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A MENSAGEIRA

Revista literaria dedicada á mulher brazileira


Direetora — Presciliana Duarte de Almeida

F*uiblica-se no dia 15 de cada naez


Pagramento Preço da assignatura, 12$000 por anno Numero avulso
adiantado E n d e re ço : R u a de Sta. Iphigenia, k
• D .ia A a
N.1. 57
E n I Rs. 1$000

á i

A u rea P ir e s

IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO S.A.IMESP


Edição fac-sim ilar
VOLUME II
le ne fay rien
sans
Gayeté
(M ontaigne, Des livres)

Ex Libris
José M in dlin
>e-

---

Esta ob ra faz parte d o program a editorial


da Im prensa O ficia l d o Estado
o b je tiv a n d o coloca r a disp osição d o p ú b lic o obras
já esgotadas de relevante im p ortâ n cia histórica e cultural.
O s origin ais re p ro d u z id o s neste v o lu m e foram fo rn e cid o s
p e lo Institu to H istórico e G e o g r á fico de São Paulo
ao A r q u iv o d o Estado da Secretaria da C ultura.
Dados de Catalogação na Publicação Internacional (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

A M en sa g eira : re v ista literária d ed ica d a à m ulher brazileira, d irectora


M 518 P rescilian a D u a rte d e A lm eid a . — E d içã o fac-sim ilar / com com en tá rios
V .l —2 de Z u leik a A la m b e rt. — S ão P au lo : Im p ren sa O ficial do E sta d o : S e c r e ­
taria d e E sta d o da C ultura, 1987.

R e p ro d u çã o em liv ro, d ois v olu m es, da R ev ista L iterária publicada de


1897 a 1900, na cid a d e de S ão P aulo.

1. F em in ism o e literatu ra — Brasil 2. L itera tu ra — P e rió d ico s 3. M u lhe­


res jo rn a lista s — Brasil I. A lm eid a , P rescilian a D u a rte d e, 1867 — 1944. II.
A la m b e rt, Z u leik a.

C D D - 070.483470981
-3 0 5 .4 2 0 9 8 1
87-1308 - 8 6 9 .9 0 5

índices para catálogo sistemático:

1. B r a s il: F em in ism o : S o cio log ia 305.420981


2. B r a s il: Im p ren sa fem in in a : Jorn a lism o 070.483470981
3. B r a s il: J o rn a lism o para m u lh eres 070.483470981
4. B r a s il: R e v is ta s literá ria s 869.905
5. R e v ista s : L itera tu ra b ra sileira 869.905
A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direetora — Presciliana Duarte de Almeida

F*\jit)lica-se no d ia 15 de cad a m ez

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m e r o a v u lso


a d ia n ta d o E n d e re ço : R u a de Sta. Iphigenia, N . 57. ! R s. i$ooo
i ......

I H
:
I

Edição fac-similar da Revista Literária


dedicada à mulher brasileira,
publicada de 1897 a 1900, co-editada
pela Secretaria de Estado da Cultura
e Imprensa Oficial do Estado,
com com entários de Zuleika A lam bert,
Presidenta do Conselho Estadual
da Condição Feminina.

C o n v ê n io IM E S P /D A E S P
São Paulo
1987

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d^^vereiro de 1899 Anno II, N. 25

SAGEIRA
'^'"^ í s t a l i
o .
.m ieada á mulher brazileira
'l a
Tesciliana Duarte de Almeida
____ ^ f ---
1 no d ia 15 de cada m ez

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno ' N u m e r o a v u lso


a d ia n ta d o E n d e re ç o : R oa de S ta . Iphigenía, N. 57. R s. 1 $ 0 0 0
1 . ..

Summario: — Carta do Rio, Maria Clara fortemente, como é facil de ima­


da Cunha Santos; — A Lancha Negra,
ginar. Por esse motivo, aliás muito
soneto, Adelina Lopes Vieira; — Sapho,
notas, Silvio de Almeida; — De manhã, justo, esta revista suspendeu por
fragmento de um poema, Aurea Pires; — 4 mezes, sua publicação. E se
Selecção; — A Mensageira, soneto, Can­
hoje reapparece, vem provar a força
dida Fortes; — Notas brazileiras, Nelson
de Senna; — Valsando, poesia, Presci- de vontade, a digna energia de sua
liana Duarte de Almeida; — De luto, directora, que continúa a trabalhar
Maria Clara da Cunha Santos; — Bea­
e a luctar, tendo embora o coração
triz, poesia, Guiomar Torrezão; — En­
saio de critica, B. da Cunha; — A bordo, dilacerado de dôr, pela magua sem
soneto, Georgina Teixeira; — Episodio da consolo, pela saudade inextinguível,
roça, Ridelina Ferreira; — Carta aberta,
da separação eterna de um filhi­
soneto, Heraclito Viotti; — Notas pe­
quenas. nho idolatrado....

0arta do ^io Quantas cigarras, neste momento,


Com 0 presente numero entra cantam alegres por sobre os galhos
a Mensageira em seu 2.° anno de verdes das trepadeiras em flor!
existeneia. Graças a Deus, o inverno se reco­
Esse facto — que attesta a es­ lheu aos bastidores. Ha quem
tima e merecimento desta folha — adore o frio e no emtanto é com-
por si só deveria encher de júbilo mum corapararem-no sempre á ve­
o coração de sua illustre directora, lhice. Que é isso? que incohe-
se elle não estivesse, como está, rencia! Ninguém se lembrou ainda
sangrando ainda de dor! de chamar a mocidade, o amor, o
A perda, quasi que repentina, enthusiasmo e a alegria do senti­
de seu ultimo filhinho, o adoravel mentos frios. Fria é a indifferença;
Bolivar — formoso lyrio que en­ fria é a ingratidão; frias são as
chia de alegria o seu lar e de es­ almas sem fé e sem ideal; fria é
peranças 0 seu coração — abalou-a a morte. Hosanna pois, ao verão
A M ensageira

que vem enriquecer do rosas e de Sabbado, duas horas da tarde!


azaleas os nossos jardins, tornan­ Deve estar correndo a grande lo­
do-os exuberantes de viço e de es­ teria dos 500 contos. Quantos co­
plendor! rações batem, neste momento, re­
pletos de fagueiras esperanças.
Os concertos symphonicos, no Quanto sonho que vae se dissipar
salão do Instituto Nacional de Mu­ d’aqui a pouco; quanto castello que
sica, organisados pelo Centro Ar­ vae cahir no duro chão da reali­
tístico estiveram magnificos. dade. Quem compra um bilhete,
Não se pode imaginar goso de faz logo os seus cálculos, não ha
espirito mais fino e mais elevado duvida. Ir á Europa, posso affir-
do que ouvir esses concertos, em raar, que 6 o mais geral dos so­
bôa hora confiados ao eximio pro­ nhos dos brazileiros. Ver Paris...
fessor que com tanto brilho e au- que delicia!
ctoridade exerce o importante cargo Paris é um céo que a phantasia
de Director de Nosso Instituto. A engrandece talvez — quem sabe?
musica eleva a alma e eiinobrece — mais do que merece. Vale a
0 coração. Não posso crer que pena pensar alguns dias na sorte
alguém depois de assistir a um grande. E ’ um dinheiro bem em­
concerto clássico, como os sabe or­ pregado 0 do bilhete... mesmo que
ganisai- 0 professor Miguez, saia lá saia branco. Tal qual um dispe-
do Instituto com a alma pesada ptico que precisa de apperitívos
por algum desgosto intimo. Todas para excitar o estomago cauçado
as maguas se dissipam, como por e doentio, ha muita gente, que pre­
encanto ao som da sublime musica cisa de vez emquando de um bi­
de Wagner e a gente, involunta­ lhete de loteria para reanimar a
riamente, se transporta aura mundo imaginação abatida e proporcionar
melhor, a um mundo ideal, aonde ao espirito o suavissimo goso de
não chegam as tiistezas e onde sonhar acordado.
tudo 6 puro e transparente como M aria C lara da C unha S antOc»
a alma de uma criança.
A MensageiRíí

H Lancha T^egra
Para velar da lua a face refulgente
Nuvens pesadas vão correndo acumuladas,
E na treva do oceano as vagas compassadas
Passam uma por uma interminavelmente.

Mais do que a sombra, escura, avulta de repente


A lancha negra, vem. . . . dos remos as pancadas
Ferem o mar, que chora, em gottas prateadas,
A s lagrimas sem fim da sua dor pungente.

Eil-a a meus pés a lancha, e nella, silenciosa


Embarca a doce e branca imagem de outra edade.
E vejo-a ir ... sumir-se ... a lancha mysteriosa . . . .

Então, dentro de mim, n’um soluço, a saudade


Murmura, a prescrutar a sombra tenebrosa :

Nunca mais voltarás, nunca mais, mocidade!

Adelina A. Lopes Vieira

Sapho physico condiz com a vulgarisada


ardencia dos seus impulsos. Cha­
(Notas)
maram-lhe a Musa Decíyna, e o
Pela segunda metade do VII facto é que não houve até hoje
século antes de Christo, floresceu poetisa mais notável; a posição de
em Lesbos, hoje Mytilene, ilha do Homero entre os homens, ella oc­
Archipelago, antigo Mar Egeu. cupa entre as mulheres.
EUa pertencia á tribu EoHa, re- Só nos restam da sua lavra dois
chassada da Moréa ou Peloponeso curtos poemas e cerca de 150 li­
pela invasão dos Doiios. Assi- nhas esparsas. Louvam-se muito
gnava-se Psappha. Tornou-se o 0 seu Hynmo a Venus e uma ode
centro de uma sociedade de mo­ A ’ Amada, que Catulo trasladou
ças, amigas e discipulas, com quem para o latim, Boileau e HeliUe
formou uma escola de poesia e de para o francez.
arte. Passa por ter sido morena, Sapho inventou o verso saphico,
de olhos brilhantes; e este typo que começa e acaba por um pé
A M knsaokuía

choreu ou trocheu, seguido de um


E ’ a unica mulher da antigui­
espondeu, com um dactylo de per­
dade que figura no calendário de
meio; são, por isso, pentametros e Augusto Comte.
hendecasyllabos todos os versos da
Contam alguns que, havendo
mesma especie. Horacio serviu-se
conspirado contra Pittacus, tyranno
delles nos très primeiros de sua
da sua patria, fôra banida e mor­
segunda ode, em que cada estrophe
rera na Sicilia. Referem outros
acaba sempre por um verso adoni-
que enviuvara cedo e, desprezada
co, formado de um pé dactylo e ou­
por Pbaon, seu amante, atirara-se
tro espondeu. 0 trocheu consta de
do rochedo de Leucade abaixo.
uma syllaba longa e uma breve;
Foi apoiado em taes lendas in­
0 espondeu, de duas longas e o
certas (pois 0 ultimo facto parece
dactylo de uma longa e duas breves.
antes referir-se a uma cortezan
K’ o que se pode verificar no
homonyma e posterior) que o fa­
grande clássico latino:
natismo christão nos privou das
«Jam satis terris nivis atque dirœ obras completas de Sapho. E, no
Grandinis rnisit Pater, et, rubente emtanto, essas obras tinham feito
Dextera, sacras jaculatus arccs, as delicias da Humanidade por es­
Terruit Urbem.» paço de dez séculos!
Sapho forneceu titulo a um ro­
Sapbo não tem o mysticisme de mance de Daudet e a uma opera
Dante, mas approxima-se da solen- de Gounod. A Pradier deu o mo­
nidade do florentine nos tercettos tivo de uma estatua de mármore,
de bronze da Vita Niwva. No que, de tão graciosa, mereceu po-
louvor do bellü e na expressão pularisar-se por muitissimas repro-
desvairada do amor, póde-se mes­ ducções em bronze.
mo dizer que a cantora de Lesbos
Sinvio DE A lmeida
ainda não foi igualada.

2)e manhã
(Fragmento de um poema)
Manhã de primavera: o sol vem despontando
Nas grimpas da montanha e a luz vae-se espalhando
Por toda a parte. Além, na florida campina
Em bando alviçareiro a passarada trina!
A M ensageira

Suspira doceraente a viração fagueira


Do arvoredo afagando a verde cabelleira.
Lá vão pela quebrada as brancas ovelhinhas
Em busca do regato, emquanto as andorinhas
Recruzara-se no azul tranquillo e imraaculado.
Escuta-se o cantar monotone e maguado
De um tropeiro que passa ao longe no caminho
Do remoto sertão. Mais alvas do que o arminho
Ondeiam pelo valle as névoas matutinas,
Desabrocham na relva as candidas boninas,
E em formosura iguala o verde da montanha
Ao meigo azul do ceu de uma belleza estranha !

Meu querido Brazil! Quanta grandeza encerras


Nos teus bosques gentis, nas tuas lindas serras,
Nos thesouros que tens no seio abençoado,
Thezouros de um valor talvez nunca sonhado!
Que magestade, o’Deus! nos rios caudalosos,
Nas mattas colossaes, nos valles mysteriosos!..
Mmha’alma se extasia ao ver tanta opulência!
Tanta luz!.. Tanta vida e tanta independencia!

Manhã de primavéra. Alli por entre as plumas


Dos frondosos bambús, destaca-se nas brumas
Uma casinha branca, elegante e mimosa.
Parecendo uma garça altiva e caprichosa,
Que se aninhasse alli, cercada de perfume
Das roseiras em flor, escutando o queixume
De uma fonte que vem das grotas afastadas!
Nas grades em redor as cores variadas
Da linda trepadeira esmaltando a folhagem.
Estremecem de leve ao perpassar da aragem.
Canaries festivaes em bandos forasteiros
Espalham-se a cantar nos verdes pecegueiros!..
Borboletas azues... vermelhas... araarellas...
Invadindo o terreiro entram pelas janellas...
Fogem para o jardim... e em voltas complicadas
Vão-se perder além nas matas orvalhadas!
A M ensageira

Quanta graça e poesia apresenta este ninho!


Esta linda casinha á beira do caminho!

E ’ alli que mora Indiana, a mais formosa filha


Das montanhas do sul! A estrella que mais brilha
Sob este céu mineiro illuminado e puro!
Desde as ondas do seu lindo cabello escuro
Ao pésinho ideal, mimoso, assetinado
Toda ella é perfeição! Conjuncto immaculado
De belleza e candura e graça e juventude!
E em sua alma de archanjo a rosa da virtude.
Rosa branca do céu, quanto perfume exhala!

Sonho meigo e gentil que a mocidade embala


No regaço divino! Oh nunca em tua vida
Tu conheças a dor de uma illusão perdida!
......................................................................................................................................................................................................................., - . .

Nest’ hora matinal, sentada no seu leito


Mais alvo que a neblina, ella, offegante o peito.
Resplandecente o olhar e a fronte enrubecida.
Relia ainda uma vez a trova tão sentida
Que 0 terno Juvenal, seu noivo apaixonado.
Declarando-lhe o amor profundo, illimitado,
Commovido, a seus pés, baixinho, quasi a medo,
Recitava-lhe um dia á sombra do arvoredo.

A urea P ires

pouco a pouco os alicerces d’uma


Selecção nova phase de fraternidade e de
As leis universaes da evolução egualdade universaes. Nunca as
ampliando e desenvolvendo, cada qualidades altruistas e beneficentes
vez mais na consciência humana, da natureza humana foram postas
a illuminação do direito e o senti­ em tanto relevo como no presente
mento da justiça, vão fundando século.
A M ensagetoa

Estudam-se os mais difficeis pro­ ma da zombaria. Todavia o que


blemas, e empregam-se todos os 6 mais triste e desconsolador para
meios de destruir as desigualdades nós, é que a maior parte das pes­
sociaes, nivelando-se a superficie soas do nosso sexo, longe de con­
moral do mundo, e diffundiiido-se testarem a postergação dos seus
a todas as classes sociaes o goso direitos por meio da persuasão,
e O bem estar. acceitam passivamente n’uma es-
Com relação á mulher nos paizes pecie de entorpecimento de anes-
mais cultos, a sua posição social thesiadas, essa tutela historicamente
tem melhorado consideravelmente^ indispensável a que estão sujeitas^
0 que representa já um triumplio de modo a tornar-se a sua liber­
assignalado da justiça de nosso dade apenas uma formula e não
um facto.
tempo.
Desprovidas de experiencia, es­
Está claro porém que ainda se
tioladas por uma educação deplo­
tem muito a caminhar e se hão
rável e futil, combatidas nas suas
de passar algumas gerações antes
fontes nervosas de energia, inca­
que ella possa vir a occupar o
pazes de lueta, no conflicto da
lugar que lhe compete na plena
existência, é evidente que prefiram
posse moral e intellectual de si
a sujeição, o servilismo e a doce
mesma. placidez da obediência automatica
Os mais bénéfices resultados á preoceupação constante, e o tra­
da cruzada em favor dos direitos balho assiduo de fortalecerem-se
da mulher, só serão conquistados para as provas da liberdade, e para
nos estádios mais adiantados da os combates da vida.
humanidade. Consideradas como seres frágeis
Neste ponto as nações acham-se e ineptos, sem uma vontade livre
retardadas, umas mais do que ou­ para saberem impôr-se, pela confusa
tras, devido talvez aos phenomenos e contradictoria idéa que teem da
do seu clima, e ao temperamento justiça e do direito, se cumprem
e origem da sua raça. Nas actuaes os seus deveres, é quasi sempre
condições da nossa sociedade em de olhós fechados, sem razão, por
qu,e parece predominar em nós a móro instincto. D’ahi a nossa ina­
mórbida estagnação da alma orien­ ptidão, a nossa esterilidade inven­
tal, bem sabemos quanto é ainda tiva, a deficiência e atraso da nossa
diíficil e delicadissima esta questão, educação esthetica; a indifferença
encarada por não pequeno numero dissolvente para todos os progressos
como qualquer cousa muito proxi- do espirito humano, como se ha-
A M ensageira

bitassemos na Cafraria, ou outro sua influencia, quando o cultivo


qualquer paiz congenere. esmerado da intelligencia, fornecen­
E ’ evidente que assim fallando do simplesmente uma provisão de
não nos referimos a todas as mu­ conhecimentos, sem solicitar para-
lheres, mas aflSrmamos com respeito rellamente a todos os modos da
a uma grande maioria. actividade moral, vierem a produzir
Entretanto, o que é mais grave^ uma vontade e uma sensibilidade
e 0 que mais difficiilta a elevação incuravelmente debeis.
do seu nivel moral e intellectual Daqui resultam os graves erros
é 0 desprezo que se tem generali- da educação que no geral se dá,
sado entre os homens para com a cujos funestos resultados nem a
mulher. Cada um considerando abundancia de raciocinios, nem as
aquellas que lhe merecem sympa- forças intellectuaes podem com­
thias como creaturas excepcionaes, pensar jámais.
não poupa os mais acerados epi- A falta de uma solida cultura
grammas, no intuito de amesquinhar moral, paralysando as forças do
0 restante das mulheres. homem e pervertendo-lhe os senti­
E no indiscreto e soffrego em­ mentos, inflamma-lhe as inclinações
penho de faxer espirito tomam-se altivas e egoistas, arrastando-o a
de uma crueldade excessiva na sacrificar á irritação das paixões e
ironia e no sarcasmo, esquecidos á depravação geral, a dignidade
de que as faltas daquellas a quem pessoal, os deveres públicos e a
tudo devem, não são mais do que felicidade intima. E, por isso, os
um reflexo das suas próprias culpas. costumes descem e baixam a olhos
E, por isso, 0 esquecimento da vistos, a indifferença dissolvente
consideração devida á mulher, o invade e vence os impulsos dignos,
atrazo e o abandono em que deixa­ tornando-se os gosos materiaes o
ram a sua educação constituem pensamento exclusivo do povo, que
uma das principaes fontes de onde parece querer adormecer a cons­
promanam muitos dos males que ciência, acabando por extinguir
pesam sobre a geração actual. tudo quanto ha nobre, elevado e
Todos os defeitos e lacunas que viril no coração do homem.
se sentem na educação da mulher, A experiencia nos tem demons­
affectam desfavoravelmente a edu­ trado que por mais aperfeiçoadas
cação do homem, e de um modo que sejam as leis politicas e admi­
bem mais funesto do que geral­ nistrativas, ellas não são sufficien-
mente se pensa. tes para reformar os costumes, visto
E, ainda mais perniciosa será a que a moral só se cria na familia.
A M ensageira

Por conseguinte, o meio mais seus filhos independente de qual­


efficaz para remediar este mal, em quer auxilio extranho, transforman­
geral sentido, é transformar-se mo­ do cada casa n’uma escola.
ralmente a geração nascente por O logar que assignalamos á mãe,
uma educação racional, mais pru­ 0 que todavia só pode ser attingido
dente e mais equilibrada. por um gráu de desenvolvimento
Assim, todos aquelles que amam de subido valor, é o de coopera-
ao bem, e sentem a generosa paixão dora activa, intelligente e dedicada
do progresso da humanidade, devem dos professores, com os quaes deve
por uma obrigação de patiiotismo compartir os cuidados da educação
empregar todos os seus esforços physica, moral e intellectual dos
para que os males que opprimem filhos.
a sociedade actual, sejam attenua- Ao terminarmos, façamos nossas
dos e diminuidos quanto possivel, as palavras auctorisadas de um
além de que os motivos para tra­ eminente estadista, as quaes devem
balhar-se nunca serão mais sérios ser profundamente meditadas por
nem mais uteis. E’ preciso, pois, todos aquelles que se occupam da
começar pela educação da mulher, grave questão educativa:
proporcionando-lhe uma cultura mo­ «O grande problema ó que o
ral e intellectual mais elevada e mundo moral acompanhe o desen­
mais completa, afim de que ella volvimento material e para isto
possa occupar-se com especial cui­ tudo depende de dar educação ás
dado da educação da infancia, en­ mulheres, as quaes têm muito
sinando a seus filhos os primeiros maior importância do que se lhe
rudimentos de todos os conheci­ tem dado-ellas são o deposito do
mentos humanos. genero humano, o principio de
Não vamos, porém, tão longe, toda a civilisação e a base de
como aquelles que alimentam a todos os sentimentos benevolos e
esperança de que se os paes pos- generosos; antes dos filhos serem
suissem instrucção esmerada, bas­ apreciados ou instruídos estão já
tante previdência, sympathia e força por ellas perdidos ou ganhos.»
de vontade, poderiam educar os A nalia F ranco
IO A M knsaueih .v

H Mensageira
D ’entre o arvoredo marginal, esguia,
subtil, avança indigena canoa...
A ’ sombra, no juncal, nymphéas á toa,
que a liquida esmeralda acaricia...

E ’ no Tietê formoso. Um claro dia


primaveril á scena abre e coroa. ..
Bando festivo do occidente voa
para o levante ao longe em romaria...

Perfeita allegoria ! Olha, aqui trago-a . . .


O vulto gracil espelhando n’agua,
plumoso par nos ares se aligeira,

azas pandas, aquem .. .


V ê si adivinhas
qual destas duas bellas andorinhas
symbolisa a galharda ,,Mensageira” ?

Candida Fortes
Cachoeira (R. G. Sul), outubro, 98

Kotas Brasileiras dades, umas sédes de governo e


administração publica, outras, no­
Cidades mais populosas da União
táveis centros de industria e com-
Vindo dos Estados septentrionaes raercio. No Amazonas, sobresabe
para os do centro e sul da Repu­ Manaus, a «Amsterdam fluvial do
blica, já se pódem apontar grandes Brasil», pelas suas numerosas pon­
núcleos de população concentrada, tes e igarapés, com 35 mil habi­
quer na zona do littoral, quer no tantes; no Pará, a moderna Belém,
interior do paiz, era formosas ci­ capital rica, de mais de 110,000
A M ensageira íi

habitantes; no Maranhão, a capital Sant’Anna e Caeteté, todas cen­


insular, São Luiz, coin 40 mil, e traes, cada uma de 30,000 almas,
Caxias, com 10 mil habitantes; e ainda Barra, São Felix, Joazeiro,
no Piauhy, a capital central The- Lençóes, Valença e Minas do Rio
rezina (desde 1852) e Parnahy- de Contas, maiores de 10 mil al­
ba, ambas com 15 mil; no Cea­ mas; no Espirito Santo, Victoria,
rá, a poética Fortaleza, capital capital insular, com 10 mil, no
maritima, com 40 mil, e Eaturitó máximo; no Estado do Rio, Petro-
e Sobral, ambas com população polis, a nova capital serrana, cora
de 10 mil almas; no Rio Grande 20 niil, Niteróy e Campo.s, 25 mil
do Norte, a capital Natal, com 10 cada uma, Parahyba do Sul e Barra
rail habitantes, algarismo máximo Mansa, ambas centraes, com 10 mil;
de população, que se póde dar no Districto Federal, que deve ter
também a Aracajú, cap. de Sergipe, hoje, um milhão de habitantes, está
a Cuyabá, cap., e Corumbá, am­ a rainha do Atlântico austral, a
bas no longincuo e immenso Matto cap. maritima brasileira. Rio de
Grosso, e ainda á bella e plana Janeiro, por si só com 800 mil
Goyaz, cap. do estado de seu nome; almas, sem arrabaldes; era São Pau­
na Parahyba do Norte, a capital, lo, a bella cap. central do mesmo
Parahyba, maritima e progressiva- nome, que as ultimas estatísticas
mente augmentada, cora 30 mil al­ disseram ter 230 mil habs.. Santos
mas, e Maraanguape, a muito dar, e Campinas com 30 mil cada uma,
10 mil; no bellicoso Pernambuco, e ainda itú, Taubaté, Piracicaba,
Recife, a capital veneziana e magni­ Rio Claro, Bragança e São Carlos
fica, com 150 mil habs., Nazareth e do Pinhal, 15 mil cada uma, e
Goyana, ambas centraes e fluviaes, ainda Guaratinguetá, Lorena, Ri­
cora 10 mil, cada uma; em Alagoas beirão Preto, Franca, Jundiahy,
(o «ninho dos marechaes»), a capital Amparo, Limeira, algumas com
Maceió com 20 mil e a commer- mais, e outras destas com quasi
ciante Penedo, a rainha do estuá­ 10 mil almas; no Paraná, Cory-
rio do S. Francisco, com 10 mil tiba, elevada cap. central, maior de
habs; na populosa e valente Ba­ 20 mil almas, Paranaguá e Anto­
hia, a opulenta capital maritima do nina, de 10 mil cada uma; em
mesmo nome (a «cidade do Salva­ Santa Catharina, como mais popu­
dor», de Thomé de Souza), com losa a propria capital insular, an­
250 mil, segunda do Brasil, e as tiga Desterro, hoje Florianópolis,
industriosas Cachoeira, Santo Ama­ com 12 mil; no Rio Grande do
ro, Alagoinbas, Jacobina, Feira de Sul, Porto Alegre, a «princeza do
12 A M ensageira

Guahyba», cap. de 70 mil habs., quadradas. «Minas», a antiga Bello


Pelotas, corn 30 mil, Rio Grande, Horizonte, será a nossa mais po­
São Leopoldo e Bagé, com 20 mil, pulosa cidade dentro de mais al­
Uruguayana, Jaguarâo, São Gabriel, guns lustros.
maiores de 10 mil habs.; e em Ouro Preto — 1898
Minas Geraes, a «rainha das mon­
N elson de S enna
tanhas» — a nova cidade — capital
de Minas, sobre o Arrudas, com
12 mil habs.; Juiz de Fora, a ele­
gante e opulenta cidade sobre o
Parahybuna, corn 20 mil, Uberaba,
Ouro Preto (a velha capital). Dia­
mantina, Pouso Alegre e Barba- Valsando
cena, com 10 mil cada uma, e ain­ Ao Bolivar)
da Serro, Januaria, Itabira de Mat- A quanto tempo só comtigo valso,
to Dentro, Sabará, Cataguazes, Mar Feiticeiro parzinho enamorado!
de Hespanha, Itajubá, Campanha, Não tens o brilho de um sorriso falso:
Paz, innocencia, amor. . . tudo a teu lado !
Ubá e Paracatú cada uma, segu­
ramente, com 5 mil almas, outras
Valso comtigo e ao mesmo tempo canto.
délias talvez com 8 mil. Sou a musica e o par, ès o perfumei
Incomparável e festivo encanto
Desse baile que tem o teu olhar por lume!

Nossa terra mineira devia, pela


E refulgem teus olhos satisfeitos
preponderância do seu elevado al­ A cada giro do valsar antigo...
garismo de população na Repu­ Sei que não sabes ver os meus defeitos.
blica (18 milhões de habs. toda a Neste baile ningüem competirá comniigo!
União, Minas Geraes, só, 4 milhões),
E assim a qualquer hora ou da noite ou do dia
possuir cidades relativamente tanto
Tem o mesmo fulgor a tua figurinha!
ou mais povoadas que as dos Es­ A h ! eomtigo a valsar, minh’ alma se inebria:
tados visinhos da Bahia, São Paulo Como que alegre vôa e para o céu caminha!
e Rio; mas é que os nossos qua­
Presciliana Duarte de Almeida
tro milhões de patrícios, lavradores
24 de Julho de 1898
em espanfosa maioria, preferem e
adoptam a vida dos campos e ro­
ças e estão, juntamente com a pro­
priedade territorial, muito e regu­
larmente espalhados pela vasta su­
perficie das nossas 20 mil léguas
A MENSAGEffiA 13

nhas da floresta. Quem poderá son­


2)e luto dar a immensidade de tua dor?
(A ’ Presciliana Duarte de Almeida)
Ninguém sabe, ninguém responde.
Outubro, 98
Leve pétala de rosa a boiar sobre M aria C lara da C ükha S antos
as ondas encapelladas de revolto
oceano, onde vaes parar?
Suspiro de amor arrancado d’alma
e perdido pelas brenhas da floresta,
onde iràs morrer?
Beatriz
Ninguém responde, ninguém sabe. Visão que surges n’estas horas magicas
Filhinho adorado, formoso lyrio como eu te imploro a suspirar por t i !
como eu te vejo esvoaçar no espaço...
da 18 mezes, que partiste para a
como aos teus olhos meu olhar prendi!
eterna viagem levando 0 coração
ternissimo de tua mãe e todas as A i! se lograsse de minh’alma as trevas
suas alegrias presentes e futuras, nos raios teus illuminar, 11a!...
Passae, ó nuvens que toldaes o astro,
porque não voltas? Ah! é bem
deixae-me, nuvens, adoral-a e vel-a!
triste a realidade : nunca mais bas
de voltar ao deserto lar, entriste­ O h ! quem podéra esta existência dar-lhe
primicias pobres de opulento amôr,
cido pela tua ausência. Eras a
e no meu extasis estreital-a ao peito,
aurora de um formoso dia de sol
trocando em júbilo esta immensa dôr!
e tal qual um passaro gorgeador e
alegre enchias a casa toda com a A o longe, embora, tu sorris altiva! ...
e eu vivo e fico a suspirar em vão!
tua garrulice. E tudo, tudo, num
Estrella esplende no teu céo sereno,
momento se acabou como um so­ mas dá-me um raio d’esse teu clarão!
nho que se dissipa. E apezar de Ouiomar Torrexão
tamanho soffrimento 0 coração ma­
goado de tua pobre mãe, conser­
va-se ainda vivo. Palpita, sente,
soluça e chora para a vida toda.
Yivo a martyr terá 0 coração
Ensaio critico
para a dôr e morto para a alegria.
Pobre mãe ! Hoje em dia tua A ópocha do nascimento da Poe­
alma é como a leve pétala de sia perde-se na noute dos tempos:
rosa a boiar sobre as ondas en­ ella appareceu quando appareceu o
capelladas de revolto oceano ; é primeiro homem, cuja natureza é
como 0 suspiro de amor arran­ sua verdadeira origem.
cado .d’alrna e perdido pelas bre­ Estudos archeologicos têm de-
14 A M ensageira

monstrado que entre os povos pri­ que se manifestam as impressões


mitivos a religião e a historia ex­ que abalam a alma, arrebatando-a
primiam-se em verso. O coração ás regiões ideaes do enthusiasmo e
fez-se sentir antes da razão, isto é, do sentimento.
0 instinto foi o motor de todos os Actualmente, no nosso paiz cui-
actos do homem. D’ahi a origem da-se tão pouco de litteratura, que
do emblema, da metaphora, da al- chega a parecer um phenomeno a
legoria, de tudo quanto ó necessá­ publicação de um simples livro de
rio para animar e colorir a phrase. versos, como os «Plectros».
Com 0 tempo a linguagem aper­ Entretanto, ha velhos cultores das
feiçou-se, a litteratura e as artes lettras que se dizem representan­
floresceram. Surgiu a idade da tes de escolas diversas; ha socie­
Sciencia e da Philosophia. Pen­ dades litterarias que adoptam titu-
sou-se mais, sentiu-se menos. As los pomposos e cheios de promes­
expressões vivas, energicas, e pit- sas... Mas, ah! esses velhos litte-
torescas foram substitui das por pa­ ratos, e os membros dessas socie­
lavras precisas, claras, correctas, dades raras vezes dão-nos uma pro-
friamente creadas. ducção qualquer que atteste seu
Ao estylo turgido de outr’ora talento...
succedeu esse que autoriza somente A maldita politica, tudc absorve,
0 emprego de termos proprios e tudo inutiliza.. O egoismo e a
significativos, na formação da phra­ ambição é o que predomina nesta
se; a forma dramatica cedeu o lu­ malfadada republica, cujo idéal....
gar á forma didactica; a razão do­ mas detenhamo-nos. Para que mer­
minou 0 coração. gulhar no lodo?
Não obstante, a poesia jamais Nossa litteratura decáe vergonho­
deixou de ter apreciadores. Houve samente... E mais tarde, os pós­
quem se dedicasse á ella com todas teros procural-a-hão embalde nos
as forças, como Dante, Camões, annaes da historia...
Tasso e Milton, brilhantissimós as­
tros, cujas obras serão sempre ad­
miradas.
A philosophia desenvolvendo a Essas despretensiosas considera­
Observação, deu-nos a Poética que ções occorreram-me após a leitura
ensina a modelar o verso, sujei- dos «Plectros», um mimoso livro
tando-o ás leis da forma; a poesia, de versos, fructo do talento de
porém, nunca deixou de ser essa Ibrantina Cardona, de S. Paulo.
linguagem ardente e inspirada com Cantos ora cheios de dôce ale-
A M ensagkira 15

gria, ora impregnados de adoravel «Amor, ch’a nullo amato, araar perdona,
«Mi prese del costui piacer si forte,
melancolia, os versos melodiosos
«Che corne vedi, ancor non m’abbandona..
dos «Plectros» são como gorgeios
de ave peregrina, traduzindo, quasi
todos, de um modo esmerado e Ibrantina Cardona quiz desven-
fluente, os delicados sentimentos vendar os mysteriös de sua alma.
d’uma aima apaixonada e terna... E fêl-o delicadamente, não ha
Elles contam-nos um romance de duvida.
amôr: talvez 0 romance de sua ju- Uma critica meticulosa póde ac-
vem autôra. cuzal-a de um defeito: — pobreza
E’ uma paixão que nasce n’ um de Gosto; mas isto é frequente na
poito de donzella (pie, infancia de qualquer arte, epocha
em que, no dizer de Blair «0 En­
«Aruou demais e j)ela vez primeira,
«emquanto dezasete primaveras genho desenvolve toda sua fôrça,
«corôavam-lhe a fronte de rainha»; e emprega grande calor na execu-
(;ão, quando, aliás, o Gosto, cujos
a partida do bem amado para ou­ progressos são mais lentos, e de­
tras plagas, a solidão em que ella mandam longa experiencia, não
fica mergulhada, a dôr emfim que têm chegado ainda á sua madu­
a faz gemer: reza.
«Adeus, oh crença morta, adeus minha
O tempo, e o estudo corrigirão
utopia, esta e outras pequenas faltas e fa­
»minha aurora de amôr — Cadeia da lem­ rão com prellender á poetiza que a
brança, Arte, além da fórma, requer escrú­
«não mais adejareis as azas da alegria
pulo na dicção, quando se trata
«nos iriados céos da gárrula esperança...
de exprimir desejos de amôr.
E, embora desprezada, a infeliz E esse escrupulo deve ser muito
amante não esquece o nome do maior quando quem escreve 6 uma
ingrato, vive só por elle e para senhora...
elle, sem 0 maldizer jamais... Ah!
Tristes, muito tristes, devem ser
os dias de quem ama sem es- Coino 0 sr. Carlos Ferreira, il-
peranija! Verdadeiro espectro ani­ lustrado prefaciador dos «Plectros»^
mado póde, ao narrar a historia julgo melhores neste livro as poe^
dos seus amores, deixar cahir dos sias essencialmente lyricas.
lábios, aquellas palavras que o im­ U’ estas cabe 0 primeiro lugar
mortal Alighieri, no seu «Inferno», á que tem por titulo No chalet,
faz a pallida Francesca proferir: producção bellissima, onde 0 criti-
i6 A M ensageira

CO não sabe o que admire pri­ Abramos o livro ao acaso...


