixa.sses impres.sa em minha bocca... 203, por exemplo, encontra-se um
«que faz-me>> muito em desharmo-
Quem podería escrevel-os sem nia com a contextura do livro. Ha,
ter 0 cora(,íão abrazado? alóm disso, ligeiros descuidos de
Não! A arte de escrever ensi­ portuguez, como na poesia Mãe,
na a combinar palavras, sons, ver­ onde a poetisa emprega o verbo
sos, mas não substitue o quê^ a errar no indicativo em vez do con-
pedra de toque dos eleitos da poe­ junctivo:
sia, que tem as raizes lá bem no
Martyr na dor, ditosa na alegria,
intimo das almas.
Que ri comnosco e chora se choramos,
Ibrantina distingue-se ainda nas Seu coração é enorme eucharistia,
poesias descriptivas; sirvam de a- Que perdôa e bemdiz, embora erramos.
mostra a poesia intitulada No Cha­
let, que hoje transcrevemos e o se­ Na factura dos versos 6 a poe­
guinte soneto, dedicado a Olavo tisa muito feliz; deixou emtanto es­
Bilac: capar um ou outro verso truncado
como o seguinte, que apparece en­
Ti-C hin-Fú tre alexandrinos:
e genutlexa escuta, cm mystica dulia.
Tem olhos côr de onix, e do Japão é filho. Afóra esses defeitos que, valha
Usa o rabicho a ylang-ylang perfumado. a verdade, são em diminuta quan­
O rosto é côr de óca, e de Nankin pintado,
tidade, ó este livro uma estréa bri­
O seu bigode,negro e ralo tem mais brilho.
lhantíssima e prometedora.
Veste setim Macãu, verde claro, bordado O nosso mais vivo desejo é que
A ouro, com dragões e rosas no peitilho. soja elle o livro de estréa e não o
Traz venUirola á cinta, em delicado atilho; unico livro do Ibrantina Cardona.
Nos pés botins de côr, com bico revirado.
E’ este um dos lados tristes da
literatura feminina em nosso paiz;
E’ mandarim fidalgo e tem ricas baixellas.
Kiosques, palankins; habita um palacete quasi todas as escriptoras se limi­
Com tecto de orystal e crivos nas janellas. tam a um unico trabalho: Narciza
Amalia parou nas suas brilhantes
Na mesa de xarãodãsempre o seu banquete;
Nebulosas; Adeina Lopes Vieira não
Fuma opio, é feliz; e, entre mulheres bellas,
nos deu os livros que poderia ter-
Resomna embriagado em flácido tapete.
76 A MENSAEIRA

nos dado depois das encantadoras


Maryaritas, si bein qne tenha en­ ^(o 0halet
grinaldado paginas e paginas da Pcíjueno o pittoresico,
imprensa do Rio coni formosos tra- d’entre as fnmde.s vii;osas da verdura,
balhos; c assim por deante. Fazem destaca-se o ehnlcf, n’ iima espessura
excepção a essa regra geral, Julia do parque encantador e romanesco.

Lopes de Almeida que, sendo ainda Bem rente ao tecto, a artistica escnlptnra
moça, já nos deu os minosos T ixk/os desnovela a capricho uns aral>escos;
e Illuminarões, a Faiuilia Medeiros^ e filetes de curvas delicadas,
que ó um dos primeiros romances de fioreios e.xoticos e frescos,
se entendem nas janellas das sacadas.
brazileiros, o apreciável Livro d/is
Noivas^ a Vmva Simões e os Con­ De modelo chinez, todo elegante,
tos Infantis de collaboração com é sen aspecto alegre e estravagante,
Adelina Lopes Vieira; Zalina Rolim tendo á frente, em repncho crvstalino,
um chafariz grntesco e pequenino,
que, além do seu adoravel e im­
com raras parazitas
mortal. Coracõo. nos apresenta de cores esquisitas.
agora o Livro das Creanças^ (que
ainda não conhecemos); Julia Cor­ Atravessa-lhe os lados a corrente
do rio. Duas pontes torneadas
tines que, depois de haver enrique­
em madeira e granito, destacadas,
cido nossas letras com seus magis- formam brayos e arcadas elegantes,
traes e admiráveis Versos^ burila sobre largas cohimnas descançando....
um novo livro de sentidos e in­ X o veio da torrente,
comparáveis alexandrinos; e algu­ como as folhas boiando, ílnctnantes,
dividido em fileiras,
mas outras, muito raras.
perpassa o enorme bando
Terminando, enviamos á auctora dos passaros aquaticos__
dos Fleetros um punhado de flores, E nas margens risonhas
pedindo-lhe que, com o seu cora- de bambus e floridas aroeiçis,
de poetisa, nos desculpe o desata­ frnetos, festões e peiiilidos silvaticos,
sustendo-se n’um pé, tranquillamente,
viado deste juízo despretencioso.
meditam as cegonhas__
Ao centro desse rio que se inftamma
P erpetua do V alle.
ao sol do meio dia,
ostenta-se uma ilha pequenina,
habitada por lépidos coelhos;
uma ilha attractiva e esmeraldina,
coberta de confusa ramaria,
onde, enredada a grama,
a trepadeira enrosca-se ao coqueiro
e adorna-o todo inteiro
de cachos amarellos e vermelhos.
A MENSAGEIRA / /

Ví-se ao fundo o pomar.... N ’uma algazarra, E ’ todo maravilha


chia ali a cigarra, e.s.so chalet de gosto aprimorado,
o aguclissinio trillo da eiKMintadora filha
con.stantc solta o grillo do visconde burguez,
cm louca revoada, uma dama formosa e scismadora,
descanta e folga toda a passarada---- de fronte meiga e loura,
Vão e vem pelo chão os pombos mauso.s, que ha pouco mais de um mez,
abrem pavões os leques furta-côres, perdeu seu noivo amado.
e n’um tanque a boiar grasnam os gansos.
cmquanto fazem tóca seis castores---- Era poeUi o jovem mallogrado,
E (loira sempre o sol e revigora o gentil ideal do seu noivado__
esse jiarque faustoso e pittoresco, .\inavam-se com toda a idolatria;
e o vento n’elle assopra brando e fresco, mas, a fatalidade negra, um dia
levando dos jardins o aroma em fóra.... tolheu do genio as azas estrelladas,
arremessando-o ás fúnebres moradas.
N ’ um luxo aristocrata,
vêm-se as salas, de mármore adornadas, E a descrer do destino contrafeito,
de objectes de bií<cuit, crystal e prata, a pallida deidade
porccllanas lavradas, fugindo iuteiramente á sociedade,
lindas estatuetas de madonas, ali, em seu chalet, desventurosa,
deusas pagãs, heróicas dulcinéas, concentra toda a nuigua dolorosa
de túnicas vestidas e balonas, que lhe espesinha o peito.
nos attestando artisticas id(ías.
Candelabros de eróticas figuras N’um diran de velludo purpurino,
e télas de finissimas pinturas agora reclinada, a tudo alheia,
descançam nos dunherques elegantes. no salão, ella scisma indifférente,
E, entre armas llammejantes, de olhos fitos no tecto.... — Bate o sino
de Bonaparte a estatua bronzeada, .ao longe, muito ao longe. Ave M a ria ....
em ^jo.se marcial, victoriada, E toda reverente
estende o olhar profundo a esse som plangente,
por sobre o Velho Mundo. a tarde de tristeza se rodeia
De fina madrepérola brunida, e lenta bruxoleia
eleva-se um lindissirno castello, na ultima agonia....
n’ uma arcada esculpida
em marnior brocatcllo. Da amor fero tributo
impõe-se átpielle espirito suave,
Delgadas cantoneiras, e accentua a saudade, lento e grave,
aos espelhos fronteiras, no poema impolluto
apresentam jarrinhas japonezas, do seu passado inteiro.
nobres perfis e chromos multicores,
entre umas miudezas Fôra aquelle o primeiro
rarissimas, de artisticos lavores. affecto verdadeiro
que em plena primavera se arraigára
E pendem das sanefas de brocado
no coração da loura sensitiva,
cortinas de damasco azul ferrete,
formosa e pensativa,
balançando o franjal avelludado
como 0 artista o ideára.
pelos bastos relevos do tapete....
78 A M ENSAGEIRA

Amou demais, e pela vez primeira, E emquanto n’uma alvíssima gaiola,


emquanto desasete primaveras toda cheia de enfeites de crystal,
coroavam-lhe a fronte de rainha___ lindo canario escuta contristado
Corria-lhe a existência prazenteira a dôce melodia (jue se evóla,
qual vôo de uma intrépida andorinha dcsfallece o trinado,
pelo azul das espheras__ lembrando-se de um voo delirante
com que, n’um dia claro, tropical,
Primeiro amor! Amor que resplandece as amplidões rompia do levante!
nos sonhos, na illiisão, na phantasia, I b r a n t in a C a r d o n a .
amor que nos embala e acaricia,
(Dos Pleetros).
em suave fragrancia,
uma vida de risos e alegria___
Amor que nos illudc e que embevece
em timidos arroubos nossa infancia,
embora morra, nunca desparece
da lembrança da nossa mocidade!

Literatas polacas
Qual ave que abandona a nossa herdade, — Notas —
ave de pluma alvissirna de arminho,
A ’ Mensageira.
emigra, mas nos deixa o triste ninho
no coração aberto et(!rnamente. Depois da morte de Tourgueneff
e desde que Tolstoi, cujo genio do­
Ninho sem esperança, onde somente mina 0 nosso século, entregou-se
habita melancólica a saudade, inteiramente ao mysticismo; não ha
nestes dias de spleen e de incerteza,
nos paizes slavos talento mais no­
tão cheios de tristeza,
e de scisma que a nossa mente invade,
bre, mais harmonioso, mais huma­
como volvendo á urna do passado, no que 0 de Mme. Elisa Or.-ieska.
em busca do ideal amortalhado... Ninguém comprehendeu e pintou
ainda a vida contemporânea do seu
E por isso a deidade paiz natal, como ella, quer pela
fugindo inteiramente á sociedade,
verdade, quer pela probidade in­
ali, em seu chalet, desventurosa,
tellectual e, principalmente, pelo
concentra toda a magua dolorosa
no coração enfermo e desolado. escol artistico. Seus livros, vigo­
rosos, sobrios e verdadeiros, de uma
Ao descambar das tardes bonançosas, inspiração elevada e serena, de uma
tardes de aroma e luz, tardes formosas, execução artistica que toca á per­
eu ás vezes a vejo ir ao piano. feição, encerram uma pintura syn-
A sua voz a mim tanto angustia,
thetica dos costumes, das crenças
porque, ao som de uma estranha melodia,
parece que revive mais á historia
e das idéas de todo um povo, ao
de egual amor humano menos de um determinado periodo
que trago na memória___ historico.
A MENSAGEIRA 79

Em qualquer de seus livros, prin­ Detvajtis; e Mmes. Hajota e Va­


cipalmente no seu Meir Exofounoz^ leria Maréné são dignas represen­
0 mais bello e o mais imparcial tantes desse ditficilimo genero li­
dos estudos que se conhecem da terário, na Polonia.
alma judia, Mme. Orxeska conse­ Na poesia cita-se alli, como um
guiu alar-se a essas esplieras su­ dos nomes mais brilhantes e fes­
periores de contempla(,‘ão philoso- tejados, 0 de Mme. Honopnicka e
phica e de creação litoraria que no theatro o de Mme. Sophia Mel­
não são accessiveis sinão aos elei­ ler, auctora de uma excellente co­
tos da arte e do pensamento. media Falsas esperanças.
Entre os livros mais celebres de Coj)ia fiel de
Mme. Orzeska, citaremos; Sobre o
E u.mano do V ai ..
Niemen, Os Pompal/nsld, Os Fan­
tasmas As Espheras differentes,
etc.

Talento de uma esphera diversa K e n ia


ó 0 de sua patricia, Gahriella Za-
Pensando em ti, meu pobre irmão já morto,
polska: apaixonada, enthusiasta em Sinto minha alma se abysmar em trevas.
seu pessimismo e em sua revolta Vencida por um grande desconforto !
contra o mal e a iniquidade, dei­
xando-se seduzir muitas vezes pe­ E magua tanta o pensamonto enturva,
As idéias baralham-se e me fogem,
los exaggeros da escola naturalista,
Quaes borboletas pela estrada curva...
desembaraçada mesmo na escolha
dos assumptos e na audacia das Companheiro da infancia e dos brinquedos
descripçbes. Seus livros podem ir­ Dessa quadra feliz e descuidada,
Quanta dor ha da vida nos segredos!
ritar, por certo, os nervos de Bru-
netière, o adversário rancoroso de
Zola, mas a verdade 6 que hão de Hoje que tens o coração de gelo,
reconhecer nelles o summo de um A vida tua me parece um sonho.
talento, e talento superior, princi­ Bem como a tua morte um pesadelo!

palmente nos dous romances que P r e s c il ia n a D u a r t e de A l m e id a

a tornaram celebre: Malaska e Maio de 1894.


Kaska.

Mme. Rodxieívicx,, a quem se


deve um bom romance, o famoso
8o A M ENSAGEIRA

fereceu 40.000 francos pam a ex­


5elecção pedição (pie vae explorar o polo
Muitas vezes, a encarar o futu­ sul.
ro, perdemos de vista o presente No gabinete do commandante do
e cahimos no abysmo. navio Iklíjica foi collocaoo o re­
B k h n a k o o G u im a u à k s . trato da benemerita senhora, (pic
tanto se interessa pelas investiga­
Ser amado é receber o maior ções da sciencia.
dos elogios. A officialidade do Bélgica espora
Mmk. N kickr. muito exito nossa expedição, que
6 a primeira que se faz provida
A mulher boa, meiga, mas igno­ do todos os recursos da sciencia
rante, pode — ainda assim — tor­ para affrontar as difficuldades do
nar 0 lar domestico um asylo mar polar.
casto, uma enseada tranquilla. A Recebemos e agradecemos: lic-
mulher doce, carinhosa, mas ins- vista do Brazil^ n. 5, elegante e
truida, de talento, com a dupla bem acabado como os demais, tra­
cliamma immaterial do amor c da zendo magniíicos versos e prosa
intelligencia a flammejar-lbe no fluente; o Autonomista, da cidade
coração e no cerebro, essa tornará de Castro Alves; o Mimo, de Ja-
0 recinto da familia prestigioso guary; e o Conselho, desta capital.
como um templo, invencivel como Julia Filippone. — Desta conhe­
as mais roqueiras cidadellas. cida editora, que tem a sua concei­
ViSCONDK DE B k NALCANFOK. tuada casa de musicas á rua Moreira
Cesar, 93, no Rio de Janeiro, rece­
bemos as seguintes bonitas valsas,
que agradecemos, penhoradas: A m o­
le muito, por Marianna Barroso da
Silveira; Maria Lourdes e B(d>g
^otas pequenas
por Alexandre Veissmann.
Carmen Sylvia — A Universi­
dade de Budhapest conferiu o ti­
tulo de doutora honoraria á rainha
da Romania, conhecida no mundo
literário pelo pseudonymo de Car­
men Sylvia.
Viajantes ao Polo — M.”'® Oster-
richt, senhora muito illustrada, of-
São Paulo 30 de Dezembro de 1897 Anno i, N. 6

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direetora — Presciliana Duarte de Almeida

E sta revista garan te a sua pu blicação durante um anno.


P u b lica -se nos dias 15 e 3 0 de cada m ex.

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m ero avulso


a d ia n ta d o Endereço; Rua dos Estudantes N. 23 Rs. 1 $ 0 0 0

Summario: — A nossa condição, M. P. sas aos quatro ventos, como o


C. D. ; — E ’ minha mãe, poesia, Adeli­
na Lopes Vieira; — Carta do Rio, Ma­
prenuncio de reivindicações fu­
ria Clara; — Filha, Esposa, Mãe, poe­ turas!
sia, Delminda Silveira; — A Viuva Si­ A historia da mulher nas pri­
mões, L. F. ; — Primavera, poesia, Geor­
mitivas eras 6 uma historia toda
gina Teixeira; — Chronica omnimoda, J.
Vieira de Almeida; — Agradecimento, de lucto.
soneto. Padre Corrêa de Almeida; — No Egypto, em que a mulher
Walkirias, Samuel Porto; — Soneto,
era mais considerada do que na
Amelia de Oliveira; — Traços ligeiros,
Silvio de Almeida; — Selecção ; — N o­ Persia e na Assyria, lá mesmo era
tas pequenas. ella tratada com muita inferioridade
ao liomem e ato mesmo com bar­
nossa condição baria!
Hoje, felizmente, já não vemos
Si lançarmos um relance da vis­
as selvagerias do Japão nem os
ta sobre a actual condição da mu­
horrores praticados universalmente
lher, ficaremos tristes diante do
contra a mãe do homem! Não
desetiuilibrio social que ainda reina
tardará muito o tempo da verda­
e dos direitos que lhe são usurpa­
deira igualdade; já vem perto esse
dos pela outra metade do genero
futuro tão justamente ambicionado!
humano.
A esse passado tenebroso, a esse
Mas, si compararmos o seu es­
egoismo revoltante, o esquecimento
tado de hoje com o que era a um
completo; ao presente, que pro-
século atraz, ficaremos alegres e
mette a igualdade na differença,
esperançosas. O século dezenove
animo e perseverança; e a esse
traz corasigo um facho luminoso,
risonho futuro que trará a eman­
que dissipa as trevas do egoismo !
cipação moral da mulher, uma chu­
As bellas paginas de Legouvé,
va de palmas e uma salva do ova-
Pelletan, Aimé Martin, Jacoiliot
çoes! M P. C. D.
0 tantos outros, ahi estão, disper­
82 A MENSAEIRA

Cofitemplas a chorar, horas e horas


Z minha mãe a miniatura da mulher que adoras,
Elle — que trazes em medalha unida ao peito!
E ’s injusta e cruel, Palmyra, acaso Sorris?! Pallido ri.so contrafeito!
encontras no passado que me ouviste Bem sabes que não minto. Não respondes?
um ponto desleal? A lealdade é lei.
Falia, que te fiz eu? Porque estás triste? Ou ella, ou eu. Escolhe. Teus saudade
Põe á prova este amor, marca-me um prazo, de um amor fjue se foi? de outros carinhos?
Lastimo-te, Kaul. Que iniquidade!
curto, longo, de um dia, um mez, eterno!
Eu! sugeitar-me ainda a tal partilha?
mas responde afinal !...
Antes ir mendigar pelos caminhos
a compaixão da alguém!
Que te fiz eu? que te fiz eu, Palmyra?
Já não tens, para mim, aquelle terno
Elle —
sorriso de perdão?
Tu vaes pedir perdão e chorar, filha,
Falia, por Deus, mulher, era mentira
que esse amor que perdi e a todo o instante
tudo o que me dizia o teu enleio?
invoco e chamo em vão, febricitante,
era tudo illusão ?
esse amor mais que todos santo e puro,
O teu olhar tão meigo, o arfar do seio,
vês? vaes chorar também...
o sobresalto ao ver-me, caso eu fosse
essa triste rival que beijo ardente,
surprehender-te... e a voz, e a voz tão doce!
essa morta que choro eternamente...
e o b e ijo !? ... Deus!
por Deus! por ti o juro!
Lembras-te bem, Palmyra? estavas lendo
é minha mãe! é minha mãe! querida!
Musset, tão entretida na leitura,
Vejo nublada a limpidez azul
tão alheia de tudo e aos olhos meus
do teu olhar, que é todo o meu encanto...
tão fascinante, que foi-me crescendo
— da injusta idea, arrependido pranto! —
nalma um ardente, indomito desejo
e approximei-me, presa da tortura Falia! responde, 6 sol da minha vida!
de ou beijar-te, ou morrer.
Beijei-te e então... feliz... rubra de pejo Ella —
beijaste-me também! Como te amo, R a u l!
A d e u n a L opes V i e i r a .
Não imaginas, filha, que tormento
é recordar tal bem!
e sentir que de mim teu pensamento
vae a afastar-se dia a dia... lento—

Isto não pode ser. 0arta do ílio


Ter provado a ventura! o Paraiso!
A litteratura franccza acaba de
ter beijado teu labio ardente e mudo!
soletrar meu perdão no teu sorriso
soffrer grande perda com a morte
e agora, ver por terra tudo! tudo! do genial escriptor Alphonse Dau­
Que te fiz eu, mulher? det. ü telegrapho transmittiu-nos
essa noticia que tem contristado
Ella —
Basta já de mentir. E ’s falso. Escondes
geralmente a todos os amantes das
outro amor, bem o sei. letras de aquem e de além mar.
A MENSAGEIRA 83

Lcmbro-mo ainda da deliciosa Ainda hoje ao recordar esse con­


impressão que me causou n’alma to do grande escriptor que acaba
a leitura de um conto de Daudet de desapparecer dentre os vivos,
— O dedal de prata. sinto minh’alma inundada de vaga
Eu era muito creança e esse foi rnefancholia.
um dos primeiros contos que li. A mulher de Daudet ô devotada
Foi a historia commovente de cultora das letti’as. A ella se deve
uma menina pobre que fôra sedu­ 0 magnifico livro Femmes d’ar­
zida e mais tarde abandonada pelo tistes.
seu ingrato amante. Daudet deixa um filho, que já 6
Depois... de quóda em queda a também um escriptor de nome, e
misera abandonada atirara-se á to­ cujo destino se acha ligado ao de
da a sorte de devassidão. Joanna Hugo.
Tinha joias e sedas, palacios e
carruagens... Um dia, admirando
a fascinante riqueza de suas cus­ Ha dias appareceu uma onça
tosas joias — escrinio das mais pintada lá para os lados do Irajá,
ricas e formosas pedras preciosas 0 tem pintado 0 sete a tal onça.
— encontrou, por acaso, um dedal Já foi vista muitas vezes pelos mo­
de prata, antigo, que lhe fôra dado radores d’aquelle baiiTo. Imagino
por sua pobre mãe, nas festas do que a forasteira veiu explorar 0
Natal. Aquelle modesto dedal obri­ logar a ver se lhe convem para
gou-a a uma divagação pelo pas­ trazer a familia.
sado. N’aquolle tempo — que dif- Sim, eu penso que a onça tal
ferença! — esse simples dedal de qual 0 homem, não é propheta em
prata lhe causara vivissima inqires- sua terra e por isso entende que
são, sua alma candida não sonhava de tempos a tempos um passeio a
com as seducçôes do mundo. Era outra cidade, a outro paiz, instrue
simples e pura, tinha ainda sua e fortifie a alma, do mesmo modo
que fortifica e retempera 0 corpo.
mãe e tinha honra!
E triste, hallucinada, traspassada Uma onça em Irajá, tem graça!
de dôr, a misera chorou horas e Amanhã, si a onça ampliando mais
horas. Divagando peto passado viu 0 seu passeio, vier até aqui ao
Engenho Velho, não nos podere­
claramente que a joia mais pre­
mos queixar caso algum extran-
ciosa d’aquelle escrinio riquissimo
íreiro admirado nos chame boto-
era aquelle singelo dedal de prata. o
E teve um momento de indizivel CLldoS.
Decididamente, a ouça de Irajá
tristeza !
84 A M EN SAGEIRA

OU 6 uma forasteira que procura conseguiu voar sem um ponto de


novos sitios, certa de que ninguém apoio, Sü mesmo onças em Irajá e
6 propheta em sua terra; ou é uma poetizas... á força.
apaixonada que procura o bulicio
das grandes cidades para esquecer
amores não correspondidos, ou 6
uma malvada que pretende abater A 24 do corrente o Club de
0 nosso orgulho de povo civilisado. Engenharia commemorou digna­
A civilisação e as onças são in­ mente 0 seu 17“ anniversario, offe-
compatíveis. recendo a seus socios e convida­
dos uma diversão ao Corcovado.
Magnifica esteve a festa dos enge­
Oiço 0 canto das cigarras no mo­
nheiros. Em bond e trem espe-
mento em que escrevo esta «Carta».
ciaes subimos ao pitteresco pico
O verão este anno não esteve á
do Corcovado. O dia estava nu­
espera da folhinha, entrou aberta­
blado e por isso não pudemos des­
mente, furiosamente, muito antes
cortinar muito bem o rico pan-
do dia marcado pelo calendário,
drama desta bella cidade. Mesmo
que é, se não me engano, a 21
assim, nos rápidos momentos em
de Dezembro.
que 0 sol apparecia, gosavamos de
uma vista deslumbrante. Explen-
Quatro incêndios em um só dia dido almoço ao ar livre aguardava
tivemos na semana passada! Isto a chegada dos convidados ao ho­
6 que é progresso! tel das Paineiras.
Nessa proporção medonha, si o Houve muitos descursos, flores,
negocio continuar, esta Capital fica saudações e alegria. A pequenez
liquidada em pouco tempo. do espaço de que dispõe a Men­
sageira não me permitte descrever
minuciosamente a bella festa do
Contou-me, hontem, uma amiga Club de Engenharia.
que sua vizinha tenciona fazer da Agradecendo a saudação que por
filha — menina de doze an nos um dos engenheiros presentes foi
— uma boa poetiza. A menina, feita á mulher brazileira e parti­
coitada, não tem vontade, a mãe cularmente á mulher do engenheiro,
quer e 6 quanto basta, ha de eu disse aljumas palavros simples
ser poetiza... á força. E ’ original. e sinceras. Dois motivos imperio­
Depois da Inana — a mulher que, sos levarem-me a usar da palavra
ao fim de doze annos de esforço, em resposta a esse saudação: ser
A M E N SA G E IR A 85

mulher brazileira e ser esposa de Horaem infeliz no ten viver de dôres,


um engenheiro. Homem ditoso — em tuas ledas horas,
Quem mais sentio teus fundos amargores,
Confesso que tive uma pequena
Quem na tua ventura mais a goza,
parcella de orgulho pelo triumpho- Quem é?
da festa dos engenheiros. Meu ma­ — E’ tua esposa. —
rido foi um dos socios fundadores
Creança — a quem dás tu o teu sorriso?
do Club e é um de seus mais de­
Quem com seu sangue te alimenta, meiga?
votados amigos. Quem é o teu amôr, teu paraizo,
Que 0 Club viva e prospere — Quem a tu’alma innocentinha encanta,
eis 0 que desejo — para garantia Quem é?
— E ’ tua Mãe, a mulher santa!
de uma classe distinctissima a qual
0 T3razil já deve muito e da qual Dezembro de 1897.
ainda muito espera. D ei .m in d a S il v e ir a .

Expira 97. E’ costume muito


nosso apedrejar 0 anno que finda
e cobrir de flores 0 que nasce.
E’ mau esse costume. Não de­
vemos esperar muita cousa do an­
Viuva 5imões
no que começa, porque assim qual­
quer beneficio ou favor que Deus Elegantemente edictado em bro­
nos conceda, alegrará em extremo chura acaba de apparecer em Lis­
nossa alma, inundando-a de salutar boa, e do ser remettido para este
contentamento. paiz americano o romance Viuva
p]... ató 0 anno que vem, gentis Simões.
leitoras! Sua escriptora 6 d. Julia Lopes
M a k ia C i a r a da C unha S antos .
de Almeida, que com a publicação
da Familia Medeiros firmou inve­
jável nome no romantismo brasi­
leiro.
A nova producção 6 d’aquellas
que póde dar ao auctor as satis-
facções do orgulho que a profis­
plha, Ksposa, Mãe são das lettras, ás vezes, propor­
Qual é a luz da tua noite escura. ciona. Já mereceu o applauso dos
Qual é a flôr do teu jardim despido, intellectuaes e nesse numero in-
Triste ancião que gemes de amargura clue-se 0 da abalizada escriptora
Deixando a vida — lacrimosa trilha — ,
d. Guiomar Torrezão, que em vi-
Quem é?
— E ’ tua Filha. —
brantissimo artigo analysou o ro-
86 A M EN SAGEIRA

mance observado e crcado pela grande cidade americana surge


prosadora brasileira. ante o nosso olhar interessado, em
Na Viuva Simões ha numerosas aspectos fragmentários, de um traço
paginas palpitantes de vida, de firme e de um colorido luminoso
brilho e de sentimento intensa­ e fundo, intercalando-se harmonio­
mente real. samente com a narrativa»....
A auctora apresentando o typo Qualidades de escriptora legitima
do Ernestina definio um modo possue a correcta analysta da alma
certo de comprehender e de co­ de Ernestina o do caracter de Lu­
nhecer a existência social, deu ao ciano, neste romance da vida flu­
sou caracter feminino um tour minense. Os modelos estão ob­
(Vcsimt que muito o particularisa. servados e reproduzidos «com a
Lendo-se este gracioso e fino perfeita noção da cor, dos planos
romance realista, mas sem ser pun­ e tonalidades».
gente, nem cheio de crueldade e Para isto, a auctora soube reu­
de violências como as grandes crea- nir os documentos dispei'sos que
ções dos mestres desta escola !it- deviam leval-a á aequisição da ver­
tararia, percebe-se o carinho amo­ dade dos factos 0 do encadeia-
roso com que foi architectado o mento dos phenomenos da vida,
seu conjuncto. tirar a lei que os explica e do­
Não se torna transbordante de mina.
imaginarão nem enfadonho pela Deste modo se expressava uma
minneiosidade dos detalhes das talentosa escriptora, também por-
scenas. tngueza, acerca da individualidade
Guiomar Torrezão criticando esto dc Julio de Goncourt e da sua
romance diz que recordou-se da correspondência.
leitura de algumas passagens do — Os livros, hoje, interessam-
Page d’Am our^ onde E. Zola des­ nos principalmentc por nos reve­
creve magnificamente o arcabouço larem o mecanismo interno do
de Paris. E ’ muito feliz esta re­ quem os e.screveu.
miniscência da illustre escriptora Na obra litteraria de que nos
portugueza, a cerca do livro Viuva occupamos ha esta gradação dc
Simões, onde ha bellas e fieis des- pintura de aspectos pittorescos e
cripções dos horizontes do Rio do humanos, «que passaram da retina
Janeiro. da auctora para as paginas do livro.»
São feitas com sobriedade c O estylo tem uma transparência
commuuioam assim agradavel im­ de crystal, 6 leve e sonoro, evi­
pressão ao espirito do leitor, «a dencia a delicadeza da sensilibili-
A M E N SA G E IR A 87

dade de quem traçou os contor­


nos da phrase, sempre espontânea "frimavera
e própria. De manhã, quando desperta
<A grande alegria da luz envol­ A Natureza sadia,
via tudo: manchas vermelhas de Da minha janella aberta.
barro, tufos de vegetação, quadros Saudo o raiar do dia.

domésticos encerrados entre a bran­ E saúdo os verdes ramos


cura de quati’o muros caiados, sur- Dos velhos olmos copados,
prendidos do alto, mulheres esten­ Onde cantam gaturamos.
dendo roupa ao sol. O azul e 0 Doces poetas alados ! ...

verde enchiam 0 ar com os seus E por entre as violetas


tons fartos....» As borboletas, fitando:
O romance Viuva Simões re- Eu invejo as borboletas
Que andam felizes voando.
sume-se na analyse dos estados
d’alma de uma mulher tocada pola E vejo as rosas abrindo
affecção nervosa. Apenas o sol assoma,
Tem scenas de muito vigor em E vel-as, oh! quanto é lindo!
Quanto é doce 0 seu aroma!
que a victima da degenerescencia,
a terrivel doença de um século Ah! como é bom, logo cedo.
excessivamente cultivado, mostra-se Ouvir 0 canto mimoso
de modo a fixar a attenção de to­ Nas ramagens do arvoredo
Do sabiá venturoso.
dos que procuram encanto na lei­
tura da littoratura moderna. E seguir pelos caminhos,
Kste drama de paixão infunde Onde por entre a verdura
urna ternura e uma sympathia ex­ Se occultam ditosos ninhos,
Cheios de amor e ternura.
traordinárias.
A pintura das physionomias e os A h! como é bom ter a gente
tons descriptivos, neste romance, üm coração que nos ame,
Que nos falle ternamente
vivificam essas creaturas dominadas
E como o nosso se inflamme.
pola prececupação do mundanismo.
Distineção 0 elegancia não fal­ Ante tão grata belleza
tam nesta sociedade de cujas pra­ Revigorante, pomposa,
Da grande mãe Natureza,
ticas participamos, observando e
Na Primavera, gloriosa.
sentindo-as.
G e o r g in a T e ix e ir a .
L. F.
fl'. I

88 A M ENSAGEIRA

voravel, o seu corpo dava entrada


0hronica omnímoda nas galerias subterrâneas das pyra­
Na clepsydra das óras, mais uma mides, envolto nas delgadissimas
)tta se deslisüu ! taxas das múmias; sendo os seus
Venturosa ou nefasta? restos mortaes sabiameute preserva­
Transparente, ou opac; 11r dos da corrupção inherente a maté­
Mysterio ! '! . . . ria organisada, pel os processos aper-
feiçoadissimos do embalsamamento.
Ao contrario, porém, si os seus :í
crimes eram taes que pediam pu­
Atufa-se no barathro caliginoso nição immediata, os seus derradei­
dos tempos o anno de 1897 ! ros despojos eram abandonados ao
No rápido caminhar para o seu nateiro do Nilo, onde iam servir
termo, o século, á guiza dos co­ de adubo ás searas que começavam
metas, accéléra a sua marcha. a germinar!
Astros periódicos, com a órbita
medida e registrada nas taboas chro-
nologicas, elles multiplicam a sua 8i á barra do tribunal incorru­
força de gravitação, quanto mais se ptível da chronica [também cnm-
approximam do perihelio da Eter­ parecesse o anno que hoje finda,
nidade ! qual seria a sentença que lhe ca­
Que se poderá dizer deste anno ? beria ? !
Entre os antigos egypcios, havia Condemnatoria, exclama a jus­
um costume, cruel talvez, mas com tiça da epoca! ! !
certeza esfremamente justo. Antes, porém, de se lavrar a sen­
Eram privados da sepultura e tença, cumpre que tenha a palavra
lançados á voracidade dos abutres 0 orgam da justiça publica, para
os reis que em vida haviam feito offerecer o libelle, em que baseia
mau uso da auctoridade que lhes 0 seu pedido de punição.
fora confiada pelos povos, para fa­
*
zer a sua felicidade. * *
O cadaver do extincto pharaó Ei 1-0 :
comparecia á barra do tribunal po­ Por libelle crime aceusatorio diz
pular e era submettido a um jul­ a justiça da actualidade, contra o
gamento, com todas as formalida­ réo — 1897 . ..
des legaes. P. que esse conjuncto de 365
Si na balança de Themis se in­ dias e seis horas, foi um desses
clinava a concha que lhe era fa- flagelles com que o velho Satur-
A MENSAGEIRA 89

no, de tempos em tempos, costuma cios de uma impossivel regenera­


affligir esta pobre liumanidade; ção, seja condemnado no grau má­
P. que logo em seu começo, as ximo do artigo ... tantos do Cod.,
ruas da mais civilisada das capi­ por ter contra si todas as circum-
tães da America do Sul foram the- stancias aggravantes, e que, atado
atro de um hediondo assassinato, de pés e mãos, seja arremessado
ficando os seus auctores impunes, aos abysmos insondáveis do Pas­
ató ha pouco; sado ! ! !
P. que elle nos deu a continua­ E que lá se conserve, por todo
ção da guerra de Cuba e das Phi- 0 sempre, para felicidade dos po­
lippinas, com todo 0 seu cortejo de vos e tranquillidade do genero hu­
barbaridades; mano ! . . .
P. que 0 porco de Stambul se
espejou á vontade na vasa de Mi-
nolonghi e nos valles da Armênia, Vem por tanto á barra do tri­
com absoluta cumplicidade da p]u- bunal incorruptível da chronica,
ropa Occidental, á espreita dos pro­ para que se te applique 0 castigo
ventos da lueta; que mereceste, por tua indole per­
P. que elle nos mimoseou com versa ...
a tragédia fumarenta de Canudos, Atufa-te no barathro caliginoso
onde arderam, ao clarão sinistro dos tempos e conserva-te lá pelos
das fogueiras de petroleo, os restos séculos dos sécu los!...
da civilisação de certo paiz sul- Tu nos trouxeste os très flagelles,
americano . . . ; que mais affligem a triste humani­
P. que ainda foi durante 0 seu dade, a peste, a fome e a guerra !
fatal reinado que, aos golpes de Yade retro, eu t'arrenego ! ! ! . . .
um sicário, cahiu o venceador de Cruzes, canhoto ! ! ! . . .
Hello Monte e de seus obcecados
habitantes;
P. finalmente, que nos paroxis­
Na clepsydra das eras, mais uma
mos de sua cruciante agonia ainda
gotta se deslisou !
elle arremessou, um contra outro,
Venturosa, ou nefasta!^
0 leopardo britânico e a aguia rnos-
Transparente, ou opacaV...
■ovita, que se disputam a posse do
Mysterio ! ! ! . . .
Iragão chinez ...
8. Paulo, Dezembro 1897.
Hor tudo isto, L. S. C.
J . V lE IK .\ OE A L .M E IU A .
V. que 0 anno de 1897, crimi-
' nato, e com todos os indi-
1101.0
90 A m e n s a g e ir a

no granito, fervem aguas marinhas,


í^gradecimento levantando a cada estrondo poeiras
Eu, apezar de ser do sexo feio, doiradas de neblina...
por obséquio recebo a Mensageira, E os anjos errantes, ethereos, de
revista litteraria, que iiie veiu Wodan, cujo olhar abrange o mun­
causar uma surpresa verdadeira.
do do seu throno de Hlidskialf e
As producções lindissimas, que leio, guarda os espiritos guerreiros no
abonam muita e muita Brazileira, Walhalla, repartem, em vôos silen­
its quaes dedico um simples galanteio, ciosos, 0 hydromel aos heróes que
fallando-lhes assim d’esta maneira:
ficaram dormindo no campo dos
Obedecendo á Igreja, Sancta Madre, combates.
*
celibatário e macambúzio padre + *
alegrias domesticas não logra.
Sonhos, intangiveis Walkirias,
Porém eu (a consciência m’o exigia) porque não derramais também a
fiz a defeza c fiz a apologia
doçura do hydromel sobre o feretro
da injuriada e respeitável sogra. (*)
azul das esperanças murchas?
Barbacona, 9 de Dezembro de 1897.
Porque?
P a d r e C o r r ê a d e A l m e id a . S a m u e l P oeto .

Walkirias Soneto
(Bailada) Escuta: os gosos meus, toda a ventura,
Errantes, indecisas, a bruma es­ Todos os sonhos e illusão (jueiida,
Tudo deixou-me, tudo; nesta vida
cassa e alvacenta cingindo como
Nada me resta mais que a noite escura.
um sendal de arminhos as leves
fôrmas, de intangibilidades ethereas, A que sorte cruel, amarga e dura.
esvoaçam as languidas o ideiaes Deus condemnou-me! Est’alma dolorida
Já sem força, ai de mim! vejo rendida
Walkirias...
A ’ tristeza, ao pezar, á desventura!
Desoladora paizagem: luz de
uma aurora boreal, livida, tocando O (]ue hei feito, não sei ; em vão banhado
os pincaros nevoentos... ar vasio, Tenho meu rosto desse pranto triste;
Tenho maguas sem conta em vão sorvido.
porque as duas friagens espancam
barbaramento alguma aza que passe Não sei porque... escuta: meu passado
lenta, lenta... E ’ todo aquelle que a chorar me ouviste,
Para além, em frestas rasgadas E que senti passar sem ter vivido!
Abril — 1890.
(■) Veja-se a pagina 120 das Producções da ca­
ducidade. A m e l ia d e O l i v e i r a .
A M E N S A G E IR A
91

onde vemos Washington como cen­


Traços ligeiros tro official, embora não seja, nem
As cidades, como as nações e os do longe, a primeira das suas ci­
indivíduos, têm as suas phases de dades.
prosperidade e de infortúnio.
Olhemos agora para a triste A’’illa- Si Bello-Horizonto 6 uma sedu-
Rica, e façamos 0 seu confronto ctora promessa, não deixa do ser
com a nova capital de Minas. Ouro-Preto uma tradição respei­
tável.
Alli palpitou 0 coração de Gon­
Aquella i-epresenta 0 passado; zaga, unido ao coração de Mari-
esta symbolisa 0 futuro. Ua do Dirceu...
O ouro abundava, e abunda, nas Alli esteve pregando Joaquim
entranhas da primeira; e foi o mes­ José da Silva Xavier 0 dogma do
mo ouro que serviu para fundar a novo credo republicano, proclama­
segunda. do a 15 de Novembro...
A primeira, montuosa como 0 E, muito tempo antes, já Phi­
proprio solo do estado; a segunda, lippe dos Santos se levantara he­
indeíinidamente plana, contrasta roicamente contra 0 despotismo do
com a grande região de que vae conde de Assumar...
tirar 0 seu nome definitivo.
A primeira, despresada pela mo-
narchia e pela republica; a segunda, - Ouro-Preto, veneranda depo­
opulentada pela «nobre eleganciado sitaria das tradições da minha terra
gosto italiano combinado com 0 ar­ natal! toste abandonada pelos ho­
rojo dos yankees.» mens do presente ; mas teu nome,
Uma, como que rompera espon­ impresso nos paginas do passado,
taneamente da terra, procurada de viverá eternamente na memória do
principio pelos adoradores do pre­ futiu’0 !
Na tua velhice sagrada, podes
cioso min(5ral; outra, artificialmente
recordar 0 cyclo da tua existência
formada pola vaidade mineira, que
com a satisfação de não haveres
não queria ter uma capital inferior
sido tão pesada aos minoiros co­
a qualquer uma das dos outros es­
mo a tua venturosa rival; — mae
tados.
que viveste nos apertos da misé­
A patria de Tiradentes assentou
ria, para fazer a felicidade da tua
de ser também aristocrata...
No emtanto, ella se podia mirar filha!
Recolhe-te agora na meditação
na confederação norte-americana.
92 A M E N S A G E IR A

das consoladoras paginas da Im i­


tação de Chrisfo, e considera a nihi-
Selecção
lidade das grandezas humanas... «A mulher brazileira não nasceu
só para o amor e para ser idolo;
nasceu também, como a dos outros
Tu 6s a pequena imagem da paizes, para o sacrificio. Expan­
Llnião Brazileira! siva na felicidade, ella 6, talvez mais
Esta, ao proclamar-se a republica, do que nenhuma outra, resignada
chamou para si toda a responsa­ e corajosa na adversidade.
bilidade e encargo da nossa divida, Nesta cidade de trabalho, fale­
tanto interna como externa, e di­ mos agora só do Rio de Janeiro, nes­
vidiu pelas antigas provincias (como ta terra de luctas, a mulher não en­
0 rei Lear pelos seus descendentes) contra fechadas as portas das acade­
a mirífica riqueza de que era pos­ mias, dos collegios superiores, onde
suidora. Iccciona para ganhar o pão; 6 ty-
Este acto de imprevidência foi pographa, 6 medica, (e luctando
tão fatal ao Brazil como tinha sido com quantos impecilhos e precon­
0 seu correspondente ao famoso per­ ceitos!) é modista, 6 doceira como
sonagem de Shakespeare. já se sabe, 6 professora (a grande fre­
E tu fo.ste igualmente descui- quência da Escola Normal o prova),
dosa, ó velha cidade de Ouro-Freto! é escriptora, 6 musica, 6 qualquer
Os enfeites que deixaste de pôr coisa, desde que se sinta apta pe­
em tuas vias publicas, em teus edi- las tendências do seu espirito a
ficios, vão servir agora para os exercer um cargo ou que se veja
adornos do Bello-Horizonte, esse aguilhoada pela pobreza a procurar
novo Nababo... uma profissão !
Se 0 seu temperamento 6 calido
e voluptuoso, 0 seu espirito 6 forte
Aniquilou-te completamente um
e ella vence-se. Se cáe de uma
mesquinho arraial, que dantes não
posição ornamental e vistosa em
conhecias...
outra mais humilde, não se escon­
For isso, () tradicional cidade re­
de, como a europea que julga o
ligiosa, deves bater contrictamente
trabalho uma villania; ao contrario,
ao peito e reconhecer, como nós,
a brazileira comprehende mais de­
a nihilidade das grandezas huma­
pressa 0 alcance dessa palavra, e c
nas!
Sinvio DK A lmkii).\. de rosto descoberto que procura o
pede serviço.
Vae pintar leques, sachets e al-
A M E N SA G E IR A 93

mofadas para as lojas, abre atelier^ vida 6 uma grande fonte que não
coso luvas para as fabricas ou cha­ deve secear inutilmente.»
péus para as chapelarias, é florista, E cila W orms.
é mestra, é aia e lavadeira od en-
gommadeira, conforme a educação
recebida ou o ambiente em que
respira. A brazileira ociosa, é uma
phrase injusta o que anda a correr
Kotas pequenas
mundo, infelizmente, sem pi-otostos.
Porque ? A Mensageira em Paris. - Da
Toda a gente sabe (pie no Bra- Exma. Sra. Viscondessa de Caval­
zil só não amamenta os filhos a canti, que se acha actualmente em
mulher doente, aquella que não tem Paris, trabalhando no seu Diccio-
leite ou que o sabe prejudicial em narío Bioyrcqjhico Braxileiro, re­
vez de bénéfice! cebemos honrosissima carta, na qual
Rica ou pobre, as mães só teem exara lisongeiros conceitos a nosso
uma aspiração : — aleitar, crear o respeito. As suas animadoras pa­
seu filho ! Este exemplo devia ser lavras serão mais um incentivo para
citado, porque, á proporção que es­ que procuremos melhorar sempre,
ta virtude se accentúa entre nós, na medida de nossas forças, a nos­
parece que nos paizes da civtlÍ7M- sa modesta publicação.
ção se vae tornando escassa! — Xavier de Carvalho, o brilhante
A mulher brazileira ama com escriptor que mais de uma vez tem
mais intensidade, talvez ; dedica-se vibrado sua penna em prol da ele­
toda, sem medo de estragar a sua vação moral da mulher, nas suas
belleza, ás commoções da vida. Ahi apreciáveis Notas de Paris^ escri-
vemos as pobres mulheres dos sol­ ptas para o Diário Popular^ assim
se exprime sobre a nossa revista :
dados, seguindo-os á guerra, acom­
«Agradecemos á illustre escripto­
panhando-os nas batalhas, jmatando
ra D. Presciliana Duarte de Almei­
quem os fere, ferindo quem os ame­
da a remessa da sua interessante
aça, erguendo-lhes das mãos mori­
revista feminista A iMensayeva.
bundas a espingarda com que os
Mostramol-a ha dias á celebre es-
vingam !
criptora Mary a Cheliga no seu sa­
Estas energias não são filhas do
lão de avenue des Temes õl, e a
acaso, vêm-nos da mistura de san­
grande sacerdotisa da causa ties
gues com que fomos gerados, vêm-
vezes sagrada da emancipação fe­
nos desta natureza portentosa e que
minina ficou encantada e deslum-
por toda a parte nos ensina que a
94 A M E N S A G E IR A

brada por saber que também em Nova capital de Minas. — Com


S. Paulo as damas reconhecem que ruidosas e enthusiasticas festas inau­
é necessário marchar para diante e gurou-se a 12 do corrente o go­
affirmar que a mulher não 6 uma verno de Minas na sua nova ca­
individualidade subalterna, mas a pital — a esperançosa e original
companheira e irmã do homem. Se­ Bello-Horisonte. Cremos que é e
ria bom que as redactoras da Men­ deverá ser sempre este o nome da
sageira — mensageira de esperan­ formosa cidade, tenha ella muito
ças e de sans reivindicações — nos embora o nome official de Minas...
dêm menos litteratura e mais ar­ A nova cidade, que foi construi-
tigos solidos cohi idéias seguras o da apenas em dous annos, conta
fortes sobre os deveres da socie­ quarenta edificios públicos, entre
dade para com a mulher e nos mos­ os quaes cinco palacios de moder­
trem 0 estado d’alma da mulher na e caprichada architectura, tem
brazileira, o que ella deseja, o que um serviço completo de agua e luz
cila quer ser e o (pie ella deve ser. electi’ica, e possue já uma popu­
A tentativa c excellente e tem todos lação de mais de quinze mil habi­
os nossos enthusiasticos applausos. tantes. Podemos avaliar, pelo seu
Ha por exemplo uma campanha rápido progresso, o que será d’aipii
que as senhoras brazileiras devem a alguns annos a cidade talhada
emprehender; a lueta a favor da para brilhar como uma das primei­
paz no mundo e a propaganda con­ ras da America do Sul, a cidade
tra a idéia da guerra. dos formosos mármores vermelhos!
As mães, as esposas, as filhas são Que satisfaça ella as esperanças de
as primeiras interessadas nessa cam­ todos os que para lá teem voltado
panha. Na Europa a campanha con­ 0 coração e de todos os filhos do
tra os exercitos permanentes tem grandioso Estado de Minas.
um auxiliar precioso na mulher. E ’ As senhoras de Bello-Horisonte,
preciso que as damas brazileiras justamente enthusiasmadas com a
combatam todas as tentativas ag- inauguração do governo na pros­
gressivas entre as nações america­ pera cidade, manifestaram a sua na­
nas do sul ou dessas nações con­ tural alegria offertando um lindís­
tra qualquer nação da Pluropa. A simo honquet á Exma. esposa do
mulher brazileira não tem mais do Dr. Bias P'ortes, presidente do Es­
que seguir o exemplo da sua irmã, tado.
a mulher americana do norte. Delminda Silveira. — Contamos
Hesejariamos muito que A Men- d’ora em diante com a valiosa
iugeira tomasse essa iniciativa.» collaboração desta sympathica poe-
A M ENSAEIRA
95
tisa, cujo nome gloriado é conhe- quasi exclusivamente pelos mais
cidissimo no Estado de Santa Ca- peregrinos talentos femininos da
tharina, onde milita na imprensa, nossa terra.
ha longos annos, colhendo sempre Além da directora, D. Prescilia­
merecidos louros. na Duarte de Almeida, poetisa apre­
ciada e assas conhecida no nosso
mundo litterario, encontramos ali
Julia Lopes, Zalina Rolim, Maria
Clara, Julia Cortines e Aurea Pi­
B Mensageira res, escriptoras de alto renome nas
— Recebemos o primeiro nu­ nossas leti’as.
mero d’ J^ Mensaçjeira^ revista lit- Só notamos a ausência de dois
teraria dirigida pela maviosa poe­ nomes dos mais festejados e bri­
tisa D. Presciliana Duarte de Al­ lhantes da pleiade de escriptoras c
meida. poetisas nacionaes — Narcisa Ama­
Entre muitas distinctas collabo- lia e Pi’ancisca Julia.
radoras, notamos os nomes eleitos Estas, porém, virão depois com­
de Zalina Rolim, Julia Lopes, Áu­ pletar 0 bellissimo elenco de col-
rea Pires e outras, o que 6 uma laboradoras da novel e promissora
garantia do escrupulo litterario que revista, que será lida por quantos
preside á feitura da preciosa Men- amam as boas letras e admiram as
sayeira. Não nos passou desper­ mulheres de talento e espirito.
cebida a ausência da auctora dos Seja bem vinda A Mensageira.
Mármores; mas, folheando a re­ íDo Paix).

vista, encontramos na ultima pagina — A Memsageira, n.° 1, mi­


a noticia de sua collaboração no mosa revista litteraria dedicada á
numero seguinte. mulher brazileira.
Era esta a mais primorosa im­ Edita-se duas vezes por mez em
posição que a directora d’A M en­ S. Paulo sob a direcção de D. Pre­
sageira podia fazer dos números sciliana Duarte de Almeida, que
seguintes de sua excellente revista. decididamente nasceu para as letras,
(Da Oaxeta da Tarde). tal 0 primor com que lançou o ar­
Sympathica, distincta e elegante, tigo de apresentação.
trescalando o delicioso odor di fe- Como companheiras de redacção,
mina inebriante e intenso, appa- conta ella as distinctas e intelli­
receu-nos de improviso A Mensa- gentes senhoras d. d. Adelina Viei­
geira.^ revista litteraria dedicada á ra, Julia Lopes, Francisca Julia da
mulher brazileira e collaborada Silva, Zalina Rolim, Julia Cortines,
96 A M E N S A G E IR A

Josephina de Azevedo e Georgina litteraria que se publica nesta ca­


Teixeira. pital, sob a direcção da sra. d.
Penhorados pela gentileza da re­ Presciliana Duarte de Almeida, con­
messa de um exemplar, almejamos tinua a visitar-nos regularmente
á distincta confrade longa serie de de quinze em quinze dias.
felicidades. Ainda hontem appareceu-nos es­
^Da Qaxcta de Uberaba). sa revista, variada e interessante,
Temos sobre a mesa o terceiro trazendo bons esci'iptos litterarios
numero da interessante revista lit- em prosa e verso.
teraria A Mensageira., redigida pela Do presente numero da Mensa­
sra. d. Presciliana Duarte de Al­ geira destacamos a Chronica om-
meida. Traz nm bello summario, nimoda, de Vieira de Almeida, a
pelo qual se pode ver quanto é Carta do Rio, de Maria Clara da
escolhida a collaboração da revista. Cunha Santos, e a critica litteraria
Dentre os trabalhos insertos nesta do livro de versos Pleetros, de
publicação destacamos o soneto de Ibrantina Cardona.
Georgina Teixeira e uma carta lit- (Do Correio Paulistano)
teraria de Ibrantina Cardona. Chega-nos ás mãos o 4° numero
(Do Correio Paulistano). Ú.A Mensageira, excellente revista
A Mensageira. Entre as publi­ litteraria consagrada ás senhoras
cações que hontem recebemos, avul­ brazileiras e que se publica na ca­
ta incontestavelmente a Mensageira., pital paulista sob a direcção da
revista litteraria dedicada ás se­ intelligente escriptora D. Prescilia­
nhoras paulistas e dirigida pela na Duarte de Almeida.
conhecida escriptora d. Presciliana Traz excellentes artigos littera­
Duarte de Almeida. rios, a Chronica omninioda, que
O summario deste numero, que faz a apologia da arte em S. Paulo,
é extenso e variado, encerra uma e um bello soneto de Amelia de
interessante Carta do Rio., de d. Oliveira, Noite.
Maria Clara C. dos Santos; um so­ (Da Gaxeta de Petropolis)
neto {Patuit T)ea) de Sylvio de
Almeida; um estudo sobre littera-
tas polacas, por Elmano do Vai, e
outros trabalhos de valor. E’ um
bello numero, de leitura interes­
sante e util.
(Da Nação)
A Mensageira., a bei la revista
São Paulo 15 de Janeiro de 1898 Anno 1, N. 7

A MENSÁGEIP tA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direçtora — Presciliana Duarte de Almeida

E sta revista garan te a sua publicação durante um anno.


P u blica-se nos dias 15 e 3 0 de cada mex.

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N um ero avulso


a d ia n ta d o Endereço; Rea dos Estudantes N. 23 Rs. 1 $ 0 0 0

Summario: — O feminismo, Xavier de aspiram á luminosa alleluia da


Carvalho ; — O Sonho, soneto, Julia Cor­
tines; — Carta do R io, Maria Clara C.
Boa Nova !
Santos; — Amphitrite, soneto, Alberto
A mulher é ainda hoje consi­
de Oliveira; — Intellectualidade Femini­
na Brazileira, Pelayo Serrano; — Con­ derada, quasi por toda a parte,
traste, soneto, Francisco Lins ; — Almei­ como um ser physica e social­
da Junior, Perpetua do Valle; — Cahir
mente incomj)leto. Além dos que
da noite, soneto. Saturnino de Oliveira;
— Com ares de chronica, Maria Emilia ; por aberração cerebral a detestam,
— Selecção; — A entrada do anno, Prcs- ha a ferocidade dos Codigos, ha
ciliana Duarte de Almeida; — Notas pe­ a hypocrisia dos Costumes, ha umas
quenas.
certas convenções auachronicas a
que philosophos impotentes cha­
0 feminismo mam a morale ha o grande abys-
E’ com 0 maior prazer que ve­ mo dos preconceitos confessionaes
mos 0 triumpho da litteratura fe­ de todas as religiões e seitas e ha
minina do Brazil na brilhante re­ sobretudo a opposição estúpida e,
vista A Mensageira. A mulher digamos interessada, do homem que
da maior republica da America do receia a concurrencia da mulher
Sul não podia ficar atraz do grande nas artes, na sciencia, no commer-
movimento iniciador da Europa cio e na industria. E’ o homem
e dos Estados Unidos. 0 interes­ que nos parlamentos fabrica os co­
sante quinzenario da illustre poe­ digos injustos 0 as leis oppressivas;
tiza D. Bresciliana Duarte d’Al- 6 0 homem que se oppõe na ques­
meida vae resurgir energias adorme­ tão economica á reivindicação tão
cidas e acalentar entresonhadas sensata das mulheres nos centros
esperanças. Será o glorioso rebate industriaes: a trabalho egnal, sala-
para o combate da paz e do rio egual; é o homem que im­
a m or!... Bemvindo seja esse si­ pede a entrada da mulher nas aca­
gna! amigo para todas as almas que demias e foro, como se viu ha
q8 A M E N S A G E IR A

pouco em Paris, na questão com esses inimigos de todas as tenta­


M.®“® Chauvin; é o homem que tivas d’emancipaçâo humana.
lhe cria todos os embaraços e ob­ A epocha da barbaria deve ter­
stáculos nas carreiras chamadas minar d’uma vez para sempre. A
liberaes; é o homem que, depois mulher reclama a sua parte á luz
do a conspurcar e depravar, a do sol e 0 seu quinhão no ban­
arregimenta no quadro infecto da quete da vida.
prostituição; é o homem que lhe As suas reivindicações são jus­
nega toda a auctoridade nos actos tas e é por que temos a inteira
da vida civil e que a colloca em convicção de que ella reclama com
lugar inferior no casamento; é o direito que somos feministas.
homem que creou a incapacidade
Nem a muUier que vota nem
legal da mulher casada; é o ho­
a mulher que mata, lemos aqui
mem que,'emfim, fabricou esse ab­
n’esta mesma revista, n’um dos
surdo artigo do Codigo Penal que
numeros passados.
em caso de flagrante delicto, no
adultério, só elle o marido, elle, o Estamos plenamente d’acordo.
senhor absoluto, tem o direito de A mulher 6 um ente cerebral­
fazer justiça pelas suas próprias mente superior e as mentiras do
mãos! parlamentarismo, os equivocos do
suffragio restricto ou universal, rhe-
Mas, após tantos e tantos sécu­ torica offi ciosa, são cousas que se
los d’escravidão, a Eterna Menor não coadunam muito com a orga-
revolta-se! nisação feminina. Ao mesmo tem­
E revolta-se, não por sentimen­ po, ser todo coração, alma pene­
talismo, mas com firme convicção trada de todas as doçuras, á mu­
dos seus direitos sagrados de Mãe, lher repugna-lhe a morte, e 6 por
de Esposa e de Mulher, parte inte­ isso que todas as associações femi­
grante do Individuo e da Huma­ nistas são ao mesmo tempo cen­
nidade. Revolta-se pelas exigên­ tros de propaganda pela paz entre
cias do seu Cerebro, do seu Cora­ as nações e pelo desarmamento.
ção e do seu Sexo. Revolta-se Repetimos, como o collobador
por que no meio d’um século de passado da Mensageira: Nem a
sciencia e de justiça social, com mulher que vota nen a mulher
plena consciência da injustiça que que mata. Apenas um pequeno
lhe é feita, não póde mais suppor- reparo: Louise Michel, a ultima
tar a bastilha de horrores em qup Santa n’este século d’estreito ego-
a lançaram as religiões e as leis. ismo, nunca votoií nem applaude
A M E N SA G E IR A
99

(muito pelo contrario) o voto das esplendido numero de Férue F n-


mulheres. cyclopedique, consagrada ao movi­
As mulheres teem hoje em Paris mento feminista; foi ella que creou
um diário: La Fronde, (14, rue 0 theatro feminista; e foi ella quem
de Saint Georges), jornal unica­ organisou em Paris a maior parte
mente redigido, collaborado e com­ das associaçõesfeministas que n’este
posto typographicamente por mu­ momento se encontram em plena
lheres. A directorà da Fronde não actividade e cheias de vida. Ao
préga apenas a boa — doutrina, lado de Marya Cheliga, temos M.'”'^
executa e cumpre o que apre­ Eugenie Potonió Pierre, a boa e
senta como norma moral. E o sincera propagandista da paz uni­
exemplo está no proprio jornal. versal, coração fraternal e alma
As mulheres typographas que se evocando sonhos; a princeza de
apresentaram para trabalhar na Wiszniewska, Marie Martin, Marie
officina de composição não exigiam Bonneviale etc. Hoje em Paris
mais do que 5 francos diários, mas existem umas vinte c tantas asso-
como a tarifa da Gamara Syndical ciaçòesde mulheres que teem os sous
dos typographos é a 8 francos, a clubs, as suas soirées mensaes, as
directorà da Fronde firmando-se suas reuniões de propaganda etc.
no a trabalho efjual, salario egnal, PI’ gi'aça á cruzada feminista (pie
admittiu na typographia as opera­ as erèehes, os dispensários o as insti­
rias ganhando o mesmo que os tuições de caridade estão melhor
homens. Facto verdadeiramente organisadas. Uma grande parte
extraordinário ! um patrão que of- dessas mulheres são mães sem aban­
ferece e dá aos seus empregados donar os deveres de familia, cui­
quasi 0 duplo do que elles pediam dando dos filhos e do interior das
e consideravam como sufficicnte re­ suas cazas, consagram no emtanto
muneração ! E ahi está como uma uma ou duas horas por semana ao
mulher, com a intuição clara do trabalho da causa que ellas defen­
dever, deu aos homens o exemplo dem com paixão, diffundindo ideias,
raro do acto solidário com a dou- auxiliando todas as tentativas serias
trina. e collaborando umas com dinheiro,
Uma das grandes propagandistas outras com a palavra na tribuna
da ideia da emancipação tão hu­ das salas de conferencias, outras
mana do feminismo é a distincta com a penna nas revistas de vulga-
escriptora polaca e hoje quasi uma risação, mas todas com intelligencia
parisiense, M.’’"' Marya Chcliga. e são critério, na obra commum
Foi ella que dirigiu e lançou o Seria para desejar que também
lO O A M E N S A G E IR A

ahi no Brazil a mulher sahisse do revista quinzenal A Mulher para a


intorpecimento em que se encontra defeza das roinvindicações feminis­
ainda e se lançasse como as suas tas e para a propaganda da littera-
irmãs da França, da Inglaterra, da tura feminista. As nossas collabo-
Allemanlia, da Scandinavia, dos Es­ radoras foram d. Maria Amalia Vaz
tados Unidos da America do Norte de Carvalho, d. Olivia Telles de
em pleno movimento emancipador, Menezes, d. Clovinda de Macedo e
reclamando nos codigos a revisão uma dama franceza de que nos não
dos artigos que ferem profunda­ recorda agora o nome (porque não
mente os direitos da mulher, fre­ possuimos a collecção da Mulher)
quentando as escholas superiores e que morreu queimada no incên­
etc. Aqucllas que ainda não co­ dio d’um theatro em Nice. No
nheçam 0 fundo das doutrinas fe­ Século publicamos em 1890 um
ministas devem consultar Huma­ artigo longo e minucioso sobre o
nisme Integral de Leopold Lacour feminismo, que serviu de thema a
(edição da livraria Stock, Paris), as uma das licçòes do curso de Direito
obras diversas de Julio Bois, (li­ na Universidade de Coimbra, na
vraria Chailley), todos os trabalhos cadeira regida pelo dr. Manoel
do illustre jurisconsulto belga Emygdio Garcia. E aqui em Paris
Louis Frank, os trabalhos de Stuart temos acompanhado as mais auda­
Mill sobre a mulher, os trabalhos ciosas propagandistas da causa da
de Léon Richer, de Alfred Fou­ emancipação da mulher, notando
illée, de M.®“® Chauvin, de Bebel, comtudo em muitas d’ellas a falta
de Grosserie, de Paul Lacombe, de continuidade e o receio das
de Jacques Lourbet, de Ernest Na- ultimas conclusões lógicas tão
ville, de Paul Gide, do dr. Thulié, bem sentidas e tão admiravelmente
do di’. l\[artin etc. descriptas no ultimo romance de
As mulheres contam em i^aris. Xavier de Ricard, Les conditions
além da folha diaria La Fronde, de Claire. Collaborando hoje n'esta
as revistas : Journal des Femmes, bella revista brazileira, nés protes­
Révue Féministe, Bévue des Fem ­ tamos mais uma vez o nosso amor
mes Russes, Réo7ie dos Femmes pela causa da Eterna Menor, sau­
Chrétiennes, La Femme etc. São dando a Eva Futura que será a
pelo menos estes orgãos feministas verdadeira companheira do homen
que conhecemos. Todos muito e não a sua escrava de hoje.
bem redigidos. Paris, dezembro 1897.
Quem assigna este artigo fundou
X a VIKR I)K C a k v .v l h ü .
ha annos no Porto (Portugal) uma
A M E N SA G E IR A lOI

0 5onho
« Vem ! o Sonho me diz, e a sua mão me acena —
Sobre uma aza que vibra, e se estende, e se eleva.
Sobe! sobe! e á região afastada e serena
Das estrellas o vôo ousadamente leva !

A vida corre sempre amargurada ou séva;


A esperança atraiçôa e a paixão envenena.
Nada vale a embriaguez da poesia que enleva...
Paira acima da terra onde habitas, sem pena.

E ’ mais formoso e puro o paiz da chimera :


— O aroma fresco, o céu azul, a aragem branda ;
Azas fremem á Inz de um sol de primavera.

Gloria, vida e prazer, tudo esse mundo encerra.


— Pensa, ó alma infeliz, ó alma miseranda,
Que nada existe assim sobre a face de terra.»
J u n A C ortin es

Março proximo futuro. Aquellas


Garta do ^io de nossas patricia.s que desejarem
Mais um melhoramento — e mui­ dedicar-se a esse genero de traba­
to importante, vão ter as senho­ lho deverão dirigir-se á rua do
ras desta terra. Um engenlieiro Hospicio, 88, afim de se inscreve­
distincte, o dr. Cordeiro da Graça, rem, exigindo-se apenas que te­
que regressou agora dos Estados nham conhecimentos preliminares
Unidos da America do Xorte, trouxe da lingua ingleza.
em sua companhia e na de sua As vantagens resultantes de um
familia. Miss Elisabeth Ambler, que tal ensino para as moças brazilei-
veio contractada pelo prazo de um ras são de facil comprehensão. E’
anno para ensinar ás nossas patri- uma excellente profissão para a
cias tachigraphia e manejo das ma­ mulher a tachigraphia: 6 decente e
chinas de escrever. Para esse fim rendosa.
resolveu o dr. Cordeiro da Graça Ninguém ignora a economia, a
abrir um curso gratuito pelo prazo presteza, o asseio e todas as van­
de oito mezes, a contar de lõ de tagens da machina de escrever.
102 A M E N S A G E IR A

Associara esse delicado serviço todo Acabo de 1er na «Gazeta de No­


0 auxilio que nos pode vir da ticias» que Brahms, o distincte com­
mulher que precisa, por circum- positor allemão, que ha pouco mor­
stancias de vida, procurar meios reu, passava no ultimo periodo da
de subsistência para si e para os vida por detestar as mulheres. 0
seus — 6 já um dever que todos «Echo Musical» affirma entretanto
temos. que 0 homem não foi sempre as­
Ao dr. Cordeiro da Graça saúda sim. Emfim 0 tal Brahms não
a «Mensageira» pelo valioso auxi­ detestava somente as litteratas, de­
lio que presta ás mulheres brazi- testava as mulheres em geral.
leiras proporcionando-lhes mais esse Sabem o de que eu desconfio ? E ’
precioso cabedal, com o qual mui­ que elle nunca foi amado. Quando
tas de nossas patricias poderão sua­ lhe perguntavam se era solteiro,
vemente ganhar a sua vida. respondia: «Louvado seja Deus,
nunca me casei.» Não ha duvida,
0 misero «só passou pela vida e
La Fronde 6 o titulo de um jor­ mw viveu»^ como dizia o saudoso
nal diário que appareceu agora em poeta Octaviano.
Paris. A directora da nova folha
6 M."“^ Durand. 0 jornal o todo
redigido, collaborado e mesmo ty-
pographicamente composto por mu­ Actualmente temos duas expo­
lheres. sições de pintura nesta cidade: a
Essa noticia de algum modo nos da Escola de Bellas Artes e a de
encoraja! Gostariamos (pie o exem­ PMchinotte e Maria Foiiieiro, na
plo fosse imitado aqui no Brazil. ladeira da Gloria. Não as visitei
Quantas senhoras de talento, ap­ ainda por falta de tempo, o que
tidões e fortuna conhecemos que fai'ei brevemente. E’ uma delicia
se deixam envelhecer inutilmente. para mim estar em frente a um
A rotina 6 tudo em nossa terra. bom quadro. Esqueço-me de tudo,
Ainda ha muita gente — e gente perco a noção do tempo emquanto
da alta sociedade — que tem hor­ admiro a formosa a.ite de Raphael!
ror á mulher litterata. No em-
tanto, seja qual for a posição do
marido, sempre a coadjuvação de
uma intelligencia cultivada de uma Assisti, a 20 do mez passado,
mulher superior será um precio- uma bella festa cm casa de uma
sissimo auxiliar. amiga. 0 programma, variado e
A MENSAGEIRA 103

interessantG, foi cumprido rigorosa-


As freguezas com sentido na
mente. Kepresentai’am alguns ama­
barateza, nem olhavam a feiura do
dores duas comedias originaes de padrão.
Coelho Netto, intituladas «Raio X », O mundo 6 mesmo assim!
e «Goto».
A primeira é conhecãda já, a se­ M aria C lara da C unha S antos.

gunda ora inedicta. Coelho Netto,


0 grande escriptor, é também um
gi’ande actor. Elle fez com admi­
rável perfeição 0 papel de jagunço.
Estava tão bem caracterisado que
Bmphitrite
A Francisco Litis
delle proprio só ficaram os olhos
e esses mesmos obedeciam a uns Por mar a fóra, ao som cadenciado
Dos remos scintillantes de ardentia,
impulsos exquisitos do olhar do
O’ bella, erravas! Tal, com as vagas, ia
seidanejo da Bahia. A dona da Amphitritc no conchyo illuminado.
casa — 6 uma verdadeira fidalga
de raça — sabe receber seus con­ Da lua a esphera ao páramo azulado.
Por traz das serras, pallida subia,
vidados com as maneiras mais ca­
E a seus raios o mar, que estremecia.
ptivantes e distinctas. Manso, embalava teu batei doir.ado.
(guando voltamos da festa, vinha
Solta a ílava madeixa de oiro fino,
rompendo 0 dia. Ró assim ó que
Da espadua á flor, o oceano immenso e mudo
cu comprehendo perder uma noite
Keílectia-te o vulto peregrino.. .
de sonino.
E a agua, a esteira de prata, a noite e os ares,
Astros e espumas, te seguia tudo
A loira sombra na amplidão dos mares !

A lberto d e O l iv e ir a .
Por toda a pai te, em quasi to­
das as lojas, eu vejo em lettras
gaii-afaes este letreiro: Liquida­
ção real. Pois vou lhes contar,
caras leitoras, 0 que fez um intel­ 'íntellectualidade
ligente negociante para vender uma
Í^eminina Brasileira
peça de seda muito feia, de um
padrão horrivel: — inutilisou 0 Quem não se encherá de júbilo
principio da peça da seda, enno- e orgulho nacional, vendo que, no
doou os dois primeiros metros. Fez mundo das idóas da America la­
um preço .. . commodo e imme- tina, a mulher bi-asileira vae gal­
diatamente vendeu toda a fazenda. gando sempre uma brilhante ascen-
104 A M E N S A G E IR A

(leiicia, prominciaclora de sua pró­ moderna, consentindo na sua plena


xima e intogi’al emancipação? Esta emancipação de cidadã, desde que
pcrj^unta on pcriodo intmTOí:çativo seus talentos, méritos, e trabalho
(pic alii fica, imo tradnz um car­ a elevassem até esse famoso plano
tel dc desafio lançado aos imperti­ da superioridade masculina. Vim
nentes- e desarrazoados partidistas aqui, poróm, só para dar ao leitor
da <ijiHcro1nt)’in, no seu sentido leves apontamentos relativos ao
animal do pmo culto o desfructc desenvolvimento espiritual da mu­
da mulhor-idolo, considerada uma lher brasileira, neste século, e mos-
formosa o util companheira do ho­ tivar como pela intelligencia o es-
mem, mas S('i debaixo da condição foi'ço o sexo frágil está se tornando
feroz de multiplicar a humanidade um factor digno de notar-se na
e de servir no lar as passivas func- collaboração do nosso actual renas
çoes dos nogocios domésticos . . . cimento literário.
Não, eu vou certo aqui áquellcs
que, desapaixonados c sem tençoes 1I
dc finos galantoios ás damas, dese­
jam vêr abatido o preconceito, o Na poesia d que mais se tèm
sectarismo masculino. i[ue ati; hoje salientado nossas compatriotas, si
tem vindo, no correr dos tempos e bem que á prosa varias pennas fe­
das raças, prejudicando a evolução mininas se hajam consagi-ado, en­
mental da mulher, a sua plena tre nós, com louvável empenho e
integração ethico-sociologica no lisongeiro resultado, obtendo reaes
atormentado kosmos da vida con­ suscessos no conto, na novella, no
temporânea. Sem duvida (jue ó romance. Poetizas ahi estão Bea­
hello aquclle austero epitaphio, que triz Francisca de Assis Brandão,
a moral dos Romanos outorgava, illustre mineira, fallecida em Ouro
como honra posthuma, ás virtuosas Preto, sua cidade natal, em 1864;
patricias (jue morriam = Kíla as irmãs riograndenses do Sul dona
(juardoti a rasa e fiov a Id; mais Revocata de Mello e d. Julieta de
bcllo e elevado que isto seria por Mello, cujos apontamentos biogra-
certo (pie mantivéssemos a mulher phicos a Madrugada (revista litte-
como a rainha severa do lar, plas­ raria de Lisboa) publicou, em mea­
mando na educação do bem e da dos de 1896; d. Luiza Amelia de
honra o caracter futuro de nossos (Queiroz, poetiza do 31aranhão, e
filhos, mas deixássemos do mesmo autora do poema em cinco cantos —
modo largo campo á actividade mo­ Georgina ou os effeitos do amor,
ral, material e espiritual da mulher d. Marianna Hygina de Figueiredo,
A MENSAGEIRA 105

sonetista conhecida de Diamantina Simões, seus romances melhores e


(Eîstado de Minas), d. Anrea Pires, de mais folego, não falando dos
talentosa e jovem fluminense, as Traços e lUuminuras, do adoravel
duas illustres poetisas paulistas d. Livro das Noivas, dos Contos In­
Zalina Rolim, autora do adoravel fantis-, d. Maria do Carmo Mello
ramilhete Coração, e d. Francisca Rego, autora do Cuido, d. Ignez
Julia ‘da Silva, mimosa conhece­ Sabino, também poetiza, mas dis-
dora dos segredos da estrophe mo­ tincta escriptora, que produzio Con­
derna e que já produ/io os Marmo- tos e Lapidações e Noites Brasi­
res\ ainda d. Julia Cortines, outra leiras ; d. Maria Clara da Cunha
poetiza de São Paulo e autora dos Santos, d. Maria Vilhena, d. Ade­
Versos, d. Narcisa Amalia, que fez lina Lopes Vieira, autora das Mar-
jus a um bello nome nas Nebulo­ garitas (que não conheço), d. Maria
sas; e, recentemente, surgio do Rio Antonieta Gama, distincta filha de
Grande do Sul mais uma esperan­ Minas e autora dos livros de con­
çosa poetisa, d. Ihrantina Cardona tos Prelúdios e Esponsalias; eis
(cujo nome tem assim uns ares de ahi um luzido grupo de damas, es-
pseudonymo), autora dos Plectros. criptoras conhecidas. E as duas
Agora, como prosadoras, lembremo- ingentes batalhadoras do progresso
nos do d. Flavia do Amaral, que mental feminino no Brazil, dona
tão auspiciosamente fez sua estréa Presciliana Duarte do Almeida (de
em inspirado e meditado conto, na Pouso Alegre, Minas), que em
Revista liraxileira (189b), e cujo São Paulo fundou 0 mantem a
cognome faz crer que tenha a illus­ galante e fecunda revista A Men­
tre dama parentesco com Angela sageira, gosa dos titulos merecidos
do Amaral, a inditosa poetisa cega, de poetiza e prosadora distincta;
carioca de nascimento, da qual a c dona Josephina Alvares de Aze­
commovente historia vem narrada vedo, redactora da Farnilia, no
no mimoso e erudito livrinho do sr. Rio de Janeiro, onde desde muito
Joaquim Norberto — Brasileiras tempo peleja com outras denodadas
Celebres, que todas as senhoras de companheiras, em favor da rege­
educação em nosso paiz deviam neração intellectual de nossas com­
possuir e 1er, estimulando-se na- panheiras, em favor da regenera­
quellas paginas dean te de tão se- ção intellectual de nossas compa­
ductores exemplos! Como roman­ triotas? Para essas, são poucos os
cistas, d. Julia Lopes de Almeida, elogios que se façam ao seu tenaz
a mais conspicua de todas, autora e nobre emprehendimento.
da íam ilia Medeiros, da Viuva
io 6 A M E N S A G E IR A

donas Elisena Brasilina Costa, Be-


III lisandra de Brito, Ignez Alvares da
Costa e Maria das Neves; e estu­
Já temos umas duas dezenas de
dando medicina, no Rio, dona Ju­
brasileiras laureadas por diplomas
dith Santos, direito, também no Rio,
e titulos acadêmicos, que muito
dona Myrtes de . . . , preparatories,
as dignificam, por serem estes a
em Barbacona e na capital paulis­
ti'aducção mais completa de seus
ta, as intelligentes senhoritas Irene
alevantados esforços no sentido de
Fcn’eira Lopes e Pérola Mac. In-
se rehabilitarem da jiccha de aves­
tyre.
sas ao estudo dos assumptos ári­
dos para a mulher, do direito, da
IV
medicina, das sciencias naturaes e
mathematicas. Quatro pernambu­ Não quer dizer todo esse movi­
canas, donas Maria Augusta Meira mento fecundo de esforços o com­
de Vasconsellos, Maria Fragoso da bates pelas idéas, no mundo femi­
Rilva. Delmira Costa e Maria Coe­ nino brasileiro, que o advento da
lho (directora do Instituto dezenove emancipação da mulher se appro-
de Março^ do Recife), bacharela­ xima em nossa Patria como por
ram-se em sciensias juri dicas e so- todo 0 orbe culto se está vendo?
ciaes, de 1888 a 1894, na Facul­ Disse Olympia de Gourges: «em-
dade de Direito do Recife; a ala­ quanto a mulher não tiver, como
goana dona Anna Sampaio, em fins 0 homem, o direito de defender
de 1898, teve a mesma graduação, seus direitos e os do proximo da
na referida Faculdade. Medicas, tribuna, batendo-se cm todos os
temos as sras. Antonieta Dias Mor- terrenos da Moral e da Sciencia
purgo e Fphigenia Veiga (do Rio pela conquista do bem e da ver­
Grande do Sul), Ermclinda Sá (da dade, de par com o homem, o equi-
Capital Federal), as quaes se dou­ librio social não se terá feito.»
toraram na Faculdade do Rio e Quem contestíirá tal vendade?
clinicam na mesma capital.(') Diplo­
PtíLAYO S kkrano.
madas na Escola de Pharmacia de
Ouro Preto, existem as mineiras

(9 Devemos acrescentar aqui o nome


<le Anna Machado, paraense distinetissima
que estudou nos Estados Unidos, tendo
dei.xado um rastro luminoso na Escola (ir
Medicina de Philadelphia, e que teve dis-
tincçâo do primeiro ao ultimo exame.
Nota da redacção.
io 8 A M E N S A G E IR A

e conta 47 annos de idade, tendo isso uma ti’adiçâo gloriosa para os


principiado a sua carreira artistica Paulistas.
aos 19. E ’ Pi-ofessor Honorário O quadro que offereço á apre­
da Acadcnùa Xacioval ds Bcllas ciação do publico representa a par­
Artes e, si fora de uso trazerem tida desses heroes, que, depois da
os artistas ao peito as medalhas missa na Egreja de N.“ S.“ Mãe dos
que recebem, o delle reliiziria ao Homens, acompanhados do Padre,
brilho de muitas, entre as quaes Capitão-mór e povo embai’cavam-se
algumas dos mais civilisados pai- no Porto geral, recebendo na ocea-
zes do globo. sião a solemne bençam da partida.»
Diante desse quadro, evoca-se,
O nosso espaço limitado, porém,
pois, em nossa mente um desses dias
não nos auctorisa a fazer a
solemnes da partida dos Ikindei-
sua biographia. Vamos, portanto,
rantes. A tela 6 harmoniosa e
tratar do assumpto (jue aqui nos
fresca, cheia da luz e <la neblina
ti’ouxe, 0 seu ultimo quadro, inti­
da manhã, atravez da qual divisa­
tulado J^artida da Monção. Para
mos a vegetação ao longe, scindindo
a e.xposição deste bellissimo traba­
0 horisonte com os braços de al­
lho de Almeida Junior, a redacção
gumas arvores, e o declive dos bar­
da Mensageirahú honra da com ama-
rancos á margem opposta do Tietc.
vel convite, o qual vinha secundado
As figuras principaes do quadro
com as seguintes linhas do pintor,
estão delineadas com rara felicidade
e.vplicando ao visitante o assumpto
e grande inspiração ! Assim, a fi­
do quadro:
gura serena do Padre que abençoa
« Partida da i\Ionção. — Os an­ a caravana, o ar magestoso c au­
tigos paulistas assim denominavam stero do Capitão — mór, a attitude
a caravana que partia de Porto-h'eliz, commovente de mulheres que oram
descendo o Tietê para Cuyabá. e de crianças (jue choram, tudo
As de que se trata eram organi­ isso nos desperta, simultaneamente,
zadas simplesmente por destemidos 0 sentimento vivo da Patria e da
0 ousados sertanejos, que, inspira­ Familia. Xós, mulheres, indubita­
dos pelo amor do desconhecido, des­ velmente, nos impressionamos mais
coberta das minas o civilisação dos com a despedida dos esposos, com
bugi’es, em toscos batelões cobertos a lagrima das crianças, com a parte
de palha e simples canoas, partiam puramente sentimental do quadro,
conscientes de que iam arrostar onde ha grupos de uma belleza
com sacrificios inauditos toda a sorte grandiosa, tal aquelle em que ve­
de aventuras, constituindo-se por mos de costas um menino que se
^ - .

A M E N SA G E IR A 10 9

ape^a á saia da mãe, como que ziu Carlos Gomes, José de Alen­
occultando 0 pranto ... Nos bra­ car e Gonçalves Dias, não podia
ços da mãe s o i t í , com 0 sorriso deixar de ter um Almeida Junior,
sublime da inuocencia, 0 peque- que etornisasse na tela 0 typo dos
nito, que não sabe ainda, como 0 caipiras brazileiros 0 as tradicçOes
irmão, chorar a ausência do pao. ■da nossa patria.
São cheias de imponência as fi­
P ercktua do V a u .e.
guras dos intrépidos exploradores
installados nas canoas e batelões
para a partida ao seio das flores­
tas virgens, e é digna de menção
a figura exhuberante de verdade Contraste
de um negro que remove para A Alberto de Oliveira
bordo uma canasti’a de couro ama-
Tranquillo estava o mar..,. No firmamento,
rello, recebendo nas faces a luz Nem um signal se via da procella...
intensa do sol. Nota-se na tela a Estava manso, estava doce o vento.
ideia de previsão para a inhospita Fugia mansamente e doce a véla.
excursão; feixes de cannas carre­ Havia calma e luz... Mas, n’ um momento.
gados cuidadosamente, uma ca­ Cobrindo-se de crepe a azul umbella,
baça levada ás costas por um cai­ Cahiu a tempestade, e, então, violento
pira. dando-nos ideia de levar Tornou-se o mar, a fera horrenda e bella.

canninlia, consoante 0 costume Comtigo, oh coração! dá-se 0 contrario:


dos nossos caboclos, cães para a — Eras tranquillo e calmo, solitário
Repousando nas trevas de meu peito.
caça, tudo isso nos lembra que os
audaciosos exploradores ao parti­ E hoje, que a luz brilhante, doce e rara,
rem de Porto Geral tinham diante Dos olhos delia o teu asylo aclara,
dos olhos a perspectiva das horas Cae sobre ti um temporal desfeito !

ingratas e difficeis. F ran cisco L i.n s .


Emfim, os tições que acabam de
apagar-sc lentamente, uma m ia
pousada ao lado de uma canoa,
nas margens do rio, os bellos effei-
tos da sombra na areia, e muitos Cahir da noite
pormenores que naturalmentc terão A Francisco Lins
nos escapado numa unica visita, Do sol, que desce, a morna claridade
fazem deste quadro uma das mais Bate de leve sobre a cruz da egreja ... .
preciosas concepções artisticas do De andorinhas um bando a torre invade.
nosso meio. A terra que produ­ Foge da torre e livremente adeja.
I IO A M E N S A G E IR A

Some-se o sol. Agora, o céo se peja fundamente a vontade materna.


De estrellas fulvas... Tudo, suavidade! Cremos, entretanto, que isso não
Frio o sereno, tácito, gotteja .. .
succederá, porque far-lhes-emos a
Vê-se em tudo uma sombra de saudade.
nossa propaganda em ternpo^ nos
Venus fulgura, sobre o céo, formosa, áureos dias de sua infancia tenra,
E se retrata na agua bonanço«a, em que, como flores radiantes e
Que vae descendo vagarosaraente.
lindas, adornam e alegram os re­
Em Venus pouso o olhar, e mudo, e triste, cantos de nossa casa! E cremos
A mim ouço falar tudo o que existe que 6 esse meio, sinão o unico,
Da saudade de um bem que tenho ausente !
pelo menos o mais poderoso, de
S a t u r n in o d e O l iv e ir a conseguirmos a paz universal, para
a qual têm trabalhado os mais emi­
nentes vultos do século.
Nos, brazileiras, sabemos por ex-
periencia própria os dissabores da
guerra e o estado a que ella nos
0om ares de chronica conduz. Que nação do mundo es­
Ha uma campanha que as tará actualmente em condições mais
senhoias brazileiras devem
emprehender ; a lueta a fa­ desanimadoras do que a nossa?
vor da paz no mundo e a
propaganda contra a ideia Aqui, porém, a guerra peior 6
da guerra.
Xavier de Carvalho. a que trabalha pela surdina.
Si Xavier de Carvallio não fôra K a nós, como filhas, esposas,
de ha muito credor de nossa en- mães e irmãs, compete fazer toda
thusiastica admiração pelas suas a sorte de sacrificios, afim de con­
ideias generosas e nobres relativa­ seguirmos cortar pela raiz um mal
mente á mulher, conquistal-a-ia que váe querendo vingar no solo
agora, manifestando-se assim tão amado... Referimo-nos aos assas­
contrario á guerra, essa herança sinatos politicos. Sim! E’ em no­
estúpida que nos ficou dos tempos me da dignidade de nossos patrí­
primitivos. cios que devemos exhortal-os a
Mais de uma vez temos tido oc- abandonarem esse systema des-
casião de dizer que dei.xaremos prezivel! Os mais desinteressados
nossos filhos seguirem toda e qual­ patriotas brazileiros, pertencentes a
quer carreira para que tenham vo­ qualquer dos partidos politicos do
cação, exceptuando-se unicamente Brazil, são de todo contrários a
a militar. Para essa, para a car­ esses assaltos ã vida humana.
reira das armas, elles só poderão Depois, um partido (jue tem ele­
se encaminhar contrariando pro­ mentos para dominar, não precisa
A MENSAGEIRA I I I

usar dessas armas mesquinhas. Um Em seguida pede, prolongando a reza,


politico que manda assassinar o Que a criança frágil fique dura e forte,
Que su’ alma nova, de peccado illesa.
adversário parece confessar publi­
Tenha Deus por guia e seja o bem seu norte.
camente que não se julga com ca­
pacidade de 0 vencer. Fl depois, á noite, quando a turca pobre
Chega ao lar mesquinho, a tiritar de frio,
E ahi fica o appelle ás nossas
Com a propria veste o filho amado cobre.
compatriotas: faça cada qual tanto Dando beijos d’alma no seu corpo esguio!
quanto puder em beneficio da pa-
P r e s c il ia n a D u a r t e A l m e id a .
tria.
Tendo offerecido versos á leitora,
não quero mais prosar e prefiro
Para rematar minhas desalinha-
reler o meu album de roceira, de
vadas chronicas^ encetarei de_hoje
onde hão de sahir as poesias
em diante, (com permissão da di­
transcriptas nas futuras chronicas da
recto ra da Mensageira), o systema
de transcrever pequenos trabalhos M aria E miija.
literários no final de cada uma Minas, Janeiro 1898.
dcllas. Amenisarei assim a .sec-
ção confiada á minha penna arida.
Confesso, porém, que preferirei
trasladar para aqui trabalhos de
senhoras, e para principiar ahi 5elecção
váe essa poesia: A mulher 6 a humanidade vista
pelo seu lado tranquillo; a mulher
A Turca 6 0 lar, 6 a casa, 6 o centro do
todos os pensamentos suaves. P]’
(Impressão dos Simples}
0 terno conselho de uma voz inno­
De bahií aos hombros e filbinho ao lado
cente, no meio de tudo o que nos
Vem a turca pobre pela estrada afóra. . .
envolve, nos imta e nos arrasta.
Certo não é leve, certo é bem pezado
Esse fardo todo que ella traz agora! Muitas vezes em torno de nos são
todos inimigos; a mulher ó o af-
Si o pequeno chora, ella sorrindo eanta!
fecto. Dernos-lhe o que lhe 6 de­
Si o pequeno canta, ella a sorrir se calai
vido. Demos-lhe na lei o logar a
Tein os olhos meigos como os de uma santa.
E ’ feliz si 0 filho ganha um pão de rala! que tem direito. A mulher con­
tém 0 problema social e o myste-
Muita vez encontra, pelo seu caminho. rio humano. Parece a extrema
Gente galhofeira que lhe faz insulto,
fraqueza, e é a grande força, ü
Fica então transida, pede a Deus baixinho,
Que de todo crime lhe conceda indulto. homem que ampara um povo pre-
I I2 A m e n s a g e ir a

cisa de se amparar a nma mulher. Francisco Lins - Deste distincte


E no dia em que ella nos falta, poeta mineiro ofíerecomos bojo aos
falta-nos tudo. nossos leitores um mimoso soneto,
VicTOK H ugo.
tendo 0 prazer de annunciar que
em breve apparecorá mais um li­
vro do applaudido auctor das Can­
ções da Aurora e Harpa das Sel­
vas.
entrada do anno Devido á gentileza do mesmo
Mez <le Janeiro, raez de alegria, illustre poeta, podemos inserir hoje
De novidade, em nossa revista um bcllissimo so­
Os cartõesinhos, em romaria. neto de Alberto de Oliveira e ou­
Levam carinho . .. fraternidade ... tro de Saturnino de Oliveira.,
Bemdicto seja o mez fagueiro Agradecendo ao talentoso minei­
Que nos exhorta ro 0 interesse que manifesta pela
Para o trabalho do anno inteiro, Mensageira, auguramos brilhante
Do qual é bella, florida porta!
êxito ao seu terceiro livro do ver­
P r e s c il ia n a D u a r t e d e a u m e i d a . sos.
A Mensageira em Paris 6 repre­
sentada por uma senhora franceza,
a esposa do nosso notável collabo-
rador e collega do Paix e do JH-
Trotas pequenas ario Popular, M.'"® Blanche Xavier"
de Carvalho, Ib Boulevard de Cli-
Collaboradoras — A Mensageira
chy.
váe de vento em popa, não lia du­
Chronica omnimoda. - Bor ha­
vida. E a prova ó que temos d’
ver chegado a ultima hora, deixa
ora avante, além da collaboração
de apparecer neste numero a Chro­
das mais eminentes escriptoras bra-
nica omnimoda, que tantos elogios
zileiras, o concurso das distinctis-
0 transcripções tem merecido da
simas literatas francezas M."'® Po-
imprensa.
tonié Pierre, M."’® Margueritte Du­
rand, redactora da Fronde, M."‘®
Marie Martin, M."‘® Cheliga e M.®"®
de Saint Croix.
Exultando de contentes, damos
as boas vindas a tão illustres au­
xiliares.
São Paulo 30 de Janeiro de 1898 Anno I, N. 8

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
DirestWFa — Presciliana Duarte de Almeida

Esta revista garante a sua publicação durante um anno.


Publica,-se nos dias 15 e 80 de eada mex.
P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m ero avulso
a d ia n ta d o Endereço: Rua dos Estudantes N. 23 | 1$000

S u m m ario: — Uma Santa, Julia Lopes ma pobreza, enti'ogara a sua alma


de Almeida; — Em Ouro Preto, soneto,
a Deus, como quem entrega uma
Aurea Pires; — Carta do R io, Maria
Clara; — Madrigal, Silvio de Almeida; flor ao noivo amado, com um sor­
— Pela mulher, mensagem de D. Eloy riso de graças.
Alfaro; — O meu ideal, soneto, Delmin-
da Silveira; — Chronica omnimada, J. Pobrosinha d'ella! o que nie sen-
Vieira de Almeida; — Soror Thereza, sibilisou, e que para um espirito
soneto, Manoel Viotti; — Com ares de pessimista seria talvez um veio de
chronica, Maria Emilia; — Pobre, soneto,
Francisco TAns ; — Horas vagas, Dolercs
hypocrisia por onde elle tentasse
A. de Aráujo; — Notas pequenas. descobrir o fundo miserável do co­
ração humano, foi a([uella sua falia
que nem Job a teve de egual pa­
Uma santa ciência:
E foi em S. Paulo, em uma ca­ «Eu dou f/raras a Deus por ter-
pital barullieuta e profana, recliei- me (lodo esta enfermidade : diuou
ada de grandes e de pequenos pec- que eu era muito bouitrnha, e
cados, onde o vicio se alastra es­ sendo tão pobre não podia ter-me
palhado pela aza veloz da civili- perdido e serrir de escandato á
sa(,-ão, foi om S. Paulo, em uma sociedade ? »
das suas ruas mais elegantes o Ter sido bonita e Icmbral-o. (pian-
faustosas que, neste atormentado e do não haja em todo o corpo um
atormentador fim do século, mor­ unico ponto (juo se não abra em
reu uma santa! uma chaga nauseabunda, deve ser
No ultimo dia do anno de 97 um dos martyrios mais ferozes pai'a
um jornal noticia sem espanto, com uma alma moça. Ter sido bonita,
uma simplicidade digna do assum­ ter vinte oito annos, a cdade em
pto, que uma d. Maria, de vinte o (|ue os sonhos tem mais consis­
oito annos, minada ha mais do tência. 0 coração mais força c o
quinze pela morphea e em extro- amor mais dolirio, e não ter lábios
1 14 A M E N S A G E IR A

para o sorriso, mãos para as carí­ coroada de luzes gosa da paz e da


cias, faces para os beijos; sentir a alegria eterna.
carcassa mal vestida por uma carne Grande peccadora eu sou por
que se desfaz, uma pelle que se abrigar na minha ideia que maior
rompe e se contralie, é supplicio que virtude teve a enfermeira do que
uma alma heróica repudia por de a paciente . ..
mais Ínfimo e torturante. Lavar um corpo asqueroso, mu­
Aquellas palavras viriam do co­ dar-lhe os lençóes e a roupa, che­
ração, ou seriam já reflectidas, gar-lhe a comida á bocca, erguel-a,
emanadas de um fervor religioso sental-a, deital-a, estar quinze an-
que as dictasse, apontando-lhe o nos assistindo ás minas de uma
caminho do ceu ? creatura que se esphacella e apo­
Atiremos a duvida pela janella drece, embaixo das mesmas telhas,
fóra. Era uma santa, o Diário o comendo do mesmo alimento, be­
bendo da mesma agua, sem ser a
disse e eu quero crel-o.
sua mãe, nem ser a sua filha, 6
Foram irmãs de caridade e me­
que acho, de uma caridade ilimi­
ninas do asylo, vestidas de branco
tada, espantosa e perfeita. Não
ao seu sahimento, e fizeram alas
eram dois entes humanos que vi­
ao caixão que passava, abençoado
viam ju netos...
por um conego. o talvez dissessem
Não sei se haverá aqui, pela
com olhos húmidos e peito con­
minha velha cidade, alma que,
victo, como os outros da poesia do
como a de Maria Braulia, tenha
Crespo :
medo do amor e asco ao peceado.
— Como ella vae bonita!
Julgo que não. Estas grandes vir­
Talvez dissessem, porque a ima­ tudes são cada vez mais raras e
ginação e a sympathia, colorem e geralmente só se aninham em sei­
amenisara os mais tremendos as­ os que não tenham outro reme-
pectos, e uma santa 6 sempre sim- dio senão dar-lhes guarida...
pathica, principalmente para as Pobre Maria, a tua lingua não
meninas vestidas de branco — era dessas de dizer coisas que o
A estas horas, a sua enfermeira, teu coração lá dentro não sentisse.
que tantos gabos mereceu de pa­ . . . As meninas de branco que te
ciência, tenacidade e doçura, e a atiraram flores (é provável que
quem não sei que titulo caiba, re- tivessem levado flores) guardarão
sará talvez de mãos postas a S.‘“ na memoeria, emquanto vivas, a
Maria Braulia, que lá no Ceu, doce lembrança do teu enterro e
risonha c placida, já formosa e 08 teus exemplos sem par.
A M E N SA G E IR A
II5

Que Deus as mate já bem sos corações nesta vida tão cheia
velhinas e eutáo, doce Maria Brau- de sonhos e de mentiras!
lia, desce lá do teu throno, e, fe­ O amor ó sempre a causa dessas
chando os olhos aos seus pecca- quédas tremendas. A ’s vezes a vi­
dos, ahre-lhes os braços e acalen­ da de uma creatura parece desli-
ta-as, que os velhos são como as sar serena e calma como as a-
creanças, — gostam de festinhas... guas de um manso lago. Nenhum
JuLiA L opes de A lm e id a . leve pezar, nem o mais pequenino
desgosto turvam a serenidade de
seu viver pacato e feliz; de repente
muda-se 0 scenario, erapallidecem
os doirados raios de luz e sobre a
Ouro ^reto vida ha pouco povoada de appari-
ções formosas projectam-se apenas
Foi aqui nestas altas penedias,
Que parecem romper o firmamento,
dolorosas realidades. Apagam-se,
Que raiou fulgurante o pensamento como por encanto, as alegrias e
Da Liberdade, que pregou Messias. esperanças todas.
Tal foi 0 que se deu com uma
Foi aqui! — Diz a voz das ventanias;
doente, ha já algum tempo, nesta
Foi aqui! — Diz um velho monumento;
Foi aqui 1 — Tudo diz com sentimento, cidade, e que ainda hoje no Hos-
Contando a historia dos passados dias! picio Nacional de Alienados está
suhmettida a criterioso tratamento.
Salve! Cidade legendária e illesa!
Chama-se Theodora, a infeliz, e
Se hoje a moderna geração despreza
Teu passado de glorias e de sóes;
seu caso foi largamente commen-
tado pela imprensa diaria. Sua
Minh’alma ajoelha commovida e em pranto historia 6 muito interessante para
Beija o teu seio generoso e santo,
a medicina.
Onde pulsaram eorações de Heroes!
Tão acostumadas estamos a ver,
AUREA P ir e s .
em questões de amor, ingratidões
18%.
e perfídias que dizemos ser 0 caso
interessante para a medicina, unica­
mente. Theodora amava com todo
0 ardor de uma paixão purissima
e acreditava-se amada também. Pas-
0arta do ^io saram-se os tempos. Uma rival
Quantas vezes se não tem falla­ mais feliz despedaçou todos os seus
do das cruéis decepções que a to­ sonhos, todas as suas alegrias!
do instante encontram os amoro­ Theodora, de ha muito que des-
I 16 A M E N S A G E IR A

confiava de seu amacio, mas elle, da sciencia. Recolheram-na ao Hos-


0 pérfido, jurara-lhe eterna fideli­ picio, onde ha mais elementos para
dade e amor eterno. longos estudos e variadas experiên­
Avisos prudentes de velhos e a- cias scientificas. Ha pouco tempo
tillados amidos, conselhos carinho­ a doente acordou, foi a pouco e
sos e bons, tudo, tudo Theodora pouco despertando como quem
despi'esava para só crer em seu acorda de um somno natural; não
amado ! pode fallar ainda, mas ouve, traba­
Um dia, lendo na Gazeta os pro­ lha, alimenta-se regularmente e as
clamas de casamento deparou su­ vezes sorri.
bitamente com 0 nome clelle e o Vi-a no Hospicio, um dia destes
da outra. e senti uma grande compaixão ao
Era certo, não havia duvida, ali vel-a! (3 interno, õ.° annista de
estavam aquelles nomes que lhe medicina, a cuja gentileza devo o
queimavam os olhos como se fos­ favor de me haver mostrado a do­
sem de fogo. O qu 3 pensou nesse ente. disse que ella por ora não
instante a pobre abandonada? Nin­ fallava por ter uma paralysia na
guém soube, nenhuma palavra ar­ garganta, mais tarde é provável que
ticulou, apenas estatica, dura, hirta, fique completamente restabelecida.
com as unhas enterradas no jornal, Fiz-lhe algumas perguntas que ella
os dentes cerrados e pallida como promptamente comprehendeu e sor­
se estivesse morta, cahio de todo riu.
0 cumprimento, vencida pela gran­ Pobre victima do amor! O mun­
de dor d’aquelle golpe fatal. do dá tantas voltas e é tão bei la a
Correrram todos, acudiram pres­ lei divina da compensação que eu
surosos, foram prestados todos os não me admirarei se um dia en­
soccorros medicos o nada fazia com contrar Theodora completamente cu­
que ella tornasse á vida. rada, resignada, consolada e casada
Morta! morta! pensaram todos. ...com outro. Ella, pelo muito que
Distincto facultativo aífirmou en­ já soffreu, mais do que todas, tem
tretanto que aquillo não era a morte, direitos a ser largamente compen­
era um somno, uma especie de morte sada !
6 verdade, mas emfim era um
somno. Muito bonita está a exposição de
Durante 20 longos mezes dormio pintura de Fachinetti e Maria For-
Theodora; os medicos interessados neiro e.seus discípulos, na Ladeira
por esse caso tão curioso trataram- da Gloria. Vi muitos quadros que
na com todo 0 carinho e desvello mc impressionaram agradavelmente.
"Il

A ^rENSACTErRA I I

0 atelier é muito bem montado, de flores á D. Maria Forneiro, Snr.


lia muita luz, muito espaço e so­ Fachinetti o seus talentosos alum-
bretudo bellissimos panoramas desta nos.
incomparável Guanabara. O Snr.
Facbinetti é um velho que faz pro­ Aviso util ás mães de familia:
gressos. Sua maneira de pintar de não consintam em vossas casas uma
boje é muito melhor e mais agra- ave que 6 muito prejudicial a aves­
davel do que a de outros tempos truz. Ha dias deu-se nesta cidade
em que a sua demasiada minucio- um facto dolorosissimo. Uma me­
sidade prejudicava muito a seus nina que eu conheço e estimo, de
quadros. Uma vista de Tlieresopo- 6 annos de edade, bonita, intelli­
lis «Eífeito de manhã» é um attes- gente, sadia e alegre, foi victima
tado de seu progresso. As sombras dessa ave cruel.
são muito bem projectadas e ha Era uma tarde bonita como são
uma alegria nessa tela, uma alegria as tardes de verão nesta terra.
communicativa e franca que faz A menina transpunha o degráo
bem a alma. Para nós, acostuma­ da porta da rua p.“ brincar com o
das ás magnificiencias deste ceu de irmãozinho, no jardim. Vinha vin­
anil e ás perspectivas tão grandio­ do, a pequena distancia, um carre­
sas quanto encantadoras desta na­ gador trazendo ao collo uma aves­
tureza exhuberante e rica, o quadro truz.
a que me refiro 6 um estudo con­ A menina mal teve tempo de
sciencioso da nossa terra. Sente-se fitar 0 homem que trazia a aves­
que aquellas arvores, aquella luz, truz, quando esta, trahiçoeiramente,
aquelle ceu são nossos, são do Bra­ desprende-se dos braços possantes
zil. do carregador, que não ponde con-
Ha ainda muitos quadros do va­ têl-a e certeira como uma flecha,
lor, (jue eu não menciono por falta fura com o bico esguio um dos
de espaço. olhos da formosa creança. Não
A «Praia de Icarahy», vista em houve um segundo de demora na
uma noite de luar, forma um gran­ realisação deste desastre. A ave
de quadro muito harmonico e bo­ chupou 0 olho da menina, deixan­
nito. D. Maria Forneiro é irmã de do na órbita um vacuo profundo
Domicio da Gama e como seu irmão e medonho.
possue muito talento e amor pelas O carregador, embaraçadissimo,
artes. não podia explicar como se déra o
Termino esta ligeira e despreten- facto, affirmou entretanto que a a-
ciosa noticia enviando um punhado vestruz quando se desprendeu de
I i8 A M E N S A G E IR A

seus braços teve uma força enorme^ não queria, tinha receios e bem
inqualificável, força muito superior fundados,, por isso continuava a
á sua. trabalhar n’aquillo que sabia.
Tanto chorava o pobre homem, Decididamente 6 um grande phi-
como a creança e as pessoas de losopho esse cocheiro! tem a rara
sua familia em vista desse desastre. virtude de conhecer a sua igno­
A menina já está hoje com um rância!
olho de vidro, pobrcsinha! M aria C lar.v da C unha S antos.
Real mente os olhos de Laura, de
tão bonitos e scintillantes que eraiá,
causavam admiração geral.
A inconsciente avestruz se dei­
xou fascinar também e tomou-os,
O meu ideal
quem sabe? por brilhantes negros.
Tenho pena de encontrar a formosa No porte a distincç-ão nobre e correcUi
cheia da graça natural que eneanta;
Laura assim deformada ! Pobre
nos olhos — doce luz que nie aquebranta —
creança!
um reverbero de alma de Poeta.

Como canto materno que aquieta


tebril infante co’a harmonia .santa,
Grande exemplo de philosophia derrama a sua vóz doçura tanta
acaba de nos dar, em Pariz, um que a negra dôr não mais minh’alma aflecta.
cocheiro de tilbury. Tirou uma
Tudo o que eu penso vejo em seus pensares,
sorte na loteria, de alguns milhares prefere o gosto seu tudo o (pie eu amo,
de francos correspondentes a 200 são como os meus seus íntimos pesares:
contos de nossa moéda.
e eu louca, louca! — o meu ideal — lhe
Pensaram os tilbureiros que te- chamo ...
riam um collega de menos, e que, mas, si existe a visão dos meus sonhares,
como é natural, o felizardo cocheiro debalde em seu amor meu peito inflammo !
fosse gozar sua fortuna e empregar D e l m in d a S il v e ir a
sua actividade em cousas mais al­
Florianopolis, Janeiro — 1898.
tas. Engano. O homem continuou
no seu modesto emprego, disse que
jamais se acostumaria com a va-
diação, que é um crime segundo o
seu caracter, e que não sabia tra­ ^ela mulher
balhar em outras cousas senão em
tilburys, como cocheiro. D. Eloy Alfaro, presidente da re­
Confiar seus capitaes a outros... publica do Equador, dirigiu ao con-
A M E N SA G E IR A I iq

grosso do son paiz a seguinte men­ ção nos empregos públicos, com­
sagem, que desejaríamos fosse lida patíveis também com o seu sexo?
0 meditada pelos estadistas do to­ Nos Estados Unidos a protec­
dos OS' paizes sul-americanos: ção especial que as instituições tôm
«Senhores deputados: — Nada dado á mulher está proclamando
6 mais doloroso do que a condi­ 0 aperfeiçoamento social desse
ção da mulher em nossa patria, grande paiz.
onde, empregada nos affazeres E não se diga, conforme o pes­
domésticos, 6 limitadíssima a es- simismo egoista de muitos, que to­
phera da sua actividade intelle- das estas reformas na educaçãe da
ctual e mais estreito ainda o cir­ mulher tiram-lhe sua poesia e
culo onde póde prover a subsistên­ tranquilidade. Pelo contrario: a
cia, independente e honradamente. mulher instruida, a mulher que
Mostrar-lhe novos horisontes, fa- possue artes ou industrias, a mu­
zel-a participar das manifestações lher que trabalha e adquire a ex-
do trabalho, compatível com o seu periencia que dá o contacto mais
sexo, chamal-a a collaborar nos immediato com a vida real, em vez
concursos das sciencias e das artes, de prejudicar a vida domestica, ó
ampliar-lhe, numa palavra, o campo um grande auxiliar para a familia
de acção, melhorando-lhe o porvir. e uma prenda valiosa para o es­
6 assumpto que não devemos es­ poso, porque, retemperada sua al­
quecer. ma no realismo, suas idéas acerca
No Equador, especialmentc, nada da fidelidade e da honra — seu
SC fez para melhorar a condição melhor patrimônio — chegam a
da mulher e não 6 justo que uma ser mais claras e mais perfeitas,
assembléa illustrada e composta de e mais solida por conseguinte a
liberaes encerre suas sessões sem ter educação moral que recebem os
iniciado siquer a reforma nesse filhos de taes mulheres.
sentido. Praticamente demonstra a asser­
Porque não se franquearem á ção anterior a mulher da America
mulher as portas das universidades, do Norte, onde as leis protegem
afim de que se dedique ao estudo decididamente o bello sexo dando-
das profissões scientificas? lhe garantias e concedendo-lhe di­
Porque não se lhe proporcionam reitos que levantaram seu nivel a
institutos especiaes para a apren­ um tal gráo, que 6 prodigiosa a
dizagem de artes c efficios, pró­ actividade em que se desenvolve
prios de seu sexo? a influencia feminina nas distin-
Porque não se lhe da participa­ ctas manifestações da vida.
I 20 A M E N S A G E IR A

Convencido da importância de emancipem a mulher equatoriana


quanto deixo exposto, iniciei no deste estrcitissimo circulo em que
periodo da magistratura suprema vive, e lhe proporcionem a oppor-
protecçcão á mullmr, empregan­ tunidade de levantar-se a um ni-
do-a nas administrações de correios vel que offereça abundancia do re­
e estabelecendo uma classe de cursos para sua subsistência hon­
télégraphia para moças. rada.
i\Ias como não 6 possivel ficar­ 0 tempo encarregar- se-ha de
mos no principio, compete á as- mostrar as vantagens das reformas
semblca de 1897 aperfeiçoar a pro­ neste sentido, e a historia fará jus­
tecção iniciada, dictando leis que tiça a quem a puzer em pratica.»

Madrigal
('Ikema de Stàly)

A iitn dia succede mais um dia,


Depois de um arrebol — outro arrebol;
Mas seus olhos, repletos de magia,
.Já não me voltam, como volta o sol ...

Komanticas e frescíis, profluiram


Noites de estrellas, noites ideaes;
Mas não refulgem, como refulgiram.
Seus lindos olhos, que eu não vejo mais ..

E, si os astros não morrem, certamente


A luz dacjuelles olhos não morreu;
Pois dentro em mim perdura docetnente
O commovido olhar que me prendeu .. .

1898.
S il vio d e A l m e id a .

Ohronica omnímoda 0 organismo nacional sente-se


rejuvenescer.
Sorriem esperanças aladas, no
Começa o novo anno ! . . .
ambiente social.
A M E N SA G E IR A I 2 I

E a não ser um artigo do Rap­


pel, enaltecendo as qualidades do
Mal terminas a tua primeira candidato á . . . ogeriza dos Bis­
quinzena, 6 malsinado anno novo, pos 0 ... outros Dioclocianos; nin­
e já nos trazes acontecimentos, ca­ guém diria que, em monos de dois
pazes do abastecer, fartamente, o mezes, o sr. Prudente de Moraes
rosto do cyclo, que se lia de fin­ vai ter um substituto constitucio­
dar pelo S. Silvestre. nal.
Ainda não sabes ensaiar os teus 0 futuro presidente, no seu
primeiros passos e queres já col- ameno retiro da Consolação, me­
locar 0 Pellio em cima do Ossaü! dita sobre o mais seguro meio do
Para um anno que se preza, já escapar ás iras do jacobinismo im­
não 6 pouco! ... penitente ...
E si não fossem esses ... ossos
do officio, parece que a sua elei­
ção 0 preoceuparia menos do (jue
Logo após os cumprimentos de uma chuva de pedras, no Banha­
bons annos, tivemos mouro na rão !
costa; Umbria andou se fingindo
Ninguém ouviu fallar de uma
de arrufado e não quiz communi-
conferencia de um candidato, que
car com a barra do Rio de Ja­
aliás foi tribuno da propaganda;
neiro. nem de um comicio, para a ex­
Os pessimistas já estavam sen­ posição do programma: nem mes­
tindo 0 cheiro de outros protocol- mo do uma simples circular ao res­
los e de novas sangrias, no corpo peitável corpo eleitoral da nação!
hyperanemiado do erário publico!
Talvez digam que a plataforma(V)
Graças porém, a nossa bôa es-
do theatro (S'. José basta ...
trella, o conde Antonelli, ha dias,
Não parece. Nos Estados Uni­
apresentou no Catette, o comman­
dos, terra de onde se transplantou
dante do referido vaso de guerra
para aqui o nosso muito citado e
e . .. no quartel de Abrantes ...
muito sophisticado Estatuto funda­
mental, procedem de maneira dia­
metralmente opposta.
A campanha presidencial jaz na Uma campanha presidencial alli,
mais completa das apathias, como é um negocio muito sério c muito
(piem se julga ultra segura do seu afanoso; principal mente afanoso!
Aqui ... antes pelo contrario !
bom exito.
I 2 2 A M E N SA G E IR A

estado de sitio e reduzido á uma


verdadeira praça d’armas!
Entretanto, em quanto I’eina a E tudo isso por que foram, r/o-
paz a mais octaviana, pela Conso­ hntamcnte,, demittidos os inspo-
lação e avenidas adjacentes; a hy­ ctores nvsímios do certo arrabalde,
dra da anarcliia agita o collo alti­ ontróra glorioso feudo da muito
vo, nos arrabaldes do Braz e da referida hydra!
Villa Marianna!
No primeii‘0, os inspectores de
quarteirão e dos ... capoeiras, ao E não fallemos ainda do calor
que dizem, forain demittidos, em que nos dossora, do cambio que
massa ! nos vai tragando, aos boccados, e
A posada maça (sem trocadilho) das epidemias que nos andam a
do Delegado de Policia do distri- minar, lentamente! ...
cto cabin desapiodadamente sobre Na verba — lucros e perdas do
as suas cabeças insontes, reduzin- balanço, que ainda agora se abre,
do-as á o.xpressão mais simples; podem se lançar todas estas par-
qucr dizer, precipitando-as no abys- cellas, que constituirão a somma
mo do anonymato, de onde, pelos total das desgraças, com que elle
modos, jámais deviam ter sabido, terá de fechar o seu livro-caixa!
para tranquillidade dos gallinaceos,
e paz e descanço dos respectivos
possuidores.
A lista dos anjos delicadamonte Foram estos, si quizerern, os pre­
convidados a mudar de clima ex­ lúdios da cavatina que nos pre­
plica sufficientemente a predilecção tende executar o joven ... maes­
por esse genero de . .. desporto ! tro ...
Não era de politica federal, ou Entretanto . .. no dizer dos op-
republicana que elles deviam mes­ timistas e dos poetas lyricos, no
mo cogitar; era de adquirir uma começo de cada anno, sorriem, no
chocadeira m echanical... ambiente social, as esperanças ala­
p]m Villa Marianna, a hydra se das!
desentranhou em assassinatos e O organismo nacional se reju­
balbúrdias concomitantes ... venesce, por que começa o anno
O arrabalde outr’ora pacifico, e novo! ...
cujo policiamento se fazia, ape­ Pois, sim! ...
nas, com alguns frascos da quina S. Paulo, 15 — Janeiro — 1898.
— França Pinto; hoje, se acha em J. V ieira de A lm e id a .

1} 1
A ^í ENSAGÍ-ÍRA 123

Soror Thereza guerra de certos jornalistas): que,


Ao Dr. Xavier de Toledo a terem as mulheres profissões ti-
hcraesi, firm'd 0 lar abandonado,
Soror There/.a, veste-a a compostura
perecerá a família, e cousas ana-
De uma doce Madona de Sorrento;
logas ...
No rosto, leve traço macilento,
Empannado de mystica doçura. Ora, a refutaçcão dessa douti'ina
c tão facil que até nos proprios
('amiiiha pela tácita clausura
domínios da vida do homem en­
Do plácido retiro de um convento,
Abroquellada no arrependimento. contramos argumentos contra ella.
Cheia de graça, cheia de amargura. Ponjue poderá 0 homem ser lite­
rato sem abandonar seus deveres
Sempre vergada á compuncção da prece,
Naiiuelle lino involucro fenece do empregado publico, como Ma­
A ridente crysalida do amor. chado de Assis e Arthur Azevedo;
sem esquecer os seus livros de
O olhar voltado para o céo, indaga
Um noivado feliz naquella plaga. jurisprudência, como Lucio do Men­
Longe do mundo e perto do Senhor! donça; sem deixar a sua cadeira
S. Paulo, 1898. do professor, como Silvio de Al­
M a n o e l V io t t i . meida, Arthur Lobo e Carlos de
Laet; sem faltar ao seu serviço no
commercio, como João Luso; e a
mulher terá forçosamente de aban­
donar a casa porque nas horas
0om ares de chronica que lhe ficam de seus lazeres es­
Parece iinpossivel que cni pleno creve um soneto ou faz uma tira
século das luzes, quasi á entrada de prosa? E’ preciso muito ca­
do século vinte, ainda se vejam pricho de imaginação para crer
umas tantas phrases fúteis e balo­ em tal.
fas, cansadas de correr mundo, Quanto ás profissões liboraes para
repetidas por homens que gosam a mulher, ainda é mais forte a
dos foros de civilisados e intelli­ guerra dos defensores do lar.
gentes ! Em tanto, leitora amiga, Todavia, 6 em nome do lar, 6
tu que lês os diários das grandes em nome da grandeza de amor, 6
cidades, pasmas, como ou, certa­ em nome do altruísmo da mulher,
mente, diante de tanta improbi­ que todo homem sensato deve pre­
dade e incoherencia. munir suas filhas com uma edu­
Que a literata jamais será hôa cação solida e uma profissão que
dona de ca.sa, (precâvenham-se as garanta sua subsistência indepen­
escriptoras solteiras contra essa dentemente do casamento. A mu-
1 24 A M E N S A G E IR A

Ihcr preparada assim para a vida, Não, os retrogrades preguem suas


confiando em si mesma, só verá doutrinas estacionarias, mas, por
no casamento essa felicidade in­ Deus, não nos venham dizei- que
comparável da familia e do amor, 6 em nome do amor e em defesa
só se casará por affeivão, não terá do l a r !
*
de ceder diante das circumstancias, i}í
como no systema social até hoje E poi' hoje despeqo-me da lei­
estabelecido, em qiie a mulher, tora, dando-lhe a ler essa bella
ame ou não ame, encontre ou não
poesia:
0 seu ideal, tenha ou não 0 cora-
(,*ão preso á imagem de um noivo Estrella e flor
morto, ha de, irremediavelmente, «Como te invejo, percfçrina estrella,
ou casar-se, violentando os seus Pharol eterno de uma luz tão bella.
mais santos sentimentos, ou então Dissera a pobre flor,
Eu vivo, mas minli’alma suspirosa
resignar-se á triste condi(,‘ão de
Teme a morte, (pio é certa, e tu, radiosa,
viver de favores, dependendo do
Não perdes o fulgor!»
canto alheio 0 sobrecarregando os
Não me invejes, dissera á flor a estrella,
parentes.
A vida mais feliz é a mais singela
Eduquemos nossas filhas com a Também a mais temida.
sobranceria e coragem para vive­ Já me canço de ser eterna e creio
rem por si, sem nos esquecermos Que (juando a morte não nos traz receio
de que a mulher, como 0 homem Bem pouco vale a vida!
também, só encontra maior somma Eu, se morrer pudesse, bem (piizera.
de felicidade no aconchego do lar Por mansolco teria uma chimera.
e da familia. Mas, não as condein- Por prece uma illusâo.
Como havia, meu Deus, de ser formosa
nemos a estabelecer esse lar sem
morte de uma estrella luminosa
a base fundamental do sentimento,
Perdendo o seu clarão!
nem a viver como parasita.
Morreria, talvez, como a criança.
Demais, a mulher feliz, a mu­
Ou mesmo como morre uma esperança
lher casada por amor, não está
Cheia de vida e luz!
sujeita a enviuvar, a ter de sus­ E a noite suspirosa então viria
tentar com 0 seu trabalho os fi­ Cantar a serenata da harmonia
lhos extremecidos? Não está. su­ Que a noss’alma seduz!
jeita a ver 0 esposo impossibilitado M a r ia Cl a r a d a Cu n h a Sa n to s.

de trabalhar em consequência de
Que tal? Não é um bonito sur­
um incommode (pialquer? Km taes
to de imaginação poética?
emergencias a profissão da mulher
não 6 a garantia do lar 0 do amor? M a r i a E m il ia .
A M E N SA G E IR A I2 S

"pobre 1 Apezar da mudança brusca que


soffrem espirites que sabem do des­
A Saturnino de Oliveira
lumbramento da pliantasia, onde
Antes assim! Preíiro-a humilde c pobre, impera mais o goso do que o sen­
Cheia de amor, de graça e de pureza ...
timento, não encontram elles, to­
Quem neste mundo maior bom descobre?
Onde melhores prendas, mais riqueza? davia, motivos de iiueixiime contra
esta localidade em que se misturam
Vivendo assim, possue uma alma nobre, os encantos da natureza com os
Vale mais do que vale uma princeza !
privilégios da arte.
Em sua alma o peceado não se encobre . . .
Foi sempre honesta e vive no pobreza!
Nuvens e mais nuvens de almas
gentis emigram, como andorinhas,
Por isso, quando deante desta porta n’ uma (piadra especial para este
Ella, sorrindo, passa . . . que alegria !
cantinho bemdito, onde os myste­
O seu franco sorriso me conforta!
riös do amor vivem a par do mais
Sim, me conforta e alegra, c eu lhes garanto alto cultivo intellectual.
Qne, se ficasse millionaria um dia, E fiii nesta povoação bastante
Para mim perderia todo o encanto! conhecida que eu tive oceasião de
F rancisco L ins observar, com tristeza infinda, uma
das scenas mais pungentes que guar­
do nos archivos lugubres de minha
memoria: —
Desterrada por uma d'estas tem­
pestades financeiras que convulcio-
Horas vagas nam sempre o seio da alta aristo­
A ’ PresrÀliana Duarte de Almeida cracia, viera para estas plagas, uma
São em geral detestáveis as al­ fand lia cujos vestigios de antiga fi-
deias mineiras. dalgia emprestavam ainda um certo
Dentre, porém, o resumido nu- brilho aos terrores da ruina nas­
mei‘o das que se podem considerar cente.
pittorescas, salienta-se o poético Uma vez ahi residente, procu­
Caxambú, que é de continuo visi­ rava 0 chefe de tão desventurada
tado pela fina flôr da civilisação. grei captivar, com as armas de seu
que, cansada das agitações constan­ espirito de homem diplomado e cul­
tes dos grandes centros, procura to, as sympathias da elite aldeã, o
neste adoravel recanto, um abrigo que a custo conseguira pela des­
para as fadigas espirituaes e um confiança nata que preside sempre
retiro para a alma já gasta e des­ ao sactos d’aquelles que vivem ar-
cuidada da contemplação do ideal ! ! redios do cultivo social.
I 2Ó A M E N S A G E IR A

Estabelecida, porém, a corrente minável pela falta de compaixão


affectuosa da convivência, tudo in­ com que tratava aquelle que fôra
dicava que aquella casa ia read- a vida dos seus dias.
querir os fulgores de outr’ora. Dos constantes attrictos havidos
A esposa moça, bella e graciosa, entre elles, nascera a desorganisa-
parecia esquecida dos soffrimentos ção completa, e os proprios filnos,
recentes e, animada pelo acolhi­ incitados pela mãe, repudiavam de
mento generoso que tivera, já pre­ um modo barbaro até o desgra­
via gosos imnumeros para os filhi- çado pae.
nhos, a quem desejava dar uma Como tudo obedece, porém, aos
educação correspondente a sua as rigores ephemeros do mundo, este
cendencia. lar teve também o socego de seus
Má estrella, porém, presidira ao destroços.
enlace d’aquelle par, pois, se a es­ Ninguém cogitava mais d’aquelle
perança lhe sorria com os seus ver­ templo de desgraça, nem mesmo
des multicores era de súbito sub- para levar uma esmola de caridade.
stituida pela côr negra que prophe- A indifferença humana castigou
tiza sempre um futuro lutuoso. por demais aquelles que não tinham
Passados os primeiros mezes, nos direito ao aniquilamento moral.
quaes os recursos tirados de um Fôra assim que se passaram an-
emprego honesto davam para sub­ nos de uma miséria immensa, cur­
sistência farta, começou a nova se­ tida ao pezo de uma vergonha ex­
rie de martyrios que marcava a trema; atéque a lei da morte, esta­
segunda phase de decadência na belecida para equilibrio social, vem
vida d’aquella infeliz familia. recolher á terra o que já era qua-
Lavrara no seio da sociedade em si pó, porque o espirito já se ha­
que viviam a suspeita e o despres­ via evolado ha muito.
tigio contra o seu representante di­ Foi então, em pleno inverno, que
recto, pelo pouco escrupulo que o expirou 0 homem nascido em ber­
carectisava, tornando-se constante­ ços de setim e amortalhado nos
mente pouco respeitável pelo esta­ risos do cynismo.
do menos lisongeiro de seu cerebro. Espalhada a noticia e determi­
Dias cheios de commentarios e nada a hora do enterramento, um
commentarios repletos de dissabores, grupo lutuoso de homens, levados
choviam sobre o destino d’aquellas talvez, mais pela superstição do
creaturas. que por sentimento de piedade, di-
A mulher, que fôra a principio rigio-se era busca do cadaver, na
um typo de carinho, tornou-se abo­ hora em que o crepúsculo descia
A M E N SA G E IR A 127

sobre a terra, envolto nos nevoei­ nebre da morte para que com ri­
ros de uma tarde de Maio. sos e não lagrimas, deixasse esta
Nem uma lagrima cahira sobro vida onde nem mesmo mostrar po­
a face cadavérica, nem um goivo de 0 quanto sabe amar.
solto sobre 0 caixão! Se eu morresse, dizia ella, ao
Apenas 0 dobrar dos sinos an- menos commigo seria sepultada a
nunciava aos curiosos que 0 enter­ sua imagem que tanto softrer mo
ro ia passar, porque nem mesmo faz, porém rigores da sorte me pa­
as melodias fúnebres de uma or­ recem reservar para assistir aos hym-
chestra se fizeram ouvir!... nos que em honra á minha rival
Impulsionada por um sentimen­ se farão executar no dia do seu
to tétrico, fôra vêr a passagem do noivado.
feretro uma senhorita, franzina, pal­ E é n’este contrasto simultâneo
lida e sensivel. que se cnoca a humanidade: — 0
Firma 0 olhar e descobre entre exemplo entristece, mas a idéa não
a negra multidão um cavalheiro abandona o caminho que trilha.
esguio, que, i-esguardando-se da Apozar de demonstrar-lhe a ra­
impertinência do frio, trazia um zão esclarecida que 0 amor, embo­
longo sobretudo preto. ra correspondido, tem ás vezes ne­
Silencioso, caminhava em dis­ gro fim, ainda assim, não podia
tancia respeitável; tinha a cabeça aquella moça pallida e sensivel
ao ar e 0 pensamento longe do lo- deixar de amar, de amar muito,
gar. fervorosamente, com todas as véras
Segue a moça com 0 olhar 0 de seu fraco espirito!!
vulto do seu amado, sem mesmo D o i .ores A lc .sntar .v dk A rau .io .
se lembrar do triste que se des­
pedia ao abandono da vida! Caxambú, 7 de Dezembro 97.
Some-se 0 cortejo fúnebre...
Voltando das paragens dos so­
nhos, aquella creatura amorosa en­
xerga, em torno a si, mil lábios que Trotas pequenas
lamentam a desgraça do sepultado,
e, no emtanto, no seu intimo, sente Jornal Feminino — As senhoras
d’elle inveja bastante intensa aquel­ francezas podem já orgulhar-se de
la alma de moça que comsigo pen­ possuir uma folha diaria exclusi­
sava — . vamente dirigida, administrada, es-
Bastar-lhe-ia a certeza de ser cripta e typographicamente com­
pelo seu amor levada ao lugar fu- posta por mulheres. A nova folha
1 28 A M E N S A G E IR A

in titu la -s e La Fronde c tem coTno O auctor das Semsahorias M e-


(lire cto ra iiin a s e n lin rade n otavel trieas, o poeta octogenário, tem
e s p irito e g ra n d e distincção, publicado nada monos de quatorze
D e rv o u d de V a lfir e . livros de versos, os quaes tem re­
No seu cartaz de annnncio, La cebido a consagração dos compe­
Fronde definiu assim seu program­ tentes.
ma: «As mulheres pretendem ter Agradecendo a remessa dos
0 direito do dar official mente a seus interessantes trabalhos, offe-
sua opinião sobre todas as ques­ cemos ás leitoras o seguinte sone-
tões (pie interessem a sociedade e tilho. que faz parte dos Sonetos.
a humanidade. La Fronde será o
A moça beiTi educada
écho fiel das suas criticas, das suas
não deixará de ser bella
approvações, das suas justas rei­ por temperar a panella
vindicações.» que fique bem temperada.
Os nossos collegas da Nação,
8e, ao serviço habituada
noticiando o apparecimento do La
enfia o pé na chinela,
Fronde assim se exprimem : «Ate e vai fazer a barrela,
0 presente, o feminismo não se tem sempre ruiipa lavada.
tinha de forma alguma assignalado
Para a donzclla mais loira
senão por excentricidade ou exag-
não é deshonra a vassoira,
gerações de linguagem que eram que varre pulgas e cisco.
apenas ridiculas.
Agora, porém, começa a affir- Nestes misteres perita
a jovem Maria Rita
mar-se d’uma maneira seria, sem
é digna de um bom Francisco.
todavia, ser prejudicado, pela so­
lidez de fundo, a elegancia da Livros — Temos sobre nossa
forma. mesa de trabalho o Livro das Cri­
Portanto os nossos emboras á anças, de Zalina Rolim; Contos e
graciosa confrade e consideremo- Phaniasias, de José Vicente So­
nos felizes se um franco successo brinho; Primeiro, segundo o ter­
coroar esta iniciativa interessante.» ceiro livro de leitura e Historia
Sonetes e Sonetinhos e Produc- do Uraxü, de Maria Guilhermina
ções da Caducidade. — (3bse(piio- Loureiro de Andrade; o Primicias,
samente enviou-nos estes livros de do Carvalho Aranha.
sua lavra o Padre Corrêa de Al­ Agradecemos a remessa desses
meida, decano das letras mineiras livros, dos quaes a Mensaíjeira fa­
e um dos poucos poetas satyricos lará opportunamonte.
da actualidade.
São Paulo 15 de Fevereiro de 1898 Anno I, N. 9

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direotora — Presciliana Duarte de Almeida

Esta revista garante a sua publieação durante um anno.


Publica-se nos dias 15 e 30 de cada mex.

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno ! N u m ero avulso


a d ia n ta d o Endereço : R ja dos Estudantes N. 23 1$000

Summario: — Ainda um assumpto fe­ todos estes, quando os sons de uma


minino, Pelayo Serrano ; — Soneto, Zalina
linda valsa convidam a dançar, ou
R olim ; — Carta do R io, Maria Clara;
— A luz da Lua, soneto, Aurea Pires; 0 sabor dos licores desafia a musa
— Chronica omnimoda, J. Vieira de do brinde, é a princeza dos salòes
Almeida; — Aves e corações, soneto,
e a estrella que mais brilha nas
Presciliana Duarte de Almeida ; — Im­
pressões de leitura. Perpetua do Valle; grandes solemnidades, volta a ser
— Ventura, poesia, Georgina Teixeira; no dia seguinte, na opinião dos
— Selecção — Por terras e mares, poe­
mesmos peritos, uma criança per­
sia, Cândido de Carvalho; — A mulher
é uma força activa na sociedade, M. manente, que não póde ter com­
Rennotte; — Notas pequenas. pleta autonomia, que não deve ser
abandonada a si mesma!... Que
quer dizer isto ? Como se explica
í^inda um assumpto
e justifica esta falta de coheren-
feminino cia e sisudez?» (b Não acharão
I os leitores que é funda a ironia,
mas exactissimo o juizo de To­
A lucta pela emancipação femi­ bias? De facto, nada mais fre­
nina, no Brazil, já tem despertado quente que, em nossas festas e sa-
a energia de sisudos combatentes. ráus, á hora em que espumam as
Tobias Barreto, o sabio sergipano, taças do bródio e sobre a cabeça
de saudosissima recordação, escre­ d’algum bem aventurado mocetão
veu bem a proposito: «A mu­ escorrem os effluvios doces de cas­
lher, que na opinião de todos os tos namoros, vêr-se um côro de
cavalheiros de um baile, ou de to­ vozes acclamai’ o doutor Ticio, ou
dos os convivas de um banquete, 0 senhor Martinho, para dirigir
inclusive legisladores e juristas, pois uma saudação ao bello sexo.
esta inclusão não vai de encontro Então, abrem-se os diques da
ao principio das incompatibilida­
des, a mulher, que na opinião de (*) Menores e houcos, cap. IV, pag. 81.
130 A M E N S A G E IR A

eloquência encommendada e lá sur­ que é a sua força irresistível.» (^)


gem á tona da palavra macia e so­ Mas a questão séria é outra e bem
nora do orador bellos vultos femi­ diversa; trata-se de soerguer a mu-
ninos, pátrios è extrangeiros; são Ihar, no Brasil, á altura das cor­
guerreiras, como Joanna d’Arc, Ma­ rentes modernas do pensamento hu­
ria de Jesus, Clara Camarão, Ma­ mano, de conferir-lhe a ambicio­
thilde de Agramonte ; santas e elei­ nada palma da bellexa do espirito.
tas do céo, como Prisca, Tliereza Para isso faz-se mister saber com
de Jozus, Joanna de Gusmão; no­ que elementos conta o mundo fe­
táveis talentos, como Sapho e Clo- minino, em nosso paiz, para aba­
tilde Tambroni, Staël e Beecher lançar-se, arrojadamente, á pugna
Stowe ; formosuras, eguaes á Maria de seus direitos sociaes.
Ephigenia de Alvarenga, Evange-
lina Cisneros, Maria de Borgonha II
e as decantadas Cleopatra egypcia
e Helena de T rov a ... E assim No meu artigo, (®) que A Men­
por dcantc. Não ha negar que sageira em .seu sétimo fasciculo
tudo isto é muito agradavel, mas publicou, mostrei, ligeiramente, que
tem 0 seu tanto de ridiculo ; di­ uma pleiade de senhoras brasilei­
zer. por e.xemplo, ás nossas patrí­ ras já cuidavam de estudos sérios,
cias que ellas são portentos de já almejavam posições e renome,
belloza, possuem infinitos encan­ e, para firmeza do allegado, apon­
tos, nos attrahom pela doçura dos tei os nomes de varias, que me
modus 0 fulgor irrcsistivel do olhar, acudiram á penna. Hoje venho
é, além de um galanteio banal, addir alguns nomes áquolla lista.
coisa dita e redita, mesmo por gen­ Como poetisas, dona Nathalia Ma-
te não nascida no Brazil. Vêm a riot Gomes, distincta e conhecida
tempo citar Alberto Pimentel, es- sergipana, ha poucos mezes falle-
criptor portuguez : « ... a dama bra- cida; dona Elvira Gama, collabo-
zileira tem no coração o fogo dos radora assidua da Gaxeta de N o­
vulcões dos Andes, no olhar a do­ ticias., e que já publicou, sob o
çura do mel das jatahys, na melo­ pscudonymo de Sinká Miquelina
dia a voz a imisica divina das uma .serie de cartas no Pnix. Dou-
avos canoias do seu paiz. Ella
(■^) O Descobrimento do Braxil, roman­
encanta e fascina, mais que ne­ ce original — 189õ, Adcertencia previa,
nhuma outra, pela brandura da pag. X II.
(^) Vide Intellectualidade fem inina bra­
sua condição, pela meiguice do sileira, na Mensageira, de 15 de Janeiro
seu trato, pela docilidade nativa. de 1898.
A MENSAGEIRA I3 I

toras em medicina e cirurgia, te­ citei, no artigo passado; é bem de


mos ainda as sras. Anna Macha­ vêr que taes cochillos são fataes e
do, em Belém do Pará, e Maria qualquer os cornette... Assim, Do­
Praguer, medica do hospital Santa na Presciliana Duarte de Almeida
Isabel, em São Salvador da Bahia; publicou seu primeiro livro de
e cursando agora 0 6." anno da poesias — Fyrikimpos e Rumore-
Faculdade medica da Bahia e 0 'jos — de collaboração com dona
2 ° anno do curso de Pharmacia, Maria Clara da Cunha Santos; do­
annexe á mesma Escola, estão as na Elvira Gama começou a escre­
sras. Laura Bahiense e Maria Vel- ver sonetos no jornal O Mineiro,
loso, esta sergipana. Si não me redigio no Jornai do Brazil a se-
falha a rebelde memória, li, ha cção Kinetescopio e escreveu nas
tempos, 1894 (?), que se doutorá- cartas de Sinhá Miquelina, como
ra, na Bahia, dona Graphisa de...(*) já foi dito ; (‘‘) dona Ignez Sabino,
a qual depois concorreu a uma bahiana de nascimento e educada
vaga de lente substito da mesma na Europa, tendo sido discipula
Escola de Medicina. Nas actuaes de Tobias Barreto, cá no Brasil,
bancas de exames preparatórios, tem publicado 0 poemeto abolicio­
na Capital Federal, tenho visto, nista Ave' hibertas!, os dons livros
pelo Diário Official, os nomes de de poesias Rosas Pallidas, Im­
varias senhoritas, que se estão sub- pressões, além dos trabalhos inédi­
mettendo aos exames de linguas tos Luctas do coração (romance),
e sciencias, afim de, com certeza, Mulheres illustres do Brasil, Noi­
se matricularem em cursos supe­ tes Brasileiras e 0 romance A l­
riores da Republica. mas de artista {^)\ dona Maria Be-
Como artista, lembrarei 0 nome nedicta de Borghman, rio-granden-
de Clotilde Maragliano, illuste can­ se do sul e conhecida sob 0 pseu-
tora paulista, que ora honra 0 no­ donymo Délia, (nasceu em 1855 e
me brasileiro, nas suas tournees falleceu em 1895), foi notável ro­
lyricas pela Europa. mancista, cujas obras principaes
Não posso deixar de rectificar são — As duas irmãs, Magdalena,
Aurelia, Celeste e Lesbia, «a sua
alguns topicos relativos a traba­
obra prima», no dizer de um bio­
lhos e escriptos já publicados de
autoras, nossas compatriotas, que graphe. (®)
{*) Artigo biographico, no Almanach
(*) Dra. Grafisa de Araujo Kamos, a Luso Brasileiro, de 1897. pag. 331.^
Notas biographicas, no annuario já
qual reside actualmente na capital da Ba­
hia e de quem recebemos, ha dias, honro- citado, pags. 307 e 306.
(®) Almanach citado, pags. 267 e 268.
sissima carta. Nota da vedacçao.
132 A M E N S A G E IR A

Aqui mesmo em Ouro Preto, re­ C’eat Dieu qui mit l’amour au
bout de toute chose,
side a exma. esposa do sr. doutor L’amour en qui tout vit, l’amour
sur qui tout pose !
Sizinio Pontes (medico e lente da V. Hngo.
Escola de Pharmacia), a qual se­ Vai-se acalmando a pouco e pouco, e sinto
nhora fez, ao que me consta, na Que a pàz lhe volta e as penas vão-se embora ;
antiga Instrucção Publica da Pro- Se nelle o amor não é de todo extincto,
vincia, todos ou quasi todos os A magua já não é tambem senhora.

exames de preparatórios para me­ Pobre amigo! a vagar num labyrintho


dicina. Como essa, varias outras De duvidas e crenças, hora a hora,
damas e senhoritas intelligentes Tudo entrevendo pallido e indistincto.
têm 0 meu e outros Estados bra­ Temendo a noite e desejando a aurora...

sileiros, todas ellas capazes de, com E a noite veio só, não veio o dia...
estudo, methodo, perseverança e Ai, coração, que a pérfida magia
inquebrantáveis mostras de virtu­ Do amor ao seio teu não mais aporte!
de, virem muito breve a formar
E elle, baixinho e manso e dolorido:
uma falange de batalhadoras sin­ — E ’ a morte ser, assim, qual fui, trahido,
ceras, poderosas e ousadas, tanto Mas viver sem amor é mais que a morte.
nos dominios agrestos da Sciencia, Z a l in a R o l im .
como nas regiòes ideaes da Arte.
Formem grêmios e associações,
fundem jornaes e revistas, levem
de vencida os tirocinios acadêmi­
cos, procurem as mais illustres e
0arta do ^io
felizes, com a sua influencia, avi­
ventar a campanha em bem da Desde creança que ouço falar
mulher e seus direitos, aqui, no com muito despreso sobre a falta
Brasil: e assim terão as nossas de segurança que ha. em segre­
virtuosas e dignas compatriotas pe­ dos eni bocea de mulher.
lejado, com 0 recato e moderagão Ha muita gente que diz: Con­
naturacs ao seu delicado sexo, pe­ fiar um segredo á uma mulher ...
la bella id é a — «Fazer da Brazi- 6 0 melhor meio de botal-o na
leira um modelo feminino de edu­ rua. no dominio publico.
cação e cultura espiritval^ activa, Nessa injustiça, o que nos dóe
dhtincta e forte». mais vivamente, o que mais nos
Ouro Preto— 1898. fére 0 coração, é ouvirmos essa
P ki.a v o S kiíi;.\'-o .
npiiiiiião de algumas mulheres.
Piiis bem, nesta i apitai, tivemos
— — agora um desmentido formal dessa
A M E N SA G E IR A
133

calurania que tem corrido séculos nuciosidades do processo senão de­


e gerações. Um facto altamente pois que a folha foi lançada á pu­
sympathico para 0 nosso credito, blicidade. Convém notar que a
acaba de se dar na Imprensa Na­ preferencia ás mulheres foi dada
cional do Rio de Janeiro. pelos homens, que quizeram occul-
Como se sabe, no trabalho ma­ tar segredos dos outros homens.
terial da fabricação do Diário Of­ E’ bella a lei da compensação;
ficial, muitas mulheres encontram se em parte 0 nosso descrédito vem
aqui elementos para ganhar sua de algumas mulheres que aberta­
vida, ora compondo livros e pagi­ mente falam de seu sexo, despres­
nando, ora auxiliando nos traba­ tigiando-o, vemos de outro lado
lhos de revisão e encadernação. alguns homens que sabem fazer
Um facto de subida monta — a pu­ justiça á nossa discreção e pre­
blicação do relatorio sobre 0 atten- ferem para uma emergencia me­
tado do dia 5 de Novembro, no lindrosa, como essa da publicação
Arsenal de Guerra, facto que tem do relatorio sobre 0 attentado de
agitado vivamente toda esta popu­ 5 de Novembro — as mulheres
lação, reclamava grande sigillo, ab­ e não os homens, que extremados
soluta reserva. em politica e com idéias diversas
Era preciso que os compositores poderíam esquecer 0 seu dever e
da peça official soubessem ser dis­ trahir a sua patria.
cretos. Uma só palavra, a revela­ Ainda bem, os factos vão des­
ção de qualquer dos pormenores truindo as aceusações insensatas.
do relatorio podería perturbar a Ningem mais venha dizer ao pé
ordem e 0 bom exito do mesmo. de mim: «Segredo em bocea de
Em taes emergencias, pensaram os m ulher___» Saberei defender 0
interessados nesta questão em ob­ sexo fraco lembrando o reconte fa-
ter para os trabalhos materiaes do cto a que acabo de alludir!
relatorio pessoas criteriosas, que
não trahissem ... que não contas­
sem os segredos que só a Policia «Livro das Crianças» é 0 titulo
tem 0 direito de perserutar e em de um formoso livrinho que Zalina
bôa hora escolheram para esse ser­ Rolim acaba de publicar. E’ todo
viço 22 mulheres. Nenhum ho­ escripto em versos — como os
mem trabalhou nessa composição, sabe fazer a inspirada poetiza pau­
as mulheres sósinhas fizeram todo lista — tem bonitas gravuras e foi
0 relatorio. impresso em Boston. O plano
Também ninguém soube das mi- dessa obra foi ti-açado pelo eme-
A M E N S A G E IR A
134

rito professor Dr. João Kõpke e é Os custosos e bonitos carros de


isto bastante para um sincero elo­ idéias ostentam toda a sua riqueza
gio. 0 Dr. Kopke tem o segredo e espirito passeando alegremente
do ensino. O magesterio para elle pela cidade na terça-feira gorda.
é um sacerdócio e um plano seu Os que a tanto não aspiram, os
deve ser o mais completo e edifi­ resignados, que não podem gastar
cante. Dando noticia do »Livro tanto dinheiro, contentam-se em
das Crianças» eu saúdo cordeal- passeiatas pelos arrabaldes, em
mente a sua auctora, a mimosa pequenos grupos. Esses, cançados,
poetisa que é também a talentosa suados, roucos de tanto dar vivas
Directora do Jardim da Infancia e perguntar: Você me conhece?
e desejo que continue a enrique­ divertem-se também lá a seu modo.
cer a nossa litteratura escrevendo Na quarta-feira de cinzas, quan­
livros tão uteis como o das« Cri­ ta tristeza, mãe do ce o ! quanta
anças» e tão formosos como o gente que perdeu o emprego para
«Coração». folgar á vontade nos 3 dias dedi­
cados a M omo!
Sei de uma amiga que em um
Transcrevendo de uma revista
sabbado de alleluia mandou o co-
ingleza o «Jornal do Commercio»
peiro, um rapagote de 15 annos,
disse que a imprensa de Londres
buscar um feixe de lenha á venda
tem a gloria de contar entre seus
próxima.
confrades a Kainha Victoria, em
pessoa. Sua Magestade dirige com Nunca mais voltava o copeiro,
muito talento o Court Circular^ minha amiga desanimou e deu no­
que publica quotidianamente todos vas providencias. Passaram-se os
os incidentes da Corte. A ’ noite tres dias da loucura, na quarta-
a Rainha revê as provas, trabalho feira de cinzas, muito cedinho, en­
que não confia a ninguém. A ca­ tra 0 moleque pela porta a dentro,
lamidade dos pasteis não é pou­ com 0 feixe de lenha ás costas,
pada á augusta directora do Court muito espantado, ainda vestido de
Circular^ tal qual como aos ou­ diabinho.
tros miseros plumitivos. — Que é isso rapaz, pergunta
a minha amiga.
— Nada, patroa, também o ven-
Approxima-se o Carnaval. Quan­ deiro, o caixeiro, o moço do açou-
ta alegria e quanta loucura! E ’ a gue e todos foram ___ não fui só
festa mais querida do nosso povo. e u ___foram todos.»
A MENSAGEIRA 135

0 copeiro decerto raciocinava Vai já grande azafama pelos bar-


assim: desde que a loucura é ge­ rações, erguidos em differentes pon­
ral, não é tão grave a minha falta. tos da cidade.
E elle tinha razão! Os carros de ideas sáem arma­
Maria Clara da C unha S antos. dos do bestunto do A U -Babá, co­
mo aMinerva antiga do cerebro de
Jupiter!
Eccôam as martelladas no tecto
ondulante da lona ephemera, tão
1^’ Luz da Lua oonvictas de concorrerem para a
glorificação do deus da Folia; co­
Eu scismo na varanda, eu penso no passado,
mo 0 ariete do povo-rei demolindo
Olhando a natureza amena e silenciosa.
as cidades, para servirem ao tri-
Que dorme á luz da lua, envolta em vaporosa
Roupagem de neblina. Eu scismo no passado!.. umpho pomposo dos seus generaes !
Apruma-se aqui 0 inglez, de
E sinto o corayão bater amargurado suissas ao vento, representando a
No fundo de meu peito. Ainda é mais dolorosa
já sediça personnificação do cam­
Na vasta solidão da noite mysteriosa
A saudade que afflige um ser desventurado! bio, que teima em não subir!
Empertiga-se alli 0 militar, que
E emquanto adormecida e calma a natureza. volta de Canudos e quer apresen­
Tão cheia de poesia e nobre singeleza,
tar candidatos á presidência da Re­
No regaço da paz descança livremente...
publica !
Eu scismo no passado I Eu vejo a imagem tua Aqui se insinuam os tractantes
Mais viva... mais radiosa! E á doce luz da lua de especies varias, alli se occultam
Scintilla o pranto meu correndo tristemente!
os intrigantes de espheras diffe­
A u r e a P ir e s .
rentes ...
Para todos elles tem 0 Carnaval
a gargalhada que entontece, ou 0
látego que retalha!

0hronica omnimoda
Pierrot, desenvoltamente, enfia a
vista por uma fresta da caverna! Bem comprehendido 0 ridendo
Tilintam os guizos e rufam as dos antigos, 0 Carnaval poderá ser
zabumbas! 0 terror de certos hypocritas que
0 Carnaval desponta no hori­ trazendo 0 anno inteiro a mascara
zonte ! . . . afivellada ao rosto, teriam então
de a contemplar desfeita em mil
136 A M E N S A G E IR A

pedaços, aos alegres insolentes dos Em resumo: são o culto desa­


sapadores carnavalescos! vergonhado da Carne!
Os tolos de diversas marcas se
haviam de vêr bem castigados de
sua vâ prosapia; lucrando, talvez,
a sua regeneração, nas annadas que Por isso foi que a Egreja catho-
0 recolhessem? lica, com aquella sabedoria que fez
O espirito, a verve de bom cu­ delia, incontestavelmente, a pri­
nho, podería ter então o seu rei­ meira das sociedades bem consti-
nado curto, mas brilhante; caso tuidas; oppôz aos desregramentos
comprehendessem os lôrpas de to­ do Carnaval a festa das Quarenta
dos os jaezes que a pilhéria inof- Horas!
fensiva não deve erabarafustar pe­ No pleno exercicio de seu di­
lo terreno escorregadio do insulto reito de mestra dos costumes^ quiz
pessoal! desviar os fieis das attracçòes des­
se abysmo!
Foi um verdadeiro cartel de de­
Entretanto, nos grandes centros safio, atirado ao materialismo do
populares, o Carnaval assume, in­ século, não ha duvida; mas a Egre­
felizmente, as proporções de legi­ ja de Jesus Christo, que venceu já
timas Lupercaes, com todo o seu outros combates muito mais renhi­
cortejo de desordens! dos, não tentou em travar mais
Kufam as caixas e guincham as este?
trombetas em todos os clubs, pon­
do tonteiras nas cabeças e tédio
nos espiritos. E assim é que observamos o mais
Os bailes, annunciados em todas frisante dos contrastes entre Jesus
as gazetas, com largo dispêndio de e Momo!
uma rbetoríca seduetora, são labo- A caverna, ou o templo!
ratoríos do mal, officinas da ini­ Deus, ou Baal!
quidade, de onde fugiría attonita a Ou affirmamos as nossas crenças
ingênua innocencia primeva! . . . christãs, ou nos atuíamos no pa­
Os préstitos aliás organizados com ganismo !
arte e, ás vezes, com certo gosto, Evohe! e Miserere! O ZéPereira
não passam de uma audaciosa evo­ e ... Francisco de Assis ! . . .
cação do paganismo e de um forte
incentivo para a corrupção dos cos­
tumes !
A M E N SA G E IR A 137

Confessemos que são agudíssi­


mas as pontas do dilemma! . . . j^ves e corações
Lá fora, estrondeiam as caixas
Junto da casa tosca, alegre e franca,
de rufo, — cá dentro deslisam as Situada entre mares de verdura,
contas dos rosários! V6a e revôa, inqueta, a nuvem branca
Os gritos avinhados das bac­ De uma pomba que o ninho, em vão, procura
chantes vêm morrer ás portas do Noivos felizos trocam, na espessura.
sanctuario, de onde se evolam as Beijos e risos que a ternura arranca,
notas mysticas das ladainhas... E a pomba ao vel-os, triste, assim murmura:
As hetairas, trescalando perfu­ «Pranto de solidão jamais se estanca!»

mes e sensualidade cruzam-se, nas Quantas vezes se inverte aquella scena,


ruas, com as virgens do Senhor, E uma alma grande, immácula e serena.
rescendendo ao incenso das cere- Chora de magua em magua succumbida !
monias sagradas e exhibindo nos
E invejando sómente 0 amor das aves,
rostos macerados os claros vestígios Não consegue jamais trilhar as naves
da penitencia! Desse templo do amor — o ceu da vida!
Confessemos que são agudíssi­
P r e s c iu a n a D u a r t e de A l m e id a .
mas as pontas do dilemma!
A caverna, ou 0 templo!
Deus, 0 Baal! . . .

“Impressões de leitura
Pierrot, desenvoltamente, enfia Livro das Crianças^ Zalina Rolim,
a vista, por uma fresta da caverna! 1898
Tilintam os guizos e rufam as Comquanto 0 nome de Zalina
zabumbas! Rolim encimando um livro fosse
0 Carnaval desponta no hori- bastante para que 0 abríssemos já
zonte ! . . . debaixo de uma espectativa sym-
São Paulo, lõ Fevereiro 1898.
pathica, foi com curiosidade talvez
que folheamos as paginas deste li-
J. V ie ir a d e A l m e id a . vrinho, ultimamente dado a lume.
Era 0 primeiro livro, destinado
ás escolas, que a poetisa do Cora­
ção entregava ao publico e era jus­
ta a nossa curiosidade. Zalina Ro­
lim sahiu-se neste novo genero de
literatura com a galhardia habitual
138 A m e n s a g e ir a

ao seu estro lyrico. Manifestando A’ infinda meta


Dos nossos sonhos
0 grande pendor de seu espirito
Em linha recta
para as obras didacticas, soube, Vamos risonhos:
com muita simplicidade e graça Sem medo aos bosques sombrios,
insinuante, introduzir nos seus ver­ Fugindo sempre a desvios.
sos destinados á infancia, grande
A vida é a lucta
somma de conselhos e verdades,
De toda a hora ;
que estamos habituadas a ver em Jogo e permuta,
paginas sombrias e carrancudas. Que revigora:
Basta 1er a primeira poesia do Render-se a gente á preguiça,
livro para nos convencermos do E’ fugir á nobre liça.

que fica dito. Eil-a:


Não tem direitos
Quem, dos labores,
Pouco a pouco Foge aos preceitos
E evita as dores :
Nada de pressa;
A natureza é um erário,
Bem devagar,
E todo o ser, tributário.
Que assim começa
Quem quer chegar.
Quem foge á lida
E vae subindo o castello,
Dos outros seres.
Pedra a pedra, airoso e bello . . .
Falta da vida
Aos sãos deveres:
O olbar attento, E — castellos sem trabalho —
A mão bem leve, Só castellos de banilho.
Que o monumento
Ao ar se eleve: Esta poesia, como todas as ou­
Mas paciência e cuidado, tras, traz uma gravura, e.xplicativa,
Que senão tudo é baldado. que desperta de prompto o inte-
recesse das crianças. Ah ! si nós
Toda a existência mesmas gostamos de 1er um livro
Nos mostra e ensina
honito, quanto mais os garrulos pe­
Que a impaciência
Gera a ruina : quenos.
Não se corre em longa via ; 0 Ldvro das Crianças deve me­
Roma não se fez num dia. recer muito interesse da parte de
nossas leitoras: é uma obra feita
A gente póde para nossos filhos e para nossos
Chegar a tudo, irmãos, e não póde deixar de des­
Que nos acode,
pertar nossa sympathia. Ficará as­
Com senso e estudo :
E as palavras dos mais velhos sociado ás impressões que guar­
Sejam nossos evangelhos. darmos de nossos adorados traves-
A ^rE X SA G E IR A 139

SOS e tanto basta para que seja um «Quero vel-a!... Meu Deus! é tão pequeno
livro querido. O cantinho de terra a que pertenço!»
— Como te enganas, Lucia! O seu terreno
Disse alguém que este trabalho
E ’ quasi igual á Europa; é grande, é im-
«destinado ás crianças, póde ser
(menso ! . . .
lido com prazer pelos adultos», e
affirmou uma verdade. A simpli­ E para mim é mais que o mundo inteiro,
cidade, a correcção de linguagem Meu formoso Brazil, Patria querida ! . . .
e a delicadeza dos assumptos 0 Por elle eu quero ser forte e guerreiro.
Dar-lhe o meu sangue, consagrar-lhe a vida.
tomam sobremodo agradavel e at-
trahente. Das poesias que mais
Quem me dera fosse eu já homem feito
nos agradaram, citaremos Em ferias^ Em altura, e saber, e nobre entono,
Uma amiguinha^ A volta ao lar e Para abrigal-o a sombra do meu peito
a seguinte, que vamos transcrever E eleval-o da gloria ao regio throno !
por ser uma das mais apreciáveis
do livro: E ’ aqui, irmãzinha : olha o torrão fecundo,
A cuja sombra o nosso Lar se abriga ;
N ’este circulo de ouro é 0 nosso mundo,
Onde está a Patria? O altar augusto, a que a affeição nos liga.

«E ’ aqui?» — Não, Lucia; do outro lado,


(espera. E São Paulo, onde está? Não vejo nada
Essas terras que vês, são velhos mundos : N ’este globo tão liso e tão bonito?
A Europa, o templo, onde a sciencia impera, Deixa-me ver a terra abençoada,
Onde nasceu nossa Mamãi, Carlito!»
E a Asia e a Africa, tumulos profundos.
Finalisamos esta ligeira aprecia­
«Tumulos?» — Sim, de séculos violentos, ção enviando sinceros emboras á
Que hoje a sciencia passo a passo explora : Zalina Kolim e á infancia brazi-
Legendas, tradicções e monumentos
leira que acaba de fazer acquisição
De homens, que ao mundo deram leis ou-
(tr’ora.
de um livro formoso sob todos os
pontos de vista.
«E aqui ao Sul?» — A Australia, aves ex- P erpetua do V alle.
(tranhas ;
Ilhas, que em bancos de coral se aprumam ;
Minas de ouro ; florestas e montanhas,
Que a cannelleira e o sandalo perfumam.

Ventura
«E a America?» — Eil-a, emfim aos teus
(olhares : Acho tão bôa e tão feliz a vida!..
A Oeste — elevações de enorme serra ; E delirante eu sinto que se doura
Espumejando a Leste infindos mares, A miuh’alma de moça, enternecida.
E, entre palmeiras, linda, a nossa terra ! Apaixonada e crente e .sonhadora !
140 A MENSAGEIRA

E, sei porém, que em tudo a f’licidade vida, tanto sob 0 bafejo como sob
Não existe no mundo, e que a ventura 0 revez da fortuna.
E ’ como a sorridente mocidade:
A instriicção é grande riqueza,
Raio de Sol que rápido fulgura !..
que dispensa cofi’e para guardal-a;
E muitos sei que são os infelizes acompanha seu possuidor por toda
A quem dados não são risos e flôres, a parte, sem receio de ser roubada
E corações de roxas cicatrizes
ou esbanjada. Ella apparelha 0 ci­
Que não cessam jamais cruentas dores!
dadão para bem servir á patria, e
Ha lagrimas de sangue, e dolorosas a mãe de familia para bem cumprir
Maguas de infindo e duro sentimento ! sua missão. Innumeras vezes 6 a
— Se o mar da vida, ás vezes, é de rosas,
defensora do fraco contra 0 forte,
E ’ quasi sempre atroz e violento.
do pobre contra 0 rico.
Noivas a quem a Morte, inexperada.
J osé A mérico dos S antos.
Roubou do amante o divinal carinho.
Curtindo eterna dôr amargurada
N ’alma vasia — abandonado ninho.

Mãis que ficaram sem o doce affecto


Dos meigos filhos que adoravam tanto;
Fiihos que a falta do materno tecto.
Choram bem cedo com dorido pranto! ^or terras e mares
A Manoel Vioiti
E mais eu sei que n’esta vida existe...
— Ha muito chaga occulta e pungitiva; I
Ha mais quem viva n’este mundo triste
Minha galera eil-a equipada
Do que quem sempre alegremente viva!..
para uin longuinquo navegar.. .
Mas, sou feliz, ditosa... ou julgo sel-o! ( A terra fez-se alaranjada,
Pois que a ventura é sempre mentirosa... idem o ceu, idem o mar).
— Mas, ventura não é poder dizel-o
E parecer, suppôr-me ventui-osa ? Minha galera pre]iaron-^e
para ir lias terras aos ('"iitíns;
G e o r g in a T e i x e ir a .
para talhar, como uma fonce,
mares de opalas e jasmins.

k minha explendida companha,


affeita ao vento e aos temporaes,
possue uma alma, que a acompanha
5elecção por aventuras sem iguaes.

Instruira creaturahumana e edu


Quer ao calor de ura sol que escalda,
car-lhe 0 gosto pelas artes consti­ como aos luares mais subtis,
tuem. dois serviços, cujo alto valor descobrir ilhas de esmeralda,
se póde apreciar no decurso da pojar em campos de rubis.
A MENSAGEIRA I4 I

Quer novos ceus, uovas estrellas


vimento e das forças que 0 pro­
brilhando com duplo fulgor,
duzem, 0 homem ainda, devido á
e em noutes claras, lançar pelas
aguas do mar canções de amor. razoes que não se explicam, des­
cuida de uma força que elle tem
Minha galera eil-a, formosa,
sob a sua mão — esta força é a
para 0 infinito viajar...
mulher.
(O ceu tornou-se cor de rosa,
idem a terra, idem 0 mar). Se na linguagem da mecanica di-
finimos «a força» a causa ([ue de­
Ora me resta uma empreitada,
termina 0 movimento ou as suas
que eu vou, soflTrendo, concluir:
— dizer adeus á minha amada, modificações, podemos dizer que a
dizer adeus — e após partir. mulher é 0 agente que impelle a
uma geração os movimentos ou ten­
Dizer adeus — sem ter coragem
dências para 0 bem ou para 0 mal.
de a mão tirar de sua mão,
e presagiar longa a viagem, Debaixo da acção continua de sua
sem um luar, sem um clarão... mão a criança segue naturalmente
a direcção que esta lhe traça ou
Emtanto irei. Que a lua estenda
impõe, e necessariamente 0 filho
os niveos raios de chrystal
no seu palacio — nivea tenda, move-se na direcção da força unica
ao pé de espesso bambual. á qual elle está submettido.
Quando eu digo : 0 corpo sub­
A i! dentro em pouco a lua deve
o e.spaço todo iliuminar:
mettido á uma força unica move-
( a terra logo será neve, se na direcção desta força, não
idem 0 ceu, idem o mar). pretendo negar a acção do pai nem
C â n d id o de C a r v a l h o . excluil-o ou dispensal-o do dever
de cuidar da educação de seus fi­
lhos, não ; mas sim, mencionar este
facto quasi geral que, ao pai in­
^ mulher é uma cumbindo a tarefa de subministrar
ás necessidades da familia, não lhe
força activa na sociedade
é possivel, muitas vezes, por causa
II y a dans l’âme une force
qui, la portant hors d’elle mê­
de ausência forçada ou outi’as ra­
me vers l’idéal tend l’union. zões, ter constantemente seus filhos
B er n a r d in de St . P ie r r e . debaixo de seus olhos; portanto é
Hoje, que a instruceão principia sobre a mãe que recahe este dever.
a espalliar-se mais geralniente; que Consequentemente é ella que di­
se fazem estudos mais profundos; rige, que implanta, imprime as pri­
(|ue O espirito, este agente livre, meiras impressões, os primeiros sen­
do occupa-se tanto da sciencia, mo­ timentos no coração dos filhos.
1 42 A M ENSAGEIRA

Queremos que esta acção que ella tável, 0 bem estar, para no lar fazer
opéra sobre as jovens creaturas seja reinar a paz, a harmonia, a união.
proveitosa, util á humanidade? De­ Justo é pois, chamar força mo­
vemos trabalhar para que 0 espi­ triz ou motora (se eu assim posso
rito da mulher seja esclarecido; me esprimir) a mulher instruida,
para que sua intelligencia seja cul­ aquella que actua no sentido do
tivada, afim de que ella saiba dis­ movimento ou adiantamento, con­
tinguir 0 bem do mal, 0 falso do tribuindo total ou parcialmente na
justo, a verdade da mentira e da acceleração ou producção deste mo­
superstição; afim de que ella seja vimento, e força de resistência ou
capaz de formar 0 caracter de seus ignorante aquella que actua do sen­
filhos volvendo, encaminhando os tido contrario; isto, é diminuindo
seus pensamentos para 0 bello, 0 ou extinguindo 0 movimento ou
bom e 0 real; é necessário emfim progresso.
dar á mulher 0 põo da vida que Instruindo a mulher, 0 homem
é a instrucção baseada sobre o acha nella não somente uma com­
fundamento de uma moral sã. Com panheira, mais ainda, um auxilio;
esta arma que vence sem espalhar não unicamente uma ama para seus
sangue, que conquista sem devas­ filhos, mas sim, uma verdadeira
tar ou assolar, a mulher torna-se mãe, capaz, no caso da morte do
forte, e é então que se pode dizer chefe, de defender os interesses da
com Legouvé; familia e os bens dos orphãos. Da
«O femmes! c ’est a tort qu’on cultura do espirito da mulher re­
vous nomme tumides sultará que, entre as suas idéas e
A ’ la voix de vous cœur vous as do marido haverá afinidade e
êtes intrépides.» desta combinação ou união dos es-
piritos, surgirá a força; a força re­
— Se a intensidade de uma for­ sultante de dois agentes ou com­
ça se aprecia comparando ou re- ponentes que não neutralisarão seus
ferindo-a á uma outra força de esforços, mas sim accelerarão 0 mo­
igual natureza tomada por unidade vimento, a marcha do progresso.
pode-se facilmente avaliar a supe­
M. R ennottk.
rioridade da mulher educada (no
verdadeiro sentido) sobre a igno­
rante, considerando 0 que pode,
em uma casa, a prudência da mu­
lher, para sustental-a, para nella
fazer nascer ou manter 0 confor­
A MENSAGEIRA 143

Consorciou-se com um poeta,


Trotas pequenas Silvio de Almeida, conseguindo as­
sim, no dizer de Valentim Maga­
Eugenia Bounefois, professora de lhães, a vida de «um casal de sa­
filhos dos saltimbancos das feiras, biás, que 0 amor uniu, e que es­
acaba de receber um dos primeiros pancam com os seus duetos melo­
prêmios de virtude da Academia diosos as semsaborias desta vida
Franceza. prosaica».
Essa senhora administra na Fran­ E assim ambos têm feito, para
ça a instriicção primaria a mais de nossa alegria e gáudio das camenas.
200 creanças. filhas de dançarinas, D. Presciliana Duarte fundou 0
palhaços, domadores de feras, etc. anno passado, em S. Paulo, onde
Almanach do Município de Passos. reside, uma revista literaria A Men­
— Recebemos um exemplar deste sageira, dedicada á mulher brazi-
interessante annuario de 1898, que leira.
6 muito bom impresso, traz uteis O seu artigo programma era —
informações e uma variada parte estabelecer entre as brazileiras uma
literaria. na qual figuram os nomes sympathia espiritual em commu-
dos mais festejados escriptores mi­ nhão das mesmas idéas, levando-
neiros da actualidade. O Almanach lhes, ao remansoso lar, algum pen­
é ainda enriquecido com os retra­ samento novo-sonho de poeta ou
tos e biographias do Barão de Pas­ frueto de observação acurada.
sos, Ur. Ernesto Corrêa, Antonio E assim tem conseguido até agora,
Celestino e dos nossos illustres col- a bella e utilíssima revista, que os
laboradores Dr. Manoel Viotti c Ur. jornaes receberam «como excellen­
Nelson de Senna (Pelayo Serrano). te missionaria do bem».
Precedendo trabalhos poéticos, Poetas mineiros. — Silvio de Al­
insere 0 Almanach as seguintes meida. Um dos nossos mais aca­
palavras, que transcrevemos com tados e rigorosos criticos litterarios,
grande reconhecimento: na saudosa revista A Semana, as­
Poetisas mineiras — U. Pres- sim se exprimia sobre aquelle nos­
ciliana Duarte. Nasceu em Pouso- so patricio :
Alegre. Ertreou-se, na poesia, com «Em todas as suas producções
os Pyrilampos e Rumorejos, de poéticas reconhece-se ura estro fá­
collaboração com D. Maria Clara. cil, fluente, sensivel, capaz de sur­
Collaborou com brilhantismo na tos altos e bellos».
Semana, do Rio, e no Diário Po­ E na propria Semana, mais tar­
de, 0 poeta veiu provar 0 que
pular, de S. Paulo.
144 A MENSAGEIRA

aquella critica affirmava, conse­ philo José Martins; Vogando, ma­


guindo, com raro brilhantismo, dois zurka, por J. C. D. e Elvirinha,
hellos triumphes em concursos flo- por M. Quintão.
raes daquella folha, tendo, em am­ Recebemos e agradecemos. —
bos, alcançado o primeiro prêmio. Almanach de Auix, de Fóra, que
Como merecida homenagem ao ti’az 0 retrato e dados biographicos
seu talento damos, no Almanach., do notável paysagista mineiro Hip-
uma daquellas duas gemmas litte- polito Caron, fallecido em 1892;
rarias, de fino quilate. interessante parte literaria e mui­
Silvio de Almeida, como homem tas indicações uteis. O Almanach
de lettras, tem a sua nomeada fei­ é organisado por Heitor Guimarães
ta e consagrada. e nitidamente impresso pela Typo-
Nasceu em Pouso Alegre, a beila graphia Mattoso de Juiz de Fóra.
cidade sul mineira. Em S. Paulo, Ha ainda a notar neste almanach
alcançou, com o seu esforço exclu­ a beila pagina artistica dedicada a
sivo, 0 bacharelado em direito, em Floriano Peixoto, devida a Alberto
1892. Très annos depois, era no­ Delpino; — Revista Popular, in­
meado lente de portuguez, no Gym- teressante publicação que apparece
nasio daquelle Estado, após brilhan­ na capital da Bahia, trazendo, en­
te concurso. tre outros trabalhos, um bello estudo
Muito estudioso, modesto em ex­ sobre Chopin e a sua musica, es-
tremo; de uma vida quasi asceta, cripto pela Ex.*"“ sra. d. Maria
toda dedicada ao affecto da esposa Elisa Moniz de Aragão; Commer-
e dos filhos, que elle idolatra. cio de Pernambuco, do Recife; A.
Em outro meio *e com alguma Farpa, orgam satyrico literário,
ousadia, seria um gi’ande poeta». que se publica em Porto Alegre
Musicas. — Acabam de appare- sob a direcção de F. Châtaignier
cer, editadas pela casa de Julia e que vem ornada de bellas illus-
Filippone, as seguintes musicas: trações; O Arrebol, de Uberaba;
F oi assim que o Coelho fu y io ... A Lyra, de Caçapava; o Para-
polka, por Marianna Barroso da guassú, deMuritiba; O Sereno, de
Silveira; Tormalina, shottisch, por Sergipe; O Reporter, de Ribeirão
por J. M. Azevedo Lemos; Dolo­ Preto e o Risveglio, folha italiana
res, valsa. Bravos meu bem! ! ! e e socialista que acaba de iniciar
Não engro.^se, polkas, Estrella, ú\oi- sua publicação nesta capital.
tisch, e Tomada de Canudos, mar­
cha, por Alexandro Weissmam;
Amor innocente, reverie, por Theo-
S io Paulo 28 de Fevereiro de 1898 Anno I, N. 10

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Directora — Presciliana Duarte de Almeida

Esta revista garante a sua ptiblieação durante um anno.


Ptcblica-se nos dias 15 e 30 de cada mex.

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m ero avu lso


a d ia n ta d o Endereço: Rua dos Estudantes N. 23 Rs. 1 $ 0 0 0

Summario: — Carta do Rio, Maria Cla­ em tanta profusão que me fize­


ra; — Celeste, soneto, Aurélio Neves;
ram — ((ue optimista que sou!
— A eniancipaç<ão feniinil, V. M. de Bar-
ros; — Vem, soneto, Aurea Pires; — — duvidar do (pie andam por ahi
Literatas Inglezas, Elmano do Vai; — a dizer: que a vida está horrivel
Os olhos, poesia, Leopoldo Motta; —
e (pio o cambio apresenta a mais
Chronica omnimoda, J. Vieira de Almei­
da; — Poesia, Presciliana Duarte de Al­ dolorosa das perspectivas.
meida ; — Selecção ; — Por terras e ma­ Ha aimUi muito dinheiro nesta
res, poesia. Cândido de Carvalho; —
terra, ao contrario as ruas não esta­
Notas pequenas.
riam atapetadas de confetti e ser­
pentinas.
0arta do R.io Um negociante muito pratico
calculou em algumas centenas de
Desta vez as lionras do carna­
contos de reis a despeza que o
val couberam não a este ou áquelle
povo fez, nestes tres dias de festas
club, não a esta ou áquella socie­
e de dolirio, com os taes papeizi-
dade, mas exclusivamente ao po­
nhos picados!
pular e sympathico bairro de S.
Christovam. O antigo arrabalde,
tão cheio de saudosas tradições,
teve a palma da victoria este anno, O illustre critico portuguez, da
e mettev, ern um ckrneUo o aristo­ Academia de Sciencias de Lisboa,
crático Dotafogo, 0 risonho Cosme Alberto Pimentel, acaba de prefa­
Velho, 0 barulhento Cattete e a ciar 0 bello livro de Ignez Sabino
incomparável ïijuca. O Club de «Luetas do Coração». Dor ostes
S. Christovam sahio em alegre pas­ dias teremos cá o livro, que já
seata no Domingo, ostentando ri- está em viagem.
quissimos carros de phantasias e Ignez Sabino, a distincta oscri-
de espirituosas criticas. ptora, acaba de receber uma justa
üs ccmfetti e serpentinas foram homenagem ao seu talento. O seu
F
7^

146 A M E N S A G E IR A

livrinho Noites Brazileiras, recen­ rosto, 0 que não me priva entre­


temente publicado, traz um Bos­ tanto de ser a experiencia em pes­
quejo Historico offerecido á Patria soa. (Modéstia aparte!) Eis as
e esse trabalho valeu-lhe a entrada cartas :
de socia correspondente do Insti­
«Minha Senhora.
tuto Archeologico e Geographico
Pernambucano, sendo a primeira Disseram-me, pessoas de sua in­
senhora brazileira que tem tal dis- tima amizade, que a Senhora é uma
tincção. Sinceros parabéns da mulher feliz, na verdadeira ace­
«Mensageira». pção desta palavra. Eu que não
tenho 0 prazer de conhecel-a pes­
soalmente, vou, fiada em sua bon­
Recebi, ha dias, uma cartinha dade, pedir-lhe alguns conselhos
gentil, escripta em perfumoso pa­ sobre a felicidade. Sou noiva e
pel cor de rosa e com uma calli­ muito amada! Também, creio, meu
graphia admiravel. Advinhava-se noivo é 0 mais adorado dos viven-
que vinha das mãos de uma pes­ tes deste mundo. Ap('zar desse
soa apaixonada. Não tenho 0 pra­ enti’anhado affecto que nos une e
zer de conhecer a interessante se­ da excellente perspectiva de vida
nhorita que me pede conselhos que nos espóra, eu receio 0 futuro.
acerca de seu futuro menage. Sim! receio e a culpa desse medo,
Darei a meus leitores a copia desse inqualificável pessimismo tem
da carta e da resposta que dei, as pessoas de minha propria famí­
certa de que, serei perdoada dessa lia. Todos os dias ouço mamão
indiscrição se alguma — uma só dizer: não julgues que 0 amor de
que seja — das formosas meninas teu noivo será sempre 0 que é
que lêm a nossa revista, se apro­ hoje, nem penses que a vida 6
veitar dos meus conselhos que a um favo de mel.» E fico a pensar
experiencia me tem ensinado. em mil cousas exquisitas. Serei
E’ preciso, antes que tudo, e feliz? O amor, que 6 0 resgate de
para meu exclusivo beneficio que tantas imperfeições e que me pa­
eu declare que a minha experien­ rece a mim — creança inexperi­
cia é garantida por factos de ob­ ente de 20 annos — 0 supremo
servação. Para que não me tome bem da terra, não terá a força
por alguma mulher velha, devo precisa para garantir a minha feli­
declarar á minha interessante mis­ cidade ?
sivista que não tenho ainda ca- A sorte ser-me-ha tão cruel que
bellos brancos e nem rugas no reduza a cinzas e esphacele 0 meu
A M E N SA G E IR A
147

sonho doirado ? Não creio e nem souro. Eu posso ser alegre quan­
quero crer. Papae, devido talvez, do vivo assim tão assustada .S’ Es­
a tantos golpes da adversidade, 6 pero que me responda, é proprio
um homem timido, elle tem re­ das almas bem formadas não co­
ceios pelo meu futuro, no emtanto nhecer 0 egoismo e quem é feliz,
conhece bem 0 coração leal de assim penso, deve estender suas
meu noivo e já 0 ama como se azas beneficas por sobre todos que
fosse um filho. Donde vem, pois, 0 cercarem. Sua constante leitora
esse medo ? Quem é que pode e amiga affectuosa
affirmar que são mentirosos os C akm ex de O l iv e ir a .
meus sonhos e verdadeiras as ap-
(Resposta)
prehensões de meus paes?
Minha gentil amiga.
Tudo isso me faz nervosa e triste.
Se eu podesse sondar 0 mysterio Sua carta veio trazer-me uma
impenetrável do futuro!! Se, en­ grande alegria! Respondo-a agra­
tre outras pessoas que me ame­ decendo os bons conceitos que de
drontam, rclativamente ao meu des­ mim formou e retribuo as suas
tino, dizendo: tudo no mundo 6 affectuosas saudações. Realmente
mentira, tudo 6 chiméra, engano não a enganaram quando lhe dis­
de um momento, apparição phan- seram que eu era feliz. Sou e a
tasmagórica que brilha e que se Deus agradeço, e todas as noites
esvae, não estivessem meus que­ em minhas orações peço á Nossa
ridos paes, meus anjos protectores, Senhora que sempre me dê 0 que
eu saberia repellir esse pessimismo óra tenho. Não quero mais nada,
doentio e fechar meus ouvidos a nada mais do que tenho, ambi­
taes prophecias. ciono.
A senhora deve ter já compre- E’ muito difficil ou quasi im-
hendido, pelo que ficou escripto, possivel prescrever regras sobre a
que eu sou tal qual uma creança base da felicidade. Feliz é quem
medrosa, quero que alguém me assim se julga, diz um sabio pro­
console e dê coragem para que eu vérbio. Em todo 0 caso eu posso
encontre no casamento 0 que as­ lhe dar alguns conselhos que lhe
piro e sonho — a verdadeira felici­ hão de garantir, se os observar
dade. E é por isso que a con­ discretamente, a tranquillidade do
sulto e supplico que me ensine 0 lar.
seu segredo — de ser feliz e ser Disse-me que amava muito 0
alegre — pois mamãe vive a dizer seu noivo e que era por elle mui­
que uma mulher alegre 6 um the- to amada.
148 A M E N S A G E IR A

Muito bem ! 0 primeiro e mais dade. A mim, essa apparencia


forte alicerce está construido. 0 não conseguiria illudir, eu vejo
casamento sem amor ou 0 amor n’aquellcs moveis e tapeçarias ape­
sem juizo são os melhores agentes nas as mãos mercantis de um es­
das dissidências e dos divorcios. tofador; nem um toque especial!
Quem ama tem 0 maior prazer nem a mais leve impressão pes­
cm agradar. Já ve que não c pre­ soal! advinha-se que aquillo tudo
ciso ensinal-a que trate seu mari­ só serve para encantar os outros,
do com todo 0 agrado, com todo as visitas!
0 carinho. Acho muito mal feito um cos­
Evite, sempre que poder, as dis­ tume que constantemente observo:
cussões, principalmente sohrc reli­ ha pessoas que são muito amaveis
gião e política. e engraçadas e gentis com as de
Conheço um casal que era re­ fora, em casa tudo as abon’ece.
lativamente feliz e que por causa Eu sou justamente o contrario:
do Eloriano e do Custodio briga- nunca me falta assumpto para con­
i-am muitas vezes. E depois de versar com meu marido e com as
terminada a revolta, perderam a pessoas (pic amo e que me cer­
cerimônia e brigam como creanças cam e ás vezes só Deus sabe co­
mal educadas, todo 0 dia, a toda mo me custa supportar uma visita
a hora. Convêm que haja uma de cerimonia e dizer meia duzia
certa cerimônia na vida conjugal, de banalidades obrigatórias!
quebrado 0 encanto... adeus. Houve um tempo em que eu
A verdadeira felicidade consiste pensei que a nossa felicidade po­
em cada um estar contente com- deria vir exclusivamente de outrem.
sigo mesmo e com sua casa. Fa­ Hoje modifiquei minhas ideias. A
ça de sua nova residência um lo- propria pessoa é quem traça, com
gar aprazivel e para isso haja sem­ 0 seu procedimento, 0 seu futuro.
pre muito aceio, muitas flores, mui­ Um velhinho, muito pobre que vi­
ta luz e muito ar. via de pedir esmolas e que eu
Se não puder ter cortinas e es­ conheci no sertão, me disse um
tofos, moveis de luxo e objectos dia: menina, quem planta arroz
de arte, não se incommode, isso não cólhe feijão. E’ 0 caso: quem
tudo nada vale. faz de seu lar um logar aprazivel,
Eu conheço uma mulher que é quem vive satisfeita com 0 que
muito desgraçada com 0 marido, tem, quem não inveja as grande­
muito infeliz e que tem, no em- zas ephemeras que a outros seduz
tanto, toda a apparcncia de felici­ e enlouquece, não terá 0 desgosto
A M E N SA G E IR A 149

do ver um dia deserto seu lar, de­


serto de carinhos e de affeições
^ emancipação feminil
porque 0 marido, aborrecido, foi «Breve comprehender-se-á que
j)rocurar distrações nos Clubs ou todas a.s mulberes são feminista.s,
em casa dos visinhos. Faça tudo 0 que ha 6 que muitas são... e
quanto eu disse que não se ba de não 0 sabem.»
arrepender. E se alguma duvida Estas palavras com que ha dias
tiver futuramente, encontrai‘á re- um diário da capital paulista ter­
medio prompto nesta observação: minou uma interessante noticia, en­
depois da tempestade vem a bo­ cerram a mais profunda verdade.
nança; depois dos dias impiedosos Onde quer que se encontre a
do inverno vem a primavera; de­ mulher de caracter, a mullier que
pois das rusgas passageiras veem jirésa 0 seu eu moral, mesmo quan­
as pazes deliciosas. do seja ella galé da ignorância e
M.VIUA DA C u X H A S a XTOS. não tenha predicados literários, ahi
achareis uma parti daria, consciente
ou não, da emancipação feminil.
E de outro modo não pode ser,
porquanto está no proprio instin-
Celeste... cto, na própria dignidade da mu­
Celeste... Sim: do céo nos falia aquella lher querer deixar de ser tratada
Maguada e triste pallidez de Santa, como mentecapta, deixar de ser
E aíjuelle ri.so, e o doce olhar que tanta eternamente escrava.
Vez se ennubla e de lagrimas se estrélla!...
Si alguns homens ha (para gloria
Celeste; . . . e, como o céo nos lembra, n’ella do sexo) ([ue fazem da mulher uma
Paira uma Graça singular que encanta. verdadeira amiga, uma companhei­
Graça d’Alem, que o Espirito levanta ra, á qual confiam os segredos de
Alto, sobre este Vai que a Dor encella!
sua vida e de quem ouvem a opi­
Cinge-lhe o corpo a chlamyde inconsutil nião sobre seus negocios, si ha
Da pureza dos Lirios não tocados homens que procuram mostrar á
Por este Mundo trágico e refece. esposa os seus defeitos com deli­
cadeza e brandura, tendo em vista
Celeste... e outro louvor lhe fôra inútil:
— Que seus louvores hão de ser cantados unicamente aperfeiçoal-a e dirigil-a
Nos versiculos d’oiro de uma Prece! com a pratica que tem do mundo,
Fevereiro, de 1898. 0 certo 6 que esses constituem ex-
A u rélio N e v e s . cepção.
O geral, o que a cada passo se
vô no seio das familias, é coisa
A M E N S A G E IR A
150

bem diversa e bem revoltante. 0


egoismo em acção, a vontade de
Veml..
dominar, o desejo de impor em — Vem ! Pelo azul recruzam-se cantando
tudo e por tudo, manifesta-se no Passarinhos gentis de varias côres,
Pelas campinas desabrocham flores
homem por mil modos differentes.
E borboletas vão desabrochando!
Das coisas mais simples ás mais
complicadas, dos assumptos mais Assim dizias tristemente olhando
insignificantes ás mais intrincadas A natureza cheia de esplendores
questões, a mulher é sempre coa­ Nessas paragens onde os teus amores
Da infancia relembravas suspirando.
gida barbara e injustamente. 0
homem, que não admitte a monar- E choraste!.. A tu’alma allucinada
chia porque ó o privilegio de uma De dor, chamou debalde a alma adorada
familia, quer para seu sexo o pri­ Talvez de magua a suspirar também!..
vilegio exclusivo de todas as re­
E em tua voz que melopéa estranha,
galias e vantagens, sem se lembrar
Prolongada nos echos da montanha
que abate e opprime metade da Lá muito longe soluçando — V e m !..
humanidade. A injustiça começa 11_2_1898.
no berço: para o menino, mestres, A u r e a P ir e s .

collegios, gymnastica; para a me­


nina, a ignorância, o atrophiamento
da energia, a immobilidade forçada
pela vida sedentária. Depois, che­
gados á puberdade, elle, o rapaz,
escolhe esta ou aquella carreira a
titeratas inglezas
— N o ta s —
seguir, prefere este ou aquelle meio
de vida; a rapariga, ella, nada tem A ’ Mensageira
a resolver: o circulo de ferro, a A producção literaria não é me­
cadeia fatal ahi está. .. nos abundante na Inglaterra do
E’ preciso que trabalhemos para que na propria França.
que nossas irmãs possam partilhar Ella 0 é, principalmente, no do­
também dessa liberdade relativa mínio da ficção.
que 6 patrimônio de todo o indi­ E’ na Inglaterra e nos Estados
víduo, de toda a creatura que pen­ Unidos da America que se publi­
sa e que sente. Elias, como nós, ca 0 maior numero de romances.
tem 0 seu temperamento e as suas A procura, alli, estando em re­
idéias. E ’ tempo de confraterni- lação com a offerta, por numero­
sarmos ! sos que sejam, os livros encon­
V. M. DK B a r b o s . tram sahida nas livrarias e nas cir-

1
A M E N SA G E IR A
I5 I

culating lihraries, que os alugam OU, no seu áspero idioma, all’s


por preços resumidissimos. well that ends ivell.
E nesse grande mercado de pro- Além dos seus numerosos ro­
ducção, apesar da enorme concur- mances e novellas, Mks. O lipilvxt
rencia do sexo forte, perdão ! — tem composto ainda muitas obras
feio, a literata ingleza não se dei­ de vulgarisação histórica, cujo tex­
xa passar despercebida. to, de estylo facil e embrechado
Falemos das prosadoras, confe­ de anedotas, fornece, com as illu-
rindo, entre ellas, a primicia a minuras de que são ornadas, uma
uma mulher cujo talento quasi fonte de instrucção pittoresca que
masculino (com vénia das amaveis os moços apreciam e que 0 povo,
leitoras, pela immodestia da com­ em geral tem optimas razões para
paração) tem consolado e instruí­ não desdenhar.
do, com suas obras fecundas, a Para dar uma idéa do filão ex-
duas ou trez gerações de leitores. huberante do engenho dessa dis-
Mus. O liphant (nascida em Wal- tincta prosadora, basta citar os ti-
lyfor em 1 8 2 8 e contando, actual- tulos dos livros que ella tem pu­
mente, uma gloriosa e util exis­ blicado, de quatro annos a esta
tência de setenta annos) pode ser parte: Who ivas lost and is
comparada, em seu genero, ao ro­ found; Historical sketches o f the
mancista francez Heniy Gréville, reign o f Queen Anne; Tivo Stran­
e tem, como este, produzido ro­ gers; Sir Roberts Fortune; Mo­
mances engenhosos, interessantes, dern Rome; Old M. Tredgold e
segundo a formula antiga, atacan­ Ministers Debt.
do desassombradamente as exage­ Depois de Mrs. Oliphant, uma
rações, as intrigas, as ficelles usa­ das escriptoras mais apreciadas,
das, os pensamentos banaes, as nas revistas e magazines inglezas,
phrases conhecidas, contanto que é Miss E. B raddox, traductora dos
tudo isso redunde em proveito dos sens proprios romances em fran­
bons e na punição dos máos; 0, cez, e cuja obra mais recente tem
com a indulgência do seu coração por titulo — London Pride.
materno, elle esquece, muitas ve­ Seguem-lhe em nomeada mere­
zes estes, para destacar sómente a cida — M isses D orothea G erard,
felicidade daquelles. A deline S erghs-Nt ; M rs. Stannard,
Ella colloca como um principio, que, sob 0 pseudonymo de John
como na comedia de Shakspeare, Strange, escreve romances de 'ana­
que tout est bien qui finit bien, lyse psychologica e passionaria.
152 A M E N SA G E IR A

como Wife, I loved e The Truth


— Tellers. Os olhos
Uma outra prosadora digua de ( Sully Prudhoninie)
especial mensão é Mrs. H ujirury Azues ou negros, adorados, pnlchros,
— AVaed, a celebre auctora de Muitos olhos têm visto o arrebol;
Robert Elsmere. Fiel aos seus Mas hoje inertes jazem nos sepulchros,
Persistindo brilhante o fulvo sol.
principies, desde a sua estréa rui­
dosa, aquella prosadora procura e Mais do qne os dias, noites deleitosas
desenvolve sempre com maestria Oh! quantos olhos encantado têm;
uma these digna de estudo nos Coiiservam-se as estrellas fulgurosas,
seus romances habilmente traçados Elles cerrados, mortos, nada vem.

a pulso firme, como o ultimo dél­


Extincto o brilho seu terão cegado?
iés — Sir G. Tressady. Oh! por certo que não, é impossivel!
A'’oltando á ligeira citação das Elles se tem apenas desviado
authoresses inglezas, contam-se: Perserutando os arcanos do invisivel;
Mrs. Anna Steele, Misses Jon-
E como os hellos astros decadentes
ge, Esler, Hardy, Rhoda Broughton,
A nós occultos, inda o céo percorrem.
cujo nome e o festejado talento Assim têm as pupillas seus poentes,
tém sido disseminados em nume­ Mas é esta a verdade; ellas não morrem.
rosas traducçôes; Kinkson, Hun-
gerford, F. Warden, Jane Barlow, Azues ou negros, adorados, pulchros,
Sempre abertos, fitando aurora infinda,
L. Walford, F Burnett, C. Praed,
— Atravez das paredes dos sepulchros
cujo livro — Mrs Tregaskis apre­ Os olhos que se fecham vêm ainda.
senta uma paysagem notável da S. Paulo, 25 de Janeiro de 1898.
vida australiana; M. Bryant, C. L eopoldo M o t t a .
Coleridge, F. Mabel Robinson e
G uida, de seu nome francez, L oui­
se DE LA R ahiée, vivendo em Flo­

rença e cuja penna fertilissima não


cança em escrever romances e no­
vellas de costumes e paixões.
Chronica omnimoda
Muitas outras prosadoras expan­ Desappareceu a mascara, surgiu
dem brilhantemente o seu talento, 0 cilicio!
cada mez, cada semana, cada dia, 0 asceta substitue a pierrot...
nos ‘monthlies, nos iceeldies, nos A folia cede o logar á peniten­
family paper's da muito producto- cia!
i’a e muitíssimo leitora Inglaterra.
Copia fiel de E lmaxo do ALvl.
A M E N SA G E IR A 153

Ainda bem se não extinguiu, na Attendei, como a voz lamentosa


quebrada próxima, 0 ecco dos úl­ do officiante recorda os supplicios
timos clarins, e já se ouve 0 si­ humilhantes inflingidos ao Homem
nistro bimbalhar dos campanarios! Deus!...
Os ministros da justiça eterna Todas as frontes se inclinam,
ameaçam os fieis com a cólera di­ todos os lábios osculam 0 pó; esse
vina, caso persistam elles no ca­ jndverem, in quem reverteris\...
minho do erro: si poni tentinm O burel roxo-terra do capuchi­
non egeritis... nho, á meia luz do recinto, com-
As ruas da capital ainda rescen- munica nota pavorosa á scena, já
dem ao perfume das derradeiras de si esmagadora!...
serpentinas, e já se annunciam os Todos os púlpitos trovejam im­
psalmos penitenciaes !... precações, todos os confessionários
A via-sacra vem succeder á ba­ sussurram ameaças...
talha de flores...
Outr’ ora, a Procissão de Cin-
zás, com os seus andores tremen­
dos, representando a cólera divina
a fulminar os rebeldes, era 0 cor­ Porque ?...
rective natural das desordens do Porque encetamos a quadra som­
Entrudo!... bria da Quaresma...
O Tentador, todos os dias assal­
ta 0 animo, aliás, inquebrantável
Os tempos modernos, pouco a do Justo...
pouco, fizeram cahir no olvido es­ — Vês, 0 mundo inteiro me per­
ses prestitos... tence!...
Agora, no recinto velado dos Esse globo terrestre, que se de­
templos, é que faliam ao coração senrola aos teus olhos, tudo isso
do peccador, incitando-o ao since­ é meu! e tudo isso te offereço, si
ro arrependimento. prostrado me adorares!...
Vêde como se preparam cere- — Vade retro, Satan! . . .
monias cada qual a mais tetrica, E ... 0 Tentador se eclipsou an­
cada qual a mais suggestiva... te a voz intimativa de Jesus!
Essa via-sacra^ relembrando os Por isso é que a Egreja ordena
passos dolorosos do Redemptor da essa vigilância de quarenta dias,
humanidade, vem de molde a im­ durante os quaes, sem desconti­
pressionar os espiritos e a sensi- nuar, volta á carga 0 Tentador!
bilisar os corações!... Vigilate, itaque, exclama todos
A m e n s a g e ir a
154

os dias, pela voz do seus minis- Armemo-nos, portanto, com a


tl’OS. . . couraça da meditação e na con­
templação das verdades eternas
vamos haurir forças para pronun­
ciar desassombradamente o: rode
Todos, mais ou menos, tem o retro!
seu tentador... Para isso é que celebramos an-
Uma vez, mil vezes somos sol- nualmente, esta quadra sombria da
licitados a adorar qualquer coisa... Quaresma...
Continuamente, se preparam ar­ O Tentador, encarniçadamente,
madilhas, para illaquear a nosso assalta o espirito de todos os justos.
boa fé! Convem que todos, egualmente,
Ora, é 0 politico em evidencia se previnam, para lhe apaivar os
que nos vem sollitar o au.vilio in­ golpes ti’aiçoeiros—
dispensável, para galgar o primei­ Vigelate, itaque...
ro degráu da escada, de cujo to­
po nos atirará depois, no sorriso
de supremo desdem!
T)e outra vez, é a perfidia, en­ Uesappareceu a mascara, surge
volta na capa da amizade, que nos 0 cilicio!
procurará seduzir, com promessas O asceta substitue o pierrot...
fallazes, a nos embarcar nesta, ou A folia cede o logar á peniten­
naquella empresa, de onde colhe­ cia! ...
remos, apenas, a miséria para os S. Paulo, 2 3 Fevereiro 1 8 9 8 .
nossos descendentes! J. Y ie ir .v d e A t.meida .
Em outra occasi<ão mais, será o
inimigo da nossa honi‘a, o qual
com palavras fementidas nel ix
ore, fel rn corde, vivá nos cravar
no peito 0 punhal envenenado da fo esia
trahii.'ão !...
Meus passos, não os vedem no caminho,
Tentação de riquesas, tentação Xem meus sonhos maltratem!
de poder, tentação de praseres; tu­ Deixem que eu viva como o passarinho!
do isso nos procurará, em tropel!... Phantasias da vida, ai! não as matem!
Como condicção, porém: que
Dei.xem que eu vague rindo ao pé dos montes,
prostrados o adoremos! ! ! . . . E junto da cascata vá poisar!
Que faça versos ao chorar das fontes,
Onde vão lavadeiras conversar.
A M E N SA G E IR A
155

De uma me lembro que secreta historia


dencia do século X IX , ainda cha­
Do seu viver contava;
mado das luzes talves por uma
E não a perdi nunca da memória,
Tão triste era a toada em que falava! ironia...
Ao contrario de pensadores aus­
Contou-mc que perdera a mãe piedosa teros que visam a essencia dos
Numa choupana triste e sem calor,
artigos nos casos de analyse, mui­
E que a miséria e a magua dolorosa
tos idóologos risonhos apenas cu­
Não ná impediram de morrer de am or...
ram da forma brilhante dos escri-
Contou-me quanto amára, e, delirante, ptos, julgando assim vencer 0 senso
A sua voz tremia, moral a golpe de talento, vibrados
F'alou da ingratidão de seu amante, contra os arautos da campanha igua-
Que aos pés de outra mulher então sorria.
litaria. na reivindicação dos direitos
E o seu semblante pallido e maguado.
de consciência para uma parte do
Nesse embate de dor, casta, occultou. genero humano.
Su’alma toda pelo descampado Isso resulta do thema paradoxal
Num profundo suspiro se exhalou... em continua effervescencia nos taes
P r e s c il ia n a D u a r t e d e A l m e id a . cerebros, porquanto de outra ma­
neira não se justificariam en-os
palmares de lógica, sustentados por
elles no trato de questões sociaes,
como a que ora nos affasta de la­
"pç Mensageira bor diverso, embora incomparavel­
mente menos rebarbativo.
Só hoje podemos transcrever Bem avaliando uma imposição
nesta secção 0 bello folhetim qne, da natureza, aliás corroborada por
a proposito do apparecimento desta exigências da sociedade qual se
revista, publicou a Cidúde de Cam­ acha constituida, os Dumas Filho
pinas. E il-o: querem seja a ilulher relativa­
mente mais forte do que Homem,
LETRAS
afim de exercitar sem deslises mis­
Periódica Feminino são dignificadora na familia, surdas
Sempre observamos com 0 mais ás tentações do amor criminoso em
intenso prazer os tentamens do todos os desdobramentos do pec-
Eterno Feminino, em ordem a li­ cado.
bertar-se do jugo nefasto da igno­ Entretanto lhe não adinittem 0
rância, abolindo a ociosidade intel- aperfeiçoamento da intelligencia,
lectiva a que 0 condemnam, até por meio de uma cultura superior
mesmo espiritos de escól na ca- mas proporcional ao sexo, compa-
A M E N S A G E IR A

tivel em tudo com as funcções colhendo a lauroa de escriptoras


proprias de filha, esposa e mãe, e enieritas, como a romancista Julia
que sirva de penhor a um con- Lopes e a poetisa Julia Cortines.
juncto de virtudes, para impedir A trabalharem no sólo bemdicto
O viciamento da sua tempera, ou das letras tinhamos apenas duas
desculpar as fraquezas do compa­ ou très, mas depois vieram auxi-
nheiro estremecido. lial-as tantissimas outras, e quando
• Si se mostram desse modo in­ as primeiras remettem-se ao silen­
cohérentes no ponto capital do de­ cio cheias de gloria, as segundas
bate, como pódem imbair leitores fazem voar seus nomes nas azas
curiosos, grangeiando adeptos ao doiradas da Fama.
de cima do vulgacho, a não ser Dentre as que emudeceram de­
por deslumbrantes seducções de es­ vido a circumstancias para nós des­
tilo, pelo maravilhoso da phrase conhecidas, lembrarei a modestis-
arreiada de affeites? sima Angela da Cunha (Braziliana) ,
Felizmente o ridicule vai-se tor­ a qual residiu muitos annos em
nando arma inoffensiva, não impor­ Campinas, tendo dado á estampa
tando que 0 manejem destros es­ no Diário dois romances de cos-
grimistas da palavra: até já o não tumeá nacionaes, cheios de fina
temem os entes frágeis, os quaes observação da vida rural paulista,
mal aventuravam perlustrai' o cam­ ahi por volta de 1 8 8 3 .
po literário, cujas veredas são bor­ Mas a phalange das novas 6
dadas de urzes... grande, contando-se na sua van­
Como na transformada patria gau- guarda Adelina Vieira, Julia Lopes
leza, ou no modernisado reinado de Almeida, Francisca Julia da Sil­
dos Affonsos, também aqui vamos va, Zalina Rolim, Julia Cortines,
conquistando o teireno, em marcha Presciliana Duarte de Almeida,
notadamente accclerada, caracteri- Georgina Teixeira, Maria Clara da
sadora daquella modalidade de pro­ Cunha Santos, Aurea Pires, Elvira
gresso, que nos reservará um logar Gama, Maria Emilia, Anna Xo-
distincte, entre os povos civilisa- gueira Baptista, Maria Jucá, Amelia
dos do Yelho Continente. de Oliveira. Maria de Azevedo,
E’ uma verdade incontestável a Analia IVanco e Josephina Alvares
que ha tempos assignalou certo de Azevedo.
jornal, em relação ao movimento Hoje cerca de quarenta Amazo­
feminista no Brazil nestes últimos nas do pensamento, cavalgando o
annos, pois vemos as senhoras con­ Pegaso pelas veredas do Parnaso,
correrem ao torneio da imprensa. atiram ás paginas volantes do jor-
A M E N SA G E IR A
157

nalismo, que as recollie como pre­ para a estensão de algumas tiras,


ciosíssimas gemmas, as producçòes immaculadamente brancas como um
do estro aprimorado. pensamento de criança, de um ser
ainda não afeleado pelas misérias
da vida.
Julia Lopes de Almeida, dis-
Compreliendemío que a belleza tincta campineira e saudosa folhe­
do entendimento, longe de deslus­ tinista da antiga Gazeta, subscreve
trar e recato natural da Mulher, uma carta, cheia de bons conse­
só augmenta os seus dotes nativos, lhos, traçada com aquella ameni­
Presciliana Duarte de Almeida aca­ dade de dizer que immortalisou a
ba de publicar um periodico, afim penna de Julio Diniz, acareando-
de reunir collegas em harmonioso lhe 0 renome de S7(ave moralinta.
concerto de vozes, para juntas trans- O deserto, soneto de Julia Cor­
mittireni aos sanctuarios das bra- tines, pela sua concepção e obser­
zileiras— sonhos de artista, ou fru- vância das regras da arte, é um
ctos de acurado estudo. trecho primoroso, que nenhum poe­
D fez bem contrariando pratica­ ta eleito desdenhará de firmar.
mente a falsa doutrina de que a A directora da Mensayeira, essa
dama illustrada c um aleijão, pois também insere dois e.xemplares poé­
a vingar similhante absurdo tería­ ticos. D. Alzira e Meu filhinho,
mos de concluir por maneira deso­ dignos de fi'ancos encomios, tal a
ladora, qual a de amesquinharem-se delicadeza dos assumptos e 0 mimo
lhe as graças do coração, á medida no tratai-os.
que ella reflectisse as louçanias do Xo mesmo genero de composi­
intellecto. ções, ainda ha a mencionar qua­
A Menmyeira c 0 titulo da in­ torze versos de Zalina Rolim, re­
teressante revista, que penetrará passados de melancolia, e outros
quinzenalmente nos lares, como nun- tantos de Aurea Pires, alma joven
cia de festiva estação, andorinha e enamorada.
espiritual levando nas folhas— azas Os llecuerdos de Hippolyto da
pandas e de estranho colorido— as Silva, autor dos Latifúndios, po­
flores olorosas do muitos talentos diam ficar entre os papeis velhos,
primaveris. visto como representam 0 seu bal­
O numero inicial c garantia de buciar literário.
quante vimos affirmando, nestas Arthur de Azevedo, não pondo
linhas pobres de atavios mas ricas reparo á data (1 8 8 0 ), fez a injus­
de sinceridade, que sae do imo tiça de julgar mal dos méritos do
P

158 A M E N S A G E IR A

nosso conterrâneo, que é hoje um para adormecel-o ao som da ber-


vate inspirado e um burilador exi- eense idéal do verso, 0
mio.
admirador e servo
Dos trabalhos em prosa, além
de um contosinho de Maria Clara A liíkrto F.\kia .
da Cunha Santos, todo naturalidade
e simpleza, devemos salientar o
Cartão de parabeyis, discreto e ele­
gante portador das simpathias de
Silvio de Almeida ao novo orgam,
e a Chronica omnimoda, original f o r terras e mares
e num portuguez castiço, aliás co­
A Manoel Viotti
mo tudo quanto escreve João Vieira.
II
Aproposito, diremos que na re­
Placido mar, placidas aguas.
vista não se nos depararam defei­
A lua, em ceu tranquillo, véla.
tos de linguagem, por menores que
E o beijo meu, sonhando o delia.
sejam, coisa rara em publicações Tenta voar, por entre maguas.
nacionaes, onde os adjectivos an­
dam a jogar ás cristas com os sub­ Meu coração, como uma chaga.
Sente a saudade inda remota,
stantivos e a collocação dos pro­
E de meus olhos quentes brota
nomes causaria febre ao inolvida- Um pranto que meu rosto alaga.
vel Barreiros...
Pondo fecho a esta longa noti­ A onda lambe crepitando
cia, sem outro interesse que 0 do A praia immota em que serpeia.
E vibra a voz de uma sereia.
seu objecto, pois fallece-nos a com­
Presagamente soluçando :
petência de critico, para melhor
ajuizar da Mensageira; enviamos a « Habito a vaga em que me banho
Presciliana Duarte de Almeida, de « A eternidade (juasi inteira.
envolta com 0 nosso fraco incita­ « Vi 0 surgir da sementeira,
« Mais do pastor, mais do rebanho.
mento, a proseguir na jornada glo­
riosa, os protestos de mais alta
O incêndio vi nos horisontes,
consideração. O solo em sangue, morta a gente,
A ’ directora da nova revista pau­ Moysés Huctuando na corrente,
listana, cujos serviços ás letras fe­ Noé salvando-se nos montes.

mininas serão inilludiveis, respei­


« A fome, o roubo, a peste, a guerra
tosamente oscula as mãos, com que « Dormirem vi na mesma sombra.
costuma affagar 0 rosto encantador « (A larga fronde que os ensombra
do Thales e tanger a lyra de oiro « E ’ a mesma rama que os encerra).
A M E N SA G E IR A
159

« O negro mal, no peito do homem,


sem que elles dêem por tal, com
« A treva põe, de que se nutre:
todo 0 geito, irmos guiando tenaz­
« Gera as paixões que, como abutre,
« Fazenda, vida, honra consomen. mente a sua educação atravez dos
folguedos infantis.
« Perde-se aquelle que aventura
JuLiA L opes d ’A lm eida .
« A vida sobre as tredas vagas,
« Por desejar, em longes plagas,
« Glorias colher, colher ventura . . .