meiro, se a precisão com que é Reparemos na delicadéza destas
descripto esse chalet de gosto apri­
morado, se 0 mimo e colorido de Violetas
versos como estes: São minhas confidentes estas flôres
que traduzem na côr tanta tristeza;
Pequeno e pittoresco, o poema ideal dos meus amôres
d ’entre as frondes viçosas da verdura, encerram no perfume e na pureza.
destaca-se o chalet, n’uma espessara
do parque encantadôr e roínauêsco. Elias sabem o quanto est’alma prêsa
tenho pelos teus olhos tentadôres,
Bem rente ao tecto, a artística escnlptura e por isso é que hão de, com certeza,
desnovéla a capricho uns arabescos; meu nome te lembrar, por onde fôres.
e filetes de curvas delicadas,
de floreios exóticos e frescos, Recebe-as com carinho... Essas coitadas,
se estendem nas janellas das sacadas. dos beijos, nas coróllas, têm o sêllo,
nas pétalas têm lagrimas gravadas.
E quando é pintado o estado
C(‘lhi-as com amôr, com muito zêlo...
moral da dona do chalet,
Pois eu quero que a ti, cheguem atadas
uma dama formosa e scismadôra pelos fios subtis do meu cabello.
de fronte meiga e loura,
Que de mysteriosas evolações da
quanto lyrismo! quanta graça! mais pura poesia! Que de suaves
quanta harmonia! vibrações de um bello talentol
Olga, Mater Dolorosa, Sub um -
lyra, Idéal artístico, são composi­
ções inspiradas. Isso que ahi fica dito justifica o
Andoririhas tem versos finamente parabém que do meu humilde ga­
burilados, como os seguintes: binete de trabalho envio á distincta
Assim como a andorinha fugitiva poetisa rio-grandense.
que busca, de anno em anno a primavera, Os «Plectros» >dão-lhe incontes­
e com alegres filhos, mais festiva,
tável direito a um lugar na gale­
outro ninho de amôr créa e prospera,
ria poética de nossa fitteratura. E ’
a nossa mente eleva phantasias preciso, :poróm, estudar com afinco,
n’uma espiral de sonhos multicôres,
afim de adquirir novos conheci­
soltando o turbilhão das utopias
mentos, que possam habilital-a a
nas azas <do ideal e dos amôres!
desempenhar com a maxima perfei­
A Partida, Gratidão... — mas ção 0 sublime papel de sacerdotiza
para que taes citações? Quasi to- no magestoso lemplo das lettras.
-dos os versos dos Plectros são di­ Recife, 1898
gnos de leitura. B . DA C u n h a
A M e n sa g e ir a 17

abrir a janella, afim de melhor ou­


^ bordo vir os trinos dos alados cantores,
c quedava-me horas esquecidas ex­
Sempre tive do mar tão grande medo
Que só Deus sabe o quanto me apavora
tasiando-me com seus cantares.
O navegar, seguir por mar afora ! . . . Uma manhã, ao approxiraar-me
Emtanto, o vejo bonançoso, quedo, da janella notei desusado movi­
mento na fazenda.
Placido, calmo e sorridente agora. . .
üo paiol, situado em frente á
Mas, eu me julgo aqui como em degredo !...
— Se o mar se torna procelloso e tredo? casa e do lado opposto do terreiro,
— Se este navio súbito devora? sabiam alguns empregados carre­
gando cestos repletos de araarellas
Nem eu quero pensar que o mar profundo
espigas de milho; logo em seguida
Tão manso agora, póde furibundo
Como um leão, tornar-se de repente ! ! vi dous outros trazendo pendura­
das n’um páo, que elles sustinham
Nem eu quero pensar... Acobardada, nos hombros á guisa de padiola,
Tremo de medo, pallida, gelada,
duas enormes panellas que pareci­
Embora o sinta arfar serenamente ! . . .
am feitas para a cozinha d’algum
i8q8 Qeorgina Teixeira
exercito. Não se tinham passado
cinco minutos, e eis que vejo 0
feitor conduzindo uma bôa quanti­
dade do tradicional alimento das
fazendas — feijão, carne secca e
Um episodic da roça fubá — quantidade bem em rela­
Os Immigrantes ção com as enormes vasilhas que
Achava-nie eu de passeio em os precedera.
uma fazenda do interior do Estado Então, não podendo por mais
do Rio, e era então meu gosto pre- tempo refrear a minha curiosidade,
dilecto levantar-rae bem cêdo para vesti-me rapidamente e desci ao ter­
respirar a brisa que fresca e odo­ reiro, com 0 fim de indagar do
rífera se evolava, a essa bora, das que se passava.
campinas circumjacentes. Dirigi-me ao paiol, e vi cons­
Justamente era meu quarto situ­ truindo-se ahi, nos lados livres já
ado quarí ao lado de extensa e do milho que os atulhava poucò
cerrada matta de alterosas arvores antes, duas enormes tarimbas, trans-
e emaranhados cipós, e d’onde me formando-se assim esse paraizo das
vinham aos ouvidos os mais melo­ ratazanas em extenso dormitorio.
diosos cantos imagináveis. Assim, Disse então de ,mim para mim:
logo -que eu despertava, corria a esjpera-se um exercito, não ha duvi-
A M ensageira 19

e não poucas vezes de envolta com Pensei então que esses ao menos
esses objectes uma creança qual teriam algum conforto porque lhes
outra trouxa também. coubera por sorte uma casa onde
Alguns traziam os filhos doentes, todos eram bons e caridosos, mas
victimas já da differença de clima os outros que não tivessem essa
e de alimentação ; e esses pobres ventura, os milhares que vêm to­
anjos, inconscientes da necessidade dos os annos, 0 que não soffreriam
que obrigava seus pais a se expa­ antes que colhessem algum fructo
triarem, eram justamente os que de seu labor?!...
mais padeciam com isso. Pobres, pobres! E minha alma
Vinham todos extenuados, com se confrangia ante tanta miséria.
os rostos tostados pelo sói; eram O reboliço continuava. Era um
velhos, creanças, moços fortes e murrnurio confuso de vozes, de
robustos que já tinham dado causa phrases para nós incomprehensi-
a que alguém murmurasse junto a veis, por entre as quaes apenas
mim: «estão mesmo bons para a entendíamos as invocações: — M a­
dona m ia! Tho Santo! por onde
enxada! »
No meio d’essa inexprimível con­ conjecturavamos que esses infelizes
fusão, saltou a custo uma velhinha invocavam a providencia divina,
que devia ter muitos, muitos annos. nos transes afflictivos porque pas­
Trazia em seus débeis braços savam.
um entesinho louro mais debil Finda a descida e tendo elles
ainda, seu neto ou bisneto talvez. tomado 0 alimento que se lhes
E ao vel-a assim acompanhando por destinára, e onde figurava a apre­
montes e vales de uma terra es­ ciada polenta que elles devoravam
tranha, a esse bando de gente obri­ sofregamente, aboletaram-se nos
gada a abandonar a Patria, excla­ aposentos improvisados, os quaes
mei intimamente: bem caros te de­ tinham em espaço 0 que lhes fal­
vem ser aquelles com quem vieste, tava em numero, e ficaram assim
para assim n’esta idade deixares a todos n’uma promiscuidade impos­
terra onde nasceste, onde amaste, sível de evitar.
e onde certamente não repousarão A ’ tarde, depois de algumas ho­
ras de repouso, reuniram-se nova­
teus ossos!
Alvo da minha muda sympathia mente no terreiro e começou en­
tão a distribuição das enxadas.
e como por ella attrahida, fitou-me
Vinha cada um receber das mãos
a velhinha e esboçou um sorriso,
do feitor esse instrumento com que
mixto de tristeza e abatimento, que
conquistaria os thesouros que a
me fez virem as lagrimas aos olhos.
20 A M ensageira

terra dá como recompensa de acu­ me ouvi no aposento fronteiro que


rado trabalho. ainda na vespera era um paiól e
Não ficavam isentos na distribui­ que agora abrigava dezenas de in­
ção, nem velhos já bem curvados felizes, as cantorias que elles en­
para o sói o, nem guapas raparigas toavam n’ um som plangente e mo­
de faces vermelhas e olhos brilhan­ nótono, não sabia bem si oravam
tes, nem rapazinhos que ainda á Santa Madona para que os pro­
mereciam viver aconchegados ao tegesse no paiz estranho, ou si so­
seio materno. luçavam saudades do pátrio ninho.
Só as niãis e os louros bambi­ Ainda uma vez senti invadir-me
nos não eram contemplados n’essa a alma uma piedade immensa por
distribuição, e ficavam em casa, esses desherdados da sorte, e um
não sem concorrerem para o bem- amor immenso pela terra que tinha
estar da familia, auxiliando-a na sido escolhida para mitigar a fome
medida de suas forças. d’essa porção da humanidadetão mal
Não sei explicar o que em mira contemplada no quinhão de felici­
senti, que me vi impellida para o dade a que cada um deve ter direito.
meio d’elles e achei-me como que E como si essa terra me pudesse
obrigada a levar-lhes algum con­ ouvir e obedecer, subiu-me aos
solo, alguma demonstração de sym- lábios esta supplica: Dá, ó pa-
pathia, que traduzisse a cordiali­ tria minha querida, o mais que
dade innata no coração brazileiro puderes a esses miseros que con­
e lhes testemunhasse que se acha­ fiados na uberdade do teu sólo
vam entre amigos. vêm em busca do pão de que ca­
Imitando o meu exemplo desce­ recem; tem com elles o mesmo
ram também aquelles com quem procedimento de mãi opulenta e
eu convivia, e dentro em pouco, caridosa que repartisse cora os seus,
servindo-nos de meia duzia de pa­ finos manjares, e visse chegar á sua
lavras italianas que sabiamos e porta famintas e extenuadas cre­
auxiliados pela gesticulação, essa anças. Reparte também com elles
linguagem universal, conseguimos tudo quanto produzires que ainda
entabolar conversação com essa restará muito para teus filhos.
pobre gente, captando logo a sym- Por um que déres receberás cem
pathia das mais pelas caricias que daquelles mesmo a quem tiveres
prodigalizavamos ás lindas creanças dado !
de cabellos de ouro e olhos de sa- Fazenda ,de S. João da JBarra,
phira, que surpresas nos cercavam. 21 de Agosto de 1898
E á noite, quando ao recolher- RmELiNA F erreira
A M e n sa g e ir a 2I

tras publicam-se apenas uma vez


0arta aberta por mez. Para fazermos tal inno-
A ’ que venero vação, augmentamos consideravel­
mente 0 nosso numero de paginas,
Separa-me de ti longa jornada;
Pesa-me n’alma um ténebro vasio, — esperando continuarmos a merecer
Sem teus carinhos, minha loira amada, de nossos assignantes a benevo­
Eu vivo qual um passaro erradio. lência e gentileza que nos dispen-
saranji no 1.® anno.
Teu nome escuto a cada passo e em cada
Mimo dos teus o leio e o pronuncio;
Aproveitamos a opportunida de
Julgo-te perto, chamo-te . . . mas nada! para agradecer, ainda que tardia­
Desfaz-se o encanto e fica o desvario. mente, todas as cartas e cartões de
parabéns que nos foram enviados
A os teus, de extranhos lares tão distantes,
Volta breve, que o fél desta saudade.
pelo nosso primeiro anniversario.
Já se me vae tornando em dissabores. Guiomar Torreszão — 0 dia 22
de Outubro de 1898 foi um dia
Volta, que eu te amo! E aos corações amantes,
de luto para a patria de Gama e
Um só minuto de felicidade.
Rápido esconde um século dc dôres.
de Camões. Foi nesse dia que
Heraclito Viotti desappareceu da arena dos comba­
Em Minas, 1898 tentes do pensamento a figura emi­
nente e sympathica de Guiomar
Torrezão, vigorosa escriptora que
durante mais de um quarto de sé­
culo, talvez, illuminou com a luz de
^olas pequenas seu talento privilegiado a impren­
A Mensageira — A exemplo sa do velho e legendário Portugal.
das melhores revistas nacionaes e Guiomar Torrezão consagrou-
extrangeiras, resolvemos tornar esta se ás letras desde os albores de
publicação mensal, em vez de quin­ sua mocidade com rara perseve­
zenal. Só a inexperieneia pode­ rança e actividade, e o seu nome
ria ter nos levado a fazer no pri­ atirado aos quatro ventos da publi­
meiro anno um quinzenario, nós, cidade tornou-se verdadeiramente
que não contamos com auxi­ querido e reputado nas rodas lite­
liares nem capital, quando perió­ rárias de Portugal e do Brazil.
dicos de tão alto valor como a Redigiu vários jornaes de modas,
Revista Braxileira, (que foi quin­ entre os quaes o Diário Blustrado,
zenal no seu 1." anno), a Revista onde se assignava com o pseudo-
Moderna, a Revista do Braxil, a nymo de Gabriel Cláudio, e man­
Revista Fluminense e muitas ou­ teve por largos annos o Almanak
das Senhoras, bellissima e variada sua personalidade, visto como para
publicação, na qual apparecem no­ isso nos sentimos fracas; queremos
ticias biographicas e trabalhos lite­ sómente significar a nossa magua
rários das mais conhecidas e apre­ pelo desapparecimento do grande
ciadas escriptoras brazileim. vulto, cujo nome ficou indelevel
Sua bagagem literaria é uma das na literatura e na historia patria.
mais ricas da litei’atura feminina, magua que é tanto maior quanto
constando de um livro de viagens é certo que o Visconde de Tau­
— Paris, um livro de contos — nay nos havia distinguido com
Batalhas da Vida, um romance attenciosa carta, na qual nos pro-
publicado recentemente — Flavia, mettia sua valiosa collaboração.
diversas peças de theatro, entre as O visconde de Taunay deixou
quaes Educação Moderna, origi­ na arca de sigillo do Instituto
nal, e varias traducções: Dionysia, Ilistorico um volumoso envolucro
Clara Soleil, M artyr, Noiva dos de papel preto, amarrado com ara­
Girasóes, Surcouf, Toupinel que me e lacrado com suas armas, o
Detis haja, Dois Garotos, etc. além qual encerra vários trabalhos que
de poesias, criticas literárias, e só serão publicados em 1943, se­
chronicas admiráveis espalhadas gundo dispossição que fez.
em profusão pelas revistas e jor- Que de revelações importantes,
naes. Collaborou com brilhantis­ que de preciosos esclarecimentos
mo 0 Paix, da Capital Federal, e ahi se acharão para a historia con­
0 Diário Popular, de S. Paulo. temporânea? O Visconde de Tau­
A sua perda deixou um grande nay, que foi um dos mais valen­
claro na literatura luso-brazileira! tes batalhadores do abolicionismo
foi um astro de primeira grandeza e um dos mais dedicados amigos
que desappareceu, deixando uma da familia imperial, deposta pela
órbita de luz nas letras femininas! revolução de 15 de Novembro, não
Veneremos sua memória glo­ quiz privar a justiça histórica dos
riosa! dados de que podia dispor e fez
Visconde de Taunay — Chega­ ao Instituto uma dadiva, de valor,
mos tarde para noticiar o passa­ com certeza, mas que grande parte
mento deste notável brazileiro, pois da geração actual ha de morrer
que 0 triste acontecimento já ignorando...
echoou do norte ao sul do paiz, Innocenda, o bello romance de
entre as mais expressivas manifes­ Taunay, esse livro genuinamente
tações de pezar. Não podemos brazileiro, onde a vida sertaneja é
também fazer um estudo sobre a pintada com tão verdadeiras tintas.
A M ensageira 23

obteve agora mais uma tradiicção, na sua philantropia a maior som­


e esta devida á penna de uma mu­ ma de benefícios possivel, a mais
lher, Olga Wolff, que 0 trasladou acendrada dedicação. O que espe­
para 0 polaco. cialmente, porém, a recommenda
A ’ familia do Visconde de Tau- á nossa sympathia é 0 seu gran­
nay a Mensageira apresenta pro­ de interesse polas mulheres de­
fundas condolências. samparadas. D. Veridiana é socia
D. Verldiana Prado — Esta re­ fundadora e benernerita da Mater­
vista que tem procurado, á medida nidade de S. Patdo, esse adoravel
de suas forças, elevar 0 nivel in­ templo do caridade, dirigido pela
tellectual e moral da mulher bra- D.™ Maria Renotte. e tomou a si
zileira, tem tido sempre suas co- 0 encargo de fornecer toda a rou­
lumnas francas para consignar os pa que fôr necessária para a en­
factos que possam nobilitar ou fermaria das mulheres na Casa da
engrandecer 0 nome de qualquor Misericórdia, dependencia esta
patricia. Assim sendo não pode­ inaugurada a 1 de Dezembro de
mos deixar de registrar aqui 0 1898 e destinada a operações cirúr­
nome de D. Veridiana Prado, a gicas e tratamento de senhoras.
illustre senhora a cujos esforços Graças aos seus sentimentos al­
tanto tem progredido a viticultura truístas, o desvanecimento e 0 bem-
em S. Paulo e cujo anniversario estar que lhe proporciona a sua
tão festejado foi a 11 do corrente. grande fortuna, não a fazem olvi­
A Ex."'“ Sra. D. Veridiana Prado, dar os que soffrem e necessitam,
filha do fidalgo cavalheiro Barão de não a fazem esquecer as mu­
Iguape e progenitora do iIlustrado lheres mal aquinhoadas e despro­
D.'' Antonio Prado, actual prefeito tegidas da sorte. A Mensageira
municipal de S. Paulo, do Eduar­ saúde a caridosa senhora.
do Prado, conhecido homem de le­ Amor Maternal — São verdadei­
tras, e do D.*' Martinho Prado Ju­ ras epopéas de amor maternal os
nior, distincte propagandista repu­ dois tocantes casos que 0 Jornal
blicano, tcni-se torna na sua exis­ do Commercio, de Lisboa, narra
tência 0 alvo da gratidão da socie­ nos seguintes termos :
dade paulista pela sua inexgotavel « Na universidade da Bordéus
caridade e grande benemerencia. acaba de ser concedido 0 grau de
Todas as instituições pias desta licenciado em lettras, na sessão de
capital, — Hospital de Laxaros, philosophia, e com 0 numero 1, a
Collegia dos Salesianos^ Casa da um cego, cujo pae é conselheiro
Misericórdia, etc. — encontram no tribunal da cidade.
^4 A M ensageira

Este moço, de uma rara intelli- privada de ter noticias do filho.


geucia, foi auxiliado nos seus es­ Mas não podia viver sem as ter.
tudos pela mais pura e mais sublime Então, sublimemente, concebe a
dedicação, a de sua mãe, que passou idéa de, mais que quinquagenaria,
a estudar com elle, a 1er para elle, apprender por si só a escrever e
a escrever para elle, apprendendo, a ler. Compra ás escondidas um
por causa delle, o grego, o latim alphabeto; toma umas poucas de
e 0 allemão, e ainda e sempre por cartas do filho e lança-se sorridente
elle, a 1er e reler Platão, Aristote­ e esperançada á tarefa, mas sempre
les, Pascal, Descartes, Kant, Hegel, ás occultas, não com medo de ser
Schopenhauer, tutti qu an ti. . . reprehendida, que isso era o menos,
De joelhos deante desta douta sim, porém, de ser desviada da sua
mãe franceza ! apprendizagem, o grave do caso,
pois 0 marido era de uma feroz
teimosia. E, apprendendo a conhe­
cer as lettras e depois ajuntal-as,
Mas ah! também de joelhos parallelamente a calcar os caracteres
deante desta ignorante mãe portu- das missivas do filho, ao cabo,
gueza! finalmente, de algnns mezes escre­
Cremos que ella ainda vive, via a primeira carta 1
agarrada ás saudades do filho morto Eram umas toscas garatujas, por
e sepultado longe delia. Nem de certo, mas liam-se. E o filho res­
uma nem de outro daremos os pondeu, e a mãe replicou, e assim
nomes, com o receio de os affrontar entre a mãe e o filho se estabeleceu
com a publicidade, talvez abusiva uma correspondência regular.
e ainda porquq> inominados, ficam Mas as suas lettras só podiam
maiores, mais geraes, mais exemplo. ser entendidas pelo filho e só as
Um dia rompera o pae com o lettras do filho 6 que esta mãe
filho não perdoando aquelle a este entendia! De que mais precisava
verduras da primeira mocidade. ella ?! Correspondia-se com o mun­
Não sabendo a mãe nem ler nem do inteiro, porque todo o seu mundo
escrever e não lhe consentindo o era o seu filho.
marido que ella recorresse á ter­
(Do Minas Geraes)
ceira pessoa, ficou subitamente
São Paulo 15 de Março de 1899 Anno II, N. 26

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
DireetOFâ — Presciliana Duarte de Almeida

F *ta t)lica -se no d ia 15 de cad a m ez

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno | N u m e r o a v u ls o


a d ia n ta d o E n d e re ç o : R u a de S ta . Iphigenia, N . 57. I

7 ' í/
1

I V

A u r ea P ir e s
2Ó A M ensageira

Sum mari o: — Flocos de Neve, critica do tempo, bem como sob a influi­
literaria, Arthur Andrade; — Parabola
Oriental, poesia, Silvio de Almeida; — ção absorvente dos acontecimentos
Abnegação, conto, Maria Clara da Cunha políticos do mundo.
Santos ; — Impossivel, soneto, Aurea Pi-
A decadência litteraria tem cres­
; — Anna Hierta Retzius, Guiomar
Torrezão; — Descrença, soneto, Oscar cido assustadora e omnipotente­
d’Alva ; — Selecção ; — Sobre um tumulo, mente em todos os paizes; mas,
poesia, Presciliana Duarte de Almeida;
força é confessal-o. a parte que
— Carta do Rio, Maria Clara da Cunha
Santos; — O primeiro sorriso, poesia, mais se ha obumbrado na noctur­
Delminda Silveira; — Literatos húngaros, na tristeza dessa decadência, é exac-
Elmano do Vai; — Dois Oasis, soneto, tamente a que devia ser a van­
Ademar; — Dois livros, Adolpho Male-
volti ; — Depois da batalha, poesia, Julia guarda indominavel da resistência
Cortines; — Desolada, poesia, Edwiges espiritual — é a grande comrau-
de Sá Pereira; — Notas pequenas. nhão latina do planeta, a mesma
que passou ás consagrações da his­
„flocos de neve“ toria como a mais bella synthese
Aurea Pires da humanidade.
Na sombria e terrível agonia des­ A própria historia nol-o ensina.
te século, eminente por todos os Nas maiores crises sociaes, nos
titulos, notadamente pelo de haver mais desoladores eclypses da es­
requintado o engenho humano pe­ piritualidade, quando tudo oscilla-
las invenções, a política pelo mas­ va e cahia no soturno vortilhão
sacre. a sociedade pela indifferença, em que as sociedades se convul­
alguma cousa que foi e ha-de ser sionavam, a luz que sorria nesse
sempre grande, que já se anoitou cáos, branca e serena, era a luz
com 0 lucto de ephemeras deca­ que jorrava da alma latina; a ener­
dências, mas que já appareceu ves­ gia que se alteava como represa á
tida pelo esplendor das renascen­ vaga turbulenta, era a cavalheirosa
ças históricas, alguma cousa de energia do sangue latino.
grande e de elevado agonisa tam­ E é essa mesma formosíssima fa­
bém com 0 século. mília humana, que creou a liber­
São as lettras. São as fulguran­ dade no dominio da política e que
tes depositarias da gloria dos povos creou 0 bello no dominio da arte,
e da aurora das civilisações que que se deixa embeber fundamente
desfallecem e lentamente succum- do espirito estreito e egoistico do
bem no meio deste ambiente em­ século, offerecendo docilmente os
peçonhado e convulso em que o pulsos ás algemas dessa ominosa
progresso moral e espiritual se ma­ decadência espiritual.
térialisa sob a tendencia mercantil A mesma gloriosa França, que
A MENSAGEffiA 27

foi sempre 0 ninho luminoso das vernamental mais irmã do libera­


apothéoses intellectuaes, 0 cume so­ lismo contemporâneo, mas veiu tam­
litário e resplandecente das gran­ bém estancar a corrente litteraria
dezas do engenho humano, é hoje que ia dando, sob a paz apparente
aquelle paiz que não pode sustar do império, uma caracteristica mais
a visivel decadência que 0 vae em­ firme ás producçôes do nosso meio.
polgando, e, 0 que é mais pungen­ Improficuamente luctam contra
te, aquelle paiz que exhibe ao mun­ esse curioso phenomeno a vida ex-
do, nesta éra de confraternisaçòes huberante de nossa terra, a seivo-
sociaes, 0 inaudito espectáculo da sa natureza que nos cerca, 0 vigor
resurreição do preconceito de raças. meridional de nossa imaginação, 0
Filhos do sangue e do espirito zelo com que seguimos as moder­
latinos, muito embora se elaboras­ nas correntes litterarias, e, 0 que
se nossa civilisação num meio con­ é mais singular, a falta de prece­
tinental inferior e diverso, senti­ dentes que sanccionem nossa pre­
mos mais depressa, e de um modo sente phase espiritual, isto é, revo­
mais completo, envolverem-nos as luções sociaes tão grandes produ­
sombras da decrepitude litteraria. zindo tão grande decadência litte­
E ’ verdade que não temos a en­ raria.
carar os formidáveis e complexos Falíamos decadência. Mas não
problemas sociaes e politicos que é 0 qualificativo proprio. O que
preoccupam 0 espirito das nações ha no Brasil de hoje é uma pro­
latinas do velho mundo; mas te­ funda aversão ás lettras, um os­
mos, em compensação, que enfren­ tentoso despreso pelos artistas, con­
tar os phenomenos resultantes de trariamente ao que se passou com
uma radicalissima transformação po- outros paizes, onde, sendo idênti­
litica, que se consummou sem gran­ cas as condições sociaes, as revo­
des abalos, porem que concentrou luções politicas se consummaram,
e concentrará por tempo indefini­ sempre precedidas e succedidas por
do 0 pensamento nacional em tor­ magnificas e estupendas renascen­
no dos abalos moraes que ella até ças espirituaes.
hoje alimenta. Actualmente, publicar no Brasil
Por outro lado, positivamente um livro, com especialidade um li­
não ha nem houve republica mais vro de versos, é um acto de cora­
inimiga das lettras do que a Re­ gem e de abnegação muito superior
publica Brasileira; ella veiu inte­ ao de atravessar 0 seio do conti­
grar a liberdade politica no conti­ nente negro.
nente, modelando-se pela forma go­
28 A M ens AGKlRA

Todas essas considerações nos fo­ E ’ um livro que se lê com pra­


ram suggeridas pelo apparecimento zer, de um folego, que nos sua­
dos Flocos de Neve, mimoso docu­ viza e acaricia a alma como um
mento litterario com que a talen­ quente e doirado banho de luz.
tosa e gentilissima poetisa mineira, Em suas paginas, aromadas por
Aurea Pires, se apresenta ao nosso um doce bafejo de amor, está bem
empobrecido mercado, enriquecen­ a alma adamantina de sua auctora
do-o com 0 doirado arrebol de seu — uma alma contemplativa e so­
estro poético. litária, amiga da velludosa paz dos
E’ 0 primeiro livro da jovem e ermos, anhelante de virgem natu­
inspirada poetisa. Força, porem, é reza.
confessar: a critica mais severa No livro de Aurea Pires a des-
tem que reconhecer nesse livro duas criptiva tem um logar de honra.
cousas — uma estreia bellissima e Ha nelle, por certo, delicados
uma bellissima promessa. alvoroços d’alma, nervosos lances
Não é, nem podia ser, o traba­ psychologicos, inacabados e fugiti­
lho de um artista atormentado, que vos romances intimes, onde, por
consegue estampar sua individua­ vezes, aqui e alem, rebrilha o dia­
lidade nos estudos d’alma que tra­ mante de uma lagrima e erra o
duz e exteriorisar sua arte nos suspiro de uma vaga saudade. Mas
lampejos de uma forma victoriosa nunca estão só. Confundem-se, en­
e impeccavel. Mas, si não é isso, laçam-se harmoniosamente com o
é já uma obra triumphante, onde fulgor da paysagem circumdante,
predominam as bellezas, onde ura cora a leve tonalidade das impres­
peregrino espirito de moça, desdo­ sões ambientes.
brando-se em lavores poéticos ri- Na sua maneira predominante
quissimos, nos diz o que ha-de ser — a descriptiva — Aurea Pires
em breve, quando o tempo e o es­ possue, ao lado de um raro vigor,
tudo lhe derem a plena maturidade. uma opportuna sobriedade.
O artista ávido de fórma, seden­ Isolada no seio caricioso da na­
to de arrebatados voos, de espaço tureza, a delicada poetisa mineira
e de luz, não encontrará nos F lo ­ sabe surprehender-lhe os mais ar-
cos de Neve uma perfeita obra de canos segredos, apanhar-lhe a in­
arte, mas encontrará um perfeito tima cadência das vozes, a naba­
trabalho fem inino: onde falta o ar­ besca riqueza de suas roupagens,
tista, brilha e íluctua a encantada derramando todo esse mundo que
doçura, a fina e mimosa sensibili­ flammeja e que vibra na colum-
dade de uma alma de moça. bina e nervosa melodia do verso.
A M ensageira 29

Por quasi todas as paginas dos — 0 poder de observação, a in­


Flocos de Neve fluctua 0 aroma dole vagamente contemplativa e a
acre e selvagem da natureza sertã. finissima sensibilidade.
A luz que lhe eramoldura a farta E ao lado do apuro simples e
descriptiva é a luz créa e vibrante gracioso no comprehender e pin­
dos tropicos; 0 colorido que lhe tar a natureza de sua terra, Aurea
anima a perspectiva é rico e vivaz Pires possue ainda uma visivel e
como 0 de uma flora sumptuosa e facil expontaneidade. Seus versos
ébria de seiva. se ennastram nas quadras e nos
Aurea Pires é dotada, como pou­ tercettos com uma fluência natural
cas, da arte de saber pintar fina­ e franca, como a agua derivando
mente 0 que lhe impressiona os da rocha, como a planta nascendo
sentidos. Sua lyra, que estremece, do solo.
embevecida, perante 0 vermelho
Já dissemos que nos Flocos de
esplendor dos occasos, é a mesma
Neve predominam as bellezas; mas,
que desfere canções de uma rui­
no meio dessas bellezas, de que al­
dosa e trovadoresca alegria ao fes­
gumas podem, sem desdouro, tra­
tivo alvorecer das madrugadas mi­
zer 0 nome dos nossos melhores
neiras; é a mesma lyra que estri-
poetas, avultam imperdoáveis des­
bilha 0 madrigal dos ninhos, a voz
leixes de fôrma, versos fracos e
das aves e das fontes, 0 rumor das quebrados, 0 emprego immoderado
verdes ramarias, e que tem accen-
de agudos e algumas outras jaças
tos tristes de psalmos sob a un- que ferem 0 olhar de um artista,
etuosa e solemne quietação da pay- mas não diminuem 0 valor esthe-
sagem crepuscular, quando a terra tico do conjuncto.
adormece no seu leito de rosas á De resto, essas pequeninas la­
frouxa luz melancólica da estrella cunas são inevitáveis num livro de
da tarde. estreia, maximó num livro como 0
Nascida sob 0 fulvo sol abra- de que falíamos, onde sua distin-
sado dos tropicos, tendo sempre cta auctora expõe, sem as ter mo­
vivido em contacto com uma na­ dificado em nada, desde as pri­
tureza vehemente em sua formo­ meiras ás ultimas producções de seu
sura e em sua força, a juvenil can­ estro poético.
tora dos Flocos de Neve soube va-
Sosinha, por exemplo, é uma
sar a grandeza de seu berço natal
bella poesia; ha alli, porem, versos
na vigorosa esthetica de seu verso,
mal medidos e frouxos como este:
exhibindo bellamente as qualida­
des tão particulares ao sertanejo «Pegureiro que as ovelhinhas mansas»
30 A M ensageira

Do mesmo modo em outras não Rolim, de Francisca Julia da Silva,


menos bellas estrophes, bellas e de de Presciliana Duarte e outros no­
uma pujança quasi junqueireana mes consagrados no mundo litte-
que se encontram — Na Praia. rario.
Alem de — <'^um horisonte meu» S. Paulo, 14 - 2 - 99.
— construcção detestável tanto em
A rthur A ndrade
prosa como em verso, existe alli
esta impropriedade :
«Sentar-te junto a mim, beijando meu sem­
blante»

Beijar meu semblante — é uma


cousa nova e graciosa.
Fazendo, porem, esquecer essas "parabola oriental
leves imperfeições, brilhando viva­
Em verSo breve contarei agora
mente sobre ellas, lá estão sonetos Uma historia das terras do Levante.
magnificos e cinzelados, quadras
de uma rara formosura, podendo- Ia da Syria pela estrada a fóra,
Puxando o seu camello, um viandante.
se citar, entre outras, como as me­
lhores do livro : Contraste, Hyemal, De súbito furor arrebatado,
Em Ouro Preto, Chovendo, Poesia O camello levanta-se, refúga,
do Claustro, Sem querer, Na flo­ E, vendo-o assim, o dono, horrorisado.
Larga o cabresto, e põe-se logo em fuga.
resta, hnpossivel, de que os dous
últimos tercettos são admiráveis, Correndo do animal iroso, o pobre
assim como os últimos tercettos do Viajor, por livrar-se do perigo,
Como eu vivo e do Adeus. Uma cova bem próxima descobre,
Onde suppunha achar seguro abrigo.
No Contraste, o soneto fecha-se
com estes versos de uma doçura Lança-se alli num impeto de susto;
camoneana : Mas, ao cahir e logo á beira, esbarra
Na enrediça dos galhos de um arbusto,
«Bem diversa da tua é minha sorte: A que na angustia do pavor se agarra.
No seio de outra encontras tu a vida
E eu na tua inconstância encontro a morte!» Lá de cima, o camello furibundo
Fita-o; e nos penetraes da tenebrosa
E basta. Queira a gentilissima Cova, daquelle precipicio fundo,
cantora dos Flocos de Neve accei- Tem aberta um dragão a tauce irosa.
tar meus vivos parabéns pelo lu-
E um rato branco, mais um rato escuro.
zimento e garbo com que surgiu
Vê, pouco abaixo, o triste perseguido,
na temerosa arena da estreia, col- Roendo o arbusto em que se poz seguro;
locandü-se já ao lado de Zalina E de medo maior fica transido...
A M ensageira 31

Mas eis que o mesmo arbusto lhe apresenta meiga, talentosa e boa, a alegria
Convidativos fructos que appetece,
e 0 enlevo dos paes.
E, comendo-os, tal goso experimenta
Que do perigo as afflicções esquece. Havia dois mezes que estava
noiva de um distincte rapaz, estu­
dante do ultimo anno de medicina.
Que homem é esse — indagarás — tão louco No dia em que Lucia foi pedida
Que assim deixava se levar a esmo,
por Eduaido, seus paes radiantes
Tudo esquecendo por um bem tão pouco ?
— Sabe agora, leitor, que és tu, tu mesmo...
de alegria, riam e choravam alter­
nativamente.
E’s tu, leitor; A miseranda sorte E eram bem justas aquellas la­
Que te afflige é o camello rancoroso;
grimas, aquella alegria, aquellas
E’ a caverna do dragão a morte,
apprehensòes !
Para a qual te encaminhas descuidoso.
Eduardo, o primeiro e unico
Um dos ratos figura o dia claro. amor de Lucia, era rapaz de ta­
Representa o outro rato a noite escura, lento e de futuro. Seu caracter
Que esperdiças, buscando o fructo raro
immaculado, seu coração terníssi­
Dos prazeres, ao pé da sepultura!
mo e seu espirito investigador e
Silvio de Almeida
estudioso eram garantias bastantes
para ser excellente esposo. Os
velhos, apezar de tudo, choravam
commovidos, no dia em que pro-
metteram a mão da filha ao eleito
l^bnegaçáo 1 de sua alma.
0 dia do casamento não estava
(A’ Doutora Ermelinda de Sá)
ainda marcado.
Eram oito horas da noite. Em Quando Eduardo saltou de um
casa de Lucia havia grande alvo­ tilbury á porta da casa de sua
roço, preparavam-se todos para o noiva, na noite da festa, seriam
baile que nessa noite dava um ve­ oito horas, pouco mais ou menos.
lho amigo da familia. Devia ser Iriam juntos ao baile, que pro-
hrilhantissima a festa, tudo fazia mettia ser explendido!
adivinhar uma noite deliciosa! Eduardo trajava com apurada
Lucia era filha unica de abas­ elegancia; a casaca, o claque e os
tado capitalista e havia concluido sapatinhos de entrada baixa da­
a sua esmerada educação no col- vam-lhe um todo muito distincto.
legio das Irmãs de Caridade, de Lucia estava ainda se prepa­
Botafogo. rando. Na sala de visitas, os dois
Tinha 18 annos; era formosa e velhos esperavam, pacientes e ale-
32 A M ensageira

grès, a filha, que nessa noite mais de cabeça e a agitação em que


formosa ainda devia estar na sua estava.
toilette de baile, toda vaporosa, de — E ’ impossivel, disse ella, de­
nuvens de gaze e de rendas finas. pois de grande esforço que fez
Eduardo levou á noiva um lindo para unir á cintura o seu corpete
bouquet de cravos brancos, que de setim e gaze, é impossivel, não
ella devia trazer ao seio durante me posso ter de pé.
aquella noite de festa. E cahiu sobre uma cadeira de
A mãe de Lucia, depois de ha­ junco a um canto do quarto.
ver recebido, carinhosamente, seu O que é ?... o que será? inda­
futuro genro, foi apressar a filha, gavam afflictissimos o pae e o
que já estava se demorando muito. noivo de Lucia, emquanto a mãe,
O carro estava á porta, todos mais corajosa e mais pratica, tra­
estavam promptes, só ella, a for­ tava de despil-a e de deital-a, afim
mosa e querida estrella que enchia de que um medico viesse vêl-a
de luz e de alegria aquella casa, sem demora.
tardava ainda. Eduardo, quando teve ingresso
D’ahi a pouco volta a velha no quarto de sua noiva, ficou ge­
com ar muito triste e diz ao ma­ lado e tremulo. Comprehendeu
rido que Lucia está bastante in- que a doença era grave. E se não
commodada e que é provável que fossem os conhecimentos medicos
não possa ir ao baile. — Ora, ora, que tinha, bastaria para certifical-o
responde aborrecido o pae, isso é do estado gi’avissimo da noiva, a
cous§ passageira, porque não ha sua quasi indifferença ao estender-
de melhorar? lhe a mãosinha, quente de febre,
Já lhe disseste que o Doutor e ao encaral-o inexpressivamente,
aqui estava? Anda, váe la ter, ani­ sem dizer uma palavra de affecto,
ma-a, dá-lhe um pouco d’agua de limitando-se apenas a esboçar um
melissa e isso passa. Em come­ sorriso tão pallido e tão triste!
çando a dansar, eu sei que a do­ Nem os cravos, os formosos cra­
ença acaba.» vos que 0 noivo lhe trouxera me­
Eduardo, impaciente e triste com receram seu cuidado; jaziam sobre
a demora de Lucia, lembrou um 0 toucador, abandonados.
remedio prompto, que elle pro- D’ahi a pouco o velho medico
prio dosou. Estava tão tremulo da familia, conferenciava com Edu­
e tão afflicto que causava pena. ardo, 0 seu jovem collega, sobre
Lucia não melhorou, pelo con­ a doença de Lucia.
trario, mais forte se tornou a dor O pobre rapaz não sabia o que
A M ensageira 33

dizia, a afflicção, o cuidado, o medo rados das demais pessoas da casa,


tronaram-n’o incapaz de um con­ ali 0 Snr. Doutor Eduardo...
selho ou de qualquer investigação. — Eu? acode promptamente o
O velho medico e amigo sahiu noivo, se me permittem, serei tam­
do quarto da enferma muito ap- bém seu auxiliar, jamais abando­
prehensivo, o caso era bastante narei a nossa doente.
grave. Não tenho medo de enfermidade
E’ facil de imaginar o estado alguma, sou medico e ... mais do
em que ficaram os corações aman- que tudo ... noivo. Fico, se me
tissimos dos paes! Ambos quasi permittem, bem junto de minha
loucos de afflicção e dor! amada.
Corriam as horas longas e pe­ A doença seguiu sua marcha
sarosas; 0 pae de Lucia passeiava natural, muito demorada e traba­
de um lado para o outro, no sa­ lhosa. Noites e noites de vigilia
lão, sosinho, a pensar, a pensar foram precisas. A repugnante en­
em mil cousas; a mãe, solicita e fermidade alastrou de um modo me­
carinhosa enfermeira, não abando­ donho. O rosto de Lucia, outr’ora
nou mais a cabeceira da filha. O tão formoso, tornou-se disforme,
noivo, mal podia auxiliar em qual­ disforme, inchado, vermelho, nau­
quer cousa, estava tão nervoso e seabundo.
triste que causava inquietação e Quando o medico declarou-a li­
cuidado. vre de perigo, foi um dia de ale­
No dia seguinte, muito cedinho, gria n’aquella casa!
0 medico assistente voltava para Lucia, porem, ficava triste e pe­
junto de sua doente querida. sarosa quando o noivo a olhava
Foi com enorme tristeza que o demoradamente. Ella bem com-
velho profissional e amigo decla­ prehendia que n’aquella nuvem de
rou á familia a qualidade da mo­ piedade e ternura, n’aquelle olhar
léstia: é um caso de variola he­ de complacência e bondade havia
morrhagica, disse com os olhos um mixto de ampr e de pena!
baixos, sem coragem para encarar o A pobresinha adivinhava o hor­
olhar interrogador e afflicto da po­ ror de sua figura. Uma bexiga lhe
bre mãe. E á laia de consolação arrebentára um dos olhos, defor-
talvez, acrescentou que tinha toda mara-se-lhe medonhamente o rosto.
a esperança de salval-a. E’ pre­ Um dia, já em plena convales­
ciso toda a cautéla, vamos lá, con­ cença, ella pediu um espelho. Ne­
tinuou 0 medico, os enfermeiros garam-lh’o piedosaraente. Fazia
devem ficar completamente sepa­ pena contemplal-a! A mãe de
34 A M knsagkira

como é sagrado o amor das mcães! E a alegria devia voltar áquella


— não se appercebia d’aquolla familia, ameaçada como esteve, por
transição tão brusca, queria a vida tamanha desgraça.
preciosa de seu anjo e nada mais;
0 pae que tomára conta do serviço Lucia, na primeira occasião que
externo do quarto não j)odia ava­ se pilhou longe dos olhos da mãe,
liar a deformidade da filha, por­ correu ao espelho. Que horror e
que não a acompanhava diaria­ que decepção! Apobresinha achou-
mente; 0 noivo, todo solicito e se tão feia que começou a chorar
amoroso pensava que aquella en­ e desejou mil vezes a morte. Sim,
fermidade não pudesse abalar o seu dizia ella intimamente, se eu ti­
amor desinteressado e puro. vesse morrido seria muito melhor,
Quantas vezes Lucia, intima­ deixaria uma impressão diversa no
mente, manifestou ao noivo seu espirito de Eduardo. De que vale
susto, seu desgosto por se ver as­ a vida assim ? Que posso esperar
sim tão feia! do mundo? Ah! Eduardo é mui­
— Vaidosa, vaidosa, dizia elle to generoso! eu sei que elle cum­
sorrindo isso passa com o tempo... prirá sua palavra e que se casará
e que não passasse? Não sabes commigo apezar de tudo, mas eu
que eu amo em ti, muito acima não devo acceitar tamanho sacri­
de teus dotes phisicos, tua alma? fício. Que amôr posso eu hoje
A belleza o que é? Um mero inspirar? Piedade sim, concordo,
passatempo, a alma sim, a alma 6 mas é-me mais dolorosa essa ideia
que precisa ser bella! do que se elle abertamente exi­
Lucia concordava, a sorrir, mas gisse sua liberdade! Quem deve
no emtanto o seu pensar era ou­ renunciar... sou eu. Tenho obri­
tro, muito diverso. gação de ser generosa. Amo-o,
adoro-o, mas por isso mesmo devo
Depois da longa convalescença a
que obriga tão cruel enfermidade, restituir-lhe a liberdade! Terrível
Lucia ficou completamente boa. contingência a minha! Nossa Se­
nhora me dê coragem!
— Ar puro, aconselhou o me­
dico, passeios campestres, diverti­ Estava Lucia planejando o meio
mentos, bôa e sadia alimentação... de renunciar, dignamente, seu so­
e não precisa mais de mim por nho de felicidade, quando foi sur-
esta vez. prehendida pelo noivo, que lhe tra­
Abriu-se afinal a casa, que foi zia umas fructas maduras e gos­
desinfectada rigorosamente e are­ tosas e um bouquet de violetas e
jada e pintada de novo. malvas.
A M knsageira 35

— Em que pensas? pergunta amar a sua noiva com o mesmo


elle, meigamente. devotamento de outros tempos.
Pobre inexperiente, como se en-
— Em ti ... em mim ... que
ganára!!
sei? Escuta, meu amor, preciso
Muito mais do que a alma, que
ser franca comtigo, ouve bem o
elle julgava ser a inspiradôra dessa
que te vou dizer: de hoje em di­
paixão, elle gostára d’aquelle ros-
ante és livre, desobrigo-te de teu
tosinho que fôra tão formoso, d’a-
compromisso; não posso e nem tenho
quelles olhos illuminados, olhos de
0 direito de esperar que te cases
velludo, que subjugavam, que allu-
commigo. A fatalidade foi mais
cinavam!!
forte do que nós, eu boje já não
A mocidade e formosura de Lu­
sou a mesma creatura de ha dois
cia 0 haviam encantado muito
mezes atraz. Meu coração, se é
antes de conhecer a sua alma, que
possivel, ainda mais te adora hoje
a falar a verdade, era ainda mais
do que antes de minha moléstia,
formosa do que fôra o rosto, no
devo-te muita gratidão; mas sou
tempo de bello. Mas que querem?
bastante altiva para não te obrigar
O mundo é mesmo assim.
a tamanho sacrificio.
Lucia soffria muito e Eduardo
— Lucia, meu amor, o que é
também soffria!
isso? Duvidas de mim? Que te Ah! pensava o rapaz! serei eu
fiz eu que te magoasse? Não, tão material e grosseiro que falte
minha querida, peço-te, supplico-te á minha palavra porque minha noi­
que nunca mais repitas essas pa­ va perdeu a formosura? Não, nunca.
lavras cruéis e muito menos que O dia do casamento foi marcado
penses com tanta injustiça a meu afinal. Em casa havia muita ani­
respeito. mação e alegria! Já ninguém mais
— Aqui está o teu caldo, mi­ da familia de Lucia se lembrava
nha filha, são horas, é preciso que dos dias de afflicção, dos passados
te alimentes, disse a mãe de Lucia dias de desespero.
nesse instante, interrompendo in­ A perspectiva da felicidade faz
voluntariamente a conversa dos esquecer muitos desgostos.
noivos. O caldo estava cheiroso E’ maravilhosa toda a obra de
e fumegante. Deus! Isto mesmo de tão cedo se
Lucia adivinhava as exigências esquecer a gente de tantas dores
do coração humano com admiravel e decepções é uma perfeição da
lucidez! natureza, concordemos.
Eduardo pensava que poderia N’aquella casa todos, excepto
36 A M ensageira

Lucia, estavam radiantes de con­ mais natural deste mundo, pensa­


tentamento. vam todos de casa.
O vestido de noiva — um mi­ Mas 0 somno prolongou-se de­
mo! — quando Lucia o experimen­ masiadamente. A ’ hora do almoço
tou não sentiu os arroubos, a ale­ foram despertai-a. Encontraram-
gria, as emoções naturaes desse dia. n’a morta, deitada em sua cama,
Uma noiva fria — imaginou a mo­ tão tranquilla e tão serena que
dista — que lhe ajustava á cintura parecia estar dormindo !
as pregas graciosas de seu rico Aos gritos desesperados dos paes
vestido de setim branco, uma noiva e das pessoas de casa, acudiram
de gelo ou então, o que 6 mais os visinhos e o antigo medico da
provável, uma creatura que não familia.
raciocina, que não pensa na serie­ O noivo chamado ás pressas e
dade do casamento. avisado da desgraça, veiu como um
No em tanto, o motivo dessa in- louco, correndo e chorando deses
differença era outro, como é facil peradamente.
de imaginar. Eduardo não era es­ Ataque de cabeça, aneurisma do
quivo e nem avaro em seu affecto, coração, diziam as pessoas presen­
e no emtanto Lucia que desven­ tes, querendo adivinhar talvez. E
dava os mais recônditos segredos creio mesmo que como morte na­
de sua alma transparente, distin­ tural lhe foi passada a certidão de
guia a piedade e o amor no ama- obito.
gô do coração de seu noivo. Só a Eduardo, porém, a cruel
Mysterioso segredo que nem po­ verdade se revelou em toda sua
dia explicar! plenitude. E foi então que elle
Très dias antes do marcado para bem comprehendeu a abnegação
0 casamento, Lucia não se levan­ d’aquella alma, pura de mais para
tou á hora do costume. estar captiva a um corpo, martyri-
Nem esse facto causou cuidado. sado e deformado tão brutalmente!
Uma noiva ter insomnia é a cousa M aria C lara da C unha S antos
A M ensageira 37

ciosos sonhos. E devo tudo, todas


impossível as occasiôes que tive de ser util,
E’ meio dia. A ’ luz de um sol ardente ao sagrado desejo que desde a im
Aqui e alli um colibri volteja.. . fancia me devorou, de trabalhar a
À brisa passa vaj^arosamente
beneficio dos outros. Foi também
Por sobre a relva que no chão viceja.
a esses primeiros impulsos que de-
Agora o sino despertou plangente vi tantos amigos, tantas alegrias e
Lá de uma torre da vetusta igreja, venturas, porque a ventura consis­
Responde o echo seu gemer cadente,
te em esquecer-mo-nos de nós mes­
E um som tristonho pelo espaço adeja !
mos e, como diz Spinoza, em du­
Eu vejo os sylphos do caminho extenso. plicarmos o nosso scr.y>
Tribu mimosa prazenteira e esquiva Esta nobre profissão de fé basta
Que se espaneja pelo prado immenso !
para definir a grande missionária
E nunca tive magua assim tão viva ! do bem, Anna Hierta Retzius. Filha
E’ que eu sou presa do desejo intenso d’um politico eminente, madame
De ser senhora de quem sou captiva ! Retzius nasceu em Stockholmo, on­
Aurea Pires de desposou um illustre professor,
(Dos Flocos de Neve)
correspondente da Academia das
Sciencias franceza. Ainda muito
nova, Anna Retzius fundou uma
Escola gratuita nocturna para o
sexo feminino e bem assim a pri­
Jltnna Hierta íletzius meira Escola de aprendisagem para
«Não posso recordar-me da eda- as creanças pobres; e, o que é mais
de que eu tinha, quando entrei de extraordinário, é que levou a sua
reflectir sobre o destino da mulher dedicação a ponto de dirigil-as du­
n’este mundo. Contando apenas 12 rante dez annos. Em 1870. auxi-
annos, sympathise! com as reformas liada por algumas senhoras de Sto­
e sonhei tornar-me util e ter uma ckholmo, instituiu uma agencia para
esphera de acção desenvolvida, no a venda dos trabalhos das pobres en­
intuito de servir a minha patria. vergonhadas, denominando-a Abe­
0 que sonhava então obtive-o e lhas; essa agencia, protegida pela
ainda muito mais. Dêem ás crian­ princeza real da Suécia, está hoje
ças aspirações nobres: a fé no fu­ em plena prosperidade e muito tem
turo, 0 amor do trabalho e a sua contribuído para elevar o gosto ar­
vida será util, rica e feliz. A mi­ tístico nas obras das mulheres. Anna
nha excedeu em riqueza tudo o que Hierta Retzius tomou a iniciativa
eu phantasiei nos meus mais auda­ de implantar na Suécia a primeira
38 A M ensageira

Sociedade dos direitos da mulher,


tendo por principal objectivo asse­ 2)escrença
gurar á mulher, e sobretudo á obrei­ (Num album)

ra, a livre disposição da sua fortu­ Um por um os meus sonhos já voaram


na e a propriedade dos fnictos do Cantando e rindo pelo espaço afóra,
seu trabalho. Mercê d’csta Socie­ Emquanto o coração soluça e chora
dade, a sua benemerita fundadora I-embrando as illusões que não voltaram.

logrou que fossem admittidas mu­ Todas partiram em alado bando,


lheres nos Concelhos escolares. E Deixando o pobre ninho abandonado,
ainda mais: creou um prêmio des­ Partiram todas (e nem sei já quando!)
tinado á melhor obra sobre a edu­ Voando alegres pelo céo nublado.

cação das meninas. Foi também Deserto o coração, sem ter comsigo
de sua iniciativa que sairam a pri­ Oásis salutar que seja abrigo,
meira Escola niixta commum aos Nesta de magnas infernal jornada.
2 sexos, a primeira Escola culi­
Vago sem norte pelo mar da vida.
nária, 0 primeiro Refugio para as Vendo na Fè — uma illusão mirrada.
creanças pobres e moralmente aban­ Vendo no Amor — uma illusão perdida.
donadas. Muitas outras obras hu­ Maranhão, 2I— 3—97
manitárias se devem a esta genero­ Oscar d’ Alva.
sa reivindicadora do direito dos fra­
cos contra o descaroavel egoismo
dos poderosos. Viera-lhe do ata­
vismo materno e paterno essa de­
voradora sêde de exercer o bem. 5elecção
Bastará recordar que, obedecendo Nunca como em a nossa epocha,
ao desejo manifestado pelo sr. Lars foi necessário cultivar a intelligen-
Hierta, seu pae, sua mãe, Vilhel- cia das mulheres, transformando-a
mina Froeding legou uma somma em uma planta fecunrfa, susceptí­
de 700:000 francos á alta escola vel de produzir pensamentos, ins­
de Stockolmo, destinada a crear-se pirações, idéas sensatas, porque
uma cadeira de economia nacional, também entre os homens se ma­
humanitaria e patriótica: A ’ me­ nifesta um grande movimento in-
mória de Lars Ilierta. tellectual. Surgiu para elles de
G üiomar T orrezÃo. subito um sentimento novo; enri­
queceram a sua alma de um goso
até hoje ignorado : a amisade de
uma mulher
C lemencia R oyer .
A M ensageira 39

Não deixarmos nunca, até em no principio da vida, prolongando-


as nossas reivindicações e no exer- se durante toda ella por virtude
cicio das profissões viris, de ser dessa poderosa influencia que a mãe
mulher, pelo caracter, pelas ma­ exerce sobre seus filhos; e quando
neiras e sobretudo pela toilette, estes, mais tarde, entram no mun­
eis 0 segredo da victoria. Em uma do para partilharem os trabalhos,
lucta onde carecemos de todas as inquietações e provanças, toda a
vantagens, para que havemos de vez que se acham em alguma dif-
desdenhar esse poderoso auxilio que ficuldade ou soffrem qualquer dor,
a natureza nos deu: o encanto? ainda voltam os olhos para sua mãe,
J oanna E ival se não para lhe pedirem conselho,
ao menos em busca de consolação.
Ha muita gente que censura só Os sentimentos puros e bons que
para não parecer ignorante. Não ella incutiu-lhes na infancia, con­
sabe que a indulgência 6 a prova tinuam a traduzir-se em obras ain­
da mais alta cultura. da muito depois que ella desceu
C armen S y i .va au tumulo; e quando só lhes resta
a sua memória, ainda elles elevam
Como si as mulheres constituís­
seu pensamento até ella.
sem uma especie á parte, abando­
Póde asseverar-se que a felici­
nam-as a si mesmas, sem auxilio,
dade ou a miséria, as luzes ou a
sem se lembrarem que ellas com­
ignorância, a civilisação ou a bar­
põem a metade do mundo ; que se
baria do mundo, dependem muito
lhe ligam pelas allianças; que ellas
do modo por que a mulher exerce
fazem a ventura ou a desgraça dos
0 seu poder no reino da farnilia.
homens, que tanto ambicionam sa-
E com eftéito, diz ílmerson com
bel-as rasoaveis; que ó para ellas
muita verdade que «as boas mu­
que as casas se cdi ficam ou se
lheres influem poderosamente na
destroem ; que a educação das cre-
civil i.sação».
anças lhes está confiada desde o
O infante no regaço de sua mãe
alvorecer da mocidade, epocha em
apresenta-nos a posteridade; o que
que as impressões são mais vivas
elle ha de vir a ser depende e.s-
e mais profundas.
sencialmente do ensino e da edu­
M adame de I jAMhert
cação que receber de seu primeiro
O amor materno é a providencia e mais influente educador.
visivel de nossa raça; a sua in­ S. S miles
fluencia 6 constante e universal, c
começa com a educação do homem
40 A M ensagkira

Sobre um tumulo 0arta do ^io


Ai! tão longe de mim dormes agora! Nunca é tarde para falar de um
Não mais te posso á noite acalentar, morto illustre! E’ certo que a im­
forno fazia, meu filhinho, outr'ora.
prensa brazileira, em geral, tem
Tenho vontade de rasgar a terra tratado do illustrado Visconde de
E de aquecer-te e de cerrar-te ao seio Taunay com amoroso respeito e
Que 0 mais profundo desespero encerra.
grande admiração ! Seriam, pois,
E de joelhos por sobre a terra fria, dispensáveis as minhas palavras de
Sem te ver, sem te ouvir, sem te beijar, pezar, se ellas não fossem tão sin­
Creio trazer-te uns laivos de alegria. ..
ceras.
Quem sabe si extremeces no teu leito, Fala-se em uma estatua para o
Presentindo o ruido de meus passos, grande brazileiro. E’ uma home­
Adivinhando as ancias de meu peito?
nagem justa e merecida.
Outro dia, ao sahir do cerniterio. Tenho em minha estante um li­
Os teus bracinhos via a me acenar vro que adoro, que me delicia o
Numa onda de luz e de mysterio . ..
espirito todas as vezes que o fo­
E fiquei-me chorando junto á grade, lheio e que me causa maior satis-
Como si fôra ingratidão tremenda facção ainda pela sua côr nacional,
Deixar-te nesta enorme soledade!
pelo seu estylo singelo, de puro
Deixar-te?. .. Mas tambern aqui não fica brazileirismo. E ’ a Innoeenda de
Minh’alma agoniada, inteira em dor, Taunay. Ha livros que não ficam
Minh’alma que a tristeza santifica?
velhos, são sempre novos, agrada-
De ti nunca se váe meu pensamento! veis e queridos. Não admira que
Das bordas do sepulchro teu, si foge, com os livros aconteça isso, se
Procura-te na luz do firmamento . . .
também com as creaturas se ob­
Procura-te nas sombras do passado serva 0 mesmo facto. Ha pessoas
E te revê foimoso, andando, a rir. cuja verve é sempre nova e en­
Antes do dia negro c malfadado...
cantadora; creaturas cujo espirito
E muita vez, ó desgarrado lyrio. não envelhece. Bemaventurados,
Ao aflãgar os teus irmãos ditosos, pois, os bons livros como a Inno-
E’s tu que afTago e beijo com delirio. . . cencia e bemaventurados as pes­
Mas de todos os quadros da lembrança soas que sabem encantar a todos
O (|uc mais faz meu coração bater com a eterna presença de seu es­
E’ o teu olhar de supplice confiança pirito sempre novo. E’ pena que
Tão poucas horas antes de morrer!
tanto os livros desse theor e as
P D A
k e s c il ia n a u a r te d e l m e id a
pessoas que possuem taes quali­
Janeiro de 1809. dades sejam tão raras !
A M knsagkira 41

0 carnaval este anno teve uma Só muita amizade ou muita va­


nova orientação. Caria arrabalde fez diação . ..
a sua festa, conforme ponde e so­
mente na terça-feira a cidade to­
O Lar Domestico de Vera Clc-
mou os seus ares festivos e luxuo­
scr, tem agradado extraordinaria­
sos para a passagem das très prin-
mente.
cipaes sociedades carnavalescas.
E ’ um livro util. Suas receitas
Assim é que deve ser. Cada
muito praticas provam bem. Vê-se
bairro deve ter seus clubs e suas
que a auctora é uma excellente
sociedades. Nós todos, inconscien­
menaghre. Aconselho a leitura do
temente, gostamos do nosso can­
Lar Domestico ás jovens noivas
tinho. K é por isso que a socie­
e a todos que se interessam pelo
dade do nosso bairro, a gente que
bem estar de suas casas.
comnosco toma diariamente 0 mes­
Nada mais agradavel do que uma
mo bond, que gosa do mesmo pa­
casa confortável e alegre!
norama, que compra nas mesmas
E Vera Cleser ensina, intelligen-
casas, que dança no mesmo salão,
temente, todos os meios de conser­
nos desperta maior sympathia, em­
var 0 encanto do lar.
bora sejam alheios ás nossas rela­
E ’ um livro esse que as donas
ções de amizade. E’ um caso de
de casa devem estimar muito e os
observação. Eu quando passeio pe­
homens, principalmeute, os homens
los outros arrabaldes, confesso, apre­
devem adoral-o. A mulher que se­
cio immenso a belleza e diversida­
guir a risca todos os salutares con­
de das variadas vistas e moder­
selhos de Vera Cleser, fará de seu
nas construcções, mas 0 intimo pra­
lar uma especie de paraizo, para
zer, comparável somente ao encan­
0 descanço e completa ventura do
to de estar em familia, conversan­
esposo.
do, á noite, em torno á mesa de
jantar, na verdadeira e unica feli­
cidade — a tranquillidade do lar Um sabio allemão acaba de pro­
— eu só encontro quando tomo 0 gnosticar que 0 mundo terá fim no
meu bond e venho para estes la­ dia 13 de Novembro proximo fu­
dos tão saudaveis e tão, formosos turo. Esse vaticinio tem feito mal
da incomparável Tijuca. á muita gente, que anda nervosa
Sahir da Tijuca para ir dançar e apprehensiva.
na Gavea; deixar as Larangeiras A m im ... não me abala. Com
para ir prosear no Pedregulho são 0 genio communicativo e alegre
cousas difficeis. que tenho, confesso que não me
42 A M ensageira

desagradaria este fim trágico e di­ E o pequenito dornia


vertido. tão ledo... talvez sonhasse,
talvez su’ alma vagasse
Todos juntos, que barafunda, San­
n’aquelle céu que entrevia.
to Deus ! !
Seria uma verdadeira festa fim Leve, leve a mãe cuidosa
de século e sobretudo muito ori­ na pura fronte infantil
pousanda a bocca amorôsa
ginal.
estampa um beijo subtil.
O Dr. Cruls affirma que haverá
apenas uma notável chuva de es- Os sonhos vôam, fugindo,
trellas cadentes. foge á terra o Paraiso;
desperta o anjo sorrindo...
No dia 14 de Novembro não
era o primeiro sorriso !
haverá mais duvidas a respeito e
Delminda Silveira
nós teremos então verificado qual
disse a verdade, se o sabio da
Allemanha, se o sabio do Rio de
Janeiro.
Literatos húngaros
M aria C lara da C unha S antos
(Notas)
A ’ Mensageira

Um húngaro, conhecedor da his­


toria literaria de seu paiz, cuidou
0 primeiro Sorriso de fazei-a também conhecida de
outras nacionalidades que sabem
No alvo berço mimoso
feito de vimes trançados,
pouco das letras daquelle paiz, ape­
sobre os folhos rendilhados sar do notável trabalho emprehen-
do travesseiro sedoso, dido ha tempos por M. J. Kont —
A Hungria literaria e scientifica,
o pequenito dormia
e publicado ha quatro annos.
qual entre as plumas do ninho
dorme o tenro passarinho Para tornar daquella obra um
ao findar de um bello dia. livro de leitura universal, o auctor
fel-o no idioma inglez, que é in­
Ao lado a mãe cuidadosa
contestavelmente uma lingua de pe­
o brando somno espreitando,
como a rola carinhosa netração e de diffusão.
ao pé do ninho pousando, 0 livro de Emilio Reich (o no­
me do auctor) é um bom resumo
fitava o meigo semblante
de uma literatura cujas origens se
do anjo seu adorado
qual fita o lirio no prado
perdem na edade media, porque
a linda estrela brilhante. póde-se fazel-as remontar aos can-
A M ensageira 43

ticos heroicos dos bardos húngaros de 1711 a 1722, o jquarto, final­


— os igrigecxek e os hegedo.sõk — mente, ou a «epoca de desenvolvi­
em memória dos altos feitos de At­ mento e da florescência» que ainda
tila e de Bleda, seu irmão, ambos não se terminou.
chefes dos Hunos. Como producção literaria das mais
Depois de um capitulo destinado notáveis do 2 ° periodo historico,
a pôr em evidencia a superioridade, cita-se uma excellente traducção
no ponto de vista literário, dos da Biblia, devida em grande parte
Húngaros, que têm uma lingua ori­ a Gaspar Károlyi; e mais — as
ginal, sobre os Americãnos, os Bel­ bailadas de Miguel Zrinyi e nume­
gas, os Suissos, e algumas outras rosas producções da poesia popular
nações ainda, que não a têm — o cujas fontes estão longe de se es­
auctor faz uma synthèse da historia tancarem ainda no seio do povo;
e da constituição politica da Hun­ no 3." periodo, em que a erudição
gria, e demora-se um instante em não impediu a decadência, a theo-
salientar os traços característicos logia e a historia foram os ramos
daquelle povo e de sua lingua. que deram fructos mais notáveis;
Assim se exprime o auctor: porém, no fim do século X V III e
«O Magyar assemelha-se muito, no começo do século X IX produz-
de um lado, ao Polaco e de outro se uma renascença vigorosa, sob
ao Hespanhol. O húngaro ama as a influencia immediata dos escri-
lendas poéticas; é enthusiasta; na­ ptores francezes, mas, apesar do
turalmente auctor e improvisador; tudo, puramente, caracteristi cam en­
tem uma sensibilidade extrema por te nacional.
tudo que toca a dignidade indivi­ Depois do rompimento da gran­
dual ou social.» de polêmica entre os clássicos, re­
Emilio Reich divide a historia presentados por Berszenyi e os ro­
da literatura húngara em quatro mânticos por seu campeão A. Kis-
períodos. O primeiro, muito pobre faludy, a literatura húngara liber-
de documentos, estende-se da che­ tou-se da imitação extrangeira e
gada dos Magyares na Hungria até produziu grandes obras originaes
a Reforma e comprehende os an- com os poetas épicos — Võrôs-
nos de 895 a 1520; o segundo — marty e Arany; os romancistas —
do começo da Reforma á paz de Jôsika, Estros, Kemény, que Emi­
Szathmar, que assignala o estabe­ lio Reich compara ao genio de Ho­
lecimento definitivo da dominação noré de Balzac; Jokai, cujas obras
austríaca, de 1520 a 1711; o ter­ foram vertidas em francez, e Co-
ceiro, ou 0 periodo de “ estagnação” . loman Mikszáth, que relembra, em
44 A M ensageira

seu genero, o americano Bret Harte;


0 critico Bajza; os poetas dramá­ 2)ois livros
ticos — Szigligeti, Madách e Csiky, (Ida Baccini)
cujos dramas são dignos de ser co­ (Do Jornal d’urna jocen esposa)
nhecidos em qualquer parte do Ha quatro annos sobre a minha
mundo civilisado, que os ignora in­ mesinha cheia, como sempre, de
teiramente e, finalmente, o illustre notas e de cadernos, estava um ve­
Petofi, cuja gloria se espalhou até lho livro de capa escura que tinha
fora de seu paiz, como a verda­ 0 titulo um pouco mystico de ‘‘Jar­
deira encarnação do genio poético dim Espiritual” .
da Hungria. Elle é, por assim di­ Era 0 livro de orações de que,
zer, 0 pae de uma linhagem de desde mocinha, se servia minha
poetas lyricos contemporâneos, que, mãe.
por seu ardor e talento, testemu­ Aquelle livro a tinha acompa­
nham a vitalidade e o futuro lite­ nhado aos pés do altar, entre as
rário do povo húngaro. alegrias da maternidade, entre as
Está conforme o original. dores da vida; aquelle livro foi o
E l.mano do V al seu conforto, o seu auxilio, o seu
guia fiel; e quando os soífrimentos
da idade não lhe permittirão mais
frequentar a igreja, ella passava
2)ois Oasis horas e horas no meu gabinetezi-
nho, desfolhando as paginas do seu
A Presciliana Duarte
livro querido.
Ha dois oasis no deserto extenso
Da nossa vida, onde se apagam dôres : E emquanto eu ideava historias,
Um, tem fontes e sombras e fulgores fabulas, novellas, fesbocetos, scenas,
Outro, o dormir no seio bom do Immense.
destinado tudo á dar-me um pouco
— Queimaste os pés n’esse brazeiro intenso ? de nome e um pouco de dinheiro,
Morres de sede? Um diz, tens agua e flores
Bebe ! Revive ! Esquece os amargores . . . ella se entretinha serenamente com
Eu sou o Amor, que a desventura venço. Deus, e lhe recommendava a doce
E o outro diz com voz sonora e calma: e laboriosa filha.
— Cançaste? Vem! desprende o pensamento Quando aquella alva cabeça des-
Deixa-o voar nas azas brancas d’alma.
appareceu para sempre, o velho li­
Acolhe-te a meu seio, e n’um momento vro ficou. Ficou entre as elegan­
Um somno dormirás que a angustia acalma.
Eu sou a Morte, eu sou o esquecimento. tes e mimosas edições, entre as
Adelina Lopes Vieira alegres gravuras dos jornaes illus-
M aria Clara da Cunha Santos trados, entre os papéis cheios de
1891. notas, de desenhos e de esboços.
A M exsagkira 45

E a vista (laquelle livro me sal­ Oh minha santa mãe ! Reza, para


vou em pensar ou escrever cousa que 0 ultimo livro em que pou­
que não fosse alta e honesta. sarem os olhos cançados de meu
Hoje um vivo meni)io alegra com filho, 0 encontrem puro, amoroso
suas graças infantis a casa solitaria; e bom, como o encontrão, hoje, as
hoje um elegante livrinho branco, grandes vogaes e as rudes imagens
pousa sobre a minha mesinha ao pintadas do cândido syllabario.
lado do velho livro de capa escura. Traducção do italiano.
Aquelle livrinho branco é o syl-
A doi.pho M alevolti
labario. Aquelle livrinho branco é
a esperança.

2)epois da batalha
Eil-o, triste e de pé, de sua tenda á porta.
Na planicie cessou o fragor da batalha,
E o silencio, por sobre essa paizagem morta,
Deixa agora cahir a pesada mortalha.

Espraia o olhar, e nada o seu olhar conforta:


Corre o sangue; do fumo esgarça-se a toalha;
O ar, um corvo, estendendo as azas negras, corta;
Por tudo uma tristeza infinita se espalha ...

De subito, o guerreiro, attehto, a face inclina


Para o lado em que, doce e piedosa, tu desces.
Morte, sobre o soffrer a tua aza divina!