« O mar que agora assim te trata


« Pode te dar terrivel sorte,
« Póde, peor que a propria morte,
« A magua dar-te — que não mata. Kotas pequenas
« Arranca o mar da gloria ao peito, Margarida Bottard — Entre os
« E para o Amor volve os teus olhos!» condecorados pelo governo francez
Diz e emmudece.
a 1" de Janeiro do corrente anno,
E entre os escolhos
figura esta virtuosa senhora, que-
Descança o mar, no rudo leito.
conta 75 annos de edade.
C â n d id o dk C a r v a l h o .
Matnã Bottard, como a chamam
na Salpétrière, é a mais antiga en­
fermeira dos hospitaes de Fariz, e
é 0 modelo da paciência e da ca­
5elecção ridade. Diz um chronista pari­
siense que não ha exemplo de uma
0 povo já começa a ver que a enfermeira tão boa, tão amiga de
condição principal para 0 bom êxi­ todos os doentes, tão carinhosa,
to da vida, «6 ser-se um bom tão consoladora.
animal.» A legião de honra figura, pois,
Diz isto Spencer, no seu utilis- com inteira justiça no peito dessa
simo livro — Educação. nobre e humanitaria velhinha.
Dar força ao corpo, eis ahi, por­ Julía Cortines — Em carta que
tanto, minhas amigas, 0 primeiro recebemos ultimamente desta no­
cuidado que devemos ter para com tabilíssima poetisa brazileira, ha
os nossos filhos. Deixal-os correr, um trecho que publicamos para
saltar, fazer gymnastica, rir, en­ esclarecimento de nossos collabo-
cher os pulmões de ar livre, per­ radores. Eil-o :
der intelliyentemente o tempo. 0
que nos compete, acima de tudo,
é olhai- pela sua boa hygiene e. Li no n." 7 da Mensageira., a
16o A MENSAGEIRA

seguinte affirmativa: — «Julia Cor­ a primeira a designada pela San­


tines, poetisa de S. Paulo». ta Se para capital religiosa da en­
O amor que tenho á terra flu­ cantadora e bella região que cons­
tituirá 0 bispado sul-mineiro.
minense obriga-mc a declarar que
Sem desfazer nas outras duas
sou uma conteri-enea de Narcisa
Amalia e não de Fraucisca Julia futurosas cidades, cremos que não
e Zalina Rolim, as duas gloriosas podia ser melhor a escolha da San­
poetisas paulistas. De resto, fóra ta S6, tanto mais que essa desi­
gnação foi feifa em face de dados
do estado do Rio, só conheço, mi­
valiosos e importanfes, fornecidos
nha poetisa, a sua linda, a sua de­
liciosa terra mineira. Admiradora por engenheiros de reconhecida
competência, que estudaram cons­
e collega, Julia Cor'tines.
cienciosamente a zona sul-mineira.
Discursos proferidos na Gamara
A' formosa cidade de Pouso-Ale-
dos Deputados pelo Dr. Costa Ma­
gi’e, que conta entre as suas glo­
chado — O illustre mineiro, o de­
rias a de haver sido o lugar on­
nodado e grande democrata, Dr.
de se imprimiu o primeiro proje­
Costa Machado, teve a gentileza
cto de constituição do império do
de offerccer-nos um exemplar dos
Brazil, no Pregoeiro Constitucio­
seus discursos, pronunciados no
nal, redigido pelo senador José
Congresso Nacional, de 1 8 9 1 a
Bento, enviamos parabéns, fazendo
1 8 9 5 . A primeira dessas peças
votos pelo seu engrandecimento.
oratorias, proferida era sessão de
Recebemos e agradecemos: —
27 de Janeiro de 1891 6 um do­
Almanack Popular Brazileiro, or-
cumento brilhante do espirito de
ganisado por Alberto F. Rodrigues
justiça e das adiantadas idéas do
e publicado em Pelotas, Rio Grande
notável brazileiro.
do Sul. Esta utilissima publicação,
Agradecemos ao Dr. Costa Ma­ que já conta o seu quinto anno de
chado os seus admiráveis discur­ existência, é um repositorio de no­
sos, que hão de receber a apolo­ tas históricas, de bons trechos de li­
gia da historia, quando esta, em teratura nacional e de varias infor­
futuros séculos, fizer um exame mações de interesse geral; — Bra­
consciencioso do desenvolvimento zil Tgpographieo, orgam da classe
e do progresso de nossa patria. typographica e suas coiTelativas, pu­
Bispado Sul-Mineiro. — Das tres blicado na Capital Federal; — Tri­
cidades sul-mineiros que disputa­ buna Popular, de Penedo, Alagoas;
vam a s6de do novo bispado, Pou­ — Jornal de Sa?ita Pita, de Santa
so-Alegre, Campanha e Itajubá, foi Rita do Paraiso.
São Paulo 15 de Março de 1898 Anno I, N. II

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direotora — Presciliana Duarte de Almeida

Esta revista garante a sua publicação durante um anno.


Publica-se nos dias 15 e 30 de cada mex.

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m ero avu lso


a d ia n ta d o Endereço; Rua dos Estudantes N. 23 Rs. 1 $ 0 0 0

Summario: — Sobre a educação em ge­ Tenho muito observado a moder­


ral, Dciminda Silveira; — V oz de sereia,
soneto, Alberto Souza; — Carta do R io,
na sociedade, e, sobre a educação
Maria Clara; — Elle e ella, poesia. Pa­ social, e.xporei minhas observa­
dre Correia de Almeida; — Chronica ções divididas em duas séries. In-
omnimoda, J. Vieira de Almeida; —
Meio dia, poesia, Aurca INres; — Com
fancia e Mocidade.
ares de chronica, Maria Emilia; — Por Comecemos pois pelas creanças;
terras c mares, poesia. Cândido tie Car­ adoro-as!
valho; — Os filhos, Clarisse; — Notas
petpicnas ; — Eeliz encontro, poesia,
Sim! adoro o pequenito gracioso
Presciliana Duarte de Almeida. que começa a tagarellar n’a(iuclle
ineffavel dialecto infantil tão cheio
T de innocencia e graça, que deve
Observações inundar de alegria e felicidade o
Sobre a educação em geral coração das mães.
(Infancia) Oh, bem eu vejo como ollas
Propuz-me escrever alguma cou- enlevadas sorriem, e com quanta
sa para a «Mensageira» ; quizéra, ternura beijam esses pequeninos
porêni, entre as flores da minha amores seus!
phantasia, enviar-lhe algum fnicto E’, portanto, adoravel a creança,
maduro das minhas reflexões. mas... tão somente a — creança
«A Mensageira» 6 um campo bem educada.
aberto que se nos depara ; campo Aquclla face rosca de cutis mais
estenso, fértil e risonho, cultivado fina e macia que a pétala da flor;
por hábeis o laboriosas mãos; sobre aquelles olhos azues, serenos e
este campo abençoado, pois, não profundos como a immensidade,
somente devo esparzir as flores da ou escuros e de pupillas brilhantes
l^oesia, como lançar também o quacs pequeninas estrellas em céu
germem dos fruetos de sérias co­ de noite sem luar; aquella boqui-
gitações. nlia de rosa a desabrochar; aquel-
1Ó2 A M E N SA G E IR A

les cabellos sempre lindos, sejam desde o primeiro momento ? A mãe


da còr do oiro ou do ébano, esse — mentor natural conferido por
todo de cherubim — , esse compos­ Deus. Sempi*e ella em primeiro
to de lirio e roza, mimoso invó­ logar; a ella somente cumpre for­
lucro de uma alma de arclianjo... mar aquella alma confiada por
é a alegria, é a graça do lar! Mas... Deus aos seus desvelos; velar por
quando essa tez rosada se arroxêa aquelle thesouro divino de que é
de cólera, quando pelos céus d’es- depositaria, e que algum dia lhe
ses olhos tão puros se estende a será reclamado...
nuvem’ da tempestade interior, e Que contas então dará ella — o
aquellas mãozinhas delicadas arre- anjo da guarda — de semelhante
pélam os lindos cabellos de ébano encargo ?
ou de oiro, e os pés pequeninos Entretanto... quantas, ou por
bátem o sólo em uma dança in­ ignorância ou por desleixo se
fernal de birra, e a vóz que só eximem de um trabalho que deve­
devera ser um gorgeio de innocencia ra constituir a delicia, o cuidado
e amor solta-se como atordoador unico de toda a m ãe!
grasnido entremeado de palavras Lembro-me do ter, ha tempos,
que nos fazem corar... passado alguns dias com uma amiga
Oh, que desaparece toda a graça, mãe de muitos filhos, pequenos
todo 0 encanto da creança, e o graciosos e intclligentes, aos quaes,
cherubim se transforma em peque­ entretanto, ella chamava — «sua
no demonio detestável! desgraça».!
Com pequenos taes, não se fale P orq u e?... Quem os tornára
nem brinque, que nos envergonham, causa de pesares tanto? Um d’a-
nos recebem com seus modos gros­ quclles pequenos, de 3 annos de
seiros, nos respondem descortezes, idade, era um horror de má educa­
e véxam, e irritam seus paes dian­ ção; e minha amiga lastimava-se,
te dos amigos e visitas de respeito. e eu bem via que — ali — falta­
Mas... de onde provém tudo is­ va qualquer boa cousa que vinha
to ? Da educação tão somente. muito de traz...
O espirito da creança traz em Mães, não entregueis vossos fi­
si 0 germem do bem e do mal; lhos innocentes a mãos mercená­
cumpre ao guia, ao educador de rias; a alma de vosso filho será
sua infancia desenvolver-lhe as formada na convivência do crea-
virtudes, prevenindo-o contra os do; 0 espirito de vossa filha será
vicios: ora, quem é esse edu­ imbuido dos erros, dos preconceitos
cador, esse guia, eSse protector da ignorância de suas amas. De-
A M E N SA G E IR A 163

pois, as más companhias dão lhes T r o v a s sim ples de am or, on d e palpita


exemplos detestáveis... a alm a de um a saudade solu çan te,

O espirito da creança 6 lúcido q u e lábios v os esfolliain pelos ares?

e investigador; cumpre vigilância


L á b ios finos em face mais bonita,
accurada. talvez de um a sereia fascinante,
Mães, sabei incutir-lhes por vós lendaria don a destes verdes m a r e s ...
muito respeito e amor; nunca 0 A lberto S o u z a .
S. P aulo, 189.3.
terror, nunca a indifferença.
Ensinai-lhes a orar, a amar os
infelizes e subalternos; excitai-lhes
a piedade para com seus seme­
lhantes e para com os irracionaes,
0 respeito a velhice; nunca lhes 0arta do ^io
incutais terror pelos mortos, en- Pariz e S. Paulo foram os pon­
sinae-lhes antes a orar por elles, a tos donde emanaram todas as no­
respeital-os. Não os amedronteis, ticias de sonsação durante a se­
jamais, com estúpidas chiméras; mana.
adverti-os sempre do perigo real. Zola e Dreyfus, a exposição de
Emfim: ensinai-lhes a conhecer e uvas e as maravilhosas curas do
amar 0 bom Deus. engenheiro Eduardo Silva enche­
DEiniiXDA S ilveira
ram os 7 dias da semana que hoje
expira.
C apital d o E sta d o d e S anta Catharina.
Realmente nada mais era preciso
para occupai* a attenção dos cari­
ocas. 0 estranho caso do capitão
Dreyfus já havia causado doloroso
espanto a todos nós, mas a con-
demnação do grande romancista,
Voz de sereia cujo unico crime foi 0 de ter tido
A Cândido de Carvalho a coragem de defender publica­
N o c é o azul — d o azul das aquarellas —
mente 0 infeliz prisioneiro, veio
derram a a lua o seu a lv o r d e freira. abalar ainda mais 0 nosso coração
O rla as m on tan h as rigid as e bellas, já tão rudemente ferido por esse
tin g e d o m a r a esbran qu içada esteira. caso tão extranho quanto emocio­
nante.
A s on das crespas sulca passageira
Nos obscuros tempos medievaes,
em b a rca çã o d e retesadas velas.
F e m in e a v oz, c o m gra ça feiticeira, creio, não seriam mais barbares os
solta ao v e n to d o m ar ca n ções singellas. liomens do que os que hontem,
I Ó4 A M E N S A G E fR A

em pleno Pariz, — o fóco da ci- 13 de Maio. «Nesse dia. disse-me


vilisação — condeinnarain ao de­ ella. eu estava empregada como
gredo e ao exilio o genial escri- ama de leite de uma criança rica.
ptor que lionrou o século que o Meu filho estava sendo criado por
vio nascer! uma preta velha, eu não o via
As uvas de S. Paulo, que bellas! senão de mez em mez. A crean-
que ricas e que deliciosas! Exce­ ça que eu creava, eu a amava
deram muito a minha espectativa. tanto (]ue as vezes — (pie loucu­
Nunca vi e nem pensei que hou­ ra! (|uaudo a beijava e affagava
vesse uvas assim tão ricas e for- sentia que beijava o meu filho e
mosas! que differença — meu filho negro
Ao descer as escadas do salão como carvão, e a creança alva
nobre da Prefeitura, onde está a como jasmim, mais o coração não
exposição de uvas, ouvi a seguinte quer saber dessas cousas!
exclamação de uma senhora que, No dia 13 de Maio, quando che­
deslumbrada com a riqueza da gou a noticia de que a Princeza
terra paulista, dizia: Que bellas tinha fori-ado todos os captivos, eu
uvas! parecem da Europa! senti uma alegria sem conta e uma
E’ verdade, pensei eu, as appa- tristeza sem nome! Alegre! po-
rencias iIludem, as uvas parece deria viver com o meu filhinho !
que são da Europa, assim como a triste! — porque me lembrava que
condemnação de Zola parece um minha mãe morreu captiva e era
facto que se tenha dado no centro tão velha! sempre trabalhou e não
da África ou nos sertões de Goyaz! ponde gosar desse favor da Prin­
ceza. Depois, continuou a lava­
As maravilhosas curas do enge­ deira. quando acabou a festa da
nheiro Eduardo Silva enchem de rua e os fogos e a musica, o meu
admiração a todos! Outro dia ouvi patrão — porque é preciso que
um medico dizer, espirituosamente, explique -- eu era captiva mas
que se o engenheiro continuasse a meu senhor me alugou para ama
curar que elle iria fazer estradas de leito dessa creança, de que eu
de ferro. falo, por 120§000 por mez — o
E’ 0 caso: ninguém é propheta meu patrão chegou ao pé de mim
em ... sua profissão! e me disse que d’aquelle dia em
diante eu era livre mas que con­
Conheço uma pobre lavadeira tinuasse a amamentar seu filho.
que rne contou outro dia que foi Meu ordenado seria d’ahi por
captiva e que ficou liberta no dia diante de 4 0 ^ 0 0 0 por mez porque
A MENSAGEIRA

0 dinheiro era para mim mesma mento em que a ama ficou liberta,
e seria loucura pagar-me o mesmo sü valia 0 seu leite o terço do seu
(pie pagava a meu senhor, cpie era valor! Edificante, não acham?
um homem rico.»
Eu fiípiei 'pasma com essa liis- Eoi reeleita como presidente do
toria revoltante e perguntei-lhe: Orphéon Carlos Ooines a notável
porque vocc não se despediu ? ei’a oscriptora e primorosa poetisa Ade­
ja livre e não deveria se sujeitar lina Vieira! Xão podia ser melhor
a ganhar menos. — «Ah! sinha- a escolha. O Orphéon 6 pi’osente-
zinha! me disse a lavadeira com mente todo o enlevo da no.ssa poe­
os olhos rasos d’agua, eu já tinha tisa e ó pena que para dedicar-se
dado meu leite õ mezes á cream;a de corpo o alma ao Orphéon, se
0 já a amava tanto que não tive es([ueça da litteratura em geral e
coragem para reagir. O patrão po- da «Mensageira» em particular, a
deria de.sjiedir-me, elle era homem qual prometteu umas Palestras Fe­
zangado. mininas» e que pelos modos vão
— E seu filho? perguntei. ficar para o dia de S. Nunca, de
— Meu filho, respondeu solu- tarde.
i;ando, morreu nesse dia 13 de M.vria Cl.vr.v d.\ Cunha Santos.
Maio, mas eu só soube muitos dias
depois!»
A lavadeira despediu-se e partiu.
Eu fiquei a pensar na alma an­
gelica dessa creatura e na abne­
gação de seu proceder tão nobre. ^lle ou ella?
Todos conhecem casos hedion­ Da Mensarjeirn, R evista
dada á luz na P aulicéa,
dos e atrozes de barbaridades com-
um a quest.ão p on h o á vi.sta,
mettidas no tempo dó captiveiro, e n ão é theodicéa.
por isso não 6 demais que eu con­
te esse da lavadeira e do homem A s eruditas senhoras
rico que entendia que o leite que qu e illustram a Mensageira
amamentava o .seu filho valia cen­ certam ente são credoras
d e saudação lisonjeira.
to e vinte mil réis por mez emquan-
to um outro homem — também
E u , portan to, m ui sin cero
rico — recebia o aluguel para con- as cu m p rim en to e s a u d o ;
sumil-o ém capitosos vinhos o lu­ no acolh im en to, qu e espero,
xuosas ostentações e que no nio- estrib o-m e e não m e illudo.
166 A M E N SA G E IR A

E c o n to q u e ellas m e escu tem N ã o ser o p a to v a id oso,

attentas, b e n e v o le n te s ; c o m p a ra d o c o m a pata,

p o is casos q u e se discu tem caso é assás d u v id o s o ,

n ã o as top a m in d olen tes. e q u e n ão se desem pata.

V o u fallar das creatu ras In ca p a z d e a leivozia ,

q u e p o v o a m este g lo b o , se d is c o r r o desta sorte,

q u e r boas q u e r m ás figuras, n ã o é p o r q u e p rim azia

h o m e m , m u lh er, lob a o u lob o. qu eira d a r ao s e x o forte.

A p re fe re n cia d o s sex os L o n g e d e m im tal in ten to,

é o p o n to d iscu tiv el, nesta m ed a lh a h a rev erso,

e eu, sem ro d e io s co m p le x o s , e d e m o n s tra l-o é o q u e ten to

d ir e i q u a l o p re fe rív e l. n este m eu p ro s a ico v e rso .

Que é m ais g a rb oso o ca v a llo O m eu in tu ito é d is cre to ,

d o q u e sua com p a n h eira n ã o sei jo g a r p o r tabella,

n ã o é p re ciso p r o v a l-o , e a coeito c o m o d e cre to

n em h a ’ h i q u e m o req u eira . o p a re ce r d e u m a bella.

A m ais form osa v itella , S em tim id ez n em fraqu eza,

d e m ais lu z id io c o u ro , p o is q u e n en h u m a é m ed rosa ,

d e ser d esen h ad a em tella cada u m a c o m fran qu eza

é m en os d ig n a q u e um tou ro. e x p rim a -se em v e r s o ou prosa.

S e em crista, em côres, em cau d a D e c la r e a m ais eru d ita,

o g a llo v e n ce a gallin h a, assim em fó rm a d e esb o ço ,

para q u e m e lh o r se ap p lau d a, se a ch a a m o ça m ais b on ita ,

0 p a ra llelo se alinha. o u se é m ais b o n ito o m o ço .

S e o p assarin h o b em can ta, C om a ca n d u ra d e um a n jo,

fica sa b id o q u e é m a ch o, cu ja s vistas n ã o são baças,


n em m ais qu estão se levan ta, e n ca re b em um m a rm a n jo,

p o is m o tiv o s lh e n ã o a ch o. o lh e bem para um barbaças.

S e o p erú to d o en fu n a d o E nesta q u estã o p e n d e n te ,


n o b r io se con ceitu a , se ser fra n ca b em o p o d e ,
n ã o tem c r e d ito a b on a d o p h o to g r a p h e u m p reten d en te,
a ca b isb a ix a p erú a. fig u rin o d e b ig o d e .

V a i se n d o d ito e ré d ito , M e r e c e p h o to g ra p h ia ,
e a fama não corre, vôa, e m e n çã o em tr o v a o u c o p ia !
q u e um p a v ã o é tão b o n ito , A m ã o elle n u n ca enfia,
q u a n to é feia u m a p a v ôa . p o r ser m a io r q u e a m a n o p la !
A M E N SA G E IR A 167

E q u an to ao pé, n ã o fallem os,


nem o ca stello se a rra s e !
D e s ce n d e d os P oly p h e m o s,
0hronica omnímoda
a ju lg a r-se pela b a se! No bojo insondável do futuro,
alguma coisa fermenta.
R a c io c in a n d o com geito, Que será ? ...
e d a n d o o seu a seu d o n o ,
v eja se um o u tro su geito
n ão escapou d e ser m on o.

Quanto mais nos approximamos


R e p a r e se o m ais ja n ota ,
do fim do século, tanto mais pa­
q u e é b e so u ro q u a n d o canta,
n ã o tem um n ó q u e se nota, recem precipitar-se os aconteci­
e lh e faz grossa a gargan ta. mentos.
Como 0 enfermo desenganado
D ig a tu d o q u a n to saiba, que deseja viver muito e ... de­
ajuste o d ire ito ao facto,
pressa; 0 século também quer li­
e, ainda q u e bem n ã o caiba,
quidar os problemas todos que tem
a e x e c u ç ã o eu lh e a cato. '
a resolver.
S e as razões q u e h a p r ó e con tra
Vede como turbilhonam os acon­
c o m restricções eu a p p la u d o, tecimentos, sem que tenham ainda
a in certeza q u e se en co n tn i detenninado a linha a seguir.
e x ig e d e m im um lau d o.

N ã o d ou m u ito a p re ço ás raças
em c u jo in stin cto ha fereza,
Como bons julgadores, começan­
para n ã o fazer p irraças
a o p rim o r da natureza. do por casa, veremos, que, acaba­
mos de eleger um presidente da
E e x p o n h o , em fim , o m eu v o to , Republica, 0 qual, a exemplo dos
q u e p o u c o in flu e n o lib e llo : legisladores athenienses, pretende
O sexo qiic é mais devoto estudar as instituições e os costu­
é sem duvida 0 mais bello.
mes dos povos estrangeiros; com
B a rbacen a, 2 4 d e F e v e r , d e 1898. 0 fim ao que parece, de adaptal-
P. C o r r ê a de A l m e id a . os á nossa vida politica!
Ainda bem não deixou elle a
curul presidencial do Estado, e
tractam já de lhe escolher 0 sub­
stituto ...
Le roi est mo r t . . .
Findo 0 estado de sitio, aliás
168 A M E N SA G E IR A

anodyne, quasi um estado de si­ travar conhecimento com as garras


t io ... honorário: surge a petição do leão de Castella!
de habeas-corpus, que vai pelos A velha Europa tem incubada a
modos originando uma crise gover­ questão de Oriente e a qualquer
namental, a darmos credito ás in­ hora, pode-se desencadear a tem­
trigas de boateiros perversos com pestade nos mares da China; tem-
toda a certeza... }>estade que ha de engulir os po­
Marte, ao lado de Themis, pre­ derosos encouraçados: eterna ame­
para a escalada ao Olympo d o ... aça contra povos fracos, ou impre­
Catette; onde aliás, Jupiter, p ru ­ videntes ! . . .
dentemente está com as barbas de
molho...
O cambio vai descendo, descen­
do até dar comsigo em pantanas; Como si não bastassem já as
ou em bancarrota, de conformida^ questões internacionaes, para lan­
de com os desejos de muita gente çar a inquietação no espirito
cá do meu intimo conhecimento!... dos povos e a perturbação em suas
Reina a inquietude e o pânico finanças; fermentam ainda as ques­
em quasi todas as classes da so­ tões sociaes originadas pelo cori-
ciedade, porque ninguém mais po­ pheu de crenças religiosas ou po-
de contar com o dia de amanhã! liticas !
Ahi está, por exemplo essa ques­
tão Zola-Dreyfus, a qual transpôz
as fronteiras da França e reper­
Si, num relancear de olhos, exa­ cutiu já mesmo em terras de Cabral!
minamos 0 que vai pela America A principio tudo se parecia re­
latina; poderemos resumir a situa­ duzir a uma simples revisão de
ção dessas infelizes aggremiações processo criminal, determinada por
humanas, em duas palavras; assas­ um erro judiciário...
sinato e dictadura! Logo depois, degenerou em se-
Caminhando para o norte, dare­ mitismo, para assumir agora, pelo
mos de enconti'0 com a Pérola das (pie se vê, um caracter de inter-
Antilhas, cuja resistência heróica nacionalismo, personnificado fran­
vai depauperando de mais a mais camente no socialismo!
a Hespanha; pondo-a egualmente Assim 6 que vêmos nesta ca­
em risco de um rompimento for­ pital a convocação de reuniões com
mal, com a União Americana, cujo 0 fim de se formarem commissões
pavilhão estrellado está a pique de para significar a sua adhesão in-
A M E N SA G E IR A 169

condiccional ao grande liomeni de


lettras; cujo mérito mais distiucto
consiste para elles em ter escripto Meio 2)ia
Germinal ! ! I (Kragmento de vim poema)

Nos convites, que correm pela S cin tilla o sol d o m eio dia
imprensa, fi-ancamonte, sem rebu­ N as claras on das d o ribeiro,

ço, affirma-se 0 caracter socialista Q u e m a ru lh oso e sobra n ceiro


D es ce da negra penedia.
da manifestação, estigmatisando-se
0 que elles chamam 0 preconceito
N o vasto seio da esplanada,
religioso e . . . não sei que mais! O s bois deitados ))ela som bra.
R u m in am sob re a v erd e alfom bra
D e varias flores m archetada.

M an chas d o azul, m anchas escuras.


Caminhamos, ou não para uma O s c o rv o s cru z a m -s e bem alto,
liquidação geral? I... E m q u a n to v ã o de salto era salto
Quem mais pode contar com 0 M ico s d o bosqu e em travessuras.

dia de am anhã?!...
M on oton ia perenal
Não reina a perturbação em to­
E m toda a pa rte! A lli som ente
dos os cspiritos e a inquietação em
F arfalh a o ven to bran dam en te
todas as consciências ? ! . . . N as folhas d o c a n n a v ia l. . .
Turbilhonam os acontecimentos
como correntes que não encontram D c lá das bandas da cidade,
leito por onde correr?! . . . D e ix a n d o apenas q u e se veja
D e lon g e as torres d e uma igreja
Onde encontraremos salvação?!.
A lv a s da c o r da castidade.

P o r en tre n u ven s de poeira.


T ra n s p o n d o as g rim p a s d o barranco,
M on tada n ’ um ca v a llo branco
No bojo insondável do futuro
G alop a esbelta cav a lleira !
alguma coisa fermenta.
Que se rá ?... L e v e chapéu de palha fina

S ã o P a u lo , 10 M a rço — 1898. T e m na cabeca altiva e n ob re.


G ra cio so veu a m eio en cob re
J. V iE IK A I)K A l MKIDA. A sua face pu rpurina.

T a lh e p erfeito de cintura,
1# G a rb oso jiorte de prin ceza !
M im o g en til da natureza.
M aravilh osa creatura!
I 70 A MENSAGEIRA

Poréni na bof’a seul rival Si nos Tem ao pensamento o in­


Tão pequenina e lão veriuellia, verso da medalha, si nos lembra­
.\ssoiua um riso em que se espellia
mos que podemos ver amortalhado
Alguma cousa de fatal !..
0 anjo louro que papagueia e nos
Desenrolada a loira trança, beija a todo instante ou o compa­
Que o vento agita a sibilar... nheiro amigo que é o nosso apoio
Que brilho estranho tem no olhar?! e a nossa confiança, então senti­
Parece o Genio da vingança!
mos como que paralisado o cora­
A u r e a P ires
ção no peito, tal é o horror que
nos invade a alma!
Mas. a que proposito e com que
direito venho communicar á lei­
tora estes melancólicos pensares!
Xão sei por ventura de cór aquella
0om ares de chronica phrase de Clotilde — c indigno
Quarta-feira de cinzas... Sahi do dos (prnidcs corações espalhar a
Templo com o espirito annuviado perturbação que soffrcm — '
e 0 coravtão confrangido. 0 me­ Falemos, portanto, minhas ami­
mento homo quia puleis es et iit gas. de cousas alegres e boas. Xes-
pidrerem reverteris e a cinza que ta terra, onde os jasmineiros per­
vi na testa de donzellas formosas fumam as nossas janellas e onde
e de creanças rosadas me trouxe­ se ouve a toda hora o canto de
ram á mente uma revoada de pen­ aves encantadoras, parece que te­
samentos ti’istes! — A morte! o mos obrigação de ser joviaes e bem
esquecimento! dispostas. Que fiquem os pezares
A idéa do anniqui lamento com­ para os habitantes de Londres, por
pleto. — esse lampejo de esperança exemplo, onde dizem que o céu é
unica para os apaixonados infeli­ tão triste que nem parece céu ..
zes. — é 0 mais negro dos pen­ Vejo. porém, que já não dispo­
samentos para os que attingiram nho de espaço para mudar de as­
na terra a realisacão dos seus so­ sumpto e vou por isso dar a poe­
nhos e dos seus anhelos! Pensar sia de costume. Para hoje são
em emigi-armo«! para o paiz do des­ uns versos adoraveis na extensão
conhecido. deixando com vida e da palavra: trata-se da bella poe­
mocidade o ente que amamos e os sia de Francisca Julia. intitulada
filhos que extremecemos. é ter um Inconsoláveis. Todas as vezes que
dos maiores supplicios e soffer uma releio esses versos, penso num livro
das mais esmagadoras agonias! que ainda ha de vir e em que a
A .ATENSACtEIRA I7 I

talentosa poetisa, deixando falar sin- versos tersos e divinos! Vejam as


ceramente 0 coiaçào. nos dará leitoras si estes versos sào de uma
uma obra monumental, talhada, em impassível:

Inconsoláveis
Almas, porque choraes, si ninguém vos responde?
Almas, porque? Deixáe as lagrimas! empós
Do Ideal correi, correi a longes plagas, onde
Xão exista ninguém que escarneça de vós.

Lançáe o vosso olhar a longinquas paragens.


Bem distantes daqui, cheias de ideaes risonhos,
Onde as aves do amor, sacudindo as plumagens.
Passem cantando ao longe a musica dos sonhos...

A longes plagas onde estas misérias todas


Não consigam deixar o minimo signal ;
Paragens onde, em meio as delirantes bodas
Dos sonhos e do amor, exulte e cante o Ideal...

Mas não, almas! soltae a vossa queixa triste;


Contae ao mundo inteiro a vossa magua justa ;
Essa terra de Ideal, ó almas, não existe;
Inventei-a sómente, e invental-a não custa.

Pobres almas, lançáe em torno a vossa vista;


Sempre haveis de encontrar essa miséria atroz.
Almas, chorae, que embora esse paiz exista,
Xelle ha de haver alguém que escarneça de vós.
F r a x c is c a J u l ia d a S i l v a .

Aposto em como todas as leito­ num interior de Provincia. (Per-


ras desejam conhecer pessoalmente dòem-me os republicanos, mas pa­
a auctora de tão lindos versos, e rece-me que esta palavra, de pre­
as que não puderem ter essa ven­ ferencia a Estado, nos traz a idéa
tura. consoIem-se commigo que tam­ da paz e quietação dos lugares afas­
bém não posso, infelizmente, me tados dos grandes centros).
approximar de nenhuma das nos­ Minas, f'evereiro de 1 8 9 8 .
sas boas escriptoras, visto habitar M aria E milia.
I 72 A M E N S A G E IR A

Pouco a pouco 0 frágil recem-


^ or terras e mares nascido cresce, suas formas accen-
A Manoel Viotti tuam-se: tornam-se rechonchudas, e
marcadas por mimosas covinhas: ao
III
mesmo tempo seu olhar vago se
Velas abertas por sobre os mares,
lia quantos longos, penosos mezcs! esclarece e fixa-se nos objectos
Quantos cançaços, quantos revezes, exteriores.
Velas abertas por sobre os mares! A intelligencia accorda, a crian­
Mares de fogo, mares de gelo.
ça reconhece aquelles que a rode­
Mares desfeitos em serras de aguas... am.— ri, manifesta a alegria e a
() céu toldado sempre de maguas... dor, tem coleras e enfados, uma
Mares de fogo, mares de gelo... pequenina vontade pessoal, e já a
Somno cortado de pesadelos...
diplomacia.
Terras fallazes, que o azul esfuma. Delicioso momento para a nird,
Logo tornadas em frágil bruma ... esta apparição dos primeiros cla­
Somno cortado de pesadelos... rões do espirito; momento de de­
Quando alta noute, desparze a lua
vaneios. de chimeras. em que ella,
Clarões de opala, no oceano algente, recordando-se das ficções de sua
Um vulto passa, de voz dolente... infancia. de bom grado convidaria
Quando, alta noite, desparze a lua... as fadas para madrinhas do pe­
Todos em torno de num se agrupam,
queno cherubim, para lhe darem
Mas eu, somente, beijo a figura a força, a graça, a belleza, todos os
E ouço o phantasma da desventura... dons, todas as felicidades.
Todos em torno de mim se agrupam.. Nós estamos em uma epocha
Velas abertas por sobre os mares.
prosaica que afugentou essas vapo-
Ha quantos longos, penosos mezes! rosas filhas do sonho, e não po­
Quantos cançaços, quantos revezes. demos mais contar c('-m os seus
Velas abertas por sobre os mares! soccorros sobrenaturaes; felizmente
C â n d id o d e C a r v a l h o passamos sem elles.
Se as mais não podem dotar seus
filhos e filhas com dons prodigiosos
podem comtudo formar-lhes uma
inteligência sã em um corpo são.
Educar uma criança 6 cotisa
Os p lh os grave, e bem educar muito im­
A criança abrindo os olhos á luz portante porque os primeiros hábi­
é inn ser incompleto que só pede tos subsistem sempre.
0 desenvolvimento. Por mais que se faça a crian-
A M E X SA G E IK A
/0

ça está no homem, bem que o recorrer a força e educa-la pelo


homem não esteja na criança. susto como se domam os animaesV
Dizem que ha na África tribus Xo século dezoito o amor filial
que ensinam as jovens casadas a era feito de respeito e terror; nós
educarem os filhos. — Xós outros, estamos longe de.s.se systema brutal.
povos civilisados, jul<>:amos que A criança tem um coração, é
uma moça pode improvisar-se mãi preciso en.sinarlhe a servir-se d'elle
de familia; por isso ellas vão as e mais tarde a fazer uso da rasão.
apalpadellas. e quantas experiên­ ü melhor meio d'influir sobre
cias caramente pagas!... 0 menino 6 ama-lo sinceramente.
E’ preciso usar moderadamente Seu coração acorda antes do seu
das caricias, porque a sensibilidade espirito e o sentimento pi-oduz
muito excitada torna as crianças sempre o sentimento. A criança
inconstantes e susceptiveis. tem para o conhecer um tacto ex-
Os affagos exagerados abalam ti'aordinaro; a velhice, a fealdade
os nervos. não a assustam, afasta-se somente
Devemos comtudo afíligir-nos das physionomias duras e frias.
coin as suas dores e tomar parte E' preciso não desencaminhar,
nos seus pezares para que não sem cauza grave as primeiras affei-
endureçam os seus corações e pos­ çòes pela mudança de ama ou de
sam comprehender os males alheios. saia. Dara a crianças sensiveis pode
Os médicos censuram as caricias haver nisso um perigo sé rio; se
apaixonadas pela má influencia que ellas são volúveis e frias tornan-
exercem sobre o systema nervoso; se ainda mais e o egoismo poderá
porém a moral as reprova mais nascer n’esse jovem coração que
ainda como uma fonte de injustiças. não se fixará em affecto algum.
Com effeito ellas são prodigali- Algumas vezes o ciume das
sadas á graça da criança e mais mãis assusta-se com a affeição que
tarde recusadas ao verdadeiro me­ 0 pequeno mostra ás suas rivaes
recimento. Devem ter ura carac­ subalternas.
ter fortificante e animador; e se E’ um erro, as affeiçòes trans-
forem sempre um signal de appro- portão-se com mais facilidade do
vação torna-se-hão poderoso fer­ que se augmentam. e a mãi in­
mento para a educação futura. telligente saberá reconquistar o
E' pela sympathia que devemos joven coração que lhe pertence.
reinar sobre a criança, podemos Xão empregueis palavras rudes
subjugar absolutamente sua von­ e ameaçadoras para desviar a cre-
tade pela nossa. Eentão para que ança das más acções, ellas choram
174 A M E N S A G E IR A

porque se perturbam ; mas quando cousa e nunca tomar o seu capri­


se acalmam esquecem o que se cho por lei.
llies disse e recomeçam. Pequeno, o menino obedece a
Depois, a cólera 6 contagiosa; seus pais, depois cresce e obedece
ellas modelam-se por aquelles que ao dever representado pelos pais
as educam, zangam-se como elles, que elle ama e respeita; mais tarde
e voltam contra elles as palavras elle obedecerá ao dever indepen­
injuriosas que ouviram. dente de qualquer outra relação.
O escarneo offende e humilha O objecto da obediência muda,
ao menino por menor que seja; porém a virtude fica.
elle zanga-se primeiro, depois toma Emfim, não se deve tratar a
0 exemplo. criança como igual, raciocinando
Na Inglaterra ó regra falar bai­ com cila, procurando obter a do­
xo ás crianças cilidade pela persuasão. Deixa-
Com effeito a calma inerior se se-lhe assim o direito de não ser
produz sob a influencia da calma convencida e só se consegue for­
exterior, e as faculdades mais ele­ mar caractères litigiosos, capricho­
vadas lá crescem ao abrigo do re­ sos e intratáveis.
pouso. Também não esqueçais que os
Nunca o menino deve obter gracejos suppôem a igualdade.
uma cousa porque lhe apraz, mas Trnd. CiíARIsse.
sim porque lhe é util.
Se não se lhe der aquillo que
elle pede chorando, elle aprenderá
a passar sem isso. — Se elle não
associar á ideia das lagrimas e da
cólera a de obter mais cedo aquil­ ^otas pequenas
lo que deseja; elle pensará menos
em chorar e enfadar-so. Acadêmica. No dia 9 do cor­
Não consintais que a criança dê rente teve logar, na Faculdade de
pancadas e diga injurias para se Direito de S. Paulo, a primeira
divertir. matricula de uma senhora.
E’ preciso habituar cedo as cre- A nova acadêmica, que no curso
anças á docilidade. de preparatórios obteve distincção
A docilidade não c por si uma em todas as cadeiras, 6 a Exa.
virtude, e a creança não está des­ Snra. D. Maria Augusta Saraiva.
tinada a ceder sempre, e a todos, Testemunho feminino. Eis uma
mas ella deve obdecer a alguma interessante noticia sobre o teste-
A M E N SA G E IR A

inunho feminino, dada pela Nanlo, Iha de Marie Ernestine Mayard


desta capital: (em religião irmã Saint'-Etienne).
«Apenas a nova lei franeeza au- Soror Etienne entrou na ordem
torisando o testemunho da mulher depois do fallecimento do seu ma­
nos actos eiveis e nos aetos instru- rido, o capitão de fragata Blan-
mentarios foi promulgada, em toda chet, morto, em Bourget, durante
a França, as mulheres apressaram-se a guerra de 1 8 7 0 .
em usar immediatamente dos no­ Eis, pois, as religiosas (pie se
vos direitos cpie lhe haviam sido propãem a usar dos seus direitos.
concediílos. Breve se acabará [>or comprehen-
O primeiro acto inteiramente fe­ der (pie todas as mulheres são fe­
minino teve logar na inairie do ministas, unicamente... muitas .lão
TX arrondissement de Paris, em o sabem.»
12 do mez passado: — uma mulher Recebemos e agradecemos; —
foi áquella repartição registrar o Conjmho, periodico (pio se publica
nascimento de um filho... do se.vo no Kio Grande do Sul, e do qual
feminino, sendo a sua declaração são redactoras as conhecidas e
testemunhada por duas mulheres. apreciadas literatas Kevocata de
Xo Havre, as mulheres praticam Mello e Julieta de Mello Monteiro.
0 officio de testemunhagem em ac­ Os números que temos á vista são
tos menos ordinários. X"o «Hos- dignos de attenta leitura e trazem
picio Geral» procedeu-se ao casa­ variada parte literaria. O Corym-
mento in-extrem is do l\rr. Vigeon. ho, que apparecia semanahnente, e
Uma das testemunhas d’esse cu­ que está no seu XV anno passou
rioso casamento foi uma irmã fie a publicar-se de quinzena em quin­
caridade, soror Saint’ Etienne. Não zena, tendo melhorado sensivel­
era uma couza nova para esta ir­ mente a sua parte material e sup-
mã, 0 casamento iu-extremis e o primindo d’ora em diante a pagina
testemunho feminino, por(]ue a pro­ de annuncios; — A Palavra, in­
pria soror Etienne tinha assistido teressante e bem feita revista lite­
ao ... seu proprio casamento. A raria, que se dedica á instrucção
nobre religiosa do Xavre inter­ e recreio do sexo feminino, e que
vindo como testemunha no acto de ha dez annos é publicada em Pe­
casamento de Mlle. Vigeon, reve­ nedo, estado de Alagoas; — O
lou 0 seu estado civil, conhecido Eeho, de Macahé, — O Progresso,
apenas d’algumas pessoas intimas. de Maroim, Sergipe; e a Gaxeta
A irmã Saint-Etienne assignou-se Poringuexa, que se publica nesta
assim : Mme. viuva Bianchot, fi- cidade
I y6 A MENSAGEIRA

‘f eliz encontro
(A Maria Clara)

A historia pequenina, em versos, vou contar,


De alguém que amou na vida o mais (juc ponde amar.

Era um ceguinho pobre, um fdho da miséria.


De coração ardente c de bondade etberea !
Andava pelo bo.sque um dia passeando.
Tendo um fiel cãosinho os passos lhe guiando.
Em meio do caminho ouviu dolente voz,
E se espantou porque julgava estar á sós.
A voz era um gemido, ou quei.xa, ou quer que o valha !
Distingui-se sem ver a voz que o pranto orvalha !
E o pobre do ceguinho, cm trevas, perguntou:
— «Quem é que aqui suspira e ha pouco .soluçou?»
Ilesponde-lhe uma voz tristonha, entrecortada:
— «N ão no posso dizer! Si sou tão desgraçada...
Indaga a noite, a estrella, ou pergunta ao luar
Porque é que vive esta alma em continuo chorar..
— « Ah! que escarneo, mulher, á minha face atiras!
Nunca vi noite, estrella, ou pérola ou saphiras...
Sou cego e só conheço a luz do coração,
Que vive, por emquanto, isento de paixão. »

Daquelle inesperado encontro que alli houve


Nasceu tamanho amor que inda hoje ha (piem louve.

Agora quero em breve a historia rematar,


Contando porque a moça estava a soluçar :
Era uma bexigosa, horrenda o mais possivel !
Seu amor proprio tinha um padecer horrivel !
Nunca esperara achar na vida um puro amor,
E por isso chorava em tétrico amargor...
Mas o destino deu-lhe um cego por amante!
Elle era apaixonado, aftavel e constante.
E na sua cegueira, amoroso e feliz.
Encontrou a mulher que em sonho sempre quiz!

pRESCILIANA DUARTE DE Ât.MElDA.


São Paulo 31 de Março de 1898 Anno I, N. 12

A MENSAGEI] u
Revista literaria dedicada á imilhei’ brazileira
Direotora — Presciliana Duarte de Almeida

revista (jarante a sua pubhoação durante um anuo.


P ublica-sc nos dias 15 e 8 0 de cada m ex

Pagam ento j Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m ero avulso


a d ia n ta d o | Endereço; Rua dos Estudantes N. 23 Rs. 1 $ 0 0 0

Summario: — Uma saudação, Analia onde me e.vilei, mão só pelo meu


Franco; — Por terras e mares, poesia.
Cândido de Carvallio; — Educação lite­
estado precário do saude, como
rária, Olvmpio Calvão; — A o romper da pelas affanosas lides do magistério,
lua, ]K)csia, Dciminda Silveira ; — Carta faltaria do certo a um dever sa-
do R io, Maria Clara; — Santa, soneto.
gindo, se voltando do novo á pu­
Bento Ernesto Junior; — Exul, soneto,
Heraclito Viotti; — Selecção; — Triolet, blicidade, não e.vternasse aqui as
Olga P. ; — Xotas pecpienas ; — Funerea, minhas sinceras o enthusiasticas
Perpetua do Valle.
saudações á synqtathica revista (pie
com tanta proficiência dirige, au­
Uma Saudação xiliada por uma jtleiade de bri­
Ao regressar d'uiiia das cidades lhantes talentos.
do interior d'este Estado, casual­ Xo conflicto das difficuldades
mente deparou-sc-me um numero que embaraçam a nossa existência
da interessante revista A Mensn- nacional, no meio das tristezas e
f/e/ra, na (pial a sua illustre re- desalentos do nosso viver collec-
dactora, inserindo algumas pala­ tivo, no futuro do dia de amanhã
vras assas lisongeiras em referen­ tão incerto e desigual — faz-nos
cia á minha humilde individua­ bem o vermos surgir sobro a tona
lidade, assevera ter eu abando­ d’essa corrente do indifferentismo
nado a penna, por achar-me pri­ que nos gela, alguns sores previ-
vada da vista. legiados, os (piaes, collocados n'um
Em rectificaç.ão á verdade cum­ ponto de vista superioi-, vèm mais
pre-me declarar, (juo felizmente longe, procuram levantar para si o
acho-mo restabelecida, com quanto espirito dos que os leem e inte-
a minha vista esteja bastante di- re.ssar nos problemas sociaes a in-
minnida do que foi. telligencia dos (pie os comprehen-
Agradecendo ao empenho com dem. Tudo quanto exalça o co­
que me procurou na obscuridade ração e 0 espirito iTesta (piadra
178 A m e n s a g e ir a

ingratissima ao idealismo intollec- basta, é preciso fazel-o fructificar;


tual cia vida, deve ser bem vindo eis a missão grandiosa da Mensa­
para todos. Assim, bem vinda seja geira^ que deve ir pouco a pouco
A Mensageira pela missão sublime rasgando á mulher brazileira hori­
que lhe está assignada. Realmente, zontes cada vez mais vastos, visto
0 pensamento de encetar uma pu­ que 0 progresso reclama a educa­
blicação, afim de pugnar pelos di­ ção universal e pede costumes no­
reitos e deveres da mulher bra/.i- vos.
leira, para tornal-a mais valida e Moralidade e crenças não se de­
mais forte, podendo, como o homem, cretam pelas leis nem se impõem
resistir altiva, corajosa a todas as pela força, saem da educação, das
\netas e amarguras da vida, é uma convicções e dos costumes.
idéa grandiosa e de magno alcance. Ninguém ignora como, de mo­
Emtanto, essa idéa que tem feito mento a momento, vão cahindo u-
tantos adeptos entre os grandes a- mas apos outras, as palavras que
postolos do bem, entre nós ainda tinham outr’ora prestigio seguro e
não envolve uma solução efficaz, significação consoladora na alma
pelas múltiplas difficuldades que do povo.
tem a vencer. A religião parece ir fugindo das
A mulher brazileira, com algu­ consciências para se circumscrever
mas excepçòes, acostumada a não apenas ás exterioridades do cul­
amar a leitura por julgal-a um e- to, e por isso vae se augmentando
lemento de perversidade, em razão n’uma progressão assustadora o nu­
dá má educação que nos deram, mero dos que precisam do balsa-
parece não sentir a necessidade de mo de resignação para não trava­
uma distracção superior. rem 0 punhal de salteadores. «A
A vaidade e o desejo ardente de humanidade, diz Guizot, em tempo
brilhar pelas graças exteriores, nenhum fluetuou a tal ponto entre
constituem a estreita ambição e o 0 ceo e 0 abysmo.»
pensamento de muitas, que acre­ Quando consideramos os effeitos
ditam ser esta civilisação a ultima funestos que vae produzindo a falta
conquista do progresso humano. do desenvolvimento moral e reli­
As consequências d’isto são o en­ gioso das nossas faculdades, senti­
fraquecimento sensivel das noções mos que devemos empregai’ todo o
da responsabilidade e do dever, a amor do nosso coração, todos os
tendencia decisiva para essa pre­ esforços da nossa vontade, para
guiça mental que nos quebranta e combater tenazmente essa indif-
esterilisa. Conceber o bem não ferença religiosa, esse desequilibrio
A M E N SA G E IR A 179

moral que parece ir rompendo a foi possivel apertar e conter nas


harmonia das sociedades, e que vae formulas estreitas do egoismo ani­
ferindo pela base os fundamentos mal.... E a religião foi, e 6, 0
de organisação humana. supremo idealismo dos povos. Co­
E, na verdade, é sem duvida mo prova do que se construe soli­
bem desgraçado aquelle que des- damente quando a religião serve
presa as suas crenças impiedosa­ de cimento, citarei apenas a fun­
mente, tendo tantas vezes se nu­ dação e a prosperidade dos Esta­
trido com 0 leite puro de sua fé. dos Unidos, impossiveis sem 0 res­
A nós cumpre reunirmos todas as peito fervoroso dos puritanos; e a
nossas forças, para luctar con­ emancipação da Hollanda, que Mar-
tra esse materialismo esterilisador nix e Guilherme de Orange não
que nos vae avassallando, pela voz teriam realisado sem a fé profunda
da imprensa, do magistério, do li­ dos «gueux.»
vro, do folheto, da familia, das mães, S. [’aulo, 17 de Março de 1 8 9 8 .
da escola, d’aquelles de quem possa A . v a ija F ranco .
dimanar um ensino, ou um exem­
plo; e nunca será demais estimu­
lar os brios e 0 patriotismo das
brazileiras, já pela palavra, já pelo
exemplo, para que marchem na
vanguarda do progresso á conquista
"for terras e mares
das grandes qualidades que assig- A Mmiool Viotti.

nalam e esmaltam a parte mais TV

nobre da historia e que dá á nossa ............till’ breakers roar,


.And shrieks tlie wild sea-mew.
especie a consciência da sua gran­ Byron.
deza. Terra lualdicta em que me vejo,
Ao concluir, direi como um il­ Em que, sosinho, naufraguei;
lustre escriptor contemporâneo : Terra contraria ao meu desejo,
Terra fatal, que não sonhei;
«Não ha vida feliz, individual ou
collectiva, sem ideal: 6 n’este ether I’ atria onde a sombra é urna chimera
das almas, n’este divino ambiente E agua, ao sedento, urna illusão;
que se formam e movem 0 amor, Que aves do mar sómente gera
a fé, a abnegação, 0 enthusiasmo Para povoar a solidão;

pelo bem, a dedicação tenaz, a


Penhascos nús, que as chuvas róem,
lealdade completa, todos os gran­ E fende o sol cada vez mais;
des sentimentos que constituem a Plainos de areia que destroem.
nobreza da nossa especie, e nunca Vociferando, os temporaes;
18o A MENSAGEIRA

Costa deserta onde se adensa


A espessa bruma do alto mar, ‘;£ducação Literaria
Sem uma flor, um fructo — e immensa.
Olynipio Galvão, um dos eleitos
De ondas em torno a raarulhar;
para o Coiif/rcsso Literário de l ’er-
nambuco em 1 8 9 2 . realisou a 12
Terra que o oceano irado abate
E donde a vida anda a fugir; de Dezembro ultimo, no Instituto
Terra de luas côr do matte Literário Olindense, uma brilhan­
Sinistramente a me sorrir; te conferencia, da qual destacamos
0 seguinte trecho relativo á mu­
Dizei si acaso um peito exhausto
lher brazileira, sentindo não dis­
De ambicionar e de soffrer.
pormos de espaço para transcrever
Hade haurir já — hausto por hausto,
A taça de ouro do viver? na integra a sua apreciadissima pe­
ça oratoria:
Estou sedento, estou fam into. . . «Sou dos que pensam que a mu-
Andam visões ao longe e p e rto . . . llier não deve tão somente limitar-
Grandes palacios v e j o ... E sinto
se a aprender a arte de ser boa
E sei que estou vivo e desperto.
mãe de familia, não querendo dizer
comtudo, que se entregue a estu­
Moças formosas eu abraço,
Kios descubro plenos do agua. dos profundissimos, assás penosos
E quando extendo, anciado, o braço para tão gentis e frágeis organis­
— O rio é rocha, a moça é frágua. . . mos.
Mas, quem de vós ousará negar
Quem ha que o certo reconheça
que infelizmente ó superficialissi-
Quando a dor viva e rude o alquebre?
ma a educação da mullier brazi­
— Tenho a queimar minha cabeça
E o corpo imbelle ardendo em fe b r e ...) leira ?
Rarissimo ouvireis dizer em se
Visões talvez sejam da morte, falando de uma brazileira instrui-
Gastellos de ouro de outro mundo. da: Fala correctamente o portu-
guoz e não lhes são desconhecidos
E ’ n o u t e ... Ha l u a ... lí o vento forte
os mvsterios da linguistica c os
Embala a vaga ao mar sem fundo.
factos principacs da historia patria.
C.VNDIDO DE C-\RV.\I.HO.
Entretanto com a maravilhosa in­
tuição que possuo a mulher, está o
seu espirito predisposto a receber
todas as luzes que difundem sobre
nós os diversos inmos dos conhe­
cimentos humanos, apezar do que
disso 0 sabio professor Lombroso
A M E N SA G E IR A l8 l

em suas ultimas investigav-Òes scien- de coração, isto é, os únicos que


tificas. negando á mullier o genio teem verdadeiro valor.
e até mesmo de alguma forma o Em todos os paizes civilisados,
talento. devido a uma perfeita educação
O dominio mais lato e mais po­ litteraria, as senhoras exercem nma
deroso da mulher, 6 effectivaniente notável preponderância na repu­
0 coração c ninguém mais do que blica das lettras e não raro fundam
ella sublimifica-se pelo amor; isto importantes associaçces, redigem
porem não quer dizei’, que seja a brilhantes jornaes e publicam li­
mulher inapta para cultivar as ar­ vros magnificos de litteratura e
tes, as sciencias, a philosophia etc. sciencia.
Enxugar as lagrimas do afflicto, Quem não conhece as escripto-
elevar os corações e retemperar os ras de Portugal, á frente das quaes,
espiritos, 6 uma tão grandiosa mis­ como esti-ella de primeira grande­
são como a de diffundir em larga za, fulge Guiomar Torrezão?
escala as luzes que se adquiriram E 0 verdadeiro exercito de poe­
consultando os hons livros e ou­ tisas e romancistas francezas e as
vindo os sábios ensinamentos dos ardentes e inspiradas litteratas ita­
mestres. lianas? Ada Negri com toda a
E os mestres devem ser os me­ pujança de suas vinte primaveras,
dicos moraes de suas discipulas; espalhando a mãos cheias o verso
e, se na escola fossem tomadas as vibrante (pie fnstiga como um lá-
mais rigorosas medidas prophylati- tego e que aniipiilla como um ro­
cas afim de evitar-se o contagio chedo; Maria de Gardo, a delicio­
das grandes doenças moraes, como sa romancista que nos offerece de
quer o Barão de Feuchtersleben quando em vez pratos saborosissi-
em a sua bella obra «H^^gieno da mos como a «Via Dolorosa» que
Alma», a mulher completaria a se digere com prazer e (I'le nos
sua educação, sã de coi'po e sã de réconforta a alma por mais abatida
espirito. que se encontre?
A belleza, diz Paul Janet, acom­ E porque razão mil vozes mais
panhada das graças do espirito e aguerrido e poderoso, não poderia
caracter, faz-se perdoar, respeitar ser 0 exercito de nossas escripto-
e adorar; altiva, caprichosa c fri- ras e poetisas, ante a incomparável
vola, pode apenas atrelar ao seu belleza de nosso céo e ante as ri­
carro algumas cabeças ouças e al­ quezas descominunaes de nosso
mas pequenas, mas terá contra si paiz?
os homens de espirito, de gosto e De quem a culpa? Em primeiro
i 82 A M E N S A G E IR A

logar dos paes que, com honrosas mores — que «não teem a banali­
e dignas excepções, não curam da dade vulgar do commum das poe­
educação das suas fillias, seguem sias outr’ora escriptas por mulhe­
a rotina de seus avós e liao de res» e acerca de quem depois de
ser por conseguinte eternamente affirmar João Ribeiro não encon­
retrogrades; e em segundo logar, trar nem no sul nem no norte,
dos governos que só cogitam de um poeta que se avantaje, ou
politica, mas não da alta politica eguale á celebrada poetisa, escre­
(pie felicita a Inglaterra e os Es­ veu :
tados Unidos da America do Nor­ «Todos lhe são positivamente
te, da politicagem que tisna cons­ inferiores no estro, na composição
ciências e corrompe os mais pu­ e factura do verso; nenhum pos-
ros caracteres. sue em tal gráo o talento de re­
Mau grado todas essas influen­ produzir as bellezas classicas com
cias mesologicas, nós nos-^desvane- essa fria severidade de forma e
cemos de possuir em nosso caro de epithetos de que Heredia e Le­
Brazil, escriptoras distinctissimas conte deram o exemplo na littera-
que desfraldaram já no campo tura franceza; nenhum jamais den­
das idéas a bandeira do combate tre os mysticos e nephelibatas de
e hão de sahir victoriosas porque Lisboa ou do Rio de Janeiro se
a causa que defendem é justa, é elevou a essa região serena do
nobre, e concorre para o engran­ mysticismo que a poetisa «De joe­
decimento da patria. lhos» nos revela com tão extraor­
Ahi temos Presciliana Duarte, dinária emoção.»
congregando todas as escriptoras Dignas substitutas de Francisca
brazileiras e popularisando-as pela Julia, são as dulcissimas poetisas
sua importante Revista — A Men­ brazileiras, Julia Cortines, Zalina
sageira — ; Revocata de Mello, a Rolim, Aurea Pires, e a meiga e
papiza das lettras que tem no Rio melancólica Georgina Teixeira.
Grande do Sul seu throno de ou­ Como chronistas elegantes e cri­
ro e purpura e é acolytada pelas teriosas, dentre muitas outras, cito
virtuosas sacerdotisas da Forma, Maria Clara Santos, Ibrantina Car­
Julieta Monteiro, Carolina Kose- dona e Maria Emilia.
ritz, Paula Ferreira, Andradina de Dessas e de outras de egual
Oliveira, Tercilia Nunes e outras tempera muito tem a espei'ai’ o
muitas; Francisca Julia da Silva, Brazil.
poetisa que immortalisou-se publi­ Essas, certamente, não preferi-
cando seu livro de versos — Mar- i’ão uma trivialíssima soirée dan-
A M E N SA G E IR A
183

çante aos gosos suavíssimos que


somente 0 espirito proporciona e h o romper da lua
nem se aborrecerão solemnemente Como vens tão formosa, 6 lua bella,
nas sessões scientificas ou littera- serena pela azul immensidade,
qual ave branca na lagoa mansa;
rias, mal suffocando os bocejos
assim, acompanhada de uma estrella.
que algumas vezes tornam-se ver­ O’ lua, me recordas a saudade
dadeiramente epidêmicos n’uma as- seguida da esperança.
sembléa selocta em que se discu­
Agora teu pallor não me entristece
tam assumptos transcendentaes e
como outras vezes que no céu te vi,
tenha por ouvintes em sua maior e dôr cruel não me deixou sorrir-te;
parte pliilisteus, representantes da — como estás longe emtanto! ai, si podesse
vulgaridade e da massa amórpha. a minldalma voar té junto a ti,
Falae-lhes em dança, em modas como essa estrella n’amplidão seguir-te!...

parisienses, em corridas hyppicas Do céu sereno pelo azul infindo,


e mil outras futilidades, mas não errante iria est’alma tão saudosa
lhes faleis de litteratura. de artes olhando o mundo ao teu clarão, d’ altura;
e sciencias que não vos escutarão. e, quem sab e?... n’algum recanto lindo,
como em Oásis fonte preciosa,
Entretanto a dança é uma lou­
não acharia eu minha ventura!...
cura que 0 século X IX aperfei­
çoou e 0 século X X requintará A i ! segue n’amplidão lua formosa,
de perfeição. rninldalma te acompanha n’ um suspiro,
és sempre a mesma — aqui ou n’outro céu ;
Ah, mas isso 6 que é a civili-
vamos pois: que esta luz magica, tua,
sação, isso 6 que 6 a etiqueta da me mostre além o plácido retiro
alta sociedade! Trajar bem, arrui­ onde minha ventura se escondeu!
nar a saude e perturbar a diges­ D ei .m in d .\ S il v e ir a .
tão com 0 uso immoderado do es­
partilho, fazer sobrepujar aos do
espirito os dotes naturaes de que
são tão prodigamente servidas as
nossas gentilíssimas patrícias e ahi 0arta do ^io
está concretisada a suimna educa­ Ha dias recebi a visita de uma
ção que, para as suas encantado­ amiga que ha muito tempo não via.
ras filhas, sonham alguns paes bra- Comprehende-se bem porque pas­
zileiros.» samos tantos mezes sem nos en­
contrarmos: moramos em extremos
oppostos, eu aqui á entrada da Ti-
juca, ella lá nos confins de Bota-
fogo.
A M E N S A G E IR A
I 84

Depois das primeiras expressões — Mas, francamente, não acho


de saudades e abraços, olla poz-se motivo para ella estar assim tão
a falar em tudo e cm todos que desanimada e tu tão contristada!
conhecemos. Dava-me noticias a- Estão todos fortes, teem savide,
gradaveis umas e outras tristes, podem trabalhar. Precisamos ter
tudo de mistura, sem quasi des­ coragem. A fortuna é um bem,
cansar. não ha duvida, mas sem ella tam­
Incidentes engraçados vinham bém se vive e póde-se mesmo ser
cortar o fio das longas divagações feliz. Deus me livre de pensar
e ella sempre a falar contava-ine assim como pensas! A respeito
que a nossa amiga A. estava em da fortuna eu tenho minhas idéias
excellente villégiatura em Lamba- muito especiaes. Acho que o luxo
ry, que D. Fulana mudara de casa c 0 maior factor da desgraça. Na
por ter brigado com a vizinha, que mulher principalmente 6 que o luxo
0 filho do Coronel C. foi reprovado actua do modo mais desastroso !
em francez e mil cousas mais de Nota bem que o que a nossa ami­
(pie me não lembro agora. Depois, ga sente e patenteia por esse pc-
com voz muito triste e olhos rasos zar enorme é a falta do luxo que
d’agua, disse-me: Sabes dc uma des­ vác ter d’ora em diante.
graça? Nossa amiga Laura está Aíiuclle vexame nada mais ó que
pobre!! O Commendador está mui­ 0 reflexo da vaidade, ella sente que
to atrazado, deram balanço no ne­ vae terminar a febre dos theatros
gocio c elle ficou sem cousa al­ e dos bailes e das oceasioes de
guma, a mudança lá na casa de brilhar ostentando custosas toilettes.
familia foi horrivel, não imaginas! Coitada! Eu sinto por sabel-a tão
venderam os carros e cavallos, qua­ acabrunhada, mas não (jue o facto
dros c estatuas e o prédio nobre vae em si inspire dó.»
ser entregue em pagamento dc di­ — Mas, minha amiga, continuou
vida a um negociante de S. Paulo. a visita — achas que um homem
Olha. causa d(3 ! Laui'a está in­ depois de ter sido, como o Com­
consolável 0 vexada! O Commen­ mendador, chefe de uma casa ban­
dador vao ter um emprego muito caria, póde, sem quebra de digni­
secundário, que o seu amigo Dario dade, ser um empregado qualquer
arranjou na Alfandega e ella, a po­ e andar ainda com a cara alegre?
bre Laura, quer ausentar-se desta — Perfeitamente. respondi. Yejo
cidade, onde viveu folgadamente o (pie pensamos, neste ponto, de mo­
ostentou e deu festas e recepções do muito diverso. E, para certifi­
e agora... coitada!» car-te do pouco valor que tem a
A M E N SA G E IR A

fortuna relativaniente á felicidade da era isso mesmo — folgar, rir e


conjugal, vou te contar uni facto gastar dinheiro. O que, porém, ella
que eu sei contado por minha (jue- não imaginava era o que o marido
rida avó, que Deus haja uo Ceo. fazia: assentava todas as despezas
Havia, em Xictherohy, uma moça extraordinárias da mulher — essas
muito rica e que dava á sua for­ despezas que ella fazia exclusiva-
tuna apreço demasiado. Para cila mente com 0 dinheiro do dote —
0 dinheiro era tudo. Acostumada, em um livro diário onde podia
desde creança, a ouvir falar com provar a verdade com os recibos
despreso da pobreza e endeosar o e documentos. Um dia, minha a-
dinheiro, começou por dar toda im­ miga, o dote acabou. Bem sabes
portância somente á gente rica. Lá que, a gastar por c.ssa forma, não
um bello dia, porém, a moça sen­ ha mãos a medir. A moça, como
tiu no coração o tal tic-tac quo sempre, imperiosa, disse: quero um
toda agente sente quando tem vinte vestido de velludo, tiro do meu di­
annos e por uma fatalidade o ra­ nheiro. O marido chamou-a doce­
paz era pobre. O coração dos mo­ mente, fel-a sentar-se a seu lado
ços 6 sempre bom e por isso, ape- e com todo o carinho obrigou-a a
zar da repugnância que a pobreza lér aquelle livro.
lhe inspirava, venceu o coração, e A principio ella não quiz: (pie
0 casamento effectuou-se ii'ia lucrar com isso?
O rapaz era muito digno para Mas 0 marido disse-lhe energi­
poder ouvir insinuações do qual­ camente que era preciso que ella
quer ordem. Limitava suas de.s- soubesse que o dinheiro do dote
pezas ao que ganliava com a sua estava esgotado — ella o dissipara
advocacia da roça. A moça, — exclusivamente em suas phautasio-
que levara dote — não estava por sas despezas e (pie d'aquella data
isso — e dizia ao marido constan­ em diante tinha que se sujeitar ás
temente que queria vestidos de se­ suas condições e receber o que
das 0 joias e que para i.sso tiuha ellc lhe pudesse dar, exclusiva­
fortuna, gastava do que era seu. mente.
Promptamente era servida. As Ella quiz chorar, pudera! a pers­
exigências repetiam-se todos os dias, pectiva da economia aterro risava-a!
a moça não pensava que a fortuna Ahi então o marido, como homem
pude.sse um dia se acabar e inven­ ajuizado e verdadeiro amigo, fel-a
tava gastos do toda ordem; um dia calar-se e disse-lhe que novos ho­
era uma viagem, outro dia uma rizontes de felicidade vinham illu-
festa, emfim, ella julgava que a vi­ minar o lar, a querida paz do lar
I 86 A M E N S A G E IR A

que ató então só era perturbada dia da inauguração foi muito bo­
pela ideia do luxo, que 6 a osten­ nita e muito concorrida.
tação da vaidade e de mil outras Diversos brindes foram feitos ao
paixões despresaveis. Snr. Aguiar, á imprensa, ao pro­
Viveram d’ahi por diante muito gresso e á França, porque é pre­
felizes, — 0 marido livre d’aquelle ciso que se saiba que foi um en­
vexame constante de ouvir falar genheiro francez o auctor da mon­
em dote e em dinlieiro humilhante, tagem das machinas. Aos convi­
— ella mais feliz também, porque, dados foi servido um profusso
livre de toda preoccupação do luxo, lunch. A Exm.** esposa do Sur.
começou por dar ao dinheiro o va­ Aguiar, D. Maria da Gloria, foi
lor que elle tem. quem iniciou os trabalhos da ma­
Eis ahi um dote que só serviu china fazendo com que o vapor
para a interrupção da felicidade na entrasse na gaveta da distribuição.
vida d’aquelle casal. Ao progresso do Engenho Velho
— Se todos os maridos fossem foi a saúde que bebi com mais pra­
como esse advogado, exclamou sor­ zer e mais enthusiasmo!
rindo minha amiga..... mas a his­
toria é que a arte da chicana só
a possuem esses senhores que a-
prendem a discutir e convencer em Noticia 0 Jornal do Commcrcio
cinco annos de estudo!! que na igreja parochial de Santa
Maria, em Quebec, realisou-se ul­
timamente uma curiosa ceremonia.
Dous vizinhos de origem fran-
Mais um melhoramento para o ceza tinham cada um oito filhos,
nosso formoso bairro: uma fabrica quati’0 rapazes e quatro raparigas.
de gelo. Decididamente o Engenho Ora, os filhos de Marin apaixo­
V'^elho está na ponta. O Snr. Ar- naram-se das filhas Reaume, ao
thur Aguiar, proprietário da fabrica mesmo tempo que as filhas deste
de gelo, tem concorrido muito para dos filhos d’aquelle. Conclusão:
0 aformoseamento das ruas deste no mesmo dia realisáram-se oito
arrabalde, edificando muitos pré­ casamentos.
dios bonitos e elegantes e agoi’a Eis ahi 0 que 6 ser-se pratico.
de um modo muito poderoso, com As despezas de um casamento, por
a fundação da fabrica de gelo, que mais simples que sejam, alteram
se serve da celebre Agua do Vin­ forçosamente o orçamento das pes­
tém para sua fabricação. A festa do soas que não são ricas.
A MENSAGEIRA 187

Por isso os filhos do paiz mais e igual do homem, tirou-a de suas


pratico do mundo acabam de nos costellas.
dar a proveitosa licçao de casa­ S anto A gostinho.
mento por atacado. Excellente
moda para as familias pobres! Ainda que as qualidades do ho­
M a iíia Claiía da CuxiiA Santos. mem pertençam mais á cabeça, e
as da mulher ao coração, 6 indispen­
sável que 0 coração de ambos se­
ja cultivado conjunctamente com
a cabeça, porque um homem de
Santa mau coração é tão indigno da so­
A lÃndolpho X a vier ciedade como uma mulher inintel­
Si eu não lhe houvesse, tanta vez, a fina. ligente. O cultivo de todas as
Nevada mão na rainha mão tomado, partes da natureza moral e intel-
Inda hoje pensaria, deslumbrado,
lectual 6 indispensável para for­
Nella estar vendo uma visão divina.
mar 0 homem e a mulher de ca­
Porque só nos missaes se descortina racter salutar e bem equilibrado.
Um perfil, com o o seu, tão delicado: 8em sympathia nem consideração
E olhar tão doce assim só é achado
polos outros, 0 homem ficará sen­
Boiando numa angelica retina.
do um pobre ente, acanhado, sor-
Seu corpo, do açucena alva e mimosa, dido e egoista; 0 sem intelligen-
E ’ um ninho formoso, onde esvoaça cia cultivada, a mulher mais for­
Uma alma cem mil vezes mais formosa. mosa não passará de uma boneca
E quando ella entre as turbas apparece,
bem enfeitada.
Cada olhar se deslumbra, a tanta graça, Ainda se pratica muito cultivar
E cada labio manda-lhe uma prece. a fraqueza da mulher em vez da
Minas Geraes. sua força, e dar-lhe attractives em
B e n to E rn esto J u n io r . lugar de confiança propria. A sua
sensibilidade desenvolve-se á cus­
ta da saude do corpo e do espi­
rito: ella vive, move-se e depende
toda da sympathia dos outros; ves­
5elecção te-se com 0 fim de attrahir c ó
8i Deus tencionasse fazer da sobrecarregada de prendas (pie lhe
mulher a senhora do homem, tel- possam dar a preferencia. íVaca,
a-ia tirado da cabeça deste, si sua vacillante e dependente, 6 susce-
escrava, tiral-a-ia de seus pés; mas, ptivcl de personificar 0 provérbio:
como destinou-a para companheira «E’ tão boa que para nada presta.»
1 88 A M E N S A G E IR A

[’ or outra parte, a educação dos susceptíveis de offender o coração,


moços pecca pelo lado do egoísmo. 0 caracter e a consciência, como
Ao passo que se ensina ao meni­ veneno que, uma vez absorvido,
no a confiar so nos seus proprios nunca mais póde ser lançado com­
esforços para abrir carreira no pletamente, e amargura mais ou
mundo, acostuma-se a menina a menos toda felicidade posterior.
contar unicamente com o auxilio S. S miles
alheio. Elle é educado com exclu­ (Do Cctt'aciei')
siva referencia a si mesmo, e ella Lembro-me das palavras cele­
só com referencia a elle. Ensina- bres de uma mulher — Olympia
se um a confiar e depender só­ de Gurges — que em 9 3 foi le­
mente de si, e ella a desconfiar vada ao cadafalso; em poucas pa­
de si, a sacrificar-se em tudo e a lavras ella concretisou, e com mui­
ser dependente. E assim, a intel- ta razão, este brado da consciên­
ligencia de um é cultivada á cus­ cia contra o despotismo dos ho­
ta das affeiçoes, e as affeiçoes da mens. dizendo: «Si nós temos o
outra á custa da intelligencia. direito de subir ao cadafalso, de­
Afim de que a pureza se man­ vemos ter também o direito de
tenha elevada na sociedade, eon- subir á tribvna.»
veni que a cultura de ambos os A humanidade vindoura póde
sexos esteja em harmonia e guar­ rir-se de nossa inépcia e dizer: —
de a devida distancia. A condi­ como é que os homens despresa-
ção piu'a da mulher deve ser a- ram essa grande força, que ó a
companhada pela equivalente do metade do genero humano, a mu­
homem, porquanto a mesma lei lher? Ella, tão cheia de vigor, en-
moral é applicavel a ambos. Se­ thusiasmo e devotainentos?
ria abalar os alicerces da virtude Da. C osta IVIachadü
sustentar a doutrina (pie o homem,
pela differença de sexo, tem a li­
berdade de menosprezar a morali­ ‘Triolet
dade, e de fazer impunemente a- Estrellas quo biilhaes do ceo na altura,
quillo que a mulher não póde De longe contemplando a solidão do mar.
praticar sem deshonrar-se para sem­ — Vêde que noite d ’alma tão escura!
O deserto do mar é pallida figura
pre. Portanto, para sustentar a con­
Da triste solidão que me amargura,
dição pura e virtuosa da socieda­
.\ssim privado de sen doce o lh a r...
de, é de mister que o homem e a Oh, astros que brilhaes do céo na altura.
mulher sejam igualmente puros e D e longe contemplando a solidão do mar!
virtuosos, e evitem todos os actos 2— 98. O l g a P.
A M E N SA G E IR A I8q

Exul
A mna indifférente
Adeus, minha setiliora! Eu vou partir, sosinho,
Tievando dentro d’alma um torvo desatino;
Sem rumo, sem alento, a mercê do Destino,
Qual se fosse um romeiro exul do pátrio ninho.

Porque mc appareceste em meio do caniinho


De minha vida? Certo, eu não perdera o tino.
Si teu pérfido olhar, si teu riso ferino,
Não tivessem mostrado uns longes de carinho.

0 meu sonho de amor desvaneceu-se, em summa,


Como um sonho qualquer; e o coração reçmna
O veneno lethal da tua indifforcuça.

Adeus! Phi vou partir para um paiz de exilio.


Seguindo o funeral d’este primeiro idilio,
Levando apenas viva uma saudade immensal...
D o Vai de Goivos
Em Minas, 1898. H e r a c u t o V io t t i .

que são em grande numero; pois


Kotas pequenas ninguém ignora que Guiomar Tor­
rezão. sobre ser um dos mais ful­
Guiomar Torrezão — Desta emi­
gurantes, é um dos mais fecundos
nente escriptora, cujo nome cons­
talentos femininos que temos co­
titue uni padrão de gloria para a
contemporânea literatura portugue- nhecido.
Eis a sua lisongeira missiva;
za, recebemos a seguinte carta, tpie
«Lisboa, 11 de fevereiro de 1898.
publicamos com desvanecimento.
0 talento de Guiomar Torrezão é Minha senhora
justamente apreciado pelas brazi- Felicito-a pela sua Mensageira,
leiras, que, tendo a ventura de 1er porta-estandarte do moviménto fe­
e falar a mesma lingua que a nossa minista no Brazil, que me traz
gloriosa irmã de além-mar, estão em cada numero que leio, com pro­
de ha muito habituadas a 1er os gressivo e affectivo interesse, um
seus magnificos trabalhos literários. grande e consolador júbilo.
Igo A M ENSAGEIRA

E ’ digno da forte e opulenta


raça, exuberante de seiva, dos Es­ funerea
tados Unidos do Sul, a aspiração — « Cnrva-te, Musa, reza contricta,
Esparge flores por sobre a lousa
para unia nova era, susceptivel,
Em que per semper glorioso habita
creio eu, de imprimir á humani­
Cruz e Souza.
dade um novo e modelar feitio
moral, mental e social, que vibra, Lyra do luto, traze urna rima
como 0 cântico da aurora, preadi- Presa a uma lagrima de respeito,
vinhando o glorioso dia, nas co- E embora a magua teu canto opprima.
lumnas da Mensageira. Rende-lhe franco, singello preito.»

Saúdo-a pelo seu emprehcndi-


pj a Lyra, em crepe, murmura a medo.
mento, que tão decisiva e benefica
Trazendo um ramo de sempre — vivas:
influencia deverá ter nos destinos « No seu eterno, triste degredo.
da mulher brazileira e no vasto Mudas choramos, de dor captivas...»
território da sua patria. P erpetua do V alle.
Agradeço-lhe a boa nova que
me trouxe a gentil offerta da sua
bem redigida e sympathica Rerista,
para a qual lhe enviarei breve,
cumprindo o dever que 6 de todas
nós, que fazemos uso de uma penna Maria Monteiro
e prestamos culto á Arte, algumas E’ com pezar que aqui regis­
palavras, menos summarias do que tramos 0 passamento de Maria Mon­
estas, rapidamente escriptas, que teiro, a talentosa cantora campinei­
lhe levam apenas a e.xpressão do ra, que ha perto de onze annos
meu reconhecimento, do meu apre­ partira em demanda da Italia — a
ço e um pedido, o de V. Excia. tcri’a da promissão para os artistas
me obsequiar com o seu retrato, sonhadores...
para ser gravado e publicado no Maria Monteiro era sobrinha de
proximo Almanack das Senhoras, Carlos Gomes e despertára em seus
exclusivamente dedicado a retratos patricios um grande enthusiasmo
de escriptoras de todas as nacio­ pela sua decidida vocação artistica
nalidades. e pela sua attrahente formosura.
Creia-me V. Excia. Partira para Milão aos 16 annos,
Muito sua apr. (6 de Julho de 1 8 9 7 ) a espensas
G uiOíMar T orrezão.» de D. Pedro de Alcantara, que
tempos antes ficára encantado ou­
vindo - - a cantar a habanera da
A MENSAGEIRA I9 I

Carmen, como alumna do Collegia Vimol-a em Milão em uma casa,


Florence. da qual ella oceupava apenas dois
Por occasiao de sua partida para quartinhos.
a Europa foi alvo de grandes mani­ Em um dormia com sua vene­
festações de apreço por parte da randa mãe 0 irmã; ahi se fazia a
mocidade brazileira. cozinha, ella engommava; no ou­
Cursou 0 Conserratorio de Mi­ tro, uma especie de sala. onde ella
lão, tendo tirado 0 primeiro prêmio estudava e recebia as pessoas de
ein quasi todos os exames e obten­ amizade. A pobreza era grande,
do em 1 8 9 0 0 diploma de Maeatra especialmente depois que 0 ex-im­
e de artista. perador D. Pedro II deixou de
Estreou-se no palco, em Perugia, concorrer para a sua completa edu­
com 0 Mephistopheles e cantou ao cação aitistica. após a revolução
lado de celebridades como Theo- de 15 de Novembro.
dorine, alcançando sempre largos Zica i\Ionteiro, depois de muitos
encomios da critica, na Italia. Aus­ triumphos em diversas capitaes. a-
tria e Hespanha, paizes que regis­ paixonou-se por um italiano, cuja
traram os seus triumpbos, inter­ oceupação ignoramos. D’ ahi os
rompidos pela sua retirada da scena contratempos e trabalhos por que
lyrica. passou com sua bondosa e estimada
U correspondente do dornal do mãe, faltando a compromissos das
Commercio na Italia, dá sobre a emprezas, sómente por imposições
mallograda artista os seguintes por­ do noivo. Arredada já do theatro,
menores: abandonou-o para unir-se em ma­
«Antes de começar os detalhes, trimonio ao homem que a idola­
devo em homenagem á desventura­ trava como um Othelo.
da morta, dizer ao Brazil que uma Elle, de physionomia rude, não
de suas distinctas filhas falleceu quiz e não queria relações com os
em Genova aos lõ de fevereiro, brazileiros residentes em Genova.
depois de cruéis soffrimentos. Ei‘a Sua mulher soffri a com essa prohi-
a senhora Maria Monteiro, a nossa bição e assim passou durante quasi
tão conhecida 7Âca Monteiro. quati'0 annos, durante a cruel mo­
Tão moça, tão bella e tão notá­ léstia, da qual morreu, sem ter
vel já pela voz de mezzo-soprano tido junto ao seu leito de dor um
contralto que possuia, como pela brazileiro desvelado que lhe miti­
sua educação, a vida d’essa senhora gasse 0 soffrimento e lhe animasse
era um continuo debater de an­ 0 espirito com os sentimentos pá­
gustias e de necessidades. trios, fallando-lhe a doce lingua.
I Q2 A M EN SAGEIRA

proporcionando-lhe todos os cari­ Oxalá também as nossas patri-


nhos de que são prodigos os bra- cias imitasscm-n’as, abrilhantando
zileiros educados. por esse modo as lettras rio-gran-
.Morreu bella, dizem-nos. Aípiel- denses, que, infelizmente, não re­
les olhos penetrantes, negros, aquel- cebem 0 bafejo suavissimo de suas
!es bastos cabellos da côr de aze­ formosas patricias.
viche, aquella physionomia angélica, A' Moimgeira, cuniprimenta-
porém suggestiva, estavam domu- inos offusivamente e que, qual
dados, é verdade; todavia, era olla, doirado bergantim, navegue em a-
a morta, sempre bella. guas côr oe rosa acompanhada
O seu corpo seguio para Vo- das auras da felicidade.
ghera, terra de seu marido.» (Da Fnrpa, <lc Porto Alcíçrc).
Sobre a campa da inditosa bra-
zileira, desfolhamos um punhado — Recebemos o n. 9 da revista
de rosas. literaria A Mení^ogeira^ dedica­
da á mulher brazileira, publica­
da em São Paulo, sob a direcção
de 1). 1’ resciliana Puarte de A l­
meida. Como os números ante­
^ Mensageira riores, este traz artigos e poesias
E ’ este 0 titulo d’uma nova re­ apreciáveis e que muito abonão o
vista littoraria que vê a luz da gosto littei’ario das suas autoras.
publicidade no Estado de S. Paulo, (Do Jornal do Conwirrcio, do Kio).
e redigida por distinctas senhoras
que se abraçam á grande c bella A Mensageira. Recebemos o n.
republica das lettras. 9, de lõ do corrente mez. daquel-
E’ com immensa satisfação que la brilhante revista littoraria, de
tomámos mão da penna para ac- que ó directora a distincta poetisa
cusar 0 recebimento de tão im­ — D. Presciliana Duarte de Al­
portante revista, onde se vêm bel- meida.
lissimas producções firmadas por Destacamos das suas columnas
senhoras que comprchendem que 0 hello soneto, — Aves e Corações
a sua missão não devo limitar-se — com que brindamos as leitoras
sómente ás prooccupações domesti­ da ('idade.
cas, 0, sim, também procurar o t^Díi Çidade de S .Jouo).
desenvolvimento espiritual — base
preponderante da felicidade com­
pleta dos povos civilisados.
São Paulo 15 de Abril de 1898 Anno I, N. 13

A MENSAGEIP lA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direatora — P rescilia na Duarte de Almeida

Esta remsta garante a sua publieaçào durante um anno.