Qual se, de longe, um triste e confuso ruido


De resfolegos e ais, de blasphemias e preces.
Lhe viesse ferir subitamente o ouvido . . .
Julia Cortines
46 A M ensageira

mino Carneiro, o denodado jor­


2)esolada nalista que tanto brilho e vigor
Beijando a cruz de rutilo rosário, tem dado á redacção do Paix. 0
Clotilde resa uma oração fitando illustre homem de letras assim se
O vulto de Maria no sacrario .. .
exprime sobre a joven cultora das
Dos belloS olhos vem se deslisando musas:
Um rosário de lagrimas luzentes, «A poetisa é quasi uma creança
Que cahe sobre seu collo se entornando. ainda; entretanto a sua intelligen-
Na posição que tomam os penitentes cia revela-se possante e vivissima
(Joelhos em terra, mãos entrelaçadas). nesses e outros bellos versos em
Envia á Virgem supplicas ardentes. que a espontaneidade suppre falhas
de lavor e de arte.
De pungente amargura repassadas
São as phrases, que, triste, balbucia
E’ natural de Pernambuco e ir-
Com o fervor das almas desoladas. man do Dr. Virgílio de Sá Pereira,
delegado na capital da União, jor­
Pede á clemente e divinal Maria,
nalista vigoroso e poeta.»
Testemunha da dor que a dilacera,
O balsamo que as magoas lhe allivia.
Escola de Pharmacia. — Com
toda a imponência realisou-se nes­
Supplica, resa, e soluçando espera. ta capital, a 13 de Fevereiro proxi­
Fitando sempre o augusto santuario,
mo passado, a installação da Esco­
A protecção da santa que venera.
la Livre de Pharmaei.a.i fundada
Beijando a cruz de rutilo rosário, por iniciativa do abalisado clinico
Clotilde pensa que tardar não deve Dr. Braulio Gomes.
O remedio que abrande seu fadario. Um dos nobres fins a que se
Beija a cruz do rosário e não se atreve destina a Escola de Pharmacia é
Beijar também a cruz que lhe foi dada . . . diplomar mulheres, formar pharma-
Acha a que tem na mão peqnena e leve ceuticas, conforme expoz no seu
E a que carrega por demais . . pesada. discurso inaugural o seu illustre
E d u v ig e s R. d e Sá P e r e ir a
director Dr. Braulio Gomes, acres­
centando que «e tempo de dilatar­
mos os horisontes para a activi-
dade da mulher: dar-lhes profis­
sões mais liberaes, mais intelle-
^otas pequenas ctuaes, mais e melhores elementos
Eduviges de Sá Pereira. — Desta para a lueta da vida-».
distincta poetisa publicamos hoje Fazer com que seus alumnos se
um formoso trabalho que nos foi dediquem ao estudo da nossa rica
gentilmente enviado por Bellar- flora, formar botânicos, formar cli-
A M ensageira 47

nicos, são também os grandes in­ gregação, duas salas com amphi-
tuitos da Escola de Pharmacia^ que theatro para aulas theoricas, e os
certamente deixará um marco mil- gabinetes de physica, botanica, ana­
liario na senda do progresso bra­ tomia, zoologia e geologia, etc.
zil ei ro. As matérias estudadas na escola
A ’ installação do futuroso esta­ acham-se assim divididas:
belecimento de ensino comparece­
Primeira Serie
ram as pessoas mais gradas da so­
1. ® cadeira — Physica, lente
ciedade paulistana, tendo sido pre­
José Eduardo Macedo Soares.
sidida a sessão pelo C.®' F'ernando
2. “ cadeira — Chimica inorgâ­
Prestes, illustre presidente do Es­
nica, mineralogia e hydrologia,
tado.
lente dr. Edmundo Xavier.
Além do Braulio Gomes, fi­
3. “ cadeira — Botanica (pri­
zeram brilhantes allocuções os D.”
meira parte) e noções de geologia,
Amancio de Carvalho, Valeriano de
lente Christovam Buarque de Hol-
Souza e Cândido Motta.
landa. Lente substituto o sr. Jorge
Damos os mais sinceros applau-
de Moraes Barros.
sos ao D.® Braulio Gomes, que mais
uma vez poz em evidencia sua gran­ Segunda Serie
deza moral, seus altos dotes de co­ 1. ^ cadeira — Chimica organica
ração e de espirito, e cujo nome e biologica, lente Pedro Baptista
se acha para sempre vinculado á de Andrade.
Maternidade de S. Paulo; e faze­ 2. “ cadeira — Zoologia e no­
mos votos para que da Escola de ções de anatomia e phisiologia,
Pharmacia só sáiam diplomadas se­ lente dr. Odilon Goulart.
nhoras que honrem em todos os 3. ® cadeira — Botanica, especi­
sentidos o nome da mulher bra- almente a brasileira, lente Alberto
zileira. Lõfgren. Lentes substitutos; dr.
«A Escola está situada á Ladeira Canuto Vai, Ignacio Puiggari, Joa­
de Santa Iphigenia, nos dois pavi­ quim Rodrigues de Andrade.
mentos do prédio numero 1, assim
dividido; no primeiro acham-se a Terceira Serie
secretaria, uma sala de aulas e os 1. “ cadeira — Chimica analytica
gabinetes de chimica analytica e e toxiologica, lente José PVederico
toxicologica, de chimica inorgânica de Horba.
e mineralógica, de chimica orgâ­ 2. “ cadeira — Pharmacia theo-
nica e biologica, e de materia me­ rica e pratica, lente J. F. Meira
dica; no segundo a sala da con­ de Vasconcellos.
48 A M ensageira

3.“ cadeira — Materia medica e


noções de therapeutica, lente dr. B Mensageira
Victor Godinho. Lentes substitu­ Recebemos o n.° 24 da Men­
tos: dr. Claudio de Souza Jun., sageira revista litteraria dedica­
João Baptista Rocha. Alfredo Au­ da á mulher brazileira de que é
gusto da Silva.
redactora D. Presciliana de Almei­
da. Com este numero completa a
Quarta Serie
revista o seu primeiro anno, pelo
1. “ cadeira — Ohiraica industrialque torna-se credora de todo o lou­
com applicações a pharmacia, len­ vor a sua redactora e as suas au­
te dr. Arthur de Mendouça. xiliares, que tanto se têm esforça­
2. “ cadeira — Hygiene e elemen­do e têm conseguido agradar pela
tos de bacteriologia, lente Luiz M. variedade e interesse dos trabalhos
Pinto de Queiroz. publicados em prosa e verso. Esta
revista é um esforço digno de ap­
3. ® cadeira — Historia e legisla­
plause.
ção pharmaceutica, lente dr. Aman­
(Do Jornal do Commercio, do Rio)
de Carvalho. Lentes substitutos :
dr. José Bonilha de Toledo e Amé­ — Com 0 n. 24, completou o
rico Braziliense Pilho. seu primeiro anno de existência a
Mensageira, revista litteraria dedi­
A directoria fica a cargo do dr.
cada á mulher brasileira, que se
Braulio Gomes.
publica nesta capital, sob a habil
0 curso pharmaceutico 6 dividi­
direcção de d. Presciliana Duarte.
do em très séries, comprehendendo
Na sua curta existência, a M en­
9 cadeiras; o curso do bacharelado
sageira já conseguiu captar as sym-
comprohende além das matérias das
pathias do nosso publico legente,
3 séries, mais uma quarte série.
não só pelo seu fim, como pelo
Devido ao generoso donativo dos
cuidado com que é redigida.
commerciantes srs. F. Baruel & C.,
Felicitamos a Mensageira, dese­
os gabinetes de pharmacia e chi-
jando que possa, por muitos annos
mica possuem todo o material pre­
aiuda, festejar seu anniversario.
ciso, tacs com o: um maguifico for­
(Do Commercio de S. Paulo.)
no de terra refractaria dentro a •
profusão de tubos de ensaia e gra­
duados, mátrazes, balões, retortas,
crystallisadores, apparelhos de de­
cantação, provetes, tubos de segu­
rança, capsulas, etc.»
São Paulo 15 de Abril de 1899 Anno II, N. 27

A M ENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Dlreotora — Presciliana Duarte de Almeida

F *ta t)lica -se no d ia 15 de cada m ez

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m e r o a v u ls o


a d ia n ta d o E n d e re ç o : R u a de S ta . Iphígenia, N . 57, R s. 1 $ 0 0 0

M m e . D r eyfü s
50 A M ensageira

Summario: — M.mf Dreyfus; — Recor­ A nós mulheres, a nós princi­


dação Fata], soneto, Narcisa Amalia; — palmente attrahe e impressiona a
Tio Job, conto, Ridelina Ferreira; —
Excelsa Gloria, poesia, Silvio de Almeida; personalidade desta mulher emi­
— Carta do Rio, Maria Clara da Cunha nente, tão dignamente soffredora,
Santos; — Riso pungente, soneto, Aurea encerrando no seu coração todas
Pires; — La tombe et la Rose, Nelson
de Senna ; — Sobre ruinas, poesia. Car­
as amarguras dessa enorme tragé­
valho Aranha; — A Moda, Ecila Worms; dia que se tem desenrolado na
— Ultimo Desejo, poesia. Helena de vida de Dreyfus.
Viveiros ; — Selecção ; — Constante, poe­
sia, Presciliana Duarte de Almeida; —
Pudessem os nossos corações in­
Isa, poemetos em prosa, Eurico de Goes ; fluir no novo inquérito que vae
Notas pequenas. abrir a Côrte de Cassação sobre o
capitão Dreyfus, e provada seria a
Mme. 2)reyfus sua innocencia. .. e certa seria a
sua Victoria...
Verdadeiro typo de esposa, acom­
panhando com heroismo e devota­
mente todo 0 prolongado martyrio
do companheiro amado, M.“ ®Drey­
fus tornou-se de ha muito o alvo
Recordação Í^atal
de uma grande sympathia univer­
sal ! E de outro modo não pode­ Destende essa mimosa envergadura.
Verso! Leve, transpondo os altos montes,
ria ser : M."*® Dreyfus, como a-
Sóbe I Assombra-te acaso a terra impura?
quella nobre Gertrudes Von der Mergulha, inteiro, nas celestes fontes !
Wart, suavisa com o seu grande
amor o infernal supplicio do con- Anima-te ! Esvoaça ! Olvida a escura
Gehena ! Choradas lagrimas não contes...
demnado da Ilha do Diabo e, ten­
— Porque prantos cantar, se é em festa a altura?
do-lhe sido facultado o direito de — Se ha, bengali, rosaes nos horisontes?
desligar do seu o infamado nome
do marido, M.*"® Dreyfus, com a Mas — ai ! triste galé ! — quer o poema
De amor dos sóes surprendas, quer a casta
altivez e a elevação do seu im­
Rola por tua voz soluce e gema.
mense affecte declarou que para
sempre conservaria o nome do es­ Será comtigo a lugubre, a nefasta
poso extremecido. Nobre dedica­ Recordação, que arrasto como a ema
A aza partida pelo campo arrasta.
ção ! belle desprendimento ! que
N arcisa Amalia
mais uma vez vem provar que
«as desgraças são a pedra de to­
que do casamento», conforme o di­
zer de um grande moralista.
A M ensageira 51

Era elle ainda que ia procurar


0 Tio 5ob a lenha que faltava na cozinha,
A Maria Clara da Cunha Santos que ia regar a horta, 0 jardim, e
Conheci 0 Tio Job em uma fa­ assim não prestando para cousa
zenda onde eu costumava passar a alguma^ não tendo realmente ne­
estação calmosa. Deveria ter os nhum serviço certo, fazia todo e
seus noventa annos bem puxados, de todos. Diziam-no feiticeiro e
a julgar pela cabeça completamente por isso não era estimado.
branca, contrastando singularmente Chamavam-no hypocrita, fingido,
com a pelle preta e encarquilhada, e outros suppunham-no maluco
e a regularmo-nos pelo dictado; — porque elle vivia resmoneando
«negro quando pinta, tem très ve­ umas palavras inintelligiveis e per­
zes trinta.» Mal despontava 0 dia signando-se a todo momento.
era elle 0 primeiro que se levan­ Pobre Tio Job! Elle que não
tava da enxerga e tropego, cur­ fazia mal a ninguém e trabalhava
vado, com os olhos quasi sem luz, tanto !
lá ia limpar a séva, levar o ali­ Bebia 0 seu bocadinho, lá isto
mento aos porcos, varrer os arre­ era verdade, mas raramente; só
dores da casa, fazer emfim mil ser- quandu recebia 0 seu salario e ia
vicinhos, de sorte que quando os então comprar fumo para seu ca­
outros appareciam, já havia elle chimbo, unico amigo que se lhe
trabalhado bem. Ganhava menor conhecia.
salario que os companheiros por­ Mas a sua embriaguez era, ge­
que, diziam, era um preto muito ralmente, pacata, e si uma ou ou­
velho que estava ali mais por cari­ tra vez ficava fóra de si e não
dade que outra cousa, porém 0 aturava com a costumada paciên­
certo é que fazia tanto como os cia dos outros dias os dictos e
outros e ás vezes mais. implicâncias do seus companheiros
Chamavam-no para aqui, para era porque então mais grotesco
ali a todo momento, e elle sempre ficava 0 pobre velho e maiores
attente a tudo e a todos. Si ha­ eram as judiarias com que 0 per­
via café no terreiro, elle ia passar seguiam.
0 rôdo fazendo aquelles caminhos Lembro-me do uma noute em
tão certinhos e que tão belle as­ que elle tinha voltado tonto da
venda 0 fôra aquentar fogo junto
pecto lhe dão...
Si trabalhavam no engenho de- a uma fogueira de cascas de feijão
canna, era elle quem ia carregar batido n’esse dia.
para fóra 0 bagaço amontoado. A sua figura, com aquelle rosto
52 A MENSAGEraA

muito preto fazendo mil momices, 0 ouvindo 0 que dizia o negro


sentado junto ás chammas que n’aquella brutal linguagem, pegou
crepitavam ruidosamente illumi- de um chicote e dispunha-se por
nando-o com uma luz avermelhada, meio da ameaça ou talvez mesmo
parecia mesmo a de um d’esses de alguma lambada, a fazel-o re­
feiticeiros condem nados a perece­ colher-se.
rem queimados. Eu, que tudo presenciára da ja­
Os outros que cercavam também nella, tive um Ímpeto de revolta
a fogueira principiaram então a vendo que o pobre do Tio Job ia
atormental-o e um dizia: ser talvez castigado, sendo entre­
— Eh! Tio Job! estamos com tanto menos culpado que os ou­
vontade de jogar-te ahi dentro pa­ tros, e não pude conter-me que
ra ver-te dançar um pouco. Mais não dissesse:
adiante dizia alguém: — Não 0 castigueis, é tão velho
— Não sei quando queres lar­ e está bêbado...
gar a pelle, só assim nossos filhos — E ’ mesmo por estar bêbado,
não terão máo olhado. respendeu-me o fazendeiro, bebe,
— Nem nossa criação terá peste, bebe, e depois vem para cá fazer
accrescentava outro, que tudo isto disparates e dizer palavradas.
é arte d’este velho feiticeiro. Eu sabia que o negro gostava
O negro, entretanto, persignan­ de mim porque eu dava-lhe ni-
do-se e resmungando baixinho pa­ ckeis, pontas de charuto, que ajun­
recia nem ouvir o que lhe diziam... tava dos fumantes da casa, e fazia-
Então um dos do grupo apanhou lhe gorros de chitas vistosas; as­
uma palhinha incendiada e atirou- sim fiada na sympathia e respeito
lh’a. que lhe inspirava, pedi que me
Ahi, 0 pobre velho zangou-se deixassem ir ter com elle e acal-
deveras e levantando-se tão lesta­ mal-o. Desci rapidamente as es­
mente quanto lhe era possivel, cadas e, uma vez em baixo, vi
ameaçava com um páo aos que o que 0 Tio Job, completamente só,
atormentavam e desandou tremen­ pois seus companheiros ouvindo
da descompostura, não escolhendo a voz do patrão tinham se eclip­
os termos com que invectivava os sado, estava pocesso e nem sabia
seus perseguidores, inteiramente si 0 ouviam ou não.
inconsciente pela raiva e pela a- Confesso que tive meu medo
guardente que bebera. quando o vi n’aquelle estado, pois
Chegava á janella justamente eu mesma tinha minhas duvidas
n’esse momento, o dono da casa sobre a integridade da sua razão.
A M ensageira 53

mórmente n’aquelle momento, mas arredores da casa, quando ouvi que


0 passo estava dado e cumpria ir alguém fazia milho no paiol.
avante. Tendo-se quebrado o debulha­
Andando um pouco mais sem dor havia sido preciso, para acu­
comtudo acercar-me muito d’elle, dir ás necessidades urgentes da
gritei: Tio Job! Tio Job! fazenda, soccar uma centena de
A principio não me ouvio con­ espigas dentro de uma barrica,
tinuando a gritar e a gesticular, operação essa a que chamam —
mas depois como eu continuasse fazer milho — e que por ser um
a chamal-o, reconheceu minha voz, serviço imprevisto era executado,
e calou-se immediatamente enca­ já se sabe, pelo páo de toda obra
minhando-se para meu lado. — 0 Tio Job. Entrei no paiol
afim de apreciar esse curioso meio
Eu esperava- 0 entre receiosa e
de apromptar-se em pouco tempo
compadecida, então elle cahio n’a-
alguns alqueires de milho debu­
quella sensibilidade muito commum
lhado, e para não ficar inactiva
a certos ébrios, — o pranto — e
comecei a descascar as espigas
eu aproveitei para fallar-lhe com
que ia jogando na barrica onde o
doçura e obrigal-o a recolher-se
negro soccava com uma pesada
tranquille ao seu quarto, o que
mão de pilão.
consegui sem difficuldade.
O Tio Job parecia-me n’esse dia
Quando voltei disse-me o dono
menos aluado como o chamavam
da casa: quando fazia muita macaquice, e
— A senhora fez mal, este ne­ eu ouvia de bom grado as histo­
gro quando bebe é muito atrevido, rias que todo velno sempre tem
além de que é meio maluco, po­ para contar qualquer que fosse a
dia fazer-lhe alguma. sua condição ou instrucção. Elle
— E ’ verdade, repliquei, mas explicava-me como se preparava
levada pela piedade não reflect!; 0 café antes de serem inventados
entretanto não me arrependo por­ esses machinismos, dizia-me como
que me sahi bem. eram os engenhos, as senzalas, os
Tratámos de outros assumptos costumes; fallava-me da escravidão,
e no dia seguinte lá estava o Tio dos filhos que nunca mais vira e
Job no seu serviço, persignando-se da filha unica que tivera e que
e resmoneando as taes palavras agora só o procurava para extor­
inintelligiveis. Passaram-se alguns quir-lhe os parcos vinténs que ga­
dias. nhava.
Uma tarde passeiava eu pelos «Mas, accrescentava elle, esta fi-
54 A M ensageieí

lha póde fazer de mim o que qui- « angú para comer. Viviaraos fe-
zer porque eu a estimo mais que « lizes porque nem sinhô nem si-
a vida; criei-a eu só desde a idade « nhá eram máos, e trabalhando
de seis mezes, foi sempre cuidada « uns dias mais, uns dias menos,
só’ por mim e separei-me d’ella « lá iamos vivendo sem queixa do
sómente quando a vi casada.» — « captiveiro.
E ... a mai? perguntei. «U m dia voltava eu bastante
«A mãi? não sei, talvez tenha « cançado da roça, quando veio ao
morrido, talvez viva por ahi, o que « meu encontro um moleque que
sei é que soffri muito por causa « era o copeiro e disse-me:
d’ella e até hoje ainda soífro.» « Sabe, Tio Job, a Balbina vai
Eu estava n’este dia disposta a « amanhã para a Côrte criar um
ouvir as arengas do Tio Job, e « filho d’aquelle irmão de sinhô
percebendo que algo de triste es­ « que aqui esteve o anno passado.
condia elle n’aquellas meias pa­ « Eu nem ouvi o resto do que di-
lavras acerca da mãi da filha tão « zia 0 moleque; sem me lembrar
querida, e ainda mais notando com « que podia apanhar algumas chi-
que amargura fallava, propuz-me « cotadas do feitor, por ter sahido
conhecer a tal historia. « da fórma, fui correndo para a
Com mil rodeios, consegui que « cosinha onde encontrei a minha
elle me contasse o que se segue « companheira muito triste e cho-
e que eu quizera poder reprodu­ « rosa.
zir com a mesma linguagem sim­ « Eu, tremendo que nem podia
ples e eloquente do pobre preto: « perguntei: é verdade Balbina o
« — Minha companheira, sinhá- « que me disse o Justino agora
« zinha* era uma mulata muito bo- « mesmo ? é mesmo verdade que
« aita e trabalhadeira como nenhu- « vão te mandar d’aqui ?
« ma. Não andava na roça, não, « — Sim, Job, respondeu-me
« que sinhá não queria, era en- « ella, 0 irmão de sinhô escreveu
« gommadeira da casa, e muito « hoje uma carta pedindo uma ama
« querida de todos por ser atten- « forte e de bom genio para criar
« ciosa 0 obediente. « um filho, porque a mulher es-
« Nunca eu voltava de meu tra- « tava doente e não podia, então
« balho que ella não me desse « sinhô disse lo g o :
« algum doce, alguma comida bôa « Vai a Balbina que tem leite
« que as sinhámoças lhe davam, « de tres mezes, é forte e tem bom
Î e que ella guardava para mim « genio; sinhá perguntou si nossa
« sabendo que eu só tinha feijão e «filha ia também, mas então elle
A M ensageira 55

« respondeu que não, que o irmão « rosa. Meu sonhor disse-me as


« não queria ama com filho, que « mesmas cousas que já dissera á
« a criança qualquer outra ahi cri- « Balbina, mas eu não attendia a
« aria e que eu é que devia ir « cousa alguma, amaldiçoava o ca-
« porque era a unica que não tinha « ptiveiro, amaldiçoava a vida, e até
« mais filhos pequenos. « cheguei a desrespeitar sinhô que,
« Ah J ob ! eu estava engom- « ameaçando - me com ura relho,
« mando na saleta e ouvi tudo; o « disse que si eu fallasse mais
« ferro cahiu-me das mãos e eu « uma só palavra metter-me-hia no
« comecei a chorar muito, então « tronco até que Balbina tivesse
« sinhá e sinhô vieram e disseram « partido e eu não a veria mais.
« que haviam de olhar para nossa « Ouvindo isto, calei-me e cor-
« filha, que eu ia ser muito bem « rendo para minha senzala ahi
« tratada, que era por um anno só « fiquei a chorai’, beijando minha
« e que talvez até me dessem a « filha.
« liberdade. Prometteram-me mais
« As nove horas tocou silencio
« pedir ao irmão para dar-me uma
« e pouco depois chegou Balbina
« mesada e foi com esta ultima
« que sentando-se ao meu lado
« promessa que resignei-me a dei-
« procurava consolar-me e dar-me
« xar-to, pois eu penso que pode-
« coragem dizendo que um anno
« rei ajuntar dinheiro para com-
« passava depressa, e pedindo-me
« prar a tua liberdade, no caso da
« para cuidar da pequena.
« minha me ser dada.
« Fiquei como pateta, sinházinha, « Depois levantou-se e começou
« a olhar para Balbina que, ape- « de arrumar n’uma trouxinha umas
« zar de chorosa ao contar-me tudo « roupas que sinhá lhe dera para
« isso, parecia-me mais consolada « que ella apparecesse mais direi-
« do que na realidade mostrava e « tinha lá na Côrte. Emquanto
« fazia esses arranjos dizia-me que
« não sei que senti então dentro
« de mim, si era dôr, si era raiva. « ia criar a filha de ontro sim,
« mas que esse sacrificio seria bem
« Muito tempo estive em pé sem
« recompensado pois certamente
« saber que resolução tomar, de-
« ganharia a liberdade e meios de
«pois corri aos pés de sinhô e ro-
« obter a minha, e fallava tão cal-
« guei, e suppliquei que não me
«m a ... tão calma...
« separasse de Balbina, da mãi de
« rainha filhinha que só tinha tres « Eu olhava-a calado, sentado na
« mezes de idade, fiz tudo que meu « minha tarimba, e cada vez fica-
« coração pedia n’essa hora horro- « va mais triste vendo o quanto
56 A M ensageira

« estava ella resignada cora a par- «dentro d’elle o empregado de si-


« tida. «nhô e Balbina, a minha querida
«Erafim n’uraa raortal tristeza « companheira.
« passarara-se as horas d’esta noute, «Ahi, eu senti uma cousa na
« e quando eu ouvi tocar a sineta « cabeça como si tivesse levado uma
« para nos levantarmos e lembrei- «paulada, tudo andava á roda, eu
« me que era hora de Balbina «via dançar diante de mim a ta-
« aproraptar-se para seguir viagem « rimba, a senzala, rainha filha, tudo,
« com um empregado da fazenda «tudo, e cahi no chão.
« que ia acorapanhal-a, agarrei-me « Quando voltei a mim estava
« com ella pedindo-lhe que não « n ’uma casa muito bonita que eu
« fosse, que talvez si ella mos- «nunca tinha visto e não conhecia
« trasse má vontade não a obri- «ninguém ahi; comecei a reparar
« gassem a partir. Mas qual, si- «e vi uma porção de homens que
« nházinha, Balbina respondeu que «diziam e faziam tanta tolice que
« era captiva, que tinha obrigação «pareciam doudos.
« de obedecer, e não sei quanta «Quiz sahir e não me deixaram,
« cousa mais, mas eu bem que via «disseram-se que eu tinha vindo
« que ella estava com curiosidade «para ali doente e não podia sahir
« de ver a Corte e por isso mos- «sem ordem do medico.
« trava-se tão resignada. « A ’ tardinha, veio um homem
«Emquanto eu estava n’esta af- « todo vestido de preto a quem cha-
«flicação, veio o empregado bus- « mavam — doutor — então eu fui
«cal-a e ella então pareceu ficar «pedir-lhe que me mandasse para
« realraente triste e começou a cho- «casa de meu sinhô, que eu queria
«rar quando beijou a filha que «ver minha companheira e minha
«dormia socegadamente, e depois « filha.
« de abraçar-me sahio correndo por- «O doutor respondeu-me que eu
«que sinhô já gritava da varanda «tinha estado muito mal e que só
«que não se demorassem pois era «podería sahir d’ahi a oito dias, e
«tarde e poderíam perder o trem. « que ia escrever a sinhô para man-
«Eu fiquei sem poder mexer-me «dar buscar-me.
«de onde estava, parecia que meus «Tive ainda de ficar oito dias
«pés estavam pregados ao chão e « n ’essa casa que mais parecia uma
«fiquei estupidamente a olhar para « prisão, e no fim d’esse tempo veio
«a porta da senzala. Ouvi então o «0 troly da fazenda para levar-me
« barulho do troly e vi-o passar « d’ahi porque eu estava muito fraco
«defronte da rainha porta levando « e não podia andar muito.
A M ensageira 57

«Chegando em casa sinhô cha- «muito pequenina, porque depois


«raou-me e disse: «até ahi eu a levava, e ella foi se
« — Tio Job, você esteve bas- «criando bem assim mesmo sem a
«tante doente; ha tres mezes que mãi que... que nunca mais voltou.»
«está fóra d’aqui tratando-se, mas Interrompi pela primeira vez a
« agora está bom e dentro de al- triste narração do Tio Job, narra­
«guns dias poderá tomar conta do ção que eu ouvira com os olhos
« trabalho. marejados de lagrimas e pergun­
« — E Balbina, sinhô, como vai ? tei-lhe :
« — Balbina vai bem, está con- — E da Balbina que foi feito?
« tente; já vê você que não valia a «Não sei si morreu, respondeu
« pena ter feito aquelle escarcéo «o negro, não sei si foi vendida
«quando ella partio. «para mais longe, não sei nada;
« A estas palavras — quando ella «talvez que tivesse ficado livre e
« partio — foi como si tivessem «não quizesse deixar mais a Côrte
«arrancado alguma cousa que ain- «para viver na roça perto do Tio
«da me pesava na cabeça, e eu « J o b __
«lembrei-me então da separação a « Quando eu perguntava por ella
«que tinha sido obrigado, lembrei- «m e diziam:
«m e de tudo como si tivesse acon- « — Vai bem, vai bem, cuida da
« tecido na vespera, e comprehendi «tua vida que ella também está
«que a moléstia que eu tivera fôra « cuidando da sua, e eu ficava
«Ipor causa d’aquillo. « triste... triste... e por fim não
«Cahi a chorar muito, muito, «perguntei mais nada.
«pois quando eu chegára pensava « O tempo foi passando, sinhá
«ainda que ia ver a minha Balbi- «morreu, sinhô morreu, a fazenda
« na, sem me lembrar absolutamente «foi vendida, depois veio a liber-
«do que tinha acontecido. « dade, nós fomos uns para um lado
«Sinhô ficou com pena de mim « outros para outro e eu nunca mais
«e disse: «soube d’ella.
« — Vái, vái ver tua filha que « Minha filha está ahi quasi ve-
«está bem espertinha e tem sido «Iha, com filhos já grandes e eu
«cuidada mesmo por tua senhora. «nunca mais vi Balbina.
«Desde esse dia, nunca mais «E até hoje pela volta da lua,
«deixei minha filha sinão nas ho- «ainda soffro por causa d’aquella
«ras em que eu tinha de ir para a « doença que me levou á casa
«roça e isto mesmo emquanto era «grande — a cabeça anda á roda.
58 A M ensageiha

«e eu vejo minha filha pequenina


« n ’uma tarimba, e Balbina cho- Garta do ^io
«rando passar n’um troly ao lado
Março é o mez das almas reli­
«do empregado de sinhô.
giosas, das creaturas idealitas, que
« Entào eu rezo, I’czo e benzo-me
acreditam nas preces, confiam nas
«muitas vezes para afugentar os
orações e sonham com a vida
«espíritos que vêm atormentar-me,
eterna. E ’ o mez de S. José, o
«porque JBalbina já deve ter mor-
casto esposo da Virgem Maria, o
«rido, minha filha é quasi velha!
santo protector dos bem casados.
Levantei-me e encarei aquelle Muitas famílias piedosas celebram
martyr, victima dos horrores da 0 mez de S. José, rezando todos
escravidão. Só então eu compre- os dias ou todas as noites ora­
hendia porque elle murmurava e ções apropriadas para cada dia do
persignava-se mais quando o dizi­ mez de Março. A vida do grande
am aluado. Só então eu compre- santo é estudada sob todos os as­
hendia que o desgraçado estivera pectos por escriptores sacros de
doudo trez mezes em consequência real merecimento. E ’ uma devo­
do choque que soffrera. ção salutar que fortifica e retem-
Sahi do paiol com o coração péra a alma, dando-lhe fé e cora­
apertado e d’ahi em diante mais gem para soffrer os rudes golpes
piedado me inspirava o Tio Job, da adversidade.
mais meigamente eu lhe falLava, Desde creança acostumei-me a
principalmente quando o via per­ ver minha querida mãe rezar este
signando-se e ouvia-o murmurar mez com particular devoção.
as taes palavras inintelligiveis das Muitas pessoas sem fé e sem
quaes só eu agora sabia a signifi­ religião não acreditam na efficacia
cação ! ! ___
desta pratica tão simples e tão con-
Fazenda S. João da Barra, 20 de fortativa. Eu creio, felizmente.
Março de 1899. Para pensar que S. José não
K idelina F erreira existio, que não foi um santo vir­
tuosíssimo, que não foi o guarda
fiel da sagrada mãe de Deus, que
não foi 0 protector dos fracos e
dos desamparados, era preciso não
crer na Biblia, não crer na Igreja,
não crer na virtude, não crer em
Deus!
A MENSAQEffiA 59

0 que me admira ás vezes é resça e encontre o apoio indispen­


esta flagrante contradicção que te­ sável por parte da imprensa e das
nho observado : ha pessoas que pessoas ricas é o que desejo sin­
duvidam até da existência do ceramente.
grande »santo e acreditam entre­
tanto que existio Plutarcho, Ho-
méro, Socrates, Nero e uma infi­ «Puerilidades de um Macrobio»
nidade de creaturas, umas boas, é 0 titulo do decimo quinto livro
outras más, umas dignas, outras de versos do Padre Corrêa de Al­
abjectas, mas que délias todas te­ meida. Os versos quasi todos sa-
mos noticias, unicamente, pelos tyricos, são bem medidos e inte­
livros que ficaram, e pela Historia ressantes. O Padre Corrêa de A l­
que é 0 attestado da vida do pas­ meida abre seu livro com este pen­
sado. A crer nos sábios devemos samento de Nicoláo Tolentino:
crer nos santos. E ’ racional o meu
«Querem saber quem é velho?
argumento. E’ velho quem o parece.»

Isto justifica perfeitamente a posi­


ção do laborioso poeta, que sendo
O Dr. Moncorvo Filho communi- já adiantado em annos, conserva
cou á Sociedade de Medicina e todavia o espirito novo e são, ale­
Cirurgia do Rio de Janeiro a cre- gre e jocoso, prompto sempre para
ação, sob sua iniciativa e com o ciitica fina e delicada, que sem
auxilio poderoso da imprensa e de offender a pessoa alguma, mostra
um grupo de cidadãos caritativos, o comico de muitos acontecimen­
do Instituto de Protecção e Assis­ tos e de muitos personagens.
tência á Infancia. E’ um livro interessante, cuja
E’ inútil encarecer a utilidade leitura amena e desopilante, pro­
deste piedoso Instituto. E ’ uma voca, por vezes, gostosas risadas.
necessidade e um dever que todos
temos de amparar e proteger, na
medida de nossas forças, as crean- Na Igreja do Senhor Bom Jesus
ças desventuradas, sem tecto, sem do Calv^ario está exposto um qua­
pão, sem conforto e sem carinho. dro extraordinário, cuja belleza
O nome do illustre Dr. Moncor­ surprehendente arrebata e commo-
vo Filho ficará d’ora avante gra­ ve. E ’ a ceia do Senhor, o co­
vado em todos os corações sensi- nhecido quadro de Leonardo de
veis e amorosos. Que a ideia flo­ Vinci. Jesus e os Apostolos estão
6o A M ensageira

representados em tamanho natural. Ao fundo da tela vê-se Jerusa­


Ha muita vida e muito movimento lem n’uma onda de luz sonora e
nesse quadro. triste. Ha nesse grande quadro
As figuras parece que faliam, a todas as regras technicas da pin­
conspiração dos Apostolos é pa­ tura e toda a verdade e sdhtimen-
tente e Jesus, 0 doce e meigo Je- to indispensáveis em uma obra de
sús, tem nos lábios um sorriso de Arte.
resignação e nos olhos uns lampe­ 31 — Março — 1899.
jos de bondade. M arla C lara da C unha S antos

_C\ .4

^iso pungente
AIi! Não te rias, que teu riso abala
Todas as fibras de minh’alma ardente!
Ella se estorce convulsivamente,
Das grandes maguas percorrendo a escala!

Como o violino que soluça e falia


E geme e grita apaixonadamente.
Sob os dedos do artista intelligente,
Enthusiasmado n’um salão de gala ! . . .

Se ouve a rissida limpida e sonora


Dos lábios teus, ella estremece e chora,
Como o violino sob as mãos do artista!

Minh’alma é fraca, tímida e sensivel ! . . .


Cesse o teu riso — este martyrio incrível!
Que outra mais forte talvez não resista!
28 —3 —1809.
Awrea Pires

C_í.i
A M ensageira 6i

Ëxcelsa gloria
Era urn poeta lyrico espontâneo;
Mas, velho e entanguecido para os gosos,
Não mais accordes ternos dedilhava:
Só no alaúde tremulo chorava
Os tempos da Fortuna mais mimosos.

Tinha um aspeito grave e melancholico,


Uma expressão suave de desgosto,
Como quem, do viver na longa estrada,
Veiu vindo das névoas da alvorada
Para ós ensombramentos do sol posto...

A gelidez da lapide do tumulo


Dizia ser o derradeiro anhelo
Que formava no epilogo da sorte,
Porque suppunha que depois da morte
Um mundo havia, mais ditoso e bello...

Aos desencantos da experiencia ríspida,


Fôra perdendo todas, uma a uma,
As chimeras do espirito vivace :
Assim na areia fórma-se, e desfaz-se,
Um rendilhado ephemero de espuma!

Da gloria mundi a rutilante aureola.


De largo tempo havia comprehendido,
Era poeira d’oiro transitória . . .
Elle tivera a sensação da gloria
Uma só vez — contou-me embevecido:

«Foi quando, com timbrada voz melódica,


Ouvi alguém, de olhar piedoso e brando,
E que meu proprio nome não sabia,
Repetir entre lagrimas um dia
Singellas trovas que eu compuz chorando...»
1899 Silvio de Almeida
Ó2 A M ensageira

por este escripta no fim do século


ta Tombe et la ^ose*) passado e que se traduz-a Rosinha
do campo) resume o «mais puro
üm a das mais universalmeute
e fino classicismo».
conhecidas poesias do pontífice
Hugo, é a intitulada La Tombe et A formosa poesia hugoana tem
la Rose, delicadissima joia de sua a data de 3 de junho de 1837 e
corôa de vate universal. Diz so­ reza assim:
bre ella O sr. João Peres de Gus­ La tombe dit á la rose;
mão, illustre autor do Cancioneiro — Des pleurs, dont l’aube t’arrose
da Rosa: «Em França, o me­ Que fais-tu, fleur des amours? —
recido culto tributado ao poeta na­ La rose dit á la tombe;
— Que fais-tu de ce qui tombe
cional moderno Victor Hugo tem
Dans tou gouffre ouvert toujours?
vulgarisado de tal modo o seu apo-
logo La Tombe et la rose, que raro La rose dit; — Tombeau sombre.
será encontrar alguém de mediana Se ces pleurs je fais dans l’ombre
educação que não o saiba de cór», Un parfum d’ambre et’ de miel.
— La tombe dit; — Fleur plaintive,
e ajunta que no dito apologo se
De chaque âme qui ne’arrive,
epcarna o doutrinarismo, «si bem
Je fais un ange du ciel.
nelle se não prescinda do roman­
tismo convencional, que melhor
que a indole peculiar da poesia
Collige-se, facilmente, que este
franceza se deriva das condições
primoroso apologo, no qual cor­
pessoaes do autor da composição»,
rem parelha a grandeza do pen­
ao contrario de quanto succédé
samento com a finura da expres­
com outras notáveis poesias, na
são, teria de incitar os universaes
Inglaterra e Allemanha, onde The
admiradores de Hugo a traduzil-o.
last Rose of Summer (ultima rosa
Não são poucas as versões appa-
de verão) «representa a quintes­
recidas, na harmoniosa lingua de
sência do romantismo em sua for­
Cervantes; e 0 exemplo partio da
ma mais livre e popular,» e a
propria Hespanha, dado pelo poeta
Harderoslein de Goethe (canção
sr. Ramon de Satorres, de Sara-
goça. Na America já se contam
(*) 0 artigo é traduzido do hespanhol,
veio inserto nò Almanaque de *La Mujer^ algumas «traducções fieis em idio­
(1899) e firmado pelo nome do apreciado ma e versos castelhanos», como
escriptor chileno, sr. Clemente Barahona
Vega, de Santiago, que o dedicou á reda- sejam as da sra. Gertrudes Gomes
ctora da Revista La Mujer, dra. Leonor de Avellaneda e do sr. Jacintho
Urzúa Cruzat.
Nota do trad. Gutierrez Coll, ambos citados pelo
sr. Peres de Gusmão, no seu ci­ Gutierrez Coll, distincto literato,
tado livro Cancioneiro da Rosa, natural de Venezuela, que é tam­
em cuja pagina 75, tomo II, vem bém a patria de illustres escripto-
a versão da poetisa Gertrudes Go­ res da estofa de um Peres Ronal-
mes, a seu turno transcripta das de, de ura Rivado, de um Fejera
Obras Litterarias (edição de Ma­ e outros. Além destas imitações^
drid, de Rivadeneira, 1859) d;^ que o engenho de poetas do nosso
mesma eminente escriptora cubana. continente e raça creou, póde-se
De Gertrudes Gomes, denominada ainda citar a versão do afamado
a «Carnagueyana peregrina», fez homem de letras sr. Ricardo Car-
0 sr. João Nicacio Gallego o se­ rasquilla, que é «um dos bons e
guinte elogio: «Teve ella a pri­ harmoniosos poetas» da Colombia
mazia sobre quantas pessoas de (Nova Granada); o seu livro Co­
seu sexo hajam dedilhado a lyra pias Escolhidas, publicado em Julho
castelhana, no actual coino nos de 1881, com um prefacio do dou­
anteriores séculos.» A traducção to sr. J. Manuel Marroquin, traz
por ella feita é esta: á pagina 35 uma feliz imitação ou
traducção, como queira o leitor, a
«Disse o tumulo á rosa:
quem daremos a saborear, por fim,
— Que fazes, mimosa flor,
Do rocio que a alva formosa os dous trabalhos, o de Gutierrez
Verte em teu calix de amor? Coll e 0 de Ricardo Carrasquilla.
E provado assim ficará que La
E assim a rosa lhe responde:
Tombe et la Rose de Victor Hugo
— Que fazes, ó tumba sombria,
Do que o teu seio esconde tem dado margem a numerosas
E devora cada dia? composições, que dilatam pelo mun­
do em fóra a gloria do genial e
A ’ terra só dou perfume
enorme «bardo do século 19.®»
Com o orvalho matinal.
— Eu ao cèu da alma o lume N. de S.
Envio de cada um mortal!»
Traducção de Gutierrez Coll
(Conservando o hespanhol nesta e na seguinte)
Nota do trad.
Menos divulgada, e todavia muito «A la Rosa galana
bem feita, embora não siga, preci­ dijo la Tumba un dia:
samente, 0 original, que, como se « Que haces tú con Ias lágrimas que cria
en tu seno de virjen la mafiana ?»
v io, foi rigorosamente respeitado
Con voz que era una cántiga armoniosa,
pela inclyta compatriota de José
i ajitando su pétalo entreabierto,
Maria de Heredia e de Plácido de [le replicó la Rosa:
Matanzas — é a traducção do sr. — « ,iDo va el despojo yerto
64 A M ensageira

que en tu abismo recibes siempre abierto? »


— «Oye, i oh Tumba! yo hago
[de este fresco rodo 5obre ruinas
miei i perfumes en el pecho mio,
con que a Ias auras mis carícias p^o.»
I la tumba esclamó: — Flor jenerosa, Ninguém verá nos olhos meus, Senhora,
[yo soi almo consuelo; Algo do pranto amargo da saudade,
yo hago dei cuerpo que cayó en la fosa Nem no meu rosto a augusta magestade
el anjel puro, habitador dei delo.» Da dor fatal que o coração deplora.