Puhtica-se nos dias 15 e 80 de eada mex.
Pagam ento P r e ç o da assignatura, 1 2 $ 0 0 0 p or anno N u m ero avulso
a d ia n ta d o Endereço : Rua dos Estudantes N. 23 Rs. 1 $ 0 0 0

S u m m a rio : — Martyr de amor, conto, ^larciano era homem reservado,


Maria Clara; — A Giacomo Leopardi,
poesia, Julia Cortines; — Primicias, cri­ sincero e criterioso, incapaz de ap­
tica literaria, Arthur Andrade; — Amar­ plaudir um máu passo.
guras, soneto, Georgina Teixeira; — Pri­
mavera no campo. Enrico de Goes; — — Não sei Lucio, não sei. em
De Tarde, poesia, Aurea Pires; — Chro­ todo 0 caso sinto necessidade de
nica omnimoda, J. Vieira de Almeida ; —
Poesia, Olga P. ; — Literatas suecas, El- ser franco, sou teu amigo, bem
mano do Vai ; — Poesia, Presciliana Duar­ sabes. Não te cases com essa
te de Almeida; — Notas pequenas.
moça, attende ao meu conselho, ella
ó boa... por emquanto, mas des­
Martyr de amor cende de máu ninho.
{A ’ A/ara Pires) Olha a mãe delia... que escan­
Na maior intimidade, na mais dalosa! a avo, dizem, foi o diabo
santa affeiyão viviam os dois amigos. em seu tempo. A nndher, devo-se
Nenluim leve desgosto turvava procurar pela raça. Corina ama-te,
aqnellas e.xistencias ditosas. não duvido, ella é formosa, é meiga,
Uma tarde conversando intima- mas escuta, Lucio. o e.xemplo da
mente, fallavam do passado com mãe 6 horrivel.
saudade e do fntnro com esperança. — Não ha receio, saberei com
— Sabes Marciano, vou me ca­ calma e calculo separai-as, aos
sar, dise Lneio Ha mnito tempo poucos irei afastando-a da mãe.
que amo Corina, ha muito tempo Has de ver, meu pessimista.
mesmo, porém nltimamonte esse — Pessimista? E o sangue que
affecto tem tomado tamanho vulto ella herdou de sua mãe, — sangue
que eu já não sinto alegria senão máu — tu poderás vasar do suas
a seu lado, estou perdido do amo­ veias? Não te illudas, procura
res, não posso viver som ella. A- esquecer essa pai.xão funesta: não
chas que faço bem? Tenho bom és noivo ainda, será facil a retira­
gosto ? da: não mais frequentes a casa dei-
194 A M ENSAGEIRA

la, ha de custar a principio, mas De repente, vencendo grande


depois darás graças a Deus e a mim obstáculo, disse: Vim convidar-te
que sou teu amigo sincero. para o meu casamento amanhã,
Levaram muito tempo a conver­ caso-me com ella mesmo, que que­
sar os dois amigos, fumaram alguns res? Não pude vencer... sou um
charutos e no empenho de dissua­ fraco... que hei de fazer? Creio
dir Lucio, Marciano talou horas e que 0 amor — o grande amor que
horas. nos une — velará sobre nosso fu­
Afinal Lucio disse estas palavras: turo. Espero que não faltes, bem
Tens razào, não mais irei visital-a. sabes que és o meu melhor amigo.
A mãe, aquella ordinaria — 6 um Ha tanto tempo que estava para
e.xemplo funesto, sua conducta será fazer-to esta communicação e ...
o ferrete ignominioso que virá man­ não tinha coragem. Espero-te, não
char e distruir o meu futuro! De­ faltes. Adeus. E saliio apressa-
cididamente... tens razão... tons damonte, receioso de poder obser­
VtlZciO. var no amigo alguma manifestação
A noite vinha viudo, estendendo de desagrado.
seu manto lugubre, e os amigos, Partio. Marciano acompanhou-o
no terraço do jaidim, continuavam com os olhos rasos de lagrimas até
a palestrar. que na curva do caminho sumiu-
se 0 vulto do pobre vencido — mar­
Passados très mezes, em um bello tyr de seu grande affecto...
dia de Setembro, entra Lucio em
casa do amigo. Os primeiros tempos do casa­
Suas visitas eram ultimamente mento, foram de rosas.
menos frequentes e mais rapidas. A felicidade absorveu de todo
Sentou-se, calado e pensativo esteve Lucio. Ninguém o via, entregue
algum tempo sem proferir palavra. ás intimas alegrias do lar, passava
Parecia preoccupado de alguma os dias, as semanas, os mezes.
cousa grave; folheava distrahida- Bem pouco duradoura foi, po­
monte livros que estavam sobre a rém, sua ventura !
mesa; olhava o tecto, os canarios, Estava escripto no livro do des­
gaiolas doiradas, e o galho de um tino, inevogavelmente, que elle pa­
jasmineiro que e.xuborante de vida garia com profundas dores os bre­
entrava pela janella invadindo e ves momentos de venturas!
perfumando a sala. Corina amava-o, é certo, mas —
Via-se clammonte que Lucio pobre inconsciente, herdeira de vi­
estava nervoso o aboi-i-ecido. cies maternos e do alcoolismo do
A MENSAGEIRA
195

páe — ella não podia se dominar, entrasse alcool. Não comprava be­
não tinha forças para vencer os bidas.
defeitos que 0 sangue llie trans- Mas a misera mulher não podia se
mittira. O que a seduzia, 0 que dominar, nsava de astuciosas íiionti-
a alucinava era 0 álcool com 0 seu ras, conseguindo por essa forma illu-
funesto cortejo do doiradas plian- dir a vigilância das pessoas amigas.
tasias. LTma vez, usou ella de um meio
Herdara de seu pae 0 alcoolismo. original para obter um pouco de
Hmbriagava-se constantemente. O aguardente, do vendeiro da esquina.
vinho fazia-lhe quebrar todas as Mandou buscar a cachaça em
promessas e juramentos, ella sentia uma bacia de rosto, dizendo ser
necessidade de beber muito, ficava para curativo de olhos. O ven­
como louca diante de qualquer be­ deiro não duvidou e infrigindo as
bida de espirito. ordens de Lucio satisfez a des­
A principio 0 marido quiz con- graçada mulher.
vencel-a com maneiras brandas, O portador, — um pequenito de
lembrava-lhe sua perigosa posição, seis annos — mal ia entrando cm
chamava-lhe a razão, implorava-lhe casa com a bacia com cachaça,
0 seu grande amor, supplicava-lhe quando a mulher arrebata de suas
do joelhos que não bebesse mais. mãozinhas a vasilha e alli mesmo,
Debalde! de um só trago, absorve toda aquel-
Era impossivel! la bebida tão forte. Plbria d’ahi a
Usou de rigor, durante uma se­ pouco, já nern podia falar, articu­
mana tratou-a com disfarçado pouco lava monosyllabos sem ne.vo, nãt)
caso, e nada, nada absolutamente tinha forças para se ter de p6,
conseguiu. cambaleava.
Tendo concluido 0 seu quatriê­ Nesse dia, 0 marido presidia 0
nio de Juiz Municipal em S. Paulo, jury. Investido do seu alto posto,
obteve Lucio a nomeação de Juiz lá estava na Gamara, á cabeceira
de Direito para uma cidade no da mesa, julgando um processo de
interior de Minas. sensação.
No sertão parecia-lhc menos do­ Quando Lucio partiu para 0 jury
lorosa a sua magua: lá ao meuos einm dez horas da manhã, dei.x.ou
seus companheiros de infancia não em casa Corina cm perfeito estado,
veriam suas lagrimas. entregue as lidas domesticas.
Cada vez mais carinhoso, mais Sahio tranquille, — não deixára
terno vivia 0 desgraçado. em casa o inimigo de sua felici­
Lucio prohibiu que cm sua casa dade — 0 alcool.
To 6 A MENSAGETRA

Xâo suppiinlm o infoli/; que sua 0 humilhação, o desgraçado sentin­


imillicr tivesse a astueiosa lem- do um ealafrio em todo o eorpo,
hraiiva <le illudir o veiuli'iro, fin­ não v() mais nada nem mais nada
gi ndo-sc doente dos olhos. escuta, só poudo dizer: Minha
Animada conda a sessão do Jury. mulher!! D rola. c tomba ins­
lÀ'a ineio (lia. tantaneamente morto aos pós d’a-
O sol resplandecia alegre entran­ quclla mulher fatal!...
do pelas janellas francaniente aber­ B a misera do tudo inconsciente,
tas (la vastissima sala. O advoga­ a dar com os braços á direita o
do, rapaz intelligente e verboso, á esquerda, olhava estupidamente
icin phrases arrebatadas procurav para o cadaver d’aquelle homem,
nnocentar o seu constituinte. Aa que perdera a vida por amal-a tanto.
sua palavra brilhante encantava o M aui.v C l .vka da C u m ia S antos .
andictorio.
De repente noton-se uni certo
movimento. Todas as pessoas que
estavam sentadas em frente á porta,
olhavam attentamento para um vul­ Bmarguras
to exquisito c|ue entrava. { Traduzido)
Bastou um segundo para (pie (^iiciu não provou o fél (Umi desengano
todos comprehendessem. O juiz, A vez primeira que sonhou amores?
alheio ao que se passava, tocava a tinem 0 prado que Abril enche de flores,
Não vò de neve cheio ao fim do anno?
campainha, impondo silencio.
Subito transpõe a sala do jury, Cada novo prazer nos dei.xa um damno ;
completamente ebria, uma mulher, Sempre a esperança nasce entre temores,
apenas vestida com camisa e saia, E semelhando um sol em seus fulgores
dei.vando inteiramente nú o seio, Cada nova illusão, é novo engano.

babando-se, a jiroferir palavras sem


O mundo não nos dá nenhuma dita,
sentido, descal(;a, com os olhos in- — Ai! de quem ao viver ditosa sorte
jcctados e lacrimosos, a face aver­ Chame, e, julgue o nascer sorte hemdita!
melhada, descabellada, batendo com
os bi'aços á direita e á esquerda, Vida! Perder-te eu sei ha quem se importe
Mas, (juem viveu nas sombras não evita
líssa mulher era Corina!
Volver, tornar ás sombras com a morte!
Todos os olhares voltaram-se im-
G e o r g in a T e i x e i r a .
mediatamente para Liicio.
Uma commo(,‘ão fortissima aba­
lo u-o da cabec^a aos pés. Tras­
passado do dor, roxo de vergonha
A M E N SA G E IR A 197

toque de todas as palhetas. K'. no


.."primicias” campo litterario, n (pic se diz (pie
Por mais tardias (|uo cliep,‘uom. f^eneca foi no campo social — um
scmpi’e oliec^am opportimas as pa­ cidadão do mundo.
lavras desapaixonadas c sinceras, Essa snbjectividade constituo um
mormeutc agora (pie, para a reoe])- defeito para um moço de talento,
(;ào do uni livro, a nossa critica S(') maximii quando esse moço de ta­
pòe em jogo dons fataes e syste- lento propende irresistivelmente
maticos processos — embiocar-se para a mais snave e elevada ma­
nnm estudado silencio do spliinge, nifestação artistica — a poesia. Por
ou dar livro curso á torrente do pouco (pio revele, nunca deixa de
parcialissimos elogios. revelar que a expontaneidade da
De 1‘osto, como tudo evoluo na inspiração, (pie a harmonia do sen­
rota(.‘ão do planeta, estou inclinado timento, que o horisonte csthetico.
á cif'r que essa nova liermenoutica em summa. que os mais bei los pre­
da critica não passa, nem mais nem dicados de um poeta só se expan­
menos, do producto de uma ovolu- dem, manietados, no circulo vicioso
(,-ão superior, e do tal maneira su­ da emulação.
perior, que a holla divindade, tão Acreditamos vivamente (pie a
meridional na sua forma, tão latina linha reveladora da alta estirpe do
na sua essencia, não despede mais um poeta é 0 poder esse poeta af-
aipielles fulgurantes relâmpagos de firmar definitivamente a sua indi­
gra(,;a e de engenho, só sabe, quando vidualidade littoraria, o cunln» de
surge, atirar pedras ou pallidas flo­ seu temperamento artistico.
res banaes... As Primicias, porém, nem vaga­
Mas... deixemos em ]>az a cri­ mente patenteiam essa característica,
tica e passemos ao nosso objectivo que deve ser accentuada num tra­
que (i — dizer singellaincnte, sem balho de conjuncto como 6 um li­
rebu(,'O S, a impressão que nos ficou vro. Ha, nesse voo do estreia,
do formoso livro do Carvalho Ara­ magnificas rajadas de inspiração:
nha. vibrantes lampejos de fórma; cin­
Começamos por assignalar que zelados blocos artísticos, que .se
o distincto bardo sergipano não se animam e palpitam ao calor de
filia a nenhuma escola: em materia enseivadas imagens; não poucas
de escolas 6 absolutamente cosmo­ vozes, aqui e alli, scintilla a rima
polita, deixa-se levar em todas as opulenta e rara; mas, sobrelevando-
correntes, inspira-se em todos os se a tudo, impregnando todo 0 livro
mananciacs de arte, aproveita o de Carvalho Aranha, resumbra vio-
19^ A M E N S A G E IR A

Icntamente a influencia de amplas e calcar a precoce ambição de glorias,


dominadoras leituras, determinando nem comedir, com o estudo acu­
a falta de originalidade em muitas rado e com 0 labor paciente, a
das producções do mavioso cantor visivel mas ainda incaracteristica
das Primwias. fecundidade de que é dotado. Dei­
Seu éstro fecundo lucta, por ve­ xou-se empolgar pela fascinação
zes, para romper a malha dessa da publicidade, e, ás pressas, sem
terrivel influencia. Mas não o con­ esmero, sem amor, precipitadamente
segue. J)ahi decorre que, nas 1 55 surgiu na arena, trazendo o pallido
pgginas das Primi das, não se en­ documento das Primidas.
contra um só trabalho que ti’aduza Resultou que sua laurea de
um verdadeiro estado de alma, uma gloria se reduziu em — ter publi­
só estrophe onde o espirito do poeta cado um livro!
se estampe, claro e macisso; dahi Apezar de tudo isso, somos dos
decorre também, como consequên­ primeiros a reconhecer que, ao lado
cia inevitável, o longo abuso da de imperdoáveis defeitos, o livro
descriptiva, que torna o livro mo- de Carvalho Aranha encerra mui­
notono, ou, o que 6 ainda peior a tas bellezas e até mesmo um largo
falsa crise de jeremiadas pessimis­ folego artistico patenteado em al­
tas. gumas concepções vigorosas o bem
Devido a isso 6 que os formosos trabalhadas.
versos de Carvalho Aranha só nos Tomado em conjuncto, o livro do
deixam luna vaga e fugaz impres­ jovem poeta nada assignala, ou me­
são, como a que nos pi‘oduziriam lhor, assignala uma estreia infeliz;
pequeninas telas imcompletas, des­ mas, tomado em muitas das suas
botados tra(,íos dispersos, emballa- múltiplas faces, elle já conquistou
doras, mas fugitivas cadências. ao seu auctor uma brilhante posi­
Ha um outro ponto que macula ção no grande núcleo litterario do
0 bello mármore vibrante das «Pri~ Brasil.
inicias>>. E’ a falta de cuidado no E assim dou por terminada a
manejo da lingua, notadamente na tarefa com que immerecidamente
hoje sediqa collocaí.íão de prono­ me quinhoou a illustre directora
mes, onde 0 esperançoso vate pecca d’^1 Mensagdra.
incorrigivelmente. S. Paulo, b- 4 - 9 8 .
Tudo isso nos vem fortalecer A htuuk A xdkade.
na convicção de que Carvalho A-
ranha, que 6 um bonito e futuroso
talento, não soube ou não quiz re­
A M E N SA G E IR A 199

munos, que sonorizavam 0 ar em­


primavera no campo balsamado e sadio das campinas
(Quadro) frescas, — tão quietas e solitárias,
tão poéticas e remansosas, que dir-
A A raripe Junior.
se-iam envoltas numa paz suave
de eucharistia, numa religiosidade
1
sancta de evangelho...
üiluculo. Da tufada ramaria da floresta,
Xa esmaecida barra côr de pé­ onde se entrelaçavam mil lianas e
rola do nascente, como nma pa­ trepadeiras, sahia um confuso e
poula magica, vinha desabrochando, vago borborinho de estalcjar de
riibida, a alvorada com a sua co­ galhos, de ruflagens de azas e de
rolla sangrenta. chilidos de passaros.
O dia, somnolentamente, descer- Na trama emmaranhada dos ma­
rava as palpcbras pesadas, e 0 sol racujás floridos, insectos irrequie­
— a sua febril pupilla de ouro — tos zumbiam, sugando 0 dulçoroso
cspontava alêm, aclarando os mor­ nectar das caçoulas róridas das flo­
ros ennegrecidos pelas ultimas quei­ res, cujo aroma subtil e puro a
madas. briza prodigamente espalhava pelos
A Natureza, qual uma naiade campos rejuvenecidos.
phantastica de madeixas louras, en­ E, pelos moitaes em flor, que
trava, risonha, para 0 seu tépido similhavam ilhas de verdura mati­
banho matinal de luz, que 0 sol, zando 0 extensissimo tapete de
do alto, jorrava em cascatas de to­ relva da paizagem, devaneavam
pázios e diamantes pulverisados, — borboletas multicores e colibris iri-
e, vocalizando arias triumphaes pe­ antes, amando-se bucolicamente,
las sonoras gargantas do passaredo num idyllio ineffavel e casto, —
altivolo, esplendia, garrida e louyã, imrnáculos beijos trocando sob 0
cheia de ideal poesia e de piil en­ immenso pallio azulino do c6o...
cantos cheia. .
Céos de turqueza, arvoredos de II
esmeralda, regatos de crystal, tudo,
tudo, se revestia de deslumbramen­ Meio-dia.
tos, como que para dar realce e O sol, de um vívido esplendor
pompa ao festim da primavera. de rebervero, pendia das alturas
Por toda a parte eram perfumes como um chrysanthemo afogueado
de bogaris, acacias e baunilhaes florindo, rútilo, numà estufa colos­
sylvestres, e trillos, e cantos e mur- sal de porcellana azul.
A M E N S A G E IR A
20 0

Espalhado pelas collinas verde­ E, soltando um «Hôôa» sonoro


jantes, revestidas de lierva nova o 0 cheio, pára á beira de um ria­
tenra, o gado, vergastando as an­ cho que entre cascalhes chofra,
cas lii/Jdias com as longas caudas debaixo duma sombria sapucaicira
movediças, pascia, trampiillo, ma­ em flor, e, emquanto os bois bebem
lhando 0 verde da pastagem, onde da agua da corrente e descansam,
avultavam, aqui e alli. montes de offegantes, babando, elle, encos­
cupins, parecendo, de longe, cabe­ tando a aguilhada na anca dum
ças de rocha emergindo em meio á dos bois do couce, aprompta um
alfombra verde-gaia do capim vi­ grosso cigaiTO de palha com fumo
çoso. picado, que, distraindo vai pitando
Jequitibás esguios c frondosos pelo caminho afora, - o caiTo
erguiam-se na \asta planura da num chiar dolente e nostálgico,
campina, esparramando no ar as lembrando o toque guerreiro de
espessas copas verdes, como gigan­ uma trompa selvagem...
tescas umbrellas de folhagem, a
sombra das quaes vaceas mansas 111
iam descansar, deitadas, ruminando...
J.onge, pela sinuosa estrada de Entardecia.
barro vermelho, que em declive, 0 sol, amortalhado em nuvens
descia ao longo da encosta, vinha ensanguentadas de purpura, qual
vindo, morro abaixo, um carro de um pharaó defuncto baixando á
bois carregado de toros de arvores sepultura, sepulchravase no feerico
das deri-ubadas, num chiar dolente sarcophago do poente em brasa...
e nostálgico, lembrando o toque Xos mattagaes, os passaros silen­
guerreiro de uma trompa selva- ciavam, adormecendo no macio
o’em... 0 carreiro — um verda- frouxel dos ninhos.
o
deiro tA’po de sertanejo rústico — , Lá embaixo, por uma estreita
alto, musculoso, pelle tostada pelas picada que recortava, em meandros,
soalheiras caniculares do verão, a varzea estrellada de florinhas
descalço, largo chapéo de palha á agrestes, trotava, vagarosamente, ca-
cabeça, empunhando a comprida dcnciadamente, em direcção á villa,
aguilhada de peroba liza, facão pre­ onde 0 sino da capellinha já ba­
so ao cinturão de couro cru, cal­ dalava a ave-raaria, uma tropa de
ças regaçadas até os joelhos, — de mulas seguida por um carreiro, —
quando em quando gritava: fazendo echuar, pelas quebradas
- Eia, Brirrofta/ Fasta, d/r<- dos serros pi‘oximos, os sons alegres
U/ado ! dos seus chocalhos tilintantos.
A M E N SA G E IR A 201

0 crepúsculo, nimbado de um do de rosas e jasmins, fazia desa-


doce mysticismo de melancliolia tarem-se os calices das flores cam-
biblica, cabia do alto, pouco a pou­ pezinas, - - e, tliuribulando aromas
co, cinercscendo... |)elo es])aço, partia, sorrindo, sertão
... E, sob 0 velario pallido do em fóra...
luar que raiava, a Primavera, leva­ S. Paulo — 1 S9 S.
da, pelas auras fagueiras da solidrio, Ki:uico OK (ÎOK.S.
no seu invisivol plaustro arrccama- (I)n s Lrntejoiilas.)

2 )g Tarde
Fragmento de um poema

E v a p o ra -se a t a r d e !.. A s azas da P oesia


D e sd ob ra iii-se n o esp aço. E xtra n lia m elodia
S e escu ta n o v erg ei d e flores inarchetado.
O s ca n ip on ezes vem d e cliapeu desabado
R eg ressa n d o da roça . U n s trazem na cabeça,
J u n to aos n eg ros anneis d a cabelleira espessa,
L o n g o s feix es d e lenha c os ou tros trazem eaehos
D e bananas n ’ um páo, e saltando os riachos
C an sados vêm ch eg a n d o ás casas de ciipim .

S o b o ca ram an ch ão m im oso d o jardim


In d ia n a e J u v e n a l sósinh os com tem plavain
A belleza da tarde, e m eigos perm utavam
J u ra m en tos d e a m o r ! Oh! Q uanta form osura
N esse q u a d ro d iv in o ! A lém sobre a verdu ra
D a m on tan h a elevada o sol se recolh ia
D e ix a n d o atráz d c si d o ce m elancolia . . .
U n s lon g es d e .saudade in definida e vaga
(^ue os nossos cora ções d e sen tim ento a la g a !
E esses n o iv o s gen tis na Hor da m ocid ade
T ã o ch eios d e belleza e d e sim plicidade,
N a lin gu a gem d o ceu fallan do castam ente
D e seu p rim e iro a m or tão p u ro e tão ardente.
E lle altiv o d e pé, com o b rilh o da ventura
N o b e llo e n e g ro o lh a r ! E lla toda candura
S o r r in d o e n te r n e c id a ! A aragem brandam ente
D esm a n ch a v a -lh e a trança escura e reluzente
S o b r e o v estid o b ra n co. A fina e alva m ãozinlia
N a m ão d e J u v en a l trem ia co m o a azinha
202 A MENSAGEIRA

De um passaro captivo. E emquanto alli bem [)erto


Cantava a jurity no campo descoberto
Suas almas iguaes, radiosas, peregrinas
Entoavam também doces canções divinas!

Juvenal Indiana
Não posso donzella Só vivo sorrindo
Confesso, não minto. Depois que te amei!
Na lyra singella 0 mundo tão lindo
Dizer-te o que sinto! Eu nunca sonhei!

Indiana Descubro mais graça


Na rosa da selva
Na lyra afinada. Na aragem que passa
Gentil trovador, Brincando na relva.
Tua alma inspirada
Me fala de amor! Eu tudo conteni[)lo
Com satisfação:
Juvenal Quer seja no templo
F'azendo oração;
Te falia e te jura
Que á tua innocencia Quer seja no [>rado,
Eu devo a ventura Nas tardes amenas,
Da minha existência. Comtigo a meu lado
Colhendo açucenas !
— Se longe de ti
Me dessem grandezas,
Palacios, riquezas,
Juvenal
Como eu nunca vi; Cantemos, formosa
Cercados de flores,
Por Santa Maria, No céu cor de rosa
Por todos os Santos, De nossos amores!
líu nada queria
Sem ver teus encantos. Indiana
As pompas, as festas Cantemos, cantemos
Me fazem soffrer. Que os anjos de Deus,
Na ['az das florestas Aos sonhos que temos
Desejo viver! Respondem nos ceus!

Juvenal
A noite chega, c eu vólto a meu pequeno abrigo
Adeus, Indiana, adeus, eu vou sonhar comtigo!
A u r e a P ir e s .
A MENSAGEIRA 203

também prophetinada também ar­


Chronica omnimoda dentemente desejada...
Viae Sion lugcn t... Não ha Também teve a sua entrada tri­
mais quem veaha ás suas solem- umphal no meio de aclamações e
nidades! de gritos de alegria...
Todas as suas portas foram des- Entoavam-se hosannas em toda
ti-uidas, os seus sacerdotes estão a parte por toda a parte se esten­
gemendo, as suas virgens esquáli­ diam mantos á sua passagem...
das e ella propria saturada de a- Porém, essa phase foi de curta
margura ! duração; em breve começou a tri­
lhar a sua Via Dolorosa^ de onde
caminha para 0 Calvario e para 0
Sepulcro!...
Dentro do poucos dias devem se
abrir as portas de Jerusalem, para
receber em triumplio 0 Messias
promettido.
Não lhe faltaram Isearioie.s que
As ruas estarão alcati fadas de a entregassem ás mãos dos princi­
palmas e ramos de oliveira, sym­ pes dos Sacerdotes.
boles de gloria e de paz... Arrastaram-n-a ao Pretorio do
Os proprios martos dos pliariscus desprestigio universal, e.\pondo-a,
se estenderão sob as plantas do fi­ propositalmente, a todos os escar-
lho de David... neos !
Tudo retumbara de hosannas!.... Invocaram, contra ella, 0 falso
Mas a entrada triumphal de Je­ testemunho dos maus patriotas, pre­
sus alem devia de ser immediata- ferindo-lhe até 0 Barrabás da Res­
mente seguida das ignominias da tauração ...
rua da Amargura... Ataram-n-a á columna infamante
As agonias du cruz formariam da imprensa venal; cerraram-lhe á
a antithèse das aclamações enthu- garganta a corda do estado de si­
siasticas do populacho... tio, puzeram-lho nas mãos a canna
do jacobinismo demolidor; ás cos­
tas 0 manto do filhótísmo; cingiram-
Ihc a cabeça com a coroa de es­
Também entre nós encontra-se pinhos dos fusilamentos e das de­
peiJeito simile desta sangrenta, portações; alancearam-lhe 0 peito
desta pavorosa tragédia... cora 0 ferro envenenado das deposi­
Alguma cousa houve, no Brazil ções; tocaram-lhe os lábios com a
204 A MENSAGEIRA

esponja da mentira, da qnal distil- Entretanto choram as ruas de


lava 0 fel dos boatos alarmantes!... Sião, porque não ha mais quem
Atravessaram-lhe as mãos com venha ás suas solemnidades...
os cravos dos impostos, envolven­ Todas as suas portas foram destru-
do-a om sec:uida no amplo siidario idas, os seus sacerdotes estão gemen­
da inépcia!... do, as suas virgens esquálidas e
Houve quem lhe quizesse que­ elle proprio saturado de amargura!
brar os ossos com o martello da Vine Sion Ingent...
separação e do esphacelamento. S. Paulo, 27 de Março do 1 8 9 S
Só não houve Nicodemus e d’A- J. V ieira de A t-.meti)a.
rimathéa que lhe dessem honrada
sepultura, ungindo-a com o balsa-
mo precioso do amor do patria!
Jk Giacomo Leopardi
Leio-te: e a triste e mascula poesia
Que de tens labios fiùe, dolente e forte,
l’ or isso é (pie todos agora es­ Enehe niinha aima de melancolia.
peram que 0 epilogo desta pavo­
rosa tragédia seja o Sepulchro da Como tn, nada vejo além da morto
No tormentoso pelago da vida
banca-rOta !...
ejue a uma plaga serena nos transporte.
Quem nos removerá a pedra do
cambio, que pesa como o Himalaya Volvo, comtigo, a vista entristeeida
sobre a bocea desse tumulo?.. Ao silencioso pó da morta edade,
Que o mnndo enchia de minor e lida.
Haverá também para ella o praso
de très dias; passados os quaes re- Punge-me a dôr, lacera-me a saudade,
suscitará? Quando eantas a doce e breve hora
Apparecerão as sanctas mulheres, Das ilhisões da curta mocidade.

a quem diga (pie as precederá em SofTres? Também minha alma soflree chora;
Galiléa?!... Prelios imiteis, illusões desfeitas,
Veremos ainda, no ar as linguas Toda a miséria do viver deplora.
de fogo do Cenaculo, illuminando
Quanta amargura nesse olhar que deitas
os espiritos de isto destas patriotas A ’s glorias vãs ao amor, que agita e passa,
que nos apontem o caminho de E ás almas, todas ao sofirer sujeitas!
uma nova terra de Promissão?!..
Bebo também do tedio a amara taça,
Depois das trevas do Sepulchro,
E sinto, quando a tua angustia leio,
virão os esplendores do Paraiso Que esse teu coração, que a dôr enlaça,
promettido, mesmo a Gestas?!..
E ’ o coração que pulsa-me no seio.
J u l ia C o r t in e s .
A MENSAGEIRA 20S

inento os esforços dos escriptores


Literatas suécas suécus tendem a desembaraçal-os
N ota s de qualquer influencia extrangeira.
.1’ isa<i(’.ira Beilissimo exemplo que a nossa li­
teratura indigena devia pautar para
Os siiécos, oni matéria do liisto- a sua norma. Só comprehendemos
ria, costumam dividir o tempo em 0 «jacobinismo» em matéria lite­
periodos decennaes, o esse computo raria: infelizmente, são raros os
SC applica facilmente á literatura apostolos desse credo, nas letras
comtemporanea daquollo paiz. patrias.
Foi justamente de 1 8 7 0 a 1 8 8 0 Voltemos porém ao assumpto das
que 0 naturalismo marcou a hora Notas.
do emancipação para o pensamento Duas escriptoras de muito talento
suóco, tendo á frente o jírande é- e cuja influencia não deixou do
mulo do Zola, Auííusto Strindhei'g, sor notada, duas mulheres. A xxa-
que teve a honra de representar C arlot.v E dorem, duqueza de Caja-
n'um bello lapso de tempo a lite­ nollo e VicTORiA B exedict.ssox, mere­
ratura de seu paiz. ceriam por certo um estudo critico
Dez annos após — 1 8 8 9 -1 8 9 0 sur- especial, si não tratássemos apenas
diu uma vigorosa reacção contra o de umas notas ligeiras sobre aquel-
naturalismo, sustentada por Yernoz las duas distinctas entidades, infe-
Heidenstam e Oscar Levertin, este lismente já desapparecidas do mun­
ultimo desertor do campo natura­ do literário suóco. a primeira morta
lista. em 1 8 9 2 , e a segunda, pondo ter­
Xos últimos tempos, final mente. mo a seus dias gloriosos em 1 8 8 8 :
0 movimento idealista tem feito um tendo, ambas, deixado, apesar de
regresso offensivo contra o eoswo- moças, uma digna bagagem lite­
poUtismo invasor. raria.
«Sejamos unos, não busquemos Lembremos ainda entre os gran­
sinão os nossos proprios modelos; des nomes da literatura «feminina»
somos assás ricos, com os nossos da Suécia, ao lado dos que vimos
fundos», era o grito que lançava de citar, os de M.''"® S elma L a-
em Janeiro de 96 um dos aposto- GERi/EE, nascida em 18 .5 9 , e que se

los da cruzada anti-naturalista, V. tornou celebre, da noite para o dia,


von Heidenstam. com a publicação do seu livro Sa<)a
Esse appello á independencia dc Gwsta, em 1 8 9 1 . Era uma
nacional em materia literaria pa­ tentativa interessante em que a
rece que não foi obrigado: actual- auctora, retomando o estylo pitto-
206 A M EN SAGEIRA

resco e energico dos velhos contos, faltando, neste particular, o bello


apropriou-0 harmonicamente com movimento «feminista.»
a expressão dos sentimentos mo­ Para não citar outros, basta lem-
dernos; a sua obra é de uma poe­ •brar aqui, rapidamente, os nomes
sia palpitante, e o testemunho de de M."'® G khxaxdt C l .^mxk, autora
uma riqueza prodigiosa de imagina­ de {Miragens — 1 8 9 3 ; Hella o
ção. outras historias feministas — 1 8 9 6 ).
M.®”® Lagerlœf publicou depois M."'® A. W a h l e n b e r ü (Pequenas
uma collecção de novellas em 1 8 9 4 almas — 1 8 8 6 ; Um grande Immem^
e, muito recentemente, um grande romance, 1 8 9 4 ; Reis e princesas
romance de literatura «futurista» — 1 8 9 6 , etc-).
— os milagres do antic.hristo (Na­ M.®"® M athieda R oos, que fez
tal de 1 8 9 7 ). nome com os seus romances A
M.’"® A i-kiiiu) A ckkm,, nascida em trarex as sombras, No pair boreal,
1 8 4 9 , e que tem dado o melhor do etc.
seu talento para o desenvolvimento M.'"® M.vTniLDA Mallixo, que pu­
de bons dramas «femenistas», taes blicou cm 1 8 9 5 um grande roman­
como — salvo ( 1 8 ÍÍ2 ), condemna- ce da vida imperial de 1 8 0 7 e, para
da ( 1 8 8 4 ) e num livro em que ella chave de ouro, o bello nome de
vasou a sua verve cômica — a M.®”® Ellex K ey, notável vulgari-
viagem de L. Pete^'kvist a Stoholm sadora, nobre obreira d’arte e do
( 1 8 9 2 ) narra o atabalhoamento de bem.
uma velha dama da provincia lem­ Por copia
brando-se já tarde de uma visita E faiano no V ae.
áquella grande capital. E vem a
pelo dizer que si a Suócia conta
mais de um humorista e mais de
um satyrico, não possue comtudo “immutabile semperl
os verdadeiros auteurs gais (este
Muda com o tempo a leda formosura,
generös 6 sem contestação « emi­ Vão-se-lhe as graças no correr da idade;
nentemente francez »). A flor, a linda flor, viço e frescura
Em compensação, os novollistas Perde u’um dia, e pompas da vaidade.
sérios e originaes não faltam á Su­ Dão passo ás vezes á mais vil desgraça...
O mundano prazer foge voando.
écia, e alguns mesmos encantado­
Dura veloz instante e logo passa.
res; a novella e o poema lyrico
Agras tristezas após si deixando...
são os generös de predilecção do — Só tu persistes sempre igual, constante.
paiz e a<|uelle om (pie mais se Só tu não mudas, coração amante!
sobrcsalicm os sons auctores, não 2—9S. Or.GA P.
A MENSAGEIRA 207

Mimosa e Faceira valsas, de


poesia Aurélio Cavalcanti; Doutora, valsa
Doirar u vida, ser grande e forte,
de Américo da Costa: e Pas de
Cobrir de flores nossa morada.
quadre schottisch por Alexandre
Pensar sorrindo na propria morte,
É pôr uin dique contra a lufada Weissman.
Da nossa sorte! Nomeação honrosa — O Correio
Pmdistano publicou ha dias a se­
Si o céu tem sombras e tem luares,
guinte noticia: «llmdecreto do mi­
E ’ preferi vel
Olhar e astro que encanta os mares, nistro das Bellas-Artes de França
E sempre, e sempre (jue for possivel, nomeou ultimamente a Sra. D. i\la-
Kindo, cantares... gdalena Lemaire professora dc cur­
so de desenho graphico das plantas
— Felicidade, felicidade,
E’s tão sómente
do museo de historia natural.
Sonho infinito da humanidade; Essa nomeação foi festejada pe­
Gloria do crente, los feministas como uma nova con­
Que te transforma numa verdade! quista. Foi com effeito um acon­
P r K S C IL I A N A D u .A R T E de A r .M E I D A . tecimento do alguma importância,
pois 6 a primeira vez que uma mu­
lher é chamada a exercer funeçOes
tão notoriamente officiaes, em um
posto para 0 qual não faltaram can­
Kotas pequenas didatos masculinos.
Carta do Rio — Deixamos de dar
neste numero aquella interessante
e apreciada correspondência, e 0
fazemos com 0 maior contentamen­
to... E’ que se acha em S. Paulo
a festejada escriptora e nossa in­
comparável amiga Maria Clara da
^ Mensageira
Cunha Santos, que veiu em com­ Publicações recebidas. — Rece­
panhia de seu digno esposo, 0 il­ bemos: 0 11. 10 d’A Mensageira,
lustre engenheiro Dr. José Américo a explendida revista litteraria da
dos Santos, procurador da compa­ sra. d. Prcsciliana Duarte de Al­
nhia São Paulo Railway no Rio meida. Como os demais, este nu­
de Janeiro. mero vem lions ligne, repleto de
Recebemos e agradecemos — as verdadeiros primores. Assim traz
seguintes musicas editadas pela co­ uma Carla do Rio de Maria Cla­
nhecida casa Filippone: ra, mu soneto do Aurélio Neves,
intitulado Celeste, uma Coesta do E', como se vè, cx.cellento este
1’resciliana D. de Almeida, linda a numero d'. I Mensageira.
valor, fechando com um trabalho (Da Xaçiio).
poético de Cândido de Carvalho,
(juc 6 um bom poeta, como se Veio ao nosso cscriptorio o nu­
sabe. mero 9 da graciosa I'cvista A Alen-
Agradecemos o exemplar rece­ sageira, jornal do hollo sexo, que
bido e fazemos votos para que a sob a direção da maviosa poetisa
Mensageira nunca mais deixo de Presciliana Duarte publica-se cm
nos visitar. S. Paulo.
E' sempre motivo de festa para
Está publicado o n. 8 da esplen­ nós, a visita d’esta illusti’e collega.
dida revista litteraria A Mensagei­ que, como tudo mais que sae de
ra, dirigida pela distincta escrip' mãos de tão gracis escriptoras, é
tora (1. Presciliana Duarte do Al­ mimoso, attrahente e deleitante.
meida. Hoje abrilhantamos nossas co-
As nossas mais festejadas pen- lumnas com a transcripção de um
nas femininas enfileiraram-se desta magnifico soneto da intelligente
vez neste redueto delicado das let- redactora da apreciável revista.
tras paulistas; ó assim que A Men­ (Da Gazeta de Lcopoldtna).
sageira dá-nos um bom trecho de
d. Julia Lopes, poesias de Silvio A Mensageira, de 8. Paulo, n.
de Almeida e Manoel Yiotti, uma 9 , do anno I. distribuída a 15 do
espirituosa Chroiiiea de Maria Emi­ corrente. E’ mais uma joia litte­
lia, bons versos de Aurea Pires, etc. raria 0 presente fasciculo da apre­
Maria Clara, Eloy Alfaro, Del- ciada publicação dirigida pela dis­
minda Silveira, Francisco Lins e tincta cscriptora mineira d. Pres­
Dolores Araujo, concluem o nume­ ciliana Duarte, como se póde apre­
ro com bons trechos de prosa e ciar pelo seu summario.
versos. (Do Minas-Oeracs, de Ouro Preto).

i
São Paulo 30 de Abril de 1898 Anno I, N. 14

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direotora — Presciliana Duarte de Almeida

Esta revista garante a sua •publicação durante um anno.


PuhVica-se nos dias 15 e 30 de cada mex.
P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno | N u m ero avulso
a d ia n ta d o Endereço : Rua dos Estudantes N. 23 | Rs. 1 $ 0 0 0

Summario: — Sobre a educação em ge­ Fala-se então em collegio, em


ral, Delminda Silveira; — Só, soneto,
Manoel VioUi ; — Ampliitrite, soneto,
professores... o, eis a avesinha no­
Francisca Julia da Silva; — No meu Ate­ vel tolhida, em grande parto, cm
lier, Julia Lopes de Almeida; — O Juca sua descuidosa liberdade!
da Generosa, conto, Maria Clara da Cunha
Santos; — Lagrima tardia. Perpetua do
Mas... um pequeno collegio on­
Valle; — Hiemal, soneto, Aurea Pires; de se ensina o A, B, C, o b-a-há^
— A mulher, Francisco Barroso; — Car- 0 «Bem dictof... que tanto basta
lota Corday, soneto, Maria Jucá; — Mor­
a uma creança de 7 annos !...
ta, soneto, Adelia Jucá; — Notas pe­
quenas. Ah, por Deus! mães carinhosas,
não mandeis vossos pequenos amo­
res tão cedo ao collegio!
A menos que não sejais anal-
Cbservações phabetas, podereis, e deveis vós
sobre a educação em geral mesmas ser ainda, unicamente, o
(Infancia) mentor de vossos filhos.
Quão suaves e graciosos não são
Diz-se vulgarmente que — de 7
todos os versos d’aquclla singela e
em 7 annos o indivíduo muda; —
meiga poesia que se acha em um
assim, depois dos 7 annos começa
bom livro destinado a leitura da
a segunda phase da infancia. B’
infancia, e cujo primeiro quarteto
então que a creança entra por as­
6 0 seguinte:
sim dizer, em uma nova vida; sua
intelligencia, como flor que desa­ «Quando eu era pequenino
brocha, necessita que um doce raio Que nem sabia falar,
do luz a vigore e embelleça, qual IMinlia mãe já me ensinava
Ao Deus do Céu adorar.»
a rostea de sol que faz expandir
suave perfume á Candida magno­ E, sem duvida, quando aquelle
lia; torna-se necessário um cultor pequenino já sabia bem falar e
áquella tenra bonina. çomprehender, sua bôa mãe não só
2 IO A M EN SAGEIRA

lhe ensinaria os deveres da Reli­ gala, mas sem ornatos nem joias,
gião como ainda os da Sociedade. vão gravemente receber a bemçam
Desde a primeira infaacia a mãe de suas boas mães, que os abraçam
deve habituar seus fillios á pratica e beijam commovidas com a maior
da Civilidade, não esquecendo o e mais profunda ternura.
asseio — um de seus principaes As jovens virgens singelas, ves­
deveres, e tão util quanto agrada- tidas de branco, coroada de alvas
vel. Depois, quando a creanqa já rosas a fronte serena e pudica, que
possa comprehender o que lêr, jun­ se esconde sob o cândido véu da
tando ás suas mais amplas expli­ castidade, como outr’ora as neo-
cações, dar-lhe-ha um «Compendio» phitas do Christianismo : os jovens
dos deveres sociaes. quasi adolescentes, que cm breve
Xada mais agradavel do que um encetarão os primeiros passos n’es-
ti’ato ameno e cortez. pois a deli­ se caminho da mocidade, tão plano
cadeza comprehende todos os pon­ e semeado de flores, mas tão cheio
tos da Civilidade. de encantadores desvios onde a In-
É á mesa, dizem os ingleses, que nocencia se perde, e sob tapizes
se conhece a boa educação. de variegadas rosas se dissimulam
Mas, não será antes no Templo?.. abvsmos profundos, nos quaes tan­
Ali se observam os deveres tanto tos se precipitam feridos dos mais
religiosos como civis. acerbos espinhos...
Si a mãe é verdadeiramente re­ Uns e outros conservarão para
ligiosa não esquecerá de instruir sempre a doce memória desse to­
seus filhos nos pontos essenciaes cante espectáculo, d’ esse dia tão
de sua crença, e, como falo parti­ cheio de doçuras e santidade que
cularmente ás mães brasileiras, por­ lhes fará olhar com respeito e
tanto á mulher catholica. dir-lhes- amor os actos sagrados de sua
hei: ensinai a vossos filhos a reli­ Religião.
gião de Christo, porém sem exa­ Tenho notado, muitas vezes, en­
geros, sem extravagancias de pra­ tre fainilias da melhor sociedade,
ticas absurdas ou fanaticas. nas creanças, um habito que de­
E ’ bello e edificante ver-se os testo : é 0 de tomarem parte na
meninos e meninas, chegados aos conversação geral. Elias emittem
12 annos, promptos á receberem opiniões, reprovam, contradizem,
0 Sacramento Augusto da Com- etc; é intolerável! E quantos in­
munhão. convenientes não podem resultar
E ’ para clles um dia grandioso d'isso, pensai-o bem. Sobre ser
e solemne esse em que, vestidos de uma falta de respeito aos paes, e
A m e n s a g e ir a 2 I I

(lescortezia ás pessoas presentes, a mosas faces o carmim das rosas


creança, sempre inconsiderada, po­ da primavera, e os risos e os can­
de coinprometter seus paes ou ou­ tos brotarão de seus lábios, como
tras pessoas, envergonlial-as, intri­ testemunho de um espirito vivace
gai-as. etc. etc. em um corpo pleno de vigor e vida.
Quanto 6 ainavel e credora da Para o menino, como para a me­
mais doce sympathia a creança bem nina. a educação ate os 10 annos
educada ! 6 quasi a mesma.
Deixai que vossos filhos sejam Quando o filho passa aos estu­
vivos, traquinas, ruidosos, é natural dos secundários, a filha da classe
e proprio da infancia, porém, sabei elevada começa também seus es­
reprimil-os, a tempo, pela obediên­ tudos differontes; aquelle vai im­
cia; sustai-os com um só olhar. preterivelmente ao collegio de maior
Parece-vos isto mui difficil, ó nomeada, si |não se lhe dão profes­
paes carinhosos? sores que venham á casa, o que é
Entretanto, só de vós depende; preferível sempre que possam os
vós sómente podereis alcançar que paes contratal-os.
vossos pequenos em suas traves­ Si a um rapaz será isto mais
suras não se magoem, a si ou a conveniente, que se dirá a uma
seus companheiros, o se tornem in- menina?
supportaveis, a todos, ou sejam E’ d’esta idade em diante que
causa de prejuizos a alguém. os paes devem ser mais escrupu­
Depois dos 7 annos, deveis exer­ losos na escolha de amigos ou com­
citar vossos filhos em gymnastica: panheiros de seus filhos.
sabeis quanto a hygiene isso re- A menina terá também um pro­
comraenda ás creanças. fessor ou professora apta e bem
Outros meios igualmente hygie- escolhida, e, além dos estudos do
nicos e que tornarão vossos filhos menino, dar-se-lhe-ão licçòes de
robustos e sadios são os banhos Ijvendas ou trabalhos manuaes, e
frios e os passeios do campo. alguma pratica das oceupações do­
Habituai-os desde a mais tenra mesticas dirigidas por sua mãe.
idade aos banhos, começando-os Emquanto o menino de familia
pelo verão ; levai-os á passeio nas mais distincta ou abastada se pre­
horas aprazíveis das serenas ma­ para para o curso acadêmico, o
nhãs, e deixai-os correr livremen­ filho da classe média muitas vezes
te pelas planícies, colhendo flores segue a vida do operário. Os paes
e borboletas a sombra das grandes do futuro artista lhe proporciona­
arvores ; vereis então n’aquellas mi­ rão um mesti’e habil e honesto, e
2 I2 A M ENSAGEIRA

sempre de accordo com a inclina­


5 Ó
ção natural de seu filho, quanto a
Pos meus sonhos na verde ramaria,
profissão a seguir, sem o que, nun­
Só ficaram a morte e a solidão...
ca terão um Artista perfeito. Luiz Murat.

A menina d’esta sociedade será Ao Bento Barreto


instruída por sua mãe nos affa- Compulso o livro da saudade — inserto
zeres domésticos, acompanhando-a, No capitulo exul da nostalgia —
sempre docil e obediente. E a Percorro folha a folha, esse deserto
gloria do mais nobre orgulho, a Que na minha’alma abriste á luz do dia.

satisfação mais pura e santa, serão Das illusões, no doce oásis, certo
a recompensa dos paes que, com­ Já não ha, como outr’ora sempre havia,
pleta a educação da infancia, apre­ A palmeira do amor, qual pallio aberto
sentem seus jovens filhos á Socie­ Sob 0 páramo astral da fantasia.

dade, que os receberá sempre com Tudo palpita aqui n’ uma saudade;
sympathia e applausos, pois levam E, onde puzeste outr’ora um louro sonho,
comsigo 0 talisman que a todos Resôa o dobre de uma soledade...
encanta: — os attrativos de uma
Do amor em vão a lúcida chimera
bôa educação. Derrama a luz neste estendal medonho
Capital de Santa Catharlna. Onde, sómente, a grande magua impera!
D elminda S il v e ir a . M a n o e l V io t t i .

Bniphitrite
Louco, ás doudas, roncando, em látegos, ufano,
O vento o seu furor colérico passeia...
Enruga e torce o manto á prateada areia
Da praia, zune no ar, encarapela o oceano.

A seus uivos, o mar, chora o seu pranto insano.


Grita, ulula, revolto, e o largo dorso arqueia;
Perdida ao longe, como um passaro que anceia.
Alva e esguia, uma nau avança a todo o panno.

Socega o vento; cala o oceano a sua magua;


Surge, esplendida e nua, envolta em aurea bruma,
Amphitrite, e, a sorrir, nadando á tona d’agua.

Lá v a e... mostrando á luz suas formas redondas,


Sua clara nudez salpicada de espuma.
Deslizando no glauco amiculo das ondas...
F r a n c is c a J u l ia d a S i l v a .
A MENSAGEIRA 213

dona, com a sua epiderme de leite,


Ko meu í^telier os seus cabellos de oiro fosco, 0
(Paginas de uma carteira)
0 seu todo virginal e recolhido;
Eu andava doido á procura de mas, que diabo! a urgência era de
uni modelo para a minlia estatua uma Venus! «Vamos, minha se­
de concurso — Venus sahindo das nhora! dispa-se; preciso vel-a núa,
aguas — . Errei tardes e noites por insisti.
todos estes meandros do Rio de As papoulas não são mais ver­
Janeiro, sem encontrar sombra de melhas do que a côr alastrada pe­
corpo, ao menos, que servisse Um las faces da pobre moça. Houve
dia, 0 meu criado Fréd^ sempre um olhar entre as duas: uma dizia
muito interessado pelos meus tra­ alvoroçada :
balhos, e de ollio á espreita de pro­ «Não posso!» a outra supplica-
váveis triumphos, interrompeu-me va com vehemencia: «Deixa!»
0 somno da manhã, sacudindo-me Era a fome. A velha remoía a
enthusiasmado : queixada, torcendo as mãos sobre
— S en h or!... está aqui ua sala 0 chaile russo; então a neta, ati­
um modelo! rando com desespero 0 seu chapéu
— Mentes, Fi’6d! de palha escuro para 0 chão, de­
— Juro ! . . . sabotoou-se rapidamente, e, num
Todo elle reçumava alegria. Trou­ segundo, 0 seu corpo alvo e fino
xe-me pressuroso 0 chambre, pre­ apparecia todo, desde os artelhos
parou-me a agua para os dentes, delicados, até ao pescoço alvo e
sempre a sorrir, muito vermelho, roliço.
com 0 seu typo de allemão philtra- Olhei-a bem... demoradamente...
do pelo Rio Grande do Sul. ainda não era aquillo 0 que eu
Meia hora depois, eu esbarrava precisava!... era novo demais aquel-
na sala com duas senhoras; uma le corpo franzino, muito fresco e
velhota baixa, de queixo longo e virginal para a mãe do Amor! Eu
bocca desdentada, e uma moça ti- queria contornos mais redondos, li­
mida, encolhida dentro de um ves­ nhas mais fortes, sobretudo mais
tido de lã preta mal cosido, com carne. Regeitei-a. Houve um si­
um par de olhos tristes e avellli­ lencio ; 0 modelo suspendeu as rou­
dados. Meia duzia de palavras que pas, calado, tremulo, pallido, e eu
adoçassem 0 epilogo do encontro, vi então que pelo seu rosto as la­
e logo depois pedi-lhe que se des­ grimas desciam quatro a quatro.
pisse. A velha chamou-me para um re­
Eu achava-a excellente para ma­ canto, atraz do um cavallo de ges-
214 A MENSAGEIRA

SO, e ahi, disse-me soluçando que absorta e com o olhar sombrio, on­
havia dois dias que não comiam de errava um mysterio
nada, nem achavam trabalho . . .
Passaram-se dias e a bôa da mi­
uma desgraça! Se a neta não fosse
nha velhota não comparecia ás ses­
tão recatada já teria feito uma lou­
sões! Enfastiado, fui eu mesmo
cura . . . e a,su a mão engelhada
saber da causa. Achei-a a morrer
estendeu-se tremula, em concha,
de fome, desconsoladissima e ati­
corando ella, por sua vez.
rada para um canto, ao lado do
Uma ideia! gritei; quem vae ser-
uma janella aberta. A outra sahira.
vir-me de modelo 6 a senhora. Pre­
A desgraçada explicou-me, humi­
ciso de uma estatua para uma ca-
lhada:
pella de caridade... falta-me exa-
— Senhor, eu não fui ao seu
ctamente a mendiga para comple­
atelier porque ella não quiz. . . te­
tar 0 grupo. .. ^ — F réd ! prepara
ve ciúmes, ficou zangada ! Antes
almoço para tres!
0 senhor não a tivesse regeitado...
A velha beijou-me a mão.
aquillo era um sacrifício enorme
Mas era magnifica! Demos volta
para ella!... é muito casta... mas...
ao cavallo. A moça já lá estava
0 peior estava passado... foi pena
a um canto, com o seu chapeusi-
que 0 senhor a tivesse regeitado!
nho de palha enfeitado de velhas
Agora trata-me m al... tem ciúmes.
margaridas desbotadas sobre os ca-
Lembra-se d’aquella vertigem ? Ella
bellos divinos, e o seu vestido po­
tinha ouvido tudo, a sua proposta
bre acolchetado á pressa.
enfureceu-a . . . Agora trata-me
Fui a ella, dei-lhe o braço, e vi
mal . . . tem ciúmes de mim ! . . .
que desfallecia.
Por mais de dez vezes a velha
Era talvez a fraqueza juncta á
repetiu aquella phrase amarga, com
commoção; estava gelada e com
as faces cavadas e um sorriso do­
um tremor de passarinho doente
loroso. Dei-lhe uns magros tostões
Com um arranco deitei ao chão os
e . .. e aqui vou por estas ruas á
meus bibelots, e, tirando o panno
procura de uma V enus. . . sem vai­
de velludo da mesa ao lado, en­
dade ! E não a encontro ! e não
volví nelle a minha virgem e re­
a encontro!
clamei do Fréd um cálice de Porto.
II
D’ahi a uma hora devoravamos
os tres 0 peru frio, o fiambre e os A Baroneza veiu pousar hoje ás
ovos trazidos de um hotel proximo. duas horas, para o retrato.
Mas nem o regalo do almoço fez Eu! tinha-lhe aconselhado um cor-
sorrir a pequena, que se quedava pinho amarei lo, ' trouxe um azul;
A MENSAGEIRA
215

pedi-lhe que não alterasse 0 pen­ as ambições e as glorias? A terra


teado: fez-se pentear por um ca- tem 0 mesmo peso para todos, os
belleireiro; colloquei-a do perfil, — homens 0 mesmo esquecimento, e
pediu-me que a deixasse ficar de 0 fogo come, lambe e destróe 0
frente; lembrei um ramo das suas duro bronze como 0 fôfo arminho !
magnificas orchideas roixas para 0 O artista, afinal... só depende do
peito, — reclamou de preferencia acaso !
duas rosas brancas para os hom- Todavia, os meus olhos afagam
bros. . . No fim teve esta phrase a estatueta, e por todo 0 meu ser
encantadora: um deleite se espalha, grande, puro,
— Faça-me um quadro artistico, divino. A mim que me importa
bem ao seu gosto! 0 nome, se a alma não vem nelle
E ainda da escada voltou-se para mas na obra d’arte?
lembrar que não queria 0 fundo
claro... IV
Prometti-lhe uma cortina ver­
Nas horas de desalento 0 unico
melha, e ella sahiu radiante!
conforto em arte, que me anima a
proseguir, não é olhar para os tra­
Ill
balhos dos outros, é olhar para os
meus !
Comprei ha annos um bronze
J ulia L opes de A lmeid .v.
em um bazar italiano. E’ um men­
digo esfarrapado, ossudo, de largo
chapéu e sandalias rotas. Em vão
procurei 0 nome do artista nesta
obra prima. O bronze foi eviden­
0 ^uca da Generosa
temente salvo de um incêndio. A
A Adolpho Malevolti
parte inferior do pedestal, corroida
e inutilisada, mal sustenta a figura Era um typo original 0 Juca.
do velho pedinte. Eu scismo de- Conheci-o em Pouso Alegre, ha
ante d’aquellas orbitas vazias, de annos. Forte, moreno, tostado pelo
cego, d’ aquelle manto ondeante, sol, a musculatura rija e bellas
d’aquelle gesto de incerteza e de formas, 0 rosto intelligente e fran­
medo, d’aquella expressão funda de co, a voz clara 0 cantante, cabellos
duvida e dor, nas horas de traba­ negros revoltos, em ondas, era 0
lho e nas esperanças de gloria do Juca um destes typos que a gente
seu creador. E tudo nie parece vendo uma só vez não esquecerá
fumo, poeira! De que nos servem jamais.
2 l6 A MENSAGEIRA

0 Juca fez toda a Campanha Admirada com o exquisito pro­


do Paraguay, como soldado volun­ cedimento do Juca — que leva
tário, e era um praser ouvil-o con­ quasi toda a semana a trabalhar
tar as proesas da guerra. Igno­ para ganhar 4 § 0 0 0 rs. — pensei
rante, nem ao menos sabia 1er, que elle estivesse bêbado. Mas não!
mas era intelligentissimo. Tinha fez muito de proposito e em seu
muito gosto pela poesia e impro­ perfeito juizo. Disse-me que já
visava versos com rara habilidade. tinha almoçado naquelle dia, que
A proposito de tudo lá vinha um não precisava de dinheiro toda a-
verso, errado as vozes, mas sempre quella tarde e que mais si diver­
original e gracioso. Era um desi- tia restituindo a liberdade áquelles
quilibrado adoravel. Na sua es- pobres passarinhos do que indo ao
phera humilde exerceu diversos em­ circo, de noite.
pregos. Nunca vi uma creatura Depois, fitando-me seus grandes
tão insconstante assim, trabalhava olhos negros, disse-me: quando eu
por dia capinando hortas, era cam­ estou bêbado e desordeiro, que me
peiro, camarada, pescador, coveiro prendem, minha pobre mãe fica
e vendedor ambulante. Todos em quasi louca de dor, váe pedir por
Pouso Alegre o estimavam. Em­ mim, e quando me soltam, que a-
briagava-se as vezes, mas não ha­ legria! Eu pensei nisso, e quem
via bebedeira por mais forte que sabe 0 que será feito da mãe da-
fosse que o fizesse perder o bom quelles passaros?
humor e genio brincalhão. Generosa, a mãe do Juca, era
Um domingo, recordo-me bem, uma pobre mulher, muito estimada
0 Juca da Generosa foi ao Mercado e boa. O filho, com esse genio
e vio um menino vendendo uns de bohemio, era toda a sua alegria
passaros presos em um alçapão. e 0 seu tormento. Quantas vezes
— Pequeno, diz o Juca, quanto ella foi chorando lá em casa pedir
queres por esses passaros? a meu Páe que lhe valesse. E vel-a
— Por todos, pelos nove? õ mil rs. chorar, era certo, o incorrigível
— Vê lá se m’os deixas por 4 Juca estava preso ou doente.
e compro-os todos. Uma vez, na festa de Santo An­
— ]í*rompto, 0 negocio está feito. tonio, 0 sachristão não consentio
E 0 Juca contente, com indizivel que 0 Juca entrasse na Igreja,
alegria, os foi soltando, um a um. porque estava immundo, bêbado,
Quando soltou o ultimo anum, disse todo molhado e dizendo inconve­
triomphante: nove desgraçados de niências. ü Juca insistiu, o sa­
menos. christão empuri‘ou-o. Resignado a
A MENSAGEIRA 2 I7

ouvir 0 sermão de fora do templo, sapontado e triste, immediatameiite


0 Juca de improviso disse o se­ improvisou os seguintes versos:
guinte:
O’ senhor que está de dentro.
Escutae, nossa Senhora. Tenha dó de quem’stà fóra,
Desse teu altar sagrado Se é que está coin seu amor . ..
Expulsaram para fora Diga já que eu vou-me embora.
O teu Juca desgraçado.
Sempre o Juca fazia das suas.
Mas isso se faz? Embora
Gostava muito de obsequiar. Uma
Seja um bêbado ou mendigo,
Quero beijar-vos senhora! vez levou elle de presente á mi­
Quero em vão, pois não consigo!! nha prima Ismenia uma bandeja
de verduras lindíssimas. Era um
mimo! Alfaces viçosas, tomates,
Uma occasião achei muita graça cebolas, pepinos, emfim, uma agra-
110 Juca. Approximava-se a festa davel 0 formosa bandeja de legu­
de S. Sebastião, era Janeiro, havia mes.
muita animação, a orchestra fazia Minha prima, surprehendida, a-
seus ensaios em casa do professor gradeceu muito o presente e pediu
Josó Cardoso, todas as noites. 0 ao Juca que não se incommodasse
Juca era infalivel nos ensaios da mais.
musica e fazia grande barulho ap­ ü ’alii a 10 minutos, se tanto,
plaud indo e pedindo his a todas as quando minha prima havia entrado
peças. Eram taes os applausos cpie para o interior da casa, bate á porta
importunavam os músicos. As ve­ novamente o Juca. — Que 6? que
zes não tinha terminado uma peça queres? — Ah! siá Dona Ismenia,
em uma firraata que a musica fi­ eu quero, mas... estou com vergo­
zesse, começava o Juca a bater nha, mas... a Sra. sabe.... as ve­
palmas e a applaudir de um modo zes acontece... eu... eu... — Que
entontecedor. Em vista da incon­ desejas? dize, dize. — Eu queria
veniência de tal espectador, resol­ 2$000 rs. para pagar aquelle homem
veram não admittil-o mais nos en­ que ali está (e apontava para um
saios. A ’ noite, quando os músicos sujeito parado á esquinha) que me
estavam se reunindo e iam come­ vendeu essas verduras e quer ser
çar 0 estudo, 0 Snr. José Cardoso pago. De modo que o tal presente
teve a lembrança de fechar a porta foi pago á vista. Minha prima fi­
antes da entrada de tão importuno cou com as verduras pelos 2^000 rs.
espectador. Não se atrapalhou o e ainda teve que agradecer ao Juca
Juca e apezar de ficar muito dc- a lembrança.
2 I8 A MENSAGEIRA

A ultima vez que o vi, foi na galhos de uma arvore secular que
vespera de sua morte. Era um a enchente cobrira quasi que com­
domingo alegre e festivo. Ao des­ pletamente. Morto conservava ain­
pedir-se de mim, tomou-me silen­ da nas faces aquelle mesmo ar de
ciosamente a mão e bejou-a. Es­ compaixão e de bondade que sem­
tava de peifeita saude, forte e como pre tivera. E finou-se obscuro qual
semjDro jocoso. Soube que no dia tinha existido aquelle pobre desi-
seguinte morrera afogado no rio quilibrado cuja vida foi uma come­
Mandú, o formoso rio que banlia dia constante e cuja morte fez ma­
Pouso Alegi’e. rejar de lagrimas os olhos de todos
As chuvas continuadas de mui­ que o conheceram. Morreu como
tos dias haviam promovido uma vivera — arrebatado pela poesia!
enchente completa nas margens do E nas aguas formosas do poético
Mandú. Os barrancos altos do rio Mundú derramou a ultima lagrima
estavam submersos e de espaço a — a que vem inevitavelmente no
espaço via-se uma ilhota coberta momento exti’emo — e o derra­
de rica vegetação — era a copa deiro suspiro de seu grande cora­
de uma grande arvore. Eram 6 ção foi abafado pela coixente preci­
horas da tarde. O sol doirava o pitada d’aquellas aguas christalinas.
cume dos altos montes; bandos de M a r ia C l a r a da C u n h a S an to s .
pombas-rolas voavam alegremente.
O pobre Juca estava bêbado. Fez
ura discurso cheio de enthusias-
mo, 0 alcool emprestara-lhe ar-
rogancia e eloquência extranhas e Lagrima tardia
depois muito contente, disse: meus Que outro titulo poderiamos dar
senhores, o Juca vae virar um peixe, a estas linhas, cujo fim unico é
vae para o fundo deste lindo rio desfolhar goivos e saudades sobre
e se não voltar... adeuzinho... até 0 tumulo de uma poetisa fallecida
lá no céu.» Saltou e desappareceu. ha mais de très annos?
Como elle nadasse bem, não cau­ A Mensageira, na faina de con­
sou cuidados. Quando a demora gregar as escriptoras nacionaes,
do mergulhão prolongou-se por al­ tem tido grandes alegrias e sur­
guns minutos, alguns rapazes cora­ presas, conhecendo literatas que
josos precipitaram-se nas aguas para em longinquos estados do Brazil
salvar o querido desgraçado. Em arvoraram a sua tenda do traba­
vão! Baldado esforço! No dia se­ lho, mas também tem encontrado
guinte foi encontrado enroscado nos revelações dolorosas e motivo do
A MENSAGEIRA 219

lucto para as letras femininas. As­ Após esta, tivemos ensejo de


sim é que, só agora, tivemos co- apreciar muitas outras produeçoes
nliecimento da morte prematura de da intelligente senhora, entre as
uma das mais inspiradas poetisas quaes uns bellos versos intitula­
brasileiras, a gloriosa alagoana dos Olhos verdes, dos quaes, infe­
Maria Jucá, cujo talento brilhante lizmente, não possuimos copia. En­
admiravamos de ha muito. cetada a publicação da Mensageira,
O primeiro trabaliio seu que se 0 nome de Maria Jucá foi um dos
nos deparou, ha annos, foi a se­ primeiros lembrados entro os das
guinte poesia, que guardamos reli­ nossas mais queridas cscriptoras.
giosamente, por ter sido para nos Empregamos desde então todos os
a reveladora do novo astro que meios de obter a collaboração da
principiava a fulgiv no nosso meio illustre brazileira, ató que afinal
literário: uma do suas irmãs, A delia Jucá,
em amavel e delicada missiva, nos
A Lagrima e 0 Sorriso
poz a par da triste verdade... De­
Essência do pe/.ar, clirvstnlisaíia, vido ainda á gentileza desta se­
Do coração a pérola aljofrada
nhora, pudemos obter as notas que
Cáe, orvalhando a ílor do sentimento...
Repreza, é como a lava, as crenças mata»
se seguem, publicadas no Abna-
Mas, solta, é corno a lympha da cascata, naeh Popular Braxüeiro, de 1897 :
Vivifiea e faz bem ao soffrimento! «Na cidade de Maceió, Alagoas,
finou-se a 3 de Abril de 1 8 9 5 ,
De aves do céu aos mais ridentes hymnos.
Desabrocha nums lábios purpurinos ainda no verdor dos annos, a Exma.
Das veigas d’alma a candida papoula! Sra. D. Maria Jucá, auctora da
Como em nuvens de opala, rutilantes. poesia da pag. 1 3 6 , Flores d’ alma.
Vem derramar em jorros nos semblantes Foi alumna distincta do Lyceu
Dos prazeres a fulgida caçoula.
Alagoano, onde exhibiu brilhantes
Uma, a lagrima, nasce de um desgosto, provas do seu talento, sobretudo
Vem tristemente desbotar ao rosto em mathematicas. Deixou cresci­
As rosas da alegria tão virentes;
da copia de produeçoes em prosa
Outro, o sorriso, nasce, perfumoso,
Ou das scismas de um sonho venturoso.
e verso, nitidas ti’aducçoes, versos
Ou do júbilo de gosos innocentes. em francez, etc.
Casada havia dous annos, dei­
Uma traduz a dor, outro a alegria;
xou na orphandade um casal de
Este é aurora — precedendo o dia,
Aquelle — a noite fria, erma de encantos... filhinhos.»
Mas, que vezes não brota, dolorida. Depois de havermos registrado,
Entre risos a lagrima sentida, com infinda magua, 0 desappare-
E o sorriso não brilha envolto em prantos! ciniento de tão preciosa existen-
T
2 20 A MENSAGEIRA

cia, SÓ nos resta o supremo con- Adelia Jucá, cuja vida literaria
solo de 1er os sens versos encan­ se inicia agora na Mensageira.
tadores, desfolhando milhares de Que as musas lhe sejam tão pro­
flores sobre o seu tumulo querido... picias quanto á sua desditosa ir­
Offerecemos hoje a nossas lei­ mã, e que o destino lhe seja mais
toras um soneto de Maria Jucá. risonho...
Foi-nos enviado por sua terna irmã. P k RPETUA do V a IJ vE.

Kyenial
A Arthur Andrade
Approxima-se o inverno espalhando na serra
Nebulosas que vão sobre as azas do vento
Ondeando levemente... ondeando... no momento
Em que a luz da alvorada a escuridão desterra.

No immaoulado azul do vasto firmamento


O sol mais scintillante a palpebra descerra...
Dardeja livremente os raios sobre a terra
E no occaso por fim se apaga lento’ e lento!...

E quando a noite chega e silenciosa invade


A extensão da planicie e a doce claridade
Da lua vem bater na face da lagoa,

Na casinha de palha a pobre lavadeira


Assentada no chão, bem perto da fogueira
Cantigas do seu tempo em voz queixosa entôal.

A u r e a P ir e s .

cação da mulher, assim como da


^ mulher sua emancipação, conferindo-se-lhe
E ’ de grandioso alcance afim de as mesmas prerogativas que ao ho-
obter-se a grandeza da patria e mem são concedidas,
mesmo a felicidade do genero hu- Esta ultima parte será, estamos
mano, trabalhar-se á favor da edu- certos, recebida de lança em riste
A MENSAGEIRA 22 1

e a guerra se ateará crúa por al­ dizemol-o á puridade, 6 um dos


guns espirftos, mas não nos demo­ nossos mais queridos ideaes.
verão do nosso proposito. As nuvens que obscureciam o
Não é esta a vez primeira que, liorisonte do século XIII, ao ser
na imprensa, havemos alvejado mui­ organisado o terrivel tribunal da
to perfunctoriamente este assumpto. inquisição, eram mais espessas.
Os cerebros do mundo culto, ha Os povos tinham-lhe excessiva
muito, que se agitam collaborandc má vontade e, não obstante, só sé­
para a resolução de tão alevantado culos depois, em 1 8 2 0 foi que veio
problema. a desapparecer inteiramente.
A inquisição, durante sua exis­
Nossa voz, alem de humillima, 6
tência teve a petulância de, com
fraca e mal poderá ser percebida
a força, que dispunha, pretender jun­
no pandemonium politico - que. in­
gir simultaneamente o pensamento
felizmente, barafusta as grandes
ao potro, á poló e á fogueira.
idéas do século n’este paiz.
Obrigou ató Galileu a desdizer-
Outros e não nós munidos das se: que a terra não se movia!
credenciaes com que o talento e — E j)nr si muove.
illustração os felicitaram, melhor Na lucta em prol das grandes
fariam o que só com desataviada idéas os vencidos^ de hoje, serão os
linguagem podemos fazer. vencedores de amanhã.
Não valem desculpas sabemos, Ao romper da aurora precede
toda vez que nos afoutamos ao al­ sempre a noite.
to mar. Esta ainda vai em meio, porém
A convicção da causa e a sin­ de vez em quando prateados cra­
ceridade com que a esposamos nos vos rasgam-lhe o negro manto e
animaram a tomar este rumo. brilham á despeito do temporáb
E si, por acaso, encrespar-se o que ruge a semelhança de uma le­
salso elemento e os ventos forem gião de demonios.
contrários, ficar-nos-ha a satisfacção Poderá alongar-se, mas a aurora
do tentamen. in^adiará.
Si assim não fosse, então, nin­ O homem ha, com seu proficuo
guém mais se arrojaria a explorar trabalho, diminuido as distancias,
0 pólo norte. já com 0 telegrapho, já com o te­
Por emquanto as tentativas n’este lephone, enchendo de muita luz o
sentido teem sido infructiferas. mundo, cujo brilho ainda é empa­
Dia virá, que terão bom exito. nado pela falta de instrucção na
O que vimos de tratar ácima. maioria dos povos.
i f

0 7 9
A m e n s a g e ir a

0 seu genio inventivo, n’estes Caberia, portanto, a semeadura


últimos tempos, tem, admiravel­ também ao sexo femenino e, na
mente, commettido milagres. colheita a mulher estaria apta para
f]ntendomos que qualificando, comprehender melhor o importante
por esta forma, suas descobertas. papel, que lhe toca na sociedade e,
nao exaggeramos. estando na razão directa do seu
Tudo isto muito exprime, é ver­ adiantamento, a teria como fortis­
dade, mas 0 maior objectivo, para simo elemento do progresso.
onde devem ser voltadas ás vistasi Assim preparada, a mulher, at-
0 qual muito concorrerá pai’a a re­ tijigindo 0 fim para que lhe des­
forma dos costumes e levantamento tinou a propria natureza, engran-
da moral, é, não cau(,“aromos de decer-se-hia e engrandeceria a ge­
repetir, para a educação e emanci­ ração que lhe sahisse do materno
pação do sexo feminino. seio.
Nos outros paizes, como dissc- Então, não haveria que receiar,
mol-o, já se sente o afan em pro­ como receiosos se sentem, por ahí
mover-se, á par de outras medidas afora, alguns pensadores, em se lhe
de interesse geral, o profuso der­ outorgar os mesmos direitos que
ramamento da instruetiva e fecunda são cabidos ao homem.
semente por todas as camadas so- A mulher 6 riquíssimo thesouro
ciaes. e, á proporção que se lhe for ir­
Aqui, é do que menos se cuida- radiando 0 espirito com abundan­
0 grito de ordem 6: Salvemos tes conhecimentos sua riqueza se
a republica. tornará inexgotavel.
Elle ecliôa de sul a norte e o 0 preconceito, fantasma de for­
barco de cavernas abertas, quilha mas grotescas, preparado pela ima­
partida, singra mar encapellado. ginação dos timidos, tem procurado
Os timoneiros, atordoados com embaraçar seu desenvolvimento
a desordenada grita dos tripolantes, instructivo, todavia, sua acção se
ensurdecem e... o horisonte se veste ha, ultimamente, nullificado.
de negro, o trovão ribomba... Os poetas a teem endeusado, co­
N’este medonho e dissonante con­ roando-lhe a fronte de ouro, péro­
certo, do que menos se occupam las, brilhantes e exquisitas flores
os ânimos é de dedicarem-se a il­ e, ao passar como rainha que é, perfu­
luminai' os espiritos, procurando mam-lhe a passagem com orientaes
esparzir, a mãos largas, os conhe­ essencias, saudaudo-a com divinaes
cimentos, pois. só assim, elle e ella ostrophes.
se salvarão. Ella ao tempo que sabe ser mãi
A MENSAGEIRA

e esposa, faz-se heroina e escri- cerão a alguém, desnecessárias e


ptora, brotando de sua alma angé­ a nosso ver julgamol-as precisas.
lica os mais santos sentimentos de Damos estas linhas, apenas como
amor e piedade. um simile de prefacio, embora pal-
Instruida, que seja, a sociedade lido. como descorada pétala de
se transformará completamente. rosa atirada de rojão pelo vento
A evolução, esta grande lei, que em ardentíssimo areai.
as forças humanas não podem es­ No correr da ardua tarefa que,
magar na sua marcha, resolverá de boamente, encarregamos-nos
este importantíssimo problema, co­ n’estas columnas, repetiremos sem­
mo ha resolvido muitos outros. pre:
Xapoleão, ao tempo que não cria — Os povos só attingirão sua
na notável descoberta de Foulton, maxima cultura, quando a mulho.i
que mais tarde revolucionou o fôr emancipada.
mundo, dizia: que da educação da
F rancisco D arroso.
mulher estava dependente o pros­
pero futuro das nações.
Uns considerarão nossos argu­
mentos frágeis, quebradiços mes­
mo; outros tacliar-nos-hão de uto-
pistas e 0 riso escarninho borbu-
hará na face macilenta do res­ Garlota Gorday
tante ... fA ’ digna amiga E. Siixanna S. Costa)
Não importa! arrimar-nos-he-
Le jeune homme qui rêve un
raos em abalisadas opiniões que grand coup, qu’il s’appelle Ali-
band ou Sand, de qui rêve-t-il
exprimem em seus conceitos, mi­ maintenant! Qui voit-il dans ses
lhões de vezes mais do que si es- lèves? est-ce le fantâme de Bru­
tus? Non, la ravissante Charlotte,
crevessemos resmas de papel. telle (lu’elle fut dans la splendeur
sinistre du manteau rouge . . .
Ousamos dizel-o, perdõem-nos os Michelet
escolhidos da sciencia e do talen­ (Les Femmes de La Révolution)

to, a nossos olhos não perderia de Quando seu casto seio virginal,
valor a causa de que nos occupa- — O seio heroico que o valor sagrara,
mos si não tivéssemos a certeza Eni uin momento atroz, se desnudara
de que espíritos eminentemente Da plebe ao impudente olhar brutal,

cultos, hão d’ella também se occu- Cobriu-se toda de um pallor mortal...


pado. Ella, que nem de leve descorara,
A penna desvia-se, de quando Quando era Marat, no coração, vibrara
em vez, em digressões que pare­ O golpe redemptor de seu punhal!
f

!24 A M E N S A G E IR A

Depois, quando o carrasco desabrido Kotas pequenas


Alçou a mão sacrilcga, horrorosa,
Doutora Anna Amalia de Carva­
Para ultrajar o anjo adormecido,
lho Soares — Com profundo pe­
Já morta! a face livida, mimosa, sar, transcrevemos do Paiz a se­
Rchavendo o formoso colorido,
guinte luctuosa noticia;
Illuminou-se do matiz da rosa!
«Falleceu a 2 3 do corrente, na
Engenho Jequiá-28-9-89.
capital da Bahia, conforme tele-
M a r ia J u c á .
gramma nosso, a Doutora Anna
Amalia de Carvalho Soares, esposa
do Dr. Izaias P. Soares e irmã do
nosso collega do Diário Official
Manoel Augusto de Carvalho.
Morta 111 Formada aos 17 annos, tendo
A’ saudosa inomoria dc minha feito um curso brilhantissimo, D.
qnorida irmS Maria Jucá de M.
Lima, faliccida a 3 de Abril de
Anna de Carvalho Soares, aos 19
189Õ. annos, por concurso, já era profes­
«J ’entends encore ta voix,
Tu vis, oh ! dans mon cœur sora cathedratica de physica e chi-
Je prie Dieu pour toi
Toujours, ma bonne sœur ! »
mica, concorrendo com illustres
medicos da Bahia.
Entre as luzes do triste lampadario,
D. Anna de Carvalho Soares
Na camara ardente, em que o silencio habita,
De dor vergada, soluçante, afflicta, deixa um vacuo no magistério pu­
Osculei-a no esquife solitário! blico do Estado da Bahia, onde
gozava de uma reputação não in­
Inda a vejo, da côr de seu sudario.
ferior aos seus talentos e á sua
Tão nivea qual um raio luarino!
Porque talhado fôra seu destino. provada illustração.»
Ter de findar tão cedo seu fadario?! Carta do Rio — Ainda hoje não
podemos dar aquella costumada sec-
Su’alrna, que ascendeu á azulea esphera,
ção. Maria Clara, porem, que par­
Deixára mergulhada em dura fragua
Quem lhe daria a vida si pudéra. tiu de volta para o Kio, a 2 5 do
corrente, em companhia de seu il­
Que diga, quem sentiu tão grande magua,
lustre consorte, Dr. José Américo
Essa dor, que meu peito dilacéra,
dos Santos, ex-redactor da Revista
Pois que tenho inda os olhos razos d’agua.
de Engenharia^ nos promette reen-
Maceió, 31-5-96.
A df.l ia J u c á . cetar as Cartas no proximo numero
da Mensageira.
São Paulo 15 de Maio de 1898 Anno I, N. 15

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direetora — Presciliana Duarte de Almeida

Esta revista garante a sua publicação durante um anno.


Publica-se nos dias 15 e 30 de cada mex.

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m ero avu lso


a d ia n ta d o Endereço: R ja dos Estudantes N. 23 Rs. 1 $ 0 0 0

S u m m ario: — Carta do R io, Maria Clara ção que recebemos — meu marido
da Cunha Santos ; — Anoitece, soneto,
Adelina A . Lopes Vieira ; — Com ares
e eu — seremos gratos eternamente.
de Chronica, Maria Emilia; — In sylvis, E haverá prova mais edificante de
soneto. Carvalho Aranha; — Flores sem um affecto generoso do que a gra­
fructo, conto, Ignez Sabino; — A ’ Pauli-
tidão ?
céa. Soares Junior; — Mme. de La Fa­
yette, trad.. Perpetua do Valle; — Por
terras e mares, poesia. Cândido de Car­ Bellissimos edificios possue São
valho; — Selecção; — Pesadelo, poesia,
Aurea Pires; — Notas pequenas. Paulo. Por toda a parte se veem
construcções modernas e elegantes.
Os estylos variados dos prédios e
©arta do R.io a quantidade e riqueza dos jardins
Depois de um passeio de vinte dão um aspecto encantador á ci­
e tantos dias á formosa capital de dade. Ha, especialmente, um quar­
S. Paulo, eis-me emfim aqui no teirão de palacetes nos Campos
Rio, a escrever a minha costumada Elyseos que deslumbra a vista e
carta. encanta a alma!
Vinte e quatro dias que se pas­
saram tão rápidos! tão felizes!
A S. Paulo eu levanto um hymno Visitei a Avenida Paulista em
de agradecimento pelo generoso uma manhã sombria! A paizagem,
agasalho que nos deu, e espero resentida com a falta do sol, não
que esta impressão deliciosa de nos proporcionou todos os attracti-
gratidão que se aninhou em mi- vos de sua belleza.
nh’alma, nunca mais me abandone! Admira principalmente a arte
Não quero e não posso jamais me apurada dos bellos prédios e a har­
esquecer de S. Paulo. monia dos tons que se notam em
A tantos obséquios recebidos e toda a alameda. A caixa d’agua
a tão captivantes provas de affei- situada no alto do morro, 6 cheia.
w

22 6 A MENSAGEIRA

de poesia e sente-se prazer em as­ Kespira-se um ambiente de saúde


pirar 0 perfume das flores ao som e de conforto n’aquelle logar, onde
das aguas que se desdobram crys- se encontram em deliciosa harmo­
tallinas no grande chafariz central. nia os primores do céu e as bel-
No interior da Avenida, ouvindo lezas da terra!
0 canto mavioso dos passaros e
aspirando 0 perfume delicioso das
flores, a gente se esquece das agru­ O Ypiranga é um dos passeios
ras da vida! obrigados a todos os excursionistas
Presciliana, minha querida e de­ de S. Paulo. Ao pisar a grande
votada amiga, minha adorada com­ e riquissima escada de mármore
panheira de todos os tempos, cha- do monumento, senti um enthu-
mou-me a attenção para 0 grande siasmo intimo, um enthusiasmo re­
echo da caixa d’agua e dizendo pleto de patriotismo e orgulho por
uns versinhos que todos nós sabe­ este Brazil, que estremeço.
mos desdo creança, esperou que 0 E’ que ali, naquelle logar sa­
echo reproduzisse fielmente 0 que grado, onde 0 grito de indepen­
um poeta já disse ha tanto tempo: dência ou morte foi dado como um
«Nas horas tristes do cair da tarde, protesto energico de nossa liber­
Não te esqueças de mim que te amo tanto!» dade, até então oppressa, meu co­
ração sentia uma onda de mel, uma
onda de ternura inundal-o comple­
O dia do passeio á Cantareira, tamente.
foi um dia de sol, um bello dia! Visitei 0 monumento como quem
Parece-me ainda estar percorren­ visita um templo: cheia de respeito
do 0 lindo jardim, delicioso de fo­ e religião. O musêo é importante
lhagens e de flores exquisitas e e variado. O edificio do monu­
contemplar no reflexo das aguas mento foi projectado pelo Enge­
a belleza das arvores. Era de um nheiro Thomaz Bezzi, que dirigio
verde encantador a côr das aguas; a sua construcção. De tudo 0 que
ao longe, atravez das frondosas ar­ lá vi do que mais gostei foi da
vores antigas, uma nesga azul do secção de mineralogia. As pedras
cóu entrava triumphante de luz a exquisitas e preciosas absorveram
completar a harmonia do quadro. quasi que exclusivamente a minha
Era um domingo; muitas familias attenção. A cadeira e a cama do
lá estavam com seus providos far­ Regente Feijó, a penúltima camisa
néis para passar 0 dia todo, ale­ que vestio 0 General Carneiro, a
gre mente. cadeirinha da Marqueza de Santos
A M ENSAGEIRA 227

e muitas outras curiosidades for­ query! No meio do raatto avista­


mam uma secção interessante do mos algumas flores vermelhas, muito
musêo. bonitas e exquisitas, de um for­
mato bizarro e delicado. Admira­
De noite em S. Paulo ha muito das — Presciliana e eu — nos
movimento e muita alegria. Très mostramos encantadas pela flor tão
vezes por semana ha musica no rara! O D.’’ Ramos de Azevedo,
jardim do Palacio e é agradavel com inexcedivel gentileza, fez pa­
ver-se a animação d’aquella gente. rar 0 wagonzinho que nos condu­
Ha nesse jardim uma arvore esplen­ zia e ordenou ao machinista que
dida — um carvalho magestoso. fosse colher as flores que tanto
Fiquei pasma quando me disseram nos encantavam! D’ahi a pouco
que aquelle colosso tem apenas 9 tínhamos nas mãos as cubiçadas
annos. Eu, a julgar pelas appa- flores !
rencias, calculava que 0 frondoso
carvalho fosse do século passado! Vi em São Paulo uma fructa
exquisita que nunca vi em parte
alguma; chama-se Icaki, é de côr
S. Paulo deve muito ao illustre alaranjada viva, de sabor agradavel
engenheiro D.'' Ramos de Azevedo, e ura tanto semelhante ao abio.
considerado 0 constructor do São
Paulo moderno. As mais bellas
construcções da cidade são de pla­ Vou terminar esta longa narra­
nos seus. tiva... Antes, porém, quero enviar
A esse engenheiro devemos nós á minha boa amiga Zalina Rolim
a obsequiosidade de nos haver mos­ um abraço pela sua efficaz colla-
trado alguns edificios e proporcio­ boração no formoso «Jardim da
nado 0 excellente passeio que fi­ Infancia». Também que melhor
zemos a Juquery, para ver 0 mo­ jardineira poderíam aspirar as cre-
numental Hospicio de Alienados, anças do que a meiga e talentosa
que, sob sua administração, está poetiza do «Coração»?
sendo construido. E’ um edificio
esplendido, moderno, feito sob es­
clarecida e lúcida direcção. Tal qual 0 outro que foi a Roma
Falta-me tempo e espaço para e não vio 0 Papa, eu fui a S. Paulo
descrever aqui tudo 0 que vi nesse e não vi 0 Eduardo Silva!
agradavel passeio.
Bellissima vegetação circumda J u-
f
228 A M ENSAGEIRA

Chegamos finalmonte a Santos,


Um dia em Santos onde meu primo Affonso Vieira da
Também fomos gozar das belle- Cunha nos recebeu na estação, com
zas naturaes da viagem, na subida a sua costumada lhaneza. Depois
da seiTa do Cubatão. E’ encanta­ de excellente almoço, fomos visitar,
dor 0 panorama e a viagem, toda de relance, a pittoresca cidade.
cheia de surprezas, enleva-nos a O tempo escasseava; era preciso
alma prodigiosamente. Devido á saber aproveital-o avaramente. A-
gentileza e obsequiosidade do Snr. companhados pela mais gentil das
Speers, superintendente da S. Paulo cicerones — minha prima Laia da
Raihvay, tivemos excellentes e con­ Cunha — fomos visitar Miramar.
fortáveis logares para a pittoresca Que encanto! Meu marido, que
viagem comsigo levava seu jioclcct-hodak^
O panorama é 0 mais rico pos­ aproveitou a belleza da praia para
sível! Verdes valles intercalados tirar algumas vistas. Estavamos
entre altíssimas montanhas, formam todos saudosos pelo mar! As ruas
um contraste imponente! Ha um de Santos são amplas, limpas, ale­
despenhadeiro medonho no alto da gres e ha muito movimento e vida.
serra; quando a locomotiva, cer­ Tomamos 0 bond e fomos por ahi
cada pela fumaça, chega ao ponto afora, contentes, a conversar em
culminante da serra, a gente sente tudo e em todos, com a soffregui-
a pequenez das misérias da vida dão de quem sabe que tem pouco
ante a perspectiva atroz do desco­ tempo para dizer muitas cousas.
nhecido ! Excellente situação balnearia en­
Um nevoeiro intenso domina 0 contra-se em Miramar. Que bella
horizonte. Tem-se a illusão de uma praia! Quanta poesia 0 quanta sau­
viagem aerea. Nos declives peri­ dade nos desperta 0 mar!
gosos ha cabos de segurança para O sol do meio dia brilhava e os
evitar accidentes. No alto da serra reflexos luminosos doiravam as
ha uma especie de cidade, onde aguas agitadas do oceano, üm ve­
vivem e trabalham mais de duas lho e abandonado navio, encalhado
mil almas. Ahi 0 trem faz uma a pequena distancia da praia, ali
pequena parada. Pode-se enhão, a estava quebrado e desfeito como
pouco e pouco, descortinar a bella nm protesto energico do prestigio
perspectiva. Era um espectáculo antigo. As ondas vinham e vol­
imponente. para nós, que nos sur- tavam e ao quebrarem-se, pregui­
prehendiamos com as variegadas çosas, de encontro ao casco aban­
scenas de tão phantastico panorama. donado e ti’iste d’aquelle navio sem
A MENSAGEIRA 2 29

dono, faziam pensar na constância


de certos corações sensiveis, que, Hnoitece...
mesmo abandonados e perdidos no (Xo album de Maria Clara da Cuniia Santos)

mundo da ingratidão, conservam a Véu de tristeza a terra e os ceus invade;


mesma crença e 0 mesmo ardor de espaço a espaço, ave agourenta pia;
o orvalho chora, e, em lenta suavidade,
dos primeiros tempos.
badala o sino ao longe — Ave Maria.

Ave Maria, essa hora em que á saudade


Em piedosa romaria fomos visi­ da luz, se junta o horror á treva fria,
tar 0 tumulo de José Bonifacio, tão cheia de mysteriös e anciedade,
tão repassada de melancolia!
que se acha em uma area da igreja
do Carmo. A estatua do grande Cheguei também da vida a essa hora triste,
brazileiro jaz deitada sobre seus crepúsculo, em que o sol já não existe,
ossos, em um caixão de mármore, cm que a luz da illusão desapparece.

coberta por uma colcha de bronze.


Horas ardentes em que o sol fulgura!
E’ uma obra de arte muito bem horas de amor! de gloria! de ventura!
acabada. José Bonifacio, 0 homem Dia! porque me foges?! Anoitece...
que reunio em si a triplice aureola A d e l in a A m elia L opes V ie ir a .
da sciencia, da poesia e da politica,
0 homem cuja vida foi um exem­
plo de acrisolado pati’iotismo, re­
pousa serenamente na sua mudez
de estatua, na sombria area do uma
0om ares de chronica
igreja velha! Ao contemplar 0 Completarn-se hoje dez annos
grande vulto, senti no intimo da que a rosea luz de uma nova au­
alma fortissima commoção! rora se derramou sobre 0 solo
E’ que os grandes hoinens, os abençoado da Patria! Foi a 13 de
campeões do bom e da verdade, Maio de 1 8 8 8 que se extinguiu
vivem em nossos corações eterna- no horizonte a ultima nuvem do
mente, mesmo que a morte se apo­ despotismo — da deshumana es­
dere do seu corpo e que de suas cravidão! Dessa epocha para cá,
feições de outr’ora só tenhamos todas as mães hrazileiras teem os
uma ideia nas linhas artísticas de mesmos direitos sobre seus filhos,
um mármore sem vida. Até então...
Mas, que digo eu? — ainda
M aria C i /AK a da C u xiia S antos.
hoje cpiantas mulheres desventura­
das procuram debalde seus filhos?
De muitas sabemos que fixaram
f

230 A M E N S A G E IR A

pela ultima vez 0 olhar nos fru- do Brazil : «O barão de Cotegipe


ctos de suas entranhas, ao vêl-os não concordando com a regente
sahirem vendidos para longes ter­ sobre a emancipação immediata, pe­
ras! A nós, já se nos afigura ser diu sua demissão e foi substituido
mentira essa triste realidade, que pelo ministério João Alfredo (10
pésa como um castigo sobre 0 nos­ de Março de 1 8 8 8 ), que se pôz á
so paSsado! frente dos abolicionistas e conse­
Desde os mais tenros dias de guiu que fosse realisada esta re­
minha infancia, revoltei-me contra forma, sendo a lei da liberdade dos
a escravidão dos negros e contra escravos sanccionada a 13 de Maio,
0 captiveiro da mulher! Nunca no meio das mais enthusiasticas de­
pude reconhecer 0 privilegio do monstrações de júbilo de povo, que
branco nem 0 privilegio do hö­ alcatifou de flores as ruas por onde
rnern! Nós todos, que pensamos tinha de passar 0 carro da piedosa
e sentimos, que soffremos e ama­ princeza, a cujos esforços, não ha
mos, que trabalhamos e luctamos negar, se deve aquelle grande acon­
pelo desenvolvimento da humani­ tecimento tão cedo e tão pacifica­
dade, cada qual á medida de suas mente alcancado.»
forças, temos direito a essa divina Commemorando a gloriosa data,
graça — a liberdade! Ella 6 es­ voltamos 0 nosso pensamento aos
sencial a toda alrna^ como 0 ar a grandes mortos que tomaram a
todo ser. dianteira na lucta pela liberdade
dos captivos, e cobrimos de bên­
A victoria do abolicionismo, no çãos os nomes do marquez de S.
Brazil, teve á sua frente 0 cora­ Vicente, do Visconde do Rio Bran­
ção generoso, a grande magnani­ co, de Luiz Gama, de Joaquim Serra,
midade de uma mulher — a Prin- de Luiza Regadas, do inolvidavel
ceza Tzabel. Só os espiritos pir- Castro Alves e de Ferreira de
rhonicos poderão negar-lhe a parte Menezes !
que lhe coube na companha da E, como fecho a esta chronica,
regeneração social. A ella coube só nos occorre 0 seguinte soneto,
assignar a lei de 2 8 de Setembro da lavra de um grande orador
de 1 8 7 1 , que emancipava 0 berço abolicionista :
dos captivos; a ella ainda coube
A Liberdade!
a gloria de apressar e ultimar a
És, ou não és, serás: morta sorriste;
grande reforma! Ouçamos a voz
Vives no labio ingrato que te nega;
de Maria de Andrade, a notável Presa — dás luz a humanidade cega;
professora brazileira, na sua ÍTistoria Solta — teu seio ás seduções resiste!
A MENSAGEIRA 231

Nunca envelheces, moça — alegre ou triste;


Teu hombro o globo colossal carrega; pores sem frueto
Teu sangue é chuva preciosa — rega
O p6 das gerações que nunca viste. A ’ minha dilecta amiga Isabel Miratida

Mudas de aspecto e forma! — se vencida,


Debruçada na varanda de már­
Faz-se derrota o symbolo da victoria; more que deitava para o mar cu­
De toda vida se compõe tua vida; jas marotas balouçavam-se bran­
A Arte, a Scioncia, a Poesia, a Historia,
damente como se movidas por ven­
São teu cortejo triumphal! unidas tarola de ignota fada, Alice Maia,
Levas do horto a humanidade á Gloria! filha do respeitável capitalista, o
J osé B o n if a c io . commendador Maia, deliciosa lou­
ra de dezoito annos, reclinava o
Bemdigo mais uma vez 0 dia
queixo na mão relanceando o olhar
13 de Maio, desejando que todas
sobre as aguas banhadas por um
as mães brazileiras saibam incutir
feixe de luz violacoa nessa tarde de
em seus filhos 0 Terdadeiro amor
Agosto, emquanto de enorme jar­
da liberdade e as noções sublimes
dim com taboleiros a ingleza, as flo­
de uma nobre fraternidade.
res derramavam na athmosphóra
M a r ia E mii.ia . delicadíssimo perfume, a se con­
1.3 de Maio de 1898.
trapor com 0 agreste cheiro de
maresia, sobretudo nas marés mor­
tas. Cansada de ver a deliciosa ma­
rinha que tantas vezes observava,
5n sylvis ao virar o rosto altivo e a cabeça
Quero cingir-te a fronte sonhadora penteiada á moderna, a sua bocea
Das rosas mais gentis da Primavera:
fresca comquanto um pouco sar-
A aurora rubra os arvoredos doura
E a alma do bosque, minha flor, te espera. castica pelos frizos dos lábios, a
fronte regular o olhos azues sobe-
Deslaça a morna cabelleira loura;
ranameute bellos, dir-se-ia uma des­
Vamos, olhando as frondes cheias de hera,
Buscar num sonho a paz consoladora
sas castellãs dos tempos medié-
A ’ magoa atroz que as almas nos lacera. vos pela attitude fidalga do seu
todo, ao sentir o peito arfar pelo
A floresta conserva aquelle antigo
Aspecto; e o mattagal é como abrigo
trovador que ao clarão da lua vi­
Extranho, pleno de um rumor selvagem. esse na barca cantar as trovas de
amor, acompanhando no seu ban­
Envolve o ambiente indefinido encanto
dolim a orchestra timida das aguas.
E o sol te espia, meu amor, emquanto
Tomba, e atravessa os crivos da folhagem* Educada á moderna e filha unica,
(Inédito do Cinerario). um tanto caprichosa, punha em
C arvalh o A ran h a. debandada os pretendentes, ouvin-
y •. ■

232 A M ENSAGEIRA

do-lhes as declarações, immovel — Vem cá, Jeronomymo, disse


como uma estatua antiga. ella com um leve acceno de mão.
Todavia, era trabalhadora sabia Elle approximou-se.
occupar 0 seu tempo, e cuidava — É a isto que se chamam or­
das flores que por suas mãos re­ chidéas , flores, que nascem nos
gava com substancias chimicas, so­ mattos e que eu aprecio immen-
nhando um dia fazer uma pequena so, compra-me algumas.
exposição, para estimulo. Vamos — Farei 0 possivel para não
encontral-a neste mister, em quan­ esquecer, senhora.
to aguardava as suas ordens um — Este rapaz é ainda novo
rapaz muito novo que a olhava aqui; permitta que insista em se­
atravéz do respeito, com um qui­ rem enviadas por mim, retorquio
nhão de terna timidez. a vizita.
— Já reparaste como eu faço O camponio franzio as sobran-
este trabalho ? perguntou sem 0 olhar cellhas ao passo que um relâm­
A fictar a vista algures, elle não pago de antipathia passava-lhe nas
respondeu. pupillas muito negras.
— Estarás surdo com 0 clima- — Deixe estar V.“ S."', que eu
do Brazil? Como que accordando me incumbo disto, disse secca-
de um sonho, gaguejou cousa muito mente.
diversa: ella impacientou-se. — Como quizeres, respondeu
— Andas no reino da lua? seguindo Alice, que retirou-se com
— Perdão, minha senhora: se 0 seu ar de princeza. O (jue se
V. Exci.“ quizesse repetir 0 que passava no peito do pobre rapaz
disse... e porque esta especie de despeito?
— Para outra vez, abre mais Pouco depois de sua chegada,
os ouvidos, vê se esqueces ainda as ao vir substituir 0 pae, vestido de
minhas ordens. Gorando até a raiz calças estreitas, jaléco de panno já
dos cabellos, 0 moço jardineiro surrado, chapéu de masso e trou­
resmungou affirmativamente, em- xa ao hombro, notou que a filha
quanto ella adiantava-se para re­ do seu patrão era bonita devé-
ceber um cavalheiro que lhe of- ras 0 tanto, que comparando-a, com
fereceu lindíssimas orchidéas. as cachópas lá da terra, a moça
— E ’ justamente 0 que me falta brazileira em tudo differente, fa-
aqui. zia-o ficar atarantado, irresolute,
— O seu jardineiro pode bem ar­ ao offerecer-lhe uma flor especial,
ranjar diversos specimens, se não, um ramilhete feito com arte, ao
h’os offerecerei eu, excellentissima. passo que ella mal 0 olhava, sen-
A MENSAGEIRA 233

tindo elle tal pequenez d’alma, tar que sentia n’alma, assim pagaria
tanta humildade, tal receio, que 0 aquelle desprezo supremo que Alice
requinte brutal das violentas pai­ lhe votava. Na sua loucura de
xões inspiradas pelos aldeiães, des- homem inculto, como fazel-o ?
apparecia para tornal-o pusilânime, Matar 0 seu rival ?... Não, nunca!...
emquanto uma mésse de ventu­ Siucidar-se?... jam ais!... Então
ras intimas, tolhi-a-lhe a fala!... passou-lhe pela idéa ver soffrer a
Ao sentil-o junto de si, vergavam- ambos, posto que sem graves con­
lhe os joelhos desejando adoral-a sequências para ella... Todavia,
como uma santa, estremecendo ao aquelle olhar de soberana se ma­
ouvir a sua voz... rejaria de pranto, emquanto elle
Que phenomeno era este? O soffreria a dôr physica, como por
desgraçado, com os seus vinte e uma casualidade. — Soltaria os
dous annos, a despeito da sua bai­ çães.
xa condicção, estava amoroso, O Leão desconhecia até a gente
apaixanado; os sentimentos aos da casa, a.Pmithera também. Ima­
poucos se lhe desabrochavam sem ginando 0 plano, escolheu occa-
dar por isso como que a semelhança sião azada para as vesperas do
d’um sonho, esse mesmo sonho fa- cazamento, quando tudo estivesse
zia-lhe bem, alimentava-se delle. prompto. Assim, demoraria a ven­
constituindo-se um escravo do co­ tura do noivo e a delia, que era
ração e uma victima da vontade uma imagem, como elle vira na
da gentil senhora. egrejinha dos arredores de Leiria...
Um dia, na copa, ouviu uma Era tão bella!
rapariga dizer que a filha do pa­
trão ia cazar com aquelle doutor Na vespera das núpcias, 0 céu
que vinha diariamente vizital-o. ameaçava tempestade, eram onze
Desde esse momento, sentiu-se horas da noite. Elle a passeiar
triste; ao ver ambos de braço dado por entre os arbustos, na sa-
seguir para a varanda que deitava linha de espera via 0 vulto dos dous
para 0 mar, 0 coração lhe doia que no dia immediato não se sepa­
como se picado fosse por todos os rariam mais. Depois 0 noivo des­
espinhos das rozeiras do jardim, ceu ... era a occasião opportuna ...
sangrando outro sentimento que 0 coração batia desesperadamente;
até então deconhecia — 0 ciume, cora a respiração affegante, sem
que desde logo fêl-o lembrar-se da remorsos, 0 olhar brilhou na escu­
vingança. ridão da noite. Resoluto, quasi
Assim, daria desafogo ao máu es­ sem pizar na areia, havendo ti-
234 A M EN SAGEIRA

rado OS sapatos de solla grossa, — Jeronym o!... Jeronymo!...


approxim ou-se dos aniraacs que O diabo!... vociferava o dono da
lhe affagaram o rosto com o seu caza, ao passo que a victima já
hálito quente. quasi estrangulada e ferida, sen­
Elle passou-lhes a mão no pello tiu uma baila passar-lhe pelos ou­
hispido, animou-lhes as mandí­ vidos. Duas detonações mais des­
bulas dizendo em voz rouca, voz pertaram 0 silencio das trevas, ma­
de commando, voz de demonio, sa­ tando os cães, ao passo que uma
bida da garganta de um homem gargalhada medonha, gargalhada de
cioso, de um homem fera. «Isca excarneo, dessas que estremecera
L eão!... isca Pantéral... morde!... os nervos e toma livido quem
m o rd e ... is c a !... O imperativo ouve, echoou pelos ares!...
da phraze soou aos ouvidos dos — Jeronymo!... Jeronymo!...
cães, que se encaminharam para A correr como um foragido, o jar­
0 ponto designado com as fauces dineiro sumia-se, saboreando a sua
escancaradas. torpe vingança.
— «Até amanhã, disse o noivo, com I gnez S abino.
uma ternura muito doce, estrei­
tando-lhe as mãos assetinadas.
— Até amanhã, respondeu Ali­
ce, inclinando a cabeça sobre o
^aulicéa
hombro, cheia de confiança e pai­
Eu me sintx) tão bem, quando em teu seio
xão. Apenas o rapaz chegou ao
De quando em vez vou procurar repouso,
ultimo degrau, os dous animaes Que experimento a sensação, o enleio
saltaram-lhe ao pescoço procuran­ De um carinho materno, delicioso.
do mordel-o, emquanto elle com
as mãos buscava desvial-os, os Nem um pezar, nem minimo receio
ílncontro em teu regaço bonançoso.
gritos da jovem fizeram acudir a
Nesse elevado, edificante meio
familia que boquiaberta, de prom- Cheio de vida, alegre e futuroso.
pto gritou pelo jardineiro, sorpreza
pelo que via.» Não quizera deixar-te, esta minh’alma:
— Jeronym o!... Jeron ym o!... Recrimina-me sempre e perde a calma,
Quando venho, outras plagas demandando.
exclamou o commendador. Onde
diabo estará elle? E as féras sem E quando venho e o ferreo trem sibila,
soltar a preza, cravam nas carnes A minh’alma, de impavida e tranquilla.
do moço as garras agudas, sedentas Conturba-se, magoada, soluçando...
da preza, emquanto Alice desmai­ Batataes, 23— I V — 98.
ava e elle debatia-se. S o a r e s J u n io r .
A MENSAGEIRA
235

e arrazoada ficção, pelos estudos


M-"’®de La fayette*) aprofundados do coração, sem sub­
(P. Jacquinet) tilezas, por uma generosidade de
sentimento sem louvor insipido,
Foi a uma mulher que coube a
por um interesse sustentado sem
a honra de reformar, ou superior­
abuso de complicações, por uma
mente transformar 0 romance, que,
linguagem tão pura e viva quanto
apenas creado em Fi’ança, perdia-
delicada, abriu os olhos de todos
se em invenções chimericas e em
sobre o convencional, o falso, o
refinados galanteios nas mãos dos
alambicado, a interminável diffu-
successores de D' ürfé. A melhor
são das obras de La Calprenôde e
obra de M."'® de La Fayette, a
de de Scudéry. Este brilhante
Fnncexa de Clèves, fez mais con­
melhoramento de um genero se­
tra a voga do Grand Cyrus e da cundário, si 0 quizerem, poróm,
Clélie, que as mais justas criticas susceptível, também, de bellas ver­
de Boileau. Esta curta, attrahente dades e confinando, por mais de
um lado o dominio do moralista
(*) Maria Magdalena Pioche de la Ver-
gne, condessa de La Fayette , nascida e do poeta dramatico, não 6 um
ein Paris. 1634— 1693, teve pdr mestres dos menos felizes progressos nem
Ménage e Rapin, foi um dos ornamentos
do palacio de Rambouillet, e desposou em uma das novidades menos fecun­
1655, O conde de La Fayette. Ficando das que tenham de assignalar a
muito cedo viuva com dois filhos, ella
abriu sua casa aos homens de letras, e fez historia do espirito e do gosto
amisade corn os personagens mais illus­ francez no século dezesete.
tres do seu tempo, corn Condé e princi-
palmente corn La Rochefoucauld e M™c. Uma excellente cultura prepa-
de Sevigné. Esteve doente a ultima parte rára M."’® de La Fayette para este
de sua vida, mas sempre de um espirito
agradavel e serio. Como escriptora, dis- raro exito. Seu pae, homem mui­
tinguiu-se immensamente,' fez uma revo­ to instruido, dizem, e de mérito,
lução no romance, substituiu as aventuras
chimericas, os sentimentos requintados de (Aymar de La Vergne, marechal
MUe. de Scudery, pela verdade das pai- de campo e governador do Havre),
e pela linguagem do coração.
A Prineexa de Montpensier appareceu tivera o maior cuidado em sua
em 1660; Zayde, 1670, excitou geral ad­ educação. Teve ella por mestres,
miração; a P rincexa de Clèves, 16^8,
consumou sua reputação. Os outros tra­ primeiro Ménage e o Père Rapin,
balhos seus foram publicados depois de mais tarde, por guia e conselheiro
sua morte: Historia, de Henriquetta da
Inglaterra, Memórias da Corte de F ran­
de estudos, o douto Huet. Suas
ça, durante os annos de 1688 e 1689. leituras extrangeiras não se limi-
Suas Obras Completas foram dadas a
lume em 1812 e 1814, 5 vol. Ha Car­
limitavam ao hespauhol e ao ita­
tas suas na collecção de M™®- de Sévigné; liano: alliava e preferia aos au-
a Correspondência de M®®- de La Fay­
ctores afamados destes dois paizes.
ette está ainda inédita (Grégoire.)
236 A MENSAGEIRA

modelos mais seguros, os latinos, Mada^na, já não lhe permittiu, a


que se acostumára a 1er familiar­ partir de 1 6 7 2 , sinão raras appa-
mente na sua lingua. Introduzida rições na côrte e nas rodas prin-
no palacio de Rambouillet aos cipaes da cidade: porém a socie­
quinze annos, mas, com o espirito dade onde ella não mais apparecia,
bastante esclarecido já e solido, ou, pelo menos, a elite dessa roda
tomou parte nos engenhosos diver­ não deixou de procural-a em seu
timentos do famoso cenaculo, im­ retiro, attrahida e sempre chamada
punemente, ou antes com vanta­ pelas graças de seu espirito, soli­
gem, sabendo apanhar o fino, o dez de seu raciocinio e bondade
delicado, e deixar o requintado e de seu coração. Entre os seus
0 pretencioso. Chamada alguns amigos mais caros, os de intimi­
annos após seu casamento com o dade, La Rochefoucauld envelhe­
conde de La Fayette (1 6 6 1 ) á cido, magoado pelas decepcões de
corte do Palais-Royal por uma sua vida, soffrendo gotta, não era
princeza que sabia distinguir to­ 0 menos assiduo. O auctor das
dos os méritos, tornou-se a confi­ Maximas vinha buscar o esqueci­
dente e a amiga de Madmna; ella mento .do passado, o encanto do
poude nessa~[nova corte juvenil, presente na conversação daquella
polida, galante, onde ficou como que elle appellidára, com uma pa­
espectadora desapaixonada e curio­ lavra achada por elle, uma pessoa
sa, estudar de modo seguro e vivo vraie (*) e deixando-se pouco a
0 jogo das paixões e exercitar-se pouco levar por essa doce influen­
facilmente em 1er nos mais secre­ cia a uma philosophia menos a-
tos dedalos dos corações. marga, á mais benevolencia e equi­
Sua vida, muito simples, não póde dade para com a natureza humana.
ser bem conhecida sinão por uma Em compensação, elle abrilhantava
leitura seguida das cartas de sua e aperfeiçoava com seus conselhos
melhor amiga, M.™® de Sevigné, á de escriptor severo o gosto, já tão
M.'“® de Grignau. Seu nome ap- puro e delicado de sua amiga (**)
parece incessantemente nessa cor­
respondência com interessantes mi- (*) La Rochefoucauld passa por ter sido
quem primeiro empregou a palavra vrai.
nuciosidades sobre seus gostos, há­ (**) Mme. de I^a Fayette mesma dizia
bitos, amizades, e desgraçadamente de La Rochefoucauld: «Elle me deu espi­
rito, mas eu reformei seu coração.» O co­
também sobre sua saude, que desde ração do homem, e não a alma do livro,
cedo foi para ella uma fonte de não o espirito das Maximas, que, publi­
cadas desde 1(365, não podiam se resentir
provações. Sua saude, de mais a desta sorte de conversão moral de seu
mais alterada após a morte de auctor.
A MENSAGEIRA 237

e não lhe era inútil para dar com Ha ainda de M.*"® de La Fayette
lazer ás pinturas moraes da Prín- duas pequenas novellas, Madame
cexa de Clèves 0 cunho da perfei­ de Montpensier e a Condessa de
ção. Esta obra, escripta e conhe­ Tende, e uma Historia de Ilenri-
cida da sociedade intima da au- quetta da Inglaterra, da amavel
ctora desde 1 6 7 3 , não veiu á luz Madama,agradabillissimamente con­
da publicidade sinão em 1 6 7 8 . tada, e terminada por uma narra­
O exito da Príncexa de CPves ção da terrivel noite de 2 9 de Ju­
terminou 0 que 0 da Zayde, pu­ nho de 1 6 7 0 não menos commo-
blicada em 1 6 6 8 sob 0 nome de vente na sua simplicidade do que
Segrais, {*) tinha começado. Hoje, a fúnebre scena tão patheticamente
0 primeiro romance de M.'"® de La descripta por Bossuet.
Fayette, apezar de suas incontestá­ P er pe tu a do V a l l e .
veis bellezas, 6 mais citado do que
lido.
E’ que com as «paixões fina­
mente tratadas» e muitas scenas
verdadeiras e tocantes, elle offerece
ainda, sobretudo na segunda parte, terras e mares
uma riqueza de aventuras espan­
A Ma^ioel Viotti.
tosas, uma prodigalidade de rasgos
magnânimos e de proezas heroicas
que cançarn a admiração e arre­ A nonte cabe gélida e feia.'
fecem 0 interesse. A auctora, na- A rocha clama. A bruma aterra.
O vendaval revolve a areia.
quella data, não estava completa­
O oceano roja-se na terra.
mente emancipada dos hábitos do
romance antigo, e submettia-se Vestido de uma luz intensa,
ainda, por certos lados, ao império Como de um sol a despontar,
Numa das mãos sustendo, pensa,
de um gosto que uma nova e mais
Lyra dourada — a caminhar,
perfeita creação de seu genio ia
desacreditar irrevogavelmente. A caminhar para meu lado
Um velho vem, de grave rosto,
(.\ barba longa, o olhar maguadt»,
(*) M.me (le La F'ayette, por modéstia,
quiz a principio esconder-se sob este pseu- Como um vislumbre de sol posto...)
donyrao. O poeta Segrais, ura de seus
intiraos, trabalhara sem duvida na Zayds, Diz-me: «A licção toi-te severa,
mas muito pouco, sua parte de collabora- «Emtanto não perecerás.
ção se limitava, como elle mesmo confes­ «Toma esta lyra, tange-a — e espera:
sou, em alguns retoques sobre a acção do
«Do Amor, soffrendo, viverás...
romance.
23 8 A MENSAGEIRA

«Das bellas ilhas que sonhaste, encia, porém, é mais ou menos sa­
«Boiando pelo azul da vaga,
lutar, segundo o gráu de estima
«O prêmio resta que alcançaste:
que se lhes concede; ou sejam
«Morta a ambição em longe plaga.
nossos Ídolos, ou nossas compa­
«Quando da Amada te partiste nheiras, meretrizes, escravas, ou
«Fiz-me sereia — e, por signal, bestas de carga, a reacção é com­
«Que te fallei e não me ouviste,
pleta; fazem de nós o que nós fa­
«Quando predisse o grande Mal.
zemos dellas. Parece que a natu­
«Sem riso agora, sem fortuna, reza prende a nossa intelligencia
«Procura a Amante ben) querida, á sua dignidade, como nós pren­
'<Ou nova Imagem, que reuna, demos a nossa felicidade á sua vir­
«Num sonho azul, raios de vida...
tude; por consequência, é uma lei
«Como a licção te foi severa!
de reciprocidade de eterna justiça,
«Emtanto não perecerás. que 0 homem não possa humilhar
«Toma esta lyra, tauge-a — e espera a mulher sem cahir na degradação,
«D o amor, chorando, viverás nem exaltal-a sem se tornar melhor.
A imé M artin .
« A ’ s vibrações da lyra de ouro,
«A rocha dura fontes forma; (Educação das Mães de Fam ilia)
«A areia gera um campo louro,
«E a morte em magua se transforma.

«Vês esta estrada? Eis o caminho


«Que tens, afflicto, a percorrer.
«Volta em procura de teu ninho,
«Vibrando a lyra do sofírer...

C â n d id o d e C a r v a l h o . pesadelo
Fragmento de um poema

Sombra que te approximas de meus lares,


Porque vens o teu manto de pezares
Arrastando a gemer?
Porque vens augmentar minha agonia,

5elecção Pois não basta esta dor que noite e dia


Lacera o meu viver?!
Quaesquer que sejam os costu­
mes e as leis de um paiz, as mu­ Chegando ven s!. . . Na mão tremula, agora.
lheres são que decidem de uns e Tentas prender a minha mão que outr’ora
Tremeu junto de ti.
do outras. Livres, ou escravas,
Recuo espavorida! . . . E ouço um lamento
reinam, porque o seu poder se ba­ Que foge de teu labio: «Oh que tormento!...
sea nas nossas paixões: esta influ­ Assim nunca soffri!»
A MENSAGEIRA
239

E baqueas por terra esmorecido


Livros. — Nada menos de très
De joelhos chorando arrependido
De tua ingratidão.
livros, — e livros de senhoras! —
Como deve soffrer, desesperada, nos foram enviados nestes últimos
Tu’alma que eu julgava itnraaculada dias: Preludiando, livro de contos
Numa doce illusão! de Andradina de Oliveira, offere-
cido ás escriptoras brazileiras; L ú ­
Testemunho calada o teu diísgosto,
Vendo o pranto correr sobre esse rosto cias do Coração, ultimo romance de
Que outr’ora tanto amei! Ignez Sabino e Pha^itasias, versos
— E nem de leve a commoção me abala • e contos de Candida Fortes.
No peito frio o coração se cala. . . Agradecemos ás suas gentis au-
Se ainda vive nem sei!
ctoras a remessa desses livros, so­
Oh! Não deixes que a magua te consuma bre os quaes publicaremos artigos
Já não me inspira compaixão nenhuma especiaes.
Teu pranto pcrennal! 0 Album das Meninas. — Com
Nem me condemnes! E ’ a maior loucura!
este titulo começou a publícar-se
Eu tenho a minha consciência pura!
Eu nunca te fiz mal!
nesta cidade uma revista literaria
e educativa, dirigida pela intelli­
A u r e a P ir e s .
gente e criteriosa escriptora Ana-
lia Franco, que exerce ha longos
annos, com proficiência e dedica­
ção, 0 cargo de professora publica,
neste Estado. A nova revista tem
Kotas pequenas como ideal dirigir a educação da
Eliza Lemonler. — E’ este 0 no­ mocidade, no sentido de propagar
me de uma senhora que merece a religião e a fé, como verão as
muita admiração e respeito. Eliza leitoras pelo seguinte trecho do seu
Lemonier conhecendo a miséria das artigo-programma : «A idéa lumi­
classes pobres, em Paris, e impres­ nosa e fecunda ensinada por Chris­
sionada com a falta de preparo das to, váe se extinguindo lentamente
mulheres que trabalhavam nas of- nas nossas educações, dando em
ficinas, cog'itou de um meio para resultado um esmorecimento sen-
sanar esse mal e conseguiu fundar sivel dos bons principios, e a de­
a Sociedade de protecção materna^ cadência dos costumes.
que foi depois transformada em Es­ Todos os que pensam sobre 0
colas Profissionaes, por Mme. Des- estado geral da nossa epocha, são
faure. Dessas escolas sahem an­ unanimes em confirmar um perigo
nual mente educadas e aptas para immenso de descrença e materia­
ganhar a vida — tres mil mulheres. lismo vulgares, que invadem hoje
y - ^

240 A MENSAGEIRA

OS espíritos, e seguem na direcção


das opiniòes. No meio desta quasi ^ Mensageira
geral debandada das consciências, A Mensageira, anno I, n.° 1 1 .
pensei um pouco na indifferenca Recebemos hontem esta encantadora
e desiquilibrio moral da educação revista que se publica em S. Paulo
dos nossos dias, e sobre alguns sob a direcção da Exma. Sra. D.
meios de a prevenir e remediar. Presciliana Duarte de Almeida.
Nesse intuito ouso erguer a mi­ O padre Corrêa de Almeida figura
nha voz desautorisada e humilde, neste numero com uns versos ado­
a vós, ó mães e educadores da mo­ ráveis. de perfeição e espirito.
cidade, para que formemos uma Francisca Julia publica uns bel-
santa cruzada contra a descrença, lissimos alexandrinos, e Prescili­
0 indifferentismo e 0 materialismo ana Duarte uma poesia vigorosa,
que como na Grécia antiga, nos original e commovente.
preparam um abysmo para 0 futuro, (Do Debate, da Capital Federal.)
se é que 0 presente não nos deixa
já entrever.» A Mensageira — Appareceu 0
Recebemos e agradecemos: — n. 11 desta elegante revista litte-
O Escrínio, hebdomadário literário raria publicada sob a direcção de
que, sob a direcção da talentosa D. Presciliana Duarte.
prosadora Andradina de Oliveira, Como sempre, está A Mensageira
se publica na cidade de Bago, E. attrahente para a leitura.
do R. G. do Sul. Os numeros que O chronista da «Omnimoda» faz
nos foram enviados estão repletos scintillar 0 humour da sua penna
de artigos vigorosos e interessantes; correctissima.
A Família, revista dedicada á (Do D iário Popular, de S. Paulo.)
defeza da emancipação feminina,
da qual é redactora a intrépida Recebemos:
jornalista Josephina Alvares de Aze­ A Mensageira. — N. 1 4 de 3 0
vedo. O numero qiw; temos á vista de Abril ultimo. O presente está
é 0 primeiro de sua nova phaze interessante pelo grande numero
0 traz na primeira pagina 0 retrato de trabalhos em prosa e verse, fir­
de George Sand; mados por conhecidas e laureadas
Perdido de amor, valsa por A. pennas.
Weissmann, editada por Julia Fi- Julia Lopes, a primorosa escri-
lippone, e os Estatutos do Conser­ ptora, insere uma bella pagina —
vatório Livre de Musica, do Rio No meu atelier.
de Janeiro. (Da Gaxeta de Petropolis.)
São Paulo 30 de Maio de 1898 Anno I, N. 16

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
DirectOFa — P rescilia n a Duarte de A lm eida

Esta 1 evista garante a sua publicação durante um anno.


Publica-se nos dias 15 e 30 de cada mex.
P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m ero avu lso
a d ia n ta d o Endereço: Rua dos Estudantes N. 23 Rs. 1 $ 0 0 0

Summario: — Com ares de chronica, Gaxeta da Tarde, na CidUide do


Maria Emilia; — Os Poentes, critica li­
teraria, Silvio de Almeida; — Fóra da Rio e no Paix.
Barra, soneto, Luiz Guimarães; — Carta «André Rebouças era a resigna­
do Rio, Maria Clara da Cunha Santos ; ção servida pelo mais santo des­
— Na Praia, poesia, Aurea Pires; —
Vasco da Gama, Ignez Sabino; — Ao
prendimento; um anjo em pere­
meu coração, soneto. Soares Junior ; — grinação atravez da maldade hu­
Selecção; — Felice Cavallotti, Revocata de mana para attenual-a, para aparar-
Mello; — Notas pequenas; — A voz do
louco, poesia, Presciliana Duarte de Almeida.
lhe os golpes trahiçoeiros.
A sua vaidade era o bem alheio,
0 seu orgulho concorrer para a
0om ares de chronica felicidade do seu proximo.
Quando na minha ultima chro­ Na propaganda abolicionista, elle
nica falava dos grandes homens era o centro de que se irradiava
que se dedicaram á remissão dos 0 calor do apostolado sacrosanto.»
captivos, no Brazil, bem longe Eis como se exprime a Gaxeta
estava de suppôr que André Re­ da Tarde sobre o homem illustre
boliças, 0 liictador audaz o deste­ que 0 Brazil vem de perder. Era
mido, que, levado pelo mais nobre um exilado voluntário que, após
dos corações, tanto trabalhou pela a revolução de 15 de Novembro,
causa da raça africana, pertence­ seguira a familia imperial, escra-
ria dentro de poucos dias á con­ visado por uma gratidão illimitada
fraria dos nossos mortos gloriosos. á princeza, que concluira a obra
Foi em Funchal, na Madeira, que da abolição, para a qual elle tanto
se finou 0 nosso eminente com­ concorreu.
patriota, engenheiro que tinha re­ Como verdadeiro espirito de elei­
putação universal e talento fulgu­ ção, preoccupou •— se também com
rante, que abrilhantou a imprensa 0 problema da educação feminina.
do Rio de Janeiro, no Globo, na São delle estas palavras de incita-
w

242 A M E N S A G E IR A

mento á elevação da mulher: «Edu-


cae, instrui e elevae a mulher!
Os poentes
Formae Cornelias, mães de Grac- Eugenio Leonel, 0 auctor deste
chos; formae Beecher-Stowes, li­ livro de versos, tem a infelicidade
bertadora 0 mestra de seis milhões de ser meu adversário politico;
de africanos; e tereis assegurado mas, para lhe compensar 0 erro,
0 mais grandioso futuro á demo­ bastam os seus predicados de fino
cracia brazileira. O h ! sim, mil cultor das letras. Embora em graus
vezes sim! Eleváe a mulher!» differentes, pertencemos ambos á
A nossa veneração e 0 nosso mesma confraria espiritual — de
respeito á sua memória imperecivel. trovadores perdidos no meio da
aridez positiva do século...
Busquemos como chave de ouro Não sei si 0 poeta já é muito
a estas rudes linhas 0 bello soneto velho, ou ainda um pouco jovem;
que se segue: pois nelle contrastam os prateados
fios da melena hybernal com a
Visita á casa paterna
ingênua expressão de uma physio-
«Coiuo uma ave que volta ao ninho antigo,
nomia de primavera. Para mim,
Depois de um longo e procelloso inverno,
Eu quiz também rever o lar paterno, Eugenio Leonel deve de ser moço;
O meu primeiro e virginal abrigo. pelo menos em seu coração, que
se revela nos carmes.
Entrei. Um genio carinhoso e amigo,
Por não estar alistado «no aus­
(O fantasma, talvez, do amor materno)
Tomou-me as mãos, olhou-me grave e terno, picioso batalhão dos novosyy, en­
E passo a passo caminhou commigo. tendo, mau grado ao Sr. Anastá­
cio Pax, do Correio Paulistano,
Era esta a sala... oh! se me lembro, e
que nada perde 0 cantor. Antes
quanto I...
Da lampada nocturna á claridade, ser antigo, mesmo como o pobre
Minhas irmans e minha mãe ... — O pranto e lamuriento Casimiro de Abreu,
do que moderno como essa crean-
Jorrou-me em ondas... Resistir quem ha-de?
çada que vive por ahi a nos zan-
— Uma illusão chorava em cada canto!
Gemia em cada canto uma saudade!» garrear as suas parvoíces, metrifi­
L u iz G u im a r ã e s . cadas ou não.
O auctor dos Poentes, «cujo
0 grande poeta que firmou essa espirito empallidece ao advento do
pagina admiravel está também di- uma noite que não está longe, tem
vinisado pela morte! A mãe-pa- um horizonte visual que se abre
tria soluça agoniada... no sorriso dos filhos e se fecha na
M ajeua E m il ia . concha da misericórdia divina».
A M E N SA G E IR A
243

Estas palavras do prefacio ele­ E, na concha marinha recolhido,


vam 0 espirito do leitor até ás Sôa o teu canto em tremulo gemido,
duas sublimes idéas da familia e Como a vaga rolando sobre a areia. . .

da religião; e, assim, desde logo se A Eugenio Leonel tem-se criti­


percebe que é alli a entrada de cado por vários motivos:
um jardim, onde tresealam doce­ 1. " porque 0 seu livro é o livro
mente as mais puras flores do co- de um velho. No emtanto, não
ra(;ão do homem. desconheceu a mesma critica que
Eugenio Leonel, como 0 cysne, elle revela uma intuição superior
parece cantar ao pôr do sol da vida, da nossa arte moderna.
em que volve sua alma ás illusões 2. ®, porque nem sempi-e tem as
de outrora; mas, como 0 astro-rei, cores nacionaes (do fumo e do
elle também derrama em torno de café); e chega ao atrevimento de
si um crepúsculo doirado; e, si falar, aqui no Brazil, de trigo., de
morresse, morreria envolto em arado, de azinhagas e sinceraes...
chammas... Parece-me isto uma censura des­
A parte que do livro menos sa­ cabida, que com 0 mesmo direito
tisfaz é a denominada — Pan­ se podéra fazer a Luiz Murat, e a
theon; mas sou 0 primeiro a lou­ outros grandes poetas. Quem pri­
var a isenção de espirito com que vará um pintor brazileiro de re­
decanta os seus antagonistas poli­ presentar na tela, como Raymundo
ticos, como os seus correligionários. Corrêa já representou no quadri­
Basta ver 0 modo por que se re­ nho de um soneto, a nevada região
fere a Pinheiro Machado, nestes dos polos, ou qualquer canto de
versos pujantes: uma paizagem européa?
A verdadeira arte não póde dei­
Combatente minaz de bronzea cóta,
xar de ser cosmopolita; mas, si al­
Avezado ás rudezas da batalha,
guém quizer sempre em nossos li­
Mudas em forte e rigida muralha
Teu peito varonil de patriota. vros as cores nacionaes, é só man­
dar pintar a todos d e ... verde e
Da poesia dedicada a Josó Lino de amarello...
Fleming, raallogrado mineiro que, 3. ®, porque 0 poeta tem a mania
a expensas de Pedro II, fôra estu­ dos passaros; das lyras, dos alaú­
dar musica na Italia, copio os se­ des e de outros instrumentos de
guintes commovedores tercettos: m usica. . .
Mas, quem desconhece as idio-
Mas, ai de ti! no turgido oceano
syncrasias espirituaes de todos os
Boia teu estro peregrino e ufano,
Que a brancura dos floculos jaspeia; escriptores? O rabiscador destas
i

244 A MENSAGEIRA

linhas bem podia entiar na classi­


ficação de Binet co.'io um typo 0arta do Bio
essencialmente visual, pois vive Expira Maio, o formoso mez de
sempre na deliciosa embriaguez Maria, mez das rosas e das borbo­
da luz e das cores... letas de azas cor de saphira! 0
cheiro suave das flores do jardim
Para terminar: entra pela janella aberta de meu
Um livro como os Poentes não gabinete, onde penetra um raio de
6 dos que se publicam sempre. sol fortíssimo, cheio de belleza e
Tenha os defeitos que tiver, ver­ de poesia. Maio é o mez querido
dade é que em S. Paulo, pelo das almas contemplativas! A na­
menos, poucos serão capazes de tureza tem encantos particulares
chegar á maestria de Eugenio Leo­ para estas dias que não partici­
nel na sabia contextura dos versos. pam ainda da aridez do inverno e
Depois disto, só um aperto de que deixam distantes os dias en-
mão. tontecedores de verão desta for­
S ilvio de A lmeida. mosa capital. Os passaros guar­
dam para este mez os seus mais
suaves e melodiosos cantos e as
flores toda a pujança e esplendor
de sua graça. E como se tudo
isso não bastasse para sua prima­
fóra da Barra zia, Maio, 0 mez de Nossa Senhora,
Já vamos longe. . . Os morros berafazejos encerra em si a mais gloriosa data
Mettem na bruma os cimos alterosos. . .
da historia do Brazil — o dia 13
Ventos da tarde, ventos lacrimosos,
Vós sois da patria os derradeiros beijos! — 0 grande dia da redempção dos
captivos. No meio das festas e
As alvas plagas, os profundos brejos, das apothéoses, da alegria e dos
Ficam além, além! . . . Adeus, gostosos folguedos desse dia 13 de Maio,
Tormentos do passado! Adeus, oh! gosos!
meu coração volta-se agradecido
Adeus, oh! velhos e infantis desejos!
para o passado e o vulto sympa-
Na fugitiva luz do sol poente, thico e bondoso da princeza Iza-
Váe se apagando ao longe tristemente bel vem, docemente, receber os
Do Corcovado a magestosa serra: applausos de meu enthusiasmo sin­
cero.
O mar parece todo um só gemido. . .
E eu mal sustenho o coração partido. Vejo-a, como uma carícia ma­
Oh! terra de meus páes! oh! minha terra! terna, por entre os azulados veos
L u iz G u im a r ã e s J u n io r . da phantasia, na apothéose enthu-
A MENSAGEIRA
245

siastica e sublime que 0 povo lhe dré Rebouças um de seus mais


fez, ha 10 annos passados, quando illustre representantes.
ella assignou a aurea lei que re­
dimia uma raça, por tantos annos,
egoisticamente usurpada pela ou­ A formosa Tijuca vae ser devas­
tra! sada pela civilisação ! A electri­
José do Patrocinio, 0 valente de­ cidade vae ter ingresso n’aquellas
fensor da emancipação dos escra­ mattas seculares, é 0 que noticiam
vos, 0 bravo campeão que tão bri­ as folhas desta capital. D’aqui a
lhantemente soube pugnar pelos alguns annos, quando a Tijuca es­
fracos nessa lucta tremenda, foi 0 tiver cortada de bonds e avenidas,
iniciador das festas commemorati- quando as confeitarias e casas de
vas da grande data. Ainda bem! modas ostentarem suas vistosas pla­
em nossa patria não passa desper­ cas, quando houver coretos para
cebido 0 glorioso 13 de Maio! as bandas marciaes e miasmas 0
desinfecções e hyppodromos e clubs,
os passaros que agora cantam e
Por associação de idéias, ao re­ alegram aquelles sitios fugirão em
lembrar a campanha da abolição, demanda de outros logares, onde
vem-me á lembrança 0 nome sym- possam viver em liberdade; as ar­
pathico do eminente engenheiro vores frondosas terão caido por
André Rebouças, fallecido ha dias terra, derribadas para dar passa­
na Madeira. Como é sabido, elle gem aos vehiculos e espaço para
foi um grande abolicionista, e teve modernas construcçoes ; as flores
como companheiro, nessa campa­ exquisitas e raras d’aquelle logar,
nha, meu marido, seu intimo e de­ não se aclimando com as mãos de
dicado amigo. jardineiros mercantis, terão emmur-
Seu nome, a historia de seu checido para sempre e a luz e 0
passado brilhante e glorioso, suas ar purissimo e 0 cheiro agreste e
obras scientificas, seus trabalhos saudavel d’aquella lu.vuriante vege­
technicos, seu illibado caracter e tação, estarão corrompidos pelo
grande coração não podem ser tra­ progresso! Pobre Tijuca. Mal-
tados no estreito espaço desta dicta civilisação!
Carta. Elle foi sempre um traba­
lhador e um justo. Morreu pobre
e em paiz longinquo, longe dos Disse-me hontem um de meus
seus. A classe de engenharia bra- primos que perdeu alguns nume­
zileira perde com a morte de An­ ros da «Mensageira» em empres-
i

246 A M E N S A G E IR A

tiraos contínuos que faz da revista conhecida casa de Julia Filippone.


a amigos que a apreciam muito. Se todos fizerem como meu pri­
E terminou por rae .dizer que 0 m o... -adeus «Mensageira», sua his­
n.® 12 havia sido emprestado a toria, no futuro será está: mor­
cinco ou seis amigos, que esse n.° reu, mataram — na os seus amigos ;
estava em Xíctheroy actualmente, cuidando que lhe faziam reclame,
depois de haver estado uns dias davam — na a lèr de graça a pes­
em Cascadura. Ouvi e ... não fi- soas que bem podiam ter tomado
quei alegre, como era de esperar. uma assignatura.
Ninguém deve emprestar a «Mensa­
geira». Esse pedido eu 0 faço a
todos os assignantes. Quem qui- Adeus Maio, formoso mez de
zer lêl-a que a assigne ou compre Maria, mez das rosas e das borbo­
avulsa, cu.sta tão pcuco..., é só dar letas de azas côr de saphira!
um pulo á rua do Ouvidor, 9 3 , na M aria C i.ara de C unha S antos.

tia ^raia
A ’ minha irm ã Olivin Pires

Aqui na solidão da praia enluarada,


Onde o mar vem soltar a sua voz raaguada,
E’ que eu posso também soltar meu triste canto
E expandir esta dor que me tortura tanto !
Tu não zombas de mim, formoso e vasto oceano.
Tu não tens a ironia atroz do labio humano,
Que zomba da tristeza alheia e alegremente
Sorri quando mais soffre, e mostra-se contente!
A humanidade é assim! Por isso eu te procuro
Nest’hoi-a de silencio em que no manto escuro
A noite envolve tudo.
— Eu venho, oceano amigo,
Eu venho de bem longe aqui chorar comtigo !
A minha historia é triste, hei de cjomtart’a um dia.
Tão grande como tu, é a melancolia
Que eu sinto dentro d’alma e que ninguém comprehende
E é por isso que a sombra era meu olhar se estende!

OutPora no meu lar, no seio carinhoso


De minha pobre Mãe, meu rosto lacrimoso
A M E N SA G E IR A 247

Enxuguei muita vez. Agora é bem diverso


Meu sombrio viver! Perdida no Universo,
Minh’alma geme afflicta em busca do Ideal
Que um dia lhe sorriu num rosto divinal
— Meteóro falaz, que no horizonte meu
Surgiu . . . brilhou formoso . . . e desappareceu! . . .

Escuta a triste voz de um peito desgraçado


Pelo embate cruel do mundo espedaçado!
Já não tenho esperança, eu já não tenho crença;
Que vale a vida assim ? Oh que saudade immensa
Eu tenho do passado! Adeus, sonhos formosos,
Que na infancia sonhei, em dias venturosos! . . .
Eu já tenho de tudo um tedio indescriptivel.
Tenho horror a este mundo! Até parece incrível
Que na flor da existência haja quem viva assim!
A i ! Eu nunca encontrei um ente igual a mim!

Se ao menos, minha irmã, viesses neste instante


Sentar-te junto a mim, beijando o meu semblante;
Se neste desespero em que me vejo agora
Eu te visse chegar, formosa como a aurora.
Trazendo á flor do labio o riso da bondade
E no olhar seintillando a doce claridade
Da afTeição fraternal, talvez que meu tormento
Se acalmasse e eu sorrisse embora um só momento!

Se viesses, meu anjo! __ E porque não, se eu te amo


E tu me tens amor? Virás porque te chamo! . . .
Virás porquo tu’alma é boa e delicada,
Não quererá que eu morra assim desesperada!

O’ velho e triste mar, que também choras tanto,


Não contes a ninguém a historia de meu pranto!
Chorei perto de ti ! Tu foste testemunha
Do desespero atroz que a vida me acabrunha,
Mas não quero que o mundo infame, incomprehensivel
Desconfie siquer do meu tormento horrível!

Guarda bem no teu seio este segredo antigo - . .


— Segredo que me mata e ha de morrer commigo !
A u r e a P ir e s .
Ilha das Cobras, 1897.
248 A MENSAGEIRA

cia para ampliar-se a historia, ca­


Vasco da Gama bendo á Portugal as mais raras
(De um eicerpto para a Revista do Instituto) gemmas importadas das descober­
tas, assim como as valiosissimas
Ha datas tão celebres nos an- pérolas e rubins com que ornavam
naes da humanidade, que seria ató 0 sceptro dos reis.
um crime não commemoral-as, uma Presentemente, pelo apuro da ci-
omissão ingrata e indisculpavel mes­ vilisação, pela amplitude do direito,
mo não dar a sagração d’alma a a humanidade em sua mareha evo­
quem por seu intermedie prova na lutiva curva-se ante 0 genio dos
presente epoca, que nós vivemos da navegadores audazes que semelhan­
memória do passado, mostrando aos te ao grande heróe, tomou para
séculos futuros, a galhardia dos campo das conquistas, a vastidão
nossos actes. intermina das aguas ! . . .
Nas sympathiaspossiveis da gran­ Posto que a índia não fosse des­
de atracção do pensamento, os fei­ conhecida, por já ter Marco Pólo,
tos que lustram 0 nome heroico de 0 maior explorador da idade mé­
que nos vamos rapidamente oc- dia, atravessado a Azia, a Persia
cupar, faz que a estas horas, sobre e a China, tendo no regresso sem
as prateiadas aguas do Tejo, affluam 0 saber, suleado 0 mãr das índias,
centenares de navios embandeira­ eomtudo, não logrou deseobril-o.
dos, dando realce expontâneo co­ Apezar disso, com a bússola da
mo convivas no grande banquete certeza, era mais que provável exis­
nacional, com que os povos que tir caminho marítimo que lhes fa­
faliam 0 mavioso idioma de Ca­ cultasse a derrota, por serem quasi
mões, regosijam-se, festejando a sempre as grandes descobertas de­
Vasco da Gama. vidas ao accaso.
Que orgulho justissimo, não vi­ Qual um formoso sonho, destes
bra no coração dos portuguezes sonhos em que a alma humana ali­
commemorando as suas nobres tra- menta um ideal sublime, em que
dicções, hoje que como então, a 0 infinito do pensamento se asso­
flaraula das caravellas e das náus, cia aos dictâmes da realidade, já
postrava amesquinhados os ignáros D. João 2 ° e 0 infante D. Henri­
povos, ante 0 arrojo das suas ex- que, anteviam que Portugal con­
pedicçòes. quistaria mais um padrão glorioso
Talvez que ambição fora tal al­ para a sua patriótica bandeira.
vitre, se bem que‘ 0 palco vastís­ Ainda continuava porém cerra­
simo dos mares abrisse concurren- da a purpurea cortina que lhes
A MENSAGEIRA 249

abriria a desejada passagem marí­ companhados de parentes, amigos


tima dessas terras do Oriente, fa­ e sacerdotes, assim como de muito
cto que não só interessava 0 com- povo da ermida de Sta. Maria de
mercio portuguez, como outro sim Belem, para os navios ancorados
beneficiava fidalgamento as demais em frente á praia do Restello.
nações, guiando-as na senda do Fiado na sua boa estrella, Vasco
progresso. da Gama entrou na náu S. Gabriel
Enveredemo-nos ligeiramente pe­ de 120 toneladas, tendo como pi­
los domínios da historia e da geo- loto a Pero de Alemquer e como
graphia. escrivão, Diogo Dias.
Reinava D. Manuel; corria 0 an­ A ' náu S. Raphael tinha a seu
no de 1 4 9 7 . O que parecia uma bordo Paulo da Gama, irmão de
chiméra, desta vez realisava-se, pos­ Vasco, sendo piloto João Coimbra
to que anteriormente a fróta de e escrivão João de Sá.
Bartholomeu Dias tentasse debal­ Na caravella Berris ia em igual
de arriscadíssima viagem. cargo Nicoláu Coelho, e 0 piloto
Assim pois, metteu mãos á obra Pedro Escobar e escrivão Alvaro
este monarcha, cujo reinado tão Braga.
glorioso foi, não só pela descoberta O quarto navio só levava man­
da índia, como pelo fulgor que timentos.
deu ás lettras patrias, mandando A tripulação de todos elles mal
juntar n’um só codigo as leis pro­ chegava a 170 homens, dos quaes
mulgadas pelos seus antecessores, nem a metade voltou aos pátrios
a que chamou: — Codigo Ma­ lares...
nuelino. Com 0 coração aberto ás gran­
Elle, 0 justo, 0 sohrio, 0 magnâ­ des esperanças, eil-os a sulcar por
nimo, á cuja amizade se alliaram mares nunca d’antes yiavegados,
vários monarchas da Europa, jun­ como disse Camões mais tarde, se
tou 0 pensamento á acção. bem que 15 dias depois estives­
Depois de promptas as náus, sem na altura das Canarias, sendo
construídas em condicções de ar­ os navios separados por densa cer-
rostarem perigosa viagem, deu 0 ração, mas juntos em Cabo Verde,
commando delias a Vasco da Gama, na altura da ilha do Sal.
fidalgo da sua casa e em quem de­ A 27 ancoravam em S. Thiago,
positava plena confiança. partindo para léste a 3 de Agosto.
Marcado que foi 0 dia da par­ A 8 de Novembro lançaram fer­
tida, a 18 de Julho, sahiram os ro n’uma bahia a que deram 0 no­
navegadores processionalmente a- me de Sta. Helena, onde demora-
2 50 A M ENSAGEIRA

ram-se concertando os navios e com elles vários ânimos, a 2 7 zar­


cathechisando os naturaes. pou para Quilôa e Mambaça, onde
A 1 6 , seguiram para o Cabo da chegou a 7 de Abril. — Sahindo
Boa Esperança, sendo muito feste­ d’ahi a 1 2 , seguiram para Melinde,
jada a bordo essa passagem, por em cujo porto lançou ferro n’um
irem além do que foi Bartholomeu domingo de Paschoa ( 15 ), tendo ti­
Dias. do nesse lugar franca hospedagem.
0 ousado marinheiro, satisfeitis- 0 illustre portuguez tomou um
simo, entrou a 2 5 na Angra de S. piloto que se prestou a leval-o á
Braz, destruindo o quarto navio índia e fez rumo para Calecut,
e distribuindo os viveres pelos ou­ que vio a 20 e fundeou a 21.
tros. A hozanna da victoria cantou
Partiram d’alli a 8 de Dezem­ com a syraphonia da verdade a
bro, e a 12 foram sorprehendidos estabilidade da feito !...
por enorme tormenta. A 2 5 deste Aureolava-lhe a fronte a coroa da
mez deixaram pela pôpa a costa gloria !...
a que denominaram Natal (na
Cafraria). Eil-os emfim chegados ao ter­
A 1 0 de Fevereiro de 1 4 9 8 , mo da penosa viagem, vencendo
avistaram o rio de cobre, onde fi­ intemeratos as grandes barreiras
zeram aguada e tractaram com os do oceano, com ondas semelhantes
naturaes, amigavelmente. a montanhas que procuravam en-
A 14 do mesmo mez, viram uma gulir os navios, como se entre
terra que chamaram B om Signaes ellas estivesse o pavoroso gigante
(Quilimane), onde desembarcando, Adamastor, desejoso de os levar
collocaram o padrão de S. Ra­ como preza para as mysteriosas
phael. Ahi traficaram com os ne­ cavernas de onde jamais poderiam
gros, desenvolvendo-se então o es­ ver a luz da vid a !...
corbuto a bordo, deseminando vá­ A ’ orgulhosa’ Luzitania, cabia
rios embarcadiços. Entrando no em pleno século X V , o goso de
canal de Moçambique a 2 de Março, escrever nas folhas do seu futuro
vieram ao seu encontro muitos a certeza de que o facho do chris-
Zambucos tripolados por arabes, tianismo brilharia nas barbaras ci-
que se mostraram contentes com os vilisações do Oriente!
seus hospedes. Em troca, a poezia dos palmares,
Posto que entre todos reinasse 0 encanto do oásis, o aroma das
a melhor harmonia. Vasco da Ga­ caçoilas, na vasta escala do sen­
ma desconfiado, depois de trocar timento, faria cora que os poetas
A MENSAGEIRA
251

cantassem esta epopéa com toda a mas considerações e assistência de


grandeza magistralmeiite bella do toda a corte, dando-lhe 0 monar-
poema de um Camões, immortali- cha 0 titulo de conde da Vidi-
sando a Vasco da Gama, ao seu gueira.
paiz e a si proprio!... A posse deste titulo que lhe ga­
rantia honras, não lhe deu mais
Com o coração explodindo de fidalguia: elle ennobreceu-se com
enthusiasmo, com os seus homens a gloria dos seus feitos, que a mais
saltou em terra onde 0 Samorim das vezes faz victimas e produz
aiegremente os recebeu, se bem martyres ! . . .
que depois as intrigas dos merca Agora trasladaram os seus res-
dores arabes aiTefecessem 0 enthu toí para riquissimo tumulo, no Pan­
siasmo, dando-se em seguida hosti­ theon de Belem, junto ás cinzas de
lidades mais ou menos perigosas. Camões, e, se a este grande poeta
Vendo seu irmão Paulo enfermo já se erigiu uma estatua, justo 6
fêl-o passar para a sua naú, dei­ que a Vasco da Gama por sub-
xando a delle. scripção popular, se erga uma igual­
Em Cabo Verde entretanto, jun­ mente.
taram-se ainda os navios, funde­ Glorificando-o, Portugal não faz
ando 0 arrojado nauta na ilha mais do que glorificar-se,e subir!...
de S. Thiago, ao passo que Nicoláu subir!...
Coelho seguia por sua ordem para Concluindo, direi:
a patria, a 10 de Julho de 1 4 9 9 . Para que os povos se mantenham
Aborrecido com a moléstia do na altura de uma raça, é mister
irmão, entregou 0 seu navio a João sem duvida provar a aristocracia
de Sá e alugando uma caravella, das suas acções.
eil-o voltando para 0 seu paiz, onde I g n é s S a b in o .
(D o Institu to A r c h e o lo g ic o e G eog rá fico
tinha pressa de chegar. Estava
P ern a m b u ca n o.)
porém escripto, que uma sombra
Maio 2 0 , de 9 8 .
negra pezaria na sua trajectoria
luminosa, pois que falleceu em An­
gra o seu Paulo querido, 0 amigo
de todos os tempos...
A 2 9 de Agosto, 0 grande ho­
Selecçào
mem seguiu para Portugal, onde
fundeou a 9 de Setembro, em fren­ A mulher precisa de ser moral­
te á mesma praia do Restello. mente mais forte do que 0 homem,
O rei recebeu-o com as maxi- para conseguir levar a cabo a ta-
252 A M ENSAGEIRA

refa relativamente superior que a


natureza e a sociedade lhe im­ meu coração
põem. (A Manuel Viotti)
No dia em que se assentar este C ançíulo c o r a ç ã o , h e r o e d e o u tr ’ora,
ponto como verdade incontestável, Q u a n d o A m o r p a lpitar te fez uni dia,
D iz e : és capaz d e am ar, ain da agora .
0 mundo terá dado um dos seus
C h e io d e a rd or, d e vid a e d e p o e s ia ?
passos mais gigantescos no cami­
nho da felicidade. C a n ça d o eora çã o, m in h ’alm a ch ora
Educar a mulher, eis o grande E ssa v id a feliz q u e ella v iv ia
problema que resta ainda a resol­ E q u e v oa v a p elo te m p o á fora,
— R a io d e luz d e estrella fu gidia.
ver.
Educar a mulher, é arrancaf-a
A lg u ém te eh am a ao c a m p o da b a ta lh a ;
na infancia ao seu berço fôfo e « A m a r » , é o santo e senha. E ia , tra b a lh a ;
tépido de beijos, e leval-a por ca­ A con q u ista d o A m o r é um a v e n t u r a !
minhos d’nma magestade austera
M eu jo v e m co r a ç ã o , já re fo rm a d o .
que ella nunca trilhou.
S a co d e esse to r p o r , v elh o sold a d o.
E’ preparal-a para a grande lu-
V e s te d e n o v o a b ellica a rm a d u ra !
cta moral que é a Vida, com os
SoARE-s J u n io r .
cuidados com que Sparta, a guer­ 19-5-98.
reira cidade antiga, preparava os
seus filhos para as luctas do cor­
po, para as victorias da destreza
physica.
E’ associal-a pela comprehensão Í^Glice 0avallotti
pela sympathia a todos os traba­ Primeiro, pela voz prompta e
lhos e investigações do homem aspera do telegrapho, depois pelo
moderno; 6 dar-lhe ao lado d’este echo retumbante e emocionador da
um lugar honroso e definido, não imprensa do mundo civilisado, a
igual, pois que são diversas as triste nova da immensa perda sof-
attribuições de ambos, mas equiva­ frida pela Italia com a morte de
lente em direitos e em deveres. Felice Cavallotti, passou rapida de
M aria A malia V az dk C arvalho. um polo a outro, indo cair como
M ulheres e Oreanças.) avalanche, de dôr, sobre o coração
não só de todo o italiano patriota,
mas ainda de todos os espiritos cul­
tos e veneradores da Arte.
Hoje pois, a noticia da eterna
desapparição de Cavallotti, da are-
A MENSAGEIRA 253

na dos vivos, não constitúe uma to immorredouro, vimos ha dias —


novidade, antes é um acontecimen­ em uma correspondência de Pariz,
to já commentado e indiscutivel­ devida a authorisada e festejada
mente sentido. penna de Xavier de Carvalho, —
Agora a idéa que a poética e que 0 illustre director da Reviie dv
amorosa alma italiana, agita em Brézü^ Alexandre d’Atri, acha-se
toda a parte onde emplanta um empenhado em tão dignificadora
testemunho de sua existência, uma tarefa, e acaba, em Pariz, a frente
manifestação do labor de seu en­ de mil e tantos italianos, de abrir
genhoso espirito, 6 a de perpetuar uma subscripção em favor do glo­
a memória do notável paladino da rioso monumento que vai perpetuar
penna e da palavra, do jornalista a lembrança de Cavallotti em sua
emerito que bateu-se sempre com adoravel patria.
altivez fidalga no accendrado ter­ Xo sentido de auxilial-o em
reno de suas nobres convicções, tão grandiosa missão, d’Atri dirigio
deixando illósa sua honra de ci­ uma circular cheia de patriotismo,
dadão e de esciãptor publico. Tra­ de sentimento, de vibrações doces,
ta-se de prestar indelevel homena­ á mulher brasileira, pedindo tam­
gem a Cavallotti, 0 litterato de pul­ bém seu obulo para a realisação
so, o poeta cuja lyra possuia toda do monumento de Cavallotti, desse
a grandesa do céo italiano, de har­ nobre espirito que não se deve ja­
monia com as notas de uma cava­ mais apagar de nossa lembrança,
tina dolee que sôa de mansinho nos cabendo-nos para com elle 0 im­
corações sem macula. Vê-se nas perioso dever de gratidão, dever
cerradas fileiras socialistas as ar­ vinculado aos corações sinceros e
mas em funeral, e 0 seu glorioso muito mais ainda ao coração da
estandarte a encerrar tantas pro­ mulher, que é um cofre onde as
messas de futuros triumphos, en­ pérolas de toda a virtude que no­
volto em crepe, depois de haver bilita a creatura, devem existir. E’
por algumas horas como guarda pois, forçoso, queridas patricias,
fiel, coberto 0 envolucro que en­ termos em mente, que foi a ver-
cerra os preciosos despojos do gran­ berante e adamantina penna de Ca­
de socialista. vallotti, que defendeu-nos cheia
É nesta solemne e patriótica fai­ de carinho, de dedicação e apreço,
na em honra de um vulto que a quando ha poucos annos, Ferrucio
posteridade abrigará em seu tem­ Macola, aquelle mesmo que acaba
plo, poróm que aos homens do pre­ de ser quasi que 0 assassino de
sente cabe também sagrar um prei- Cavallotti, na obra Europa alia
2 54 A M ENSAGEIRA

conquista d’elVAmerica Latina, in­ Luiz Guimarães foi o fundador


sultou-nos nos mais intimos affec- da escola parnasiana no Brazil e
tos do lar, em nossa educação de deixou dois livros inéditos: um
familia, emfim n’aquillo que mais poema sobre a morte de um filho,
zelamos em nossa vida domestica. Gabriel, e a Lyra Pinai.
E’ muito justo, é sublime para nós, Os seus versos são dos mais li­
concorrer de alguma forma, para dos e dos mais adorados na terra
a glorificação de nosso generoso de Santa Cruz, e o seu nome tem
defensor. Dignas compatriotas, as um verdadeiro culto no coração
subscripções para esse fim, acham- das brazileiras, — para muitas era
se abertas em quasi que todos os 0 primeiro poeta contemporâneo,
mais importantes orgãos de impren­ e entre essas figuram algumas cul­
sa na capital Federal e em S. Paulo. toras das letras, como Maria Clara
R evocata H. de M ello. da Cunha Santos, Julieta de Mello
Monteiro e Aurea Pires.
Luiz Guimarães morreu longe
de nós, porém morreu na Patria
de nossa Patria, bella classificação
Kotas pequenas dada por Arthur Azevedo a Portu­
Luiz Guimarães. Além do Atlân­ gal, e lá nessas plagas longinquas,
tico, em meio ás ruidosas festas do bem perto de si, tinha, como que
centenário da índia, acaba de expi­ a synthetisar a alma da poesia bra-
rar, em Lisboa, o poeta maviosissi- zileira, Raymundo Corrêa, o glorio­
mo, o primoroso e delicado burila- so poeta que é, para nós, o pri­
dor dos Sonetos e Rimas. Nenhum meiro da geração actual. Seja
poeta soube elevar mais alto do que pois o cantor das Pombas e do
elle 0 amor de filho, o amor de Temor o encarregado de derramar
esposo, 0 amor de pae; e os seus uma chuva de lagrimas e flores
versos poderiam formar uma bella sobre o tumulo de Luiz Guimarães,
collecção intitulada — biblia da em nome da Arte e do Brazil.
familia! Tendo perdido a esposa A Mensageira, no Chile — De
em Lisboa, não mais quiz se au­ uma carta escripta de Santiago,
sentar da terra que guardára em capital da sympathica republica
seu seio a sua adorada morta, e chilena, em data de 2 0 de Abril
lá permaneceu até que no dia 20 ultimo, ao nosso collaborador dr.
do corrente, deixando a vida, foi Nelson de Senna, pelo illustre li­
se unir de novo á decantada com­ terato sr. Clemente Barahona Vega,
panheira. extrahimos os seguintes trechos:
A MENSAGEIRA 255

«Tuve el gusto de recibir su cari- Dr. Hilário de Gouvêa, medico dc


nosa carta i conjuntamente el A l­ grande nomeada e emerito educa­
manaque (de Passos), el número dor; 0 n.® 2 honra a sua primeira
de La Mensajera (de S. Paulo) i pagina com 0 retrato do Dr. Mar-
folletos. Su articulo sobre la In- tinho Garcez, jornalista de pulso
telectualidad femerdna brasilera e actual presidente do Estado de
inserto en esa simpática i elegante Sergipe.
revista, lo he traducido para la
única revista literaria femenina de
mi patria, La Mujer de Curicó.
Se publicará a fines de este mez.
Cuidaré de remitirle ejemplares,
habiendo tambien encargado ya a VO Z do louco
la Directora Sta. Leonor Urzúa E ra uni poeta ap p ellid a d o — o lou co,
D o qual zom bava a turba in differen te.
Cruzat (quien en breve escribirá a
E n lou q u ecera o triste p o u co a p ou co,
Ud.) que envie ejemplar a La E vivia a cantar cou sta n tem en te: '
Mensajera i la Familia (de Rio).»
Pharmaceutica. — Tomou, ha « N o sep u lcro d e m inhas illusões,
dias, 0 gráu de pharmaceutica na N o cem iterio im m en so da m em ória,

Faculdade de Medicina do Rio de E x istem lu m inosas in scripções


D e um casto a m or sobre a p equ en a historia.
Janeiro, a exraa. sra. d. Julieta de
Miranda Rodrigues, nossa distincta
A paizagem é fú n ebre e som bria.
patricia, natural do Estado de Ala­ D esen h ada na tela d e m in h ’ alm a
goas. P ela m ã o m usculosa, en orm e e fria.
Rua do Ouvidor. Ha muito que D o tem p o — esse p in to r de eterna ca lm a !

a imprensa do Rio de Janeiro se


V ê d e esta tum ba an gelica e sem luz
resentia da falta de um peripdico
O ca d a v er q u e en cerra em balsam ado:
leve, alegre e bem feito, que cui­
A o s pés d e bran ca e p equ enina cruz,
dando de arte e de recreiação só­ O m eu p rim eiro a m or in con fessa d o!
mente, nos fizesse esquecer por
alguns momentos a tabella cambia^ A g o r a a catacum ba é t;6r d e rosa,

e o preço do beef. Esse periodico E pallida a visão q u e alli descança.


C ham a-se G lo ria — a bella m entirosa,
temol-o na Rua do Ouvidor., inte­
Q u e apenas m e so r r i« tn u m a esperan ça!
ressante revista que apparece se­
manalmente e que se propõe pu­ H a cyprestes, ch orões, ha m ulta flor
blicar os retratos das notabilidades R eg a d a , n o silen cio, por m eu p ra n to !
do nosso mundo artístico e scien- P o is m inha in spiração é sem pre a d o r ;

tifico. O n.® 1 traz 0 retrato do O su spiro, a h arm on ia d e m eu canto.


256 A m e n s a g e ir a

E vós, felizes, q u e v iv e is can ta n d o, «A Mensageira. Temos sobre a


S em saber q u a n to custa um d esen g a n o,
mesa, sahido hoje, 0 numero 15
N ã o vos fieis na sorte assim b rin ca n d o:
A d o r p ersegu e to d o o ser h u m a n o .'>
desta interes.sante revista litteraria,
publicada nesta capital sob a in­
P r e s c il ia n a D u a r t e de A l m e id a .
telligente direcção de d. Prescilia­
1890.
na Duarte.
Destacam-se naquelle numero A
carta do Rio, de d. Maria Clara;
uma noticia sobre M."*® Laffayette,
de Perpetua do Valle e uma bella
poesia de Cândido de Carvalho.
(D o D iário Popular.)

Ji Mensageira A Mensageira. Recebemos esta


Recebemos hoje 0 1 4 .® numero interessante revista que sáe á luz
fia Mensageira, bella revista litte- em S. Paulo, dirigida por D. Pres­
raria dedicada á mulher brazileira, ciliana Duarte, cujo nome, sobeja­
que se publica em S. Paulo, sob mente conhecido no mundo litte-
a intelligente direcção da conhe­ rario, honra 0 sexo a que pertence.
cida poetisa Presciliana Duarte de Não realçariamos mais 0 mérito
Almeida. deste bello jornal se fizéssemos
Insere artigos de Delminda Sil­ outra cousa do que mencionar ser
veira, Julia Lopes de Almeida, Ma­ elle escripto por senhoras brasilei­
ria Clara da Cunha Santos, Perpe­ ras illustres e intelligentes, que se
tua do Valle, e harmoniosos ver­ esforçam nessa campanha humani-
sos de Francisca Julia da Silva, taria de elevar a Inulher á altura
Aurea Pires, Adelia Jucá, e um a que ella deve attingir por direito
soneto de Maria Jucá que, por ser de conquista.
bellissimo, reproduzimos. Nossas felicitações á Mensageira.
(D a Cidade do Rio.) (D a Ríia do Ouvidor).
São Paulo 15 de Junho de 1898 Anno I, N. 17

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Dipeotora — Presciliana Duarte de Almeida

^ublica-se nos dias 15 e 3 0 de cada mex.

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno I N u m ero avulso


a d ia n ta d o Endereço: Rua dos Estudantes N. 23 | Rs. 1$000

S u m m a r i o : — Carta d o R io , M aria C lara;


poeta inspirado e correcto e mi­
— P o r terras e m ares, poesia. C ân dido
de C a rv a lh o; — B orboletas, con to, Zalina moso — é 0 que leio em quasi
R o h m ; — C am in h o d o Sertão, soneto,
todas as folhas desta capital. E isto
A u ta d e S ou za ; — O rom ance d e uma
onça, A n d r é R e b o u ç a s ; — A L u iz G u i­ basta para qualificar o poeta sua-
marães, Soneto, A u rea P ir e s ; — N a S el­ vissimo, cujos sonetos são paginas
va, poesia, P rescilia n a D uarte de A lm e id a ;
— D e um livro de viagens, N elson de divinas arrancadas ao livro do co­
S en n a ; — M ãe, D elm in d a S ilveira; — ração ?
N ota s pequenas.
Quem, como elle, cantou com
tanta graça e tanto amor as scenas
0arta do R.io da vida intima? Quem alevantou
Chego tarde para falar das ex- tão alto 0 sentimento da justiça,
plendidas festas do centenário da da verdade e do bem?
índia; da estrondosa apothéose á E’ grande a lista dos trabalhos
memória de Vasco da Gama; da que deixou o mavioso poeta, mas
grande perda que soffreu a Ingla­ dentre todos avulta como estrella
terra com a morte do eminente es­ de primeira grandeza os «Sonetos
tadista Gladstone; da irreparável per­ e Rimas».
da que tivemos com o fallecimento Com este livro de versos dá-se
do mais inspirado dos poetas con­ uma cousa singular: tanto consola
temporâneos — Luiz Guimarães e conforta ás almas contemplativas
Junior. e tristes como agrada e delicia os
Estes factos foram todos larga­ corações alegres e bem dispostos.
mente commentados pela impren­ E’ 0 mais popular dos poetas mo­
sa, durante a quinzena finda. dernos, affirmo sem medo de errar.
Tudo, porém, quanto tenho lido Haverá alguém que, sabendo 1er,
sobre Luiz Guimarães ainda está? não conheça aquelle magistral so­
em minha humilde opinião, abaixo neto que começa assim : O coração
de seu mérito. Que elle foi um que bate neste peito?
258 A M E N S A G E IR A

Eu dou valor á poesia muito compaixão e de consolo soube


mais pela ideia do que pela for­ inspirar
ma. Sacrificar uma expressão ver­
dadeira e que photographe bem os
sentimentos da alma por uma pa­ Um passeio á Tijuca é um dos
lavra bonita, por uma rima difficil mais delicados prazeres que se po­
e rara, ó cousa que eu não com- de proporcionar á alma! Lá fui
prehendo. Luiz Guimarães foi sem­ um dia destes, para aproveitar o
pre um escriptor correcto e im- formoso domingo de sol, tão claro
peccavel, mas nunca em seus ver­ e tão alegre!
sos alguém notou que a ideia fosse Arvores gigantes, cipós entrela­
sacrificada pelos effeitos da forma. çados, rumorejar da cascatinha em
Bem sei que os modernissimos poe­ alvas pedras e despenhadeiros, can­
tas me hão de acusar, mas. . . pa­ tos maviosos de passaros, perfume
ciência. inebriante da saudavel vegetação,
Tenho ao menos a virtude, hoje lindas flores de manacá desde o
tão rara, de dizer o que sinto e o branco ao roxo escuro e por so­
que penso. Conheço muita gente bre todas estas bellezas o ceo azul
que acompanha a onda, isto é, as sereno a perder-se no horizonte,
opiniões alheias, com as quaes in­ onde se confundia com o verde-
timamente não concorda, Síimente negro dos longinquos montes!
para ser moderno, para fazer bo­ Encontramos no passeio com al­
nito. Que ignominia! não ter co­ guns caçadores que voltavam, acom­
ragem para sustentar as suas opi­ panhados por cães de caça e sobra­
niões ! ! çando grande quantidade de passa­
Luiz Guimarães dorme hoje o ros mortos. Um dos caçadores trazia
derradeiro somno junto á sua que­ á tiracollo, uma enfiada de sabiás,
rida companheira, cuja morte pre­ unidos uns aos outros, por uma
matura tanto lhe abalára a alma cordinha. Tive pena, confesso. Os
apaixonada. pobres cantores, que tanto alegram
Camillo Castello Branco referin­ as nossas florestas, bem podiam ser
do-se aos «Sonetos e Rimas» disse poupados !
esta phrase: E’ o livro mais bello Que linda parasita avistei no tron­
que se tem escripto em portuguez, co de uma arvore colossal ! Era
desde que leio versos». de uma côr muito viva, amarella,
Abençoada seja a memória do e de formato miudo e original.
suavissimo poeta que tantas emo­ Chama-se Chuva de ouro.
ções de júbilo, de ternura, de Trouxe-a para meu jardimzito
A M E N SA G E IR A 259

bem como alguns crotons exquisi- quanto, na cidade, houve taes al­
tos que me prenderam a attenção. caides, todos que partiram para a
E espero que dentro em pouco, viagem eterna, foram de sapatos
eu seja largamente compensada do de borracha!
trabalho de trazel-os de tão longe, M ar ia C l a r a da C unha S antos .
quando, bonitos e viçosos, elles en­
feitarem os canteiros de meu jar­
dim, para regalo de meus olhos e
cubiça dos transeuntes!
f o r terras e mares
VI
Âo Manoel Viotti
Eu ando ern torno do teu palado
Neste mundo tudo tem serventia
Vibrando o plectro, tecendo endeixas,
e todos tèm seu dia! Pleno de magnas, cheio de queixas,
Quando morei no sertão, assisti — Eu ando era torno do teu palacio.
a uma scena muito engraçada, que
Vi-te ha dez annos, formosa dama.
se passou na Ihja de um amigo de Faces de jambo, lábios de cravo.
nossa familia. O negociante, á mo­ As mãos pedindo beijos de escravo...
da da roça, tinha de tudo em sua Vi-te ha dez annos, formosa dama.
casa commercial, desde a seda á Teu vulto, á sombra de teu pomar,
carne secca, desde as panellas ás Lembrava o talhe de uma palmeira.
rendas. Um sujeito lá entrou para Colhia flores de laranjeira
Teu vulto, á sombra de teu pomar.
comprar preparos para 0 enterro
de um parente querido. Depois Não tinha a lyra de trovador
de uns tantos metros de setim e Quando, cahidas tuas madeixas.
Disseste ura dia — porque me deixas?
de galões, de fitas e de flores de
Não tinha a lyra de trovador.
panno, deparou com uns sapatos
de borracha, que estavam ao fun­ Andei planicies, vinguei penhascos
Em terra isempta de teu carinho,
do de uma prateleira e foi logo
E venho em busca do teu arminho . . .
pedindo os taes sapatos com esta Andei planicies, vinguei penhascos.
exclamação: Excellentes para de­
Na patria excelsa dos desgraçados
funto! O que mais não inventarão?
Deram-me a lyra de trovador.
é verdade!!» O negociante com- Antes morresse de mágua e dôr,
prehendeu de prompto a ignorância Na patria excelsa dos desgraçados.
do freguez, mas como tinha inte­
Eu ando em torno de teu palacio
resse em ver-se livre d’aquelle al­ Vibrando o plectro, tecendo endeixas;
caide — concordou sobre a van­ Pleno de maguas, cheio de queixas,
tagem de tão util melhoramento. Eu ando em torno de teu palacio.
Conclusão: a moda pegou e era- C â n d id o de C a r v a l h o .
26o A M E N S A G E IR A

se desenvolverem até o momento


Borboletas de apparecerem á luz.
(Dos Contos do Jardim da Infunda^) Pois bem, foi de um destes ovi­
Era uma vez uma creancinha tos abandonados que nasceu a tal
muito pequenina, tão pequenina creancinha de quem vou falando.
que lhe servia de commodo berço E que exquisita, meu Deus ! —
uma delicadissima folha de roseira. Urna cousinha molle que se arras­
Fui descobril-a, casual mente, no tava sem mostrar as patinhas sob
tal bercinho frágil que o vento ba­ 0 pequenino corpo alongado e fi­
lançava, a um canto do meu jar- no, pontilhado de manchinhas de
dinete, por um formoso dia de sol. cores.
Voces hão de estar admiradas Não tinha um nome bonito como
de uma creancinha desse tamanho, sua mãe; chamava-se — Lagarta.
não 6? mas, logo que lhe conhe­ A primeira cousa em que cui­
çam a familia acharão muito na­ dou a lagartinha foi em procurar
tural 0 seu aspecto. alimento, e não quiz ir para longe;
Ainda na vespera, a sua mamãe, a folhinha que lhe dera agasalho
que era muito minha conhecida, era tão macia e tenra! E.xperimen-
andava de visita ás minhas flores, tou roer-lhe as beiras... Oh cousa
e Sinhô, o pequenino lá de casa, saborosa! E, fura daqui, recorta
queria a todo o custo api’isional-a dacolá, foi logo um banquete.
encantado com o brilho das suas Da primeira folha passou á se­
azas coloridas. gunda, num desespero de vora­
Não adevinharam já o nome da cidade.
tal senhora? Aposto que sim. — E crescia, e crescia...
D. Borboleta! um nome bem bo­ As rosas não estavam contentes.
nito, e bem merecido, não é? Uma tarde, de minha janella bem
Mas, voltemos á historia. vi a Van-Hut que se debruçava
As taes senhoras borboletas não para a M.me. Berard a segredar-
são lá muito ajuisadas; abandonam lhe qualquer cousa; queixas, com
os seus ovitos ao acaso, em qual­ certeza.
quer planta e lá se vão, daqui para Foi então que as creanças, Sinhô
ali, muito contentes da sua vida. e Bebê, deram com ella, já cresci-
0 que vale aos pobresinhos aban­ dinha e forte, a se arrastar pelas
donados é que as plantas são cari­ folhas.
dosas c não lhes negam abrigo. Bebê não se poude furtar a um
Ali, no verde regaço das folhas arripio de susto e recuou:
têm elles agasalho e socego para — A i! ai! que bicho feio!
A M E N SA G E IR A 261

E, quasi arrastando Sinhô que, lagartinha, dentro de sua exquisita


mais curioso, tinha vontade de exa- camisola.
minal-a de perto, lá se foi atraz Que saudade da luz, do ar, do
das borboletas que esvoaçavam da­ ceo, das flores, de tudo!
qui para acolá com a sua finissi- Não poude resistir; rasgou um
ma tromba, a sugar 0 nectar das pedacito de tecido que a envolvia
flores. e espiou para fora ... como estava
A lagartinha ficou muito triste bonito!
de saber que era feia e pensou, Quiz mover-se, como antigamen­
com inveja: te e sentiu-se leve, muito leve. Ti­
— Ah, si eu fosse borboleta!... nha alguma cousa, nas costas, que
Afinal, um dia, cessou de roer a suspendia como se fosse uma
as folhas e encostando-se a uma penna. Ah, se fossem azas!
délias deixou-se ficar immovel e Desprendeu-se, anciosa, do es­
quieta como quem dorme. Sua pelle tojo em (pie dormira. Pertinho es­
foi se tornando rija e dura como tava uma gotta de orvalho; que
se estivesse morta, mas, passado bello espelho! Mirou-se... ah, co­
tempo, de repente abriu-se e, ca- mo estava transformada! Tinha
hindo, deixou descoberto um rolo- medo de sonhar, não acreditava
sinho informe que nada mais tinha no que via. Seria possivel tal
de lagarta gulosa. mudança ?
E as rosas cada vez mais admi­ Mirou-se de novo... Sim, era
radas! Sü 0 pinheirinho do cen­ verdade, tinha azas; um lindo
tro do canteiro não mostrava sur­ par de azas furta-côres de azul,
presa. dourado e purpura! Mal se lhe
Bem sabia elle 0 fim de tudo via 0 corpinho molle como 0 das
aquillo. .. borboletas sob 0 deslumbramento
Da lagartinha, nem noticias. Ali, das azas. E os olhos salientes!
na roseira todos a julgaram morta E as antennas fragilimas! Tal qual
e ninguém mais se importou com uma verdadeira borboleta.
0 tal estojosinho cinzento que 0 Que felicidade!
vento balançava. Agitou as azas, vigorosamente,
Dias passados, apparecou no ter­ ainda com medo de sonhar e par­
raço da casa visinha um canario tiu num voo de ensaio, revolute­
muito madrugador. Cantava que ando airosa, cheia de si, por entre
era um gosto! as flores — as rosas, os cravos,
Pois sabem 0 que aconteceu? O os jasmins côr de leite...
canto do canario foi despertar a Siuhü e Bebê andavam, de novo.
2 Ó2 A M E N S A G E IR A

brincando pelo jardim e bateram


palmas ao vêl-a:
0 Romance de Uma Onça
— Que linda borboleta! Era horrivelmente bella a Dou-
Ella sorriu para si mesma, mui­ radinha, a rainha das onças da
to feliz, recordando o tempo em Serra do Tinguá.
que aquellas mesmas creanças a Quando a conhecemos, tinha já
tinham chamado de «bicho feio». chegado á estação dos amores; no
E lá se foi, no seu giro, jardim emtanto conservava-se casta e pura
a fora, acariciando as rosas que a como a orgulhosa Diana. Não jul­
tinham acolhido no seu tempo de gava digno de si nenhum áo^jovevs
creança. que a requestavam; nenhum, na
Z a lix a R olim . verdade, tinha, como o seu, um
pello tão dourado e tão graciosa­
mente mesclado de grandes malhas
pretas; nenhum possuia cauda tão
basta, tão buliçosa, sempre a des­
crever caprichosas espiraes no ar;
0aminho do 5ertão nenhum tinha olhos tão brilhantes,
Tao longe a casa! Nem siquer alcanço tão grandes, tão fascinadores, a
Vel-a atravez da matta. Nos caminhos magnetisar suas victimas, que pa­
A sombra desce... E sem achar descanço
reciam morrer contentes, mesmo
Vamos nós dois, meu pobre irmão, sósinhos.
dilaceradas por duas enormes e
E’ noite já. Como em feliz remanso alvissimas presas.
Dormem as aves nos pequenos ninhos... Tinha um coração poético esta
Vamos mais devagar... de manso e manso, formosa onça: como todas as vir­
Para não assustar os passarinhos.
gens era cheia de caprichos. Não
Brilham estrellas. Todo o céu parece bebia agua sinão na linda casca-
Rezar de joelhos a chorosa prece tinha da Limeira; não devorava
Que ensina a Crença ao desespero e á dôr... sinão paccas, muito novinhas, de
pello castanho com reflexos d’ouro,
Ao longe a lua vem doirando a treva;
entremeiados de malhas lineares
Thurib’lo immenso, para Deus eleva
O incenso agreste da Jurema em flor. brancas; uma vez por outra almo­
A u t a u e So u z a . çava um travesso coelho; em seus
dias de festa ceiava uma agil cutia.
Aprazia-se em dormir á sésta
em uma cumiada de .500 metros
de altura, que separa o valle da
Limeira do de S. Pedro; quando
A M E N SA G E IR A 263

acordava, espreguiçando-se volu- a infeliz ignorava 0 Oceano, a su­


ptuosainente, lançava uin olhar para blime imagem do infinito nas in­
0 explendido panorama circular comparáveis paisagens do Supremo
que tinha diante de si. Pintor.
Percorria-o com os olhos sem­ Passava horas a procurar a de­
pre da esquerda para direita; a cifração deste enigma immense; afi­
começar pelos agudos picos da Ser­ nal irritada por esse impossivel, a
ra dos Orgams, apreciando todas as caprichosa rainha lançava um olhar
montanhas de Xictheroy até che­ de despreso para as Serras de Ita-
gar ao Ponctal de Sancta Cruz; guahy, da Caçaria e do Pirahy,
namorava longamente 0 Pão de indo repousar os olhos no grande
Assucar; não podia comprehender massiço da Pocaina. Recordava,
essa falha azul da entrada da bar­ então, sua viagem, de prazer ao
ra; fizera uma vez rapida viagem Parahyba, sua ascenção aos pin-
de phantasia ao Parahyba; suppu- caros do Itatiaya, os opiparos fes­
nha ser um enorme rio; commet- tins, que ahi fizera, de tenros no­
tia 0 mesmo erro que os desco­ vilhos, e dava um suspiro, que era
bridores portuguezes. realmente um feroz rugido. Nesse
Depois de muito scismar sobre momento a bellissima Douradinha
a colossal atalaia, deixada pelo Cre- era terrivel de ver; 0 pello eriça­
ador para assignalar sua obra-pri­ do, a cauda hirta, os grandes olhos
ma no littoral oceânico, a poética injectados de sangue, narinas arre­
Douradinha continuava a percor­ gaçadas, os rubros lábios abertos
rer com os olhos 0 magnifico pa­ deixando ver as delacerantes pre­
norama do seu Belvedere; via 0 sas, 0 ambiente electrisado com
Corcovado, as serras da Tijuca e um odor de sangue e de carnifi­
do Matheus, as montanhas de Ma- cina. Oh! Era então medonha essa
xambomba, as serras do Madureira rainha-virgem ...
e do Marapicú. Este accesso de ferocidade du­
Ahi parava de novo e entrega- rava pouco; a scismadora Doura­
va-se a profundas meditações. Es­ dinha applacava-se logo, terminan­
tendia-se grande, immensa, deante do sua excursão occular na Serra
delia a planicie de Sancta Cruz^ de S.*“ Anna, limite occidental do
depois, nas manhans claras, divi­ esplendido panorama do seu Bel­
sava um espelho azul, donde su­ vedere., e também seu passeio pre-
biam nuvens brancas e tenues veus dilecto.
de gaze. A explicação do rio iião A Douradinha era feliz? Não;
satisfazia á orgulhosa Douradinha., é impossivel ser feliz quando, se
26 4 A MENSAGEIRA

tem coração de onça. E ’ preciso, Biographos conscienciosos, deve­


é necessário, é indispensável ser mos até dizer que, um dia, em sua
bom para ser feliz. excursão ao Itatiaya, a Douradinha
Nem Fredegona, nem Brunehaut; tinha jâ entre os dentes um lindo
nem Catharina de Medieis, nem cordeirinho, e largou-o ao ouvir o
Maria Tudor; nem uma dessas rai­ grito flangente da misera mãe, que
nhas, que mereceram de seus súb­ esquecera o medo na immensidade
ditos 0 appel lido de Hyena^ nem da atroz dor de ver devorar o fi-
uma conheceu a felicidade. Ihinho.
Ha no drama Medéa^ do bello
poeta Legouvé, uma demonstração A Douradinha jamais collocou-
practica dessa these de moral. se ao alcance das espingardas dos
Quando a feroz heroina implora caçadores; em parte por prudência,
de Creusa que restitua os filhinhos, mas principalmente por faceirice.
enumera todos os dotes da gentil Lembrava-se que seu tio fôra
princeza e termina dizendo: — ferido na perna, e que ficára su-
Creusa! Tu até és innocente! pinamente ridicule e ainda mais
Sabia, por experiencia propria, quando lembrava-se de fazer-lhe a
a terrivel Medéa o que era o re­ corte.
morso do crirne, e que a innocen- Logo que ouvia tiros, corria para
cia era o primeiro elemento de fe­ os mais altos pincaros do Tinguá,
licidade. e assistia de mirante ao espectá­
Mas é necessário fazer justiça á culo da caçada.
rainha das florestas do Tinguá; não Debalde cubiçavam-lhe a doira-
devemos comparal-a nem a Medéa^ da pelle os mais bravos caçadores;
nem a Fredegona^ nem a outras chegaram a formar partidas de pro-
rainhas de tão nefanda memória. posito para matal-a, e a perder trez
A Douradinha jamais teve prazer e cinco dias no matto a fatigar
em matar; jamais allegou o elás­ inutilmente os cães. Por fim, mor­
tico pretexto de razão de Estado tos de fome e de cansaço, retira­
para cevar seus instinctos sangui­ vam-se dizendo como a raposa da
nários; jamais trucidou seus pró­ fabula — Estão verdes, ou o que
prios netos como Fredegona; nem valia 0 mesmo: «Deixemos viver
instigon carnificina como a de São a Douradinha, não faz mal a nin­
Bartholomeu, nem mesmo, como a guém, é a rainha das florestas do
rainha virgem da Inglaterra, man­ Tinguá».
dou decapitar os amantes, em um Lembrava-se saudosamente a for­
momento de ciosa raiva. mosa Douradinha da triste sorte
A MENSAGEIRA 265

de seu velho pai; tinha sempre polvo de carrasco aos hypocritas


diante dos olhos 0 misero quadro como clubin ; as phrases amorosas
de sua morte, varado por innume- que dizem as abelhas quando bei­
ros projectis de très bacamartes. jam os nectarios das flores das la-
Vinham descendo tranquillamen- rangeiras ; e os lindos romances
te a Serra de S.*^ Anna, olhando que se passam entre os sabiás, ba­
para 0 bellissimo ceo estrellado; 0 lançando voluptuosamente nos le­
velho, que tinha louco orgulho da ques das palmeiras.
belleza da filha, olhára para Sirius Era indispensável tal explicação
e disséra á Douradinha: — «E’ a para poderem os leitores bem com-
unica estrella que tem 0 brilho de prehender esta fidedigna biographia
teus olhos». da orgulhosa Douradinha.
Uma onda de orgulho inundou Vinha ella saboreando a doce
0 coração da formosa onça; men­ ambrosia da vaidade, quando 0 ve­
talmente completou 0 elogio do ve­ lho pai divisou na planicie um
lho pai dizendo: — «Tenho dois braseiro. D’ahi a pouco, seu pra­
olhos; 0 cóo Sü tem um com 0 tico olhar tinha reconhecido um
brilho dos meus». pouso de Mineiros, em viagem pa­
Não se admirem os leitores de ra 0 Rio de Janeiro.
possuirmos notas sobre as phrases Principiou a caminhar cautelo­
mais intimas da Douradinha. Nós samente; quando chegou á plani­
outros sabemos cousas que todos cie, em logar de avançar em linha
ignoram; vemos cousas invisiveis; recta sobre 0 pouso, começou a
ouvimos palavras que jamais foram descrever circumferencias, ou me­
dietas, nem mesmo balbuciadas. lhor, enorme espiral em torno do
Charles Darwin, 0 Newton do braseiro. Ainda estava na primeira
mundo organisado, ainda não pou- volta da espiral, quando os échos
de achar a evolução da palavra repetiram esses latidos especiaes
desde 0 protoplasma animal até os dos cães, amedrontados pela apro­
zoophitos; desde os zoophitos até ximação das onças.
os malacozoarios ; desde os mala- O velho pai disse á Douradinha
cozoarios até os entomozoarios, e que parasse, e continuou elle só na
desde os entomozoarios até os os- medonha evolução contra 0 pouso
teozoarios, onde está 0 vaidoso ani­ dos Mineiros. Acordados pelos la­
mal chamado homem; no emtanto, tidos dos cães, que principiaram a
ha muito tempo que nós sabemos chorar, occultando-se e envolven-
porque 0 coral edifica palacios para do-se-lhes pelas pernas, ourinando
as ondinas ; a razão de servir 0 como creanças poltronas; pelo zur-
266 A MENSAGEIRA

rar das bestas, que, amedrontadas, tre dos mestres; do archetypo dos
queriam disparar, ou ficavam hirtas philosophos; do primeiro a com­
como si atacadas de cataiepsia; os prehend er 0 Cosmos, 0 Universo
Mineiros tomaram seus bacamartes harmoniosamente ordenado; do pri­
de boca de sino e esperaram o meiro a proclamar que a unidade
atrevido assaltante. ó 0 bem moral; que a diversidade
Um diligente piau, travesso ca- é 0 mal, e que a justiça é a igual­
boclinho, que lhes servia de pa­ dade!
gem, apanhou algumas folhas sec- Ah! Quanto perdeu a humani­
cas de palmeira iri, machucou-as dade, perdendo os manuscriptos do
em forma de bola e veiu collocar- primeiro philanthropo da antigui­
se ao lado de seu amo, velho caça­ dade !
dor de onças nos sertões de Goyaz. Com certeza nessa singular onça
A um signal dado, o piau pro- expiava seus crimes alguma rainha;
jectou sobre o braseiro uma das alguma dessas mulheres fatalmente
bolas de palha de iri; fez-se um bellas, seduzindo com o duplo pres­
clarão brilhante, como se houves­ tigio da coroa e da formosura, ma­
sem accendido uma dessas tigelli- tando com os olhos antes de assas­
nhas, que servem para os signaes sinar com 0 punhal ou de mandar
maritimos á noite; o velho pai da decapitar com o ■cutello!
Douradinha estacou surpreso; trez Esta 6 a unica explicação plau-
atroadores tiros de bacamarte re- sivel da tragica morte da formosa
soaram por todos os échos do lon­ Douradinha.
go valle do rio S. Pedro; ao mes­ Foi em um plenilúnio de No­
mo tempo ouviu-se um grito hor­ vembro.
rível, simultaneamente cruciante e Era primavera nas florestas do
plangente, ultimo gemido de um Tinguá.
assassinado, supremo adeus de um O belvedere da Douradinha es­
pai á sua filha idolatrada. tava tapeçado de mimosas flores
de irideas azues, surgindo a custo
Falta-nos a coragem para narrar de longas folhas verdes e brilhan­
a morte atroz que teve a mages- tes, como se fossem fitas de setim.
tosa rainha das florestas do Tinguá. Sua cascatinha de Limeira estava
Somos obrigados a crer na me- toda ornada de rubras flores de
tempsichose para explicar a jus­ bromeliaceas e de vistosas corollas
tiça de um tal fim. de nulastomaceas. Sobre o verde
Por fatalidade faltam-nos os li­ claro da planicie brilhavam alguns
vros do sublime Pytagoras; do mes­ ipês, sem uma só folha, mas co-
A MENSAGEIRA 267

bertos de aureas flores; enormes injectados de sangue, mal podendo


ramalhetes de ouro, esquecidos pe­ ver a alguns passos de distancia.
las sylphides depois do grande bai­ Atravessou 0 rio do S. Pedro no
le do luar. Callado, onde suas crystallinas agnas
A Douradinha acordou mal; com cavaram um tunnel, pelo qual elle
febre. passa mysteriosamente em silencio.
Aspirou, a longos tragos, 0 ar A noite encontrou-a muito alêm
embalsamado pelas numerosas flo­ da Serra de S.‘^ Anna. Morta de
res da montanha, e sentiu-se peior. cansaço principiou a voltar para
Olhou para 0 sublime panorama, procurar repouso no seu leito, jun-
que se estendia a seus pés, e sua cto a cascatinha de Limeira.
infinita belleza irritou-a. Vinha então a lua nascendo por
Ergueu-se de um salto de seu traz das gigantescas montanhas, que
molle leito, acolchoado com folhas limitam a bacia oriental do rio de
da bella palmeira oricana, e diri­ S. Pedro; 0 espectáculo era tão ma­
giu-se para a cascatinha suppondo ravilhosamente bello, que fez parar
ter sêde. Ahi não bebeu; sorveu a Douradinha para contemplal-o.
a agua mordendo-a com frenesi. Dir-se-hia que sobre a linha das
Ah! pobresinha! láêde de amor não cumiadas tinha um artista gigan­
se sacia com agua. Atirou-se den­ tesco estendido soberba renda ver­
tro do lagosinho que precede á de sobre alvissimo setira; 0 ceu
primeira quéda e mergulhou trez perdera a cor azul escura e em-
vezes! Debalde! Fogo de amor pallidecera como em um extasi de
não sè apaga com agua! amor; aqui e alli algumas nuvens
Sahiu ainda mais febril do ba­ recebiam directamente a luz da lua,
nho; pousou um momonto sobre a e simulavam estatuas e vasos co-
negra rocha; 0 sol nascente en­ lossaes de prata de bai xela celeste;
volveu-lhe 0 corpo em aureo man­ 0 melancholico astro da noite apre­
to, e deu bello reflexo de prata á sentava-se eni seu máximo explen-
esplendida cascata: assim a formo­ dor, sobre a copa de um magesto-
sa onça parecia uma esphynge de so ipê, como sobre um throno de
ouro sobre um throno de crystal. velludo verde.
Foi essa a apothéose da Doura­ Corria brisa ligeira e suave, que
dinha. mal podia agitar os leques destas
Vagou todo 0 dia sem comer, lindas palmeirinhas, tão pratica­
arquejando, com os membros las­ mente bem classificadas no genero
sos, tropeçando a cada momento, Euterpe; parecia que só tinha por
ardendo em febre, com os. olhos fim distribuir, por todos os seres
268 A M EN SAGEIRA

vivos, desde as mais tenras plan- que celebravam suas núpcias ba-
tinhas em flor, até os mais ferozes nhando-se nessas purissimas aguas,
animaes, os efluvios de volúpia, que ora prateadas pela lua.
a lua estava derramando tão pro­ A felicidade desses dois entes
fusamente. deu-lhe raiva; precipitou-se, de um
— Qual foi 0 estulto astrologo só bóte, sobre o amante, que dis­
que consagrou a lua á casta Diana?! parou vertiginosamente, galgando
— Que grosseiro erro ! aos saltos as montanhas da mar­
A lua é Yenus-Aphrodite ; 6 a gem esquerda de S. Pedro; a Doii-
excitante de todos os amores; é a radinha^ agarrada á sua victima
confidente de todos os amantes; as­ pela quintupla tenaz dos dentes e
siste, voluptuosamente reclinada em das unhas, repetiu a fatal carreira
coxins de setim branco, a scenas, de Maxeppa, aggravada pelos es­
que envergonhariam ao fulgurante pinhos das arvores da floresta! Por
Apollo. fim a anta enveredou por espessa
Si a Douradinha escrevesse diá­ matta de gigantescos taquarussús;
rio, como as heroinas de Octave por pouco um dos agudos reben­
Feuillet, teria deixado testemunho tos da colossal graminea penetra
irrefutável do mal que nessa noite nos formosos olhos da Douradinha.
lhe fez a lubrica lua. A faceira onça abandonou a presa
Ah ! coitadinha ! Esse maravi­ saltando sobre o galho de um gi­
lhoso espectáculo causou-lhe uma gantesco tapinhoam.
dôr funda! Deu um suspiro; um Estava morta de fome e de can­
verdadeiro suspiro de amor! Ne­ saço.
nhum de seus adoradores o poude Começava a descançar quando
escutar; vagavam muito longe, pe­ percebeu um som surdo e longin-
las margens do Parahyba, no goso quo; sentiu a terra tremer e vi­
de amores mais fáceis. brar 0 grosso tronco de tapinhoam;
Baixou tristemente os olhos... dahi a pouco ouviu estalar as fo­
Yiu então, na branca fita de prata, lhas dos taquarussús; um cheiro
que as aguas do rio de S. Pedro acre e nauseabundo irritou-lhe as
desenhavam sobre o verde-negro narinas; reconheceu a approxima-
prado alguma cousa de estranho. ção de uma vara de porcos-quei-
As aguas, de vez em quando, xadas.
repuchavam em pérolas; outras ve­ Elles chegaram e rodeiaram o
zes turbilhonavam como agitadas tronco do tapinhoam, negros, sujos,
por vigorosos nadadores. Appro- feios, medonhos; eram em numero
ximou-se e reconheceu duas antas. de cem. A Douradinha compre-
A M E N SA G E IR A 269

hendeii logo que, fraca e extenua­ Alguns minutos depois estava


da, ia travar supremo combate com tudo terminado ; a vara de quei­
seus mais ferozes inimigos. Olhou xadas pôz-se a caminho para beber
em torno de si; ao lado de tapi- agua no rio S. Pedro ; iam graves,
nhoam erguia-se um magestoso ce­ serenos, ensanguentados, hediondos,
dro; seus ramos entrecruzavam-se como inquisidores dopois do um
em fraternal abraço; innumeros ci­ auto de fé.
pós, indo e vindo de um para ou­ Sobre 0 chão ficaram apenas al­
tro, pareciam formar sol idos laços guns pellos amarellos e pretos; a
dessa fraternidade florestal. poncta da basta cauda; e uma bola
Tentou saltar do tapinhoam para ensanguentada, donde surgiram duas
0 cedro; pela primeira vez falta­ alvíssimas presas; entre ellas res­
ram-lhe os musculos. A misera fi­ tavam trez lindas flores de bigno-
cou suspensa, enlaçada por um ci­ nea rajadas de sangue vivo ...
pó de bigonea, carregado de aureas Era 0 craneo da rainha das fio
flores. restas do Tinguá!
Os hediondos porcos-queixadas A ndré R i:« ouças.
approximaram-se; a Donradinha fD o Novo Mundo.)
sentiu-se perdida; faceira, até nes­
se momento supremo, tomou na
boca um ramo de flores, como ou-
H Luiz Guimarães
tr’ora as próprias victimas se ador­
Já não vives! Calou-se a voz da lyra
navam para os cruentos sacrifícios.
Tão bella e pura como a divindade!
A cada movimento da Boura- Genio, que foi?... — Como um pharol que
dinha 0 cipó escorregava, augmen- expira,
tando a catenaria, e approximando Não brilhas mais! Tristissima verdade!
a misera de seus algozes.
Tu’alma pelos ceus cor de saphyra
Ouviu-se então um grunhido hor- Voa n’aza de luz da Liberdade;
rivel, sahido de cem bocas, seden­ Porém minh’alma que a sorrir te ouvira
tas de sangue e de vingança... Fica na treva cheia de saudade!
Espadana rubro sangue; os quei­ Na flor, no bosque, no raiar d’aurora.
xadas precipitam-se uns sobre os Fluctua a sombra da melancolia,
outros entremordendo-se no cego Como uma nuvem lugubre e funesta!
furor de acabar com a sua presa;
O sol se apaga ... a natureza chora
cahem alguns, victimas de sua pró­ Triste e sentida, como a viste um dia
pria voracidade; era pequena a pre­ Chorando pela Virgem da Floresta!
sa para a immensa gula desses AUREA P ires .
atrozes carrascos. 5_6_1898.
270 A M ENSAGEIRA

selva
A ' Ocorgina Teixeira

Estou sentada á sombra da floresta,


Vendo a verdura e vendo o firmamento!
Sinto o favonio me osculando a testa,
Sinto minh’alma recobrando alento!