Agora vejamos, no puro e sono­ Que importa a magua á esteril mocidade


ro castelhano, o original da tra- De quem não crê no amor, de quem agora
Busca na terra as illusões de outr’ora
ducção de Ricardo Carrasquilla,
Tacteando, cego, a muda escuridade ? !
dedicada a Rafael Pombo.
Póde passar a fementida gloria
Dijo a la Rosa la Tumba: Embalde! Pódem cantos de victoria
— « ^Qué haces tú, flor seduetora, Vibrar mil notas puras, crystalinas.
Con el llanto que la aurora
Suele en tu caliz verter?» Aspiro ao Nada, aos sonhos do Nirvana,
La Rosa a la Tumba dijo: Pois vale menos a existenda humana
— « i Que haces tú dei polvo vano Que a dnza negra e vil destas ruinas!
Que de la muerte la mano
Hace en tu abismo caer?»
n
— « Convierto el llanto en perfume,
Que, en alas dei manso ambiente, Olhando, triste, o illimitado espaço,
Ofrezco a Dios reverente — A vista aos ceus eternos levantando.
Respondió la hermosa flor. Clamo: — Porque não poderá meu braço
— « I yo — respondió la Tumba, Ir as nuvens intrépido rasgando?
Ese polvo inmundo i yerto
En mi seno lo convierto Sinto estalar num horrído fracasso
En ánjeles dei Senor.» Torreão gentil e o brado formidando
Dos Deuses, me acompanha passo a passo,
Cidade de Minas (Brasil) — fever.® 99.
Como ao Satan das lendas miserando.
Nelson de Senna
E surge no alto, Candida e maguada,
A lua, monja casta; enclausurada
Dos céus nas mudas cellulas sombrias

E eu vendo, em tomo, a luz que irapallidece


Soluço: — Acaso o velho Deus carece
Volver do peito meu as cinzas frias?
A M ensageira 65

III
rencia os homens não ficam pre­
judicados: elles têm mais vastas
Sim! Que me resta aos meus antigos sonhos?
aptidões para ganhai' a vida, e a
— Sómente o pó que as illusões deixaram.
prova é que na Inglaterra, na
As sombras da saudade me ficaram,
Sombras das Sombras de ideaes risonhos. França, etc., não se queixam de
usurpação, e trabalham como os
A fonte de onde as lagrimas brotaram d’aqui; quanto ás mulheres, com
Seccou, talvez, nos olhos meus tristonhos.
isso terão um recurso para se abri­
Se busco o abysmo e os pelagos medonhos
E’ que chorar não salva os que luctarara. garem, á sombra de um trabalho
digno e conforme as tendências da
Eis-me a sorrir nuns trêmulos escombroso sua vida passiva e sedentária, das
— O mundo externo — A cruz que trago
grandes refregas e perigos a que
aos hombros
Pesa-me como extranhos pesadelos. a pobreza obriga.
Crescerá talvez 0 numero de
Ah, como dóe sonhar entre minas familias, porque quantos rapazes
Envolto em véus gelados de neblinas,
deixam de a constituir por não
Sem o calor dos véus dos teus cabellos !...
aguentarem sósinho a carga, cada
(Cinerario).
Carvalho Aranha vez mais penosa, da casa?
Quantas mulheres veem passar a
sua mocidade e entram pela ve­
lhice, no desconforto de dependen-
cia, mirrando-se tristes, como a flôr
que não deu fructo, na sua esteri­
Vi Moda lidade de solteironas? Nem de
«o sr. V. Avellar fará no todas os encantos passaram des­
dia 16, no Congresso Com­
mercial, uma conferencia so­ percebidos, mas os homens que
bre a utilidade da escriptura-
ção mercantil, sobretudo para porventura os notaram tiveram me­
a mulher.*
do de deter-se e de casar, assu­
Esta noticiasinha, publicada no mindo uma responsabilidade que
principio deste mez pela Oaxeta^ os dias vão tornando cada vez
despertou em mim certo interesse mais tremenda, visto que também
e curiosidade. Em outros paizes, eram pobres e a miséria não é
sabemos todos, 6 commum verem- coisa que se deva ofierecer a uma
se moças empregadas na escriptu- mulher amada...
ração de importantes casas de ne­ Sem ares de pregar moral, coisa
gocio, e esse costume, parece-me, que seria, nesta secção futil, como
só pode trazer beneficio á socie­ um berro de elephante n’um con­
dade em geral. Com a concur- certo de canarios, eu sempre direi
66 A M ensageira

que ensinar as mulheres de uma


cidade como a nossa, de popula­ Ultimo 2)esejo
ção grande e pobre, a trabalhar e Eu quizera morrer em tarde amena,
a ganhar honradamente a vida é A fitar a amplidão.
praticar uma acção bonnissima e A briza me beijando a fronte ardente,
de nobre intuito. Que as sementes Na minha a tua mão.

caiam e depressa germinem. Ha


Preza no azul do céo a turva vista.
por ahi muitas moças, já habilita­ Ouvindo a tua voz.
das para professoras e que estão Já alheio a este mundo o pensamento
ás moscas, em situações precarias; Me fugisse veloz.
entretanto eis que se entrevê uma
No supremo estertor, no ultimo arranco,
carreira que lhes póde trazer alli-
Te ouvisse soluçar.
vio, e já sorriem, na espectativa. E do mundo fugindo, as impurezas
Adeus botinas rotas, saias esgarça­ Podesse eu olvidar.
das, mesa mal posta, ou... núa;
adeus lamentos da mãi velha ou Só de ti a saudade que levava
A mente me toldasse.
do pai enfermo; ellas poderão era
E que purificada nessa angustia,
breve talvez colher os fructos do Minh’alma ao céo voasse.
seu trabalho com boas auras de 2— 6— 98.
prosperidade. Assim seja. Sim, Helena de Viveiros
com toda a sinceridade eu repito:
assim seja, porque estou absoluta­
mente convencida de que a mu­
lher brazileira é, pela sua hones­
tidade, pelo seu critério, pela sua
actividade (tão menosprezada) e pe­
los seus bons sentimentos digna
5elecção
de todos os proveitos da civilisa- Ordinariamente a educação da
ção. coragem não se inclue na instruc-
(Do Paix.) ção que se dá ao sexo feminino,
E cila W orms
e entretanto ella é mais necessária
que a musica, 0 francez ou a geo-
graphia. Não pensamos como 0
sr. Ricardo Steele, 0 qual desejava
que a mulher se distinguisse por
uma certa timidez e inferioridade
que as torna amaveis; ao contra­
rio, queremos mulheres corajosas.
A M ensageira 67

afim de que tenham mais confiança A experiencia tem mostrado que


em si e sejam mais uteis e felizes. as mulheres são tão soffredoras como
Com effeito, a timidez não tem os homens nas mais duras provas,
attractive algum, e muito menos e no emtanto pouco se cuida de
póde ser amavel. A fraqueza, quer ensinar-lhes a supportar com ani­
seja physica ou moral, equivale a mo terrores frivoles e pequenos
uma deformidade, e apenas excita pezares; e estas insignificantes fra­
a compaixão. A coragem é bella quezas, quando não são combati­
e digna, ao passo que 0 medo, sob das, degeneram em sensibilidade
qualquer forma que se apresente, achacada e envenenam-lhes a vida,
é feio e repulsivo. Entretanto, a produzindo um estado de descon­
maior amabilidade e ternura são solação chronica tanto para si mes­
compativeis com a coragem. O mas, como para aquelles com quem
artista Ary Sheffer escreveu uma vivem.
vez a sua filha: «Querida filha, O melhor corrective desta con­
trata de ser corajosa e humana, dição do espirito é a boa moral e
porque estas são as verdadeiras a educação intellectual. A força
qualidades da mulher. Todos de­ mental é tão necessária para 0 de­
vem estar preparados para soffrer, senvolvimento do caracter da mu­
e ha só um modo de encarar a lher, como do homem, porque lhes
sorte, quer ella seja má ou boa, dá espirito necessário para obra­
que é portar-se sempre com dig­ rem vigorosa e efficazamente nos
nidade. Nunca devemos perder momentos criticos, e torna-as ca­
0 animo para não prejudicarmos pazes de dirigirem com acerto os
aos outros nem a nós mesmos. negocies da vida. O caracter da
Lutar, lutar sempre, é esta a he­ mulher, bem como 0 do homem,
rança da vida.» (*) é a melhor salvaguarda da virtude,
As mulheres são mais corajosas 0 mais poderoso auxiliar da reli­
e soffredoras na moléstia e nas gião e 0 corrective mais efficaz do
afflicções do que os homens. E ’ tempo. A belleza physica é tran­
proverbial sua coragem em assum­ sitória, porem a do espirito e a do
ptos em que 0 seu coração é in­ caracter augmentam em attractives
teressado : quanto mais envelhecem.
Ben Jonson apresenta a imagem
«Oh! femmes c’est à tort qu’on vous nomme
timides, de uma nobre mulher nas seguin­
A la voix de vos coeurs vous êtes intrépides.» tes linhas:
«Polida e amavel, despida do
(*) Vida de Ary Seeffer da sra. Grote,
pag. 154 e 155. menor orgulho ou vaidade, em seu
68 A M ensageira

peito devem abrigar-se as virtudes O que nos liga a idéa do passado


mais puras, e deve ter a alma va­ Ao sonho do porvir,
E’ o vasto mundo, occulto, constellado,
ronil e esclarecida, para bem di­
Que se chama sentir.
rigir a sua casa e os destinos de
sua fam ilia.» S. Smiles E, si não tosse o livro da saudade,
Onde fica immortal
Para as mulheres ó a brandura O poema da nossa mocidade.
a melhor maneira de alcançarem o Poema sem egual,
que desejam.
Que seria dos trêmulos velhinhos
M adame de M aintenon
Que a propria solidão
Doiram, lembrando os tépidos carinhos
A inveja é a admiração da ma­
Do velho coração?
levolência. M ad . R attazzi
Ail não bastára um dia passageiro
Para de amor falar!
Que até o nosso instante derradeiro
Vivemos para amar!
Presciliana Duarte de Almeida

Gonstante
Si, por cancaço ou por exquisitice,
Me não quize.‘<ses mais,
Eu te daria ainda, oh! já t’o disse, “ísa
Meus suspiros finaes!
(Poemetos em prosa)
E, na altivez do amor sincero e casto,
I
Ficaria a sorrir,
Até que o coração ferido e gasto Quanto te vi, ó Isa, pela vez
Chegasse a succumbir. primeira — lembras-te? — , nem
mesmo eu sei dizer-te o que se
Sei que o pezar nos mata lentamente,
Para provar que a dôr deu em mim! Foi como que o
Tem constância profunda, equivalente alvorecer de um sonho; foi como
A ’ grandeza do amorl que 0 florir da vida; foi como que
0 fortificar da ventura...
E ficaria impavida e tranquilia,
Olhando com desdem Hontem — desgraçado cego que
A volubilidade que anniquila eu era! — andava tacteando, qual
As almas para o bem! inconsciente peregrino os tenebros­
os chãos da Desventura; hoje — fe­
E depois, pezarosa morreria
Por te ver a chorar, liz illuminado! — vivo a extasiar-
Que os volúveis não podem alegria me, qual uma alma de eleito, ante
Nem luz na vida achar. as ineffaveis doçui-as do A m or...
A M ensageira 69

É que eu, outrera, não sonhava


— dormitava apenas; é que eu,
Kotas pequenas
outrera, não vivia — vegetava; ó Anna Caron — Esta distincta
que eu, outrera, não gozava — parisiense, habilitada para 0 ensino
softria ! do nosso bello idioma pelo Lycêo
As vezes, até, quero crer que de Lisboa, e professora de varias
antes de te ver eu não tivesse al­ linguas, dirige em Paris um Curso
ma, porque só a senti manifestar-se de Lingua Portuguexa^ que tem
em mim depois que 0 meu cora­ prestado relevantissimos serviços.
ção — outrera pêndulo impassível, O curso 6 gratuito e funciona na
hoje bússola mysteriosa — foi, afi­ «Association Polytechnique».
nal, tocado pela magica luz do teu Houve ultimamente nessa asso­
olhar ! ciação grande festa de distribuição
Mas, agora, depois que te vi, ó de prêmios, á qual assistiram o
Isa, agora .,. posso dizer que vivo, presidente da Eepublica e muitas
posso dizer que sinto, posso, em- notabilidades literárias e scientifi-
fim, dizer que amo ... cas da França.
E sonho... sonho, sim, perennal- 0 prêmio de honra da lingua
mente, porque a vida, quando se portugueza foi conferido ao Sr. Eu­
ama, nada mais é do que uma doce genio Berné e consistiu na obra
chimera, passageira embora, que se de Oliveira Martins O Principe
esvai no frio leito do sepulcro, em Perfeito^ ricamente encadernada, e
meio á infinda noite da Eterni­ offerecida por S. M. a rainha D.
dade... Amelia.
Si é verdade, como affirma phi­
lologo erudito, que «aprender uma
E si a vida, ó Isa minha, é um lingua extrangeira equivale a ad­
sonho; si foste tu, tu sómente, que quirir uma nova alma», não é me­
me fizeste entrever as douradas nos certo que vulgarisar a lingua
miragens desse sonho; si foi com em que escrevemos equivale a au-
0 ver-te que começou a raiar para gmentar 0 nosso horisonte espiri­
mim a alvorada do Goso... oh! — eu tual , engrandecendo os clarões
te peço! — não me abandones, não desse astro fugitivo que se chama
me tires a vida, não me mates a al­ gloria. E bem merece ser divul­
ma: deixa-me que te ame, deixa- gada a lingua em que escreve um
me viver, deixa-me sonhar!... Latino Coelho, um Guerra Jun-
1899 queiro, uma Maria Amalia, um Bi-
E urico de G oes lac, um Raymundo Corrêa.
70 A M ensageira

La Mujer — Com este titulo passar pelo profundo golpe de per­


veiu-nos ás mãos uma interessan­ der sua veneranda mãe, a Exma.
tíssima revista publicada em Curi- Sra. D. Maria Candida Rolim.
có (Chile) por las sodas de la A ’ talentosa poetisa e a suas
Academia^ e dirigido por Leonor distinctintissimas irmãs apresenta­
Urzúa Cruzat. mos sinceros votos de pezar.
0 n.° que temos á vista traz na
capa 0 retrato de Mercedes Maria
Recebemos e agradecemos: —
dei Solar, presidenta da Academia,
Almanach Popular Braxileiro para
e um variadissimo texto, pelo qual
1899, que traz o retrato do mallo-
podemos avaliar do adiantamento
grado poeta Théophile Dias, com
espiritual e da suave poesia que
uma bonita biographia devida á
aformosea a alma das chilenas.
penna de AfFonso Celso Junior e
Agradecendo a visita de La Mu-
escolhida parte literaria, que muito
jer^ retribuiremos a sua gentileza e
abona a esthetica de seu orgaisa-
exultamos ao ver que as filhas da
dor, o Sr. Alfredo F. Rodrigues;
America meridional vão se elevan­
do á altura do século em que vivem. — Almanach de Juix de Fóra,
com variada parte recreiativa, tra­
0 Archlvo lllustrado — Para os balhos dos mais conhecidos escrip-
que, nestes tempos de desanimo e tores mineiros e os retratos do
pessimismo, ainda se dão ao luxo Padre Corrêa de Almeida, Aureâ
de procurar distracções superiores, Pires e Dr. Augusto de Lima. Es­
temos uma grata noticia a dar — te almanach que já está no 2.°
0 apparecimento de uma revista anno é feito sob a habil direcção
semanal, — encyclopedia noticiosa, de Heitor Guimarães;
scientifica e literaria, — que bre­ — A Meridional, revista inter­
vemente será destribuida nesta ca­ nacional, director Elysio de Car­
pital, tendo como editor Oscar Mon­ valho, secretario Carlos D. Fernan­
teiro e como redactores e collabo- des. E uma publicação que appa-
radores uma pleiade dos mais bri­ receu no Rio de Janeiro e da qual
lhantes talentos da Paulicéa, — á 0 l.° numero vem cheio de chispas
frente dos quaes se acha o Dr. de luz e phantasia, apanagio da
Manuel Viotti. nova escola a que se filiam os
Aguardamol-a com interesse. talentos de seus redactores.
A Meridional traz os retratos de
Pezames — Zalina Rolim, a ex­ Cruz e Souza, de Decio Villares e
celsa cantora do Coração, acaba de de Stéphane Mallarmé, declarando
A M ensageira 71

que este retrato, «mais do que um dirigida pela illustre patricia Pres-
programma, é um desafio!» ciliana Duarte de Almeida, nome
A ’ nova revista desejamos vida assáz conhecido na litteratura na­
longa e prospera. cional, ornada de bellas poesias e
— Santos Illustrado^ n. 1, 2 e interessantes artigos.
3, revista critica literaria, cheia de E ’ elegante e bem impressa.
verve e de bons retratos, entre os (Da Oaxeta de PetropoUs.)
quaes figura 0 do talentoso pintor
paulista Benedicto Calixto e os das Reappareceu «A Mensageira»,
nossas collaboradoras e laureadas bella e artística revista litteraria,
poetisas Francisca Julia da Silva dirigida nesta capital pela talen­
e Ibrantina Cardona. tosa e esforçada escriptora sul-mi-
neira — d. Presciliana Duarte de
Almeida, que, no nosso meio, de
um verdadeiro inauditismo litte-
rario, consegue, pela só punjança
de sua vontade, manter um maga-
Jk Mensageira xine mensal, tão artístico e bem
feito como 0 seu.
Temos a notar, com satisfação, O presente numero (25 do 2.®
a visita da «Mensageira», n. 25. anno) traz selocta e variada colla-
Com este numero entra em seu 2.® boração, subscripta por dd. Maria
anno de existência esta interes­ Clara, Adelina Lopes, Aurea Pires,
sante revista litteraria, publicada Candida Fortes, Presciliana Duarte,
em S. Paulo, na qual refulgem os Guiomar Torrezão, Georgina Tei­
nossos mais cultivados talentos fe­ xeira e pelo sexo... feio — Silvio
mininos. de Almeida, Heraclite Viotti (que
Com quantidade mais augmen- é um feio a meu gosto, mas um
tada de paginas, «A Mensageira» poeta de futuro) e Nelson de Senna.
traz um summario bastante extenso Como se vê, figura naquella re­
e attrahente, onde 0 leitor encon­ vista 0 escól do feminfsmo littera-
tra muito em que deleitar-se ante rio brasileiro, ao lado de rapazes
a mais variada e agradavel leitura. de talento.
(Do Estimulo^ de Santos.) Aos bons apreciadores de boas
lettras recommendamos calorosa­
Recebemos e agradecemos a mente «A Mensageira», principal­
«Mensageira», n. 25, revista litte­ mente aos litteratos mineiros, tão
raria dedicada á mulher brazileira. arredios da imprensa paulista. Va-
72 A M ensageira

mos. meus nobres confrades, uma de poesia de Aurea Pires assim


assignatura d’ «A Mensageira» vale intitulado, acompanhando um re­
bem 12$ ou, ao menos, mandem- trato da autora; '
lhe alguns... contos. Parabola oriental, conceituosos
E, para terminar estas ligeiras versos de Silvio de Almeida, bor­
notas, não resisto á tentação de dados sobre um assumpto de cuja
transcrever para aqui o bello so­ philosophia incidentemente se apro­
neto de Candida Fortes, poetisa veitou Tolstoi na sua obra Minha
rio-grandense. confissão ;
Abnegação, interessante conto, e
Eil-o :
Carta do R io, graciosa chronica
«A Mensageira». fluminense, ambos lavra do Maria
Clara da Cunha Santos;
Bonito, não acham? Pois, como Descrença, soneto de Oscar
esse, figuram outros camafeus na d’Alva.
apreciada revista. Literatos húngaros, notas biblio-
Meus parabéns a d. Presciliana graphicas, por Elmano do Yal (Ma­
e ás lettras. nuel Yiotti);
B raz C dbas . Sobre um tumulo, sentida poe­
(Bo Correio de Minas, de J. d. Fóra.) sia de d. Presciliana Duarte de
Almeida;
Temos sobre a mesa: Dois livros, phantasia, traduc-
«A Mensageira», revista dedi­ ção de Adolphe Malevolti;
cada á mulher brazileira, n. 26, Dois oassis, bonito soneto de
anno II. Adelina Yieira, era collaboração
Magnifico o presente numero, com Maria Ciaria;
tanto pela abundancia de traba­ Depois da Batalha, primorosos
lhos inéditos, como pela valia Hte- versos de Julia Cortines;
raria dos mesmos. Desolada, tercetos de Edwiges
Conta: Pereira.
Flocos de neve, juizo critico de
(Da Cidade de Campinas.)
Arthur Andrade respeito ao livro
São Paulo 15 de Maio de 1899 Anno II, N. 28

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direstora — Presciliana Duarte de Almeida

F *Lit> lica = se n o d ia 15 d e c a d a m ez
P agam ento 1 Preço da assignatura, 12$000 por anno i N um ero avulso
adian tado 1 E n d e re ço : R u a de Sta. Iphigenia, N. 57. | Rs. 1 $ 0 0 0

Suinmario: — Guiomar Torrezão, Julia solitariamente as ruas de Lisboa,


Lopes de Almeida; — Uma reliquia, so­
neto, Luiz Pistarini; — Canção, Arthur
aos solavancos de um carro infe­
Andrade; — Mentira piedosa, conto, Ma­ rior e apressado até ao cemiterio
ria Clara da Cunha Santos; — A morte onde 0 sol no poente lhe deitou
de Christo, soneto, Silvio de Almeida; —
A alma e a morte, Elmano do Val; —
em cima, como um consolo, o seu
Sempre o amor, soneto, Oscar d’Alva ; — regio manto de purpura e de ouro.
A noiva, Adelina Lopes Vieira; — Flo­
Não digo que ella merecesse
res d’alma, poesia, Maria Jucá ; — Selec-
ção; — Concilio das maguas, soneto. Per­ grandes necrologias, discursos á bei­
petua do Valle; — Carta do Rio, Maria ra tumulo, e grinaldas, como se
Clara da Cunha Santos; — Vesper, poe­
fôra duqueza, nem acompanha­
sia, Delminda Silveira; — Com ares de
chronica, Maria Emilia ; — A invenção da mento luzidio e faustoso; nem isso
renda, ?; — Sombras, soneto, Presciliana lhe valera, nem a minha sentimen­
Duíwte de Almeida; — Notas pequenas.
talidade é tamanha a ponto de ce-
gar-me o entendimento. Nunca a
Guiomar Torrezão julguei com direito a tudo, mas
Em mim as impressões não pas­ nunca imaginei também que lhe
sam depressa; dada a vibração, dessem tão pouco.
fica-me no peito um echo tristís­ Porque, afinal de contas, o logar
simo que a repercute por longo que ella deixou na litteratura por-
tempo, diminuindo com tal doçura tugueza nenhuma outra escriptora
de intensidade que mal percebo 0 preencherá com tanta febre, tan­
quando expira... ta dedicação, tanta actividade e
Entretanto, a morte de Guiomar tão complexos recursos. Aquella
Torrezão já se teria desvanecido foi uma que soube sofPrer sem ver­
talvez, da minoa magua, se eu não gar, que venceu luctas e sacudiu
percebesse pela pobre finada uma injustiças, que batalhou como um
certa indifPerença ingrata. forte, e que nunca da Vida teve
Em um jornal li eu, que o seu a palma a que o seu esforço, e a
caixão desguarnecido atravessou sua tenacidade faziam juz.
',1 74 A M knsaȔkira

Pobre Guiomar, não chegou a sobre o meu primeiro livro. Ella


ser a doce velhinha tal qual fôra morava num segundo andar da
a mãe, por quem ella consumiu Rua de S. Bento. Vejo ainda o
todo 0 vigor da mocidade e que seu escriptorio amplo, bem illumi-
a recebeu naturalmente nos hum- nado por duas largas janellas, com
braes divinos, com a bençam e o muitas plantas naturaes e objec-
beijo reparadores das torpezas do tos de arte, quadros e retratos com
mundo. rasgadas dedicatórias de apreço.
Culpas, se as tinha, levou-as re­ Estavam alli, na secretária as fo­
midas por enormes dissabores e lhas dos seus originaes, de lettra
terríveis cançaços. deitada e firme, aquella lettra que
Caminhando entre vozeria de lhe dava o pão e o tecto e a fa­
gente desejosa de lhe estraçalhar a ziam 0 unico amparo da mãe se-
reputação, sem o apoio da familia, xagenaria.
de quem se viu chefe porque era Guiomar Torrezão, enorme e flam-
a mais forte ou a mais corajosa, mejando no seu vestido vermelho
sósinha, pobre, energica e saudavel, que lhe resaltava a brancura das
ella não se vingava nem parecia faces, rocebeu-me com a graça e
guardar rancores; e a sua penna a bondade que eu já lhe adivi­
n;acia e loira, porque havia sem­ nhara.
pre um pouco de sol nos seus es- Perguntou muito pelo Brasil,
criptos, era mais propensa ao au­ num desejo sincero de o conhecer
xilio amavel do que a retracção bem.
egoista ou á censura antypatica. Elle animava a minha timidez;
È isso 0 que deduzo dos seus queria um pouco da minha histo­
trabalhos, feitos á pressa, no fulgor ria; eu devia narrar-lhe como se
da ideia e do sentimentos, sem as vive e como se pensa na minha
correcções impertinentes do estylo, terra. Exigia na sua maneira de
porque o tempo voava e era com artista, um esboço da nossa socie­
idéias e pennadas que ella enchia dade. Eu lamentava não o poder
os armarios e fazia subir fumo da fazer, sentindo estar em frente, não
chaminé da sua casa. de uma escabichadora vulgar, mas
A lufada que a fez cahir devia de uma intelligencia superior, de
de ter sido rija; era uma mulher uma corajosa luctadora da vida,
forte, em sentido absoluto. para quem o sentimento alheio não
Visitei-a uma vez que estive em 6 um ponto de curiosidade vã.
Lisboa, ha uns onze annos. la Bem longe vae esse tempo, que
agradecer-lhe um artigo generoso. os dias voam ligeiros.
A :\i ENSAGKIRA 75

Da minha ultima viagem, oito particulares. A proporção que o


annos depois, já a visão da Guio- seu nome tomava vulto, deixava
mar não é com certeza a mesma. ella essas licçoes para acudir aos
Em vez do vestido escarlate, acenos tentadores da litteratura, que
vistoso e rutilante como uma fan­ cultivou sob todas as formas: ro­
farra, e dos seus cabellos escuros, mances, contos, versos, polemicas,
e do canto do seu escriptorio per­ theatro, critica, etc. Redactora de
fumado a flores frescas, vi num jornaes o Diário Illustrado de
angulo de rua enlameada pelas Lisboa, outro de Modas editado
chuvas do inverno, uma Guiomar em Paris e de que me não lembra
Torrezão vestida de lã sombria, 0 titulo, ella mantinha pontualmente
com uma capa de velha e um cha­ as suas correspondências para jor­
péu mal posto sobre a cabelleira naes da provincia e também para
grisalha... alguns jornaes do Brazil, como o
Decididamente esta vida de let- Diário Popular de S. Paulo, diri-
tras é infecunda para as mulheres. rigindo ao mesmo tempo o Alma-
Cruzámo-nos, ella não reconheceu nak das Se?ihoras com longas bio-
em mim a menina timida de ou- graphias e desenvolvida parte litte-
tr’ora e eu só a reconheci quando raria, e traduzindo para o theatro
m’a apontaram. Tive um sobre- peças francezas ou hespanhol as,
salto maguado... mas centinuei quando as não fazia originaes.
meu caminho. Dos seus romances é sempre ci­
Depois fallaria... mas esse de­ tado como dos melhores — A Fa-
pois, para quem viaja é quasi sem­ milia Albergaria — entre outros
pre nunca mais ! que mereceram attenção de bons
leitores; Flavia^ o ultimo, creio eu,
foi recebido com applauso sincero.
No seu Idyllio á ingleza grosso
Como escriptora Guiomar Torre­ volume de contos, revela graça e
zão foi infatigável, começou cedo, mão leve para tratar de assumtos
e nem por isso se revelou cançada. ligeiros, de psycologia a dois tra­
Nos primeiros tempos, não po­ ços; em Paris, livro de impres­
dendo viver só da litteratura, cuja sões, esboça com felicidade rara,
carreira encetou com um romance a silhoïiette de notáveis escriptores
— Uma alma de mulher^ — se francezes contemporâneos: Alexan­
me não falha a memória, dedicou- dre Dumas Filho, Victor Hugo,
se ao magistério; dava licções de Mme. Adam, Mme. de Rute, e das
portuguez e de francez em casas escriptoras parisienses: — George
?6 A M ensageiua

de Peyrebrune, Delavüle, Jeanne jam de quem viva das lettras num


Thilda e muitas outras com quem paiz de illettrados. ..
conviveu, cujos salões frequentou Fialho de Almeida fez justiça a
e de que nos deu claro e gracioso Guiomar Torrezão em um artigo
desenho. É o Paris litterario que em que a pennadas rijas sacudiu
ella nos oíferece na sua prosa dou- para longe os doestes com que
dejante e clara. muita gente apedrejava a escri-
Certamente que de tanta e tão ptora. Não sei se ella teve muitas
febril actividade não podem ter dessas defezas; creio que não, mas
ficado livros perfeitos. A pressa essa com certeza bastou-lhe para
arrasta a penna por incidências de recompensa de muitas amarguras,
correcção de estylo e de linguagem de que se não queixava.
que só 0 vagar e a paciência cor­ Não bastaria isso para a tornar
rigem, mas vagar e paciência ar­ syrapathica?
tística, não são coisas que se exi­ J ulia L opes de A lmeida

Uma religuia Ganção


A Coelho Netto A lua surge oscillante
Acho-te, emfim, mimosa luva, — agora de umas nuvens carregadas,
Rôta, senil, tão feia e tão judiada! como uru immenso diamante
— Quanta vez, no entretanto, em ti calçada, sobre rochas amantoadas.
Não apertei a sua mão outr’ora!
E vae vencendo, vencendo
Essa, por quem, talvez ha um anno, usada todo o espaço immenso e vago,
Foste, e que foi tua gentil senhora. como uma garça se erguendo
Velha te achando, é natural, que fóra das aguas quietas de um lago...
Te houvesse, um dia posto, oh maltratada
E como a lua emergindo
Luva! Entretanto eu quero-te commigo! das nuvens tempestuosas,
Doce reliquia, — no mais casto abrigo serena, branca, sorrindo,
Que, em casa houver, heide guardar-te, visto cheia de luz e de rosas,

Que tu me trazes a lembrança amena tu surges formosa e calma,


D’aquella mão tão branca e tão pequena, de uma alvura scintillante,
Que ella deu-me, no Altar, junto de Christo! da escuridão de minh’ alma
(Do De ÍAito) como um immenso diamante ...
ÍAiix P istarin i Arthur Andrade
A M ensageira 77

Alice tanto soffreu, tanto chorou


Mentira piedosa 1
que seus olhos perderam o primi­
(A’ Clara Maria Vilhena da Cunha)
tivo brilho e tornaram-se doentes.
Quando, em uma noite chuvosa O medico bem a avisou, bem
de inverno, exhalou o ultimo sus­ lhe disse que as lagrimas ser-lhe-
piro 0 joven e esperançoso enge­ iam funestas, mas a pobre só en­
nheiro Jayme de Azevedo, houve contrava consolo no pranto que
quem receiasse também de sua com­ aliviava o coração e abrandava o
panheira, a idolatrada esposa, que seu desespero.
havia 8 mezes apenas unira ao Quando nasceu a filhinha —
seu destino o destino do eleito de uma formosa menina de olhos cor
su’alma. de saphira e de cabellos doirados
A dor da cruel separação quasi — já Alice cegára, não distin­
a matou, tornando-a inerte, aca­ guindo nada. A noite e o dia
brunhada, envelhecida! eram eguaes para ella!
Oito mezes de ventura ininte- Novas lagrimas vieram aos olhos
rupta que passaram velozes como da pobre viúva, eram de pena e
0 voo celere de uma andorinha de tristeza de não poder ao menos
travessa. Rápidos momentos de enchergar a filha, que lhe diziam
felicidade! todos ser o fiel retrato do pae.
Foi uma morte repentina e brus­ — Se eu ao menos pudesse vêl-a!
ca a do engenheiro, com a qual suspirou a desventurada mãe quan
ninguém podia se consolar. do a beijou pela primeira vez.
Ha creaturas que parecem ter Alice vivia em companhia de
direito á vida... A saúde, a mo­ sua mãe, senhora distincta e cora­
cidade, a alegria e o enthusiasmo josa, boa e resignada.
do joven engenheiro davam-lhe Uma manhã, quasi que repen­
uma especie de garantia contra a tinamente a creança morreu nos
morte. E tudo em um só mo­ braços da avó. depois de poucas
mento se dissipou como um suspiro horas de doente.
que se perde no espaço... Um caso fulminante, quasi.
Alice, a joven viuva, teria quan­ Esiavam no mesmo aposento a
do muito 18 annos quando perdeu cega e sua mãe, quando a creança
seu companheiro de existência. morreu! A velha comprehendeiL
Estava á espera de um filhinho de prompto o horror d’aquelle mo­
que d’ahi a dois mezes devia nas­ mento e aftectando calma e natu­
cer para alegrar aquella casa, aben­ ralidade foi deitar no bercinho a
çoando a ditosa união. creança ainda quente, para longe
78 A M ensageika

da filha deixar o seu coração em A mãe de Alice — quasi su­


liberdade, chorar á vondade, e ga­ ccumbida pela desgraça que lhe ia
nhar forças para tamanho golpe. em casa, pedio a creança ao pobre
Admirável poder da vondade ! páe e contou-lhe toda a historia
admiravel heroismo de um coração de sua filha. — Se me dás tua fi­
de mulher! lhinha, leval-a-hei n’este instante
A céga pedio a filha, queria para o berço que váe ficar vazio,
beijal-a. E beijou-a duas vezes 0 berço de minha netinha, que
dizendo, com pena, não querer des­ Deus chamou para o céo.
perta l-a. E 0 pobre accedeu. Que fazer
A pobre senhora quando sahio em semelhante situação ?
do quarto da filha, chorou deses­ Elle bem sabia que a creança
peradamente; não tinha coragem encontraria o conforto que elle ja­
para contar a verdade áquella mar­ mais lhe poderia dar.
tyr de 18 annos!
E allucinada quasi, vencida pela Voltou a velha menos aôlicta,
dor, pelo infortúnio, sahio como menos chorosa, trazendo aos braços
louca para casa de uma visinha a creancinha envolvida em uns
amiga. trapos miseráveis.
Em caminho ouve o gemido lan­ E 0 berço não ficou vazio!
cinante, 0 soluçar de uma creatu- Muito silencioso, sem o menor
ra que parecia succumbida de dôr. barulho, realisou-se o enterro da
Pára, escuta e ouve distinctamente formosa creança.
os lamentos de um pobre homem Como estava linda, dir-se-hia que
que acabava de perder a esposa. sonhava!
Entra quasi que impellida por A céga dormio a sua sésta ha­
uma força sobrehumana, n’aquella bitual, accordando com o choro
casa tão triste! da creança. — Quero beijar minha
No meio das lamentações do filha, disse, quero beijar minha fi­
pubre homem o que mais o pre- lha. O beijo, cotinuou ella, ap-
occupava era a sorte da filhinha — proxima-me mais deste anjo, que
um anjo que lhe deixára a mulher é hoje a minha unica esperança.
e que só tinha um mez de edade. Ah! se ella morresse... eu sei que
— Que hei de fazer desta cre- morreria também!»
ança? digam-me por favor, excla­ Por coincidência tinha os olhos
mava 0 desventurade páe! azues e os cabellos doirados, a
Ha sympathias na dor como na creança bemdicta que veiu habitar
felicidade! 0 berço vazio e povoar de espe-
A M ensageira 79

ranças o coração dolorido da jo- Nessa noite o serão prolongou-se,


ven viuva. a musica tem o poder mágico de
Com 0 correr do tempo, havia de fazer o tempo voar.
vir, fatalmente a resignação á Alice. A velha continuava a fazer meias
A viuvez e a cegueira eram de al­ quasi que machinalmente, alheia
gum modo compensadas pelo gran­ a tudo que a cercava, com o pen­
de amor da filha, que a proporção samento preso á idéias desencon­
que crescia em edade, crescia tam­ tradas e exquisitas. Lembrava-se
bém em encantos e graças. d’aquelle dia de horror, da morte
O pobre viuvo que dera a fi- da netinha, de sua afflicção e da
Ihinha n’um momento de indiscri- mentira — a unica de sua vida
ptivel desespero, morrera também, — a piedosa mentira que tão be­
em uma manhã de inverno, quasi néficos resultados produzira! E
só, entregue a suas tristezas. suspirava sorrindo. Duas grossas
Passaram-se os tempos. A vida lagrimas correram-lhe pelas faces
corria suave e calma para aquella pallidas, e o coração lhe dizia, inti­
laboriosa familia, resignada quasi mamente: Custa-me crer que esta
com a cruel cegueira de Alice. menina que é a alma de minha
Que serões deliciosos faziam filha e que portanto é a minha
aquellas mulheres constantamente. também, não seja a minha verda­
A céga entretinha-se ouvindo a deira neta! Sinto que a adoro
leitura de historias interessantes, com 0 mais entranhado aftécto!
que lhe fazia a filha. A velha Quem sabe se foi um sonho o
cosia ou ponteava meias, attenta que se passou n’aquelle dia tre­
e interessada pela leitura attra- mendo? N ã o ... n ã o ... e o que
hente. tem isso? Mais do que os laços
Uma noute Alice pedio á filha do sangue nos prendem os laços
que tocasse ao piano uma sonata da gratidão! Como, pois, se ex­
de Beethoven. E ao som divino plica isto? Esqueço-me de tudo...
da musica, interpetrada com muito de todo 0 passado e tenho ás ve­
talento, a cega sorria embevecida. zes a loucura de pensar, eu que
A velha fazia meias de malha, ao sei da cruel verdade, que sei de
pé de um lampeão na saleta do tudo... de tudo... que esta meniua
piano. é a filha de minha filha e que
A menina continuava a tocar... tem nas veias o sangue de meu
alegrando aquella casa onde ella sangue!
era a primavera, a soberana se­ M aria C lara da C unha S antos
nhora, a rainha ...
estylo cheio, mas brando e senten-
cioso; um pensamento arrojado,
energico e conciso : taes são em
Iradiicção do soneto de Molière, premiada
em concurso da « Semana » synthèse, os caracteres artisticos
da novel poetiza franceza. Não é,
Chegando-se a Jesus, quando este padecia,
Em bem da humanidade, as ancias do
pois, de admirar-se que ella tenha
supplicio, impressionado e, mesmo, seduzido
Attonita ficou a Morte, que temia a Sully Prudhomme.
Applicar ao Senhor a lei do triste officio. Transcrevemos aqui duas qua­
dras formosas que se encontram
Mas Jesus, com a fronte a descahir, fazia
A ’ cruel segadora um gesto que era indicio em seu delicado livro:
De que, não tendo já de Deus a regalia.
Tu marcheras en vain sans pouvoir imposer
Almejava apressar aquelle sacrifício.
L’empreinte de ton pas au sable de la grève,
A Morte obedeceu então, e, de surpreza. Des flots te séduiront dont la caresse est brève.
Logo o sol desmaiou, tremeu a natureza. Et ne te bercera que pour mieux te briser.
Qual si tudo do fim se fosse approximando.
Déçu par le destin, déçu par le baiser.
Tudo na terra e céo gemia e vacillava: Tu n’auras á tes maux ni remède ni trêve
Como que a pedra tinha um coração chorando; Et tu resteras seul ayant perdu ton rêve
Só, coração de pedra, o homem não chorava! Et ton espoir, trop grands pour Se réaliser.