Aqui, no seio agreste da uatura,


Canto, suspiro, choro em liberdade!
Pronuncio o teu nome com doçura,
Como que alliviando esta saudade . . .

As borboletas brancas que me cercam


Não sabem rir do meu sonhar profundo.
— Doiradas crenças, oh! que não vos percam
Nem vos matem as turbações do mundo!

Vinde commigo, 6 almas lacrimosas


Dos poetas, dos bons, dos sonhadores.
Vinde cantar nas veigas silenciosas
A musica ideal de vossas dores!
P r e s c il ia n a D u a r t e d e A l m e id a .

2)e um livro de viagens Jequitinhonha poetisa com as aguas


encantadas e ricas. . . Serpejando
(Excerptos)
a encosta do Morro da Forca^ du­
XX ramente chagado pelos golpes do
Eil-a, afinal, essa Villa Rica glo­ alvião da industria e pela força roe­
riosa e triste, filha dos bandeirantes dora das chuvas, vejo o Funil^ ri­
e bem amada dos poetas da Incon­ beirão em cujas margens primeiro
fidência! lá, ao nascente, vomita o pisou Miguel Garcia de Sabará, ha
fumo da nevoa empennachada em dous séculos; ali, nas aguas que
rolos escuros, o cabeço negro do tantos mysteriös de outras eras nos
Itacolipny: és a balisa gigante des­ poderiam contar, se reflectem hoje
tas cercanias, ó Itamonte de Clau­ os edifícios pesados da estação do
dio, como 0 magestoso Itambé foi caminho de ferro e de hora para
sempre o farol do sertanista, lá para hora sobre a corrente placida do
as bandas do diamantino solo, que o ribeirão passa veloz a sombra enor-
A M E N SA G E IR A 271

me do comboio em marcha. Vejo Tu és o lyrio que perfuma a veiga,


bem teus bairros e sitios agrestes, a luz mimosa do sorrir d’aurora;
6 doce imagem que o universo adora,
tuas penedias e templos brancos,
balsamo santo ás amarguras d’alma.
teus palacios coloniaes e soturnas
ruas de povoação antiga: á esquer­ Tu és a c’rôa de virginea palma,
da, abaixo do Alto da Crux e da tu és o aroma que embalsama o altar,
egreja de Santa Ephigenia — a o riso meigo que nos prende ao lar,
celeste bençam que o praser derrama!
Santa querida de teu povo — es­
tá a pequena capella do arrabalde Tu és 0 estro que a minh’alma inflamma
dc Padre Faria ^ em que João de quando a tu’alma em cada flôr diviza,
Faria Fialho, sacerdote paulista, no quando te escuto no gemer da brisa
e o olhar te vejo no fulgir da estrella.
lazer das explorações do ouro, vi­
nha celebrar deante do povo crente Oh, desce, desce carinhosa, bella,
e forte das bandeiras. vem da saudade acalentar-me os ais;
Salve! glorioSa terra de Ouro Pre­ quero beijar-te em cada flôr singela
to, heroina da liberdade patria... já que na terra não existes mais!
D e lm in d a S il v e ir a .
N elson de S en n a ( P e l a v o S err an o ).
Capital de S.ta Catharina.

^(otas pequenas
Mãe Rua do Ouvidor. — Continúa a
{Homenagem á memória de minha que- apparecer com regularidade, este
riáa e boa màe.) interessante semanario, que vai fa­
Canto primeiro que modula o infante, zendo jús á sympathia do publico
nota sublime de bendita esp’rança, em geral. O n.° 5 abre com 0 re­
suspiro meigo de pombinha mansa, trato do grande pianista e applau-
lago sereno a retratar o ceu: dido compositor Arthur Napoleão;
0 n.° 4 estampa 0 retrato do co­
— mãe ! — quando a tarde desdobrando o véu
vae sobre a terra derramando encantos,
nhecido jornalista D.'' José Carlos
na doce hora dos enlevos santos Rodrigues e 0 n.° 3 vem ornado
quando entre aromas a florinha cresce, com 0 retrato da talentosa escri-
ptora Maria Clara da Cunha Santos.
lá do Infinito brandamente desce
A Mensageira, que tem tido em
grata saudade ao coração magoado,
e a tua imagem vem do ceu doirado
Maria Clara a sua maior auxiliar,
si já na terra não existes meiga! já pela sua original e bella colla-
2 72 A M E N S A G E IR A

boração, feita com a mais capti­ roceu da imprensa os mais justos


vante assiduidade, já pelos gran­ applausos, e do publico a mais sin­
des esforços que emprega constan­ cera acceitação, pois que se acha
temente para angariar-lhe novos esgotada a sua primeira edição.
assignantes, pede permissão á Rua Tem sido collaboradora de di­
do Ouvidor para transcrever os con­ versos jornaes d’esta capital, d’en­
ceitos com que acompanhou o re­ tre os quaes podemos destacar a
trato da distincta brazileira e o faz Oaxetn de Noticias, O Raiz, Se­
com 0 mais vivo contentamento. mana, Tribuna Liberal, Correio da
Eil-os: Tarde, Jornal do Brazil, A F a-
I). M a r ia C oara da C unha S an tos . milia, etc.
Actualmente é collaboradora da
E’ com 0 maior desvanecimento
Mensageira, excellente revista Irt-
que honramos esta pagina com o
teraria, que se publica em 8. Paulo,
retrato da Exma. Sra. D Maria
sob a direcção de D. Presciliana
Clara da Cunha Santos.
Duarte de Almeida, onde escreve
Esposa dedicada do illustre en­ «Cartas do R io», e também colla­
genheiro e henemerito hatalhador bora n’esta modesta folha, que se
abolicionista, D.*' José Américo dos honra em publicar hoje um bello
Santos, é filha do conceituado ma­ soneto e um magnifico conto da
gistrado que, actual mente em Al- lavra da distincta senhora, verda­
fenas. Estado de Minas Ceraes, oc­ deiros mimos artisticos, que offere-
cupa, com muito critério, o logar cemos aos nossos leitores e leitoras.
de juiz de direito, tendo sido au- D. Maria Clara se dedica tam­
dictor de guerra do 3 .° corpo do bém á musica e á pintura, apaixo-
e.xercito durante a gloriosa cam­ nadamente.
panha do Paraguay. Tem uma bella voz, bem afinada
D. Maria Clara, senão bastassem e melodiosa, e é violinista que sa­
os sentimentos de virtude que mui­ be manejar o arco com elegancia
to a 1’ecommendam, seria apreciada e firmeza.
ainda pela sua intelligencia escla­ Já concorreu com très quadros
recida e pelo cultivo de seu espirito. á exposição de pintura, na Escola
O livro de versos que publicou, Nacional de Bellas Artes, d’esta ca­
de collaboração com t). Presciliana pital, merecendo os seus trabalhos
Duíirte, nome assáz conhecido no elogios de pessoas competentes e
mundo das lettras, e que teve por de toda a nossa imprensa.
titulo — Pjjrilampos c Rumorejos^
prefaciado por Adelina Vieira, me- ------—
São Paulo 30 de Junho de 1898 Anno I, N. 18

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direatcra — Presciliana Duarte de Almeida

Publica-se nos dias 15 e 30 de cada mex.

Pagam ento Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m ero avulso


a d ia n ta d o Endereço : R ja dos Estudantes N. 23 ! t ís . 1 $ 0 0 0

Summario; — O ultimo discurso, Julia — Os meus oculos!


Lopes de A lm eida; — Contos e Phan-
Postos os oculos. e.vclamou ra­
tasias, critica literaria, Alberto Souza; —
Velando, soneto, Georgina Teixeira; — diante :
Carta do R io; Maria Clara; — Natal, so­ — E’ do Instituto! E apalpa­
neto, Auta de Souza; — Saudade antiga,
Amadeu de Queiroz; — Selecção; —
va 0 papel grosso, cnde o distico
Xotas pequenas; — A mulher no Celeste d’aquella corporação apparecia em
Império. lettrinhas negras.
A neta. em pé ao lado da cama,
0 ultimo 2)iscurso observava-lhe com espanto a mu­
Dr. Paula Guedes, muito velhi­ dança da pln'sionomia. As palpe­
nho, sumido entre os almofadòes do bras . até então fechadas numa
seu grande leito de peroba, com somnolencia que parecia o ensaio
os pés aquecidos por uma botija para o grande somno, levantaVam-
de agua quente, a camisola de se agora, deixando que das pupil-
flanella bem abotoada no pescoço las ha pouco amortecidas, sahissem
delgado e riigoso como um galhi- novos lampejos, como mosquinhas
nho secco; as mãos mirradas so­ de ouro bailando tontas no ar.
bre a colcha de lã, a fronte já to­ — Hum ... hum! é do Insti­
cada de uns tons da amarellidão tuto ... ainda não me esqueceram ...
cadaverica, os lábios murchos sob hum ... sempre faço alguma falta
0 musgo branco do bigode quei­ ... hum !
mado, as palpebras descabidas, mal E todo 0 corpo do doente se
ouviu a neta dizer-lhe que havia movia sob a grande colcha fel­
alli um officio dirigido a elle, sen­ puda, onde não faria menos volume
tiu logo um calorsinho entrar-lhe 0 esqueleto de um menino de dez
na alma fria. annos.
— Ainda não o tinham esque­ A neta offereceu-sc para a leitura.
cido ! ... E, com um fio de voz Xão! depois! espera ... corre
fragilissimo, reclamou logo: a cortina ... a luz é má.
2 74 A M E N SA G E IR A

— Assim ? republica, aquelle ninho de intel-


— Assim. ligencias perfeitamente dirigidas,
A leitura começada foi logo in­ de ministros, conselheiros, inare-
terrompida. chaes, diistoriadores, e grandes ho­
— Hum! hum! abre a janella! mens de lettras, precisava delle, do
— Yovô, vamos ter chuva; ha apoio da sua voz, do fulgor da sua
tanta humidade que nem parece illustração? Que honra, que doce
uma manhã de verão. consolo aquelle que lhe ia bater á
— Xão faz mal; abre a janella. porta nas ultimas horas da sua vi­
— Mas . .. vovô! da, exactamente quando elle cur­
O dr. Paula Guedes, que toma­ tia a amargura de pensar que ti­
ra na vespera os sacramentos, co­ nham ha muito posto sobre o seu
mo bom catholico-apostolico-ro­ nome uma pedra ainda mais pe­
mano, todo purificado pela absol­ sada do que a outi’a que botariam
vição, rompendo a inércia dos seus em breve sobre o seu corpo!
oitenta e tres annos e d’ aquella Confuso, alvoroçado, releu o offi­
doença que o fazia tiritar de frio cio, passou-o á neta, ouviu-o 1er
em pleno Fevereiro, gritou em um de novo; mandou chamar a fami-
falsete irado: lia inteira, communicou-lhe o suc-
— Abre a janella! cesso, com ar rejuvenescido, con­
A janella abriu-se. Gottas d’agua tente.
cahiam da ramaria perto; para Elle faria por acceder ao con­
alem nada se via: tudo era branco. vite!
— Aqui na Tijuca estes nevo­ Oppuzeram-se todos. Seria a
eiros de verão prognosticam dias sua ruina; que dormisse descan­
formosos, disse o doutor com um çado, sem atormentar a imagina­
sorriso, desdobrando o officio. Era ção.
um convite. Pediam-lhe que fosse Que se lembrasse dos conselhos
elle 0 orador na grande solemni- do medico . . . e que mais isto e
dade que o Instituto realisaria que mais aquillo ...
d’ahi a um mez em homenagem Paliassem pr’alli! Elle já nada
ao tricentenário de Anchieta. ouvia. Escorregou nos seus tra­
Então é que o enxame de mes­ vesseiros, fincou 0 olhar na cupula
quinhas de ouro torvelinhou doi- do cortinado, e, nem mais pa­
dejante. Meu Deus! o Instituto, lavra.
0 centro das grandes capacidades Fecharam a janella, aconchega­
do paiz, dos nomes mais respeita­ ram-lhe ao corpo mirrado as do­
dos e queridos do império e da bras da colcha, cerraram o corti-
A m e n sa g e tr a
275

nado e — Chut — sahiram em O orador começava a achar in­


bicos de pés. tolerável a demora no leito 1
Xo seu grande leito, 0 Dr. Paula Xeiu-lhe a saudade das suas es­
Guedes, muito branquinho e enge­ tantes, do conforto da sua biblio­
lhado, de mãos postas, tal e qual theca, da commodidade da larga
como na vespera, quando a Visita secretaria, tão affeita ao peso do
de Deus entrara no seu quarto, seu braço amigo.
via desfilar. 0 cortejo extraordiná­ Já não sentia frio, já não lhe
rio de grandes vultos da historia. doiam os membros lassos, quasi
Galeras a todo 0 panno singravam inertes; aquelle convite do Insti­
as ondas aniladas com rumo ás tuto fôra a providencia: trouxera-
terras formosas em que soavam a lhe um pouco de mocidade; era
lingua dos Tupys e a lingua dos uma resurreição !
Guaranys. Oh ! 0 Instituto não se esque­
E 0 espirito do velho D.*' Guedes, cera ... estava tranquillo: deixava
lá se remontou a 1 5 5 3 , sorrindo ao um nome, faria falta!
vulto pallido e severo do moço jc- Trouxeram-lhe leite; bebeu-o de
suita Anchieta, acompanhando-o um trago e reclamou papel e lapis.
pelas selvas e as montanhas in­ Houve rumor em casa. Consul­
cultas, vendo-0 escrever os seus taram-se uns aos outros. Dariam
versículos sacros e arrebanhar cre- 0 lapis? Dariam 0 papel? Uns
anças para as procissões. diziam que sim, outros que não;
Começou então a pensar na cons- 0 entretanto elle, murcho e dcbil
trucção do seu discurso. Dividil- no meio dos seus almofadões, co­
o-i? em grandes périodes, com to­ ordenava as suas memórias histó­
da a sua minúcia e caturrice aca­ ricas, organisando uma obra digna
démica ; deveria ser uma peça subs­ do assumpto, com um pouco de
tanciosa, por vezes anecdotica, mas phantasia que lhe adoçasse a so-
sempre elevada. O seu maior em­ biledade dos dizeres clássicos, em
penho era 0 de fazer este discurso portuguez bem litterario e castiço,
mais brilhante que todos os outros como se presava de 0 escrever.
que tinha deixado atraz de si, es­ Trouxeram-lhe afinal 0 papel e
palhados pelas revistas, pelas salas 0 lapis, e a pouco e pouco foi-se
e pelos archivos. A palavra en­ 0 leito juncando de livros, archi­
tontecia-o, arrastava-lhe 0 pensa­ vos, glossários, volumes de historia.
mento no seu velludo macio, onde O D."" Paula Guedes já não ca­
as ideias brilhavam com um fulgor recia da botija de agua a ferver,
de raio. para os pés; um calor confortativo.
276 A M E N S A G E IR A

de vida, alastrava-se por todo elle, tro do panno preto; e dentro do


em uma febre doce, que punha collarinho engommado 0 seu pes-
cada vez mais acceso 0 enxame de cocinho fino mal parecia dever sus­
mosquinhas de ouro dos seus olhos tentar-lhe a cabeça branca, rechea­
encovados. — Cada louco tem a da de ideias e de imagens gordas.
sua mania; resmungava a familia Abriu-se 0 salão da frente, ac-
descontente, com medo d’aquelle cenderam todas as arandelas, e os
trabalho penoso para um corpo sem filhos e netos sentaram-se dissemi­
sangue, prestes a cahir! Entretan­ nados, como se com a dispersão
to 0 discurso ia indo, caudaloso, parecesse augmentado 0 auditorio.
nos moldes velhos a que 0 orador D.'' Guedes entrou, com passo
se acostumara e que considei’ava, firme á força de energia, sorriu,
como bom rhetorico, os únicos ca­ fez a mesura do estylo: — «Mi­
pazes de bem levantar as almas. nhas senhoras! — meus senhores!»
E 0 milagre fez-se. O velhinho e, folheando os seus manuscriptos,
parecia ter adiado a morte e le­ começou a fallar em voz fraca, es­
vantou-se oito dias antes da gran­ palmando no ar a mão direita em-
de solemnidade, com 0 seu discur­ quanto a esquerda carregava as
so architectado, e as mãos cheias vinte e seis tiras de papel almaço.
de notas que elle coordenou na O seu primeiro discurso não 0
grande secretaria da sua bibliotheca. commovera tanto. E’ que elle agora
Tudo concluido, recommendou ás julgava-se esquecido, perdido da
filhas que lhe preparassem 0 terno memória dos seus contemporâneos
da casaca, e as luvas, e a gravata e d’aquellas gerações que tinham
branca, mais as suas commendas, succedido á sua, com menos brio
que elle, grande respeitador das e peiores armas. Agora estava con­
velhas instituições, usava sempre tente, 0 Instituto lembrara-se, e 0
nas funcções solemnes. Na doce Instituto valia tudo !
febre do seu espirito todo voltado Com as condecorações reluzindo-
para 0 ideal e para a historia, 0 lhe no peito magro e fundo, 0
velho !).'■ Guedes rejuvenescia, co­ D.'' Guedes procurava dar gravi­
mo se mão mysteriosa 0 ajudasse, dade ao gesto e sonoridade á voz;
invisivelmente, a caminhar na vida. mas os oculos descahiam-lhe, a vis­
Dias antes da solemnidade qiiiz ta faltava-lhe, e a palavra perdia-
ensaiar-se e experimentar 0 seu se em um som rouco e debil. Elle
fato, ha tanto tempo guardado no mal percebia tudo isso, approx-i-
fundo escuro do armario. E pre­ mava-se da luz, sustinha com os
parou-se; 0 corpo nadava-lhe den­ dedos trêmulos 0 aro de ouro dos
A M E N SA G E IR A 277

oculos... E as filhas choravam, sos a nos enganar a nosso respeito,


constrangidas, muito caladas. 011- e que as opiniões de nossos ami­
gulindo as lagrimas. gos devem-nos ser suspeitas quan­
Quasi no fim, em um dos seus do nos são favoráveis».
melhores périodes, em que idéias A essa consideração, a que cha­
e palavras desabavam com um fra­ mei judiciosa, poder-se-ia oppôr.
gor de catadupa. ao esboçar um não obstante, uma objecção pon­
gesto, 0 D."" Paula Guedes estacou, derosa. embora modesta. E’ que
abriu os dedos e deixou voar pai'a si nossos talentos 0 nossas virtudes
0 chão as tiras do seu discurso. não forem um dia gabados e enal­
Acudii’am todos; i’eceberam-no nos tecidos pela voz sympathica dos
braços, deitaram-no no seu grande nossos proprios amigos, com cer­
leito de peroba, e, quando olharam teza que jámais 0 sei’ão pelo ran­
de perto para 0 seu rostinho livi­ cor e despeito dos adversários, ou
de, viram que das suas pupilas pela indiíferença daquelles que nos
fundas, a ultima mosquinha de oiro são alheios.
tinha partido, como a ultima abe­ A suspeição da amizade é mais
lha do seio de uma floi‘ murcha. nobre do que a suspeição da an-
Então, a mais calma das filhas tipathia, porque aquella proclama
reuniu as tiras esparsas do ultimo Icalmente as boas qualidades que
discurso do pae, dobrou-as e met- um homem nunca deixa de possuir,
teu-as carinhosamente no bolso da ao passo que esta apenas assoalha
casaca, tal qual como se elle, em com perfídia os delíeitos, amorte­
vez de ter de ir para 0 cemiterio, cendo, escurecendo as virtudes.
tivesse de ir para 0 Instituto ! E’ porisso (pie não sinto cons­
JuLiA L opes d e A i .m e i d a .
trangimento algum em confiar a
estas paginas publicas, 0 conjuncto
de minhas duradoiras impressões a
respeito da personalidade interes­
sante e do primeiro livro de José
Vicente Sobrinho.
0ontos e phantasias A este joven escriptor me pren­
üm dos mais profundos pensa­ dem laços antigos de sympathia
dores do século XVII, 0 egregio pessoal reciproca, e affectuosas re­
fundador da philosophia objectiva, cordações de uma camamdagem li­
0 eminente Descartes dizia judicio- terária que se iniciava justamente
samente, em seu Discours sur la no momento em que elle, suges­
méthode, que «nós somos propen- tionado por minhas insistentes ani-
278 A M E N S A G E IR A

mações, entrava no bulício da pu­ las complicadas, — e transpuz affoi-


blicidade, emquanto que eu, gra- to 0 limiar sombrio, depois de ha
vemente imbuido do sentimento da ver quebrado á passagem algumas
decadência universal, buscava, nos sebes espinhosas que difficultavam
grotões desertos e selvagens da a retirada.
pliilosophia regeneradora,. um re­ Uma das surpresas mais delei­
fugio moral contra os assaltos da tosas que me aguardaram no meu
anarchia contemporânea. A hi fiz regresso á eterna patria do ideal
longa penitencia em muitos annos e da poesia, — foi, sem duvida
de expiação magistral, ahi derra­ alguma, 0 bello volume com que
mei prantos amargos sobre as des­ José Vicente acabava de apparecer.
graças humanas, ahi paguei sobeja­ Poeta emerito, e poeta parnasiano
mente todas as culpas de meu he­ de tempera inflexível, elle não sa­
diondo passado. crifica os esplendidos effeitos de
Como, porém, nesses grotões aba­ sua prosa phantasista ás necessi­
fadiços e profundos, 0 ar nunca se dades fundamentaes da concepção,
renova e a escuridão não se dilúe, ás exigências positivas da realida­
notei, certo dia, que a saudade ac- de. A ’ semelhança do paciente ar­
cordava-me nalma penitente reba­ tista chinez que repinta, na tran­
tes alvoroçados, anceios impetuo­ sparência leitosa das porcelanas an­
sos, desejos irrequietos, uma nos­ tigas, delicadas miniaturas cheias
talgia vehemente pelos horisontes de coloridos imprevistos, José Vi­
dilatados que cu já vira, pela bri- cente deixa que seu estylo passeie
za errante, pelos- campos livres, pe­ triumphalmente em liberdade fran­
las aves soltas, pelos aromas es­ ca. irradiando e faiscando, ora so­
parsos ... bre as paizagens exóticas, os on­
E por manhã suave e luminosa, dulantes arrosaes do império do sol;
que 0 passarêdo jovial me annun- ora sobre as varzeas nataes esmal­
ciava nos seus papeios crystalinos, tadas pela florescência das prima­
eu me despojei freneticamente de veras paulistas. A phantasia do
todas as insignias; despedacei 0 poeta não conhece barreiras; tran­
burel andrajoso; intrometti 0 en- spõe mares, galga montanhas, adap­
cebado breviário pelo reconcavo ta-se a todos os meios e diffunde-
mais obscuro do grotão; repassei se por todas as civilisações. Tanto
olhares de piedade sobre os pálidos conversa com os rudes pescadores
eremitas que ainda por ali ficavam, das nossas costas niaritimas, como
a persignar-se mysteriosamente no se familiarisa com a patuléia alga-
alto da cabeça, balbuciando fórmu­ zarrenta dos bairros operários de
A M E N SA G E IR A 279

Pekim; tanto acaricia 0 rosado quei- futuros artisticamente acabados —


xosinho de uma patricia esbelta, co­ considerando em plano secundário
mo repuxa comicamente 0 delgado 0 pomposo estylista das Cartas a
rabicho de um mandarim opiado ... ivDiha irmã, onde a sua phanta-
O que ella quer é um pretexto sia, sedenta de ideal, esvoejoii sem
para viajar espiritualmente, um le­ norte pelo azul polido do céo ja-
ve thema que lhe permitta digres­ pouez, ou desgarou, como junco
sões e devaneios, que obrigue 0 es- tremente, sobre a onda amarella
tylo a desenhar silhouettes^ a bu­ do mar da China.
rilar arabescos, a sarapintar chiue- O talento não consiste apenas
zerias, a tecer e entretecer lavores. na expressão elegante e facil, pois
Com tal expontaneidade e brilho que isso dependeria sómente de
de linguagem era para desejar que praticar a lingua com perseverança,
José Vicente fosse menos parna­ sui-prehendendo-a nos seus effeitos
siano, menos exclusivista da forma, imponentes de luz, de som e de
e se compenetrasse melhor do pa­ perfumes. O verdadeiro talento é
pel fundamental do sentimento e aquelle que effectivamente observa,
das idéias em toda e qualquer obra comtempla, medita, abstráe. assi­
d’arte. Si em vez de se desterrar, mila, — e por fim exprime, com
como os fundadores da escola par­ expontaneidade, fulgor e eloquên­
nasiana franceza, para os confins cia, os resultados dessa elaboração
do Oriente maravilhoso, á cata de inicial indispensável.
assumptos bizarros e de originali­ A expressão magnifica é uma
dades extravagantes, descrevendo, face brilhante do talento, é um
atravez de imperfeitas narrativas subsidio, um elemento seguro para
alheias, mundos e costumes que 0 exito. mas não é 0 talento com­
nunca viu, 0 artista applicasse 0 pleto, tomado no seu conjuncto
talento viril na observação cuida­ indivisível, apreciado na sua gran­
dosa dos typos e da civilisação da diosa unidade.
nossa terra, com certeza que 0 seu Quem estréia como José Vi­
formoso livro de estréia teria sido cente estrelou, está no dever de
uma obra mais completa e valiosa contribuir cora livros successivos
sob todos os pontos de vista. para 0 enriquecimento do. patrimô­
E ’ porisso que eu prefiro sau­ nio das letras nacionaes, cultivando
dar principalniente 0 naturalista cora especialidade 0 conto e 0 ro­
que compoz os contos que consti­ mance, generös literários estes que
tuem a primeira parte do volume lhe permittirão cantar, atravez da
— esboços promissores de quadros cadencia do seu estylo, os episo-
28o A MENSAGEIRA

dios tocantes da nossa vida de povo


que já tem tradições, lingua pro­
0arta do "Rio
pria, feições caracteristicas, emfim Tiveram um brilho excepcional
todas as modalidades peculiares a as festas commemorativas da glo­
uma raça liomogenea que se des­ riosa data — n de Junho, que
envolve. lembra a victoria do Riachuelo e
A Mensageira agradece, por meu 0 denodo e a coragem dos brazi-
humilde intermédio, a José Vicente leiros quando, ha 3 2 annos, sou­
Sobrinho a gentil oíTerta que lhe beram, desaffrontando nossa patria,
fez de um exemplar dos Contos e alevantar bem alto nossos créditos
jyhantasias. de nobreza e de heroismo e anni-
A lbkrto S ouza. quilar nossos inimigos — os para-
guayos — fazendo-os perder sua
esquadra e suas esperanças! De­
vemos todos estar alegres com esse
festejo patriota. A marinha de
outr’ora foi saudada pela marinha
Velando de hoje, tal qual um filho estre­
mecido saúda seu velho páe no
Abro as janellas alta noite; fóra,
Oiço o rumor do vento que murmura
dia de seu natalicio. 0 enthusi-
Entre as folhas das arvores, escura, asmo febril do povo, a alegria com-
Inescrutável noite que apavora ! municativa e sã dos officiaes su­
periores, as sacadas repletas de for­
Nem outro som se escuta, aterradora
mosas damas que jogavam flores
Paira a mudez em tudo o mais, na altura
Nenhuma estrella timida fulgura . . .
aos victoriosos marinheiros e o
— E o meu olhar ousado se demora bello dia de sol primaveril con­
correram para que as festas em
O negro céo infindo interrogando ; honra da mais gloriosa batalha na­
E o vento vai crescendo, despencando
val da America do Sul tivessem
Folhas e troncos, galhos na passagem,
um explendor digno de applauses!
E quanto mais augmenta a ventania
E cresse a escuridão, profunda e fria.
Mais eu me sinto cheia de coragem ! Eram cinco horas da tarde.
G e o r g in a T e i x e ir a . Voltavamos de Icarahy, onde ha-
viamos passado muitas horas ale­
gres a contemplar a belleza d’a-
quella formosa praia. A barca des-
lisava suavemente. 0 mar estava
A M E N SA G E IR A 281

calmo e límpido. ISTem um lufar dado sacrifício! Dabi a pouco, já


de ventos. O sol doirava os altos sem vida, os dois coi’pos foram
montes e fugia para 0 occaso, len­ transportados para ten-a. Amigas
tamente ... E alêm. no liorisonte. na vida e companheiras na morte!
uma sombra azulada apparecia, de
leve, derramando por sobre as aguas
tão calmas, deliciosa poesia. Dois brazileiros distinctos vie­
Ao contemplar este quadro sug- ram, esta semana, em demanda da
gestivo, deixando-me prender pelos patria querida. Um veio morto,
encantos da natureza, bem longe para nesta terra, que tanto amou,
estava de suppor que d’alii a al­ dormir 0 derradeiro somno. André
gumas horas esse mesmo mar, ira­ Rebouças não podia repousar em
cundo e fuiãoso, engoliria duas vi­ solo extranho ! Os brazileiros rc-
das preciosas, arrebatando brutal- chunaram os restos mortaes do sin­
meiite, duas jovens, cheias de sorri­ cero abolicionista, (pio tanto ele­
sos, cheias de esperança! Foi em vou sua patria.
Copacabana que se deu 0 trágico Ultima homenagem ao grande
diama. A amizade unira as duas homem que tinha 0 coração do
amigas que nem a morte poudo ouro e a alma do criança!
apartar. Contentes, com as almas Clotilde Maragliano, a brazileira
despreoccupadas, 110 verdor de seus illustre cujo talento tem sido ap-
16 e 17 annos, as duas amigas, plaudido nas cultas capitaes da
confiando no trahiçoeiro mar, dei­ Europa, veio também nos encan­
xaram-se levar pelas ondas pér­ tar, com os primores de sua voz
fidas ! e receber os applauses a que têm
A lucta foi horrível, como é fá­ direitos os seus dotes artísticos e
cil de imaginar. Um cavalheiro, real merecimento.
n’um Ímpeto de generosidade, ati-
ra-se ao mar, no intento de sal­
var as jovens que luctam contra Muito interessante está a expo­
0 furor das ondas! Consegue ape­ sição de pintura de Aurélio de Fi­
nas salvar uma e a conduz para tor­ gueiredo. Não cabe, no estreito
ra; ella, porém, n’um lance de espaço desta Carta a detalhada no­
altruísmo, num rasgo de abnega­ ticia que eu devia dar de seus
ção e coragem precipita-se nova­ quadros tão perfeitos, tão verda­
mente ao mar a ver se salva a deiros. tão sinceros! Visitando a
amiga que, sósinha, luctava e quasi exposição, tive ensejo de notar mi­
succumbia. Esforço inútil, bal­ nha grande predilecção pela pay-
282 A MENSAGEIRA

sagem mineira, a qual meus olhos enfumaçados que podem ser tra­
tão acostumados estão a apreciar! zidos com toda a segurança pelo
Os trnbalhos que mais me agrada­ gado. Estes eculos produziram
vam e dos quaes eu logo procu­ resultado satisfactorio e são actu-
rava, no catalogo, a explicação, alment.e usados por mais de 4 0 .0 0 0
eram de Minas! cabeças de gado, que desde então
0 quadrinho n.° 31 — Poço não são mais victimas da cegueira
das Aguas Virtuosas (Lambary) foi da neve, que tanto os fazia soffrer.
0 que mais me impressionou den­ E ’ 0 que ha de mais fim de
tre tantos outros dessa rica expo­ século, não acham?
sição. Parabéns ao grande artista, M aria C lara da C unha S antos .
que é também eximio litterato,
tendo já obtido o primeiro prêmio
em um concurso de litteratura, na
Gazeta de Noticias, se não me fa­
lha a memória.

Katal
Li, no «Jornal do Commercio» E ’ meia n o ite . . . O sino alviçareiro
uma noticia muito interessante. Lá da Igrejinha branca pendurado,
Como n’ um sonho niystico e fagueiro,
Imaginem ... até as vaccas já usam
Vem relembrar o tempo do passado.
oculos.
E’ 0 que pode verificar-se nos O ’ velho sino, ó bronze abençoado,
steppes da Rússia. Na alegria e na magua companheiro,
Os steppes ficam cobertos de Tu me recordas o sorrir primeiro
D o menino Jesús Immaculado.
neve durante mais' de seis mezes
no anno.
E emquanto escuto a tua voz dolente
As vaccas alimentam-se de pe­ Meu ser, que geme dolorosamente
quenas moitas de capim que trans­ Da desventura aos gélidos açoites
parecem atravez da neve. e os raios
Bebe em teus sons tanta alegria, tanta!
do sol sobre a neve tornam-se tão
Sino, que lembras uma noite santa,
brilhantes que produzem a ceguei­ Noite bemdicta em meio ás outras noites!
ra. Para obviar a esta calami­
A uta de Souza.
dade, um homem de bom coração
lembrou-se de proteger os olhos
desses animaes da mesma fórma
que se protegem os dos homens e
poz-se a fabricar oculos de vidros
A MENSAGEIRA 283

serenidade da nossa inconsciência...


Saudade antiga Outr’ora, é 0 que passou, 6 0 que
fA ’ Abelhinha) não volta mais! . . .
. . . . Na região do Passado, Relembrar a infancia, 6 axpirar
quando sôa a hora da Sau­ de novo a flor emmurchiada das
dade, nas sombras do pri­
mortas alegrias; — 6 atear a la­
meiro crepúsculo de A b ril. . .
bareda ás cinzas de um fogo ex-
Dizem que 0 crepúsculo 6 a hora tincto, 6 contemplar, ondulante, nes­
das reminiscências, é a hora em que se clarão de fogo-fatuo. 0 phantas-
0 pensamento vai levado em azas ma immorredoiro da felicidade ! . . .
mysteriosas, caminhando celere, atô Relembrar a infancia ó sentir-se
se perder n’um tempo longinquo, bom, ingênuo’ e desprotegido; é
na região humana da Saudade, on­ tremer ainda ante a visão dos mil
de repousa occulta a infinita tris­ espectros que nos povoam a in-
teza do passado ... somnia, depois de historias mara­
E’ ao cahir da tarde que te es­ vilhosas de gênios encantados . ..
crevo, é nessa hora em que a me­
lancolia nos prende, em que uma Lembraste (ha (juantos annos já !)
impressão indifinivel nos domina... quando ficavamos unidos um ao
Escrevo-te ao cahir da tarde, na outro, attentos, ouvindo a tetrica
hora em (jue 0 sol desapparece ao historia dos phantasmas ? . . . Lem­
longe, magestoso na sua agonia, in­ bras-te ?
différente ás sombras que irrom­ E 0 Polvo do medo nos empol­
pem do Levante... escrevo-te con­ gava com os seus braços invisí­
templando este crepúsculo de abril veis ... Trêmulos e indecizos des­
sob a impressão de um crepúsculo viavamos a vista do quarto escuro
mais triste que esse que me en­ que nos ficava em frente, 0 quar­
volve-o occaso das illusões... to onde vagarosamente se moviam
Jlscrevo-te quando 0 meu pen­ as imagens do nosso p avor!...
samento, abrindo 0 livro da vida, Lembras-te como não ousavamos
relê as suas paginas voltadas para levantar os olhos para a janella
sempre e se detém, depois de ha­ aberta que dava para 0 jardim?...
ver sonhado ante 0 estenso capi­ Todavia, na limpida solidão do
tulo das maguas — nos ingênuos ceu, corria a noite de uma fres­
periodos da simplicidade de ou- cura de petalo, de uma doçura de
sonho. As estrellinhas tremeluziam
tr’ora...
Outr’ora é a nossa infancia, é 0 silenciosas, emquanto a lua tran-
tempo da nossa alegria, da ampla quilla, ia derramando a sua luz
284 A M E N S A G E IR A

sem vida e sem calor, na tristeza batia em cheio no rosto, como era
indolente d'aqnella noite antiga !... bello !
Lembras-te? Lembras-te ?
Deitavamo-nos pensando no car­ E 0 somno chegava, desappare-
voeiro que andava por noites er­ ciain os phantasmas, desappareciam
mas, perdido nas invias penedias os olhs immoveis e gelados que
de serras bravas, procurando 0 fi- nos contemplavam... Os principes,
Ihinho desapparecido, que os phan­ as fadas, n'um bando encantador,
tasmas da noite haviam para sem­ fugiam ao longe, formas indecizas,
pre I'oubado ... Pensando nos po­ env()ltas em nevoeiro...
bres orphãosinhos, que, como a ove- E 0 somno descia, extendendo
Ihinha tresmalhada, balliam as dores sobre nós as amplas azas da paz...
do seu abandono esquecidas por
mãos implacáveis no recondito so­ Hoje, estás v e lh a !...
noro e desesperante das mattas... Dentro em pouco, seguida pelo
Oh, como passavam poi' nós, ri­ cortejo da felicidade que tu bem
sonhas e bemquistas, as almas bem- mereces, has de rememorar as his­
fazejas, as almas de ternura e de torias que ouvimos n’essas noites
bondade, extendendo as mãos cari­ de outr'ora, para contal-as aos teus
nhosas ao desamparado, ao morto filhinhos, que. como nós tremerão
de abandono ! . . . de pavor e desejarão também a pos­
E, essas visões, pairavam, pas­ se da maravilhosa lampada de Ala-
savam, ondulando vagas, envoltas dino...
na penumbra do somno ...
Lembras-te de uns grandes olhos Estás velha...
gelados e inmutaveis que nos con­ O tempo passou, e é por isso
templavam do fundo da treva? que eu te escrevo ao cahir da tar­
Lembras-te ainda, como viamos, de, na hora saudosa do crepúsculo,
realidade tangivel, a Bella Ador­ relembrando a nossa infancia que
mecida, recostada, serena, loira e se occulta, indefinida, vaga como
rosada por entre as rosas de seu um esboço, na penumbra do pas­
leito ? . . . sado, nessa região longuinqua da
E 0 bello principe que andava saudade.
percorrendo assombrado aquelle pa- A m adeu de Q u e ir o z .
lacio adormecido, mergulhado no
amplo silencio de um somno de
cem an n os?... Como fluctuava a
sua loira cabelleira, como a luz lhe
A .\[ENSAGEIRA 28 s

fatigantes e os ?nais árduos, tam­


Selecção bém me parece demasiado interes­
. . . contra n fcii/in/.s))w, no i|ue se. com seus visos de egoismo
elle teni de odioso e cynico, a fa­ este (pie leva alguns homens a
vor do feminismo no que elle teni proclamar a mulher incapaz de exer­
de justo 0 de syinpathico. cer missões mais elevadas, embora
Questão complexa, a tal questão difficeis, sob pretexto de que a fa­
do femi)iis)no. que c necessário talidade phvsica qne a Natureza lhe
subdividir e esclarecer. impoz a inhibe de qualquer traba­
Ha quem peça simplesmente pai’a lho regular e methodico que exija
a mulher algumas alterações na leii esforço, actividade e energia.
que lhe permittão uma acção mais Quantas pobres mulheres gravi­
livre na esphera economica em das não temos nos visto averga-
que hoje se debatem os principaes das ao peso de uma enorme trou­
interesses do mundo. E quem po­ xa de roupa atravessando as ruas
derá negar que esta reclamação é desta Capital, que tão civilisada
absolutamente justa, racional, e ha ()uer ser? Nunca vimos nenhum
de a breve trecho ser cunqirida philantropo, em nome da raça fu­
em todas as legislações da Europa tura, oppôr-se a esse excesso de
civilisada ? trabalho (pie esmaga cruelmente 0
Ha ainda quem reclame para a sexo feminino.
mulher 0 direito de exercer, cer­ Quantas pobres costureiras levão
tas profissões que lhe garantão os os dolorosos, os trágicos nove Ine­
meios de ganhar a propria subsis­ zes em que uma mulher passa os
tência. se não tem nem pai, nem máximos tormentos para gerar um
marido, nem irmão, e também este ser vivo, quantas pobres costurei­
ponto, comquanto intrincado e dif- ras os levão a velar todas as noi­
ficil, me parece digno de atten- tes, a trabalhar todos os dias, para
der-se. que nos bailes não faltem atavios
Visto que ninguém prohibe á luxuosos ás que os podem comprar!
mulher que seja operaria em uma E comtudo a esse jugo oppres­
fabrica, que acarrete á cabeça pe­ sor do trabalho ninguém se opõe
sos hori'iveis como as nossas cam- sob nenhum pretexto humanitário
ponezas do Douro e do Alinho, ou moral!
que trabalham no campo como um Então, para que invocar as fa­
verdadeiro animal de cai'ga. que talidades do sexo. para que a mu­
lave casas, e engomme e cumpra lher não seja advogada ou medica,
emfim todos os misteres os mais esculptora ou commerciante!
T
i:
86 A M E N S A G E IR A li

Não 6 real mente esse o obstá­ quatro azas espalmadas... Foi um


culo que antevinios para que tal protesto solemne contra o erro com-
tendencia do sexo feminino se de­ mettido. Ainda bem !
senvolva e propague. BeHas-Artes. — Duas senhoras
Achamos bem justo, pelo con­ brazileiras concorreram este anno
trario, a ancia que a mulher tem á exposição de pintura no «Salon
de preparar-se para um trabalho de Paris». São ellas a Condessa
que a emancipe da miséria, e lhe do Alto Mearim e sua irmã a Vis­
dê a independencia material tão condessa de Sistello. Ambas apre­
preciosa e tão moralisadora. sentaram trabalhos de subido valor,
M a r ia A m a lia V az de C arvalho. muitos quadros de genero e alguns
(D o Jornal do Conmiercio.) de natureza morta.
Nova collaboradora. — Trazida
pela sympathica apresentação de
Georgina Teixeira, iniciou sua col-
laboração na M e n s a g e i r a , Auta
de Souza, poetisa do Rio Gran­
Kotas pequenas de do Norte, «que principia reve­
Borboletas. —^ No interessante e lando talento», no dizer de sua gra­
poético conto que com este titulo ciosa apresentante. Não é inteira­
publicamos no ultimo numero da mente desconhecida aquella poeti­
Mensageira o que é da penna ada­ sa : ha tempos O Pair, publicou um
mantina de Zalina Rolini, houve soneto de sua lavra e pela leitura
um erro typographico que rectifi- do Caminho do Sertão, terão visto
cainos agora, pedindo a nossos lei­ as leitoras que temos motivo de justa
tores que no lugar onde está um alegria com a acquisição dos tra­
par de axas leiam dois pares de balhos da nova paladina literaria.
axas, como escreveu a auctora. Externato Paulistano. — Chama­
A poetisa talvez tenha se incom- mos a attenção das familias pau­
niodado receiando que as borbole­ listanas para o annuncio daquelle
tas se agastassem e não mais lhe importante estabelecimento de ins-
dóssem formosas inspirações... trucção secundaria, dirigido por
O facto 6 que o acaso capricho­ babeis e illustrados lentes do Gym-
so, ao mesmo tempo que punha nasio de S. Paulo, que alliam á
tal erro no trabalho de nossa gen­ longa pratica de ensino, verdadeiro
til collaboradora, collocava uma vi­ amor á profissão que abraçam.
nheta logo abaixo delle, represen­
tando 0 alado insecto com as suas
A M E N SA G E IR A 287

mais inieliz que existe sobre a


B mulher no 0eleste terra, e nada tem que esperar do
império futuro, salvo rarissimas excepções.
A posição da mulher, no Celeste A sorto da mulher chineza é tão
Império, é um baldào para 0 bello miserável que os escrúpulos dos
sexo. Ella 6 um movei que an­ paes de familia facilmente se ren­
da, uma coisa que se move. dem, e chegam ao infanticidio que
Hoje que a questão da mulher é geralmente praticado e tolerado.
se está discutindo, nniversalmcnte, Este crime toma horrorosas pro­
com um interesse e enthusiasmo porções. especial monte quando 0
que chamam a attenção, convém paiz atravessa alguma crise ou
averiguar e estudar 0 papel que apparoce a fome.
representa a mulher na China, seu Quando nm chefe de familia tem
valor e sua influencia. filhas, diz: — «vou casar minhas
A primeira desgraça que pode filhas com os espiritos da agua»
sobrevir a uma familia c ter filhos e torce-lhes 0 pescoço.
do sexo feminino. Isso faz 0 pae quando as filhas
Uma mãe que só dá ao mundo não têm completado dez annos de
filhas, dentro em breve se verá re­ edade, mas, se passaram dos doze,
duzida á miséria ou, pelo menos, por uma miserável somma as vende
em circumstancias difficeis econo­ a outra familia, como escravas.
micamente; porque a mulher, des­ Assim, pois, a mulher chineza
de que nasce, demanda mais atten- não é mais que um artigo de com-
çõos que 0 homem e uma educa­ mercio. E’ costume, por exemplo,
ção mais custosa. 0 marido vender a mulher, ou alu-
Entre os pobres, uma menina, gal-a a outro homem por certo nu­
desde 0 seu nascimento, está ex­ mero de annos; no primeiro caso,
posta a perigos e padecimentos como concubina e, no segundo,
que outra de classe mais elevada como serventes ou antes escrava.
nunca chega a conhecer. Isto, sem A isto a pobre victima tem de su­
considerar as calamidades que affli- jeitar-se ainda mesmo a contragosto.
gem tanto os ricos como os pobres- O concubinato por esta fórma 6
Xa China, não tem a mulher 0 prohibido por si, mas ainda assim
menor valor aos olhos de um chim; é muito frequente; pois geralmente
são tão depreciadas e tão mal que­ 0 homem firma um contracto por
ridas, que a própria alimentação é nm periodo de tres annos, cedendo
limitada, quando não se lh'a nega- ao comprador todos os direitos ma-
É pois a mulher chineza 0 ser ritaes.
288 A M E N S A G E IR A

Em varias partes do impero chi­ no fim de certo tempo, não tem


nez, como Pitsvi, Koeit-Cliemon, um filho pelo menos, não tem direi­
Chang-Chau e Tientisim, chamam to a perder o titulo do seu marido.
a essas pobres mulheres «escravas A maternidade, neste caso, salva
do mercado» (piando as expõem á de uma ignominia a mulher, e quasi
venda. que a faz feliz.
Os paes de familia que desejam O Imperador actual ora muito
vender suas filhas dirigem-se para joven quando subio ao throno e,
Chan-Chan, porque alli se obtem uma vez que chegou á edade de
maior preço. Assim, collocam as casar-se, os altos dignitários apre­
filhas que desejam vender em um sentaram cá Imperatriz viuva uma
ponto mais concorrido e vistoso de lista das donzellas casadeiras, as
qualquer praça ou rua, e os ir­ quaes por sua edade e posição so­
mãos, tios e mais parentes, exal- cial podiam aspirar a ter um posto
tam-lhes as prendas, offerecem-nas no «híirem».
em pregão banilhento, chamando A Imperatriz viuva eliminou um
a attenção dos transeuntes. grande numero de canditatas e fez
O preço da escrava regula de levar as outras para Pekim, onde
dois a très «tiáus» (equivalente a as examinou couidadosamente va­
G| 8 4 0 da nossa moeda) por cada rias vezes; interrogou-as e escolheu
anno de edade que tenha. Em as ([ue mais lhe agradaram, fazendo-
Pekim, uma menina de 12 a 15 as depois residir em palacio peara
annos vale de 2 4 a 4 0 dollars; e, instruil-as nos ritos c linguagens
se ella 6 bonita, encontra quem dê da Côile.
6 0 a 8 0 dollars. Ao cabo de alguns mezes, um
Estes négociés também so fazem decreto imperial annunciou que ha­
por meio de agentes, que são conhe­ viam sido escolhidas uma impera­
cidos commercialmente por «cor­ triz e duaz pricczas para esposas
retores de mulheres». Estes sujei­ do joven Imperador Kanng-Sú.
tos exportam a mercadoria que Estes títulos, em rigor, as mulhe­
passa pelas alfandegas de Cantão res não os herdam senão depois de
por meio de documentos ou espe- terem um ou mais filhos; antes deno­
cie de facturas em que constam o minam-se «concubinas imperiaes».
peso, a côr, a edade e estatura, se Assim ó que a actual Imperatriz
é bonita ou feia etc. viuva, depois de ser uma simples
Quudo unm mulher se casa, pode concubina imperial, assegurou o seu
dizer que tirou avultado prêmio na alto posto de Imperatriz da China.
loteria. Se se casa com um nobre e. fD a Oaxeta de Petropolis).
São Paulo 15 de Julho de 1898 Anno I, N. 19

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Directora — P rescilia n a Duarte de A lm eida

Publica-se nos dias 15 e 30 de cada mex.


P a g a m e n to P r e ç o da assignatura, 1 2 $ 0 0 0 p or anno | N u m ero avulso
a d ia n ta d o Endereço; Rua dos Estudantes N. 23 1$000

S u m m a r i o : — Observações sobre a edu­ imprudente que tentado pela belle-


cação em geral, Delminda Silveira; —
za d’ellas as vá colher!...
Castello derrocado, poesia. A . Tolentino
de Almeida; — Golpe certeiro, couto, A mocidade na adolescência 6
Maria Clara; — Duvidas, poesia, Scipião a primavera com suas flores e
Jucá; ;— Impressões de leitura, Perpetua
promessas, a aurora com seus arre­
do Valle ; — D. Lavinia, soneto, Elmano
do V ai; — A s borboletas, conto, Can­ bóes e illuzões.
dida Fortes; — Naufraga, soneto. Car­
valho Aranha; — Carta do R io, Maria
Clara; — Angustia, poesia, Presciliana
Duarte de Almeida; — Notas pequenas.
Tenho ouvido a certos homens,
uns, paes de de familia, outros
II noivos apenas, estas phrazes que
me fazem pensar: «minha esposa,
Observações minhas filhas jamais frequentarão
sobre a educação em geral bailes»...
E eu fico-me a scismar: «que
(Mocidade)
occulto perigo haverá para uma
Quadra gentil — quinze annos! senhora, ou mocinha em meio de
E ’ a primavera com suas flores, uma sociedade decente e bem es­
a aurora com seus arrebóes. colhida» ? . . .
0 céo não tem sombras, a terra Esse receio será pela parte das
é toda verdores; — rizos e illuzões, damas ou dos cavalheiros?
sonhos e esperanças! M as... quan­ A senhora, a menina convenien­
tas vezes os arrebóes da manhã se temente educada não poderá conter
desfazem em orvalho copioso, e sob com a dignidade de suas maneiras,
a verdura da planície crescem agu­ um exterior serio e composto, qual­
dos espinhos que as tnais lindas quer leviandade, ou mesmo, — li­
flores não são izentas de occultar berdade não permittida a algum
sob seus virentes festões; e ai do jovem libertino, si acaso na bôa
290 A MENSAGEIRA

sociedade 0 encontrar? A menos sôes vagas a principio, certo cogitar


que não seja ebrio ou louco, que incessante que pouco a pouco com
homem haverá que não contenha 0 correr dos annos vae tomando 0
0 decoro de uma educação perfeita 0 vulto de — ideia fixa que se
unido ao pudor de uma mulher? alevanta como phantasma atormen­
A bôa educação, a seria delica­ tador... «cazar a filha!» Mas...
deza impõem sempre 0 respeito, como se tom preparado essa filha
mórmente quando essa cortezia para 0 facto mais importante da
vem da parte de uma senhora. vida de uma mulher? — esse acto
Quanto aos ébrios e loucos, creio do qual depende a felicidade ou
ser-lhes-ha interceptada a entrada desventura de uma existência in­
em um salão; os jovens corrompi­ teira? ...
dos, esses, ainda que no mundo A campo todos os meios de
ostentem todo 0 seu cynismo, nunca seducção, toda a apparencia agra-
se atreverão a patenteal-o ante a cir- davel, todo a attractivo material;
cumspecção de uma mulher honesta tudo superficial e illusorio; nada
e bem educada. de serio e profundo!
E ’ certo que uma mocinha não Fitas, rendas, sedas em profusão ;
póde ter a experiencia de senhora, joias e adornos m il... umas frivo­
porém 0 instincto da bôa educação lidades, mas que denotam certo
lhe fará antever 0 perigo que bem gosto pelo luxo, 0 que, a meu vêr,
saberá evitar. mórmente nesta epoca, afasta antes
Oh, — educae a mulher — e do que attrahe todo 0 pretendente
todo esse perigo de salão, como sensato . ..
muitos outros ainda, desapparecerá. Na soiree, no theatro, no pas­
Ha certas mães de familia que seio, é a menina a — figura de
têm grande pressa em vêr suas vitrine; os frivolos a admiram, a
filhas moças feitas, e a menina aos invejam; os sensatos censuram-na
1 4 e 15 annos já veste e se trata e a depreciam. Uma simplicidade
como as de 2 0 . Oh, — 0 ultimo elegante, — eis 0 segredo do bom
vestido curto, esse derradeiro vestí­ gosto. Mas nem mesmo em casa
gio da idade mais feliz — a infân­ a simplicidade no trajar 6 adop-
cia, e que devera ser tão apreciado tada: a mesma profusão de fitas,
pelas boas mães, desce, desce rapida rendas, sedas, 0 joias para a me­
e impiedozamente; e a proporção nina; na sala principal, um piano,
que 0 vestido da filha cresce, no a janella ... eis tudo !
cerebro da mãe solicita começam E ... que de sacrificios, às vezes,
também a crescer certas apprehen- quanto desperdicio para se alcan-
A M E N SA G E IR A !Q I

çar isto tudo satisfactoriaraente !


Muitas vezes (justiça seja feita aos 0astello derrocado
homens) o bom pae desgosta-se, ad­ Lembrar-nie agera do meu passado,
verte, censura . . . mas, — a idéia Quanto me punge, (pianto nie doe!
Ja fui ditoso, ja fui amado,
fixa lá germina assustadora, e o
E o meu castello todo enfeitado.
marido condescendente e confiante Vento raivoso ja m’o destróe.
deixa a liberdade á esposa presada
na realisação da grande obra — a Como a procéda que turva o lago.
felicidade da filha. Ah, quantas Sereno e quieto, ja me turvou
A alma, que em fundas revoltas trago,
vezes, desditoso Adão, esse doce
O desengano que todo o affago,
pomo não te ficou suffocando ! . . . Que todo o affago me arrebatou.
Oh, quantas, quantas vezes o
Paraiso não se jóga por um capri­ Eu via out’ rora com ledos olhos
O ceo, a terra, meu casto amor,
cho extravagante ! . . .
Na minha estrada não via abrolhos ;
Mas ... porque ha-de, á luz da O meu futuro não tinha antolhos.
rasão offuscar o prisma de sedu- Brilhava claro, com resplendor.
ctoras miragens enganosas? ...
A cultura intellectual amplifi­ Ah ! Sonhos lindos da minha infancia,
Porque tão cedo de mim fugistes?
cando os horisontes daintelligencia,
A i! pobres flores que é da fragancia
dará á mulher a luz sufficiente Que, avido, out’rora sorri com ancia
para poder bem discernir, e ella Quando os meus dias não eram tristes?
saberá então aproveitar os conse­
lhos divinos que d’essa luz irradi­ Certo que, aos silvos do vento-norte.
Murchas tombastes no duro chão;
am quaes reverbéros serenos de um
Assim por mim um vento mais forte
centro luminoso; assim, pelos pro- Passou — sanhudo — deixando a morte,
cellosos mares da existência, com Deixando a morte no coração.
mais acerto guiará como náu im­
pávida e segura ao porto desejado, Sobre os escombros de meu castello
Canta a saudade tristonha e só.
0 destino d’aquelles que Deus lhe
Hoje, em ruinas... Como foi bello !
confiou, e assim também a tran- Vinho doirado de um puro anhelo,
quillidade de espirito tarnará sere­ Palacio immenso, desfeito em pó!
nas e risonhas as horas porvindoi- A . T olentino de A lm e id a .
ras de bem preciosas existências. Da <í Carmina»
( Continua)
D elm in da S il v e ir a .

s i.
2Q2 A M E N S A G E IR A

A mais complicada, a mais mys-


Golpe certeiro teriosa, a mais estranha scena que
(A ’ I/ydia da Cunha) poderia prever, encontra o medico.
Conheci-0 na flor da edado, A policia tendo tido denuncia
bello, feliz e apreciado de todos. secreta, penetrou inesperadamente
Estava em ferias, havia concluido, em um sobradinho velho e feio,
com brilhantismo, o seu 3 .° anno escuro e cheio de corredores in­
de direito em S. Paulo e tinha fectos e sem ar. Ahi encontrou
vindo ao Rio gosar das ternuras e os mais celebres e conhecidos ga­
desvelados carinhos de sua familia. tunos do Rio de Janeiro.
Conheci-0 em uma soirée que Dormiam em uma saleta tres ou
seus Paes deram por oceasião do quatro viciosos, homens de baixa
natal em seu sumptuoso palacete esphera e indignos sob todos os
na Praia do Russell. pontos de vista, e no meio dessa
(iue maneiras attenciosas e ca­ degradante sociedade estava tam­
ptivantes tinha 0 futuro bacharel bém 0 Snr. Victor Silva, o talento­
Victor Silva! Era um moço ex­ so rapaz que conhecemos cheio de
cellente, verboso, engraçado, insi­ vida e de attractivos em casa de
nuante e meigo. seus Paes, na soirée do natal.
Vinha rompendo o dia quando 0 medico fôra chamado por um
a soirée terminou e os convidados, amigo commum, a ver se com sua
encantados, despediam-se dos do­ influencia e amizade livrava da
nos da casa e de seu primogênito vergoha horrivel a que seria sub-
filho, 0 Victor, que era o enlevo e mettido o filho de seu melhor
0 orgulho d ’aquella casa. amigo.
Passaram-se muitos mezes, nun­ — Aqui neste meio, o que fazias
ca mais nos encontramos. Uma Victor? perguntou-lhe indignado
vez estavamos em casa de um 0 medico. 0 rapaz não poude
medico, amigo velho da famila. responder, a exaltação doentia de
Subito batem á porta apressada­ seu corpo, o desiquilibrio e a mobi­
mente e chamam com insistência lidade de seu caracter impediram-
0 medico. Eão se fez esperar o no de falar. Lagrimas invadiam-
bom clinico. Não eram, porém, os lhe os olhos e elle soluçou deses­
seus serviços proficionaes que pro­ peradamente.
curavam, e sim a presença de um Alguém explicou então que a-
homem de honra e de caracter quelle moço pernoitava sempre com
illibado que desejavam em tão pe­ seus amigos, ali no sobradinho e
nosa situação. que em suas arriscadas aventuras
A MENSAGEIRA
293

a horas mortas era certo vel-o ao Dois dias depois, com a maior
lado de seus companheiros. naturalidade possivel, Victor des-
Eram gatunos de profissão os pedia-se de sua familia e seguia
habitantes d’aquella casa e nos para S. Paulo afim de concluir
*
recônditos de seus miseráveis cubi- sua carreira.
culos guardavam elles 0 fructo de Lagrimas de saudades inunda­
suas ladroeiras. ram os olhos de sua mãe!
E aquelle rapaz tão rico e de Ninguém,- alêm do medico e
familia tão digna alli! Era um com- das pessoas presentes, soube deste
parça d’aquelles miseros viciosos. facto e fez-se em torno a este
E ali passava noites e noites! E acontecimento lugubre um silencio
sua pobre mãe naturalmente 0 sup- de morto. Para a familia, para os
punha em bôas rodas, de moços, amigos, para a sociedade Victor
finos, seus collegas, seus amigos. continuava a ser 0 prototype da
Tudo se afigurou sombrio e per­ honra.
dido irremediavelmente a VTctor!
Então chorando lagrimas copiosas No meio de grande alvoroço e
elle supplicou ao velho amigo do contentamento a familia de Victor
seu Pae que 0 salvasse d’aquelle recebeu a noticia de seu proximo
vexame, jurando emmendar-se para casamento. A noiva, affirmava elle,
a vida inteira. era um mimo, meiga, docil, cari­
Neste mundo em que tudo 6 nhosa, intelligente, emfim 0 ideal
transitório e fugitivo, a existência das mulheres. Casados, vieram mo­
do caracter sem macula fica sem­ rar no Rio. A vida parecia-lhes
pre immortal e .é por isso que 0 um mar do rosas, nenhum leve
velho medico que conhecia bem a pezar, nem a minima sombra de
tempera rigida e honesta do cara­ um desgosto pairava iraquelle aben­
cter de seu amigo, via claramente çoado lar!
a desgraça de sua vida pelo proce­
dimento do filho. Houve uma festa sumptuosa em
«A alma humana é nojenta, 0 um palacete de Santa Thereza.
universo 6 vil, pensava 0 medico, Festejavam suas bodas de prata
e d’ahi a pouco como para com­ os Viscondes de Assumpção e para
pensar tanta miséria elle pensava: maior alegria baptisavam nesse dia
na alma de todo 0 homem ha sem­ 0 primeiro neto.
pre luz e ha carinhos e em todo 0 Que confusão nessa noite de
canto do universo, mesmo sobre festa! Quanta gente! que ale­
um monturo, nasce um lyro. gria! que deslumbramento.
294 A MENSAGEIRA

0 nosso velho amigo, o medico e de lindas malvas crespas, alli so­


da familia, lá estava também. bre 0 banco tosco de madeira sui­
Num rápido golpe de vista pou- cidou-se fazendo voar os miolos
de 0 medico reconhecer o filho de com um tiro de revolver.
seu bom amigo, o bacharel Victor Não deixou a minima referencia
Silva; mas no meio d’aquella mul­ sobre o acto de desespero que ia
tidão perdeu-0 de vista. No cor­ praticar. Seus négocies corriam
rer da noite, no meio de agradavel bem, sua vida era invejada e todos
palestra o medico foi pelo dono da 0 consideravam um homem feliz.
casa apresentado ao bacharel. — Nem 0 grande amor da esposa,
E ’ 0 D.'’ Victor Silva, disse o Vis­ nem o feiticeiro sorriso do primei­
conde. — Já nos conhecemos mui­ ro filhinho tiveram forças para reter
to, muitíssimo, responde o medico a mão que levou á cabeça a arma
pressuroso, lançando um olhar ex­ assassina. Fatalidade! Loucura!
pressivo ao rapaz, que se limitou O medico ao ter notícia do triste
a curvar a cabeça e pronunciar fim do rapaz sentiu uma especie
uma phrase vulgar. de remorso e disse comsigo mesmo;
Bastou essa simples apresenta­ aquelle encontro em casa do Vis­
ção para Victor ficar abatido e tris­ conde,... eu fiz mal... eu accentue!
te 0 resto da noite. A lembrança aquella phrase — se o conheço — e
de seu passado negro, a certeza 0 pobre rapaz adivinhou tudo, tudo.
de que uma testemunha ocular alli Sinto 0 remorso remoer-me a
estava, fel-o desanimar. Na pri­ consciência, ou fiz mal, eu fiz mal.
meira opportunidade retirou-se da
festa,' levando o coração dilacerado
Esta historia me foi contada pelo
de dor.
proprio medico e parece-me vel-o
Era notável a agitação de Victor,
ainda, sorvendo uma pitada de rapé
a mulher amedrontada com aquel-
a repitir pausadamente, com triste
la mudança brusca interrogava-o
accento de voz e olhos rasos de
afflicta. Elle mal respondia o que
lagrimas eu fiz mal, eu fiz
lhe perguntavam, parecia preso á
mal !
uma ideia fixa.
Nesse estado esteve quasi dois M.UIIA C l a r a da C unha S antos .

dias.
A ’ tarde, foi dar o costumado
passeio ao jardim, foi só, e em bai­
xo do caramanchão de madresil-
vas, no meio de avenças viçosas
A MENSAGEIÍLA.
295

Não sei, meu Deus; desculpa a quem tactêa


2)uvidas Nos trevosos caminhos da incerteza,
E cuja mente, era duvidas, vaguôa
(A. I). Perpetua do Valle, signal de
Sobre o mysterio — as leis da natureza!...
veneração)
Maceió — 1898.
«Meu Deus, senhor meu Deus, 0 que ha
no mundo
SciPiÃo JucA.
Que não seja sofFrer?
O homem nasce, e vive um só instante,
E sofíre ató morrer!»
Gonçalves Dias.

Não sei si é vantajoso o ter nascido,


Crescer aos doces beijos niaternaes, 'impressões de leitura
Ou si melhor nos fôra ter morrido,
Em soluços deixando os nossos paes! P hantasias

Candida Fortes, 1897.


Talvez seja melhor, de mais vantagem.
Sem a pretensão estulta de exer­
Ver a luz e, nas faxas perfumosas.
cer a difficil tarefa de criticar,
Sentir da morte a 'tetrica bafagem,
Deixando a vida como deixam rosas. encarando a critica como uma arte
especial, que demanda cultura va­
Na vida, que aliás é transitória, riada e conhecimentos profundos,
Mil sofirimentos para um riso temos; é-nos todavia permittida uma cer­
E ’ fallaz o prazer, coisa illusoria. ta expansibilidade literaria, que,
Real, sómente a dor, é quanto vemos.
si não se propõe julgar o mérito
de qualquer obra, ousa entretan­
Quem seguro dizer póde um momento:
— Eu sou feliz, serei sempre ditoso?
to manifestar as suas impressões
Si pode um braço occulto e violento com singeleza e despreoccupação,
Arrancar-lhe 0 prazer, matar-lhe o goso?!... tal como espontaneamente o faze­
mos em nossas palestras quotidia­
Ventura! phrase vã, palavra ôca. nas. E quem nas suas conversa­
Filha da embriaguez do coração!
ções intimas não terá inconscien­
Articulado som que sai da bocca
temente exercido alguma vez as
Sem ter as annuencias da Razão!
funcções de critico? E’ que não
Demais: vimos á luz entre os gemidos podemos deixar de nos impressio­
Do ser materno e os sustos abafados! nar com esta ou aquella pagina
Um poema? Sim, 0 epilogo — vagidos, literaria, com esta ou aquella obra
Syntheticos da dor, accentuados! de arte. Pela mesma razão, gos­
tamos de conhecer as apreciações
Porque se chora então? Medo da luz?
feitas a nossos trabalhos, partam
O corpo nú resente-se do ar?
Mas dizem que chorou sempre Jesus, ellas de quem partir.
Que poucas vezes teve tim riso a dar! Um applauso nos lisonjeia sem-
296 A M E N S A G E IR A

pre, mesmo quando não vem re­ alguém que se compenetre do que
vestido de nenhuma auctoridade! sentimos! é tão consoladora a ideia
Que 0 digam todos os que têm de que exprimimos de modo mais
exposto ao publico os fructos de ou menos satisfactorio um senti­
seus lazeres . . . E isto prova em mento commum a duas almas! E
nosso favor: não desdenhamos 0 é por isso, é por saber que a opi­
juizo de nossos semelhantes e re­ nião dos incompetentes actua tam­
conhecemos que, seja qual for 0 bém no animo dos que trabalham,
grau de ignorância a que se pren­ que me avento as vezes a expor
da uma creatura, ella tem indiscu­ em letra de forma as minhas im­
tivelmente a faculdade de admirar pressões literárias. Demais, enten­
0 que é digno de admiração, de do que silenciar em torno de
alegrar-se ou entristecer-se deante trabalhos de certa ordem é quasi
de uma tela, de decorar quasi que que um crime. Eu desejára que
instinctivamente versos que expri­ todos os jornaes que dispõem de
mem grandes sentimentos huma­ capitaes tivessem bons críticos e
nos, e de externar de mil manei­ que não deixassem passar des­
ras diversas a ideia recebida por percebidas as tentativas artisticas
este ou por aquelle objecto! Con­ que fossem surgindo em nosso
fesso que uma das vezes que me meio. A Mensageira, porém, não
senti mais intimamente satisfeita tem os necessários recursos para
em minha vida foi ao saber que manter collaboradores de profissão,
numa aldeia de Minas puzeram em e como não quer ser cúmplice da
musica algumas quadrinhas de mi­ indifferença geral, prefere os meus
nha lavra e que essa modinha era desauctorados conceitos a um silen­
cantada ao som do violão por uma cio esterilisador, toda a vez que não
formosa morena, de voz inculta e póde obter 0 juizo de alguém que
rude, como a minha lyra! Sim, tenha a necessária competência
havia uma pequena população que para julgar de trabalhos literários.
se habituara a ouvir em noites de E é por essa razão que venho fa­
luar, pela voz melodiosa de uma lar de uma obra atirada por mão
sertaneja, versinhos pobres e sim­ feminina á apreciação publica.
ples que eu escrevera ao ac-aso... Candida Fortes acaba de publi­
Como fiquei contente com isso! car no Rio Grande do Sul um deli­
Ignorassem mesmo que os versos cado livro, onde a poesia e a prosa
eram meus e ainda assim eu fi­ apparecem manejadas com inspi­
caria com 0 coração inundado de ração e carinho.
alegria profunda: é tão doce achar A primeira parte do livro inti-
A M E N SA G E IR A 297

tula-se Reverheros e é escripta em Tranquilla magestade em toda a natureza!


versos melodiosos e simples, feitos parece que se escuta em tudo a voz de Deus!
corn espontaneidade e candura, A vasta creação sorrindo de surpreza,
repete cada nota a interrogar os céos...
resentindo-se um pouco do sabor
da poesia antiga. Que a poetisa E mar e lua e bosque e praias e vallado
tem um optimo ouvido, não ha a têm vida, têm vontade — extranha sensação!
menor duvida: versos feitos com Conselho mysterioso á noite convocado
completo abandono, sem nenhuma e transmittido ao céo na voz da viração.

preoccupação de forma, sem ne­


Por isso de verão em noites melancólicas,
nhum requinte do moderno poetar, esplendidas de luz, eu gosto de scismar,
e que são na sua quasi totalidade quer siga a phantasia as distracções bucólicas
de uma harmonia deliciosa. Abra­ ou vá na irradiação do céo se aprofundar.

mos 0 livro ao acaso:

A ’ surdina Logo em seguida a estes ale­


xandrinos vêm as subsequentes re-
Em noites de verão serenas, melaneolicas,
dondilhas que parecem uma dessas
Esplendidas de iuz, eu gosto de scismar,
quer siga a phantasia as distracções bucó­ cantigas que não têm auctor co­
licas nhecido, ou antes que nascem do
ou vá na irradiação do céo se aprofundar. sentimento collectivo de um povo,
tal é a sua naturalidade e seme­
E ’ tudo seductor! Um doce encanto vago
lhança com as canções populares:
nos leva ao ideal, ás raias do impossivel!
Espalha-se na sombra um mysterioso afago Se o dia nos ares fala
de amor, de adoração estatica, indizivel! E os astros no seu fulgor;
A rosa no odor que exhala.
Do céo azul, sereno, a lua, olhando a terra, Os campos 110 seu verdor;
parece embevecida a marcha demorar,
como se este planeta, em seducções que Também meus versos te falam
encerra, De luto, tristeza e dor.
das noites a rainha ousasse captivar! Bem como em teu rir se embalam
Prazeres, ventura, amor.
Os lagos são de prata; as praias arenosas
contêm scintillações de finas pedraria! Os riachos na corrente;
As mattas em silencio erguidas, magestosas, O mar na viva ardentia;
são sombras no painel, contrastes de poesia. As praias, que ficam rente,
Na areia branca e macia;
Na varzea que se estende ao longe, solitaria,
detem-se o viajante e curva-se o poeta... A brisa em doce frescura;
Não sei que apparição divina, extraordi­ A nuvem no seu girar;
nária, As aves fendendo a altura.
a alma deslumbrando, os passos intercepta! Os peixes íeudendo o mar;
298 A M ENSAGEIRA

Se as feras, do seu rugido, pouco edificantes ou sentimentos


Sabem idylios compôr; dissolutos.
Do raio o tronco fendido,
Candida Fortes é um bonito ta­
Se queixa, fala em rigor;
lento e temos convicção de que,
Se no triste olhar do enfermo si masnusear os auctores moder­
Canta a vida uma elegia; nos e proseguir no trabalho, con­
E se o silencio d’ um ermo quistará um lugar de honra entre
Nos fala em Deus e poesia;
0 das principaes escriptoras brazi-
Também meus versos te falam leiras.
De lutos, maguas e dôr. P e k pe tu a do V a l l e .
Bem como em teu rir se embalam
Prazeres, ventura, amor.

E é assim todo este livro me­


lancólico e doce, feito com sim­
2)ona Lavinia
A toi, toujours a toi.
plicidade e trescalando um per­ V. Hugo.
fume agreste e entremeiado de
No sen porte de moça delicada
tradições românticas, que vão de
Palpita um que de mystico e divino,
todo desapparecendo. Da brancura suave e nacarada
Na segunda parte do livro, for­ Da epiderme de heráldico velino.
mada de contos em prosa, a es-
Quando vou vêl-a, alegre e alvoroçada,
criptora conserva 0 mesmo diapa­
Toda de preto, num costume fino,
são e nenhuma pagina encontra­ Tem um ar de Madona amargurada,
mos alli que não seja saturada E a sua voz — é um trêmulo violino...
desse ar puro e saudavel que é 0
mais em harmonia com a organi- Os seus contornos leves, ondulados,
No tecido das sedas destacados.
sação feminina. Nenhuma palavra
Exultam o mysticismo e a singeleza.
crúa^ nenhuma scena desbragada
se nos depara nesse livrinho que Se a desvendasse o genio de Murillo,
por isso mesmo talvez desagrade Pol-a-ia guardando o peristylo
a muita gente . . . De nossa parte De um templo de candura e de pureza.

receba a auctora sinceros profalças E l m a n o do V a l .

por haver tomado vereda tão lim- S. Paulo-8-7-98.

pida e sã no inicio de sua carrei­


ra literaria, pois, não vemos nunca
sem magua um talento de mulher
empregado em descrever scenas
A M E N S A G E IR A 299

A senhora Mendes, assentando-se


Hs Borboletas por fim no banco de um cara­
I manchão, chamou pela neta.
A moça voltou-se, como desper­
Grande dia era para Bertha tada de um sonho; mas logo, adi­
aquelle em que, tendo concluido vinhando porque a procurava a
0 seu enxoval de noiva, autori- avó, correu para ella, tremula e
sára Volraar a pedil-a formalmente anhelante.
á sua avó ; aquella bôa e santa Ella, com perscrutadora interro­
avo que com tanto amor a creára gação no olhar, fel-a assentar-se
e que era 0 seu unico amparo 110 junto a si, e apresentando-lhe uma
mundo. carta aherta, a carta em que Vol-
Tamanha felicidade lhe trans­ mar pedia-lhe a mão de Bertha,
bordava do coração, que sentiu-se perguntou-lhe:
opprimida entre as quatro paredes — Conheces este moço?
do seu pequeno quarto, e desceu — Sim, minha avó, murmurou
ao jardim para respirar mais liv­ a joven, confusa, enrubescendo.
remente. Conheço-o desde algum tempo...
A tai’de, uma formosa tarde de — Sabes de quem é filho, qual
novembro, vermelha e tépida, de- sua posição na sociedade?
bruçando-se pelos altos muros do — Seu pae é 0 general Martins,
parque, vinha, atravez da ramagem que fel-o cursar a academia de
das casuarinas, esteirar de oiro a medicina, onde acaba de se for­
vegetação dos canteiros e tingir mar.
de purpura a agua immovel dos — E autorizaste-o a dirigir-se
tanques. a mim?
A passarada alegre, de uma rui­ — E' certo. Acha vovó que
dosa expansão communicativa, es­ fiz mal?
voaçava, enchendo os ares de tril­ A senhora Mendes ia responder,
les e gorgeios. quando uma enorme borboleta es­
Bertha, palpitante, extasiada na cura , notável representante das
contemplação da natureza, absor­ sphinges brasileiras, descrevendo
vida no goso daquella grandiosa uma rapida espiral do alto do ca­
festa, que tão bem correspondia ramanchão, abateu-se de azas aber­
á que lhe ia n’alma, reclinára-se tas sobre 0 papel, que, despren­
na borda de um tanque, sem dar dendo-se, foi rolar ao chão.
pela presença da avó, que a se­ Bertha, voltada a si do susto
guira, observando-a. produzido pelo incidente, deu com
300 A M E N S A frE IR A

a avó em pé, hirta, pallida, fitan- altar entre duas estearinas, a se­
do-a, como animada de súbita re­ nhora Mendes reza baixo, passando
solução. as contas do seu rosário.
— Bertha, minha filha, esse ho­ De quando em quando, uma
mem não póde ser teu marido! bafagem morna e perfumada, le­
A bruxa vein prevenir-nos de que vanta suavemente as cortinas de
trar-te-á desgraça este casamento. ganga das janellas de grades, e
Trata, pois, de esquecel-o. You vem agitar a chamma das velas o
devolver a carta. franja prateada das tapeçarias.
A probre moça, que bem co­
nhecia a avó, limitou-se a curvar lY
a cabeça, desfazendo-sc cm pranto. Xo seu pequenino quarto de dor­
mir, Bertha, opprimida entre aquel-
II
las quatro paredes, que não po­
Todos os empenhos foram bal­ diam outr'ora conter sua immensa
dados para resolver a senhora felicidade, e menos agora sua enor­
Mendes a consentir no casamento me dor, chora os seus sonhos des­
da neta. feitos. as suas mortas esperanças.
Entretanto, ella ama extremosa-
mente a sua querida Bertha e, por
isso mesmo, a boa senhora, mer­ A senhora i\Iendes, dando fim
gulhada em fetichismo, passa ho­ ás orações, levanta-se persignando-
ras e horas encerrada no seu ora­ se devotamente, e vai apagar as
torio, a espera de que o Todo Po­ velas ... Mas — oh! surpresa! —
deroso se digne esclarecel-a ou duas lindas borboletas brancas, com
desmentir com algum milagre o reflexos de oiro, agitam as finas
aviso lugubre da bruxa. azas sobre as flores do altar.
— Meu Deus! exclama a boa
IIT
senhora, caindo novamente de joe­
São onze horas da noite. lhos, pasma e reconhecida — atten-
Tudo parece repousar em casa e destes por fim á vossa humilde
c profundo o silencio. serva: são vossas enviadas estas
Fora, 0 mesmo grande mysterio, formosas borboletas brancas!
mergulhado no seio enorme da es­
curidão. YI
Ajoelhada no chão do oratorio; Esplendida festa, em casa da
0 olhar beatificamento levantado senhora Mendes.
para o crucifixo, que se eleva no Bertha, divinamente bella no seu
A MENSAGEIRA ;oi

traje de noivado, acaba de chegar


do templo pelo braço do esposo. ©arta do ^io
Ambos, radiantes de ventura, se A proposito dos chapéus das se­
dirigem ao aposento da avó de nhoras no tbeatro lyrico tem-se gas­
JBertha, que a espera com o abi-aço to muita tinta e muito papel. Tem
convencional e symbolico. havido l)i‘igas, discursos e questões,
Ao transporem o limiar da por­ mas o certo ó que nenhuma senhora
ta, Volmar detem-se, fita com amor mais se apresenta lá com os tacs
a esposa e murmura-llie sorrindo; chapeos, cuja unica serventia era
— Graças ao meu milagre dc impedir a vista dos espectadores.
borboletas ... Ainda bem ! As chapeleiras deram
— Oh! cala-te! — fez a joven 0 cavaco com a nova moda, em
com gesto adoravel, pondo-lbe so­ compensação os cabelleireiros estão
bre os lábios a mãosinlia espal­ radiantes de alegria. Pudóra ! O
mada — se a vovó soubesse!!... chapéu, de algum modo encobria
C axdida F ortks. 0 penteado deselegante, mas agoi'a
(Das Phantasias) muda de figura... ficam á amostra
muitas calvas!

Kaufraga Ouví censurar a «^Icnsagoira»


Mario Pahim por haver transcripto um traitaiho
litterario.
Venho da terra do Alem-Noite, aquella
Plaga phenomenal do eterno olvido, F a propria pcssôa que censu­
Cujo luar o pensamento cstrélla rava esse facto, falava com enthu-
De quem chorar, de quem tiver solTrido. siasmo do trabalho transcripto, (pio
até então não conhecia. Não acho
Ratei ao mar. Indomita a procella
Uiva a gemer; o céo indefinido razão nessa censura. í^o a «Men-
Ao meu olhar medroso se revela sageira'> não tivesse tido a fraii-
Medonho, e a vaga num cruel gemido (pieza do declarar a procedência
do trabalho transcripto. passaria
Arqueia o dorso; mas arqueia o passa;
Vôain gaivotas, celeres, em bando;
despercebido talvez, como a muita
Flocos subtis de frigida fumaya gente passou, certamente, o (juc
vou referir.
Cobrem, de todo, o espaço illimitado.
O «Novo i\llindo» jmblicou em
E, de pé, no convéz, hirta, chorando
Minha alma inovoca os deuses do passado.
Maio de 1 8 7 9 , o bellissimo conto
( Cinerario)
«Sonho de um sabiá» original de
Ca r v a l h o A r a n h a . Sylvio Dinarte, transparente pseu-
30 2 A MENSAGEIRA

donymo do illustre Visconde de guração da monumental igreja da


Taunay. Pois beni, a «Semana» Candelaria.
de memoria gloriosa, revista litte- Este templo, que é considerado
raria por excellencia, publicou a 0 primeiro da America, foi inicia­
8 de Junlio de 1 8 9 5 , por conse­ do ha cento e tantos annos. E ’
guinte 18 annos depois, o mesmo riquissirao e imponente. A musica
conto sem alteração de uma vir- que cantaram no dia da festa inau­
gula, apenas em vez do pseudony- gural, e que é bellisima, 6 original
mo 0 proprio nome do auctor. Não do maestro Padre José Maurício e
declarou a procedência do conto... tem também mais de cem annos
de modo que todos ou quasi todos de edade. Tudo n’aquelle templo
0 leram e o apreciaram deveras. magestoso obedece e respeita a tra­
Isso de memoria bôa... não é para dição.
f
todos. A mim, graças a Deus, dif- Contam que uns naufrages, pres­
ficilmente me enganarão em ques- tes a succumbir, invocaram a pro­
tü(;s de arte. Ha pouco tempo en­ tecção de Nossa Senhora da Cande­
contrei no mesmo «Novo Mundo», laria e prometteram construir uma
a copia de um quadro de genero, capei la á virgem se Ella os valesse
original de um pintor illustre, que nessa dolorosa situação.
figurou no «Salon de Pariz», ha E a promessa foi cumprida. A
muitos annos. imagem de Nossa Senhora é ainda
Sabem o que aconteceu? Um a mesma. Ella que ouvio e pie­
dos nossos pintores copiou fiel­ dosa attendeu aos naufrages do sé­
mente a principal figura do quadro culo passado, tem protegido tantas
e 0 impingiu como feito do natu­ outras gerações, que em seu seio
ral, de um modelo vivo. A gente encontram sempre o sublime con­
vendo essas cousas entristece. A solo da fé, a alegria da esperança
Arte deve ser tratada com mais e 0 beneficio da caridade.
respeito.

Neste fim de século, as noivas


Os grandes acontecimentos da estão muito ariscas. Uma délias,
quinzena são: a próxima exposi­ outro dia, desmanchou o casamento
ção retrospectiva, organisada pelo por uma futilidade apparente mas
Centro Artistico; a fundação de que é falta muito grave para quem
creches e Jardins da Infancia, ge­ só encara a vida pelo seu lado
nerosa ideia que tem a sympathia pratico. Eis o caso: A noiva guar­
<le todas as brazileiras, e a inau- dava em casa de seu futuro, os
A M E N SA G E IR A 303

doces que ia fazendo para 0 dia


do casamento. A casa do noivo Kotas pequenas
era mais commoda, prestava-se me­ Pharmaceutica. — São do Paix
lhor para guardar 0 stock dos doces. as seguintes linhas: «Ha na Poli-
Um dia a noiva desconfiou... ali clinica de Nitheroy uma pharmacia
faltava grande quantidade de doces. e esse estabelecimento 6 habil e
Tirou a limpo a questão: quem caprichosamente dirigido por dona
os comia era 0 noivo. Ahi então Maria Luiza Torrezão Sue Surville,
ella raciocinando disse: quem não diplomada em pharmacia pela nos­
tom capacidade para guardar algu­ sa Faculdade, desde 1 8 8 7 .
mas bandejas de doces, muito me­ Folgamos de registrar esse facto
nos terá para guiar 0 futuro da que muito honra as senhoras bra-
mulher e proteger e amparar a fa- zileiras, e especialmente quem, sans
milia. brv.it et sens eclat, ha 8 an nos se
E por causa de ter comido os exercita em tão elevada funcção.»
doces do casamento, 0 noivo foi A Nação. — Com este titulo ap-
despedido! pareceu no Rio de Janeiro mais
M aria Clara da C unha S antos. um campeão dos interesses do po­
vo, cuja divisa é: clama, ne cesses,
de propriedade do Ur. Augusto de
Almeida & Comp.
Bngustia Do seu vigoroso artigo de apre­
(A ’ Amelia Cardoso Americano) sentação, trasladamos estas linhas
que dão uma ideia bastante accen-
Com tristeza enorme, lancinante e funda,
A tu’ alma em trevas, desolada vejo: tuada dos seus designios:
Uma filha morta! Ah! lagrima fecunda, «As difficuldades nos arrastam
\ que te ficou do derradeiro beijo...
para frente, os perigos têm fasci­
O pallor da morte, a magua da agonia, nações encantadoras, e na marcha
E es.sa despedida sem remedio, eterna,
Te deixaram n’alma a dor que mais crucia, progressiva da sociedade 0 que nos
— Viuvez do riso, agrilhoação materna! prende e nos attrahe não é 0 goso
Onde quer que vás ou que teus olhos pairem, de um momento, mas a lucta sem­
Acharás vestigios de teu anjo morto! pre crescente da perfeição social.
E sómente quando as maguas te desvairem
E ’ que has de encontrar numa illusão conforto! Que todos fallem e gritem; que
todos clamem pela verdade, pelo
E eu que, commovida, vejo o teu martyrio.
Sem saber, ao menos, consolar-te a custo, direito, pelas garantias da liberda­
O meu coração, num vago de delirio, de, pelo cumprimento da lei, que
Por meus filhos sinto estremecer de susto !
0 a ordem e a defesa dos fracos;
P r e s c il ia n a D u a r t e de A l m e id a .
S. Paulo, 17 de Fevereiro de 1897. que todos clamem, mesmo até 0
304 A M E N S A G E IR A

desespero, pela consagração da jus­ de emoções invencíveis. . . Arthur


tiça, que 6 0 anjo tutelar dos des­ Lobo teve de arcar na vida com
validos, da innocencia, do pudor e um desses momentos difficeis, de
da honra, e tenhamos fé que tudo dura fatalidade, e isto era mais uma
se aplainará ao impeto heroico da razão para que se interessassem
propaganda do bem, que afinal ha por elle todos os seus patrícios e
de penetrar como um raio do luz admiradores.
por todas as camadas sociaes, in­ A Mensageira saúda o cantor
différentes ou embrutecidas. dos Evangelhos e das K ermesses
Não temos, portanto, programma fazendo votos para que a vida se
definido; falíamos por todos os que lhe deslise dora avante cheia de
soffrcm, pelos pequenos, pelos fra­ suavidade e de ventura, entre o
cos, pelos pobres, que formam o riso cristallino de seus filhinhos e
nosso partido o a guarda de honra a voz animadora de sua esposa.
do nosso jornal. Revista Americana. — Do Rio
Saibam todos, o nosso program­ de Janeiro chega-nos esta encan­
ma são as dores e as lagrimas do tadora publicação mensal, de 2 6
povo, das quaes faremos o poema paginas, nitidamente impressas, pre­
de nosso amor pela dedicação sem cedidas de um retrato do primoro­
limites de nossos esforços. Onde so prosador-poeta Coelho Netto.
estiver a oppressão ou a desgraça, Na parte literaria figuram, além
estaremos ao seu lado, ou para re­ daquelle notável publicista, Sylvio
mediar os seus males ou para ge­ Romero, Olavo Bilac, Lauro Sodré,
mer com ellas.» Reis Carvalho, Oliveira de Mene­
Arthur Lobo. — Foi unânime- zes, E. Goeldi, G. Paranhos, Luiz
mente absolvido pelo jury de Ube­ Barreiros, J. Oititica, A. Bahia e H.
raba, a 2 6 do pp. 0 maravilhoso Mattos. Parabéns á Revista Ameri­
poeta mineiro Arthur Lobo, para cana^ da qual o alto empenho é
0 qual estavam voltadas as sym- estabelecer recíprocos conhecimen­
pathias de todos que tem enthu- tos e estima literaria entre todos
siasmo pelos verdadeiros artistas e os obreiros do pensamento que têm
de todos que conhecem a triste con­ a gloria de pertencer ás luminosas
tingência da humanidade ao choque plagas do Novo Mundo.
São Paulo 31 de Julho de 1898 Anno I, N. 20

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direotora — Presciliana Duarte de Almeida

Publica-se nos dias 15 e 3 0 de cada mex.