Silvio de Almeida Os admiradores de M.®“® Marga­


rida Comert e em particular Sully
Prudhomme têm o direito de fun­
dar grandes esperanças sobre o fu­
turo desta poetisa.
B l^lma e a Morte E se a leitora ou o leitor, ti­
Notas vesse, como eu tenho, diante dos
A ’ Mensageira olhos, uma fiel e delicada photo-
Acaba de ser publicado na li­ typia da promissora poetisa, veria
vraria Lamerre, de Pariz, uma que doce brandura e que suave
collectanea poética subordinada á meiguice transparecem de seus olhos
épigraphe de que nos servimos e nogros, profundos e mysteriosos!
devida á penna de uma esperan­ Não sei por que magia secreta
çosa artista do verso francez. considerei-a intimamente a moder­
na Sapho...
M.®"® Margarida Comert, a au-
E ijiano do V al
ctora de L ’ Ame et la mort, revela
em suas producções uma melodia

grave, profunda e prolongada; um
A M ensageira 8i

tua carta fez-me scismar longas


Sempre o amor1 horas, com uma suavidade, um
Onmia vincit amor et nos caedamiis amori bem estar indiscriptiveis.
Virgílio — Egloga IX
Via-te passando na avenida de
Si o grande Zeus me perguntasse um dia
palmeiras da tua chacara, encos­
Qual minha escolha, que diria quando
tada ao braço do teu ditoso noivo;
Me apontasse de um lado a Gloria e o Mando,
E do outro alguém que eu amasse e me amaria; cerrava os olhos para te ver me­
lhor e ouvia 0 roçar do teu ves­
Si me dissesse: «Aqui tens a Poesia
tido branco nas folhas seccas das
Que a tua fama irá eternisando,
amendoeiras, que 0 vento trouxera
«Tens a Riqueza, a Gloria que inebria
E alli sômente um coração te amando;» para atapetar-te 0 caminho; pare­
cia-me ver-te colher aqui uma vio­
Si o velho Mytho assim fallasse, certo
leta, que passava dos teus lábios
Diria até aos ventos do deserto.
aos d’elle, alli uma margarita, que
Bradaria com todo o meu poder:
ambos desfolháveis sorrindo e in­
Mais que a Poesia, mais que a Gloria, um terrogando-a, anciosos...
Mundo, Que feliz tempo esse por que
E’ ter no coração amor profundo.
estás passando! Não apresses 0
Amar, amar e só de amor viver!
fim d’esse encantador romance, pe-
Rio, Agosto de 1898.
ço-t’o.
Oscar d’ Alva
Enganas-te, Cecilia; julgas co­
nhecer a vida, tu, que ainda não
soffreste !
Dizes-me na tua gentillissima
noiva carta :
«Arthur é um coração nobre e
E’ de crer que muitas das mi­
generoso! Nunca surprehendi em
nhas benevolas leitoras sejam noi­
seus olhos um momento de dis­
vas. Cedo por isso ao desejo de
tracção ou frieza, nunca um gesto
publicar aqui a resposta que en­
de enfado ou fadiga, nunca um
viei a uma das minhas mais for­
sorriso contrafeito. Acha-me en­
mosas amiguinhas, residente em
cantadora e arna-me; oh! ama-me
S. Paulo, de uma carta em que
deveras, com todas as forças de
essa gentil criança me participou
uma alma ardentíssima.
o seu proximo casamento:
«Lembras-te das nossas conver­
sações intimas na rede, nas frias
e neblinosas noites de inverno,
Minha amada Cecilia. — A (juando buscavamos encontaar de-
82 A M ensageira

feitos uma á outra? Lembras-te do disfarce amavel que te inebria


que me achaste alguns e que eu e lisongeia.
(ninguém nos ouvia) concordei com- Admiras-te c abi-es desmedida­
tigo? Pois vê, Arthur não me mente os grandes e negros olhos,
encontra nenhum; para elle sou a assustada com o que estás lendo;
perfeição, a mulher unica; fica ex­ não é assim?
tático se canto, acompanhando-me Adivinho que dizes, interrom­
na harpa; applaude enthusiasmado. pendo a leitura; «Não conhece
se ao piano toco Chopin ou Bee- 0 meu Arthur.»
thoven. E’ celebre! a minha in­ Não preciso conhecel-o, filha,
fantilidade incurável, os meus ciú­ para dizer-te que elle. como todos,
mes e arrufos, ato a ironia que, ha-de contradizer-te muitas vezes,
mau grado meu, magoa muitas ve­ contrariar-te algumas, e aconselhar-
zes pessoas que tanto estimo, são te, — apontando-te os teus peque­
para Arthur qualidades, encantos ninos defeitos, — innumeras.
que 0 tornam o mais invejável dos Resigna-te desde já, a modificar
noivos. Que doçura de genio tem um quasi nada o teu programma
elleü Verás. Em eu sendo sua de'um futuro azul sem fim; verás
mulher, não serei contrariada na que, por ter aqui e além umas
minima vontade, serei rainha ab­ pequeninas nuvens brancas como
soluta, e os meus gostos e capri­ flocos de espuma ou véus de des­
chos serão satisfeitos antes mesmo posada, não deixa o teu céu de
de manifestados.» ter todo o esplendor da maior das
Talvez te illudas, minha doce venturas, — o resplendente sol do
Cecilia. E* delicioso acreditar que am or!
somos adoradas sobre todas as cou- üm arrufo, — nuvemsinha —
sas, e os gestos de desagrado dos depois, 0 beijo — o sol, mais bri­
que nos amam facilmente se dis­ lhante que nunca, fazendo scin-
farçam. tillar como diamantes as gottas do
orvalho da alma, as pequeninas la­
E’ que a occasião de reprimir
grimas de ciume ou despeito, pre­
os actos da mulher escolhida não
sas nos teus longos cilios.
é 0 noivado, mas depois...
Está em tuas mãos obstar a que
Todos, ou quasi todos os leões as nuvemsinhas vaporosas se con­
assemelham-se ás pombas quando densem e conduzam no seio a tem­
requestam, e não serias tu por pestade.
certo, inexperiente coração de 18 O que é preciso para isso ?
annos, que poderias levantar o véu Muito pouco: Amar, Amar sem
!l,'^X
A M ensageira 83

um pensamento alheio a esse af­ aos que lhe perguntam porque não
fecte absorvente, amar procurando toca ou canta mais: ^— Já não
nas festas, nas vigilias, no somno preciso agradar.
— agradar ao esposo, sempre cas­ E 0 marido? Não tem a mu­
ta, sempre meiga e imaginosa, lher casada o dever de agradar ao
sempre desvellada e alegre, ele­ marido? Não piecisa ella estar
gante no vestir, nas maneiras, no sempre preparada para sustentar
gesto e no fallar; corrigindo esses com vantagem 0 exame a que elle
senões que encontrámos juntas nas inconscientemente a sujeitará todos
neblinosas noites de inverno, que os (lias?
não esqueci, que não esquecerei Aqui tens tu, minha encanta­
nunca. dora Cecilia, em poucas palavras
Pensam muitas meninas que pro­ o teu programma:
vam saber ser esposas abando­ Casando, não te vulgarises, con­
nando, depois de casadas, 0 estudo serva para 0 teu incomparável
e 0 espelho. Arthur 0 encanto do desconhecido:
Que caminho errado tomam para continua, mesmo com sacrifício, se
o coração do marido essas pobres Deus te conceder a benção da ma­
sacrificadas ! ternidade, a cultivar 0 espirito,
Como esperar conservar uma tocando no piano ou na harpa as
afteição, se despojamos dos attra- melodias que 0 extasiam, e que
ctivos que 0 faziam adoravel, 0 sejam os teus quadros sempre, para
objecte que a causou e alimentou? elle, verdadeiras surpresas geniaes
K’ evidente que se um homem es­ Prometto-te eu, assim, uma eter­
colheu para companheira da sua nidade de amor.
vida uma mulher elegante, gracio­ Pedes-me que escolha para mim
sa, prendada, se esse homem se 0 melhor dos teus quadros que
1- conheço, ou escolha assumpto que
■il orgulhava com as palmas arranca-
cas pelo talento de cantora ou pia­ me agrade; prefiro esperar a es­
nista da noiva que adorava, sentirá, colher. Queres? pinta, e farme-ás
pouco a pouco, que 0 invade 0 feliz, 0 teu quarto de solteira, num
frio da indifferença ao pé da es­ dia claro de Abril: — as janellas
posa descuidada e negligente, que abertas deixando entrar alguns ra­
passa os dias inteiros sem chegar mos da hera que cobre completa­
ao espelho, envolta em um p ei­ mente a parede, do lado do jar­
gnoir, com os cabellos presos ao dim; a estante, vergando ao peso
acaso; que conserva fechado 0 dos teus livros; as rendas do cor­
piano; dizendo pretenciosamente tinado deixando entrever a cama,
84 A M knsageira

alva de neve; a rede onde, senta­ Crescem n’e)la trez Ilóres:


das beni junctas, conversavamos Qual cie Jesus a c’rôa, entre os martyrios,
lía espinhos, ás vezes, entre os lyrios
tantas ve/es do ten auspicioso por­
Que acalmam minhas dores.
vir; tudo, tudo; não esquecendo
mesmo as can tonei ras de ébano, A primeira è de alvura não sonhada. . .
cheias de pequeninos nadas, de Tudo que é santo abriga immaculada
Sua corolla immensa;
mimos de bronze e Sòvres, e a Quando transborda o calix da amargura,
gaiola dourada do teu tenor alado. Minh’ alma n’uma prece se depura
Um ultimo conselho: Cresce a rosa da Crença.
Sô activa o energica com justiça,
Quando por mim em lagrimas banhada.
no governo do teu paraiso, a tua De minha mãe a face descorada
casa; sê condescendente sem fra­ Eu cinjo ao coração.
queza, meiga sem importunação, e Divina, casta, cerula, amorosa.
depois, e sempre em meio da tua Nasce em meu seio a flôr mais olorosa
— A flor da Gratidão.
infinita ventura, pensa, um minuto
apenas, na tua dedicada e velha E quando as illusôes são dissipadas
amiga. E as rosas dos amores desfolhadas
Adelina.» Em triste soledade,
Adelina A. Lopes Vieira Consoladôra, olente, doce e calma
Inda uma flcjr desbrocha na minh’ alma
— O lyrio da Saudade!
Maceió, 30 de Setembro de 1886.
M aria Jucá

pores d’alma
(A meu prezado Pai)

«Se o vento um dia lhes soprar e as córte.


5elecção
Deus! — da-me a sorte de morrer com ellas.» Si en tiempos de Galileo i aún
Thomax Ribeiro en los de Francisco Bilbao hubié-
ranios dicho: la niujer se eman­
Na veiga d’alma — perfumosa e pura —
Ha sempre, em caules de ideal verdura. cipa, la mujer progresa, se nos ha-
Rosas cheias de olôr; bria condenado por blafemas e in-
Rorejadas de límpidas chimeras. raorales.
Abrem a luz de rubras primaveras Hoi que no podemos temer na­
— A mocidade e o amor.
da porque la civilizacion, la cul­
Em minh’ alma não brilham d ’estas rosas tura, dán el pase a nuestras ideas
Porém, Candidas, tristes e mimosas i obras, enumeremos nuestros tri-
A M ensageira 85

imfos, contemos nuestros progre- . . . E ’ forçoso lembrarmo-nos do


sos i esforcemonos por ser cada que ainda nos falta attender á edu­
dia mas iitíles a nuestra patria i cação profissional da mulher, e á
a nuestros semejantes. instrucção do operário.
Atras, el egoismo que todo lo Sim; ó respeitável a missão da
corrompe, ese egoismo que ha in- mullier na sociedade; a civilisação
ducído al hombre a tenernos pos- elevou-a a uma posição que a
tradas en la inanicion i Ja igno­ sciencia pretende collocar em uma
rância por muchos siglos! Ya a altura superior ás contingências de
nuestro carro lo impelen brisas sua própria natureza; sem acom­
duraderas; ya ha recibido el pri- panharmos os idealistas, sem en­
mer impulso i llegará con felici- trarmos nas theorias dos poéticos
dad al deseado término. No diré divinisadores da companheira de
aqui en la Capital; en Chile en- nossos dias 0 trabalhos, estudando
tero se nota la actívídad, el esfu- sómente a mulher do presente, a
erzo de la mujer. sua situação actual, eu a vejo, nos
Se constituyen en sociedades de grandes centros populosos e ricos,
diversos jéneros, teniendo casi to­ educada principal mente para dar
das por base el ahorro mútuo i expansão ás suas qualidades de
propendiendo al progreso i a la espirito, a seus dotes affectivos;
ilustracion. para satisfazer 0 senso esthetico,
La mujer avanza, eso se palpa. antes do que para contribuir para
Hoi no es la abyecta i deprimida 0 proprio bem-estar da sua vida;
mitad dei hombre, sino la igual, e, se porventura lhes fallecem os
celosa de sus deberes i derechos. recursos advindos de seus proge­
I harto merece resarcírse de la nitores, encontro-a na mais dolo­
dura condicion que resignada so- rosa impossibilidade de bastar ás
brellevó, descollando siempre por necessidades de sua subsistência.
su innato amor a los hijos i su Então aquella que de escrava dos
ternura para con aquel de quien antigos povos, conquistou, graças
no era sino un juguete momen­ á evolução do nosso meio social,
tâneo! a posição de rainha de nossos sa­
Bien por ella que, mediante sus lões, de nossos lares, e ainda pro­
esfuerzos, se ha creado una situa- cura ao menos igualar-nos nos ra­
cion que satisface sus aspiraciones mos scientificos, ahi fica á mercê
puesto que tanto como el hombre do primeiro que dispute a sua
ama, sufre, siente i piensa. mão, ou compre a sua innocencia,
^De La Mujer) Ce u a ao primeiro argentario que, no bal-
86 A M ensageira

cão das rnizerias humanas, fizer


pesar a sua bolsa alcançada, mui­
0arta do ílio
tas vezes, á custa das lagrimas de Sinto ainda a deliciosa impres­
gerações inteiras, escravisando a são que me causou o agradavel
seus caprichos voluptuosos aquella passeio a Minas, em dias da se­
que poderia. pela educação, ter-se mana passada.
elevado ao throno de senhora. A convite da directoria da Em-
Dar educação profissional á mu­ preza Lambary e Cambuquira fo­
lher é portanto, uma das mais ur­ mos — meu marido e eu —■ assi-
gentes necessidades do presente. tir a inauguração do seu estabele­
D r . C esario M otta cimento balneario em Cambuquira.
(Discurso na instalação do Qymnasio de Em trem especial partimos to­
S. Paulo.) dos os convidados, cerca de ses­
senta pessoas.
A gentileza dos directores da
Companhia, a fidalguia do trata­
mento, a belleza da viagem, a
0 concilio das maguas amenidade e a alegria dos convi­
vas, daria para um longo artigo
Fôra a magua maior que me ferira...
se eu tivesse a vaidade de mono-
Alanceado o coração, gemendo
Verga-se ao peso desse mal tremendo,
polisar, só para mim, as paginas
Succumbe... quasi de soffrer expira ! desta revista.
Foi uma explendida festa que
Succumbe é um modo de dizer, mentira! deixará, estou certa, gratíssimas
Que o coração mais vive padecendo I
recordações a todos que tiveram a
Sim, quem não sente muito mais soffrendo ?
ventura de assistil-a.
Quem de dor, tresloucado, não delira.^
Os verdes montes, as formosas
Fôra uma dor que em fundo me abalára... campinas, o ar puro e vivificador
Para obumbral-a, — retentiva amara! — de Minas encantaram a todos da
Accordei toda a antiga inPlicidade...
comitiva.
Debalde foi! debalde! ella sósinha
Em Cambuquira, houve a cere-
Feroz resiste e é muito mais damninha monia da benção das fontes, que
Que as maguas todas da primeira idade ! receberam os nomes de Dr. Fer­
Perpetua do Valle nandes Pinheiro e de D. Regina
Werneck, justas homenagens ao
illustre director da Companhia e
á esposa do actual secretario da
agricultura, em Minas, Dr. Américo
A M en sa g eir a 87

Weneck, que muito trabalhou para gas que muito prezo, uma escri-
0 feliz exito da Empreza. Hymno ptora conhecida e outra pintora de
nacional e foguetes houve a granel. merecimento.
Em Cambuquira, durante 0 ex-
Queixavam-se ambas, censuran­
plendido banquete que nos oífe-
do uns tantos costumes impagá­
receu a Empreza, a musica do lo-
veis da nossa terra e do nosso
gar executava bonitos trechos de
povo. Dizia a pintora, com um
seu repertório. Um violão, rebeca,
ar de sarcasmo muito fino: «se eu
saxophone e violoncello apenas. As
fosse dar quadros e trabalhos meus
musicas que tocaram, todas ternas
a todos que me pedem, nada mais
e maviosas, davam á festa a nota
faria do que pintar para galantear
característica da genuina musica
0 proximo. E 0 que é mais en­
mineira: eram plangentes e senti­
graçado, em tudo isso é que os
das como 0 queixume sincero de
pedintes julgam que nos fazem um
um coração apaixonado.
obséquio, com 0 tal pedido a quei­
Voltamos para Lambary, em se­
ma roupa, entre um sorriso e uma
guida, onde passamos uma noite
phrase arnavel, que a força de re­
agradavel ouvindo bôa musica e
petidos já não tem sal. Quero
belles recitatives.
um trabalho seu... é uma amabi­
Partimos no dia seguinte depois
lidade tão vulgar como esta outra:
de havermos visitado a cidade e
muito prazer em conhecel-a, tom
apreciado as deliciosas aguas mi-
uma casa ás ordens... (emquanto
neraes, encantados com a fidalguia
não precisar delia.)
da hospedagem e gentileza dos di-
rectores, incansáveis em obsequiar A escriptora também contava
seus convidados. passagens interessantes que tinha
Um passeio como este á formosa observado. Entre outras, notou 0
terra mineira, ao menos uma vez habito muito commum dos nossos
por anno, seria o melhor tonico patrícios em offerecerem os seus
possivel para retemperar 0 corpo dados biographicos e contarem suas
e a alma, dando áquelle uma bôa historias, algumas das quaes bem
dóse de forças e de vigor e a sem graça, aos fazedores de ro­
esta um forte manancial de alegria mances e de novel las para baze de
e bom humor. uma trabalho commovente. «Quero
que escreva um romance com a
historia de minha vida», eis uma
Outro dia surprehendi a inte­ phrase muito commum. Que von­
ressante conversação de duas ami­ tade tem essa gente de ver em
88 A M e n sa g e ir a

Icttra redonda o sob um titulo de


sensação a historia de sua vida! Vesper
— Ignorancia ou vaidade? per­ O ’ mystico fanal,
gunta a pintora. O ’ meiga filha da saudosa hora,
— Creio que ambas as cousas, Vem beijar a cecem que te namora
Do lágo no crystal !
minha amiga, diz a escriptora!
Brilham do prado os lumes,
Perpassa a brisa merencoria e grata,
Abrem no vai’ caçoulas d’oiro e prata
Contam que um homem muito
A derramar perfumes.
grosseiro, muito bruto, ia andando
0 seu caminho, em uma estrada Nos plainos, nas quebradas,
E sobre o leve azul das ondas mansas
de Goyas. Ia a pé e levava ás
Já sólta triste noite as negras tranças
costas 0 seu farnél. De perlas ennastradas.
Encontrou com um sujeito rico,
muito bem vestido, montado em Vem, astro meu rizonho.
Confidente gentil dos meus amores;
vigoroso cavallo, ajaezado de prata.
E ’ bella a noute, e eu quero em teus fulgores
No caminho havia uma porteira Haurir meu doce sonho !
muito pezada. O homem rico disse
ao outro, em tom imperioso: abre Lá surge alfim do monte
A meiga Fada que sorri no lago.
a porteira.
Seu brando raio em carinhoso afago,
— Quem é você? retruca o bru­ Já vem beijar-me a fronte.
to, para assim querer me gover­
nar! O ’ doce e meiga Diva,
Mensageira celeste da Esperança,
— Sou um Doutor, responde.
Tu que trazes aos nautas a bonança
— E que é que vem a ser Traze-me, traze-me a ventura esquiva!
um Doutor? Delminda Silveira
— Doutor é um homem que Capital de St.» Catharina.
sabe tudo.
— Pois, meu amigo, quem sabe
tudo, sabe abrir poi teira.
A resposta do hommem bruto
foi tão bôa que mais parece ser a
de um doutor. 0om ares de chronica
M a r ia C l a k a üa C unua S antos
Que enferrujada que estava a
minha pobre penna de chronista!
E para ahi continuaria certamente
ociosa sinão se me deparasse, ao
A M en sa g eu ía 89

revolver papéis antigos, um soneto O soneto que se vem de ler é


que desejo ver publicado na M en­ dedicado ao Dr. Antonio Bento, 0
sageira^ pois que além de bello e abolicionista revolucionário, 0 gran­
tocante, é da lavra de um poeta de apostolo da liberdade, fallecido
recentemente fallecido. Refiro-me ha mezes, na capital de S. Paulo.
a Figueiredo Coimbra, distincto E agora que se festeja 0 11.° anni-
homem de letras que a morte arre­ versario da lei aurea, agora que
batou a 23 de Março proximo 0 13 de maio ahi está, com a sua
passado, contando apenas 33 annos, alvorada risonha de data gloriosa,
a idade de Christo, a idade do seu de dia de festa nacional, muitas
sublime inspirador. Eil-o: creaturas de alma agradecida hão
de ter a enfeitar-lhes as faces ne­
Redempção nova
gras 0 brilho das lagrimas da sau­
Ao Dr. Antonio Bento dade .. E’ a primeira vez que os
Christo piedoso! que feroz supplicio
captivos de hontem acharão deserta
Esse a que o collo humilimo vergaste! a janella da casa do Dr. Antonio
Foi inútil o enorme sacrifício I Bento nesse dia celebrado, a ja­
Christo, debalde te sacrificaste! nella em frente da qual iam in-
Em vão teu sangue no immortal flagicio
fallivelmente dançar o seu signifi­
Banhou a terra que tu fecundaste... cativo samba, revoluteado e alegre,
P ’ra nos livrar do horrendo precipicio alegre e agradecido...
Não ha sangue purissimo que baste!
M a r ia E m ilia

Lanças os olhos cheios de agonia


Por toda a parte e em toda a parte vês
Triumphar a maldade e a hypocrisia!

Tu que na humana conversão não crês,


Darás, quem sabe ? ao mundo novo um dia ^ invenção da renda
A redempção, pela segunda vez!
Figueiredo Coimbra A exemplo das sete cidades da
Grécia que se disputaram a gloria
Depois da leitura de uns versos de ter sido 0 berço de Homero,
assim quem não terá gravado n’al- muitas cidades flamengas reivindi-
ma 0 nome de Figueiredo Coim­ cani a honra de haver inventado a
bra? 0 maior monumento que se renda. Nenhuma dellas, porém,
póde erigir a um poeta, é tornar fundamenta a sua pretenção em
tanto quanto possivel conhecidos documentos seguros; mas é crença
os fruetos do seu ingenho, os ar­ geral, e tudo leva a suppôr que
roubos de sua inspiração. ella tem razão material de ser, que
90 A M e n sa g e ir a

foi a cidade de Bruges a primeira a despeito dos seus esforços, a mi­


que cultivou a delicada e encanta­ séria da sua familia, fez este voto
dora arte da renda. horoico: Virgem Santa, disse ella
Um tratado feito em 1390 com uma manhã, dae-me meios de so-
a Inglaterra, e assignalado pela ccorrer os meus, que eu renuncio
Revista Britannica^ attesta que, ás alegrias da vida e abdico as
desde o principio do século qua­ esperanças do meu coração.
torze, se fabricavam nessa cidade No domingo seguinte foi Serena,
rendas de preço. E, por outro com suas irmãs, passar o dia ao
lado, nas suas Narrações e lendas campo. Como estivesse sentada
de Flandres^ M."’*' Carolina Popp na herva e tristemente pensasse
recolheu uma velha tradição local no seu destino, uma multidão des­
que se liga á origem desta amavel tes fios leves, que se chamam «fios
e tão feminina industria. da Virgem» e que se diz terem
Eis a lenda, tal como ainda hoje sahido da roca de Maria, pousou
a contam, ao serão, as rendeiras no seu branco avental e esses fios,
da velha cidade flamenga, cujos entrelaçando-se uns com os outros,
costumes o poeta Rodenbach des­ formaram um desenho magnífico.
creveu com tão esfumada e cre­ E Serena, olhando para elles, com-
puscular poesia. prehendeu que os seus votos ti­
Havia outr’ora em Bruges uma nham sido attendidos.
loura e debil rapariga, de nome Levou para casa a maravilhosa
Serena. Era pobre a sua familia; rede, e com o fino linho que ella
a mãe, viuva e doente; suas irmãs, fiava poz-se a imital-a. A tarefa
ainda creanças, viviam do seu bra­ foi, a principio, difficil. Como os
ço; assim, para sustentar os seus, fios se enleiavam. Amoldo, que
ella tinha de fiar incessantemente assistia, por vezes, ao seu traba­
de sol a sol, e ainda pela noite lho, teve a idéa de atar a ponta
adeante. Pelas suas mimosas e in­ de cada um delles a um bocadi­
fatigáveis mãos de fiadeira passa­ nho de madeira: e foi assim que
vam semanalmente, dez meadas de se inventou o bilro. Depois, para
linho. segurar a rede, prendeu-a com al­
Serena era amada com paixão; finete num novello de lã: e foi
0 seu noivo, chamado Amoldo, era assim que se inventou a almofada.
apprendiz na officina de um escul- Ao cabo de uma semana, estava
ptor, e devia esposa-la logo que feita a primeira renda, e logo todas
passasse a official. Mas a pobre as damas de Bruges quizeram ren­
rapariga, vendo crescer dia a dia. das para os seus toucados. E desde
A M ensageira 91

esse Hia não deixou de haver pão, Assim como essas sombras incolores,
com fartura, na casa de Serena. Meus versos vão correndo mundo em fóra
Sem reflectir a luz de meus amores.
Esta, fiel ao seu juramento, re­
Sem o brilho das lagrimas que chora
cusou a mão de Amoldo, quando, Meu doido coração, enluarado?
promovido de apprendiz a official, Pela saudosa luz do meu passado !
lh’a foi pedir. Mas uma tão bo­
nita historia não podia acabar por Que sois, meus pobres versos forasteiros?
— Sombras daquelles que adorei na vida ...
uma eterna relação de amor. De
Como as sombras também sois passageiros!
corrido que foi um anno, durante Em que memória encontrareis guarida ?
0 qual Serena, apesar de lagrimas Os que me adoram morrerão commigo,
e angustias, se conservava escrava E olvidada serei no meu jazigo.. .
da sua palavra para com a Santa Presciliana Duarte de Almeida
Virgem, appareceu-lhe esta, desli­
gando-a do seu juramento. Casa­
ram, é claro, Serena e Amoldo, e
tiveram muitos filhos e todos elles
foram raparigas e todas ellas fo­
ram rendeiras.
Kotas pequenas
E eis ahi por que na cidade dos
canaes, dos cysnes e dos campa- A viuva de Michelet. — Do M i-
narios ainda hoje em dia se vê, nas Geraes transcrevemos as se­
sentada na soleira de cada casa, guintes interessantes noticias:
uma rapariga loura manejar, entre Cora 73 annos de edade acaba
os seus dedos delicados, esses ageis de fallecer, na sua residência de
bilros e entrelaçar os fios de linho Paris, madame Adelia Malaret Mi­
alvo em frágeis, magicas e mara­ chelet, viuva do celebre historia­
vilhosas redes. ? dor Julio Michelet, auctor da H is­
toria de França e da Historia
da Revolução^ fallecido, como se
sabe, ha vinte e cinco annos.
A viuva do famoso liberal nas­
ceu em Montauban (Tarn-et-Ga-
Sombras ronne) em 19 de outubro de 1826.
Sombras das ramas verdes e floridas, Em 1849 casou, em circumstan-
Sombras das aves a voar cantando, cias romanescas conhecidas, com
Sombras pelas aragens sacudidas.
Julio Michelet, então professor do
Sombras de creancinhas tacteando,
Que sois de tantas vidas luminosas? Collegio de França.
Que sois? — Vagas imagens tenebrosas! Por oceasião do golpe de Es-
92 A M e n sa g e ir a

tado 0 historiador perdeu a sua mesma disposição que no dia se­


cathedra por se ter negado a pres­ guinte ao da sua morte.
tar juramento. Os dois esposos A viuva queria viver no meio
foram então refugiar-se em uma daquellas saudosas reliquias, e para
pequena aldeia dos arredores de que o seu culto não fosse pertur­
Nantes, onde viveram numa casi­ bado, nunca consentiu que alguém
nha que alugaram, reunindo os alli entrasse nem siquer a pretexto
materiaes que mais tarde serviram de fazer as indispensáveis repara­
para escrever em collaboração, os ções.
admiráveis livros La femme^ L'a­ Assim passou um quarto de sé­
mour, La montagne e outros. culo e os aposentos de madame
Madame Michelet collaborou acti- Michelet cahiam em ruinas. Foi
vamente em differentes obras de um desgosto para a illustre senho­
seu marido, especialmente nos li­ ra quando notou que as paredes
vros L ’oiseau, L ’ insecte, La Mer, começavam a apresentar grandes
etc. fendas e que era indispensável a
intervenção dos operários, que con­
Publicou também alguns traba­
siderava como uma profanação.
lhos exclusivamente seus, e entre
Ainda assim não permittiu que
elles: Mémoires d’ un enfant. N a­
as obras fossem feitas si não de­
ture, L a mort et les funérailles
pois de se ter celebrado a glori­
de Michelet.
ficação do centenário de seu ma­
A viuva do celebre historiador rido que, como se sabe, se effe-
adoecera ha 15 dias com um res­ ctuou no Panthéon, com assistên­
friamento , que depois degenerou cia de madame Michelet, no dia
em pleurisia e fluxão de peito, 13 de julho do anno passado.
sendo impotentes todos os esforços Por mais que lhe dissessem que
da sciencia para lhe salvar a vida. era perigoso permanecer na casa
A sua morte é attribuida a uma em obras, por causa das humida­
generosa imprudência devida á des que se produziam, não houve
sua commovente piedade pela me­ meio de convencel-a a mudar de
mória do seu illustre companheiro. casa.
Madame Michelet conservava a Quando lhe faziam estas amigá­
habitação onde vivera dias felizes veis advertências respondia, refe­
em companhia do sabio; nunca rindo as á celebração do Panthéon :
pensara em mudar-se. Os moveis A minha missão está cumprida e
occupavam os mesmos logares e o agora pode a morte levar-me que
gabinete de Michelet mantinha a vou satisfeita.
A M e x s a g k [ra 93

A finada viuva não deixa filhos. e já era a unica confidente do


Restam-lhe apenas um irmão e dois desconfiado e sanguinário déspota.
sobrinhos. Segundo refere uma amiga de
Ha pouco tempo modificou o Manuelita, a brasileira d. Joanna
seu testamento no qual pede que de Noronha, que teve de fugir
0 seu cadaver seja incinerado. para o Brasil para escapar ao fu­
Suppôe-se que algumas precio­ ror de Rosas, a filha do dictador,
sas recordações de Michelet vão sem ser uma belleza, era comtudo
juntar-se no museu Carnavalet com graciosa, de rosto attrahente e ex­
0 magnifico retrato de Couture pressivo, olhos negros e brilhantes,
que Madame Michelet offerecera revelando uma intelligencia viva.
em tempo áquelle estabelecimento. que a tornavam seductora e a fa­
Os funeraes da viuva do grande ziam considerada como uma for­
historiador devem ter-se realizado mosura.
a 7 de abril em Paris. Apesar de seu porte altaneiro,
Manuelita Rosas. Os jornaes havia nella uma graça natural e
extrangeiros annunciam que acaba até certa distincção em todos os
de fallecer e,m Londres, numa eda- seus movimentos.
de bastante avançada, Manuelita Manuelita, no tempo em que o
Rosas, filha do celebre e despotico pae não conhecia limites ao seu
dictador da Republica Argentina, poder despotico, participava com
João Manuel Rosas, que tanto nos elle da execração dos adversários
deu que fazer e aos representantes e das adulações dos partidários.
de diversas potências européas. Disputavam então um olhar seu,
«O desapparecimento de Manue­ um sorriso, ura gesto Era omni­
lita Rosas não póde passar indif­ potente.
férente», diz uma folha extran- Os proprios diplomatas europeus
geira, «pois é das mais curiosas não desdenhavam uma palavra da
figuras femininas que offerecem os confidente do dictador, e ella não
annaes das republicas íiispano-ame- as regateava a fim de conseguir,
ri canas. » como habil politica que era, algu­
Manuela Rosas, familiarmente mas sympathias das outras nações
chamada Manuelita, representou um para o pae, que fazia tudo quanto
papel importante junto de seu pae, podia para as alienar.
durante o periodo em que elle exer­ Rosas, que vivia retirado e sem­
ceu 0 poder absoluto na Repu­ pre cercado de uma guarda de
blica Argentina — 1835 a 1852. gaúchos, não se apresentava era
Manuelita tinha apenas 18 annos festa alguma, fazendo-se represen-
94 A ^ÍKNSAGKrRA

tar por Maniielita, que o povo de do Uruguay e de d. Pedro II,


Buenos-Aires chegou por vezes a imperador do Brazil, acabou por
levar em triumpho.» derrubar o tyranno, vencido na
Secretária do pae, sua unica batalha de Monte Caseros, em 1852.
conselheira, depositaria dos seus Um escriptor argentino, entre­
segredos, auxiliar da sua diploma­ tanto, exilado pelo dictador, de
cia, assistindo ás audiências que quem era inimigo encarniçado, es­
o dictador concedia, e, muitas ve­ creveu a respeito de Manuelita:
zes, dando-as officialmente em seu « Recebia e escutava toda a gente
nome, Manuelita reinava sobre uma com affabilidade e doçura. Ape­
especie de corte que ella mesmo sar da sua influencia, que poderia
havia formado; e nunca pensou armal-a de uma grande força para
então em casar, mesmo porque o 0 mal. jamais contiãbuiu para fa­
tyranno não o consentiria, pois a zer derramar uma só gotta de san­
filha era o unico ser que amava, gue, nem mesmo uma lagrima.»
considerando-a como sua egide e Manuelita fugiu com o pae para
como continuando junto delle o bordo do brigue inglez Conflict,
papel de conselheira que a esposa depois da derrota de Caseros, re­
havia tido, e á qual devera os seus fugiando-se com elle na Inglaterra,
piimeiros triumphos politicos. seguidos pelas injurias e maldições
O lendário terror, que se ligou de um povo inteiro. Rosas mor­
ao nome de Rosas, também inci­ reu em Southampton, em 1871,
diu sobre o da filha, que teve a com 84 annos de edade. Manue­
sua parte nas apologias ou maldi­ lita, que por fim casara com Ma­
ções que, sem meio termo, exal­ ximo Terrero, viveu esquecida du­
çaram ou recahiram sobre o ty­ rante os seus 46 annos de exilio,
ranno. Representaram-na como um que succederam aos 18 annos de
anjo do mal, inaccessivel a outro um verdadeiro império absoluto
qualquer sentimento que não fosse sobre a nascente confederação ar­
0 odio, a ponto de se contar que gentina.
apresentára, em uma salva, a um Recebemos e agradecemos; —
oflBcial inglez, oimadas de fitas, as A Mascara, artistico hebdomadário,
orelhas do coronel Borba, immo- publicado no Rio de Janeiro e re­
lado á vingança do pae. Esta digido por Sá e Benevides. Traz
phantasia imitada de Herodias foi finas gra/uras, em tinta de cor,
desmentida pelo general ürquiza, destacando-se entre ellas o retrato
adversário triurnphante de Rosas do Dr. Moncorvo Filho, o humani­
e que, com o auxilio da Republica tário propulsor da creação do Tm-
A M en sa g eir a 95

tituto de Assistência á Infanda. ção que apparece todos os sabba-


Na parte literaria, além de chro- dos e que trouxe no ultimo n.® o
nicas, phantasias, etc. vêm traba­ retrato de Max Fleiuss.
lhos poéticos de Elvira Gama e da Temos ainda a registrar a con­
poetisa pórtugueza Alice Moderno. tinuação da remessa dos seguintes
Revista Contemporânea., pu­ jornaes: O Paix e A Noticia, da
blicação mensal, feita em Campi­ Capital Federal; a Gazeta de Pe-
nas, sob a direcção de J. Ribas tropolis; a America Illustrada,
d’Avila. O 1® numero 6 digno de desta Capital; o Estado de Sergipe,
attenta leitura, inserindo trabalhos de Aracajú; Munitor Sul-Mineiro,
firmados por A. Miller, João Vieira, da Campanha; a Potria, de Pouso
Alfredo de Paiva, Ribas d’Avila, Alegre; a Peleja de Aguas Virtuo­
C. de Mello, P. Egydio, L. Amaral, sas; a Gazeta de Ouro-Fino; Ver­
B. Prego e B. Octavia. dade e Luz, de S. Paulo; Corimho,
— O Domingo., semanario bri­ quinzenario publicado no Rio Gran­
lhantemente redigido em Rezende de do Sul, pelas illustradas escri-
pelo mavioso e jovem poeta Luiz ptoras Revocata de Mello e Julieta
Pistarini. de Mello Monteiro; o Album das
— A Cecüiana., n.°^ 18, 19 e 20, Meninas, inteiligentemente dirigi­
com os retratos de Cunha Mendes, do por Analia Franco; Jornal do
Valle e Silva, M. Ortiz Monteiro e Commerdo, de Juiz de Fóra; Ga-
excellente parte recreativa. zetinha, de Porto Alegre; Santel-
E’ dirigida por Julio Prestes e mo, de Fi’uctal; A Cidade de San­
conta a victoria de estar já no 4.® tos; Minas Geraes, de Bello-Hori-
anno. sonte; Patriota, orgam do grémio
— A Chronica., semanario il- Alvares de Azevedo; O Popular,
lustrado de literatura e arte. re­ de Araraquara; A Pérola, folha
pleto de bons versos e chronicas literaria dedicada ao bello sexo,
de Alfredo Santiago, Pinto Lima publicada em S. Paulo; A Folha
e de muitos outros escriptores con­ do Norte, de Pindamonhangaba;
temporâneos. As Boas Novas, de Campos; Ga­
— O Archiva IIlustrado., n.® 2. zeta da Lecpoldina; A Lucta, de
Estampa na primeira pagina o re­ Ttapecerica; Oito de Setembro, do
trato de Emilio Zola e publica uns Rio Grande do Norte; Leituras
belles versos de Candido de Car­ Religiosas, da Bahia; Ordem, de
valho. S. José do Paraizo e Correio do
— A Rua do Ouvidor, a gra- Povo, da Varginha.
gi’eciosa e pontualíssima publica- — —
q6 A M ensaokira

Versos de Narcisa Amalia, Áu­


rea Pires, Helena de Viveiros,
H Mensageira
Presciliana de Almeida, e prosa
Temos sobre a nossa mesa de de conhecidos escriptores, entre os
trabalho o n. 26 d’A Mensageira^ quaes a nossa collaboradora Ecila
deliciosa e interessante revista lit- Worms — eis os attractivos da
teraria dedicada á mulher brazi- Merisageira.
leira, — que se publica em São (Do Paix).
Paulo, sob a direcção conspicua
de Presciliana Duarte de Almeida, — A Mensageira. — (N. 27,
gentilissima e talentosa escriptora, anno Ilj. É sempre com prazer
cujo nome, vantajosamente conhe­ que folheamos a applaudida revista
cido e festejado é um titulo de litteraria, dedicada a mulher bra­
glorias para o Brazil. sileira e proíicientemente dirigida,
O numero que temos á vista e nesta capital, pela inspirada poetisa
que é um primor, um mimo typo- d. Presciliana Duarte de Almeida.
graphico, — traz, além de exel- A collaboração que exorna o pre­
lente collaboração em prosa e ver­ sente n. é excellente. Parabéns á
sos, um bellü retrato de Aurea sua illustrada directora.
[’ ires, a encantadora poetisa mi­ (Do Correio Paulistano).
neira, e um soberbo soneto da im-
peccavel Julia Cortines. Recebemos :
O Domingo, agradecendo-lhe a O n. 27 do 2® anno da excel­
delicada visita faz votos pela sua lente revista litteraria A Mensa­
prosperidade. geira, habilmente redigida pela
A iv a y ’ inspirada poetisa, d. . Presciliana
(Do Domingo, de Rezende). Duarte de Almeida.
O numero que temos á vista,
Recebemos o n . 27 da Mensa­ além de bôa e variada collabora­
geira, a elegante revista litteraria ção, traz em sua primeira pagina
que se publica em S, Paulo e da 0 retrato de madame Dreyfus, es­
qual é directora D. Presciliana D. posa do inditoso exilado da Ilha
de Almeida, nome festejado nas do Diabo.
nossas lettras. (Do Brazil).
São Paulo 15 de Junho de 1899 Anno li, N. 29

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direetora — Presciliana Duarte de Almeida

F*tat>lica-se no d ia 15 de cad a m ez

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m e r o a v u ls o


a d ia n ta d o E n d e re ço ; R u a de Sta. Iphlgenia, N . 57. i R s. 1 $ 0 0 0

■ Ml

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J u l ia L o pes d e A l m e id a
98 A M ens\gkira

Summario: — Julia Lopes de Almeida; emigrar para o Brazil em 1856,


— Duas epochas, soneto, Silvio de A l­
mal pensaria sua esposa, que com
meida; — Ruélia formosa, soneto, Zalina
Rolim; — Ludibria ventis, poesia, Bel- a filha que no Rio de Janeiro lhes
larmino Carneiro ; — Carta do Rio, Ma­ nasceria a 24 de setembro de 1862,
ria Clara da Cunha Santos; — Domingo
elles levavam á America do Sul a
de Ramos, poesia, Aurea Pires ; — Junto
de um tumulo de criança, Julia Lopes de sua primeira escriptora!
Almeida ; — Esperança, soneto, Georgina Tão fraternalmente unidos ca­
Teixeira; — A Baroneza de Hirsch; —
minham estes dois paizes, Portu­
Noivado, Perce-neige ; — Bodas de prata,
conto, Maria Clara da Cunha Santos; — gal e Brazil, que as suas origens,
V ida, soneto, Peres Junior; — Escuta, 0 seu idioma, as suas glorias con­
soneto, Ridelina Ferreira; — Selecção;
fundem-se e desdobram-se atravez
— Volta ao passado, soneto, Manuel
Arão; — Notas pequenas. do Atlântico, encontram-se e re-
flectem-se, desabrochando, como
esta de que estamos tratando, em
^ulia Lopes de í^lmeida flores coloridas pelo ardente sol
Querendo render uma homena­ dos tropicos. que mergulharam a
gem da mais sincera e enthusias- raiz nos crystaes do Tejo!
tica admiração á eminente prosa­ A infancia de Julia Lopes de­
dora brazileira Julia Lopes de Al­ correu em Nova Friburgo.
meida, cremos que de nenhum Aos 6 annos, de volta ao Rio)
modo 0 fariamos melhor do que facultou-lhe o aprendizado da letra
preferindo á nossa voz, fraca e redonda no Methodo Castilho sua
desauctorisada, a palavra fina e mãe, a sr.® D. Adelina Lopes, vis­
competente de Guiomar Torrezão condessa de S. Valentim, uma vir-
que, para magua nossa, está eter­ tuofte vivamente festejada nas salas
namente silenciosa. Eil-a; lisbonenses e fluminenses, uma in­
« Pertence-nos por seu pae, o sr. telligente senhora, esposa e mãe
visconde de S. Valentim, natural exemplar, a melhor e natural ini­
de Lisboa, mas pertence ao Brazil ciadora no limiar da vida, — a
pelo seu berço e por quantos laços mãe ! ao amoravel contacto da qual,
alli a prendem aos supremos amo­ da chrysalida, onde dorme a alma
res do seu coração, o marido e os branca da creança, sae, librando-
filhos, e aos primeiros arreboes do se no azul do ether, a alada bor­
seu talento, a illustre escriptora, a boleta!
sr.“ D. Julia Lopes d’Almeida. Delettreando, ou por outra, can­
Mal pensaria o dr. Valentim Lo­ tando 0 abecedario, de que mais
pes, medico e escriptor distincte, tarde os negros caracteres, toca­
hoje visconde de S. Valentim, ao dos pela sua penna e illuminados
A M en sa g eir a 99

pela sua phantasia, seriam faceta- eleito da sua alma, seu marido,
mentos de joias, quem sabe se a Filinto d’Almeida, um insinuante
Arte, ainda ausente, namoraria já e adoravel rapaz, poeta de raça,
de longe a que inconscientemente um dos raros que descobriu o se­
para ella caminhava?... gredo de permanecer moderno, ao
Foi em S. Paulo, Campinas, que nivel da evolução actual, sem dei­
sob a direcção mental, o conselho, xar de ser lyrico.
0 estimulo, a lição instructiva de No crisol das viagens se foi de­
seu pae, se completou e afinou a purando 0 oiro d’esse talento, en­
educação de Julia Lopes. Foi alli gastado como gemma duplamente
também, no florente Estado das valiosa em uma rapariga modesta,
suas predilecções, que se lhe reve­ singelissima, quasi timidu, sem o
lou para as lettras a imperiosa vo­ menor vislumbre de pedantismo,
cação. tal qual é a sr.“ D. Julia Lopes
A collaboração da novel escri- d’Almeida e me deliciou a mim
ptora na Gazeta de Campinas^ de a sentir, como triumphante do­
equivaleu desde logo ás creden- cumento comprovativo da cegueira,
ciaes que a acreditaram no domi- da imbecilidade ou da má fé dos
nio da Arte. que não vêem as escriptoras se­
Seu pae, um espirito avançado, não atravez da satyra de Molière,
amando o bello sem lhe discrimi­ a algumas, por mal nosso, appli-
nar a procedência, enlevando-se na cavel.
luz do talento, sem lhe averiguar A Lisboa conferiu a illustre es­
o sexo, levou a filha estremecida criptora a primazia de publicar-lhe
aos amplos horisontes onde o olhar 0 seu primeiro livro. Traços e illu-
refulge de um novo brilho, o co­ minuras^ uma serie de contos já
ração palpita de um novo alento anteriormente lidos nos jornaes de
e a phantasia empluma e desfere S. Paulo, Rio de Janeiro e Lisboa,
novos e mais rasgados voos. reveladores de grandes qualidades
Tres vezes a gentil escriptora imaginativas, de parceria com um
brazileira viajou pela Europa, visi­ estylo natural mente elegante e sem­
tando a Inglaterra, a França, a pre despretencioso, sem o excesso
Hespanha, a Suissa. a Italia e Por­ de rhetorica de que soffrem quasi
tugal. todos os debutantes litterarios.
Em Lisboa a conheci e lhe devi Em seguida, de collaboração com
a grata surpreza de vel-a em mi­ sua irmã mais velha, a sr.® D.
nha casa, acompanhada do querido Adelina Amelia Lopes Vieira, poe­
companheiro, por tantas affiiiidades tisa de aprimorados dotes, victo-
I GO A M knsageira

riada no Brazil e eni Portugal, em nome da sagrada causa dos


onde Thoniaz Ribeiro a consagrou fracos e dos desprotegidos contra
como eleita das musas, a sr.“ D. 0 inexorável despotismo dos fortes.
Julia Lopes d’ Almeida deu á es­ Da penna de uma senhora, trazen­
tampa os Contos infantis em pro­ do a auctorisal-a o vigor do seu
sa e verso, destinados ás escolas talento e a prestigiosa eloquência
primarias dos dois paizes, sendo da sua sensibilidade, brotou então
essa obra approvada pela Instru- uma das mais irresistíveis propa­
cção publica da Capital Federal e gandas a favor do abolicionismo,
outros Estados da Republica Bra- um dos mais violentos protestos,
zileira, contando très edições rapi­ exarado na pintura dos horrores
damente esgotadas, cada uma de da escravidão, contra o mercado
õ ;000 exemplares, duas feitas em da carne humana e com elle a
Lisboa e uma no Rio, facto ex­ apothéose da regeneração pelo tra­
cepcional, que testemunha o ex­ balho, cujos fructos, já sazonados,
traordinário mérito d’esse trabalho constituem ao presente a riqueza,
modelar. a gloria e a prosperidade do opu­
Na sua segunda viagem á Eu­ lento Estado de S. Paulo.
ropa, demorando-se algum tempo De tal sorte, que se a Familia
em Lisboa e Cascaes, foi ainda Medeiros encontrasse nas duas lit-
em a nação a que tantas sympa- teraturas, brazileira e portugueza,
thias e tantas affinidades a vincu­ a mesma larga vulgarisação euro-
lam, que a notável escriptora con­ péa que obteve, pelo idioma em
cebeu 0 plano, e em grande parte que era escripto, o celebre romance
0 executou, do seu brilhante ro­ Cabana do pae Thomax, Julia Lo­
mance de costumes paulistanos, A pes seria já hoje uma benemerita
Familia Medeiros. Esse livro, onde da humanidade e o seu nome gra-
se estereotypa o período de tran­ var-se-hia em lettras immorredou-
sição do trabalhador escravo para ras para a homenagem da poste­
0 trabalhador livre, ó não só o do­ ridade, na mesma evidencia glo­
cumento de um alto espirito, affir- riosa onde se fixou o nome da
mando-se na exteriorisação de uma grande romancista ingleza.
idéa e na forma de conduzil-a e A Familia Medeiros, que basta­
reproduzil-a, mas também a vibra­ ria para evidenciar o superior ta­
ção de uma alma, condoendo-se da lento da escriptora americana, 6,
miserável condição do escravo, es­ sem duvida, a sua obra prima e
pezinhado pela ferocidade da lei e e aquella que mais imperiosamente
pelo egoismo humano, e clamando a impõe ao apreço da critica.
A M ensageira lOl

Nas conferências realisadas em tricções, louvando a fecunda e emi­


Lisboa pelo illustre poeta-prosador nente prosadora.
brazileiro, Valentim Magalhães, foi Não descançando nunca e se­
devidamente saudada por elle a su­ guindo, sem cessar o ideal de toda
premacia litteraria d’esta senhora, a sua vida, — o culto á Arte e a
que é, sem duvida, a primeira es- divulgação e generalisação dos ele­
criptora do seu paiz. mentos moraes e educativos, ten­
dentes a melhorar a condição hu­
Trabalhando sempre, dividindo
mana, — Julia Lopes d’Almeida
utilmente o seu tempo entre os
vae em breve publicar dois livros
deveres de esposa e mãe, amora-
de contos, parte inéditos e outros
velmente cumpridos, e aquelles que
insertos em jornaes da sua colla-
dimanam do outro amor do seu
boração: O Paiz, A Gazeta de
espirito, a Arte, Julia Lopes tem
Noticias, etc. Alguns d’esses con­
escripto successivamente os roman­
tos trazem a diplomal-os o prê­
ces : As memórias de Martha^
mio obtido em concursos littera­
publicado em folhetins de um jor­
rios. N’esse numero sobresae Os
nal redigido pelo celebre ministro
Porcos, um primor litterario, pre­
do Império, visconde de Oiro Preto,
miado em l.° logar, em concorrên­
e a Viuva Simões^ inserto em fo­
cia com 30 contos de diversos au-
lhetins da Oazeta de Noticias do
ctores, pela Gazeta de Noticias,
Rio, agora reproduzido em volume
um admiravel estudo naturalista,
pelo nosso estimado editor, o sr.
que, na opinião da critica, Zola
Antonio Maria Pereira.
não desdenharia.
ülti mamente, a insigne escri-
ptora deu a lume o Livros das
Noivas^ deliciosa selecção de con­
selhos, indicações e lições femini- Eis era rápidos traços, imperfei­
ninas, de um grande alcance moral tamente desenhados, a physiono-
e economico, como só poderia des- mia litteraria de uma das mais
lisar em desartificiosa palestra in­ gloriosas escriptoras da actualidade,
tima da fina penna de uma mu­ um pouco nossa, como já disse,
lher, para mais realçada por uma visto que o seu talento desabro­
edição luxuosa, artisticamente illus- chando ao sol dos tropicos, mer­
trada. Toda a imprensa portugue- gulhou a raiz nos crystaes do Tejo.
za e brazileira prestou a esses pri­ G uiomar T orrezÃo
mores litterarios o tributo do seu
applause, estimulando e, sem res-
i
y > f

102 A M en sa g eir a

2)uas epochas
Ludibria ventis
No mez mariano. A virginal capella
Dava-lhe á face mais tocante alvura; (Paria Korigan)
E, comparando-a com a Virgem pura,
A ’ D. BrandirM Fajardo
Não sei qual era para mim mais bellal
Em solitário, abandonado ninho,
Nas feições da Madona e da donzella
que a rajada da noite desmanchara,
Havia o mesmo toque de candura,
geme esquecido um pobre passarinho.
E podia-se pôr, numa moldura,
A sua imagem dentro de uma cella! Chove. E para que o triste se abrigara
do rigor da procella, caridosa
Vi-a depois chorando o filho morto,
a floresta sob a folhage’ o ampara ...
Mais do que dantes alva, como um lyrio,
Numa expressão de magua e desconforto...
Folha a folha se juntam, e assim mimosa
E vendo-a então, á triste luz de um cirio. cupula formam, que flexil guarida
Julgava ver meu coração absorto ao orpham presta contra a chuva irosa.
Outra Nossa Senhora no martyrio ...
E cada gota d’agua é convertida
Silvio de Almeida
em sonora toada, com que embalam
8 — VI — 99.
o doce sommo que lhe volve a vida.

Por fim da aurora os lyrios assignalam


o novo dia e as auras matutinas
varrem a chuva, as verdes folhas talam...

^uélia formosa A tenra ave desperta... Entre as neblinas


vêem seus olhos, húmidos de pranto,
(A flôr que ensina a amar)
roto o docel de folhas pequeninas.
«Ensinaa amar» — disseram-me sorrindo —
Conserve-a junto a si, bem junto ao seio Mas fresca viração lhe enxuga, emtanto,
E assim como rebenta o claro veio 08 olhos tristes ... Ergue-se, espaneja
D ’agua, na sombra, o amor virá surgindo.» e balbucia o seu primeiro canto.

Da flôr sanguinea o rubro calix cheio E a viração, que em torno delia adeja,
De extranhos philtros, velludoso e lindo, segreda-lhe: — Tens azas, passarinho!...
— Ama! dizia em lettras de ouro, e, ouvindo A aza ensaia, o vôo mal braceja
A musica do amor, lenta aspirei-o . . . e após contente evola-se . . .
— Adeus, ninho!
Toda a minha alma crédula se abria.
Preza, captiva, extatica á magia Bellarmino Carneiro
Que os corações num mesmo sonho embala,

E agora a rubra flôr mysteriosa


Como uns longínquos sons de aria saudosa
— Eternamente aos meus ouvidos fala.
Zalina Rolim
A M ensageira 103

O telegrapho transmittio-nos, em
0arta do ^io menos de oito dias, a noticia da
31 de Maio de 1999 morte de très artistas distinctes:
Duas visitas illustres vae rece­ Emilie Castelar, 0 tribuno valo­
ber esta formosa cidade: Saint roso, o litterato distincte que tanto
Saëns o grande maestro, o consu­ elevou a Hespanha cora a sua
mado organista europeu e Lucilia penna adestrada e a sua palavra
Simões a talentosa artista brazi- eloquente; Sarcey, o critico notá­
leira, que é um genio e uma glo­ vel que tanto se elevou nessa ar-
ria nacional. dua tarefa de dizer 0 que pensava,
Lucilia, que conta apenas vinte com auctoridade e justiça, sobre 0
annos, tem já deslumbrado a Eu­ trabalho alheio; e Rosa Bonheur, a
ropa com 0 seu talento excepcio­ pintora celebre, a artista de raça
nal. que tanto se distinguiu em sua
Vendo-a e ouvindo-a lembrei-me arte, chegando a receber honras
de Sarah Bernhardt. especiaes, conferidas tão sómente
Esse facto que observei tem sido aos talentos de primeira ordem.
já observado por algumas pessoas. Rosa Bonheur era a directora
Creio que ó 0 maior elogio pos- da Escola de Pintura para 0 sexo
sivel á joven artista, essa compa­ feminino, de sua terra natal e era
ração que nos vem á lembrança, membro da Legião de Honra e do
inconscientemente. Instituto de Autuerpia e da Ordem
Projectam-se grandes festas e Leopoldo, da Bélgica.
recepção condigna aos illustres hos­ Seus quadros attingem a pre­
pedes. ços elevadissimos. A illustre pin­
Bem merecidas e bem justas. tora falleceu cora a edade de 79
Os jardins desta cidade estão lin­ annos.
dos, lindissimos! Ha muitas rosas
variadas, frescas, cheirosas. E ’ um Domingo passado houve no Hos­
encanto. Parece-me que as flores pital dos Lazaros, em S. Christo-
adivinharam ou sonharam com a vam, a festa da Santíssima Trin­
visita dos illustres artistas e que­ dade, na capella do proprio Asylo.
rem se mostrar fidalgas, gentis e Após a missa cantada houve a
cavalheiras. Decididamente houve tradicional procissão que percorreu
alguma intriga... ou então ó certo 0 edifício, fazendo-se em seguida a
o que dizem . . . os flores adivi­ distribuição do pão de Loth aos
nham ! enfermos.
Que cerimonia grandiosa e to-
104 A M e n sa g e ir a

cante! 0 Hospital é um primor de de azul e ainda tinha vestígios de


aceio e conforto. 0 edifício está belleza. A deformidade da moles-
situado no alto, e tem aspecto tra não lhe apagára ainda os en­
sumptuoso e nobre. A vista do cantos da primeira edade.
mar é explendida. A creança estava contente com
Actualmente existem 71 doentes aquella festa, com aquelle movi­
n’aquelle caridoso Hospital. A pro­ mento fóra do commum, com
cissão que percorreu os aposentos aquelle vestido novo e ria-se —
dos enfermos, trazia em dois alta­ pobresinha — inconsciente de sua
res ricamente enfeitados as imagens incomparável desgraça.
da Virgem Dolorosa e de S. Lazaro. Na enfermaria das mulheres en­
Os dormitories amplos e claros contrei uma moça medonhamente
estavam abertos á visita publica. deformada. Ao encarai-a, vieram-
Cada enfermo junto de sua cama me as lagrimns em borbotão. Quiz
aguardava de pó ou de joellhos a disfarçar o meu pranto e não
passagem do prestito sagrado. A pude. A enferma desatou a cho­
sineta tilintava de leve, a banda de rar também, como creança, solu­
musica tocava uma melodia arras­ çando alto
tada, tristíssima... e a imagem de Os homens trajam uniforme de
Nossa Senhora das Dores, carre­ brim. Na cama de um delles, so­
gada por gentis senhoritas, entrava bre a alva colxa, destaquei umas
no aposento dos pobres degredados iniciaes feitas com pétalas de ro­
da sociedade Em seguida vinha sas.
S. Lazaro e no seu rosto soffredor Que quereriam dizer aquellas
parece que havia uns laivos de re­ lettras? Pobre infeliz.
signação e piedade. A festa foi honrada com a pre­
A irmã esmoler distribuia o pão sença do Presidente da Republica
de Loth aos enfermos, que o rece­ e de muitas outras pessoas gradas.
biam com lagrimas nos olhos. 0 illustre sacerdote, senador
Que scena triste! Sinto ainda o Alberto Gonçalves, pregou um bri­
coração esphacelado de dor ao lhante sermão tendo por these a
lembrar-me d’aquelle espectáculo esperança e a resignação como o
medonho e tocante. balsamo no soífrimento.
A enfermaria de S. João Evan­
gelista 6 só de creanças.
Vi uma menina, enferma, de «Noites BrarileircLs^^ o volume-
quatro ou cinco annos de edade! zinho de contos de Ignez Sabino,
A pobresinha estava toda vestida destinado á mocidade, entrou em
A M e n sa g e ir a 105

nova edição, para 0 4.° milheiro.


Esse facto, que niuito abona a ta­ 2)omingo de ^amos
lentosa escriptora, é por si um
Ao Padre Correia de Almeida
grande elogio e dispensa os mens
Badala o sino e a procissão desliza,
comraentarios
Commovendo minh’alma de poetisa!
Uin livro de que se vendem, em
pouco tempo, tres mil e tantos Entre as alas de tochas enfeitadas
exemplares, c um livro de mere­ De ramagens e flores variegadas,
cimento. Resplandece o perfil sereno e doce
Da imagem de Jesus, como se fosse
Consola e agrada em extremo,
Um grande sol predestinado ! ücculto
principal mente ao auctor que terá Entre as dobras da tunica, seu vulto.
os proveitos de seu talento e as Sereno e triste, magestosamente
algibeiras recheiadas. .. que 6 0 Domina a multidão piedosa e crente.
melhor da festa. Lindos anjinhos de azas estrelladas,
A o compasso das musicas sagradas.
Vão deslizando fulgidos, risonhos,
Antes do ponto final devo dizer Como as brancas visões dos bellos sonhos !
(|ue estiveram brilhantes as festas
de 24 de Maio, com memora ti vas Atravez da espiral que se desata
Dos luzentes thuribulos de prata,
da grande batalha de Tuyuty. Em
Um sacerdote pensativo e grave,
frente a estatua do legendário Ge­ De olhar sereno e ao mesmo tempo suave.
neral Osorio houve uma festa im­ Conduz o Santo Lenho !
ponente e popular. A alma que trilha
Ainda bem! O caminho do crime então se humilha
E reza e chora e geme sob o império
Preparam-se também bonitas fes­
Da imponência divina do Mysterio ! . . .
tas para o proximo Onze de Junho. E o povo segue reverente e mudo!
A talentosa esculptora brazileira Oh ! Que solemne magestade em tudo !
Nicolina Vaz de Assis trabalha
assiduamente no busto do glorioso Jovens donzellas pallidas, formosas
De roupagens de neve melindrosas
Almirante Saldanha da Gama, que
Como as plumas alvissimas da garça.
deve ficar prompto para esse dia, Lá vão passando, a cabelleira esparsa.
de festa para a Marinha do Brazil. Esparsa em ondas de velludo escuro !
E que melhor homenagem po­ Uma velha com passo mal seguro
dem prestar á Patria os nossos V ai caminhando vagarosamente . ..
Tendo um cirio na mão rugosa e algente.
Officiaes de Marinha do que inau­
Satisfeitas cumprindo uma promessa
gurando nesse dia, 0 busto d’a- Outras passam com pedras na cabeça.
([uelle que foi 0 orgulho e a honra Vindos de longe . .. de longinquos lares.
de sua classe? Passam velhos, creanças, militares,
Maria Clara da Cunha Santos E infelizes mendigos aleijados!
io6 A M e n sa g e ir a

E os meus olhos contemplam, deslumbrados, beijos, que 0 adormeça com as


Todo o vasto scénario onde se estampa minhas cantigas, que lhe ponha na
Desde o berço á mudez fria da campa,
boquinha fria 0 meu peito quente
A tragédia da vida.
E emquanto a esmola — fonte da vida... sim, o meu leite
Bemfazeja da lagrima consola fará 0 milagre, resuscital-o-ha. Fi­
O impressionável coração que tenho lho, acorda, volta para 0 mundo;
Com os olhos fitos no Sagrado Lenho eu serei só tua, não sairás dos
Ajoelho-me contricta ! Oh! Jesus Christo,
meus braços, passear-te-hei ao soK
Pelo vosso martyrio nunca visto
Deixae que a luz da crença immaculada vestir-te-hei de roupas perfumadas,
Illumine esta vida amargurada não deixarei que nenhum mal te
Que arrasto aqui na terra! Oh! Virgem Pia, attinja; crescerás gordo, risonho,
Dae-me outra vez ao rosas da alegria, farto; depois serás um homem
Que perdi no verdor da mocidade !
bello, poderoso, amado; a tua von­
Não sei que tedio extranho assim me invade
A alma, que luta e se exaspera em vão ! . . .
tade será sempre a feita, cantarás,
Como é feliz toda esta multidão espalharás alegrias, gozarás do bri­
Resignada e tranquilla!... lho deste céo azul e das estrellas
E emquanto eu faço formosas, serás fe liz ... Volta aos
Esta férvida supplica e no espaço
meus braços, toma 0 meu peito,
A lua cheia tremula se afasta
No azul da umbella transparente e vasta. suga 0 meu sangue, todo 0 meu
Badala o sino e a procissão desliza, sangue ó teu, 6 teu, e todo 0 meu
Commovendo minh’alma de poetisa! corpo, e toda a minha vida!
Aurea Pires
S. João d’El-Rey, 31 — 3 — 1899. II

0 QUE DIZ UMA VELHA

Fecha-te, lousa branca, guarda


bem guardado no fundo da terra
esse corpinho mimoso que a morte
^unto de um tumulo de
levou para 0 mundo onde não ha
criança lagrimas. Transforma-lhe a carne
{A ’ Presciliana Diiarte de Almeida) em flor que a mãi aspire, a alma
em estrella que dos irmãos guie
I
os passos incertos. Que lhe daria
0 QUE DIZ UMA MÃI
a vida? Ah! bem s e i... lutas,
Quebra-te, abre-te, pedra impla­ cansaço, maguas que afogam <»
cável, deixa que eu tome nos meus coração mais duro. Pisaria espi­
braços 0 seu corpo côr de luar, nhos, 0 sangue dos seus pés mo­
que eu o aqueça com os meus lharia os caminhos por onde an-
A M ensageira 107

dasse, as suas melhores palavras e fazer-se a gente humilde para


seriam ouvidas com escarneo; 0 se tornar sympathica — porque a
homem desconfia do homem; á velhice arrogante é bem pouco es­
sua caridade chamariam ostenta­ timada — e ver fugir os encantos
ção, á sua benevolencia mentira, e as bellezas, que abandonam os
ao seu orgulho vaidade, ao seu corpos de idade, como os pombos
amor cliimera e ao seu sonho lou­ os pombaes infestados, e ter de re­
cura! zar por alma deste ou (laquelle
Guarda, lousa branca, esse corpo (quem envelhece sem ver morrer?),
macio e pequenino, traze-o só á e revoltar-se contra as injustiças,
flor do solo em violetas e em ly- e ter piedade dos desgra(,‘ados, seni
rios, para que 0 orvalhe 0 cóo e poder valer a ninguém, 0 ter uma
o sol 0 beije, e 0 beije a lua; filha mal casada, um filho louco,
mas não te abras se algum poder ou qualquer dessas coisas tão com­
divino 0 quizer resuscitar, porque, muns na vida, — dizei, é bom?
pobrezinho! elle teria de soífrer 0 Não.
que eu softri, 0 que soffrem todos A propria lembrança do amor,
os que amam, os que trazem no eixo da vida amarga, porque delle
peito 0 pêndulo da vida, 0 cora­ fica a saudade, a saudade que ó a
ção insaciável, feroz, que nada unica força vital que anima um
contenta e que nos devora. corpo velho, que se curva para a
E a velhice? Us passos arras­ terra, á procura da semente d(>
tados, as mãos vacilantes, sem ar­ onde ha de germinar a flor de
rime, a confusão das idéas, essa uma nova illusão.
poeira de ouro fecunda que a muita Lápide branca, lápide fria, guarda
idade transforma em lama pastosa? no fundo da terra esse corpo mi­
Eis uma das maiores dores, sen­ moso, transforma-lhe a carne em
tir que no nosso cerebro 0 pen­ flor que a mãi aspire, a alma em
samento não évolué radioso, claro, estrella que dos irmãos guie os
nitido, que ha esforço onde havia passos vacilantes. .
espontaneidade, ruinas e escombros J ulia L opes de A lmeida
irremoviveis onde havia outr’ora (Do Paix)
altos castelos luminosos, abertos a
todos os ventos, com musicas e
rimas, arrojos e esperanças? En­
velhecer ... morrer aos poucos, sen­
tindo apagar-se dia a dia as lan-
terninhas magicas do entendimento
io 8 A M e n sa g e ir a

facto raro: que ella teve uma alma


Esperança sempre superior á fortuna e que
(A’ minha gentil amiga Jacinthinha Bandeira) as suas tristezas, como a sua ri­
queza, só a tornavam mais acces-
Nem tudo morre, sim ! nem tudo finda,
Seja a noss’aIma, ás vezes, muito embora, sivel a todas as desgraças.
Ermo onde a luz benefica da aurora Nunca será conhecida a lista
Nâki penetre siquer, cantante e linda ; das suas boas obras, e, de resto,
I
seria ella interminável.
Nem um raio de sol, que a terra inflora
Mas disto resalta o mérito da
De mágico esplendor, e, mais ainda
Fulgente e bello resplandece á vinda discreção e simplicidade com que
Da primavera alegre, encantadora . . . sabia dar. Nada havia que a af-
fligisse tanto como a divulgação
E o nosso coração seja um deserto.
dos seus benefícios; parecia receiar
Ou qual templo sem deuses nem altares
que, por esse facto, perdessem elles
Sómente á dor e ao desalento aberto;
todo 0 seu mérito.
— Nem tudo morre ou finda ... A dor não Não esqueceu o seu retumbante
cança . .. donativo de dois milhões de fran­
De entre, porém, duríssimos pezares.
cos ao Instituto Pasteur, mas não
Ha sempre viva e doce uma esperança . . .
partiu delia a indiscreção. A ’ So­
Oeorgina leixeira
ciedade Philanthropica fez um do­
nativo não menos importante, para
constituir pensões allimenticias ás
mulheres de estimação, attingidas
pelos revezes da fortuna e arre­
messadas para os abysmos da mi­
H Baronesa de Kirsch séria,
Recentemente falleceu em Paris A sua preoccupação constante
esta senhora que assignalou a sua era alliviar as misérias, as mais
passagem por este mundo por fa­ delicadas, as mais difficeis de con­
ctos extraordinários. fessar. Foi assim que ella, pouco
Fazendo da sua immensa for­ antes de morrer, fundou na Aus­
tuna a mais tocante e bella ap- tria e na Hungria duas obras de
plicação entra ella no livro de dois milhões e meio cada uma,
ouro da humanidade e assim tem para empréstimo gratuito áquelles
aqui toda cabida um fragmento da que recusem uma esmola: operá­
pagina que lhe terá de ser con­ rios empregados ou outros.
sagrada. A baroneza de Hirsch era aus­
Está todo 0 seu elogio neste tríaca por seu marido, e belga por
A M e n sa g e ir a 109

nascimento. Por isso, estas duas 0 mesmo destino teve para os ou­
obras natural mente se explicam. tros, sorrisos parece que expressa-
Mas a caridade deve ser univer­ moiite dados para enxugar algu­
sal, e desta forma 0 entendia e mas dessas lagrimas. . .
praticava a baroneza de Hirsch, (Extr.)
como, além do que ella fez cm
França 0 fez em Londres, fundan­ M.
do um sanatorio, e em New-York
uma casa de refugio para as mu­ Koivado
lheres e raparigas que, idas da Iniagínaram cainponezas bellas,
Europa á cata de uma situação, se De quinze anuos quasi todas ellas,
Casar-se á beira mar.
encontrem sem logar e sem asylo.
E na Baviera fundou um hospicio Colheram floi'es e das mais viçosas,
Boninas, cravos, malmequeres, rosas,
para parturientes. E, neste mo­ PVas frontes coroar.
mento, está sendo construída em
Eil-as de branco, as timidas donzellas.
Paris uma escola, á sua custa. Mimoso bando de gentis gazelas,
Estas são as principaes funda- A’ frente do pastor.. .
ç(5es, mas quantas outras, sem fal- Todas envoltas em ligeiros véus,
lar das muitas e innumeras e avul­ Iam, perante os constellados céus.
Sagrar o seu amor.
tadas esmolas que ella distribuía,
todos os dias, sem distíncção de Era imponente a orchestra nupcial!
origem ou de religião. Preludiando marcha triumphal,
As ondas segredavam.
A todas as subsripções abertas
para acudir a uma desgraça ou Riam, cantando ao longe, os gondoleiros.
Os bellos noivos, ternos companheiros
calamidade ou para auxilio duma Que as noivas esperavam.
obra sympathica, mandava sempre
De vaga em vaga, estridulo, possante.
uma oíferta magnanima, de ordi- Repercutiu um grito soluçante,
dario sob 0 véo do anonymo. Que vinha d’alem-mar,
O imperador da Austria, que lhe E as ondas se entreabriram mansamente
votava uma muito particular con­ Para em seu seio calmo e transparente
As noivas abrigar.
sideração, conferira-lhe uma das
primeiras cruzes da Ordem de Eli­ Quando, altas horas, tardos remadores
Cavam das ondas mysticos rumores
sabeth, fundada em recordação da Em noites de luar,
imperatriz assassinada em Genebra.
Contam, chorando, a scena lutuosa,
Taes os traços geraes do que foi Com voz tremente e face lacrimosa,
a caridade desta grande mulher, Fitando o vasto mar !
que, nos sorrisos que 0 destino Perce-neige
teve para ella, viu as lagrimas que
I IO A M e n sa g e ir a