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m ero avu lso


a d ia n ta d o Endereço; Rea dos Estudantes N. 23 Rs. 1 $ 0 0 0

Summario: — Carta do Rio, Maria Cla­ do com afan para tornar em reali­
ra da Cunha Santos; — Com ares de
chronica, Maria Emilia; — Por montes
dade 0 seu sonho de tantos annos.
e valles, Ignez Sabino; — Parenthesis, Com effeito, é uma necessidade
soneto, Presciliana Duarte de Almeida; e um dever que todos temos de
— Paginas americanas, Pelayo Serrano;
— Chromo, soneto, Adelia Jucá; — Se-
cooperar com o contingente de nos­
lecç3o ; — Notas do interior, Dolores sas forças para a realisação dessa
Alcantara de Araújo ; — Notas pequenas. obra grandiosa, cujos benefícos re­
sultados não se farão esperar.
0arta do R,io A Creche é feita para descanço
dos pobres e tranquilidade dos ri­
A exposição retrospectiva orga- cos. Uma mulher pobre que pre­
nisada pelo Centro Artistico teve cisa ganhar o pão de cada dia no
um exito brilhante. trabalho penoso de creada de ser­
Não imaginava eu que nesta ter­ vir, encontrará na Crèche, conforto
ra houvesse tantos primores de arte. para o filhinho que ahi será bem
Em uma rapida visita apenas não tratado e alimentado conveniente­
ó possivel que eu tenha visto tu­ mente. A ’ noite, ao voltar do tra­
do que lá existe de hello e origi­ balho, receberá seu filhinho amado.
nal. Com mais vagar voltarei ao Ao contrario é impossivel se con­
assumpto, que bem merece toda a ciliarem as cousas. Trabalhar com o
attenção. filho ao colo é um supplicio para a
creança e para a mãe. Será um
A sympathica ideia da fundação fardo pesado para os braços, em­
de Creches e Jardins da Infancia, bora não seja para o coração.
nesta capital, tem sido acolhida em E a mulher rica que pode pagar
geral com muito enthusiasmo e creadas exige, e com razão, que o
amor. Julia Lopes de Almeida, a serviço seja bem feito.
brilhante escriptora que tão conhe­ Assim pois, a generosa ideia da
cida e estimada 6, está trabalhan­ fundação das Creches, nesta cidade.
3o6 A M ENSAGEIRA

6 de grande beneficio para as fa­ da frescura deliciosa d’aquelle lo-


mílias ricas ou pobres. gar quando ouviram muito ao longe
Não se contando absolutamente 0 pio estridulo de uma ave do matto.
com 0 auxilio official para a rea- — Que bello canto tem o jacú,
lisação deste sonho — sonho? não, disse 0 marido, escuta, elle está can­
ideia muito pratica, devemos nós tando.
mulheres, as mais interessadas em — Não é jacú, é jacutinga, affir­
bem organisar nosso ménage, tra­ ma a mulher.
balhar com coragem para esse fim. — Estás enganada, é jacú.
Já resoaram a meus ouvidos pla­ — Não é, eu sei, é jacutinga.
nos muito felizes. Sei que se or- — Não teimes commigo.
ganisará ura leilão de prendas — — Teimoso és tu, grandississimo
de trabalhos de nossas gentis pa­ malcreado.
trícias — e como não desejo que E a discussão foi augmentando,
alguém alegue falta de tempo para augmentando . . . já nenhum dos
execução de um trabalho bonito e contendores ouvia o que o outro
delicado, aviso desde já as cariocas, dizia, cada qual queria mostrar maior
ou melhor ainda, as brazileiras era conhecimento de adjectivos insul­
geral. Irei, nestas «Cartas» con­ tuosos.
tando tudo 0 que souber acerca E para encurtar razões, o mari­
desta ideia que hoje me preoccupa do como mais forte, venceu a dis­
inteiramente o cerebro e o coração. cussão quebrando nas costas da
cara metade uma bengala de junco.
A pobre mulher voltou para ca­
Passar de um bom conselho a sa dos paes — refugio de quem
um conselho bom é cousa facil. Pe­ naufraga no casamento. Não poude
dindo pelas Creches é aconselhar mais tolerar aquelle barbare que
0 bem e ensinar a prudência na se esquecera de seu amor, da de-
vida conjugal é também um excel­ ferencia que devia á mulher, de
lente conselho. Eis o caso: Mo­ tudo, tudo, para espancal-a assim !
rava no sertão de Minas um casal Passaram-se muitos mezes. O
feliz. O marido amava a mulher marido já muito arrependido pro­
como geralmente as mulheres amam curou reconciliar-se com a mulher.
os maridos — com extremos. Lagrimas, rogos, perdões, promes­
Nunca tinham brigado e o que sas, tudo elle invocou em seu auxi­
um queria, queria o outro. Lá uma lio e 0 certo é que ella perdoou a
bella tarde estavam ambos sentados offensa e ... reconciliaram-se.
na varandinha da frente, gosando (Conselho : não se mettam em
A M E N SA G E IR A
307

brigas de marido com mulher, te­


nham em vista a reconciliação des­ 0om aresrde chronica
te casal). Mas, como ia dizendo, Commemoramos a queda da Bas­
voltaram para a casa abandonada tilha, a folhinha nos apresenta 0
pela futil discussão do pio de uma 14 de Julho, a data inicial da li­
ave do matto. E a alegria, a paz berdade dos povos.
e a felicidade voltaram também á- Este dia que, com 0 correr dos
quelle lar. Muito bem, estava tu­ annos, se tornou, por assim dizer, de
do como dantes. Lá um bello dia, festa universal, nos relembra que
entre beijos e caricias, a mulher a Eavolução Franceza, ao mesmo
docemente suspirando, disse: faz tempo que rasgava novos horizon­
hoje um anno, lembras-te? que bri­ tes para 0 espirito do povo, fazia-
gamos por causa do jacú e da ja­ 0 conhecer a força desse nobre
cutinga, tu teimavas que era jacú. ente que constitúe a sua metade
— E era 'mesmo, tu não tinhas e que participa de todos os seus
razão. martyrios. M“ ®. Koland, que no
— Era jacutinga. dizer de Lamartine foi a alma da
— Não era. Revolução, M™®. Roland não pode
— Era. ser esquecida por mulher nenhuma
— Não era. neste dia de tamanha grandeza
Em resumo, repitiu-se a scena histórica! E 0 seu vulto aureola­
do anno passado, mais forte ainda, do nos apparece em mente, ora
porque em vez da bengala de jun­ dirigindo os altos planos dos mais
co, quebraram ambos toda a louça eminentes personagens da epocha,
da casa no bombardeio que impro­ ora subindo ao cadafalso e deixan­
visaram de repente. do cahir dos lábios aquella phrase
E dessa vez então não foi pos- tão cheia de ironia e de verdade:
sivel mais a reconciliação. Os in­ «Liberdade! liberdade! quantos cri­
sultos reciprocos tinham sido de tal mes em teu nome se commettem!»
ordem que derribaram para sem­ Então levadas por um sentimen­
pre a felicidade conjugal d’aquel- to de enthusiasmo e de piedade,
les dois teimosos! de pasmo e de veneração, buscamos
as suas Memórias e ficamos em­
M a r ia C l a r a da C unh a S antos .
baladas por aquella linguagem sin-
gella e grandiosa, vestindo pen­
samentos nobres e ternas recorda­
ções da infancia! M.“ ® Roland 6
um symbolo! Si nenhuma outra
3o 8 A MENSAGEIRA

mulher eminente houvesse existido prerogativas, barreiras crivadas de


sobre a terra, esta só bastaria para espinhos; ha quem negue a seus
synthetisar a profundsza e a força semelhantes o direito da opinião
moral do seu sexo! Mas, o mes­ e a opinião de direito!
mo cadafalso de onde rolou a sua Essas muralhas negras, porém,
cabeça gloriosa, nos recorda que não entibiam os defensores da Justi-
aquelle grande movimento politico ça, como a guilhotina não amedron­
da França tinha no seu seio con­ tava os heróes da Gironda. Aben­
vulsionado caracteres como o de çoado desprendimento dos que sa­
Carlota Corday, além de mulhres bem sentir a força de uma convicção!
de espirito tão elevado como M“ ®. Bemdita verdade, que não te deixas
Necker! obumbrar pelos sophismas dos que
A Revoluçã Franceza !... te querem opprimir!
Quem não terá chorado lendo as Os luctadores convictos têm nu
cartas da meiga Lu cilla a Camillo no emtanto, compensação a tudo
Desmoulins? Quem não terá sen­ que soffrem ; para que o seu cora­
tido extranha sensação de horror ção irradie de júbilo e mais accen­
ao pensar na princeza de Lamballe, tue a sua fé, basta ás vezes uma
immolada no altar da amisade in­ unica phrase de um homem su­
comparável que votava a Maria perior, como aquella de André
Antonieta? Rebouças, no seu livro Orpheli-
Qum não extremecerá ao pensar nato Gonçalves de Araújo, ao ter­
^ue a cabeça da desvelada amiga, minar a transcripção de um trecho
depois de decepada ainda foi afin­ de Sophie Raffalovich: «Todas
cada numa lança e coduzida á fren­ essas reflexões levam a um pro­
te de Maria Antonieta para mais blema novo para as raças neo-la­
lhe espesinhar o coração já mar- tinas:— Abolição da escravidão da
tyrisado com a retirada brutal do Mulher. »
seu louro e tenro Delphim?
E pensar que essa enorme tra­ Para pôr termo a esta chronica,
gédia da Revolução Franceza não queremos uns versos que nos lem­
fez germinar no seio da humani­ brem que é no regaço da mulher
dade todas as sementes do bem! que se acalentam as cabeças im­
E pensar que ainda depois delia berbes dos homens do futuro. Seja
ha quem sustente com intransigên­ uma poesia de Silvio de Almeida,
cia ferrenha a bastilha dos precon­ que me veiu ha tempos numa folha
ceitos; ha quem interponha, entre paulista e que fôra classificada por
a dignadade da mulher e as suas Guiomar Torrezão, em chronica de
A M E N SA G E IR A
30 9

Lisboa, como «uma suave elegia,


penetrada da incoercivel sensibili­ í o r montes e valles
dade tão pessoal e subjectiva como
A Aurea Pires
só a pode experimentar e reduzir
á forma graphica 0 poeta, 0 eleito Eu não sei porque, todas as ve­
da inspiração, 0 verdadeiro artista zes que saio da Capital e interno-
namorado do ideal que 0 seduz.» me pelo interior, no que a outrem
parece velho e sem encantos, os
Porque sou triste? meus olhos de observadora encon­
Porque sou triste, si alegrar me cabe tram sempre uma novidade, maxi­
A minha Mãe, já velha e alquebrantada,
Que tem vivido, como só Deus sabe. me, tendo 0 espirito em ferias e
De continua tristeza amargurada? em festas 0 coração.
A celeridade de trem não dis-
Não terá jus ao meu amor ardente
Quem tendo sido, cômo foi, tão pobre. trahe 0 meu pensamento, nem me
Me ensinou a presar unicamente perturba a idéa. Então noto que
O grande, o bello, o verdadeiro, o nobre?
havendo no Brazil climas diffe­
E não merece as minhas poesias
rentes, com tudo não temos meio
Quem me contava o nome das estrellas. dia com fructos de outomno, nem
Dizendo: «Silvio, vê as Très Marias,
E estas. . . e aquellas. . . Que bonito é vel-as ! »
norte em gelos perpetues.
0 nosso solo é rico e fecundo,
Pois minha mãe, que me trazia ao peito, por isso que se torna a saberba
E me embalava, quando mais menino, miragem do trabalhador europeu,
Não tem agora, por egual, direito
De querer que eu lhe abrande o seu destino? que abondonando os pátrios lares,
vem colonisar esses enorme deser­
Tudo lhe devo, desde a luz da vida
tos de verdura, edificando a mo­
Até a mesma luz que me allumia,
Pois, só por mmha doce Mãe querida, desta cazinha perto da fonte que
Não vejo a noite quando brilha o dia! lhe mata a sede, encontrando na
agricultura a riqueza, já no apice
Porque sou triste, pois? Quem lhe consola
A noite da velhice, que já desce? dos montes onde se aclimata 0
Quem me dera um sorriso por osmola, milho e 0 café; já na fértil cam­
Com que sorrir á minha mãe podesse!
pina, aonde pastam aminaes da
S il v io d e A l m e id a .
raça vacum e cavallar. E’ bello
Flores ao poeta e descanço ás leitoras. ver-se quarenta, cincoenta ou mais
M a r ia E m il ia homens infileirados, movendo as en­
xadas a cavar a terra, preparando
0 terreno, contentes, felizes, em-
quanto pelo atalho vem a mulher
e os filhos com a cesta da refei-
310 A MENSAGEIRA

ção que apenas consta de carne nho bordejado de barrancos, quan­


de porco e polenta; elles, com o do um dehcioso fectu chamou-me
descuido proprio da idade, ellas a attenção.
com trajos exquisitos, resguardam Arrancal-o foi obra de um se­
a cabeça do sol já por um lenço gundo. Observando-o, dissertei ra­
atado sobre os cabellos, cobrindo pidamente sobre a geographia bo­
as orelhas, já por um chapéu de­ tânica, a divizão das familias nes­
sabado de palha grosseira. No sa especie que constitúe a Flora
campo, eu accordo com os passari­ de qualquer paiz, incluindo as plan­
nhos, por isso desejando observar tas sodas, as cosmopolitas, as de-
tudo, punha-me a caminho, corres­ sagregadas, lembrando-me de Du­
pondendo ao «Bom dia», dado dis- hamel que escreveu 6 volumes so­
pretensiosamente, emquanto o sol bre a physiologia das arvores e
feria o espaço com os seus raios dos vegetaes, de Linné, o primeiro
embellesando os corregos e o mur­ que estudou o reino vegetal, depois,
múrio d’agua nascente a repercu­ dos Jessieus tio e sobrinho, de Cau-
tir n’alma o enlevo causado por dolle, de Cesalpim que antes de
essas manhãs tão lindas. Ora se­ Jessieu fez o primeiro ensaio sobre
guia a estrada geral, ora internan- 0 assumpto, em 1 5 8 3 , com o seu:
nando-me por um desvio, vi uma «Libre X V I de plantis», além de
vez um quadro digno do melhor J. Rai, 0 inglez Morisou, o alle-
dos nossos pintores. N’ uma roça mão Knaüt, o hollandez Hermann
bem cultivada, de milho e de em 1 6 9 0 , e mais os francezes
feijão, por onde serpenteava um Ravisius e Tournefort, em 1 6 4 0 .
riacho, na porteira, trepara-se lin­ E, no grande grupo da divizão
da criança de seis annos, com saia dos vegetaes, os Adocotylidoneos,
azul, camizinha branca de mangas os Monocotylidonios e os Pocotyli-
compridas, collete escarlate e ca­ donios, com as familias, os gene­
bellos louros, em longas madeixas, rös e especies, variam os indivi-
cahidos sobre as costas, que gen­ duos de raças, do mesmo modo
tilmente atirou-me um beijo, em porque se nota essa differença no
quanto um rapazinho de quatro reino animal, constituindo varie­
annos e uma menina de tres des­ dades superiores e inferiores. Jul­
folhavam no chapéu, assentados go que 0 estudo da botanica de­
na areia, uma porção de flores sil­ veria ser um encanto para o meu
vestres. Natural mente parei a sor­ sexo, não só como passatempo, co­
rir, seguindo depois de correspon­ mo também por necessidade até
der com igual gentileza, o cami­ mesmo pecuniária. Mas, custa, sei
A MENSAGEIRA 31 I

bem, á mulher entre nós, com a se atravéz da membrana da folha,


educação falsa que recebe, gostar descoberta oriunda dos chymicos
de instruir-se e saber 0 que cha­ e botânicos francezes Coventu e
mam supérfluo, quando não, se vis- Pellitier, em 1 8 1 8 . Depois os olhos
sim 0 Champignon que se uza em se deleitariam a observar as immen-
varias iguarias, 0 Milho, a Cevada, sas variedades de Palmeiras, as
a Canna de assucar, (granineas) das rainhas dos bosques, como as cha­
quaes se conta mais de mil espe- mou Linneu; se folheassem Ri-
cies, entrando nellas a grama so­ chard ou Duchartres, á pagina
bre a qual se estende a roupa para 8 0 7 , já conhecendo nellas um Mo-
corar, alem da que sustenta os nocotyledonio, saberiam também
animaes, se analysassem umas al­ que Martius, as estudou particu­
gas, (da familia das cryptogamas) larmente, dando á America 2 7 3
quer as do mar, quer as dos rios, qualidades e 3 0 0 distribuidas pelo
verificariam has primeiras, umas resto do globo, dividindo-as em 5
Monocotylidonias e nas segundas grupos, a saber: 1 .“ Aracinéas, 2 °
um Adocotylidonio por não darem- Caloméas; — 3 ." Borassinéas; —
flor. 4 .“ Coryphinéas; 5 .“ Oscaqueiros,
Nas Bananeiras, nas Orchideas, — que dão fructos.
nos Aspargos, nos Jasmins, nos De algumas palmeiras-se estrae
Cravos, nas Campanulas, no ananaz, feculas como 0 sagú, alem de cêra,
nas Begonias e nas Palmeiras, ana- como a carnaúba, oleo e bebidas
lysariam um Monoeotylidonio, ao agradaveis como a Jussara no Ma­
passo que enfeitando os jarros do ranhão, Assahy, no Pará, etc. etc.
toucador e os jarrões da sala de vi- As suas lindissimas palmas ser­
zitas, teriam a certeza de serem vem para cobrir ou construir mes­
Dacotylidonios. Se notarem que mo os «Mocambos» da gente po­
as grandes arvores da matta ou bre do Norte, quer á beira dos
os arbustos do jardim têm verdes rios, quer á margem do oceano.
os troncos e as folhas, é necessá­ Existem outrosim Palmeiras his­
rio que não ignorem 0 nome da tóricas, haja prova as que se dis-
substancia verde que as anima, tribúem no Domingo de Ramos em
(chlorophilla) lhes 6 dada pelo ar lembrança da entrada de Jesus em
e pelo sol, que por exemplo, no Jeruzalem (veja-se Caminhoá). Ora,
Lyrio fornece a sua brancura im- como 0 vegetal pela transforma­
maculada, mas que nas folhas, for­ ção do terreno, do clima e pela
mando a cor verde, essa materia fraqueza do germen soffre a lei
contida no interior das cellulas, vê- fatal do transformismo, oriundas
312 A M E N S A G E IR A

dos clima tropicaes, umas crescem curiosidade, por não ser eu do lo-
a 6 0 0 metro de altura, outras des­ gar; mas aos poucos, como meu
cem a proporção de um ou dous irmão 6 d’aquella gente bem co­
metros, como as Phoenix^ perten­ nhecido, ao sahir, correspondí a
centes a classe das «Caules»,*) por saudação de algumas pessoas, na
isso que sem tronco, os talos sur­ maior parte fazendeiros e negoci­
gem elegantemente da terra, nas­ antes, que a convite do dono d’a­
cendo das raizes adventicias que quella caza de oração, com a sua
se intranham nella de tal sorte, presença davam prova de cortezia,
como se fossem espetados os talos que não de crença ou fervor reli­
artisticamente, segundo affirma Du- gioso ao acto, talvez.
chartres e confirma Martius, que No campo, em plena natureza,
admirou uma tão linda, em Mada­ como é suave e poética a oração,
gascar, a ponto de impressional-o nesse mysterio indifinivel que faz
muito e delia tirar o desenho. As 0 ser humano compenetrar-se da
nossas Indayás, são disso, prova. sua fraqueza, da sua pequenez, para
elevar o espirito ante o sublime
E’ ainda a manhã, nem uma nu­ Artifice, creador de táes bellezasü
vem fofa esmalta a athmosphéra.
O sol esbrazea aquellas longi- A mim, não passa desapperce-
quas paragens, dando á natureza bida uma flor delicada dos morros
ou da campina. Eu notava que o
um encanto indiíinivel a tudo que
eu admirava, ora colhendo uma flor, Idikium Corronarium formava cx-
ora respondendo a uma pergunta. tensissimo jardim nas varzeas e á
Seguia pela estrada, quando vejo por beira dos corregos, quando do bar­
um atalho varias pessoas derigirem- ranco, proximo, cahiu-me aos pés
se para uma capellinha que fica so­ enorme torrão de terra húmida,
bre pequeno outeiro e cujo sino re- por haver chovido na vespera.
picava alegremente. Com as pessoas Apanhei-o e mostrando-o, puz-me
queridas que me accompanhavam, a phylosophar sobre o assumpto.
dirigi-me também para lá. O rús­ A terra, esta mistura de argilla
tico templo já com alguns devotos, e de areia que tinha na mão, esse
não tinha galas, notando-se uma globo que gira no espaço e que
pobreza enorme em tudo. eu amassava entre os dedos, se
A minha entrada alli produziu fosse uma esculptora, aproveital-a-
ia em deliciosos bustos, figuras,
*) As Acaules são plantas que não têm
flores, ramos, ornatos o utensílios.
talo ou o têm muito pequeno, como o
telho, 0 Jacintho, e outias. Todavia, quanta legua devoluta.
A M E N SA G E IR A 313

quando 0 lavrador aproveitando-a, muito fatigada, fui sentar-me, be­


nella teria a sua melhor amiga?... bendo agua fresquissima na folha
Um dia, (não para os meus), côncava de um vegetal que floria
esses ermos serão cidades, com alli perto. Corriam as horas des­
fabricas, templos e escolas. Nas apercebidamente. O sol fustiga-
fazendas, a enxada e a cliarrúa, va-me 0 rosto, por isso puz-me a
darão 0 proveito desejado; os juros caminho, notando que os nomes
do suor humano, mitigarão 0 tra­ dados aos logares, são impróprios,
balho da honradez. Se 0 sol fes­ mas naturalmente lembrados pelos
teja-a com os seus raios; se a chu­ antigos tropeiros, quando 0 apito
va brinda-a com a sua réga; se do trem não despertava essas so­
a lua brinca no cabeço dos seus lidões ainda.
montes; se a neve alveja os altos As crianças correndo na frente,
pincaros; se as estrellas allumiani- eis que uma delias lembrou-se de
a negura; se entre nós a poezia assanhar enorme caza de marin-
sertaneja infunde n’alma 0 painel bondos.
da verdade sob uma forma tão Fugimos defies apressadamente
amena, para que 0 brazileiro deixa e chegando á caza, tomei estas no­
0 estrangeiro uzurpal-a, para que tas, respirando ainda com prazer
consente-a á mêrce de outrem, 0 perfume das flores incultas que
sobretudo 0 liberto, que tão de­ me traua a matta, de envolta com
pressa esqueceu esse penhor do 0 ozone purissimo dos ares cam­
seu trabalho, quando benificiara 0 pestres.
paiz por seu intermedie? Capital— 6 .— Março— 1 8 9 8 .
Não serão por isso uns gran­ I gnez S ablno.
des ingratos?!...

Nella temos um jardim perpe­


tuo; das suas entranhas surge 0
mármore, 0 ferro, a prata, 0 ouro, ^arenthesis
0 alluminium, as pedras preciozas; Porque tão longa e desa.strada ausência
das suas veias jorra a cachoeira, Entre dois seres que a amisade encanta,
que forma os grandes rios, os seus Aniisade que todo o mal quebranta
affluentes, os ribeirões, os riachos, E que tem da constância a presciência?

os fiietes argenteos com fontes Do destino porque tanta inclemência?


crystalinas, cercadas de trepadei­ Amargura porque na vida tanta?
ras, arvores seculares, troncos cabi­ Aos que se nuntrem de affeição tão santa
dos ao accazo, n’um dos quaes já Deveria sorrir sempre a existência.
314 A M ENSAGEIRA

E o nosso coração assim fazia, nuino de brasileiras formosas; que


Em linguagem amarga e verberada,
nem estas podem ultrapassar, com­
A queixa dessa ausência agra e sombria!
petir. sim, na graça das maneiras
Hoje sorriem nossas almns juntas... finas, no porte garboso e na sua­
Mas amanhã, de novo separadas. vidade enleiante dos traços do per­
Hão de fazer ao céu iguaes perguntas.
fil seductor, ás amoraveis habitan­
P r e s c il ia n a D u a r t e d e A l m e id a .
tes de Lima.
Que 0 decidam Virgilio Varzea,
0 evocador das bellezas de Santa
Catharina, e Olavo Bilac, esse
gorgeiante poeta carioca, acérrimo
paginas americanas na defensa sem restricções das for­
mosuras femininas do Rio de Ja­
(Fragm ento)
neiro.
... Vêr Lima, a formosa e aris­ Sobre o logar de honra occupa-
tocrática, que bello seria! do pelas peruanas, na galeria de
Encher o espirito alli com as re­ bellezas sul-americanas, attestam-
cordações pavorosas do grande ter­ n’o dous factos: nas legações ex-
remoto de 1 8 1 7 , após o qual mais trangeira sem Lima é ephemero o
garrida se levantou a capital do celibato para os jovens addidos e
Bimac, reconstruindo com os mi­ secretários solteiros, quasi sempre
lhões do guano seus magníficos pa­ regressam ao seu paiz casadinhos
lácios da era colonial e faustosa esses diplomatas, de tal modo os
dos vice-reis. . . Ir á cidade prin­ enfeitiçam de amor os olhos das
cipal orgulho do paiz de Andrés mefgas limenses; o segundo facto,
Bello e de Pierola — e alli vêr, veja-se no velho e intenso odio po­
admirar as adoraveis filhas do paiz litico, que separa chilenos e perua­
dos Incas, em terras brasileiras afa­ nos, como inimigos altivos e irre­
madas pela sua captivante belleza conciliáveis, mas odio incapaz de
e pela muita e proverbial doçura impedir que os guapos rapazes arau-
de seus mil encantos! E ’ usual canios se entonteçam de amores
dizer-se que nem as minhas deli­ pelas filhas da terra gloriosa de
cadas compatriotas catharinenses — Atahualpa, herdeiras das qualida­
as filhas de Desterro e Laguna, gen­ des atavicas d’aquelle nobre san­
tilíssimas patricias de Annita, a len­ gue quichúa e também das blan-
dária esposa daquelle bravo José dicias e ternuras de coração, sem­
Garibaldi — as quaes passam ao pre irresistíveis em qualquer dama,
lado das cariocas, como o typo ge- cujos lábios trinem o apaixonado
A M ENSAGEIRA
315
idioma de Espronceda e Campo- sativa da classe de geographia era
amor! Ah! esse coração da mulher 0 que me esperava, naquella poly-
castelhana tem mysteriös e filtros chronica enscenação cosmopolita de
de enleio, que decifral-os nem mes­ mappas e quadros, da minha sala
mo 0 doce Loti, ou 0 grande bo- de aula. Povos e terras, cidades
hemio genial, que se chamou lord e mares, alli estavam agrupados na
Byron, 0 puderam fazer! Nos tró­ reducção infinitesimal do globo fi­
picos, ou no polo, contemple-se a gurado: ser-me-ia dado vêl-os, um
hespanhola nas ruas de Manilla ou dia longinquo do porvir?
de Havana, trate-se da portenha ou
da oriental ou da madrilena, a gen­ 1893 - Julho.
til rainha do salero e do adufe, a
P e l a y o S erran o .
soberana do galanteio e desse ca­
valheiresco amor, que sempre res­
pira ciúmes trágicos ou dedicações
heroicas, ella, a mulher hespanhola,
é uma só, em Sevilha como em
Montevidéo, no Chile ou em Bo­ ©hromo
gotá ... Reatando 0 já dito — os Dormia, em sua fronte descorada
chilenos têm plenissima razão para Desenhava-se um sonho venturoso,
Das madeixas o anel mais gracioso
esquecer as velhas rusgas patrió­
Cahia na almofada rendilhada.
ticas, quando, ao pisarem 0 caes
do porto de Callau ou Arequipa Pendente da mãosinha perfumada,
(a Sagunto peruana), seus olhos Sobre o collo, de alvura alabastrina,
ferem os primeiros golpes cora as Se entrevia nas rendas da cortina,
A medalha da Virgem Immaculada.
valentes dominadoras de corações,
as faceiras e adoraveis compatri- Pela janella o sol que penetrava,
cias do lendário Huascar. . . O Indiscreto, em manhã de primavera.
nosso Varnhagen, Vianna de Lima De luz n’um banho a alcova mergulhava.

e outros mais diplomatas do Brasil


Mostrando sobre a meza de páo-roza,
alli deixaram presos os corações. A cartinha de amor que recebera
Aquella que dormia descuidosa!
E nesse scismar espiritual, ide­ A d e l ia J u c á Ca s a d o L im a .
ando viagens e perspectivas lumi­
nosas e doces para 0 coração, ia
eu, lentaraente, baixando de mais
um sonho irrealisado ás cogitações
reaes do presente. A toada can­
3i6 A M ENSAGEIRA

Os que pensarem n’isto farão


5elecção um bem á familia e á sociedade.
M a r ia A m auia V az de C arvalho.
Na velha historia do passado são
(M ulheres e Creanças.)
as mulheres que conduzem no re­
gaço a maior porção de louros tri-
umphaes que lhes outorgou a im­
parcial justiça dos homens.
Trotas do interior
Peço venia á illustre redactora
E ’ da mulher que deve partir da «Mensageira» para dar ás gen­
toda a força, toda a grandeza, to­ tis leitoras de sua attrahente re­
da a elevação progressista de um vista, uma idéa ligeira da elegante
povo. Juiz de Fóra, onde actualmente es­
tou, chegada do poético Caxambú,
de que me recordo com saudades.
Guiai a mulher, educai-a, abri- Bem dizia o immortal Chateau­
lhe os largos thesouros da instruc- briand: — Não ha prazer que a
ção, explicai-lhe os infinitos mys­ dor não siga bem de perto.
teriös da intelligencia, e ella po­ Dura verdade, a d’esta rapida
voará a terra de heroes; entregai- phrase, que encerra um ensina­
lhe uma luz e ella illuminará um mento tão grande ! !
século. E para mais precisamente com-
L u iz G u im a r ã e s J u n ior . prehendermos a pujança d’aquelle
sublime conceito, basta estudarmos
A nossa caridade official d^ pão os factos da vida humana no seu
e vestuário ás creanças, mas que intimo sentir, para nos convencer­
faz em favor das mulheres? mos de que o riso é sempre ephe-
Dando-lhes uma educação que mero, ao passo que a dôr ó dés­
não está em harmonia com os seus pota constante no seu império de
meios futuros,’ condemna-as á mi­ minas.
séria, á desgraça, quantas vezes, á E’ assim que após as alegrias de
ociosidade e á ignominia? uma encantadora viagem, succedem
A educação deve fazer-se pra­ as saudades com o seu cortejo de
tica e positiva, deve tornar-se um lagrimas.
preventivo efficaz contra os maus Bemdita, pois, a ausência que
conselhos da pobreza ou da pre­ empresta um colorido mágico ás
guiça. cousas do passado ! !
A M E N SA G E IR A
31 7

Não sei se devido a essa lem­ de um regosijo forte. Pela pri­


brança grata, que nos deixam os meira vez, pois, senti este mixto
dias que não voltam, é que tenho de terrores e phantasias, sorrisos
sentido tão vivas saudades de Ca- e prantos, 0 que tão pouco se pres­
xambú, apezar de minha nova re­ tam a uma definição exacta.
sidência aqui, que, com justiça se
diga, é um pequeno paraiso. Logo ao chegar a Juiz de Fora,
Abandonando 0 confronto entre observei com satisfação toda rela­
estas duas jóias mineiras, pela dif- tiva 0 respeito aos mortos, compro­
ficuldade na concessão da prima- vado pela elegancia dos monumen­
sia, e mesmo porque me fallece a tos fúnebres que escapavam esguios
coragem para recordar um tempo e esbranquiçados d’entre as mura­
já extinto e bem vivido, passarei lhas frias de um cemiterio, — tem­
a falar apenas das minhas impres­ plo onde fenece toda vaidade e
sões em relação a Juiz de Fora, triumpha sempre 0 pavoroso nada!
que no dizer exaggerado de al­ Sorprehendeu-me, em seguida a
guém, é 0 cantinho mais seductor grande extensão das ruas, impec-
do nosso rico Brazil. caveis em sua maioria pelo alinha­
Aqui cheguei trazida pela loco­ mento recto, apreciáveis pola lar­
motiva, que rasgando brutalmonte gura ampla, imponentes pelas cons-
0 espaço conservava-se indifferente trucções ideaes que as ladeiam 0,
para com as incomparáveis bellezas sobretudo, deliciosas á noite quan­
do solo e surda aos rogos ternos do os postes de luz electrica symo-
das testemunhas do seu indifferen- tricamente alinhados, produzem ef-
tismo que eram, sem duvida, os feito original e bello.
rochedos denegridos, as mattas vi- Em verdade, é, deveras aprazivel
rentes, as flores sylvestres e os rios este local ! !
espumantes. E como não ser assim, se a so­
Na contemplação de taes primo­ ciedade é finamente culta, gracio­
res meus olhos madidos ainda do samente hospitaleira e immensa-
pranto da saudade se extasiaram mente sensivel, como attestam dous
ao mesmo tempo pelas sublimes re­ luxuosos edificios de caridade pu­
velações de faceirice dos desconhe­ blica, como sejam, a Santa Casa
cidos si ti os, transmittindo assim ao de Misericórdia e 0 Asylo João
meu coração uma emoção nova c Emilio, nos quaes se destribuem
extranha nos intimos annaes de mi­ promiscuamente affecto, consolo e
nha vida, onde a dor nunca se ensino ? !
havia enlaçado com as vibrações E ’ uma terra essencial mente de
3i8 A M ENSAGEIRA

moças, e de moças não só lindíssi­ enche e embelleza os salões aris­


mas, como regularmente instruídas tocráticos.
e talentosas. A mim, isenta das fortes e rui­
IS’âo é de todo o espirito de sym- dosas alegrias que os bailes pura­
pathia que me força a expressar mente dançantes dispertam geral­
por esta forma em relação ao ele­ mente no coração de quem é jovem,
mento feminil d’ este logar, mas, quedei-me a contemplar toda aquel-
sim 0 culto á verdade e o intuito la galhardia graciosa, até que me
de evidenciar que a educação da coube a honra de ter como par
mulher brazileira marcha desassom­ um antigo e respeitável titular (re­
brada para a próxima conquista in­ líquia, quiçá, do systhema decaido)
tellectual, cujo exito benefico de que, de forma alguma, podia re­
ha tanto ideamos. signar-se com a confusão que nas­
Ainda ha bem poucos dias, tive cia das almas moças, educadas em
em mãos um primoroso documen­ plena quadra de revoluções e en-
to das graças do espirito de uma thusiasticamente republicanas.
jovem residente aqui, que em har­ Passei bem rápidos momentos ou­
monia sublime enlaçou nas pagi­ vindo as ironias do meu cavalheiro
nas de um album intimo as reve­ e observando as oscillações d’ a-
lações de sua natureza finamente quella onda de bonança.
privilegiada, quer para as blandí­ Esquecia-me de salientar o que
cias incomparáveis da musica, quer havia de mais artístico no logar:
para os lampejos da poesia amena — Era 0 grncioso jardim munici'
e discreta e quer para os traços pal, onde o sussurrar das palmeiras
artísticos do desenho elegante. verdes se confundiam com os sons
Salvas e applauses nossos mere­ de uma agradavel orchestra, com
ce essa gentil representante da il­ as scintillações de uma illumina-
lustre familia do immortal José de ção medrosa e, ás vezes com os
Alencar. Salve ! ! suspiros longos e indefinidos de
Aqui, como geralmente em todos uma celestial estudiantina.
os logares, o baile é o preferido Convergiam para este delicioso
dos folguedos. jardim de scismas, onde a imagi­
Eu assisti apenas a uma soirée, nação cantava e ria a contento em
onde damas e cavalheiros dança­ noites crystalisadas pelo luar, crea-
ram com elegancia extrema. turas de almas mysticas e pensa­
Em compensação esqueceram-se tivas.
do piano, do canto, do recitativo Infelizmente tão ephemera como
e do jogo, emfim da arte, que tanto a passagem dos bandoleiros pyri-
A MENSAGEIRA
319

lampos, foi a vida d’aquelle recreio versos externatos e a promissora


cheio de romantismo e poesia ! ! Academia de Commercio. Existe
Xão posso mesmo furtar-me ao também uma completa Escola Nor­
impulso de censurar violentamente mal, que trabalhando com profi­
0 abandono do pittoresco jardim mu­ ciência e zeloso extremo, habilita
nicipal, por parte das almas puras e garante á mulher a necessária
e idealistas. independencia.
Como pontos de diversões, temos Tenho notado e com bastante ale­
ainda — Prado, Theatro e Velo- gria, que as lettras são aqui culti­
dromo. vadas com entussiasmo, pois, além
Juiz de Fóra, é uma cidade mui­ da tradição honrosa de uma im­
to commercial, como claramente de­ prensa passada, conta actualmente
mostram as diversas fabricas, com­ 0 logar um importante diário 0 —
panhias e importantes estabeleci­ «Jornal do Commercio».
mentos entre os quaes 0 Banco de
Ha muitos homens notáveis pelo
Credito Real de Minas, que tem
elevado cabedal scientifico, diver­
aqui a sua séde.
sos artistas e festejados oradores,
Além do importante edifício da
que fazem a gente desconfiar de
Alfandega (ainda em construcção), algum roubo no archivo de Deus,
de dois Conventos, da Hospedaria onde são guardadas com infindo
de Immigrantes, da Mecanica Mi­ amor, as pérolas da rethorica que
neira, do Forum, da Inspectoria de a poesia levemente ruborisa.
Hygiene, etc., é digno de nota 0
Existe ainda um numero relati­
bello prédio da Cadeia, angustioso
vamente considerável de litteratos,
retiro de tantas almas transviadas
dos quaes não falarei em particu­
pela alucinação do crime.
lar, porque as leitoras melhor do
Tenho apreciado a singeleza dos
que eu os devem conhecer e apre­
templos, em harmonia com a sim­
ciar.
plicidade religiosa.
Funciona aqui 0 Instituto Jurí­
O clero, que é bastante nume­
dico Mineiro, que tantos serviços
roso e illustre, conta em seu seio
póde prestar á causa commum do
0 notável pregador Julio Maria, que
Direito.
tenta dar á Igreja Catholica uma
feição mais liberal, garantindo, as­ Margeia a localidade 0 formoso
sim, a sua estabilidade atravez das Paraybuna, cujo percurso tem in­
evoluções dos séculos. findas bellezas.
Cuida-se com carinho da instruc- O municipio conta 9 0 .0 0 0 almas.
ção, pois, ha muitos collegios, di­ A zona é cafeeira. Os trabalhos
320 A M E N S A G E IR A

do foro são avultadissimos, existin­ l^otas pequenas


do duas varas de Direito.
Recebemos e agradecemos: —
Resellte-se o logar da falta de
Correio de Minas, folha diaria, fun­
11ni Mercado, que tanto favorece a
dada em Juiz de Fóra — a flores­
commodidade publica. Em contra­
cente cidade mineira, e de cuja
peso tem um completo serviço te-
redacção faz parte o estimado chro-
lephonico.
nista Heitor Guimarães ; Revista
São fáceis os meios de transpor­
Moderna, periodico literário publi­
te, devido a companhia de bondes
cado no Rio de Janeiro e redigido
e abundancia de carros de aluguel.
por Eugenio de Barros, S. de Cas­
Ha extracção diaria de duas lo­
tro e mais alguns talentosos moços;
terias. Embelleza muito a locali­
Oito de Setembro, revista catholi-
dade a somma avultada de fazen­
ca. Rio Grande do Xorte; Cidade
das próximas. Como cidade mo­
de Itajuhá; A Ordem, de S. José
derna que é, segue, no dizer de
do Paraizo e Verdade e Lux, des­
um homem de espirito, o systema
ta capital.
Kneipp e por isso anda descalça.
Versos. — Mimoseou-nos com
Creio, porém, que seriam melhor
um exemplar dos seus formosos
avisados os gentis habitantes d’es-
Versos o conhecido e apreciado
la bella terra se cuidassem seria­
poeta mineiro Francisco Lins. Agra­
mente em fazer um calçamento so­
decemos a offerta do seu livro, so­
lido e util e se déssem um carater
bre 0 qual se encarregou gentil­
mais risonho á cidade, promoven­
mente de fazer a critica na Men­
do reuniões recreativas e festas lit-
sageira 0 nosso talentoso e distin-
cerarias, em vez de se preocuparem
ctissimo collaborador D.*' Manoel
tanto com os barbaros exercícios
Yiotti.
cynegeticos, cujo fim é perseguir
e mattar os sublimes e inoffensivos A Mensageira
cantores, que habitam as regiões A Mensageira. — Appareceu o
superiores, onde a inveja, o odio n. 17 da MeJisageira, a chie revis­
e a vingança não encontram adep­ ta litteraria que com todo brilho
tos e nem throno. Fieis ou não, intellectual a sra. d. Presciliana
foram estas as minhas impressões Duarte de Almeida redige nesta
e — quem dá o que pode não faz capital.
mais do que aquillo que deve. Entre os bons artigos e poesias
que contém sobresahe o conto Bor­
Dolores Alcantara Vilhena de Araujo.
boletas da poetisa d. Zalina Rolim.
12 de Maio de 1 8 9 8 . (Do D iário PoptUar)
São Paulo 15 de Agosto de 1898 Anno I, N. 21

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Directora — P rescilia n a Duarte de A lm eida

Publiea-se nos dias 15 e 30 de cada mex.

P a g a m e n to P r e ç o da assignatura, 1 2 $ 0 0 0 p or anno 1 N u m ero avu lso


a d ia n ta d o Endereço; Rea dos Estudantes N. 23 ! Rs. t$ 0 0 0

— Carta do Rio, Maria Cla­


S u m m a r io ; e com os quaes meu espirito e co­
ra da Cunha Santos ; — Do Livro da
Saudade, soneto, Zalina Rohm ; — Adeus,
ração rebeldes á rotina que domi­
soneto, Aurca Pires ; — Divagações, C. na 0 mundo, não se acostumam,
de Carvalho; — No Album, soneto, Car­ e a que não se submettem.
los Góes ; — Versos de F. Lins, critica
literaria, Elmano do Vai; — O Orpham,
Outro dia, na Exposição de Arte
soneto, Francisco Lins; — O Armador, retrospectiva, brilhantemente orga-
conto, Andradina de Oliveira; — Sonhos, nisada pelo Centro Artístico, contem­
Pelayo Serrano. — Notas pequenas.
plava, absorta, um quadro lindissimo.
Era 0 interior de uma sala de
0arta do R.io luxo, repleta de formosos objectos
«Vale 0 esforço ou vale a vic­ de arte. Extraordinária composi­
toria?» Eis 0 problema. Esta per­ ção em que se encontravam em
gunta intrincada fazia, ha dias, no harmonioso conjuncto, a riqueza do
Jornal do Commercio, em um vi­ colorido, a luz vibrante e forte de
brante artigo, a distincta escriptora um dia primaveril, o rigor technico
Maria Amalia Vaz de Carvalho. dos detalhes e sobretudo a elegân­
Vale a immolação dos que deram cia e naturalidade das figuras. Ao
a um ideal sonhado toda sua alma, fundo do quadro havia uma janella
ou vale a felicidade dos que attin- ampla, francamente aberta e ao
girain o seu fim e colheram na longe, muito ao longe viam-se, de­
apothéose final, a palma appetecida ? senhados com a rigorosa precisão
0 mundo, accrescenta a illustre es­ da perspectiva, arvores e arbustos
criptora, só vê os que venceram.» que projectavam no chão deliciosa
Triste verdade essa! Os factos da sombra. Ao contemplar o formoso
vida pratica, demonstram bem que quadro, esqueci-me de consultar ao
0 povo só leva em conta os feitos catalogo 0 nome do auctor.
dos vencedores. E 6 por isso que Apreciava-o incondicionalmente,
eu fico pensativa a scismar quan­ como se aprecia o que é bello, o
do vejo desses factos tão communs que 6 digno, o que é elevado. De
322 A MENSAGEIRA

repente resoaram a meus ouvidos litterario. Apezar da fraternal ami­


palavras asperas de censura ao qua­ zade que me prende á meiga e in­
dro. Alguem dizia, bem alto, que telligente poetisa não sou suspeita
nenhum valor encontrava na tela garantindo desde já o exito de seu
que me enfeitiçava cada vez mais. livro Lendo as poesias de Aurea,
D’ahi a pouco, o mesmo critico, a gente, involuntariamente, se lem­
reconheceu o festejado nome do bra de Lui/. Guimarães Junior.
auctor do quadro e diz entre as­ São fluentes e naturaes os ver­
sustado e arrependido : Ah ! é de sos, inspirados quasi todos nas bel-
Berne-Bellecour, não tinha repara­ lezas da natureza, nos sentimentos
do, é esse um pintor emerito, seus generosos e sobretudo no amor sin­
quadros têm grande cotação, etc. cero e nobre que tanto eleva e ar­
Volto á Exposição, dias depois, rebata as creaturas! Ninguém en­
e que havia de encontrar? O mes­ contra uma palavra forçada nos
mo critico, embevecido, absorto versos desta poetisa. A rima é facil
quasi, a contemplar a tela que dias sem ser banal; a cadência é doce
antes tanto o erritára. E mais sur- e a factura natural.
prehendida fiquei quando o vi, em Comparando os versos de Aurea
phrases repletas de enthusiasmo, Pires aos de Luiz Guimarães Ju­
chamar a attenção de um amigo e nior, eu faço 0 maior elogio pos-
descrever um por um os detalhes sivel á poetisa; pois tanto ella co­
completos do quadro que realmen mo eu prestamos ao poeta, recen­
te só 0 encantou depois de reco­ temente morto, 0 maior preito e a
nhecida a assignatura do pintor. maior homenagem e admiração!
Ha muito tempo que me pré­
occupa 0 coração a dolorosa ver­ Não sei porque, entendem as nos­
dade que 0 Padre Antonio Vieira, sas patricias, que quem escreve
ha tantos annos disse, nesta phrase para a imprensa deve ter muita
suggestiva; Não basta que as cou­ pratica da vida e conhecer perfei-
sas que se dizem sejam grandes, se tamente os factos e as pessoas. E
quem as diz não é grande. assim devia ser, na verdade.
Recebo sempre cartas gentilissi-
Entrou para o prelo o formoso mas que me solicitam conselhos
livro de estréa, «Flocos de Neve», sobre vários pontos. A ultima que
da talentosa e inspirada poetisa Áu­ recebi era de uma noiva.
rea Pires. A poetisa é muito jovem Notaram já como as noivas gos­
mas já tem um nome vantajosa­ tam de escrever e receber cartas?
mente conhecido em nosso meio Perguntava-me a gentil missivis-
A MENSAGEIRA 323

ta se a mulher educada deve ou illustre que seu irmão — também


não abrir as cartas do marido e também pintor emerito e de gran­
vice-versa. E’ um ponto este de de nomeada — tivera a encom-
importância summa. Parece uma menda do retrato á oleo de um
questão ridicula e comesinha; mas menino, mas do modo mais exqui­
não é. Entendo que entre marido site que se pode imaginar. O me­
e mulher não deve absolutamente nino tinha fallecido ha seis annos
haver segredos, mas entendo tam­ já, e 0 pae queria que 0 pintor,
bém que qualquer dos dois póde auxiliado por uma photographia ve­
ser 0 depositário do segredo de um lha, fizesse 0 retrato do menino,
terceiro e nesse caso não pode e como elle deveria ser, se fosse vivo,
nem deve, em absoluto, confial-o isto é, se tivesse treze annos.
a quem quer que seja. — Mas, seu filho, por esta pho­
E’ mais prudente, pois, que ca­ tographia mostra ser um menino
da um respeite 0 outro e não abra de sete annos, pouco mais ou me­
cartas que não são suas. E ’ muito nos, disse 0 pintor.
problemática a ventura que nos
— Justamente, replica 0 pae. Elle
póde trazer uma carta a outrem
tinha sete annos quando morreu.
dirigida e é muito mais provável Mas 0 senhor como bom pintor,
que ella nos traga um desaponta­ com 0 auxilio desta photographia
mento ou uma decepção. e com um pouco de boa vontade
Também é um máo habito 0 cos­ e de imaginação póde, perfeitamen-
tume de lêr cartas que se encon­ te, pintar 0 retrato como eu quero,
tram abertas sobre os moveis de isto é, de um rapazinho de treze
uma casa. Ha muita gente cobar­ annos, muito parecido commigo,
de, que sendo incapaz de frente a com a differença apenas que tinha
frente dizer 0 que sente, se preva­ os olhos azues.
lece desse meio commodo e cynico
Haverá cousa mais estúpida do
para dizer 0 que quer. Em resu­
que isto? Não creio.
mo, a verdadeira norma a seguir é
Decididamente, para se ser pin­
esta: ninguém deve abrir ou lêr
tor, nesta terra, é preciso possuir,
cartas que não lhe são dirigidas.
alêm de todos os conhecimentos
Deste modo evitam-se muitos abor­
technicos indispensáveis á grande
recimentos futuros.
arte, a sublime virtude da paciência.

Contou-me, ha dias, um pintor M aeia Clara da Cunha S antos.


324 A m e n s a g e ir a

(2)0 ,,Livro de Saudade“) í^tdeus 1


A ’ Selika Dardeau
Tão azul, tão sereno e tão profundo! Eu vou partir, minha gentil Selika,
Como é formoso o céo de minha terra! Eu vou partir! Mas deixa-me affagar-te
Doce praia do sonho que hoje encerra Ainda uma vez a cabelleira rica
O que eu tinha mais caro neste mundo. E deslumbrante como as obras de Arte!

Tão azul, tão sereno . .. elle desterra Por noss’alma igualmente se reparte
De minha alma a tristeza em que me afundo. Todo o fél de uma dor que não se explica:
E’ lá que a gente, quando os olhos cerra, Tanto soluça o coração que parte,
Gosa a vista do Bem calmo e fecundo. Como o formoso coração que fica!

Tornarei a transpor matas espessas,


Ao céo meus olhos vão pedir conforto.
Verdes collinas, gratas, sertanejas,
De saudade anhelantes, em procura
Até chegar a casa de meus Pais!
Da sombra ideal do meu querido morto...
Dá-me o ultimo abraço! E ai! Não me
E 0 bem, que, só de contemplal-o, em sinto, esqueças !
Me diz que além da terra ainda perdura — Pode bem ser que nunca mais me vejas!..
O que do mundo é para sempre extincto. — Pode bem ser que eu não te veja mais!..

Z a l in a . R o h m . A ü r e a P ir e s .
Rio, 11— 12— 1897.

atirava compassadamente as suas


2)ivagações vagas eternas, marulhando o longo
Já lá vae uma boa dezena de marulho suggestivo.
annos quando eu, com o corpo en­ A um dos lados rasgava-se o
fraquecido de febre e a alma emo­ campo de camarás bafejados de
cionada pelo ruir das minhas pri­ vento, oscillando no ar o perfume
meiras idéas religiosas — busquei das grandes flores roxas, e, na orla
abrigo consolador em retiro cober­ do campo, um pequeno lago azul
to de arvoredos umbrosos. reti’actava sombras de ramos e fais­
Rutilavam as ultimas auroras de cava as plumagens alvas dos mar-
abril e eu, de um chaletzinho claro, requinhos de casa.
guarnecido de lamberquins côr de Ror outro lado e atraz — er-
neve, gosava effluvios dé manhãs guiam-se altas collinas, cheias de
perfumadas. arvores. Affectavam a forma de
Diante de mim — a praia se semi-circulo — um espigão entran­
desenrolava extensa, de uma bran­ do 0 mar, sobre rochedos a pique.
cura sem brilho, onde o Oceano Sentia-me bem. Era a natureza
A M E N S A G E IR A
325

que devia tonificar os meus pul­ Inverted in the tide.


mões sem alento e verter em meu Stand the gray rocks, and trem­
espirito 0 balsamo de suaves com- bling shadows throne;
templaçôes. And the fair trees look over, side
Todas as manhãs — via 0 sol by side.
oriente alevantar as brumas algidas And see themselves belone.
para 0 ceu desolado; Todas as tar­ Trazia então para meu quarto de
des saudava 0 morrer do sol, á enfermo impressões duradouras e
beira da agua. tentava as primeiras rimas vacil­
Levava frequentemente os meus lantes ...
livros para junto das rochas mari­ Que doces recordações! Como
nhas e, emquanto no alto grasna­ relembro esses dias vestidos de sol
vam gaivotas em revoada, eu fo­ e essas noutes bordadas de lua!
lheava os meus auctores queridos: Como transcorreram celeres as on­
eram poetas quasi sempre e os seus das largas, quebradas em ardentias !
versos ainda me emballam n’alma Tudo isto me accode á mente
trechos de saudades velhas. agora, numa evocação — e vibram-
Demorava-me ás vezes; muitos me n’alma ainda, com 0 mesmo
dias até a essa hora calma em que vigor antigo, similhante ao mar que
a lua prateia os cerros e quando, marulha, as esthrophes immorre-
como descreve Longfellow: douras dos meus poetas amados ...
C. DE C a r v a l h o .

^(o album
da senhorita Joanna Reys

Vamos! Dá-me teu braço ebúrneo e velutineo


Que o bergantim do Sonho apparelhado e presto
Ao largo anceia. Crespo, o panno alvo e setineo
Colhe á brisa que offega um beijo casto e honesto!

Sôlta a amarra, deslisa. Ao túrgido dominio


Jaças de luz accende 0 mar fulvo e immodesto !
— E eu que ao paramo asul abalanço-me e apresto
Deixo que alento ao barco a brisa alma propine-o!

Velas á popa. Empunho agora os remos de ouro...


Como o extranho fulgor de incognito thesouro
Acena-nos ao longe uma flamma erradia!

Acolhem-nos os sons de vários instrumentos...


E debaixo da unção dos músicos accentos
Vamos transpondo o solio á excelsa Phantasia!
Caklos G oes .
32 6 A M E N S A G E IR A

do tem po, com o tra b a lh o e o es­


„Versos“ tu do, in d is p e n s á v e is ao v e rd a d e iro
de a rtis ta do V er s o .
Francisco Lins Seu livro divide-se em quatro
A distincta senhora que habil­ partes: Sonhos, No inverno, ín ­
mente dirige este quinzenario femi­ timos e Versos diversos. Como
nista acaba de honrar-me corn uma veem, os títulos não primam pela
delicada e espinhosa tarefa: falar escolha, são de uma simplicidade
em uma noticia breve sobre o primitiva...
volume de Versos, do poeta mineiro Da primeira parte, destacaremos
Francisco Lins, sabido ha pouco dos apenas o soneto O orpham (sem
prélos dos editores Mattoso e Medei­ que possamos atinar com o emprego
ros, de Juiz de Fóra. daquelle artigo O ; bastava o título
Quanto á obra, materialmente Orpham).
considerada, foi mal amanhada, quer O soneto Perfil também nos agTa-
na feitura, quer na distribuição dou; pelo que o transcrevemos aqui:
da materia que encerra, quer fi­
Os seus cabellos têm a côr escura
nalmente e principalmente na in­ Que o furor nos relembra da procella,
feliz escolha do typo já usado: um E as suas vestes uma extrema alvura,
livro como esse não recoinmenda Alvura propria do semblante delia.
absolutamente as artes gráphicas
E’ com certeza a imagem da Candura,
de Minas, onde, segundo resam as Mansa, divina, humillima, singela.
bem informadas chronicas do sr. Ao vel-a, ver supponbo, nivea e pura.
Xavier da Veiga, a imprensa appa- De Lamartine a doce Graziella.
receu em datas immemoriaes, com
Por isso ás vezes, quando me approximo
n defunto padre Viegas de Menezes. De seu correcto corpo alvo e gracioso,
Estando já velhita, devia de ter Que é mesmo um raro e delicado mimo.
progredido um pouco.
Curvo-me todo, cheio de respeito. . .
Isto posto quanto á moldura da
E repleto de amor, de infindo goso.
obra poética do sr. Francisco Lins Salta-me o coração dentro do peito!
passemos ao seu valor subjectivo^
ao mérito real, como obra d’arte, Preferimos, em parte, as com­
conscios agora de que no folgado posições No inverno, onde ha bons
espaço de uma década de annos versos, com excepção de umas com­
( 1 8 8 7 - 1 8 9 7 ), lembrada no frontes­ parações infelizes, de que muito
pício do livro, 0 autor nos paten­ abusa o poeta, e taes são:
teie as suas producçSes crytalizadas Tenho frio. Tenho frio!
e purificadas com a poderosa acção Isto é peior que a Allemanha!
A M E N S A G E IR A
327

Como se a Allemanha fosse 0 nos recordasse aquelle bellissimo


paiz do M o ... soneto Morta, de A. Feijó:
A 3 .“ parte é muito fraca, a co­
Palhda e loira, muito loira e
meçar pelo soneto de abertura Fe­ fria ...
lix!, de uma composição infeli-
Damos aqui por terminada a
cissima.
nossa ardua tarefa, com a convic­
Ha nesse soneto versos assim: ção intima de que 0 poeta mineiro
C omo hydrophobo cão, horrenda
não levará em conta a nossa ligeira
rnja! noticia de seu livro; pois, para
... Que fuja o sol, 0 rbi. isso, fôra preciso que elle já não
Além disto, 0 poeta vae comendo tivesse opinião firmada sobre 0
a tela do espaço e a ventania do valor de sua obra poética, a qual
inverno... se lê á pag. 2 2 8 de seu volume.
Ha porem, nesta parte, um bom
Pedimos-lhe a devida vénia para
soneto, Auseneia amarga.
transcrevêl-a aqui, com os nossos
Chegamos finalmente á 4 .“ e ulti­
gryphos:
ma parte do livro (e notem que é
«Reimprimo agora esses traba­
um grosso volume de 2 2 5 paginas!)
lhos por mais de uma razão: em
Abre-a 0 soneto A volta, que primeiro logar, pelo facto de estarem
principia assim: hoje quasi inteiramente esquecidos,
quasi mortos, não sendo, entretanto,
Entro. Vou procural-a, ancioso e afflicto. . .
inteíramente máos;... se não todas
Percorro a casa. A camara modesta,
Onde eu a via, tremulo visito. as minhas composições poéticas,
Chamo por ella. Não responde. Ee sta?! pelo menos aquellas que têm algum
valor.
E esta?! agitado exclam o,... E eu me sirvo desta convicção
do poeta para fecho desta noticia,
Não prosigamos, aquelles E esta
agradecendo a F. Lins, em nome
valem uma redoma...
da directora da Mensageira, a
Na longa poesia Versos á Morte, attenciosa offerta de um exemplar
0 poeta emprega mal uns porquês de seus Versos, sentindo sincera­
interrogativos, (defeito que notamos mente que este juizo não lhe seja
também nas quadras P a x!) e come altamente favoravel, como espe­
um corvo esfaimado (sic) na 2.“ ravamos para um livro de um poeta
quadra. como elle.
Achamos porém, 110 meio desse
E l m a x o do V al.
joio, dois bonitos sonetos Parabéns
e Fria, fr ia ..., embora este ultmio S. Paulo, 2 7 - 7 - 9 8 .
32 8 A M E N SA f'rE IR A

como prova da muita gratidão, da


0 Orpham muita amizade que tributava à-
quelle que consumira a existência
Aquelle pobrezinho que alli vae,
Todo de luto, pela estrada a fóra, toda, em luctas, para legar-lhe um
Como um pequeno passaro sem pae, nome honrado e mais do que isto
Sem ter, p’ra repousar, um ninho agora ; uma gorda foutuna.
Na sua loja promptificàra-se o
A quelle pobrezinho, vôde-o, olhae !
Cheio de fome, amargurado, chora . . . caixão — uma obra de luxo e de
Oh! vós que tendes filhos, amparae preço. Havia auferido extraordiná­
Esse orphamzinho a que uma dor devora ! rio ganho! Defuntos como aquelle
nem sempre appareciam. Em ge­
Desde manhã, chorando, o vejo assim !
Mas ninguém o proteje, ao miserando. ral eram pobres diabos que se iam
Ao loiro e vagabundo cherubim ! d’esta para a melhor, deixando
herdeiros ainda mais pobres do
A mãe hontem morreu I Triste e sózinho,
que elles!
Poz-se a vagar então, sempre chorando,
Como um pequeno passaro sem ninho! E depois, caixões de dez, vinte,
F ra n c isc o L in s . trinta mil réis... ao passo que o
(Dos Fersos). do capitalista quatrocentos mil réis!
E que imponente eça armada! E
que de corôas! 0 caixão ficara
inteiramente coberto. Só elle ven-
dêra cincoenta: umas de amores-
D í^rmador perfeitos de velludo rôxo, outras de
(A ’ Julia L. de Almeida e Adelina violetas de setim, outras de sauda­
L. Vieira). des com espigas douradas e todas
Pernas curtas, obeso, cabeça em com as mais expressivas dedica­
adiantada calvice, olhos de raposa, tórias, em lettras impressas em
nariz adunco, rir hyprocrita, o custosas fitas de gorgurão rôxo
armador passeava pela sua loja, franjadas de ouro.
contemplando com enlevo os cai­ E continuava no seu passeio,
xões mortuários, as corôas fúne­ saboreando um puro havana.
bres, os galões prateados, dourados^ E de reponte parou: ouvira um
largos e estreitos. dobre. Um raio de alegria innun-
N’aquelle passeio elle fazia o dou aquelle rosto antipathico, de
chylo; jantara optimamente. Na ave de rapina.
vespera enterràra-se um forte capi­ — Quem morreria? — e pres­
talista. A familia fizera um en­ suroso tomou as folhas diarias.
terro pomposo, digno do morto, Com soffreguidão incrivel percor-
A M ENSAGEIRA
329

reu-as todas, de ponta a ponta: brilhante, cuja pedra era maior do


nada! que um grão de milho, foram uma
— Com certeza não passa do scentelha de puro contentamento
peste: cá não lhe está 0 nome.. para 0 fúnebre negociante.
Mas quem sabe se não reparei E elle lá foi dizendo comsigo:
bem. E dispunha-se a procurar — Não ó mau negocio não! — E
de novo, quando alguém veiu in- adoçando a voz:
terrompel-o. — Meu amigo, console-se. E’
Era um moço de trinta a trinta e 0 caminho de nós todos. E de­
cinco annos, porte distincto, physio- pois foi em tão boa edade... Fe­
nomia sympathica, olhar doce, mas lizes os que morrem na infancia!
profundamente triste, pisado. exclamou elle com um suspiro
No semblante pallido e abatido fingido.
via-se ainda vestigios de lagrimas E querendo rematar 0 negocio:
recentes. — E ’ preciso dizer-me como
— Pode apromtar-me um cai.xão quer 0 caixão, para mandar pre-
para uma criança de tres annos? paral-o quanto antes, pois os dias
— Pois não. são muito pequenos no inverno.
— Pobre filhinha: exclamou 0 E pensando explorar com aquel-
moço e 0 pranto embargou-lhe a voz. la dôr paterna:
Sentou-se prorompendo n’um so­ — Era a unica filha?
luço pungentissimo. — Sim! Unica filha! Uma ga­
E 0 armador insensivel, não res­ lante menina, viva, intelligente, 0
peitando 0 desafogo d’aquella dôr idolo de toda a familia!...
tão sincera, foi inquerindo com a E desatou novamente a soluçar.
costumada amabilidade: O armador meditava:
— Como quer 0 caixão? De Todos os filhos, quando morrem,
setineta, de linho e seda, de setim, são vivos, são intelligentes e 0
de gorgurão ou de velludo? encanto do lar. Mas também ainda
O pobre moço continuava a so­ não vi defunto ruim. A morte
luçar: alheio a tudo engolphára-se tem isto de bom: empresta quali­
na sua dilacerante agonia... dades a quem em vida não passava
E 0 armador que era da opinião de pobre diabo.
de que — pela carruagem se vê Ancioso por terminar aquella
quem vem dentro — começou a scena que, já não 0 impressionava,
passar pelo freguez um demorado pela repetição quasi que diaria:
olhar de revista: a esplendida cor­ — Meu amigo, tenha coragem:
rente do relogio, 0 rico annel de seja homem! Agora 0 que lhe
330 A M ENSAGEIRA

resta fazer é tributar á mortinha — Quero um caixão rico: está


os últimos cuidados. aqui a medida.
Dando com o medio uma panca­ — De velludo ou de gorgurão?
dinha secca na cabeça, chata, egois- Do melhor, do mais rico, do mais
ta, cacoete que tinha como signal caro: não ólho preço. E quero
de grande impaciência, rematou: que vá vestil-a; desejo eça arma­
— E’ justo fazer um enterro da; muitas coroas; muitos carros.
rico: é a ultima prova de affecto 0 enterro é ás quatro, são nove:
que 0 Sr. dá á sua galante filhinha ha tempo.
E, deixando sobre o mármore
0 pobre pae ergueu os olhos
do mostrador um cartão porcellana,
húmidos de pranto e fitou-os no
retirou-se sem mesmo sequer olhar
amador: este tinha a mesma physio-
para o agoureiro negociante.
nomia, o rir hypocrita, o olhar
Ao tomar o cartão os lábios do
egoista, frio, como os cadaveres que
armador distenderam-se n’um riso
amortalhava.
de intima satisfação, pondo á mos­
— 0 Sr. tem familia? — per-
tra duas filas de dentes, pontea-
guntou-lhe o moço.
gudos, enormes: a firma era a de
— Sim, Sr.
um representante de bonita fortuna.
■— Nunca perdeu filhos? — con­
Mas estava mesmo em maré de
tinuou amargamente.
felicidade!
— Só tenho uma filha, e esta
Na vepera, um capitalista; hoje,
graças a Deus, gosa a melhor saude.
a filha de um ricaço e ... amanhã?
— A minha também gosava a N’este momento passava arras­
melhor saúde, meu amigo! — repe­ tando-se 0 commendador Araujo,
tiu ironicamente o desventurado octogenário, baixote, de uma gor­
pae.
dura disforme, com as longas bar­
0 armador estremeceu como se
bas patriarchaes, por sobre o ab­
fosse tocado por uma pilha de Volta.
domen monstruoso, descommunal.
— 0 Sr. não conhece a dor de Ah! quem me déra que, ama­
perder um filho: póde considerar- nhã, espichasses o mulambo, velho
se feliz! besta! Não sei que faz ainda por
E enxugando as lagrimas tei­ cá esta pipa de carne...
mosas: E alegre, cantarolando, com voz
— Vamos tratar do enterro. fanhosa, um pedaço da Oran- Via,
— A ’s suas ordens. lá se foi dar as providencias para
0 armador, sentia-se, a seu pezar, 0 enterro da filha do negociante
contrafeito. Junqueira.
A MENSAGEIRA
331

E 0 desventurado pae, junto à


filha amortalhada, soluçava deses­
A ’s duas horas da tarde 0 caixão peradamente, surdo ás consolações
estava prompto: magnifico caixão banaes dos amigos.
de velludo branco, com rosas dou­
Separar-se-ia sómente da sua fi-
radas, galões largos, ricos; alças
Ihinha, quando 0 coveiro lançasse-
esplendidas; todo forrado de gor-
lhe a ultima pà de terra, dizia 0
gurão azul claro; travesseirinho de
infeliz na convulsão dos soluços.
paina de setim floreado da mesma
cor. Um dinheirão! E cobria de beijos 0 rostinho
O armador lá estava, em casa gelado da mimosa criança que pare­
cia dormir sorrindo: tal era a gen­
do negociante Junqueira, mettido
tileza daquellas feiçõesinhas, que
n’uma sobrecasaca preta que lhe
dir-se-ia mentira! que a morte as
dava semelhanças com um enorme
tivesse roçado 0 seu labio visguen-
morcego, e affectando um ar com­
te e immundo...
pungido, de gato pingado.
A casa estava cheia. Pela casa do negociante Jun­
O Sr. Junqueira tinha um cres­ queira ia uma azafama indescri-
cido numero de amigos — amigos ptivel. O salão regorgitava de se­
que lhe faziam sempre amavel com­ nhoras e cavalheiros. Pelo chão,
panhia ao almoço ou ao jantar. esparsos retalhos de setim, de fitas,
E depois era cavalheiro distin- de rendas, lantejoulas, galões, flo­
ctissimo e ... rico. res, cartas de alfinetes, papeis de
A esposa uma adoravel moça da agulhas, carreteis de linha, thesou-
primeira sociedade. E debatia-se, ras... um horror! Enorme profu­
a pobre! nos braços das amigas, são de grinaldas naturaes de cravos
em horríveis ataques hystericos. brancos, de rosas brancas, de sau­
Fricções de pura Colonia, agua de dades brancas, escondiam 0 divan
Fleurs de Vorange, de Milidas, e as poltronas de velludo verde-
vinagre, ether sulphurico, sinapis­ mar. Um mundo de coroas arti-
mes e ... nada! ficiaes, esplendidas! com largas e
Os seus gritos dilacerantes cor­ compridas fitas claras sobre uma
tavam 0 coração das sinceras ami­ grande meza trazida de proposito
gas que, affiictas, choravam, tes­ para a sala.
temunhando assim 0 profundo pezar A ’ frente do palacete, sumptuo-
que experimentavam pelo tremen­ sissimo, de moderna architectura,
do, dolorosissimo golpe que a feria com ricas escadas de mármore,
tão duramente! estendia-se uma longa fila de carros
332 A MENSAGEIRA

antecedendo a carruagem funerea, Ao voltar do enterro o nojento


riquíssima, imponente. negociante estranhou a casa erma,
N’aquelle lufa-lufa, só uma uni ca silenciosa.
pessoa conservava sangue frio: era J’ rocurou a esposa e foi encon-
0 armador! tral-a afflictaj debruçada sobre o
E sentia-se tão bem! Se era leito da filhinha — um mimo feito
d’aquilio que elle vivia! Especie de neve, olhos côr do céu. cabellos
de antropophago, exultava com a côr do sol.
vista de um cadaver! Aquelle coração empedernido
E não se fartava de elogiar a que, até então, só a sêde do ganho
criancinha, cuja belleza fizera real­ fizera palpitar, sobresaltou-se de
çar com aquella mortalha, feita com uma forma incrível.
todo 0 capricho, com toda a per­ A imagem da creancinha que
feição. amortalhára, veiu-lhe á mente, na-
E assim se ia inculcando Como quelle instante, com as palavras
quejn dissesse: — Olhem, quando do amargurado pae, quando tratava
precisarem de uma mortalha bem do enterro da extremecida filha
feita, bonita, elegante, lembrem-se «A minha também gosava a me­
de mim: o meu trabalho como lhor saude...»
estão vendo não deixa nada a de­ Tremendo todo, poz a mão chata,
sejai’. grosseira, sobre a fronte da linda
Chegou 0 momento doloroso, su­ criança, que se agitava desespara-
premo: a hora de sahir o enterro, damente, soltando gritos agudos:
Não ha pennas que possam tra­ queimava!
duzir 0 desespero de uma mãe. Mandou immediatamente vir um
abraçando um filho pela ultima medico.
v ez... D’ahi a minutos, entrava um
Todas as pessoas presentes a- •clinico de fama que examinou deti-
chavam-se fortemente emocionadas, damenfe a creancinha, declarando
ante aquella scena velha sim, mas, achar-se ella com uma meningite
sempre pungentissimma amarga, de caracter fatal.
terrível... O armador, louco de desespero,
Só 0 armador conservava-se im­ arrancava os poucos cabellos que
passível , intimamente satisfeito: lhe restavam.
pois se ganhára um conto de réis. Amava estremecidamente a filhi­
nha!
Ella era uma criança interessan­
tíssima!
A M E N SA G E IR A
333

Que immenso prâzer experimen­ A esposa não tivera animo de


tava, quando a via brincar, na sua vor morrer a mimosa filha: fugira
loja, n'uma tagarelice sem fim, com allucinada.
os retalhos de velludo e pedaços O armador tomou a mãosinha
de galões dos caixões que fazia! branca, já inteiriçada e bumida do
Ainda na vespera. ella vendo o suor da morte, que a criancinha
caixãosinho que elle preparára para abandonou-lhe e cobriu-a de beijos
a filha do negociante Junqueira, e lagrimas. E o. loiro anginho
exclamára, batendo as palminhas: olhando-o, com o seu olhar amo­
«Que bonitinho, papae! Quando roso, já vitreo e muito triste, mur­
eu morrer tu me fazes um assim?...» muro-lhe n'um longo e doloi’oso
E passava as suas mãosinhas. arquejar : — Pa ... pae ... s i... nho
muito pequeninas, pela tampa do, m e... faz... um ... ca i... xão ... s i...
rico caixão de velludo branco. nho...
O armador rira-se contrafeito Expirára.
da lembrança da pequenita, mas O armador ergueu-se calmo, des­
era amicissimo da Sra. Morte, ta calma terrivel que 6 a mais e-
tranquilisou-se, pensando que ella loquente manifestação das grandes
não lhe havia de bater, tão cedo, dôres:
á porta. — Farei, filha, o teu caixão,
E no emtanto a sua idolatrada mais será o ultimo!
filha agonisava...
Quatro médicos cercavam o leito D'ahi a très dias o armador ven-
do pobre anjo que, com as facesi- di a .sua loja.
nhas rubras de febre e o olhar A x d r a d ix .v DÏ O l iv e ir a .
azul faiscante, a loira cabelleira (Do Prehtdimido).
innundada de suor, estendia os
bracinhos ao pae, bradando-lhe em
delirio intenso:
— Papae, eu quero um caixão­
sinho, como aquelle que tu fizes­
tes hontem! Sonhos...
Só então é que o armador com- Si me perguntarem, de chofre,
prehendeu o desespero do nego­ que juizo faço de um homem dado
ciante Junqueira e pensou enlou­ a explicações de sonhos e visões
quecer de dôr... e que se mostre crente fervoroso e
Acercou-se do leito, ajoelho-se consciente da existência de um
debulhado em lagrimas. poder occulto, que preside ás lu-
3 34 A M E N SA G E IR A

etas do espirito, eniquanto a ma­ nico, das imagens, dos factos e


teria dorme e descança —■ não das coisas, no scenario fantástico
hesitarei um instante em classifi- dos sonhos...
cal-o no numero dos equilibrados, Sinão, coordena tuas idéias, re­
dos que pensam, sentem e agem, fresca tua memória e extende,
sob a influencia harmonica de como os fios de um longo rosá­
funeções organicas e psychicas, rio de recordações quasi mortas,
])erfeitas e normaes. — Porque, toda essa meio apagada serie de
irão me objectar, assevero de mo­ impressões espirituaes, que te ha­
do cathegorico, consoante meu sen­ jam ficado de todos os teus so­
tir, aliás susceptivel de engano — nhos mais vehementes, mais agi­
esse equilibrio cerebral, essa nor­ tados e fortes. Solidões que re­
malidade funccional de idéias, em lembram desertos infernaes, abys-
pessoa que encontre nos sonhos mos como o mundo real não os
perspectivas animadas de factos da pinta, lances impi’evistos. situa­
vida real. que raciocine sobre as ções tragicas, angustiosas ou pra-
allucinações e visagens do espi­ zenteiras, como eguaes 6 impossi-
rito adormecido, procure coorde- vel concebel-as, na vida terrena,
nal-as e délias extrahir explica­ crimes e catastrophes, scenas e
ções, ás vezes cabalisticas, sortilé­ espectáculos, cujo enredo e acção
gios bastantes vezes aberrantes e se apromptam e decidem, numa
disparatados? fulminancia de relampago; peri­
Tendências mentaes, caprichos gos 0 combates, provas de valor,
de opinião, direi eu, talvez, que­ signaes de tibieza, como nós pró­
rendo justificar a pouca base, o prios seriamos incapazes de de­
frágil apoio, em que se firme essa monstrar, na realidade e vice-ver­
minha crendice, toda intima e par­ sa; panoramas ridentes, perspecti­
ticular, nos jogos macabros da vas de paraisos, cuja imagem ou
imaginação, quando agitada, tu­ ideia jamais se nos fixa na retina:
multuaria mente, pelos sonhos, ver­ tudo isso nos mostram, nos fazem
tigens e pesadellos... assistir e participar os sonhos...
Porém, não, affirmo-te, leitor Deante disso teimas ainda em du­
compassivo, que em mim como vidar dos que os explicam?
em todos nós ha um que de inex­ Julho — 1 8 9 8 .
plicável ainda — esse terror todo P elayo S erraxo.
intimo do coração e do espirito pe­
lo encontro sempre complicado,
cabal istico e pronunciadamente iro-
A M E N SA G E IR A
33 5

organismos inertes, fleugmaticos.


5elecção sem impulso, sem fibra, sem ener­
Uma das cousas que a mulher gia durável.
quasi geralmente ignora 6 a hy­ Saber pois. conhecer os diversos
giene pratica, que ella tanto preci­ attributos que caracterisam a ali­
sava saber, tendo, como tem. a seu mentação do homem, saber combi-
cargo a distribuição e direcção do nal-os de modo que todos concoi-
alimento da farailia. ram para o seu bem-estar physico.
Do alimento que se ministra á e que nenhum produza as graves
creança depende em grande parte perturbações organicas de que po­
não só a sua futura saude, mas, o dem ser origem, é a sciencia das
que poucas mulheres sabem, — o mães, sciencia para cujo estudo de­
s:u caracter futuro! vem tender todos os seus esforços.
Dae a uma creança alimentos 3 I a ria A m a lia 5^a z de C arvalho.
irritantes, inflammaveis, apimenta­
dos: deixae-a usar sem discerni­
mento de bebidas em que o alcool
predomine, e tereis o temperamen­
to adulterado, o caracter azedo, os
hábitos baixos, os gostos perversos,
todas as aberrações de um orga­
Kotas pequenas
nismo estragado. Estalagmites. — E’ este o titulo
Dae-lhe só carne, alimentae-a de um livrinho impresso com es­
brutalmente de matérias fortemen­ mero e elegancia pela typographia
te azotadas, e fareis d'ella, da meiga Aldina, do Rio. e com o qual
e frágil creatura, do pequeno anjo fez a sua estreia literaria o. Snr.
de cabellos loiros e olhos innocen­ Hermeto Lima.
tes. um temperamento sanguinário, São os seus primeiros versos,
selvagem, amigo das luctas bravias, que revelam intelligencia e applica-
das distracções violentas, dos exer­ ção da parte do auctor. Falta-lhes.
cidos athleticos. que caracterisam emtanto. um pouco de esponta­
as rigorosas raças do norte. neidade. de sentimento, de almo,
Exemplo : os inglezes. que só do­ emfim. Como o autor, porém,
mam as revoltas brutaes do tem­ annuncia mais dois livros de ver­
peramento com a forte disciplina sos. cá os esperamos a ver si vêm
de uma educação que é o supremo mais vividos e mais sinceros, e
milagre do espirito sobre a matei’ia. agradecemos-lhe a remessa das
A alimentação fraca produz os Ksfaíagmites.
33^ A -M ENSAGEIRA

Musicas. — A incangavel edi­ 0 presente numero insere, na


tora Julia Filippone acaba de pu­ primeira pagina, uma Carta do Bio.
blicar as seguintes peças: Collar firmada por d. Maria Yilhena dos
(le Basas. valsa liespanhola. de Santos, e em seguida, um conto
Ernesto Bulhões, Marilia. valsa, e da e.xma. sra. d. Zalina Rolim, in­
Beijo Fartado, schottisch, por titulado Borboletas, dos «Contos
Francisco Bastos. do Jardim da Infancia.»
Damas de caridade. — As se­ Mais uma pagina encantadora —
nhoras residentes em Marianna, no O roniance de ama onça, firmado
Estado de Minas, estão formando pelo glorioso dr. André Rebouças,
uma associação de damas de cari­ um soneto A Lnix Gniniarães, da
dade. com 0 fim de soccorrer as graciosa poetisa mineira d. Aurea
familias christãs pobres. Pires, e outras producções em pro­
sa e em verso.
(D o Commercio de S. Paulo.)

A ^[ensageira, n. 1 9 , S. Paulo.
— Orgão dedicado á mulher bra­
H Mensageira sileira. dirigido pela distincta litte-
rata d. Presciliana Duarte de Al­
A Mensageira. — Appareceu o
meida, recebemol-o com a sympa-
n.'* 16 desta revista litteraria. diri­
thia que nos inspiram sempre as
gida em S. Paulo pela poetisa e
boas obras fecundadas no cerebro
escriptora d. Presciliana Duarte de
feminino. E esta interessante re­
Almeida.
vista, bem escripta e bem impres­
Como de costume insere bons tra­
sa. está no caso de receber muito
balhos de poesia e prosa; entre es­
lisongeira classificação.
tes ha um da escriptora rio-gran-
(D a Revista Popular da B.ahia.)
dense d. Revocata de Mello, sobre
0 innolvidavel litterato o politico O n. 19 da Mensageira, revista
italiano Cavallotti. e uma critica do litteraria dedicada á mulher brazi-
dr. i^ylvio de Almeida aos Poentes. leira, impressa em S. Paulo, de que
Agradecidos. é directora D. Presciliana Duarte
(\)o Diário Popular.) de Almeida. Está este numero mui­
to variado e bem escripto, sendo
A Mensageira, n. 1 7 , revista lit­ os artigos de real interesse.
teraria dedicada á mulher brasileira, (D o Jormd do Commercio, d o R io .)

e de que é directora a exma. sra. d.


--- — ■
’ ’ resciliaua Duarte de Almeida.
São Paulo 30 de Agosto de 1898 Anno I, N. 22

A MENSAGEIRA
RGvista litoraria dodicada á mulher brazileira
Direetora — Presciliana Duarte de Almeida

Publica-se nos dias 15 e 30 de cada mex.


P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m ero avu lso
a d ia n ta d o Endereço: Rea dos Estudantes N. 23 Rs. 1 $ 0 0 0

Su m m ario: — Um caso verdadeiro, conto, dando em pagamento um outro ho­


Maria Clara; — Bemdicta causa, soneto,
Carlos D. Fernandes; — Preludiando, cri­ mem, que a fatalidade fizera seu
tica literaria. Damascene Vieira; — Quan­ captivo.
do partiste, soneto, Aurea Pires; — A ce- Pois bem, foi nesse tempo de tor­
guinha, conto, Francisca Clotilde; — Cap­
tive, poesia, Antero Bloem; — Selecção; mentosa lembrança que Félix abra­
— Crepuscular, poesia, Presciliana Duarte çou pela derradeira vez a sua ado­
de Almeida; — Lendo e commentando, rada filha.
Nelson de Senna; — Carta do Rio, Maria
Clara da Cunha Santos ; ■— Notas pequenas.
A pobrezinha não queria acom­
panhar seu novo senhor. Deixava
seu pae, o seu maior affecto. El
Um caso verdadeiro chorava lagrimas copiosas. De re­
pente 0 feitor inclemente resmun­
(A ’ Ophelia da Cunha)
gou uma ameaça. ï'elix extactico,
Foi um dia de desespero e magua quasi sem vida, olhos rasos de la­
para o Félix aquelle em que Maria, grimas, coração oppresso pela dor,
sua idolatrada filha, foi vendida pa­ parou a olhar o tortuoso caminho
ra um negociante do Paraná. pelo qual deveria seguir a filha.
Ha muitos annos já que este caso Maria, n’um arranco de heroismo,
se passou. Havia ainda o barbaro partiu sem coragem para a despe­
captiveiro. Félix, o preto mais ido­ dida. Alguns passos adiante parou
so da Fazenda, tinha muitos filhos e voltando-se para o pobre páe,
robustos e intelligentes. Era viuvo lançou-lhe o ultimo olhar onde se
e a mais velha de suas filhas, a fundia toda a su’alma de martyr,
Maria, teria seus desoito annos, quan­ toda a angustia de um coração di­
do sahiu em pagamento de divida. lacerado de dor!
Triste verdade esta ! N’ aquelle Muda expressão de tão vivo sen­
tempo, de cruel tormento, um ho­ timento. Os lábios nada disseram,
mem pagava suas dividas, contra- mas os olhos revelaram, n’um der­
liidas as vezes no vicio e no jogo. radeiro lance, todo o drama cru-
33 ^ A MENSAGEIRA

ciante que lhe ia n’alma. Felix cada dos braços. Quantas vezes o
voltou a si do torpor de espirito misero captivo puchando a encha-
era que jazia quando o feitor era da, sob 0 sol ardente do verão, não
rudes phrases o advertiu e chamou deixava o pensamento voar... vo­
ao trabalho. ar... até junto de Maria. E ahi, per­
Maria partiu e de seus novos sof- dido, feliz, poisar docemente, ven­
frimentos ninguém soube. Foi para do-a atravéz a nuvem azul da phan-
longe, tão longe onde nunca mais tasia! Quantas vezes, n’um assomo
chegariam noticias de seu pae e de intima revolta, o pobre páe não
irmãos. desejou a morte da querida filha.
Uma escrava não poderia se dar Ah! pensava elle! se eu tivesse
ao luxo de ter coração. Demais, certeza que ella estava no céo !
um coração que é vendido . . . 6 Será viva? Será morta? A du­
propriedade do comprador. vida cruel, 0 temor, o receio vi­
Felix não dormiu essa noite da nham em lucta sem tréguas, doloro­
cruel separação. A lembrança da sa e extenuante, abater ainda mais
filha não o deixou um momento. a alma já tão atormentada do po­
Quasi de madrugada, cançado bre escravo ! Depois de liberto,
de tanto chorar, vencido pela dor, Felix não descançou. Sahiu á pro­
conciliou 0 somno. Breves minu­ cura da filha por essas terras lon­
tos teve de repouso. O sino da gínquas. Todo 0 dinheiro que ob­
fazenda soou lugubremente ao rom­ tinha gastava-o em annuncios pelos
per da aurora, era o signal do des­ jornaes, pedindo por caridade que
pertar para o serviço. O trabalho lhe dissessem onde estava a filha
constante do dia alquebrou o cor­ que ha tantos annos não via. De-
po mas não teve forças para fati- balde! Ninguém respondia. Não
gar-lhe o espirito. Tétricos pensa­ desanimava o infeliz. E ’ que a
mentos povoavam-lhe o cerebro. convicção profunda que nasce no
Tamanha dor, tamanho inartyrio, coração e que vive pelo amor não
tamanho soffrer, deviam petrificar se dissipa assim !
0 coração! Infelizmente não é assim! As vezes nos enganamos com os
Muitos annos se passaram. proprios sentimentos affectivos!
Felix, 0 pobre escravo, teve em- Pensamos que morreu em nosso
fim a sua liberdade no grande dia espirito uma ideia pela qual em­
13 de Maio de 1 8 8 8 . Elle pen­ penharíamos a propria vida, se pre­
sava que sendo livre poderia tra­ ciso fosse. Puro engano ! Lá vem
balhar para encontrar a filha que um dia em que volta novamente
tão barbaramente lhe fôra arran­ a nosso espirito a ideia que sup-
A MENSAGEIRA 339
púnhamos morta, tal qual um rio cinante de dor e de alegria, allu-
que perdido, se internava na flo­ cinada, quasi morta pela commo-
resta e volta depois em limpides ção, derramando lagrimas copiosas,
mananciaes crystallines, ou uma disse :
planta que parecia succumbida e Meu páe, meu querido páe, Fé­
renasce e medra e desabrocha opu­ lix não é 0 teu nome? fala? eu
lenta de viço e de explendor! De­ sei que és o meu páe, fala, fala.
pois do desanimo vem a esperança. Absorto e quasi desfallecendo o
O mundo é mesmo assim, depois do pobre velho reconheceu a sua que­
inverno vem a estação das flores!.. rida Maria, a filha que ha vinte e
O serviço do pobre sexagenário dois annos não via!
era ultimamente o de estivador. A — Sim, minha filha! sou o teu
carregar e a descarregar os navios páe... até que emfim Deus teve
mercantes levava elle os dias para pena de nós. E cahem nos braços
ganhar parco salario. E assim ia um do outro, coramovidos, loucos
vivendo, üm dia, Félix recebeu de dor e de alegria, a chorar como
de um companheiro de trabalho, creanças. Vinte e dois annos! dis­
convite para ir á sua casa. E foi. se Félix, vinte e dois annos que
Era um domingo, formoso dia de eu não me esqueço de ti um ins­
sol. A casa pequena e pobre era tante. Agora, minha filha, eu posso
muito acceiada e alegre. morrer socegado. Abraçados sem­
Félix entrou para a sala da fren­ pre, a falar do passado com a ancia
te onde a conversar com seu com­ e desespero de tudo querer dizer...
panheiro passara algum tempo. O eram interrompidos pela commoção
dono da casa — um negro moço e pelas lagrimas. O genro, satis­
e muito falante — disse á mulher feito com a alegria communicativa
que trouxesse cafó para seu colle- deste encontro tocante, chorava tam­
ga de trabalho. D’ahi a pouco a bém. A historia de Félix era a
mulher trouxe, em pequena ban­ historia de Maria. Ambos gasta­
deja, duas tigellinhas da preciosa vam, em inúteis annuncios, todas
bebida, que deitava fumaça e cheiro as suas economias, e ella a pobre
muito agradavel. Félix cumprimen­ filha também não desanimava nun­
tou a rapariga e começou a tomar ca, sabia que havia ainda de en­
café conversando e ouvindo sempre contrar seu páe porque o coração
0 seu amavel amphitryão. assim lh’o dizia.
De repente a mulher, que im­ Quanta promessa ! quanta lagri­
passível parecia, deixa cahir das ma ! quanta dor !
mãos a bandeja e n’um grito lan­ As perguntas succediam-se. Dos
340 A MENSAGEIRA

conhecidos de outr’ora maitos ti­ Que 0 Sonho vem tanger aos meus ouvidos.
nham já morrido. Maria apresen­
E tenho a nostalgia das espheras
tou suas filhas que foram terna­ Em.que viveu minh’ alma noutras eras,
mente abençoadas pelo avô. Como E em que pairam meus olhos esquecidos.
prêmio a tamanho soffrimento a Ca r l o s D . F e r n a n d e s .
filha pediu ao páe que nunca mais
a abandonasse, que juntos viveriam
d’ahi por diante.
— Sonhava sempre comtigo, mi­
nha filha, e era isso o meu unico ^reludiando
consolo, disse Felix; mas cousa sin­
Contos de D. Andradina de Oliveira
gular! em sonhos eu te via sem­
pre com aquelle olhar tão triste e 0 anuo de 1 8 9 7 f 'i de certo
tão maguado que pela derradeira um dos que mais flagellaram a
vez eu vi, quando te arrastaram nossa patria. Atada como Christo
pela estrada n’aquelle dia cruel. a um poste de torturas, coberta
Teus olhos, minha filha, bem dis­ de baldões, ludibriada em sua per­
seram, n’aquelle transporte de dor, sonalidade augusta, ella derramou
tudo 0 que nós iamos soffrer. Oh ! precioso sangue, vendo cahir mi­
é bem certo que os olhos falam lhares de bravos nas emboscadas
mais verdade do que a boccaü de Canudos e, como desfecho á
M a r ia C l a r a da C u n h a S antos .
formidável tragédia, succumbir, á
plena luz meridiana, na capital da
Republica, o mais alto funcciona-
rio do exercito, immolado á sa­
nha feroz dos jacobinos.
Dir-se-ia que enorme avalanche
Bemdicta causa de crimes, a rolar por ingreme es­
Muito enibora humilhado e apedrejado carpa, calcando obstáculos em sua
Pela sanhuda cólera do mundo,
passagem tremenda, ia sepultar todo
Nesses proprios ultrages me fecundo
este paiz sob um acervo de es­
Porque mais alio paira o meu cuidado.
combros.
Eu, das estrellas immortaes oriundo. Gritos de sedição bramavam,
Vejo tudo a meus pés amesquinhado, desde as duas casas do Congresso
Porque sinto o espirito voltado
á praça publica, e como si novo
Para outro ceu mais amplo e mais profundo.
Attila quizesse apagar do sólo o
Si passo alheio á toda humana zuada minimo vestigio de civilisação, o
E ’ que ando ouvindo a cythara encantada fanatismo politico, bem peor — por
A MENSAGEIRA
341

mais intolerante — do que 0 fana­ de d. Candida Fortes, e Alma e


tismo religioso, tentou implantar Coração, de d. Julieta de Mello
ominoso predominio, hasteando en­ Monteiro.
sanguentada bandeira sobre cadá­
veres de cidadãos emeritos.
Preludiando é um volume de
contos, de 1 70 paginas, impresso
na typographia Trocadero, na ci­
Como compensação a atribula­ dade do Rio Grande.
ções de espirito, suave refrigério Antes de tratarmos da auctora
ao coração maguado por tantos e sob 0 ponto de vista intellectual,
tão repetidos attentados contra a apraz-nos apresentar aos leitores
estabilidade da Republica, recebe­ os seus traços physionomicos: bas­
mos do Sul, no decorrer de 1 8 9 7 , ta-nos, para isso, transcrever 0
tres livros firmados por auctoras que a este respeito lê-se no Co-
rio-grandenses, obras de arte e de rymbo de 13 de Junho de 1897
sentimento, phantasias em prosa e (Corymbo, periodico litterario que
verso, tão distantes de preoccupa- se publica na cidade do Rio Grande,
ções politicas quanto se acham conta quinze annos de existência e
longe de nosso globo as constel- 6 de propriedade da escriptora d. Re-
lações que scintillam no espaço vocata Heloisa de Mello):
intérmino. «Andradina de Oliveira não per­
E ’ nosso dever transmittir á lit- tence ao numero das senhoras
teratura do Norte a noticia d’esses esguias e que parece fazerem parte
trabalhos que revelam esforço e da familia das palmeiras e dos ge-
dedicação ao progresso das lettras ribás, não: ella possúe as formas
0 são producçôes tanto mais dig­ arredondadas, tão cobiçadas na mu­
nas de animações e de estimules lher. A tez de um moreno-jam­
quanto se impõem a commenta­ bo, é tocada pelo colorido que
ries, por isso que representam la­ lembra os tons de uma natureza
vores de mãos femininas, aspira­ sadia. Bocca rasgada como em
ções de almas que se engolfam no geral se nota nos homens de ta­
ideal, completamente alheias ao' lento; fronte regular emmoldurada
infrene tumultuar das paixões mun­ por frizada cabelleira; olhos ex­
danas. pressivos, escuros, olhos de artista,
Os livros de que pretendemos cheios de scintillações de genio e
nos occupar são Preludiando, de d. de transportes de ternura e de pie­
Andradina de Oliveira; Phantasias, dade, velados pelo sombrio de uns
342 A MENSAGEIRA

longos cilios. Completa a sympa- com os seguintes periodos cheios


thica pliysionomia um par do so­ de verdade e de justiça:
brancelhas negras e espessas, o «A mulher, em geral, quer co­
que de ordinário serve para im­ mo filha, quer como irmã, esposa
primir aos semblantes um cunho e mãe, 6 sempre um ente bom,
de severidade muito impressioná­ amante, terno, delicado.
vel. Espirito moderno, superior, «Filha, ella sabe amparar doce­
liberto de todas essas vaidades e mente os auctores de sua existên­
pretenções que fazem o apana- cia, prodigalizando-lhes ternas cari­
gio das educações caducas e de­ cias que suavizam-lhes as agruras
feituosas, e cap ti va com a lhaneza e decepções da vida.
de um trato franco, sincero, onde «Irmã, tem todos os ineffaveis
sua alma acariciadora mostra-se segredos de ternura e de meiguice
tal qual é, completamente núa de para o adorado companheiro de seus
atavios.» infantis brinquedos.
D. Andradina começou a ser
«Esposa, mantem-se firme, ho­
conhecida litterariamente em nosso
nesta, devotada ao amor dos filhos
estado natal desde que, obtido de
e do esposo, que muitas vezes
modo brilhante o diploma de pro­
abandona o lar para atirar-se á
fessora formada pela Escola Normal,
ebriez dos fementidos beijos, dos
dedicou-se a collaborar no Jornal
venaes e ephemeros gosos.
do Commerdo de Porto Alegre.
«Mãe, finalmente, a mulher 6 o
Nessa gazeta, firmou nome de
élo divino que prende a humani­
estudiosa cultora das lettras em
dade a Deus.
uma serie de artigos de combate
que produziu, intitulados Defexa da «Que ha de mais tocante, de
Mulher, em fins do anno de 1 8 9 0 . mais sublime, que este ente que
Alguém lembrou-se de criticar adormece no regaço, á harmonia
a volubilidade das mulheres. D. de beijos e caricias, a loira cre-
Andradina sahiu a campo, terçan­ ança que amanhã, homem, embebe
do armas com o accusador, fa­ no fél da ingratidão a penna para
zendo-o calar pela firmeza e ló­ muitas vezes macular-lhe o verda­
gica de seus argumentos, e de­ deiro prestigo, esquecendo-se de
monstrando ao mesmo tempo dis­ que bebeu a vida em seu casto
por de sérios estudos de gabinete seio, que deu os primeiros passos
que lhe garantiram completa vi­ seguro á sua abençoada mão e que
ctoria. aprendeu de seus puríssimos lábi­
Um de seus artigos finalizava os a balbuciar a mais sublime pa-
A MENSAGEIEIA
343

la v r a q ue pod em p r o n u n c ia r lá b i­ Rohm, Candida Fortes, Narciza


os h u m a n o s — D e d s ?» Amalia, Francisca Julia da Silva,
A Defexa da Mulher collocou Analia Franco, Aurea Pires, Jose-
desde logo d. Andradina de Oli­ phina A. de Azevedo, Delminda
veira no numero das nossas es- Silveira, Presciliana Duarte. Ade-
criptoras de mais talento. lia J. de Castro Fonseca, Maria
Toda a sua aspiração era publi­ Ribeiro de Menezes, Lilia Araujo,
car livro em que mais amplamente Honorina Torres, Julieta Felizardo
revelasse as suas bellas faculdades: Leão, Francisca Clotilde, Luiza
realizou os seus desejos reunindo Amelia, Anna Nogueira e Elvira
vinte e quatro contos sob o mo­ Gama.
desto titulo Preludia?ido^ como si Não precisa D. Andradina que
ao acaso as suas mãos finas e le­ tantos nomes lhe sirvam de égide:
ves percorressem teclado submisso a acceitação que almeja para o seu
ás suas phantasias luminosas. primeiro livro está no mérito da
Sympathisamos com o desassom­ propria obra.
bro com que a distincta patricia Os contos que constituem o Pre-
refere-se ao seu livro na peque­ ludiando são producçSes que não
nina introducção: só enchem de justo desvanecimen­
«Não vae prefaciado, porque en­ to a quem as imaginou e esci*e-
tendo que 0 prefacio nem sempre veu, como honram as lettras pa-
recommenda a obra, vindo até mui­ trias. Não é trabalho futil, só ar-
tas vezes expol-a a severissima e chitectado por amor a vangloria
desapiedada critica e collocar mal litteraria; mas fructo das medita­
aquelle que talvez sómente por ções e das vigilias de quem tem
delicadeza a prefaciou. 0 culto do bello, a religião da
«Por isso, 0 meu Preludiando Fórma, e dispõe de imaginação que
vae correr mundo só: a pleiade de lhe dá cunho de originalidade.
talentos feminis a que o dedico Sara intitula-se o primeiro con­
servir-lhe-á de poderosa égide.» to, que teve a distincção de ser
Todos os contos são offerecidos publicado na Gazeta de Noticias
ás seguintes cultoras de lettras: do Rio de Janeiro em sua edição
Revocata de Mello, Julieta Mon­ de 3 de Março do anno passado.
teiro, Ignez Sabino, Carolina von E’ a historia de uma organisação
Koseritz, Ibrantina Cardona, Can­ excêntrica, fóra do commum, que
dida Abreu, Julia Lopes de Al­ em plena mocidade e formosura,
meida, Adelina Lopes Vieira, Anna fanatizada pelo amor ás lettras,
Aurora do Amaral Lisboa, Zalina suicida-se, envenenando-se para ir
344 A M ENSAGEIRA

procurar no tumulo a felicidade brou-se de experimentar uma for­


que é uma ilhisão na vida. mosíssima grinalda que fizéra para
Inverosímil o facto? a linda filha de uma viscondessa.
Não. Emílio Zola, em seu ro­ Que tremendo desconsolo! Dir-se-
mance enorme, L ’ (Kuvre, narra- ia que uma chamma viva lambia
nos, atravez de 4 9 0 paginas, um furiosamente as virgíneas flores! E
caso semelhante. Claudio, de tal 0 rosto empalledecido da desditosa
forma allucina-se pela pintura, que, Iza, onde se reflectia o mais fun­
á felicidade domestica, prefere en­ do desanimo, era então feio de as­
forcar-se deante de seu ultimo sustar!»
quadro.
Para que a attenção dos leitores
se conserve presa sempre aos sub­ O sentimentalismo constituo o
tis caprichos do Preludiando, os fundo moral do trabalho de d. An-
contos ora são sentimentaes, ora dradina de Oliveira e sob esta sym-
humorísticos, a revelarem o genio pathica feição destacam-se os con­
ás vezes circnmspecto, ás vezes ri­ tos — A Doida do Rialto, O A r ­
sonho e despreoccupado da gentil mador, Um Sonho, A Supplica,
auctora. Historia de um escrinio (em nosso
Com que chiste descreve D. An- entender o mais mimoso da collec-
dradina uma moça de physico des­ ção), O Piano de Alice, H parece
agradável ! felix ! O Juramento, As minhas
«Iza, a florista, era feia a valer. illusões.
«Ella 0 sabia e d’isto tinha um Serve de pequenino fecho de ouro
pezar immense. Que magoa quan­ ao avelludado escrinio de joias um
do punhd-se ante o espelho oval conto de fadas, verdadeira poesia
de seu hello toucador de louro! ein prosa. E ’ este:
Como a sua cabeça era grande e «Havia um príncipe tão lindo
sem graça! O cabello vermelho; que todas as mulheres morriam por
os olhos pequenos, de um verde elle. Era poeta.
apagado, no fundo das orbitas; a «Um dia perdeu-se á caça e
cutis grossa, cheia de pintas par­ adormeceu junto de uma rocha, á
das; 0 nariz de papagaio; a bocca beira-mar.
enorme; os beiços de cor de carne «Ao despertar, tres fadas bran­
lavada e os dentes remendados a cas como 0 luar contemplavam-n’o
ouro! apaixonadamente.
«Ura dia, em que encrespara a — Amo-te! dizia uma, de olhos
sua rala e ruiventa franja, lem­ verdes como duas bagas do Adria-
A MENSAGEIRA 345
tico, muito languida... muito lân­ deve satisfazer só com prelúdios:
guida. cumpre-lhe convergir todas as for­
— Adoro-te! acudia outra, de ças da intelligencia para produzir
olhos azues como duas saphiras, largas symphonias, senão parti­
muito terna ... muito terna. turas completas, que encham de
— Sou tua! exclamava a ulti­ orchestrantes harmonias o sagrado
ma, de olhos brilhantes como dois templo da Arte.
Syrius, muito ardente... muito ar­ F ’ 0 que o Preludiando pro­
dente. mette; é 0 que as lettras patrias
— Aquella que responder á mi­ têm 0 direito de exigir da auctora
nha pergunta terá o meu amor! estreante.
— Fala, principe dos principes!
D amascen' o V ie ir a .
— Fala, Adonis dos Adonis!
{Da Bahia).
— Fala, poeta dos poetas!
— Que cousa ha mais sublime
na terra?
— O amor! disse a primeira fada.
— A gloria! disse a segunda.j
— A dor! disse a terceira.
«O principe estendeu a sua mao Quando partiste
alva, macia, linda, em que brilha­ A meu irm3o G u ilh erm e P ir e s .
va um grande topázio, á terceira
Inda me lembro quando tu partiste!
fada, a de olhos scintillantes como
Era de tarde, e o sol desfallecia
dois Syrius: Lá por detráz d’ aquella serrania
— Sou teu ! . . . » Que eu contemplava taciturna e triste.
Cremos que o nosso Coelho Net-
to ou 0 proprio Catulle Mendès — Foi aqui que de mim te despediste,
Junto a esta fonte que se confundia
sempre tão apaixonados por prin-
Cora a torrente de pranto qne eu vertia!
cezas ideaes e por fadas amorosas Por este lado foi que tu seguiste.
— não desdenharia considerar seu
este delicado bijou. Eu me encostei n’ aquelle tronco erguido,
E meu saudoso olhar te acompanhou
Quem dispõe de talento e faci­
Até que, quando o vulto teu querido
lidade em transmittir ao papel, sob
forma correcta e brilhante, todos N’ uma curva da estrada se occultou,
os sentimentos de regosijo ou de Do meu peito, de magua compungido
dor que lhe agitam o coração, e Um profundo suspiro esvoaçou!
todas as aspirações de gloria que A u r e a P ire .s .
lhe preoccupam o espirito, não se 1891.
346 A MENSAGEIRA

B ceguinha Quem é amada possue a maior


das riquezas, e eu na minha qua-
Foi assini, como passo a contai’, si miséria julgava-me millionaria.
que a pobre ceguinha me contou Mas um dia deixei do ser feliz.
a sua historia, numa bella tarde O meu noivo foi seduzido pela
hibernal, quasi ao pôr do sol, no ambição, teve sêde de ouro e em­
momento em que descansava da
barcou ás occultas para longe, bem
longa caminhada do dia, que le-
longe...
vàra quasi inteiro a esmolar.
E eu cansei de chamal-o pelas
— Eu era bem feliz, me disse praias desertas, cansei de chamal-o,
ella, erguendo os olhos que eram c apenas o mar respondeu aos
azues e nem pareciam envoltos na soluços do meu coração doido de
espessa nevoa de uma cegueira saudades.
incurável, eu era bem feliz por­ Chorei tanto, tanto, que perdi
que, apesar de pobre, tinha a af- pouco a pouco a luz dos olhos, e
feição de meu noivo e a certeza um dia não pude mais ver o dorso
de que elle faria tudo para se unir azulado das aguas.
a mim eternamente. Mas continuo a ver o meu noi­
Quantas vezes, ornando meus ca- vo com os olhos da alma, e não
bellos com flores, descalça, ia ás maldigo esta cegueira porque foi
carreiras esperal-o de volta da pes­ motivada pelo amor.
caria, porque elle adorava o mar E assim terminou a ceguinha a
e todos os dias affrontava num historia da sua vida, emquanto a
frágil barquinho a furia e incons­ natureza sentia a doce influencia
tância das ondas! do crepúsculo.
Quantas vezes, receando a bor­ F r a x c isc .v C lotic d e .
rasca, chorei ao longo das praias, Ceará.
gritando em delirio: Taciano! Oh!
Taciano! emquanto o mar acom­
panhava 0 meu soluço com o seu 0aplivo
arquejar rude que parecia amei­
Quizera dominar, em louco assomo,
gar-se de envolta com a minha
Esses teus olhos, pelos quaes eu vivo-----
voz. E sou captivo de teus olhos, como
E eu também adorava o oceano, Entre captivos o maior captivo!
sobre cuja esteira meu noivo pas­
E uma tal timidez, um tal receio.
sava sempre, e cujas ondas lhe
Dia a dia apparece na minh’ alma,
acalentavam o barquinho leve. E Que quanto msús os quero, mais o enleio
não invejava as ricas. Cresce, e o desejo, timido, se acalmai
A MENSAGEIRA
347

No emtanto ao vel-os, tantas vezes, tantas


digiosa actividade em descobrir os
Que até por ellas conto meus desejos,
Esses teus olhos, cora que mais me encantas
meios mais efficazes de fazer as
Tenho vontade de os cobrir de beijos___ gerações que vã‘o seguir-se-lhe
melhores do que as gerações que
E se queres que eu morra por teus olhos. 0 precederam.
Morro por elles... (já por elles vivo!)
Está pacificada a guerra que se
— Meus pharóes hão de ser entre os
havia travado entre a alma e o
escolhos
E todo o nauta é dos pharóes captivo I... corpo.
Mais ainda; hoje comprehende-sc
A n t h e r o B lo em .
S. Paulo, 1898. perfeitamente que é da saude do
corpo que depende a saude da al­
ma, e que os maus são quasi sem­
pre os enfermos ou os defeituosos.
O caminho das boas mães está
naturalmente traçado.
Selecção Não poupar esforços para aper­
Um dos problemas resolvidos pe­ feiçoar e robustecer o corpinho
los modernos, e que se não fossem querido, dentro do qual está cres­
esses benemeritos de que acima cendo e desabrochando a flôr ma­
falíamos ficaria para sempre obs­ ravilhosa, a flôr delicadíssima, que
curo, é 0 problema da educação. é a alma infantil.
Segundo o ponto de vista da Poucas pessoas comprehendem
edade média, a mãe não devia at- a fundo qual seja a responsabili­
tender senão á alma de seu filho. dade de ser mãe.
Era preciso fazer d’elle um santo, Não a póde haver mais seria e
e as mais das vezes só se fazia um mais tremenda.
bandido. Desde que a creança nasce até
E’ que 0 alvo a que se tendia ao segundo periodo da sua vida,
era estúpido e antinatural e os em que ella já começa a ser sus­
meios de que se usava eram in­ ceptível de ensino, quantos cui­
teiramente contraproducentes. dados múltiplos, engenhosos, deli­
Hoje a mãe já não tem desculpa cados e constantes!
nem da sua ignorância propria, nem Um movimento menos suave,
da ignorância da sua época. um golpe de ar quando a creança
Se não sabe é porque não quer está no banho, um abafo excessivo
saber. ou uma imprudente e rapida mu­
O homem [moderno tem appli- dança de hábitos, qualquer pe­
cado grande parcella da sua pro­ quena cousa que á primeira vista
348 A m e n s a g e ir a

parece insignificante, póde ter um Crepuscular


alcance enorme no futuro do que­
o sol se esconde! Mostra-se a lua!
rido entezinho. ■As andorinhas ao longe vôam!
Sabemos de uma creança que Toda a saudade mais se accentúa...
ficou cega, porque estabeleceram Os sons do sino vagos rebôam!
uma corrente de ar no quarto em
Hora de preces e de receio,
que ella tomava um banho tépido.
As avesinhas vão se aninhar.
Conhecemos uma pobre mulher, Na natureza como que leio
que tem padecido toda a vida Que devem todos no mundo amar!
cruelmente, que nunca pôde tra­
balhar, nem ser util a ninguém, Os operários extenuados
Buscam a casa dos seus amores,
porque a tornou rachitica uma
Vão ver os fdhos dos seus cuidados,
quéda que a fizeram dar brincando
— Pobres, mirradas, pallidas llôres!
com ella em pequena.
Ha muita gente que se diverte A propria féra procura a toca,
estupidamente atirando as crean- A agua do rio beija o luar...
O condemnado Maria evoca
ças ao ar, fazendo-as dar voltas,
Por entre as grades, a suspirar.
abalando-lhes o pequeno cerebro.
Quem pode dizer os resultados Ness’hora augusta scisma o poeta,
fataes para o seu organismo que Relendo, em mente, versos de outróra.
d’ahi resultam! E ouvindo a lyra doce e secreta.
Chorando reza, rezando chora...
A creança é tudo que ha de
P r e -s c il ia n a D u a r t e d e A l m e id a .
mais frágil e de mais delicado.
S. Paulo, 7 de Março de 1897.
Pensem bem todas as mães que
um erro de hygiene pode ás vezes
fazer de uma indole pacifica uma
Índole perversa.
A alma e o corpo, os dous ir­
reconciliáveis inimigos de outro tendo e Commentando...
tempo, estão hoje para todos os Henrique Coelho Netto, o sump­
olhos tão estreitaraente unidos, tão tuoso prosador maranhense, no seu
profundamento identificados, que recente romance O morto — cujo
não ha abalo ou sensação que um enredo principal se resume na fuga
experimente e de que o outro para Minas de Josephine Soares,
deixe de resentir-sc logo. um dos muitos suppostos revolto­
M a r ia A m a l ia V a z d e C a r v a i .ho . sos que do Rio para cá emigraram,
acossados pelas delações e suspei­
tas dos beleguins do terror de 1 8 9 3 ,
A m e n s a g e ir a
349

e que, bem fresquinho na fazenda coração. Essas terras eram castas,


de Tres Corregos, perto de Caríui- não havia por ellas sulcos de car­
dahy, esteve durante o sitio, eni- retas nem armas reluziam sinis­
quanto na Capital Federal o davam tramente entre as hervas floridas,
como um dos naufragos do Ura­ á luz fagueira e dourada do sol.»
nus, fuzilados em Sepetiba, e d’alii Agora um mimoso trecho decan­
0 titulo do romance — Coelho tando «a terra venerável de Minas,
Netto, dizia eu, pôe na bocca do teri'a de abundancia e de hospitali­
personagem principal de sua nova dade. fértil e amavel como o doce
obra literaria longos e vários con­ e generoso paiz enanita, onde não
ceitos bellos e honrosos, em refe­ se fazia reparo nos respigadores,
rencia a Minas, o asylo da Libei- nem se negava um canto, junto
dade para os foragidos de 1 8 9 3 - 9 4 . ao lance, aos que chegavam rege­
Aqui são os temores de um sus­ lados, famintos e tiritantes» e (pio
peito, que anceia poi- ver o ex­ se «estendia desdobrando-sc em
presso transpor a sagrada fronteira horisontes com um verdor de es­
da terra fluminense com a de perança e de primavera.»
Minas: Jose[)hino Soares já não se arre­
«Entre Rios! Para que debu­ ceia daquelles rostos, ha pouco
lhar todo 0 rosário de estações mal fitados, de secretas em disfarce
que percorri, se as terras que eu de passageiros; «já as physiono-
ia atravessando já me não infun­ micas eram outras — havia em
diam cuidados nem temores? i\Ial todas a jocunda feição que a paz
me sobrava tempo para lançar os empresta, o receio não demudava
olhos pelos campos fora, ])elas al­ 0 rosto abuçanado dos que mou­
turas alcantiladas, dando-lhes a ale­ rejavam; 0 homem, de pé, no meio
gria suprema da liberdade e elles, das terras, purpúreo, reluzente de
que vinham do pavor, regalavam-se, suor, apoiado á enxada, sorria,
contentes, como dois passaros j)ri- feliz 0 tranquillo, com o chapóo
sioneiros, que encontram a porta da na mão como pai’a saudar os que
gaiola aberta e abalam polo espaço passavam pelos caminhos de sua
livre, espanejando-se á grande luz. lande nativa» (Minas).
Não era muito que eu desa­ Já no fim (pag. 2 6 8 ), despede-se
botoasse 0 peito anciado e oppri- de l\rinas, daipiella pacifica man­
mido e deixasse expandir-se lar­ são agreste de Tres Corregos, onde
gamente minha alma que ia enge­ tão manso transcoj’reram seus in­
lhada, encolhida como uma crimi­ gênuos e bucolicos amores com
nosa, no canto mais e.xcuso do meu Lavinia: «Terras amaveis e fas-
M E N S A G E IR A

cinadoras. bem grato me seria po­ em delirio, cheio de enthusiasmo


der decantar-vos a belleza e o viçor, e esperança pela risonha perspe­
se os dotes de meu espirito não ctiva de seu governo criterioso.
fossem tão mesquinhos. Aguas Eu 0 saudo também, sem me es­
rumorejantes, cerros de pendor ver­ quecer entretanto do illustre Dr.
de e aveiludado, mattas veneráveis, Prudente de Moraes, que tanto tem
se eu vos não tivesse procurado se esforçado pela pacificação e
com a alma tão lacerada de an­ progresso desta terra.
gustias, por certo que vos amaria
com redobrado sentimento. Ainda Com 0 desenvolvimento da ins-
assim não é sem pena que te deixo, trucção ao povo, até a propria
exilio casto e recatado.» desgraça é attenuada de um modo
consolador! E 6 por isso que
hoje em dia, não 6 tão dolorosa,
Conto que bem me agradecerão como dantes era, a desgraça de
os leitores pátrios, por ter-lhes ser cego.
proporcionado tão primorosos tre­ O benefico Instituto Benjamin
chos do novo livro do romancista Constant, desta cidade, tem pres­
perfeito, não ha muito sagrado as­ tado os mais relevantes serviços
sim com a joia limpida do Inverno aos cegos, principalmente aos que
em Flor. não são ricos. Assistí a festa da
Minas-Agosto 9 8 . distribuição de prêmios aos alumnos
N elson de S enna . d’aquella casa de educação e fi-
quei satisfeita com o excellente
resultado obtido pelo digno direc­
tor Dr. Brazil Silvado.
Garta do ílio A festa musical e litteraria foi
As demonstrações de regosijo e esplendida. Fizeram-se applaudir
sympathia que a população desta distinctos litteratos e artistas de
capital, representada por diversas mérito consagrado.
classes sociaes, prestaram ao illustre Os cegos, resignados quasi, com
Dr. Campos Salles, por occasião de 0 seu viver — eterna noite que
seu regresso á patria, bem mos­ não tem aurora — mostraram-se
tram 0 alto conceito em que é merecedores dos mais calorosos
tido 0 presidente eleito dos E. U. elogios.
do Brazil, que tanto honrou, no Soube que uma raenima cega,
extrangeiro, o nosso amado paiz. que recebeu prêmio, era engeitada!
Ao presidente eleito saúda o povo Pobresinha !
A M E N SA G E IR A
351

Quanta dedicação, perseverança sua arte. Os prêmios diversos que


e esforço não foi preciso para 0 Sr. Malevolti tem conquistado em
aquella pobre alma não succum- vários paizes onde tem apresenta­
bir nos primeiros tempos de sua do seus trabalhos, são prova elo­
vida! Não ter pae! não ter mãe! quente de seu mérito real. Aqui
não ter a luz dos olhos e ter co­ mesmo, no Rio de Janeiro, já re­
ragem para luctar e ter mérito cebeu 0 Snr. Malevolti uma me­
para vencer é de um caracter pri­ dalha de ouro, em uma Exposição
vilegiado ! da Escola Nacional. Eu não posso
O Instituto váe iniciar uma se­ falar do illustre mestre tudo 0 que
rie de conferencias litterarias, pro­ devia sobre 0 seu merecimento, sou
porcionando assim excellente e suspeita. Desde creança tenho me
util distração aos cegos. Quanto affeiçoado de tal forma a todos os
vale 0 progresso! Na communhão meus professores, que no fim de
da sociedade, é hoje recebido co­ algum tempo em cada um delles
mo um homem util aquelle que conto um amigo. Está explicada,
privado da vista, seria em outros pois, minha suspeição. Com 0 Sr.
tempos, um pesadelo para a fami- Malevolti tenho aprendido tudo 0
lia e para a patria. Bemdicto que sei em pintura — é verdade
progresso! abençoada civilisação! que muito pouco, mas a culpa, nes­
Parabéns ao Dr. Erazil Silvado — te caso, não 6 do professor, garanto.
a alma do instituto — e aos ce- Ha quadros, nessa exposição, que
guinhos que apezar de muito bene­ impressionam poderosamente ao vi­
ficiados hoje pela instrucção — sitante. Não posso, pelo pequeno
que espanca as trovas do espiri­ espaço desta carta, tratar minucio-
to, são ainda dignos de toda nos­ sarnente de todos elles. Recom-
sa piedade, de todo nosso carinho. mendo entretanto, as appetitosas
«Uvas brancas» tão transparentes
e verdadeiras; as «Carambolas
O distincto pintor Sr. Adolpho maduras» de encantadora belleza ;
Malevolti, faz actualmente bella ex­ aquellas «Arvores antigas» tão nos­
posição de pintura, em vasto salão sas, tão braziieiras ; 0 bello «Effeito
de uma casa, á rua dos Arcos. de sol» e a «Praia da Saudade»,
Ha ali vinte e seis telas com­ quadro que deixa a alma do es­
pletas, perfeitas, irreprehensivel- pectador repassada de doce melan­
mente desenliadas. Em todos os colia. Um punhado de rosas sobre
generös trabalha 0 illustre pintor a veneranda cabeça do distincto
que tanto honra 0 engrandece a filho de Florença que tanto engran-
352 A M E N SA G E IR A

dece a nossa patria, que elle con­ vigario de Crostbwaite, e nasceu


sidera sua pelo muito que a ama. em 22 de fevereiro de 1 8 2 2 .
A mãe falleceu quando ella era
Cento e quarenta annos bem som- ainda criança, e ella propria des­
mados tinham os dois, elle e ella, creveu de modo inimitável os seus
ou simplificando a operação, seten­ primeiros annos no campo, appren-
ta annos cada um delles, o raptor dendo francez, allemâo e italiano,
0 a raptada. e embebendo aquelle cultivo lite­
E’ verdade! pelo menos foi o rário por que depois se tornou
que publicaram os jornaes desta conhecida.
capital. Miss Lynn foi para Londres em
1 8 4 5 e os sens primeiros tenta-
Aos setenta annos ainda póde
uma mulher, naturalmente feiticei­ mens literários foram guiados por
ra, incendiar paixões e provocar Walter Savage Landor.
desordens, e com egual edade, ain­ C seu primeiro romance foi
da existe nesta terra poderosa, ho­ Axeth, O Egypcio; seguindo-se-lhe
mem de coração apaixonado e cheio — Amymone e Realidades — e
do vigor para cavallarias tão altas!! trabalhando tambem no jornaslis-
E’ 0 caso do sabio provérbio: não mo. »
falta nunca para um pé inchado Mathematica — A faculdade de
um chinello velho. Para uma Ju- mathematica da Universidade de
lieta de setenta annos ha sempre Coimbra, vin este anno sahir de
um Romeu da mesma edade! sen recinto uma mulher formada,
C lara da C uxha S antos . é ella a Exma. Sra. 1). Domitila
Miranda Carvalho.
0 Paiz — Temos tido a satis­
fação de receber este importante
Kotas pequenas diário da Capital Federal, com a
maxima pontualidade.
Elizabeth Lynn Linton — A lite­
Agradecemos-lhe, muitíssimo pe­
ratura ingleza vem de soffrer uma
nhoradas, a honrosa deferencia.
grande perda com a morte da no­
tável romancista Elizabeth Lynn Carlos D. Fernandes — Inicia hoje
Linton, cujos traços biographicos a sua colloboração na Mensageira
vimos algures resumidos nestas este illustre poeta, que tanto brilho
linhas: tem dado á poesia symbolista no
«Elizabeth Lynn era a filha Brazil. E’ o caso de dar parabéns
mais nova do rvd. Janies Lynn, aos nossos leitores.
São Paulo 15 de Setembro de 1898 Anno I, N. 23

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direotora — Presciliana Duarte de Almeida

Pubhca-se nos dias 15 e 30 de cada, mex.

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por atino N u m ero avu lso


a d i a n t a d o ___ ^ Endereç o ; Rua dos Estudantes N. 23 R s. 1 $ 0 0 0

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M a r ia C lara da C unha Santo s


334 A M E N SA G E IR A

Summario: — Maria Clara da Cunha de dar algumas risadas gostosas


Santos, Perpetua do Valle; — N o Ser­
neste tempo de luetas e de pessi­
tão, conto, Maria Clara da Cunha Santos;
— Tela sombria, soneto, Julieta de Mello mismo !
Monteiro; — Observações sobre a edu­ E é esta a nota característica
cação em geral, Delminda Silveira; —
do seu temperamento excepcional.
Carta do R io , Maria Clara da Cunha
Santos; — D o «Estellario», poesia, Ma­ Quem quer se lhe approxime en­
noel V iotti; — Excerpto da «Professão contra consolo para todas as dores,
de F é», Archer de Lima; — A s Bellas
animação e enthusiasmo para to­
Artes, poesia, Maria Clara; — Notas pe­
quenas. das as ideias nobres, indulgência
para todas as faltas, e o coração
mais rico de caridade que imagi­
Maria 01ara da 0unha nar se pode!
Santos Existissem pela terra alguns
0 retrato que ora publicamos milhares de pessoas com a sua
podia bem vir desacompanhado des­ incomparável alegria communica-
tas linhas explicativas, tão conhe­ tiva e a sua bondade inexcedivel e
cido 6 de nossos leitores o nome cremos que esses milhares de pes­
de Maria Clara da Cunha Santos. soas conseguiríam fazer diminuir
Intelligencia vastissima, affeita de modo espantoso na humanidade
a todo genero de trabalhos, pos­ 0 suicidio, 0 desespero e o tedio.
suidora de accentuada habilidade E ninguém veja neste modo de
para as bellas artes, com uma fa­ julgar a suspeição da amizade,
cilidade enorme de percepção e suspeição que para nós, não existe
com a maior somma de paciência até certo ponto.
possivel, poderia, si o quizesse, ser Que a mãe seja suspeita para
uma grande cultora da fo7’ma, da ajuizar do filho ou vice-versa, que
phrase castigada, das estrophes 0 irmão seja suspeito para dizer do
trituradas e cantantes... irmão, podemos convir, e, para
A expansibilidade e a singeleza externar essa suspeição natural, o
são, porém, os attributes do seu povo tem na sua linguagem synthe-
espirito superior. Tudo o que es­ tica esta phrase: a naturexa grita!
creve tem o encanto indefinivel A amizade, emtanto, só por si expri­
de uma grande simplicidade! D’ahi me a admiração, o preito á virtude
a sympathia que lhe advem de e a inabalavel confiança! Torna­
todos que a leem! Os leitores da mo-nos amigos de alguém, quando
Mensageira terão certamente en­ nesse alguém encontramos qualida­
contrado nas Cartas do Rio mo­ des que nos captivam e nos en­
mentos de bom humor e ensejo cantam.
A MENSAGEIRA
355

Dado, porém, que tal suspeição e caudalosos affluentes até que


existisse, poderiamos repetir aqui triumphante, altivo e rico, desem­
as palavras de um de nossos ta­ boca no Rio da Prata.
lentosos collaboradores : «A sus­ O rio S. Francisco passa a duas
peição da amizade é mais nobre léguas da cidade e depois crescendo,
do que a suspeição da antipathia.» crescendo sempre, interna-se pelo
A alguém que porventura desconhe­ Estado da Bahia.
cesse completamente o mérito lite­ Ha ahi um contraste notável
rário deMaria Clara da Cunha San­ entre o Rio S. Francisco o o Rio
tos, deparar-se-ia propicia occasião Grande. Este, a 6 kilometros de
de avalial-o pela leitura do seu bello Piumhy, é largo, amplo, as aguas
conto No Sertão^ com o qual brin­ azues são transparentes e correm
damos nossos leitores. leves e suaves.
A Maria Clara da Cunha Santos De espaço a espaço vê-se uma
e a seu digno esposo, Dr. José Amé­ ilhota cheia de rica vegetação. O
rico dos Santos, que é um dos verde da relva sobresáe triumphante
mais brilhantes ornamentos da en­ e não raro apparecem flores ex-
genharia brazileira, a Mensageira quisitas, algumas amarellas e outras
rende as homenagens do mais alto escarlates. E’ um espelho esse rio,
apreço. e as frondosas arvores que o mar­
P erpetua do V alle . geiam, na maior parte pinheiro bra-
zileiro ou araucaria — formam ad­
mirável sombra convidativa á leitura
ou á meditação.
O rio S. Francisco corre enca-
choeirado, em borbotões, e a agua é
Sertão escura. Ha trechos estreitíssimos
(A ’ Adelaide Lopes Oonçolves)
nesse rio que é profundo e horri­
Depois de demorada e trabalhosa velmente perigoso. O leito está
viagem, na qual levamos 12 dias quasi sempre vasio, tal é a sua
andando a cavallo por longos e profundidade e a agua negra que
perigosos caminhos, chegamos á pit- corre vertiginosa causa-nos terror.
toresca cidade de Piumhy, no oeste Entre dois barrancos o rio estreita-se
de Minas. Esta cidade é ricamente por tal forma, que eu vi um ho­
dotada pela natureza. E ’ banhada mem atravessal-o de um pulo. Dis­
pelo Rio Grande, o famoso rio que seram-me que é 0 pedaço mais
percorre grande zona mineira e vae fundo e mais estreito do rio — é
recebendo o contingente de regatos um abysmo insondável!
Em suas margens não ha muitas desmereça a belleza e quantidade
arvores, mas em compensação abun­ das aguas. Ninguém na povoação
dam gabirobas, cajus miúdos, uvaias explica a existência das lagoas,
e joázes. acreditam entretanto que uma fonte
Vê-se de Piumby a serra da inexgotavel lhes renova as aguas
Canastra, que, apezar de estar distan­ constantemente. São ricas de pei­
te 14 legoas, apparece a nossos olhos xinhos e as vezes as aguas são sal­
formosa e altiva dominando a gran­ gadas. Diversos passaros voam
de cordilheira de serras e enormes sempre a roda das lagoas, sobre-
morros que a cercam. O nome vem- sahindo pela quantidade, a pomba
lhe da grande semelhança que tem rola, 0 quéro-quéro e o anum.
a sua configuração com uma ca­ A ’ tarde 6 agradavel ver-se a
nastra. meninada pescando á beira das la­
O sertão da Zagaia começa na goas. Dizem que muitas pessoas
raiz dessa serra e os corajosos e destemidas têm pago com a vida
audazes que o têm atravessado, af- a audacia de sondar essas lagoas
firmam que 6 medonho. Durante que têm os fundos irregulares e
8 léguas não ha uma gotta d’agua, perigosos.
não ha um refugio, não ha um E 0 povo todo da cidade sabe
conforto. Niguem reside nesses le­ essas historias que de bocca em
gares e se a necessidade obriga bocca correm gerações.
alguma creatura a atravessar tão Não é possivel encontrar ar mais
horrorosos caminhos, durante toda puro e mais secco, nem mais rica
a viagem leva o coração tranzido vegetação, nem mais belles e va­
de medo e de presentimentos. Al­ riados panoramas!
guns caminhantes têm sido assal­ «Ninguém encontra o sertão» —
tados ahi por bandidos. Ató nesse 6 esta uma phrase muito repetida
retiro solitário da natureza onde por quem conhece o interior dos
não brotam flores e nem corre a Estados. Realmente a gente viaja
cristalina agua, escondem-se para léguas e léguas por logares atra-
premeditados crimes, homens sem zados e sem conforto, sem civi-
escrúpulos. lisação alguma e quando imagina
Piumhy está situada sobre uma estar no centro do sertão, um
grande collina. A terra 6 aver­ dos habitantes do logar nos diz,
melhada e em muitos pontos roxa. naturalmente, convictamente, que o
Dentro da cidade ha duas lagoas sertão é lá para as bandas da Pra-
permanentes; não ha secca por tinha. O mesmo acontece quando
mais prolongada que seja que lhes se chega á Pratinha, ouve-se di-
A MENSAGEIRA
357

zer, em conversa, que o sertão é lá cargas. Logo que chegaram ao


para as bandas da Lagoa Doirada. rancho, o fiel camarada tratou dos
Emfim, se a gente sahisse com a animaes, deu-lhes milho, passou-lhes
lanterna de Diogenes accesa, a pro­ a raspadeira e levuu-os ao pasto,
curar 0 sertão, garanto, não o en­ depois voltou a tratar de botar
contraria. feijão ao fogo. Em poucos minutos
Ouvi em Piumhy, de um velho improvisou um fogão. Tres pedras
amigo de meu Pae, um caso que grandes serviam de limite ao fogo
se passái-a no sertão e que repro­ que ardia no chão; o caldeirão ata­
duzo aqui tal qual m’o contou: do ao cambito em foi-ma de gancho
era suspenso por um cabresto que
ia ter ao caibro do tecto. O cama­
Ha muitos annos passados via­ rada era também o cosinheiro.
javam pelo sertão do Araxá dois O companheiro mais velho ga-
moços do Rio de Janeiro, empre­ bava-se de conhecer todos os mo­
gados no commercio. O mais novo radores d’aquelle logar e de ser
dos companheiros era a primeira por elles muito estimado. Convidou
vez que passava por aquelles sítios, 0 amigo para ir á noite á casa de
0 outro já conhecia aquelle logar, umas moças muito bonitas, dadas
onde dois annos antes passára uma e alegres ouvir cantar modinhas e
semana de verdadeira felicidade, lundús e tocar violão. E ao dizer
no meio de alegre rapaziada, assis­ essas palavras, maliciosamente pis­
tindo as novenas e festa de S. cava os olhos ao companheiro como
Sebastião. a se gabar da preferencia das ro-
Chamava-se Agua Limpa esse ceirinhas.
pequeno logar, que tem hoje o no­ — Pois não, responde Gonçalves
me de um eminente brasileiro. a seu amigo Torres, nestas alturas,
Não havia hotéis em Agua Limpa, sem 0 menor divertimento, sem
os viajantes ficavam em rancho jornaes para se saber o que vae
aberto ou então tinham de pedir pelo mundo, não se pode rejeitar
pousada aos habitantes do logar, 0 convite de ir ouvir modinhas
que nunca a negavam, mas os mo­ cantadas por moças bonitas.
ços da Corte instalaram-se no ran­ — Bom, iremos logo mais á
cho que ficava atraz da Igrejinha noite.
do Rozario. Em jacás de taquara, E foram. Seriam 8 horas da noite
carregava os trens de cosinha e quando Torres vestido com a roupa
ancarote de vinho uma besta velha mais nova e a mais vistosa das
ruana, já cançada para pesadas gravatas apressava o amigo, dizendo
35 B A M ENSAGEIRA

que andasse, que já estava ficando — Has de sempre mostrar que


tarde. és um tolo, não troco os meus 4 0
— Mas que luxo é esse, diz annos pelas tuas 2 4 primaveras,
Gonçalves, estou muito desconfiado... üm homem não deve ser medroso,
— Não, respondeu Torres, uma 0 pae das moças é caboclo de máos
das raparigas de lá gosta muito bofes, eu sei, e não gosta de pago­
de mim e pensa que eu sou solteiro. des em casa, mas isso é o mesmo.
Com a ideia de arranjar marido... Fica pois aqui em baixo desta la-
facilitam... tu me entendes... Va­ rangeira e quando eu chegar a
mos, vamos que são horas. candeia á porta é o signal, podes
Partiram ambos conversando e entrar sem receio.
depois de passarem em ruas esbu­ Torres la foi pisando de vaga-
racadas, sem lampeões, desertas, rinho nas folhas seccas que se que­
pararam junto a uma cerca de bravam com 0 seu peso e faziam
achas de madeira. Torres começou um barulhinho monotono. Depois
por dizer ao amigo que era preciso bateu á porta . . . que não se abriu,
muito silencio e que pulasse a bateu segunde e terceira vez. Abri-
cerca para entrar pela porta da ram-na, um braço de mulher sus­
cosinha. Entraremos subtilmente, pendeu bem alto a candeia de
disse elle, eu sou muito conhecido, azeite e o corpo de Torres desap-
não faz mal e tu indo commigo pareceu no interior d’aquella casa
nada te succederá. silenciosa e escura. Passaram-se
— Mas que é isso? exclama muitos minutos, talvez mais de meia
Gonçalves espantado, pois foi para hora. Gonçalves afllicto esperava
alguma arriscada aventura ou mys- 0 signal convencionado para trans­
teriosa visita que me convidaste por 0 limiar d’aquelle paraiso ter­
ou para ouvir musica em casa de restre, ninho das moças bellas, das
pessoas conhecidas e amigas? cantoras de modinhas ao violão.
— Cala-te, fala baixinho, não me Augmentava sua impaciência a pro­
compromettas, as moças são muito porção da demora. Ja eram 10
dadas, mas o pae é terrivel, elle horas e nada, absolutamente nada,
ignora tudo, cala-te e acompanha-me. demonstrava que dentro d’aquellas
— Não, meu amigo, nunca tive paredes houvesse o menor vislum­
geito para essas historias, entra tu bre de vida.
que és conhecido da casa . . . e Aborrecido, zangado, e, para que
depois abre a porta e chega a can­ negar? enciumado com a preferen­
deia ao terreiro para eu entrar em cia das moças ao amigo, Gonçalves
casa. Deixemo-nos de massadas. resolveu ir para o rancho, dormir
A MENSAGEIRA
359

socegado. Ainda não tinha se re­ disse 0 homem das barbas com­
tirado quando viu a porta abrir-se pridas, e com a enchada começou
1'entamente. Pára, escuta, olha, es a fazer a cova, junto de uma bana­
preita receioso e vê sahir á frente neira.
da porta um homem de certa idade, Gonçalves do alto da laranjeira,
em mangas de camisa e calça de reconheceu á luz baça da candeia
zuarte azul, descalço, com os cabel- 0 coi-po do seu amigo, quiz gritar,
los revoltos e longas barbas que não teve voz, quiz vingal-o, pedir
lhe cahiam desgraciosas sobre o soccorro, mas como? Quem pode­
peito . . . ria ajudal-o?
Tomado de indizivel terror, Gon­ Lutar seria impossivel, um ho­
çalves quiz fugir, mas o cuidado mem desarmado não pode com très
no amigo, e a curiosidade retive- facinoras armados como estavam
rara-lhe os passos e elle para me­ elles. Que fazer? Calado, tranzido
lhor observar o que se passava subiu de medo, sem poder fazer o menor
lentamente na laranjeira copada. ruido para não ser presentido, elle
Lá do alto poude observar o si­ ali esteve alguns instantes que lhe
nistro préstito. O homem das barbas valeram séculos de agonia. Im-
compridas trazia suspenso o braço movel, estupefacto, allucinado, Gon­
esquerdo que segurava a candeia çalves viu 0 enterro de seu querido
de amarelada e triste luz, na mão companheiro.
direita trazia uma enchada. Os cães aqui, ali, acolá, e um
Em seguida dois homens possan­ delles, medonho Terra Nova, insistia
tes, descalços e maltrapilhos traziam impertinente em baixo da laran
0 cadaver de um homem bem ves­ jeira onde estava occulto o pobre
tido; 0 da frente segurava os pés rapaz. O sangue que tingira o
e 0 outro, desageitado e aos tram­ nariz e focinho do cão tirara-lhe
bolhões segurava a cabeça que de algum modo o faro, mesmo assim
pendia sobre o peito. Muitos cães 0 Terra Nova estava teimoso. Gon­
acompanhavam o cortejo fúnebre e çalves teve um minuto de hesitação,
um delles esfregava o focinho nos resolvera quebrar aquelle silencio
rastros de sangue que as roupas do medonho e invocar um perdão, mas
cadaver iam deixando pelo chão. perdão de que? reflectiu. De um
Nenhuma palavra diziam, era um crime que não commettera? Seria
silencio de metter medo; pararam uma humilhação. E depois era ser
e collocaram o cadaver no chão muito ingênuo para pensai que
e foi nessa hora que a primeira aquelles homens se o descobrissem,
palavra foi proferida.— Aqui mesmo. 0 deixariam vivo, elle .. . teste-
36o A MENSAGEIRA

munha ocular daquelle crime he­ rumor ou vestigios do crime. Só


diondo. Reflectiu... concentrou-se então desceu da arvore, vagaroso e
ainda mais em si, pensou cm sua allucinado o pobre rapaz. Pulou
mãe, tão distante, da qual elle era a cerca e quando so viu na rua,
0 unico arrimo, em suas pobres correu, correu vertiginosamente e
irmãs e ... esperando a morte esteve foi parar no rancho.
alguns minutos. 0 camarada dormia socegado e
Os cães finalmente abandonaram tranquillo. Gonçalves accordou-o e
a laranjeira, Gonçalves respirou. ainda sob a dolorosa impressão do
D’ahi a pouco o homem das barbas que vira contou-lhe tudo, tudo.
compridas deu por completo o seu Ambos amedrontados, horrorisados,
trabalho, subiu na cova que aca­ resolveram partir de madrugada e
bava de receber as ultimas camadas guardar silencio sobre o crime.
de terra e calcando os pés, disse 0 camarada disse então: aquelle
trumphante: este não bole mais com homem, o pae das moças, tem mui­
moça alheia. tas mortes, ellas mesmas, aquellas
Depois esfregou as mãos, tintas sirigaitas são as causadoras. Hoje
ainda de sangue, nas folhas da ba­ de tarde, o dono do pasto contou­
naneira, que guardava para todo o rne muitas cousas medonhas d’a-
sempre o derradeiro somno de Tor­ quelle homem e eu se soubesse
res. Um dos ajudantes, o que tinha onde os patrões iam, telos-hia avi­
carregado a cabeça do morto, tirou sado. 3Ieu Deus! Meu Deus! per-
do bolso da calça um montão de metti que amanheça depressa.
palhas de milho, cortou algumas, Quando rompeu o dia, os pobres
alisou-as e collocando-as atraz da que passaram a noite em verdadeira
orelha, começou a picar fumo va­ agonia, — já estavam longe d’aquelle
garosamente. A faca ennodoada logar.
de sangue serviu para picar miu­ Por muito tempo guardaram si­
dinho 0 fumo, fez tres cigarros, dos lencio, rcceiando a vingança d’a­
quaes oftereceu um a cada com­ quelle homem de barbas compridas
panheiro, e reservando para si o — 0 terror do sertão.
maior, accendeu-o á luz da candeia, Aos patrões e á familia de Torres,
a mesma que daria o signal da disseram os companheiros que elle
entrada a Gonçalves n’aquella casa fora assassindo porque heroicamente
e que servira de tocha fúnebre ao resistira a uns vis salteadores que
infeliz Torres. 0 ameaçaram com este terrível
Meia hora depois. . . no terreiro dilemma — A bolsa ou a vida.
dessa casa não havia o minimo M aria C la r a da C unha S antos .
A MENSAGEIRA 361

que seja a vida porque d’ella nun­


Téla Sombria
ca soffreste siquer uma amargura,
Morros ao fundo, em frente um descampado
á ti mais do que a pobre orfã, á
Largo, immenso, estendendo-se infinito!
A ’ esquerda o rio, triste, descorado, moça desamparada cujas tristes cir­
Espelhando as montanhas de granito. cunstancias da vida obrigaram a
aceitar um esposo sem em mais
O céo trevoso, escuro, carregado cogitar do que na grande necessi­
Mais qne o remorso n’alma do precito;
dade de ter no mundo um prote­
Î1 alem, fugindo, utn negro bando alado
Cortando os ares vae soltando um grito.
ctor legitimo, — a ti priiicipalmente,
eu falo : — consultaste mais do que
Nem uma choça, um lar, nem um tugurio, a tudo, consultaste bem 0 teu co­
Do mar .á beira, onde 0 subtil murmúrio ração ?...
Da mansa ondina, fosse um terno harpejo; Ai, joven noiva, não te vás en­
ganar ...
E onde um casal em plena juventude.
Sadio, forte, muito embora rude. Sonhaste, talvez, um ideal, e pen­
Soletrasse canções ao som de um beijo. sas tôl-o achado tão cêdo ...
JULiETA DE M. M onteiro. Vejo-te risonha 0 doudejante en­
Rio Grande do Sul. tre as tuas companheiras; a cada
instante levantas a recebêl-as, bei-
jal-as, tão irrequieta como a bor­
boleta entre as flores variegadas
de um jardim ...
A i! joven noiva, quizéra mais
II
vêr-te grave e seria.
Observações E ’ de um encanto indefinivel a
sobre a educação em geral suave tristeza da virgem desposada.
(Mocidade) Oh ! que mundo de sentimentos
A ' ti, jovem noiva cujo sorriso ternos e delicados não revelam as
tão docemente revela as alegrias lagrimas de uma noiva, a deslisa-
que te vão pela alma descuidosa; rem silenciosas, trementes sob a
a ti que te vês rodeada de teus Candida alvura da gása que lhe
paes satisfeitos, de teus parentes véla 0 rubor ! . . .
que te lisonjeam, de tuas amigas Sim ; a noiva deve antes mos­
que te admiram e invejam; a ti trar-se grave, sem deixar de ser
que és amada por teu noivo, que attenciosa e prasenteira, do que le­
és joven e bella, que sonhas um viana e exagerada nas expansões
porvir d’encantos e felicidade in­ de sua intima alegria.
quebrantável; a ti que ignoras 0 Este caminho que começa mar-
3Ó 2 A MENSAGEIRA

geado de flores cujos perfumes vos rido ao chegar á casa, não encon­
embriagam e do qual não enxer­ tra mais, nem siquer a sombra gra­
gais 0 fim, nem vos importa al­ ciosa d’aquella que o prendera com
cançai-o pois que lá distante se seus encantos!
perde na verdura das mais risonhas Outros, (e mais infelizes estes)
esperanças que circundam no es­ são recebidos com amuos de crean-
paço a nesga azul de um sereno ça mal creada, ou repellidos por
céu. deve entretanto esse caminho insultuoso ciume!
ter urzes e abrolhos! Oh! quantas e quantas vezes, en­
As proprias rosas emmurchecem, tretanto — 0 misero voltava sau­
e, fanadas as rosas, só restam os doso do lar, e quantas outras, abor­
espinhos. recido e incommodado de seus ne­
Sabeis o que seja um marido? gócios !
Nos primeiros tempos será o mes­
A mulher bem educada é sem­
mo amante apaixonado, condescen­
pre amavel e graciosa ; sempre cor­
dente, 0 companheiro de todas as
recta e sensata, sempre o bom anjo
horas do dia e da noite...
do lar.
Mas passa-se o primeiro anno;
Deveis saber que o mais bello
tendes um filhinho, talvez, e per­
dote de uma dona de casa é o es­
destes parte de vossos encantos:
pirito de ordem; n’isto se compre-
emmagrecestes, desmaiam-se as ro­
hende o asseio, a economia, a bôa
sas de vossas faces e lábios; já
direcção nos negocios domésticos.
não 6 tão farta vossa linda cabel-
leira; porém, comtudo, ainda assim Sede econômicas sem parecer mes­
sois bella porque... não vos desleixais. quinhas. Se tiverdes em vossa casa
Sim; para que sejais sempre ama­ uma dispensa, não entregueis as
das, é preciso que vossos maridos chaves d’ella á vossa criada, nem
vos encontrem sempre bem cuida­ á cosinheira; antes ide vós mes­
das, irreprehensiveis em vossas toi­ mas tirar o necessário para as re­
lettes e penteado, sempre amaveis feições diarias.
e delicadas como quando os capti- Ouvi a uma cosinheira que dizia
vastes. de sua jovem ama: «minha ex-
Quantas jovens senhoras, depois patrôa me entregava as chaves da
de casadas mezes apenas, julgando dispensa.^ A joven senhora por
terem alcançado quanto desejavam, não querer parecer menos amavel
e pensando não terem mais a quem que sua antecessora, imitou-a; em
prender com agrados, descuram de pouco tempo reconheceu-se lezada
sua propria pessoa, e o moço ma­ em sua illimitada confiança.
A MENSAGEIRA 363

Nunca exijais de vosso marido Quantas vezes por um capricho


0 que fôr alêm do necessário. tôlo, uma futilidade qualquer, en­
Quanto ao vosso vestuário e de tra a desharmonia em 0 casal até
vossos filhos, não despendais nunca então feliz!
alèm de vossas posses. Lem deveis saber que a bôa mãe
O bom gosto suppre sempre Cus­ de familia não deve esquecer seu
tosos enfeites, sedas e velludos. filho para entregar-se aos diverti­
Lembrai-vos d’aquella esposa mo­ mentos; nunca! porém, casos ha em
delo de que fala Jesus Christo — a que a esposa deve acompanhar seu
mulher forte: — «ella tecia e cos­ marido á sociedade; então deixa­
turava para vestir-se a si, a seus reis por algumas horas vosso filho
filhos e domésticos, e por suas entregue sómente á pessoa de vossa
proprias mãos preparava seus ali­ inteira confiança, e, condescenden­
mentos.» do com vosso esposo, elle será sua­
Quantas vezes a mãe de familia vemente obrigado a attender-vos,
não se vê n’esta contingência. . satisfazendo-vos ao mais leve signal
Si fordes remediadas da fortuna, de vossa vontade.
não esqueçais os necessitados, e Enfim: a mulher bem educada,
costumai vossos filhinhos á pratica tudo previne, tudo pode, tudo al­
da caridade. cança sem constrangimento.
A mulher bem educada é sem­ «A mulher é que fáz 0 marido»,
pre condescendente com seu es­ diz bem antigo axioma; assim, de
poso, e, embora muito joven, nunca alguma sorte, a mulher possúe em
deve ostentar caprichos de creança* parte, — 0 segredo da sua felici­
Lembro-me de uma joven casada dade.
de poucos mezes, que em certa Porém esse segredo portentoso
noite de baile, amuou-se, irritou-se só 0 conhecerá aquella que pos­
ao ponto de chorar, porque 0 ma­ suir «0 talisman que a todos en­
rido não queria consentir que le­ canta: os attractivos de uma hôa
vasse ella toilette branco. educação y>.
Fim.
Ao principio elle gracejava; de­
pois tornou-se serio, dizendo que D euiixda S ilveira .

0 traje de donzella não ficava bem Capital de Santa Catharina.


á esposa; finalmente encolerisou-
se deveras, e . . . adeus soirée até
quinze annos depois, que teve de
apresentar na sociedade sua joven
filha.
364 A MENSAGEIRA

sciencia. Xão tinham ainda ter­


Carta do ^io minado os applausos delirantes em
A Sociedade Coni mem ora tiva das honra da talentosa artista Clotilde
Datas Nacionaes iniciou de modo Maragliano, e outra artista, não
brilhante seus festejos com 0 nosso menos digna, não menos talentosa,
glorioso 7 de Setembro. E’ 0 caso veiu nos encantar com sua voz
de não saber a quem dirigir para­ educada e bella. Amalia Iracema,
béns, se á Sociedade Commemo- a riograndense do sul, é digna
rativa, se aos brazileiros em geral. émula da cantôi’a paulista e ambas
vieram despertar grande enthusias-
mo 110 coração de seus compa­
O illustre presidente eleito de triotas !
Minas, Dr. Silviano Brandão, to­
mou posse de seu alto cargo, no
dia 7 do corrente, no meio de A quinta Exposição Xacional de
applauses e regosijo popular. Xo Pintura, inaugurada a 1 de Se­
grande brazileiro que reune eni si tembro, nasta capital, está magni­
os mais nobres e elevados dotes fica. Para que a Exposição fosse
de coração e espirito, veem os excellente, bastava 0 grande qua­
mineiros um amigo sincero e to­ dro do Almeida Junior, «Partida
lerante que saberá administrar da Monção», que lá está, -como
brilhantemente a terra que lhe um raio de sol, illuminando 0 sa­
foi 0 berço. Xo vo embaraço para lão. Ha quadros de principiantes
mim, que não sei a quem saudar, collocados bem proximos á grande
se ao illustre presidente pelo seu téla do pintor paulista. Mas, que
elevado cargo, se aos mineiros, mal ha nisso? pergunto eu. Cada
pela excellente escolha que fize­ um enteri’a seu pae como pode.
ram elegendo-0 para dirigir os M a u ia C l a r a d a C u n h a S a n t o s .
altos destinos da poderosa terra,
glorificada pelo sangue de Tira-
d en tes.

2)o ‘‘ Estellario”
A ’ que me entende
O Rio Grande do Sul, 0 meu
querido Rio Grande, não quiz fi­ Hontem foi vel-a e eis tudo quanto almeja :
«Ver, tendo visto, quem mais ver deseja.»
car aferaz de S. Paulo, 0 adiantado
Estado que tanto se tem distin­ Chegou, tomou-lhe a mão fria de anceio:
guido no caminho dos artes e da E um longo olhar prendeu-os num enleio.
A MENSAGEIRA 3^5

Depois falaram de um amor secreto, Da saudade e dos sonhos que elle encerra
Entremeado de feliz projecto. Na que tem por Eleita aqui na terra.

Fóra — nevava luar serenamente E vive assim sonhando quanto almeja:


No sereno da gándara dormente: «Ver, tendo visto, quem mais ver deseja.»
M a n o e l V io t t i .
Dentro — dois corações na mesma chamma, 1-8-98.
De amor que as almas lhes inílamma.

E ao tête-á-tcte, na saleta esquise


Deixam que o tempo assim, breve, desli.se,

Mas é chegada a hora derradeira.


^scerpto
Força é deixar a sua eompanheira;
da "professão de f é ”
Companheira de amor, feita ao combate Volvamos a nossa attenção para
De duas almas que a paixão abate.
um assumpto de primordial impor­
As Boas noites, rápido lhe acena
tância, mas que ao espirito obsecado
O seu eleito, e aquella mão peíjuena. dos felizes, tem sido sempre consi­
derado como um meio secundário,
De sua amada eneerra os mais rosados objecto unico de prazer e nada
Sonhos de amor dos corações amados. mais. Tratemos d’ essa principal
fracção da humanidade, a que se
Seus lábios lembram bogarys e cravos,
chama MULHER.
Bello puniceo de morangos bravos,
Lycinque, que julgou o sexo
Quando suspiram a pequenina phrase: feminino como um ser inferior,
«Toda a nossa ventura agora faze.» teve de curvar-se ante a realidade
dos factos, e reconhecer a mulher
E como o invade uma ventura louca. como digna de partilhar com o
Ouvindo-a agora de sua rosca bocca.
homem de todas as glorias e de
todos os trabalhos.
E um seu olhar que, para merecel-o,
Daria em troca todo um setestrêllo. E quem negará hoje tal direito
á mulher? Quem poderá contestar
Parte sonhando... e quando mais distante a sua intelligencia, as suas aptidões?
Vae, illumina-lhe o semblante 0 papel que a mulher representa
na terra, 6 sublime. A doçura, o
A sua imagem pura e vaporosa,
amor, a paciência persistentes, tor­
Toda de preto, timida e amorosa.
nam a mulher um poderoso auxi­
E embora parta, o pensamento aberto,
liar na conquista do progresso hu­
Aninha a sua imagem calma, perto. mano, e na sua propria emancipação.
366 A M E N S A r.E IR A

Sendo a mulher unicamente o dade vinda de seres superiores pela


meio da propagação da especie, intelligencia.
como muitos querem, como poderá A mulher tem a phrase bella e
ser boa essa especie se o meio é enthusiasta, e 6 inquebrantável nas
inferior, mesquinho! Como poderá suas resoluções. Dizia um grande
colher-se bons fructos de uma ar­ escriptor francez, que no dia em
vore ruim? que uma mulher fallar n’ura comi-
A sua vida, um rosário de ma­ cio, 0 povo a seguirá á revolta! —
goas, de vigilias, de dedicações, tem Porque não havemos, portanto, de
sido até hoje premiada cora a maior dar á mulher o justo apoio, a de-
ingratidão. O homem, o compa­ feza leal què ella merece? Por­
nheiro do seu labutar incessante, que não defendemos até de espiida
constitue-se o seu maior verdugo. em punho a sua liberdade e a sua
Só lhe incumbe deveres, não lhe honra?
reconhece direitos. Nega-lhe a ins- Diz-se, a mulher é fraca, é vici­
trucção, tolhe-lhe as aptidões. osa. Se a mulher se perverte, 6
A liberdade da mulher trará sempre o homem que a desmoralisa,
grandes elementos de progresso; e é victima da credulidade. Emquanto
tanto assim é, que já hoje as ve­ á sua energia e coragem, citaría­
mos cultivar as artes, as sciencias, mos um sem numero de casos, que
0 commercio, etc.; mas 6 necessário bem 0 demonstram. Por exemplo:
que 0 homem a eduque, que a Joanna d’Arc, a rude caraponia que
respeite, não a limitando á ridicula tantos revezes inflingiu ás hordas
condição de um instrumento passivo inglezas, a quem as balas respei­
dos seus caprichos. E’ dever do taram, succumbindo alfim aos tiros
homem ter veneração por aqiiella traiçoeiros da intriga e da inveja!
que possue o titulo de mãe; a que Em Portugal, no cerco do Porto,
lhe ensinou a dar os primeiros qual foi 0 papel heroico, que a
passos, a que, com infinita paciên­ mulher representou? Quantas não
cia velou junto do seu berço, a que. arriscaram a própria vida para valer
enfim, é o seu unico amor sobre a aos soldados da Patria, atravessando
terra. Devemos, pois, ajoelhar ante os campos da batalha no mais ac-
essa figura veneranda e sagrada ceso da refrega para salvar seus
que é: MULHER,ESPOSA E MÃE! maridos e seus filhos?!
Madame Adam, a grande escri- Sempre e sempre deve ficar gra­
ptora franceza, diz que a mulher é vado no coração de todo o patriota
voluptuosa, mas que na sua volup- um sentimento de veneração sincera
tuosidade, sobresahe aquella digni­ e de respeito profundo pela mulher.
A M E N SA G E IR A 367

dos direitos, as homenagens aífec-


tadas e sarcasticas de alguns, alha­
Na vida domestica são neces­ das ao pouco escrupulo de outros na
sárias ainda mais a liberdade e a critica acerca da mulher, dão a
educação. A este respeito tenho nota vibrante do egoismo d’essa
á vista 0 livro da grande escriptora parte da humanidade, que se diz
americana Beecher Stowe — Fian­ sexo forte. Isto 6 um absurdo!
cée du ministre — que diz : Com que direito racional se impõe
«Todas as tardes os membros da á mulher maior numero de encar­
familia americana se reunem em gos e se lhe nega a liberdade de
volta do oratorio, ajoelham, e pedem acção, nos limites da ordem e do
a Deus pelos seus amigos e con­ respeito pelo seu similhante?
hecidos. A Sagrada Escriptura é A kcher de L dia .
a sua leitura quotidiana, e nas
Lisboa, 1 8 9 5 .
margens d’este livro 0 pae escreve
0 nascimento dos filhos e os prin-
cipaes acontecimentos domésticos;
é a este documento que se vão bus­
car as provas authenticas do estado
civil das familias. bellas artes
«A mulher discute, sae de dia,
Ao Br. Valentim Magalhães
de noite, vae a casa mesmo de
qualquer homem, sem que tal facto Formosíssimas senhoras,
seja criticado como deshonesto. E Amadas filhas dos Céus,
Sois quatro auroras raiando,
se acaso 0 marido, por um injus­
Ou quatro risos de Deus.
tificado ciume, ousa desconfiar de
sua mulher, é multado, quando essa A ’s vezes penso — a Pintura
desconfiança seja infundada.» E ’ de todas a mais bella,
O sexo feminino na America 6 Pois que fala, sem ter vozes,
Segredos por sobre a tela!
muito considerado. No seu bello
livro Os Estados Unidos, diz M. de Outras vezes digo — a Musica
Tocqueville, quanto ali são respei­ Tem a sua primasia,
tadas e amadas as mulheres. Quando revela os encantos
Em Portugul succédé 0 contrario. Da doce melancholia!

A indifferença e 0 desprezo ultra­


E da Esculptura, que digo?
jantes que hoje se sente pela mu­ Ao bronze anima e dá vida.
lher, dão bem ideia da pouca con­ Transformando o ferro bruto
sideração em que é tida. A questão Em viva estatua querida!
368 A M E N SA G E IR A

0 notável escnlptor brazileiro que


Corno a Poesia embelleza
As suas irmãs amadas!
D. Nicolina 6 uma rara vocação
Pintura, Esculptura e Musica artistica.
Andam com ella abraçadas! A fim de que nossa compatriota
pudesse continuar os seus estudos,
Nenhuma excede em belleza
foi-lhe concedida uma pensão pelo
As outras irmãs formosas,
Si esta canta, aquella fala,
governo do Estado de S. Paulo.
Est’outra desenha as rosas ! Que os seus esforços sejam co­
roados do maior exito, para honra
Mas, quem quizer separal-as da Arte e da mulher brazileira.
Mate primeiro a Poesia,
Rainha almirante. — Segundo
Que as outras irmãs coitadas.
Morrerão no mesmo dia ! rezam diversos jornaes, a rainha
M a r ia C l a r a .
da Grécia 6 a unica mulher do
(Dos Pyrilampos.)
mundo que tem o titulo de almi­
rante.
Occupa esse elevado posto na
marinha russa e recebe regular­
mente seus vencimentos. Confe­
riu-lhe semelhante titulo o ultimo
czar em attenção aos importantes
Trotas pequenas serviços prestados por seu páe, que
Bellas artes. — Partiu para o foi grande almirante da Rússia.
Rio de Janeiro, a frequentar a Es­ Julieta de Mello Monteiro. — A
cola Nacional de Bellas Artes^ a laureada poetisa riograndense, Ju­
Exma. Sra. D. Nicolina Vaz de lieta de M. Monteiro, auctora das
Assis, que iia tempos expoz nesta Oscillantes e da Alma e Coração^
capital diversos trabalhos de es­ enviou-nos o bonito soneto que
culptura, entre os quaes um busto hoje publicamos, acompanhado de
do Exmo. Sr. Dr. Campos Salles. amavel cartinha, onde nos promet­
A distincta paulista mereceu de te a continuação de seu concurso
Rodolphe Bernardelli honroso at- para a nossa modesta revista.
testado relativo ao tempo em que Esperamol-a de braços abertos.
foi sua discipula, no qual affirma
São Paulo 30 de Setembro de 1898 Anno I, N. 24

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direotora — Presciliana Duarte de Almeida

Publica-se nos dias 15 e 30 de cada mex.


P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m ero avu lso
a d ia n ta d o Endereço; Rua de Sta. Iphigenia, N. 57. Rs. 1 $ 0 0 0

Summario: — A primeira avançada, Pres­ trabalhos foram em geral bem aco­


ciliana Duarte de Almeida; — Voluptas
patiendi, soneto, Silvio de Almeida; —
lhidos. Julia Lopes de Almeida,
Marinha, Julia Lopes de Almeida; — essa distinctissima brazileira, cujo
Recordando, poesia, Julieta de M. Mon­ talento brilhante e acrisoladas vir­
teiro ; — A influença do lar, Maria Emi­
tudes são motivo de orgulho para
lia ; — Carta do R io, Maria Clara da Cu­
nha Santos; — Uma recordação, Delmin- todas nós, e de quem não ha mui­
da Silveira; — Notas pequenas; — índice. to 0 notável professor da univer­
sidade de Standford (California)
dizia: «Ha poucos escriptores bra-
primeira avançada
zileiros que pintem tão facilmente
Com este numero completa a e em estylo tão agradavel os costu­
Mensageira o seu primeiro anno. mes do paiz. E’ ella uma artista
As difficuldades inicias estão por­ de que qualquer literatura se po­
tanto levadas de vencida. deria orgulhar»; Julia Lopes de
Ao encetarmos esta publicação, Almeida iniciou na imprensa do
referimo-nos com enthusiasmo ao Rio de Janeiro uma nobre cam­
progresso mental das brazileiras. panha em favor da fundação de
Longe estavamos, porém, de repu- Orèches e Jardins da Infanda,
tal-o verdadeiramente. Escripto- emfim, tudo, tudo nos leva a
ras de grande mérito, cujos no­ crer que o Brazil será em breve
mes firmam obras dignas de atten- tempo um dos mais adiantados
ção, eram-nos completamente des­ paizes do Novo Mundo em rela­
conhecidas, força é confessal-o! ção ao desenvolvimento intelle­
A realidade excedia, felizmente, á ctual e moral de suas filhas.
nossa espectativa. Alguns livros Luminosa esperança esta, porque
de senhoras foram publicados neste sómente na terra em que a mu­
percurso de tempo, surgiram na lher comprehendev seus múltiplos
imprensa alguns periódicos redigi­ deveres e onde o homem reco­
dos tarnbem por senhoras e esses nhecer u seu valor poderá haver
370 A M E N S A G E IR A

homogenea direcção no aperfeiçoa­ justiça e de interesse sobre a edu­


mento das gerações vindouras; só cação e futuro de nossas filhas e
. I] com os esforços de todos indistin- estaremos sobejamente compensa­
ctamente poderá se augmentar o das de todos os sacrifícios.
contingente do bem commum na Agradecemos a nossos distinctos
sociedade. collaboradores e a nossos bondosos
Que esta pequena revista tenha assignantes o seu valioso auxilio,
proporcionado alguns momentos de sem 0 qual nada teriamos feito, e con­
recreio a nossas compatriotas, que tinuamos no nosso humilde posto.
I, tenha despertado sentimentos de P r ísc il ia n a D uarte de A lmeida .

Voluptas patiendi
Quem se esqueceu daquella a quem amou
E ’ porque não amou quanto podia:
O que no fundo dalma penetrou
Vai-se lembrando sempre, dia a dia.

Quem as ondas da vida navegou


Sinão cercado de melancholia?
Quem da terra da patria se afastou
Afastando de si a nostalgia?

Por um affecto, a dor mais truculenta


Que possamos sentir, si mais augmenta.
Augmenta também mais o nosso amor.

A i! Rosas sem espinhos... são enganos,


E o coração, nos intimos arcanos,
Muita vez póde amar a propria dor!
18— 9— 98.
S il v io d e A l m e id a .

algas franjam de verde, o velho


Marinha
Tomazzo pesca á linha, com a ca­
Ceu azul, de um anil carregado. misa aberta no peito magro, cabel-
Em um recanto de praia, sobre as ludo, onde o bentinho da Virgem
pedras negras de uma velha rocha e a medalha de Sta. Luzia se unem,
onde as ostras se apegam e que as pendentes de um cordãozinho preto.
A M E N SA G E IR A
371

Atraz delle, em pé, com os cal­ Não lhe nascêra aqui a filha The-
ções rasgados, a cesta e a navalha reza ? Não tinha elle aqui très
na mão, promptas para os peixes netos ? Tudo isso era verdade ;
que hão de vir, 0 Guilherme es­ mas. .. depois de tantos dias pas­
pera os productos* dos labores do sados, soes e luas tão fulgurantes,
avô. depois de tantos factos nascidos e
Lá fora, no mar alto, dois bar­ extintos, depois de tanto esqueci­
cos de pesca vão cortando a mo­ mento, de tantos trabalhos e de
notonia das aguas com os pontos tantas luctas, com 0 coração mais
brancos das- suas velas enfunadas. duro que uma nóz, 0 corpo mais
As ondas vêm e vão, vagarosis- vergado que um canniço, a sua
simas, quebrando-se em degráus alma voava saudosa d’estes mares
pequenos de crystal fino e esten­ azues para 0 azul dos mares da
dendo-se depois pela areia branca patria, dos olhos da esposa fiel e
n’um espreguiçamento deleitoso. trabalhadeira, para os pestanudos
Mas eis que a linha do canniço olhos da outra.
tréme; houve um repellão no an­ Que fim teriam levado? Ah! se
zol, mas 0 Tomazzo não deu por elle pudesse ver tudo, voltar á ter­
isso: olhava para 0 largo, para ra da sua infancia ...
aquellas duas azas de cysne des­ Outro repellãp no anzol : — Ella
garradas e luminosas. era linda, linda! Comtudo, não va­
Elle sentia a nostalgia do mar le a pena um homem torcer a sua
alto, d’ aquellas suas viagens no vida por causa de uma mulher.
porto de' Nápoles, tão azul, com ou­ Para 0 pobre a fortuna é 0 tra­
tros pescadores da mesma edade, balho e a terra em que nasceu.
alegres, fortes, tagarellas no seu Que lindo sol! Que mar tão im­
dialecte... 0 Gaetano, 0 Pietro... ponente que é este! Não ha no
Onde estariam elles, como esta­ mundo coisa mais bonita ! . . . O
riam? a mulher do Gaetano era amor passa... esquece... é como
formosa, com uns olhos, Dio bene- 0 vinho; as bebedeiras não duram
detto! de cavar corações! sempre! Lá isso, ha quem morra
E fora por causa d’aquelles olhos e mate por amor; e outros fogem,
que elle aos quarenta annos se ex- como eu fugi... tolice ! passado 0
patriâra, e viera para este grande tempo, e quando 0 sangue é fraco
Brasil... Fizera mal ? fizera bem ? e velho, só se sente desprezo por
E’ uma linda patria esta, e tão essa ninharia que a mocidade exag-
grande, e tão luminosa, e tão aco­ gera... Se eu tivesse matado 0
lhedora. Não se casara elle aqui? Gaetano para lhe ficar com a mu-
372 A M E N SA G E IR A

Iher, como foi também minha ideia, sa, e só depois de terem passado
teria ido cumprir sentença e seria é que parece attentar nellas...
talvez agora tempo de voltar para Afinal, onde se cria raizes é que
a Italia. se deve ficar. .. e que são os filhos?
No presidio não se ama; eu não Raizes que nos* prendem á terra.
me teria casado ... Como me re­ O Brasil é a grande patria de meus
cebería ella? chorando? netos, será aqui a minha cova...
onde a minha velha, coitada, vá
E 0 meu coração? iria conten­
chorar... Afinal a mulher do Gae­
te ? ! Talvez que sim ... já estou
tano não valia um-dedo desta, que
tão velho e ainda não me en­
é minha e por ser minha é que
tendo.
não penso nella! Será ? ... Homem
Talvez que sim... porque eu vol­
ingrato, s e rá ?...
taria para a liberdade, para a mi­
Uma gaivota passou rente; a
nha terra... para a minha amada...
agua crespa scintillou ao sol. Nas
Outro repellão no anzol.
pedras pretas rumurejou uma onda
Ella, a mulher do Gaetano, leve, bordada de espuma baloiçan­
deve estar velha... eu teria uma do as algas de cabelleira côr de
decepção .. . talvez chorasse ! . . . ferrugem. E o pequeno Guilher­
Quem sabe se morreu? . . . Teria me, que descera surrateiramente
fugido com 0 Pietro? ella parecia para a areia branca, entretinha-se,
fadada a enganar o marido ... Po­ agachado entre as pedras, com as
bre Gaetano ! bom companheiro ; se pernas na agua, em arrancar e co­
agora o visse... abraçava-o ! . . . mer ostras, que ia abrindo com a
A vida é assim mesmo, a gente navalha do avô.
mal conhece as coisas porque pas­ J u u A L opes de A l m e id a .

ílecordando...
Em noites estivaes, formosas, encantadas,
Quando passam no ar as auras, perfumadas
E o céo é todo anil, sereno, transparente
Como a face de um lago a murmurar dolente
Uma queixa de amor, um hymno de poesia,
Um merencório adeus ao despedir do dia,
Apraz-me decerrar do corrção as portas
E fazer reviver as illusões já mortas.
A M E N SA G E IR A
373

Repassando na mente uma por uma as crenças


Que perderam-se alem, entre as caligens densas
Das noites sem luar, das noite tenebrosas
Tristes como o gemer das ondas marulhosas...
Apraz-me recordar os já passados dias,
Quadra de risos bons, de santas alegrias,
Dos meus sonhos gentis, das minhas esperanças
Que depois, vi partir, bando de pombas mansas.
Travessas, ideaes, deixando os pátrios lares
Onde ficaram sós meus intimos pesares!
E é tão grato lembrar que a f’licidede um dia
A fronte nos beijou n’uns éstos de magia,
Que embora venha a dôr, os múltiplos tormentos
Nos seus braços fataes, nos apertarem lentos.
Guardamos sempre n’alma em amoroso encanto
Funda recordação do que enlevou-nos tanto!

Oh tempo seduetor! oh tempo feiticeiro


Porque não voltas, tu com teu sorrir fagueiro
Meu pobre coração a engrinaldar de flores.
Ditoso a se embalar na rede dos amores?!
Que importa que o tufão passasse desabrido
Derrubando sem dó todo o rosai florido
Desse vasto jardim de nossos sonhos bellos,
Onde se erguem tamhem phantasticos castellos?
Após a tempestade a paz procura a terra,
Mas ah, no peito meu constantemente erra
O phantasma da dôr, que chora soluçante
Um passado feliz, ditoso, fulgurante!

Por isso nunca mais cessou a tempestade


Que um dia derrubou-te, oh minha f’licidade!

Rio Grande do Sul. JuLiETA DE M. M onteiro.

^ influencia do lar abriga conti’a a indiferença, contra


0 vicio e contra o tedio. Compre-
Na lueta pela vida, nesse attri- hender a sua missão, respeitar o
cto de difficuldades, de decepções santuario da familia, proteger a
e de tormentos, o lar domestico, o mulher e ao mesmo tempo forti-
lar tranquillo, o lar medianamente fical-a, preparando-a para que seja
feliz é 0 oásis onde o homen se capaz de se manter com honra e
374 A M E N SA G E IR A

dignadade caso se veja sósinha nes­ cabisbaixo deploraria a sua solidão


te mundo, eis o dever de todo o moral em vez de se gabar e dar
homem que foi bafejado pelo sopro máu exemplo aos inexperientes.
da civilisação e que poude auferií- E vem bem ao caso transcrever
o proveito das luctas em que se aqui algumas linhas com que Jules
tem debatido a humanidade. Simon descreve um lar modelo,
Para que, porém, o tecto que num artigo publicado recentemente
abriga uma familia seja digno de sobre a Mulher de outr’ ora:
ser considerado como o templo da «Uma vez casada, a mulher exer­
paz e do amor, quanto esforço não cia autoridade absoluta em sua casa.
é preciso da parte de cada um O marido não fazia senão "’consul-
dos conjuges! Muita gente diz: o tal-a. Os filhos a consideravam
marido faz a mulher, outros: a como a lei vigente.
mulher faz o marido, e esquecem- O lar domestico não se parecia,
se assim daquillo que se aprende como hoje, a um hotel, onde pode
num provérbio muito comqueiro entrar qualquer pessoa bem vestida
— «uma andorinha só não faz ve­ e que tenha sido apresentada. Era
rão». O que 6 preciso 6 que ha­ uma especie de sanctuario
ja bondade de parte a parte, bene­ Além disso o interior duma casa
volência de lado a lado, boa dis­ não se assemelhava, como hoje, ao
posição de cada um para ver nos interior das'_^outras casas. Existia
conselhos do outro o interesse do originalidade. Uma mulher tinha
bem e do justo, o proveito moral 0 direito de dizer «minha sala».
de ambos, e o que é ainda mais Ella a havia mobiliado segundo seu
serio, a felicidade dos filhos. gosto e desejo.
E’ bem triste de ver a jactari- As casas não eram tão grandes
tancia com que certos homens se como agora; a creadagem menos
gabam de não consultar nunca suas numerosa; os gasto mais em rela­
mulheres acerca de seus negocios! ção com as entradas.
E’ verdade que existem, infeliz­ Uma obra d’arte transmittida pe­
mente, mulheres que cuidando só lo pae ao filho, era exposta na
de fitas e futilidades não têm senso sala em vez de todos esses objectes
commum para ajudar o marido a tão caros como vulgares, que hoje
pensar, ou a discreção precisa para se compram nas lojas e bazares.
guardar um segredo. Mas, são A dona da casa sabia contar.
excepções; e, si o marido estivesse Examinava todas as contas e sem
bem compenetrado da ligação es­ ser avara, economisava. Tinha
treita que deve existir no casal. creados antigos, os quaes tratava
A M E N SA G E IR A
375

amistosamente porque via nelles Bello devia ter sido, na verdade,


outros tantos conselheiros respeito­ esse tempo de simplicidade e vir­
sos. Eram amigos da casa, ami­ tude. Que a mulher não seja,
gos seguros do marido, da mulher, pois, essa lei ingente a que se
dos filhos. refere Jules Simon, que não seja
Nessas casas convidava-se a jan­ a providencia moral da moderna
tar as relações, e a dona da casa seita philosophica, mas que seja
sentia-se orgulhosa de poder dizer ao menos uma companheira a qual
«fui eu quem fez este prato»; geral­ se prodigalise consideração, repei-
mente ella servia a sôpa. O es­ to e fraternidade. A oppressão
poso não desdenhava descer á ade­ produz a revolta, disse-o ha muito
ga para buscar certo vinho velho, eminente escriptora. Emtanto ó
de que contava a historia. bem certo que a mulher, pela sua
Como todos os convidados per­ infinita magnanimidade e grande
tenciam ao mesmo mundo, a con­ força affectiva, mesmo quando se
versação era geral e interessante. revolta pela razão, cinge-se, amol-
Então, sabia-se conversar com sin­ ga-se e tudo perdoa, levada pelo
ceridade, franqueza «laissez aller», sentimento.
porém sempre com decencia. Maria E milia.
Depois do jantar, a conversação
seguia. Ainda não havia o costume
dos homens retirarem-se a outro
quarto para fumar e as mulheres
reunirem-se em pequenos grupos
“ 0arta do ^ io”
para falarem de modas e outros Completa a “ Mensageira” com o
assumptos que as afastavam dos presente numero, seu primeiro anno
homens. de publicidade. E ’ motivo de jú­
Tods reunidos conversavam so­ bilo para mim, esse facto. Se o
bre 0 ultimo livro ou o ultimo grande interresse que tenho por
quadro. Recitavam ou liam ver­ esta revista, não me tornasse tão
sos. Também cantavam, muitas suspeita aos olhos dos leitores cri­
vezes com acompanhamento de gui­ teriosos, eu teceria hoje os mais
tarra. calorosos elogios á directora desta
Assim acontecia quando eu era folha, cujos primeiros passos ella
joven. tão brilhantemente tem guiado, por
Então, num salão todos eram via de regra, os mais difiRceis de
sinceros, e todos sabiam divertir- guiar.
se francamente.» Um anno de existência o que
376 A M E N S A G E IR A

é ? —- Nada; um rápido abnr e fe­ Outro dia nos A pedidos do «Jor­


char de olhos; uma illusão que se nal do Commercio» deparei com al­
esvae; um sonho que se dissipa; gumas linhas interessantes que me
uma nuvem que passa. No em- fizeram rir gostosamente. Era uma
tanto, se a semente de um máo felicitação banal, muito cheia de e-
conselho ou de uma falsa educa­ logios. Mais ou menos dizia assim:
ção, fica em uma alma infantil e A’ minha querida e formosa e bôa
brota e viça e cresce... quantos e intelligente filha Fulana de Tal,
prejuizos e desgraças podem se des­ saúdo pelo seu natalicio etc.» E
envolver no curto espaço de um a venturosa mãe, que quiz ver em
anno! Tudo é relativo, pois. Um lettra redonda os decantados dotes
anno pode ter a rapidez de um da ditosa filha, assignou seu nome
minuto ou a lentidão de um século. por extenso!
Depende do ensinamento que delle Por associação de idéas, lembrei-
soubermos tirar. me desse caso ao saudar hoje a
Se a «Mensageira» tiver desper­ «Mensageira» e tive a necessária
tado, com suas idéias aqui externa­ prudência de calar-me a tempo.
das, uma vocação ao menos; se ti­ Ainda bem!
ver alevantado em um coração
descrente uma energia digna; se Crotalos é o titulo — que ex­
tiver consolado um triste e enco­ travagante titulo ! — de um livri-
rajado uma alma timida e medrosa, nho de versos que o joven e ta­
terá cumprido dignamento o seu lentoso poeta Carlos Góes acaba de
dever. Mais vive quem faz bem publicar. Lê-se de uma só vez o
do que quem muito vive. gracioso livrinho que tem muitas
A «Mensageira» tem em suas poesias bonitas. Agradeço o exem­
columnas, sempre francas aos es- plar que me foi offerecido pelo
criptores de bôa vontade, embora auctor. Sem querer fazer critica
principiantes, apresentado algumas — genero esse de litteratura ao
escriptoras de talento e divulgado o qual eu sou avessa por indole e
mérito de muitas outras que eram por precaução — destacarei entre­
até então bem pouco conhecidas. tanto dois sonetos que impressio­
E não é que eu estou me es­ nam agradavelmente ao leitor. Ma­
quecendo que sou suspeita e vou gna Força e Cloivn. E ’ uma bella
entrando em divagaçôes que ter­ promessa esse livro, e, o poeta que
minarão fatal mente em francos e- tem apenas 17 annos — tem dian­
logios a esta revista? Cala-te, co­ te de si um bonito futuro se con­
ração ! tinuar a estudar e não prestar ou-
A M E N S A G E IR A
377

vidos a elogios banaes. Aos 17 an-


Uma recordação
nos, como é grande a influencia
da critica! eu que o diga! Uma 0 pequenito Leoncio morrera.
palavra de^ louvor ou uma phrase Dois annos apenas ! . . .
de censura causa-nos tamanho aba­ Passados oito dias, fui visitar a
lo que ficamos por muito tempo desconsolada mãe.
dominadas por essa impressão tão Carmem vestia a cor das viole­
forte ! tas, e como a flor mimosa, pendi­
E é por isso que eu aconselho da a pallida fronte, chorava.
ao joven poeta que não se sinta Palavras de consola(;ão, de con­
muito lisongeado se a critica lhe forto, nada! Todo o remedio ap-
for favoravel e nem se mostre sub­ plicado áquella ferida recente, mais
jugado se ella for inclemente. Con­ lhe avivava a grande dor, mais e
tinue a estudar e muito e a 1er os mais fazia sangrar o materno co­
bons poetas. A enriquecer o seu ração.
espirito na solida comprehensão da Levantei-me, e, passeando pela
verdadeira arte, lucrará muito mais sala, procurava uma idéa quahpier
do que a escutar criticas litterarias com que a distrahisse.
que muitas vezes não têm valor, Sobre uma das consolas de már­
que muitas vezes não são sinceras. more havia grande quantidade de
quinquilharias galantes; entre ellas
Pediram-me, ha dias, para esco­ sobresahia um pequeno coração de
lher um nome bonito para um re- velludo escarlate artisticamente bor­
cemnascido. Antes que eu respon­ dado á seda com uma corôasinha de
desse, uma seuhora presente, muito amores e violetas coroando em mi­
dada a litteratura franceza, lembrou moso relevo d’oiro a doce palavra
0 nome de Victor Hugo. E a po­ — «Amor».
bre creança recebeu na pia baptis­ Tomei 0 delicado trabalho e che­
mal a responsabilidade desse gran­ gando-me á triste amiga, disse:
de e glorioso nome. Horror! Pelo «Que gracioso coração !
amor de Deus, mães de familia, li- Será a copia de teu tão formo­
vrae vossos amados filhinhos de ta­ so e sempre tão cheio de amor,
manho desfructe. Victor Hugo de Carmem?
Souza ! Floriano Peixoto de Aze­ E fôste tu que lhe bordaste es­
vedo ! Que vem a ser isso ? Que sa doce palavra ? . . .
cousa ridícula! Carmem levantou para mim o
M ar ia . C l a r a da C u n h a S a n t o s .
terno olhar magoado, e uma ex­
plosão de lagrimas e soluços mais
378 A M E N S A G E IR A

forte do que d’antes rebentou-lhe


Kotas pequenas
d’alma angustiada.
Attonita, buscando acalmal-a, de- Commune. A JSação^ desta ca­
puz-lhe no regaço o mimoso cora­ pital, publicou 0 que se segue so­
ção de velludo escarlate que ella bre este livro:
n’ um arrebatamento inexplicável «Louize Michel acaba de publi­
tomou cobrindo de fervorosos beijos. car um curioso volume sobre a
«Sabes, disse-me 'alfim entre so­ Communa de Pariz.
luços e lagrimas, sabes com que A famosa e celebrada revolu­
fios d’ouro bordei essa doce pala­ cionaria descreve os episodios mais
vra que me enche o coração ? .. curiosos desses dias trágicos que
Elle tinha os cabellos lindos... vão de 18 de março de 1871 ao
m acios... longos... loiros, muito fim do mesmo anno.
loiros, cahindo em graciosos anneis O livro merece ser lido, por
de ouro; um só annel, um só, d’a- causa da nota tão pessoal, tão ori­
quelle oiro precioso bastou-me para ginal e tão typica do estylo de
formar a doce palavra — Amor! Luize Michel.
Os fios doirados d’aquelles ca­ A «vierge rouge» como lhe cha­
bellos loiros eram o resplendor do mam em Pariz, combateu nas bar­
meu sol querido, e os lindos raios ricadas com armas na mão, foi
d’ a([uelle formoso esplendor ves­ presa, esteve para ser fusilada e
tiam de caricias o meu pobre co­ passou bastantes annos no degredo.
ração gelado pelo frio de uma eter­ E’ entretanto ainda hoje, a mesma
na viuvez; então, as saudades po­ mulher prompta a todos os sacrifí­
diam aqui abrir mais formosas, mais cios.
vividas, como nos dias do meu pas­ Ha quem lhe chame uma allu-
sado feliz. Porém agora. . . » cinada, e Luiza Michel ri-se! Pois
E chorava, chorava pendida a todas as idéas grandes não tive­
pallida fronte, qual violeta mimosa ram ao começo os seus allucina-
ao derramar na terra orvalhos que dos? Para que um grande ideal
lhe vêm do Céu! vingue é necessário um baptismo
D e l m in d a S i l v e d í a . de sangue.
O livro «Commune» tem sido
muito discutido na imprensa pari­
siense.»
Heroínas. Em Nasso, pequena
cidade da Suécia, o corpo de bom­
beiros é composto de mulheres.
A M E N SA G E IR A
379

Nessa localidade as obras do abas­ á rainha Victoria. Movida a so­


tecimento d’agua consistem unica­ berana á compaixão resolveu in­
mente em quatro enormes tubos. dultar 0 delinquente.
Cento e cincoenta mulheres, que Havia très dias e très noites
formam o corpo de bombeiros, têm que a pobre mãi, no meio das
a seu cargo a conservação e lim­ mais terriveis angustias, permane­
peza das canalisações. Essas mu­ cia junto á porta da prisão.
lheres gosam da fama de excel­ Quando chegou a graça da rai­
lentes operarias, revelam muita nha, concedeu-se-lhe o favor d’ella
pericia e grande calma nas occa- mesma a communicar ao filho.
siSes de incêndios, trabalhando sem O réo, ao ver a mãi agitada e
confusão nem alarido. tremula, julgou que ella vinha di­
Trabalhos de tal ordem são na­ zer-lhe 0 ultimo adeus, antes do
turalmente destinados ao homem, momento fatal.
mas 0 facto de haver mulheres A pobre mãi movia os lábios
que os exerçam com tamanha pro­ para fallar, mas não era possivel
ficiência é prova bastante evidente articular uma só palavra.
de que a mulher quando não tem Depois de vacillar, cahiu por ter­
0 aconchego e a alegria do lar ra como que fulminada por um
póde ser corajosa e forte para de­ raio. — Matou-a alegria.
sempenhar mesmo as mais rudes O carcereiro teve que commu­
tarefas. nicar ao preso o seu indulto e ao
Amor de mãe. Na União Ca- mesmo tempo a morte da mãi.»
tholica encontramos a narração des­ Indice. Para facilitar aos col-
te commovente facto : leccionadores o meio de manusear
«Ha dias devia ser justiçado em esta revista, publicamos hoje o
Londres um tal William Namour, indice das matérias contidas no
por ter matado a esposa lançando-a primeiro anno.
ao Tamisa. Novo endereço. Toda a corres­
Dez mil pessoas pediram o in­ pondência da Mensageira deverá
dulto do réo, e a propria mãi delle ser dirigida de ora avante para a
foi quem entregou o requerimento rua de S.** Iphigenia, n.° 5 7 .
I NDI CE
I ’ag. Pag.
Duas palavras, Presciliana Duarte de Blasphemo, soneto, Arthur Andrade . 28
Almeida................................................... 1 Kief, soneto, Julio (lesar da Silva . 29
Entre amigas, J ulia Lopes de Almeida 8 S e l e c ç ã o ............................................... 29
Do “ Livro da Saudade” , soneto, Za­ A ’ Heloisa, poesia, Stella Lentz . . 30
lina R olim ................................................ õ Notas pequenas.................................... 30
Uma carta, Maria C lara............................Õ Chronica omnimoda, J. Vieira de Al­
Brilhantes brutos, conto, Maria Clara meida ............................................... 33
da Cunha Santos...................................... 0 Gonçalves Dias, poesia, Presciliana
Recuerdos, soneto,-Hippolyto da Silva 9 Duarte de Almeida...............................35
Cartão de parabéns, Silvio de Almeida 10 Carta do Rio, Maria Clara da Cunha
O Deserto, soneto, Julia Cortines. . 11 S a n t o s ....................................................36
Chronica omnimoda, J. Vieira de Ai- Horas de sonho, soneto, Georgina
m e i d a ............................................... T e i x e i r a .............................................. 38
Contraste, soneto, A urea Pi res. . . 13 Carta á Presciliana Duarte de Al­
S e l e c ç ã o .................................................... 1-i meida, Ibrantina Cardona . . . 38
D. Alzira, poesia, Presciniana Duarte De longe, poesia, Aurea Pires . . . 42
de A l m e i d a ......................................... 15 Carta com ares de chronica, Maria
Meu Filhinho, poesia, Presciliana E m i li a ....................................................43
Duarte de Almeida......................... 15 Lenda, Maria Ciara da Cunha Santos 44
Notas pequenas................................... 15 S e l e c ç ã o .................................................... 45
Falso encanto, MariaEmilia . . . 17 Notas pequenas......................................... 45
A Jornada, soneto, Adelina Lopes A nossa condicção, M. P. C. D. . . 49
V i e i r a ..............................................18 Velha saudade, soneto, Georgina Tei­
Carta do Rio, Maria Clara da Cunha xeira...................................................51
S a n t o s ............................................. 18 Carta do Rio, Mana Clara da Cunha
O Mergulhador, poesia, Francisca Ju­ S a n t o s ............................................. 51
lia da S i l v a ...................................21 Noite, soneto,Amelia de Oliveira. . 54
Chronica omnimoda, J. Vieira de Al­ Chronica omnimoda, J. Vieira de Al­
meida .................................................... 21 meida .................................................... 54
Soneto, Amelia de Oliveira. . . . 23 Supplica, poesia, Arthur Andrade. . 56
Traços ligeiros, Silvio deAlmeida . 23 O trabalho do verso, soneto, Manoel
Ideal, poesia, Presciliana Duarte de V i o t t i ............................................. 57
Almeida............................................. 25 S e l e c ç ã o ............................................. 57
Trindade, conto, Dolores Alcantara de O ramo da esperança, poesia, Samuel
A r a ú jo .............................................25 Porto..................................................58
A M E N S A frE IR A 381
Pag.
Na Thebaida, Ignez Sabi no. . . . 58 Carta do Rio, Maria Clara da Cunha
As cartas, poesia, Presciliana Duarte S a n t o s .............................................. 101
de A l m e i d a .................................... Amphitrite, soneto, Alberto de Oliveira 103
Dão licença? Georgina Santiago . 61 Intellectualidade Feminina Brazileira,
Notas pequenas.......................... .6 3 Pelayo S e r r a n o ...............................106
Chronica omnimoda, J. Vieira de Al­ Almeida Junior, Perpetua do Valle . 107
meida ............................... . . . 65 Contraste, soneto, Francisco Lins . . . 100
Dezoito de Novembro, soneto, Aurea Cahir da noite, soneto. Saturnino de
Pires.........................................................67 Oliv'eira.............................................. 109
Carta do Rio, Maria Clara da Cunha Com ares de chroniea, Maria Emilia . 110
S a n t o s ................................................... 6 7 S e l e c ç ã o ................................................. m
Patuit D e a ..., soneto, Silvio de Al­ A entrada do anno, poesia, Prescilia­
meida .................................................... 7 0 na Duarte de Almeida.....................112
0 suSragio feminino em a Nova Ze- Notas pequenas....................................... 112
l a n d i a ....................................................70 Uma santa, Julia Lopes de Almeida. 113
Onde?, soneto, Amadeu Amaral . . 72 Em Ouro Preto, soneto, Aurea Pires 115
Impressões de leitura, (Plectros de Carta do Rio, Maria Clara da Cunha
Ibrantina Cardona) Perpetua do Valle 72 S a n t o s .................................................115
No Chalet, poesia, Ibrantina Cardona 76 O meu ideal, soneto, Delminda Silveira 118
Literatas polacas, Elmano do Val. . 78 Pela mulher, mensagem de D. Eloy
Nenia, poesia, Presciliana Duarte de A l f a r o .................................................118
A l m e i d a .............................................. 7 9 Madrigal, Silvio de Almeida . . .1 2 0
S e l e c ç ã o ................................................... 80 Chroniea omnimoda, J. Vieira de Al­
Notas pequenas.........................................80 meida ................................................. 120
A nossa condicção, M. P. C. D. . . 81 Soror Thereza, soneto, Manoel Viotti 123
E’ minha mãe, poesia, Adelina Lopes Com ares de chroniea, Maria Emilia . 123
V i e i r a ................................................... 82 Pobre, soneto, Francisco Lins . . 125
Carta do Rio, Maria Clara da Cunha Horas vagas, Dolores Alcantara de
S a n t o s ................................................... 82 A r a ú jo .................................... . 125
Filha, Esposa, Mãe, poesia, Delminda Notas pequenas.......................................127
Silveira................................................... 85 Ainda um assumpto feminino, Pelayo
Viuva Simões, critica literaria, Leo­ Serrano.................................................129
poldo de Freitas....................................85 Soneto, Zalina R o lim ............................ 132
Primavera, poesia, Georgina Teixeira 87 Carta do Rio, Maria Clara da Cunha
Chronica omnimoda, J. Vieira de A l­ S a n t o s ................................................. 132
meida ................................................... 8 8 A ’ Luz da Lua, soneto, Aurea Pires 135
Agradecimento, soneto. Padre Corrêa Chroniea omnimoda, J. Vieira de Al­
de A l m e i d a ............................... meida ................................................. 135
VValkirias, bailada, Samuel Porto . •\ves e corações, soneto, Presciliana
Soneto, Amelia de Oliveira . Duarte de Almeida............................ 137
Traços ligeiros, Silvio de Almeida Impressões de leitura, (Livro das Cri­
S e l e c ç ã o .......................................... anças de Zalina Rolim) Perpetua
Notas pequenas............................... do V a l l e ............................................ 137
O feminismo, Xavier de Carvalho Ventura, poesia, Georgina Teixeira . 139
O Sonho, soneto, Julia Cortines . Selecção . . . ; .............................140
382 A M E N S A G E IR A

Pag. Pag.
Por terras, e mares, poemeto, Candido Carta do Rio, Maria Clara da Cunha
de C a r v a lh o ........................................140 S a n t o s ..................................................182
A mulher é uma força viva na socie­ Santa, soneto. Bento Ernesto Junior. 187
dade, M. Renotte , .........................141 S e l e c ç ã o ..................................................187
Notas pequenas........................................143 Triolet, Olga P.........................................188
Carta do Rio, Maria Clara da Cunha Exul, soneto, Heraclito Viotti . . . 189
S a n t o s ............................................. 145 Notas pequenas . , ............................. 189
Celeste, soneto, Aurélio N eves. . . 149 Funerea, poesia, Perpetua do Valle . 190
A emancipação feminil, V. M. de Bar- Maria M onteiro....................................... 191
r o s ...................................................149 Martyr de amor, conto, Maria Clara
Vem, soneto, Aurea Pires . . . . 150 da Cunha S a n t o s ............................. 193
Literatas inglezas, Elmanodo Vai .1 5 0 Amarguras, soneto, Georgina Teixeira 196
Os olhos, poesia, Leopoldo Motta. . 152 Primicias, critica literaria, Arthur An­
Chronica omnimoda, J. Vieira de Al­ drade....................................................... 197
meida ..................................................152 Primavera no campo, Euricío de Góes 189
Poesia, Presciliana Duarte de Almeida 154 De Tarde, fragmento de um poema,
A Mensageira, Alberto Faria . . . 155 Aurea P i r e s ....................................... 201
Por terras e mares, poemeto, Candido Chronica omnimoda, J. Vieira de Al­
de C a r v a lh o ................................... 158 meida ..................................................203
S e l e c ç ã o ..............................................159 A Giacomo Leopardi, poesia, Julia
Notas pequenas................................... 159 Cortines..................................................254
Observações sobre a educação em ge­ Literatas suécas, Elmano do Vai . . 205
ral, Delminda Silveira....................161 Immutabile semper, poesia, Olga P. . 206
Voz de sereia, soneto, Alberto Souza 163 Poesia, Presciliana Duarte de Almeida 207
Carla do Rio, Maria Clara da Cunha Notas pequenas....................................... 207
S a n t o s ..............................................163 Observações sobre a educação em ge­
Elle ou ella?. Padre Corrêa de Al­ ral, Delminda Silveira........................209
meida ..................................................165 Só, soneto, Manoel Viotti . . . . 212
Chronica omnimoda, J. Vieira de Al­ Amphitrite, soneto, Francisca Julia da
meida .................................................. 167 Silva....................................................... 212
Meio Dia, fragmento de um poema, No meu Atelier, Julia Lopes de Al­
Aurea P i r e s ....................................169 meida ..................................................213
Com ares de chronica, Maria Emilia. 171 O Juca da Generosa, conto, Maria
Por terras e mares, poemeto, Candido Clara da Cunha Santos . . . . 215
de C a r v a lh o ....................................172 Lagrima tardia. Perpetua do Valle . 218
Os Filhos, Clarisse.............................. 172 Hyemal, soneto, Aurea Pires . . . 220
Notas pequenas....................................174 A mulher, Francisco Barroso . . . 220
Feliz encontro, poesia, Presciliana Carlota Corday, soneto, Maria Jucá . 223
Duarte de Alm eida......................... 176 M orta!!!, soneto, Adelia Jucá . . . 224
Uma Saudação, Analia Franco. . 177 Notas pequenas....................................... 224
Por terras e mares, poemeto, Candido Carta do Rio, Maria Clara da Cunha
de C a r v a lh o ....................................179 S a n t o s ..................................................228
Educação Literaria, Olympio Galvão. 180 Anoitece, soneto, Adelina Amelia L o­
.4o romper da lua, poesia, Delminda pes V ie ira .............................................229
Silveira.............................................. 183 Com ares de chronica, Maria Emilia 229
A MENSAGEIRA
383
Pag.
Pag.
In sylvis, soneto, Carvalho Aranha . 231 Contos e Phantasias, critica literaria,
Flores sem fructo, conto, Ignez Sabino 231 Alberto S o u z a ...............................277
A ’ Paulicéa, soneto, Soares Junior . 234 Velando, soneto, Georgina Teixeira . 280
de La Fayette, Perpetua do Carta do Rio, Maria Clara da Cunha
Valle...................................................235 S a n t o s .............................................. 280
Por terras e mares, poemeto, Candido Natal, soneto, Auta de Souza . . . 282
de C a r v a lh o ...................................237 Saudade antiga. Amadou de Queiroz. 28.3
S e l e c ç ã o ............................................. 238 S e l e c ç ã o .............................................. 285
Pesadelo, fragmento de um poema, Notas pequenas....................................286
Aurea P i r e s ................................... 238 A mulher no Celeste Império . . . 287
Notas pequenas...................................239 Observações sobre a educação em ge­
Com ares de chronica,MariaEmilia 241 ral, Delminda Silveira.................... 289
Os Poentes, critica literaria, Silvio de Castello derrocado, poesia, A. Tolen-
A l m e i d a ........................................ 242 tino de Almeida...............................291
Eóra da Barra, soneto, Luiz Guima­ Golpe certeiro, conto, Maria Cia-a da
rães J u n i o r ................................... 244 Cunha Santos.................................... 292
Carta do Rio, Maria Clara da Cunha Duvidas, poesia, Scipião Jucá. . . . 295
S a n t o s ..............................................244 Impressões de leitura, (Phant?'sias, Can­
Na Praia, poesia, Aurea P ires. . . 24G dida F o r t e s , ....................................295
Vasco da Gama, IgnezSabino. . . 248 Dona Lavinia, soneto, Elmano do Vai 298
S e l e c ç ã o ..............................................251 As Borboletas, conto, Candida Fortes 299
Ao meu coração, soneto.SoaresJunior 252 Naufraga, soneto. Carvalho Aranha . 301
Felic® Cavallotti, Revocata H. de Carta do Rio, Maria Clara da Cunha
S a n t o s .............................................. 301
M e l l o ..............................................252
Angustia, poesia, Presciliana Duarte
Notas pequenas................................... 254
de A l m e i d a ...................................... 303
A voz do louco, poesia, Presciliana
Notas pequenas...................................... 303
Duarte de Alm eida......................... 255
Carta do Rio, Maria Clara da Cunha
Carta do Rio, Maria Clara da Cunha
S a n t o s .................................................305
S a n t o s .............................................. 258
Com ares de chronica, Maria Emilia 307
Por terras e mares, poemeto, Candido
Por montes e valles, Ignez Sabino . 309
de C a r v a lh o ....................................... 259
Parenthesis, soneto, Presciliana Duarte
Borboletas, conto, Zalina Rolim . 260 de A l m e i d a ...................................... 313
Caminho do Sertão, Auta de Souza . 262 Paginas americanas, Pelayo Serrano . 314
O Romance de uma Onça, André Re- Chromo, soneto, Adelia Jucá Casado
b o u ç a s ................................................. 262 L i m a .................................................315
A Luiz Guimarães, soneto,Aurea Pires 269 S e l e c ç ã o .................................................316
Na Selva, poesia, Presciliana Duarte Notas do interior, Dolores Alcantara
de A l m e i d a .......................................270 de A ra u jo ........................................... 316
De um livro de viagens, Nelson de Notas pequenas...................................... 320
S e n n a ................................................. 271 Carta do Rio, Maria Clara da Cunha
Mãe, poesia, Delminda Silveira .2 7 1 S a n t o s .................................................321
Notas pequenas.......................................271 Do Livro da Saudade, soneto, Zalina
O ultimo Discurso, conto, Julia Lopes R o l i m .................................................324
de A l m e i d a .......................................274 Adeus! soneto, Aurea Pires . . . 324
3 ^4 A M E N S A G E IR A

Divagações, C. de Carvalh(i No Sertão, conto, Maria Çlara da


No alburn da senhorita Joanna Reys, Cunha Santos....................................
soneto, Carlos G o e s ..................... 325 Tela Sombria, soneto, Julieta de M.
Versos de Francisco Lins, critica lite­ M o n t e i r o ..........................................
rária, Elmano do V a i ..................... 328 Observações sobre a educação em ge­
O Orpham, soneto, Francisco Lins . 328 ral, Delminda Silveira . . . .
O Armador, conto, Andradina de Oli­ Carta do Rio, Maria Clara da Cunha
veira S a n t o s ...............................................
Sonhos, Pelayo Serrano . Do. «Estellario», poesia, Manoel Vi-
Selecção o t t i ....................................................
Notas pequenas
Escerpto da «Professão de Fé», Ar­
Frii caso verdadeiro, conto. Mana Cla­
cher de Lima ...............................
ra da Cunha S a n t o s .....................
As bellas artes, poesia, Maria Clara
Berndicta causa, soneto, Carlos D. Fer­
da Cunha S a n t o s ..........................
nandes ...............................................
Notas pequenas.....................................
Preludiando, critica literaria, Dainas-
ceno V i e i r a ..................................... .\ primeira avançada, Preciliana Du­
340
Quando partisie, soneto, Auroa Pires 345 arte de Almeida................................
A ceguinha, conto, Francisca Cdotilie Voluptas patiendi, Silvio de Almeida .
Captivo, poesia, Antero Bloem . 346 Marinha, Julia Lopes de Almeida
»S e le c çã o ............................................... 347 Recordando, poesia, Julieta de M.
Crepuscular, poes/a, Presciliana Du­ M on teir-o..........................................
arte de Alm eida............................... 348 A influencia do lar, Maria Emilia
Lendo e commentando, Nelson de Senna 348 Carta do Rio, Maria Clara da Cunha
t arta do Rio, Maria Clara da Cunha S a n t o s ...............................................
S a n t o s ............................................... 350 Uma recordação, Delminda Silveira .
Notas pequenas..................................... 352
Notas pequenas
Maria Clara da tiunha Santos, Perpe­
índice .
tua do V a l l e ..................................... 353

A Mensageira é representada:
Em Paris por M.'"® Blanche X avier de Carvalho, i6, B ou­
levard de Clichy;
No Rio de Janeiro pela nossa collaboradora Maria Clara
da Cunha Santos, rua Conde Bomfim, 12 A .

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Em S. Paulo, a Casa Garraux e a Livraria Brazil, rua
Moreira Cesar 8o;
N o Rio de Janeiro, a casa de musicas de Julia Filippone,
rua Moreira Cesar, 93.
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