— Não vaes á festa das Bodas


Bodas de ^rata de Prata do Dr. Braulio? pergun­
tou 0 enfermo.
(A ’ Maria Honoria Duarte Feitosa)
—• Não sei, meu amigo, depende
— Bemvindo sejas, compadre ainda de certas decisões. A pro-
Anselmo! Ha tanto tempo que posito, conheces a historia da vida
não te vejo! E’ obra de cari­ dosse Dr. Braulio?
dade visitar enfermos e encarce­ — Não, qual é?
rados, não sabes? — Ora! já faz tanto tempo que
— Então, que é isso? também 0 caso se passou, que até o pro-
os fortes pagam seu tributo! E’ prio Dr. se esqueceu do que houve,
a primeira vez que te vejo de pelo menos é o que eu penso.
cama. Logo que o Dr. Braulio se casou,
— E’ 0 rheumatismo, o maldito houve muita gente maliciosa que
rheumaíismo. impossibilitado de não viu com bons olhos essa união,
sahir á rua, até mesmo ao jardim, apparenteraente feliz. Diziam uns
aqui estou, de molho, ha très dias, que 0 casamento fora feito por inte­
que me parecem très séculos! resse; a moça tinha fortuna. Diziam
Foi este o cumprimento dos dois outros que o despeito fôra a causa
velhos amigos e compadres Ansel­ desse enlace. Viveram alguns an-
mo da Silveira e Julio Braga. nos assim, com apparencias de fe­
Um balsamo consolador foi esta licidade, até que um dia o marido
visita para o pobre enfermo, abor­ começou, com bons fundamentos,
recido e cançado de aturar a cama. a desconfiar da mulher. A prin­
A conversa foi longa e animada. cipio a suspeita e depois a duvida
As janellas do quarto fechadas, a assaltaram horrivelmente o espirito
casa silenciosa. Em uma cadeira do medico. Elle, pretextando uma
de balanço, no quarto do doente, viagem urgente, ausentou-se de
sentára-se o compadre, a çonver- casa, promettendo voltar d’ahi a
sar sobre todas as cousas, com sua cinco dias.
costumada alegria. Anselmo re- — E voltou?
juvenecia ao prazer da encanta­ — Espera. Que soffreguidão !
dora palestra do amigo. Já não Não se demorou o tempo que
sentia as dores tão fortes que tanto disse, voltou no mesmo dia. Se­
0 atormentavam horas antes e a riam oito horas da noite, mais ou
pouco e pouco, ia se animando ao menos; o luar muito claro alumia­
benefico som d’aquellas palavras va perfeitamente o gabinete da casa
queridas. do medico, onde elle dava cônsul-
A M e n sa g e ir a 111

tas. Esse gabinete era logo á en­ — Quem está? perguntou elle,
trada da porta da ma, ao lado es­ olhando para a porta e affectando
querdo. Muitas estantes de livros, calma.
uma chaise-longue^ a secretaria, — Ninguém, responde a mulher.
alguns quadros de valor e uma — Nesse quarto, replica o ma­
mobilia de junco eram todos os rido, não existe então, pessoa al­
moveis desse logar. Ao fundo do guma?
gabinete havia uma alcova, quasi — Ora, ora! já disse que não.
que sem utilidade, por ser muito — Bom.
escura e sem ar; nào tinha si- Sentou-se junto á esposa, que
quér uma janella nem sahida para tremia como varas verdos, e, con­
outro commodo. O medico en­ tando-lhe os incidentes de sua via­
trou de repente, sem fazer ba­ gem, parecia completamente despre-
rulho. Não era esperado aquella occupado do grande escândalo que
hora. A mulher estava sentada presenciára.
no sofásinho, ao lado de um su­ Tocou 0 tympano. Veiu o
jeito, conversando muito contente. creado.
O luar batia em cheio sobre — Vae chamar, com urgência,
os dois vultos, distinguindo-os 0 Chico carpinteiro e dize-lhe que
claramente. Mal perceberam a traga as ferramentas, ordenou o
entrada do m edico, houve um medico, em tom decisivo.
momento de verdadeira hesitação; A mulher extremeceu mas não
0 crime condemna, o sujeito quiz disse uma palavra. Ambos appa-
fugir, não havia tempo. O medico rentemente calmos, conversavam
desviou 0 olhar, de proposito, para com tanta naturalidade que dir-se-
dar tempo a qualquer resolução. hia nada haver de extraordinário
A mulher, atrapalhadissima, apon­ n’aquelle recinto.
tou ao sujeito a porta da alcova, D’ahi a pouco veiu o carpinteiro
unico refugio n’aquelle perigoso que disse, satisfeito: prompto seu
instante, e, extendeu para o mari­ Doutor, ás suas ordens.
do os braços infames que minutos — Quero que tranques esta
autes abraçáram o seductor. porta com toda a segurança.
O sujeito entrou para a alcova — Para que? seu Doutor, a
e cerrou a porta. esta hora da noite, perguntou o
Esta scena, alumiada apenas carpinteiro, admirado.
pelo luar, desvendou aos olhos do — Faze 0 que te ordeno e não
medico todo o horror de suas sus­ retruques.
peitas. D’ahi a meia hora estava a
I I2 A M e n sa g e ik a

porta fechada e trancada comple­ cheiro insupportavel de podridão


tamente. começou a infectar a casa toda.
O medico, no seu intimo victo- — Que é? que será? indagava
rioso, pensava: prendi-o para sem­ o medico, como se aquelle cheiro
pre, desse cárcere não sahirá mais. nauseabundo não o certificasse da
Terminado o serviço foi o car­ verdade inteira.
pinteiro generosamente gratificado. A ’ tarde, elle e a esposa foram
^ A mulher — vê, compadre, que passeiar no Morro das Cruzes, lo­
bisca?! — continuou na mesma, gar poético e um tanto afastado
apparentando tranquillidade que da cidade. Durante sua ausência
ella, absolutamente, não podia ter. a alcova foi desirtfectada e o ca­
O medico nessa noite e nas ou­ daver do seductor sepultado. Para
tras subsequentes dormiu no ga­ esse fim, o medico incumbiu dois
binete de consultas, e o que 6 camaradas de confiança, amigos
para admirar! dormiu com a tal certos e dedicados. Voltaram do
mulhcrsinha a seu lado. passeio, elle sobraçando bonitas
— Não era eu mais que me flores do matto, que ia encontran­
fiava nella, exclamou Anselmo! do pela estrada, ella com o lenço
cheio de joás maduros.
— Pois é 0 que te digo. meu
Durante o passeio, elle com
compadre, o freguez trancado n'a-
quella alcova, nem piava, coita­ meiguice inexcedivel ia explicando
á mulher o nome, a serventia e a
dinho!
origem de algumas plantas exqui-
De manhã o medico disse á mu­
sitas que encontravam ao acaso,
lher que almoçava ali mesmo. E
e todo amoroso, mostrando pro­
ella lhe fez companhia ao almoço,
fundo conhecimento de botanica,
devorando com appetite as sabo­
deslumbrava a esposa, assustada,
rosas iguarias da refeição e be­
em extremo, com aquelle carinho
bendo um bom calice de Xerez.
im merecido.
Todo 0 dia o medico esteve no
Chegaram emfim. Em casa, na­
consultorio, ora lendo, ora escre­
da de novo, apenas a porta da
vendo, receitando, examinando do­
alcova aberta.
entes. A ’ tarde repetiu-se a mes­
ma scena; o jantar foi servido ali — E essa mulher nada fez quan­
mesmo. E para encurtar razões, do viu consummado o seu crime?
oito dias se passaram sem que o — Qual 0 que! Compadre!
Dr. Braulio abandonasse aquelle Continuaram a viver perfeitamente,
logar. No fim desse tempo, um 0 medico até hoje nada fez; es-
A M en sa g k ir a >'3

tava vingado e satisfeito; a mu­ Vida


lher tomou a lição, criou juizo e ...
A Oeorgina Teixeira
— E depois?
— D epois... Viveram muito fe­ Tudo scintilla e tudo reverdece!
— Das arvores na fresca ramaria
lizes. .. e amanhã vão festejar suas
O psalterio das aves principia.. .
Bodas de Prata. A Natureza exulta e resplandece ! . . .

Manhã de rosas . .. Fulgido apparece,


E os dois velhos compadres e
De luz enchendo o espaço e de ardentia
amigos riram-se a mais não poder. O Sol amigo e bom, que a serrania
Nos olhares de ambos bailaram Invade, e o bosque aclara e o ninho aquece.
sorrisos maliciosos. Anselmo pe­
Na embriaguez do aroma, as borboletas
diu uma colher do remedio, e com Por entre as flores andam, irriquietas,
espanto viu, no relogio, ter deixa­ Pandiculando as azas multicores . . .
do de tomar duas doses, entretido
E abre-se o campo em flores, venturosas...
como estava, com a palestra do — Se eu persebesse as fallas mysteriosas
amigo. Das leves borboletas e das flores ! . . .
M aria C lara da C unha S antos Peres Junior

Volta ao passado
As minhas paixões não podião morrer porque
erão immcnsas, e o que é immenso é eterno.
(Eurico, A. Herculano.)
Quando á noite profunda, erguendo o olhar maguado,
Para o estrellado ceu, na visão do infinito,
A mim mesmo contando o austero poema escripto
Que no sacrario d’alma existe inalterado ;

N ’um momento olvidando o aculeo inominado


D ’esta dor que se espande em lacérante grito,
— N ’um sonho constellado, o teu semblante e fito
Sob um pallio de luz e o encanto ethereo e alado!

Delue-se a inagua então n’um delicioso instante


N a posse do que foi, do que ficou distante,
Na erma estrada da vida, eriçada de abrolhos . . .

A alma volta ao passado, e tremula e sorrindo.


Sente junto ao teu seio o mesmo amor infindo,
A mesma adoração no abysmo dos teus olhos.
Manoel Arão
1 14 A M ensageira

em primeiro logar a malediencia.


Selecção Para tirar este pretexto á critica,
Porque, ha tanto tempo, só se seria preciso dar-lhes um alimento
chamam as mulheres flores da terra, ao espirito, regular-lhes a imagi­
encantos dos olhos? nação, tolerar emfim que fossem
Porque se incensa exclusiva­ instruidas. Essa educação modi­
mente as suas qualidades physicas, ficada podcria dar-lhes á alma essa
afim de limitar o seu império a força, essa coragem que lhes tor­
essa bella mocidade, infelizmente naria mais supportaveis os males
tão passageira; emquanto que, com­ que assolam o genero humano.
panheiras do homem, ajudando-o [D o Atheneu das senhoras]
a passar suavemente o mar tem­
pestuoso da vida, têm direitos eter­
nos á sua estima e muitas vezes
á sua veneração?
Porque fallar tanto na belleza e
desprezar as qualidades da alma? Escutai
Não parece que as mulheres estão {No album de Emma W. N. Paranaguá)
classificadas no numero desses ani-
Vou de novo partir. Cortar os mares
maes domésticos dos quaes só se E campinas extensas, verdejantes;
apreciam as vantagens do corpo, Vai meu ser, em soluços lancinantes.
e algumas gracinhas, fructos de Habitar novamente extranhos lares.
um instincto feliz?
De minha sina atroz cruéis pezares
De onde vem ainda essa opi­ Obrigam-me a buscar terras distantes;
nião commum que o homem é su- Não terei, nem siquer por uns instantes
peiior á mulher? Em primeiro Verdadeira affeição, n’esses logares.
logar, de ter sido o homem o pri­
Mas si a sorte de mim tiver piedade,
meiro a dizel-o, a escrevel-o, sem Um dia voltarei do meu degredo
encontrar contradictor... A gosar teus carinhos de amizade. ..
E’ 0 desprezo bem conhecido
Então, comtigo á sombra do arvoredo,
dos homens pelas mulheres que as
Eu triste, que definho de saudade
deprecia a seus proprios olhos, faz Talvez que te confie o meu segredo!
com que procurem homenagens Capital 30 — 12 — 98.
frívolas e tira a suas almas essa Ridelina Ferreira
especie de energia de que são na­
turalmente susceptíveis.
Entre todos os defeitos com que
miraoseam as mulheres, collocam
A M e n sa g e ir a 115

subjectivista de Carlota Brouté e


Kotas pequenas ao estudo de psycologia de Paulo
Guiomar Torrezão - No cemi­ Bourget. Daremos logo que nos
tério dos Prazeres, em Lisboa, seja possivel um capitulo dessa
realizou-se com grande solemni- obra, que é uma das maiores no­
dade a trasladação dos restos mor- vidades literárias de Portugal.
taes de Guiomar Torrezão, do ja­ Emilia Pardo Bazan — Eis como
zigo onde permaneceram por em­ Xavier de Carvalho descreve uma
préstimo para 0 jazigo das familias festa realizada em Paris em honra
Costa e Torrezão. daquella eminente escriptora:
A cerimonia foi precedida de mis­ «A grande escriptora hespanho-
sa de corpo presente, á qual assis­ la d Emilia Pardo Bazan acaba
tiram muitas senhoras e grande de chegar a Paris, onde realisou
numero de admiradores da notá­ uma conferencia muito importante
vel escriptora. na sala Chavas sobre a llespanha
Sobre a urna foram collocadas de hontem e de hoje. Depois houve
muitas flores pelas amigas da illus­ um pequeno jantar em sua honra
tre finada, destacando-se entre todas no restaurant Durand.
uma cruz de rosas deposta por No dia seguinte a Fronde^ 0 jor­
sua irmã. nal feminista bem conhecido, offe-
Bem haja essa homenagem pos- receu á distincta romancista hes-
thuma prestada ao luminoso talento panhola uma festa nos salões da
da possante luetadora. redacção onde tocaram e cantaram
Elle - E ’ este 0 titulo de um os mais distinctes artistas de Paris.
novo romance da distincta escri­ Mme. de Rute, princeza de Rat-
ptora portugueza Claudia de Cam­ tazzi, convidou-nos depois para 0
pos, auctora da Esphiiige, do Ul­ grande jantar que offereceu á emi­
timo Amor^ do R in d o... do Mu­ nente escriptora.
lheres e das bem elaboradas Car­ Entre os convivas: 0 conde de
tas Femininas^ publicadas ha tem­ Kératy, Aurelien Scholl, duque de
pos pelo Diário Popular. Tarento, conde de Solms, principe
Este livro, que acaba de ser im­ Bonaparte Wyse, principe de Lich­
presso em Portugal, não chegou tenberg, João Richepin, 0 vice-
ainda ao Brazil, segundo cremos, presidente da Republica brazileira
0 que, porém, já aqui chegou ó a — Dr. Manoel Victorino, A. d’Atri,
sua fama de trabalho primoroso, Xavier de Carvalho, Alexandre
destinado a exito brilhante. Dizem Parodi, 0 deputado socialista Antide
que 0 romance c filiado á escola Boyer, 0 pintor Rattaeli, sr. e Mm.
1 10 A M knsagkira

Cheliga Lœvy, o jornalista Xavier neiro: «Envio-lhe uma mimosa


de Ricard, o compositor de musica lenda poética de ‘ Perce-neige ’ pseu­
e professor do conservatorio de donyme sob que modestamente se
Lisboa, Francisco Lacerda, o nosso esconde formoso talento feminino
collega do Jornal do Braxü — do Ceará.
Silva Lisboa, Tournier, Marie Louise Ha muito sentimento romanesco,
Gagneur, Mme. de Grey, o ex-mi- muito encanto nesses singelos ver­
nistro Heredia, o poeta Marc Le­ sos, pagina que arranquei, com a
grand, etc. cumplicidade de uma amiguinha
Foi uma festa muito brilhante fluminense que não desdenha as
como costumam ser todas as que boas lettras, a um jornalzinho lit-
offerece a illustre princeza de Rat- terario manuscripto e redigido ex­
tazzi, que tem reunido nos seus clusivamente por distinctas senho­
salões os mais distinctos brazileiros ritas cearenses.
de passagem em Paris, como Silva Do mesmo jornal penso roubar
Jardim, como José do Patrocinio, mais algumas preciosidades inédi­
Dr. Marcondes, Dr. Manoel Vi- tas para mimosear a «Mensageira».
ctorino, etc. Livros. Psychoses.! de C arlos
Mme. de Rute vae introduzir Coelho, e Flor de Neve, de Eurico
bastantes melhoramentos na sua de Goes, são dois livros impressos
revista Les Matinées Espagnoles.^ com nitidez e elegancia, como tudo
Joanna Dare. No dia 30 de Maio que sahe das officinas de Carlos
ultimo, anniversario da morte da Gerke & C.‘® e dos quaes nos oc-
celebre heroina franceza, houve em cuparemos era breve.
Paris, grande romaria á sua esta­
tua, que ficou coberta de coroas.
A Rua do Ouvidor encetou, a 13 ^ Mensageira
de Maio, o seu 2.° anno de exis­ A Mensageira — Recebemos os
tência, pelo que a felicitamos cor­ dois últimos numeros desta esplen­
dialmente. Commeriiorando a glo- dida publicação, dedicada á mulher
riosr data da abolição, estampou brasileira, e que tem como reda-
em sua pagina de honra o retrato ctora D.® Presciliana de Almeida.
de D. Izabela, a Redemptora. O ultimo numero traz o retrato
Perce-neige. E ’ este o pseudo­ da poetiza Aurea Pires, bons es-
nyme de intelligente e inspirada criptos em prosa e duas bellissi-
poetisa brazileira, como se vê, pelo mas poesias de Silvio e Presci­
seguinte trecho de uma carta com liana de Almeida.
que nos honrou Bellarmino Car- (Da Ceciliana)
São Paulo 15 de Agosto de 1899 Anno II, N. 30

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direstora — Prescíliana Duarte de Almeida

P u b lic a -s e no d ia 15 de cada m ez
Pagamento Preço da assignatura, 12$000 por anno 1 Numero avulso
adiantado E n d e re ç o : R j a de S ta . Iphigenia, N . 57. j Rs. 1$000

D r . C â n d id o E s p in h e ir a

DIRECTOR DO HOSPITAL DE ISOLAMENTO


ii8 A M en sagkira

Summario: — Dr. Candido Espinheira; a ventura de conhecel-o e admi-


— Soneto, Candido de Carvalho; —
ral-o.
Carta do R io , Maria Clara da Cunha
Santos; — A virgem de Murillo, excerpto A ’ capital do Estado da Bahia
de drama em verso, Adelina Lopes V i­ cabe a gloria de ser o seu berço
eira; — A escolha de um modelo; —
natal e ahi iniciou elle a sua bri­
Junto ao berço de Dalila, poesia, Bellar-
mino Carneiro; — Selecção; — Le Fé­ lhante carreira scientifica.
minisme au Brésil, Xavier de Carvalho; Transferindo-se para o Rio de
— Volta aos pagos, soneto, Candida
Fortes — Escala do viver, poesia, Pres-
Janeiro, onde fez os quatro annos
ciliana Duarte de Almeida; — Notas últimos de seu curso medico, for­
pequenas. mou-se em 1880, tendo sido até
então interno da casa de saude de
N. S. da Ajuda.
2)r. Candido Espinheira Levado pela sede de saber, par­
A todos que sabem quanto nos tiu para a Europa em 1882, tendo
cala n’alraa a dedicação e solici­ se demorado em Yienna, Paris e
tude de um medico proficiente á Berlim, afim de se aprofundar nos
cabeceira de um enfermo querido, estudos de gynecologia, em que é
não surprehenderá a modesta e jus­ especialista consnmmado. Além
ta homenagem que hoje tributamos desta especialidade, o Dr. Espi­
ao illustre Dr Candido Espinheira, nheira é proclamado por seus col-
director do Hospital de Isolamento. legas mais eminentes como especia­
Que a medicina é um apostolado lista de crup, a horrivel enfermi­
ouve-se geralmente dizer, quantos dade que é 0 terror das mães e o
medicos, porém, como o Dr. Can­ escolho de tantas vidas preciosas
dido Espinheira se compenetram até O Dr. Espinheira tem por varias
0 sacrificio do papel sublime que vezes dirigido o serviço sanitario
está reservado ao homem de scien- desta capital, com applausos geraes,
cia junto do berço de nossos filhos mas 0 que o torna credor da grati­
ou do leito de nossas mães? dão e admiração de todos é o seu
E’ que a medicina, além de gran­ bello impulso, o seu incansável desve­
de somma de talento e sabedoria, lo na direcção do Hospital de Isola­
exige do homem abnegação illimi- mento, cargo que assumiu em 1895
tada, iniludivel desprendimento e e que lhe foi confiado pelo bene-
incomparável caridade. E é por merito Dr. Cesario Motta, de sau­
possuir em alto gráu taes predi­ dosa memória. Dizem todos os en­
cados que 0 nome do Dr. Espi­ tendidos que aquella instituição ri-
nheira é repetido com acatamento valisa com as suas homogêneas das
e enthusiasmo por todos que têm mais adiantadas cidades da Europa
A M ensageira 119

e da America e que não ha ex-


trangeiro que depois de haver pe­ 5oneto
netrado no Hospital de Isolamento
Era-me a vid a asperrim o deserto.
não se pronuncie com enthusiasmo
E nnevoada de brum as era a via,
sobre a sua sabia direcção, procla­ Q ue perlustrava, com destino incerto,
mando 0 asseio, ordem e disciplina E a passos in certissim os media.
que alli reinam de par com a maior
O lhava o ceu, e o ceu era cob e rto
delicadeza, carinho e abnegação de
da m esm a treva, qu e me recobria.
seu digno director. F u g in d o á fé, expunha-m e in exp erto
O estabelecimento, edificado no A ’s torturas da D u vid a som b ria __
aprazivel bairro da Avenida Pau­
lista, dispõe de pavilhões isolados Mas tu vieste, ó Crença, tu vieste
P ovoar-m e o deserto de explendores,
para as diversas moléstias conta­
E encher minha alma de explen dor
giosas, installados com rigorosa hy­ celeste.
giene, possuindo lavanderia a va­
por, com accessorios para a desin­ E eu, desprezando os m undanaes ful­
gores,
fecção, que dizem ser a unica que
V i sem dem ora, que m e detiveste
ha neste genero em nosso paiz. D e ajuntar m aior m agua ás minhas
O Dr. Cândido Espinheira com­ d o r e s ...
penetrado do martyrio a que teriam
C â n d id o d e C a r v a l h o
de se submetter as familias, sepa­
rando-se dos enfermos que lhes fos­
sem caros, fez com que alli se cons-
truisse um pavilhão dividido em
duas secções e destinado a receber
as pessoas que não quizerem aban­
Garta do ÍUo
donar os seus doentes amados e
isto só basta para que mereça a E’ 0 caso de se prometter um
bençam de todas as mães, de todas prêmio — e bom prêmio — ao
as esposas, de todas as filhas! Não chronista que conseguir durante
é emtanto extranhavel que ideia uma quinzena como esta — só de
tão feliz partisse de seu cerebro festas e de alegrias — escrever
de chefe de familia exemplar e duas linhas que não sejam dis-
amorosíssimo. Quem sabe sentir, criptivas dos festejos esplendorosos
adivinha os alheios sentimentos. e dizer duas palavras que não se
Honra pois ao incansável, cari­ refiram á festa, que tudo absorve.
tativo e talentoso clinico Dr. Cân­ Aos jornaes diários, exclusiva­
dido Espinheira. mente. devia caber a tarefa de re-
I 20 A M e n sa g e ir a

latar, por miudo, as festas e os nem recebel-a quando me veiu pro­


festejos. curar.
Aos escriptores que escrevem Esses desencontros involuntários
chronicas bem podia se poupar fizeram-me muito pezarosa.
esse trabalho, aliás inútil. Mas Tivemos ainda a visita de Silvio
como? Si elles proprios são os de Almeida, o notável educador,
primeiros a não poderem se liber­ lente de portuguez no Gymnasio
tar dessa influencia ! de S. Paulo, e delicado poeta,
Por toda parte, em todo o re­ acompanhado de sua esposa, minha
adorada amiga Piesciliana Duarte
canto desta capital, na praça pu­
blica, na intimidade do lar, só se de Almeida, que aqui esteve cerca
houve fallar no General Roca e de mez e meio, tempo esse em que
sua luzida officialidade, na Repu­ A Mensageira esteve suspensa.
blica Argentina, na fraternidade dos Agora reapparece a nossa revis­
dois paizes amigos, nas festas que ta, publicando os números atrasa­
preenchem todo o dia e que ab­ dos, sem prejuizo para os assignan­
sorvem toda a attenção, todo o tes. 0 prazer e a alegria que
experimentei ao abraçar a minha
tempo.
querida amiga, só póde ser avalia­
Ha quasi nove annos que resi­ do por quem conhece a nossa ami-
do nesta formosa Capital e •— fran­ sade, tão antiga, tão solida, tão
camente — nunca vi tanto enthu- verdadeira.
siasmo como nesta ultima quinzena.
A principio foram as festas por
occasião da chegada do D.'' Luiz
Vianna, governador da Bahia; de­ A proposito da educação moral
pois a exposição de quadros do da mulher, escreveu Maria Amalia
notável pintor Baptista da Costa, Vaz de Carvalho, no «Jornal do
depois Bordallo Pinheiro e suas Commercio», um excellente artigo
admiráveis faianças das Caldas da intitulado «A mulher do futuro».
Rainha e theatres e companhias A illustre escriptora penitencia-se
de primeira ordem, lyrica e dra- em publico e raso do seu antigo
matica, uma infinidade *^6 encanta­ modo de pensar a proposito das
doras festas. profissões que as mulheres deviam
Tivemos também a visita illustre adoptar.
de Francisca Julia, a gloriosa poe­ Até então Maria Amalia acon­
tisa paulista. Infelizmente não pu­ selhava e dizia em bonitos e bem
de abraçal-a quando fui visital-a e lançados artigos que a mulher de-
A M e n sa g e ie a I2I

via estudar e se instruir para em- Ainda bem. E’ o caso de se dar


bellesar a vida de seu companheiro parabéns ás mulheres em geral.
de existência, do eleito de su’alraa,
para se tornar a flor delicada do
lar, centro de todo o carinho,
para ser, em summa, o ideal e o Fiel ao meu programma, deixo
unico pensamento do marido; hoje, aos jornaes diários o direito de
mais pratica e' mais positiva, ensi­ discrever as festas excepcionaes
nada, talvez, por grandes desillu- destes dias. Abro apenas um pa­
sões, ella aconselha o estudo como renthesis para a extraordinária fes­
uma arma de combate; a profis­ ta do mar, o passeio veneziano na
são liberal como uma providencia bahia de Botafogo.
immediata e mostra com elevado Imaginem o quadro: o mar sere­
estylo e fortes analyses de factos no e bello, a noite clara e bonan­
incontestáveis a necessidade que a çosa, 0 céo tranquillo, sem uma
mulher tem de se preparar para a nuvem.
lucta, procurando pelo esforço pro- Centenas de embarcações, illu-
prio a sua independencia, a sua minadas artisticamente com varie­
vida. gadas cores moviam-se por sobre
as ondas, ostentando com garbo a
Ainda bem! Causava-me espanto
sua extraordinária belleza.
0 antigo modo de pensar da illus­
A orla toda da enseada, desde
tre escriptora relativo a esse pon­
0 Gigante de Pedra até o morro da
to de magna importância no mo­
Viuva estava repleta de gente.
mento actual.
Os balões venezianos, a illumi-
Hoje, que ella publicameute se nação a giorno, as lanternas de mil
mostra arrependida de seu modo côres que se reflectiam docemente
de pensar — poético em demasia nas aguas, os poderosos holophotes
— eu venho annunciar, com ale­ e a musica suggest! va e tocante
gria, esse facto aos leitores desta concorreram para o deslumbramen­
revista. to desta festa — a mais bella que
Mais uma para o nosso lado! e a imaginação pode conceber.
uma que vale o que pesa, que sabe Um escriptor já disse que a praia
pensar, que sabe ver, que sabe me­ de Botafogo, fechada n’uma verde
ditar e que além de tudo isso tem moldura, é um pedaço da Grécia
a rara virtude de confessar o seu e um pedaço da Italia, a um tem­
erro e abraçar um novo ideal que po, fundidos no Brazil. Tem da
lhe parece ser o verdadeiro. Italia 0 céo e tem da Grécia o mar.
122 A M en sa g eir a

Não sei. Não conheço a Italia,


Rodolpho
não conheço a Grécia. Para mim,
Falia de s i ...
a praia de Botafogo, como estava
Elvira
na noite da festa veneziana, era
D e si.
um pedaço de c6o, era a phantasia
mais linda que Deus construiu para Rodolpho
mostrar o seu grande poder, o seu Ju ro !
E ’ m eu affecto o mais puro
enorme valor e a sua extraordiná­
e eterno!
ria obra prima. EIvira
M a r ia C l a r a d a C unh a S antos N ão me parece
possivel essa m udança.
O utro am ôr, inda ha bem p o u co
era o seu d esejo lou co,
a sua d o ce esp era n ça __

Rodolpho
^ Virgem de Murillo P od e ser qu e am or julgasse
a sym pathia, e aturdido
(Adelina Lopes Vieira) p o r não ser corresp on d id o,
mais m eu engano augm entasse ;
S eg u n d o A cto

Scen a 4.® mas vendo-a e ouvindo-a o encanto


da sua v oz, d o seu riso,
Elvira e Rodolpho entre abriu me o paraiso,
R o d o lp h o (entrando pousa o ch apéo dando á m inh’ahna o mais santo
e a ben galla e dirige-se a E lvira
qu e se sentára n o sofá á direita). d os so n h o s; — a p osse inteira,
das m il p erfeições qu e existem
Rodolpho n o seu t o d o ....
E is-m e de n ovo, senhora
a seus p és curvo, hum ilhado EIvira
e aqui ficarei prostrado, E m que consistem
se m e não m andar em bora. taes p e r fe iç õ e s ? ... na cegu eira?

Elvira (esten den do-lhe a mão). Rodolpho


Se, mais razoavel h oje E m tu d o; na form osura
prom ette ser, com o espero, ideal qu e a faz soberana,
sen te-se... na b on d a d e sobre-hum ana
Rodolpho que, com o qu e a transfigura,
S en d o s in c e r o ___
na m eiguisse in exced ivel,
Elvira na suave delicadeza,
A sin cerid a de fo g e com que descu lp a a fraqueza,
ee am ôr assum pto fornece. e c o r r ig e ... o in corrigivel.
A M e n sa g e ir a 123

aconselhando, tão branda, tão serena, tão discreta,


tão subtil, tão con vin cen te, tão despida de vaidade !
q u e o mais atheu, to m a cren te I N ão esperando que a sorte
m e outorgasse am or um dia,
Elvira
punha na V irgem Maria,
O qu e ahi v a e !...
m eu bem , na vida e na m orte!

Rodolphe Q ue paz celeste gosava,


Q uando anda, sem apprehensões nem crises!
co m o se visse, graciosa, e em torn o a mim só felizes!
o olhar claro, a fron te erguida, Se dorm ia ou despertava
parece qu e vae cin gida uma risada argentina
de uma aureola lum inosa! ou um cantar ju b iloso,
d o ce é cco de extranho g oso
Elvira
m e em balava (levantando-se)
Jesu s!
K epentina
Rodolphe surge a d u v id a ,... recla m o,___
C onversando, ensina resistir te n to , e s m o re ço ,___
a julgar, com tal b om senso, cresce o d e lir io ,........ p a d e ç o __
que, d o negrum e mais denso, lu c to ,....... não creio e ___
jo r r a um a luz repentina! (detendo-se e apertando 0 coroação com
ambas as mãos)
Elvira (reprehensiva)
D iz qu e é sin cero! Rodolphe
E ....
Rodolphe (com fogo)
C onsulte Elvira (com vox quasi sumida)
a d o ce visão que adora A m o ! (coe sentada no sofá)
verá se m into.
(Elvira cobre 0 rosto com as mãos e soluça). Rodolphe {sentando-se no
E n tão ch ora ? pau f aos pés de Elvira e tomando-lhe
(muito meigo). as mãos com transporte).
Q u er que este affecto sepulte A m as?! Mais uma vez, repete E lvira
no co ra çã o ? qu e m e ca le? essa palavra m agica e celeste ! (levando
qu e finja, ao vel-a, in differen ça? as mãos de E\vira á testa delle).
que m e abysm e na d escren ça ? V ê que m e escalda a fronte e que delira
que fu ja ? qu e parta? (pausa) m inh’alma, c o ’a ventura qu e me déste!
D ize outra vez que soffres, que padeces,
Elvira (levantando a ca b eça resoluta)
d os espinhos do am or ferida em bora.
Falle ! (pausa) Sê m inha! e saberei, com o m ereces,
N ão se a verdade exprim e provar ipie só a ti m inh’alma adora!
o que m e jura, c o n fe s s o __
A ’ m inha estrella o b e d e ço , (pausa) Elvira (passando as tnãos nos cabellos
N ão minta, seria um crim e (ir Uodolpho; com muita dor)
turvar a serenidade Não })oder ver-te! O h! D eu s! não p o ­
da m inha vida tão quieta. der ver-te!
124 A M e n sa g e ir a

S ó h o je sinto b em esta desgraça! prim eiro, a d o ce idéa de ser tu a ...


N ão p o d e r ver-te um só instante! inerte e u __ (pausa)
ficar qu an do sorris! isto ultrapassa
Rodolphe
a m aior d or hum ana! que torm ento!
M orro de im p aciên cia! co n tin u a __
Rodolphe (acariciando-a) esperem os, m eu P a e ... vem visitar-m e...
Se m e visses, talvez que a antipathia eu te apresen tarei... dir-lhe-ás qu e af-
te afastasse de m im ___ si em pensa­ fecto
m ento nossas almas uniu e, aben çoad o,
m e vestes de um fulgar que eu não com eçará de então, nosso noivado.
teria— , Rodolphe
Elvira T en s razão. D ’aqui lá, serei discreta.
S ei qu e és form oso, sei qu e és elegante EIvira
qu e amas as flores e os perfum es caros,
Bem hajas, m eu am or!
sei qu e és d os cotillons, o par m arcante,
qu e tens lu xo, b om g osto, e quadros
r a r o s ...
(com tristexa)
m a s... 1er não p o sso em teu olhar p r o ­
fundo
se esse am or q u e m e falia é verdadeiro. ^ escolha de um modelo
Rodolphe (com intensidade)
V erda d eiro? E ste am or é eterno e fundo!
A redacção da Itevue des Re­
resum es para m im o m undo in teiro!
vues pedio a um certo numero de
Elvira (sobresaltada) celebridades femininas que lhe in­
O h ! ventura! dicassem : 0 homem da historia que
(desce e levanta as mãos ao ceu) ellas proporião como modelo a seus
M aria! V irgem Santa!
filhos.
V o lv e a m im os teus olh os am orosos,
e prolon ga, e eternisa os d eliciosos JSfão menos de 23 respostas —
dias deste sonhar, qu e am or encanta! tal foi a pesca deste lanço de rede.
(fica instantes como que em extasi) Vou procurar reproduzir aqui —
resumindo as mais extensas — as
Rodolphe (tomando-lhe de novo as mãos)
mais typicas dessas consultas.
N ão d u vid es de m im ! M arca, eu t’o
p eço, Convém, por amor da ordem, di-
o tem po da fatal espectativa vidil-as em dous grandes grupos.
qu in ze d ia s? um m ez? sê com passiva !.. 1." As que designão com pre­
N ão resp on d es E lvira? cisão 0 heróe, que symbolisa o
Elvira Idéal sonhado, 0 Modelo que as
D e u s! con fesso novas gerações devem imitar ou
qu e ten h o m edo. Q uero acostum ar me igualar, se puderem.
A M en sa g eir a 12.S

2° As que não eiicontrão em Esse modelo para mim chama-se:


todos os séculos do passado ura N em o-Astié de Valsayre.
unico homera digno de ser pro­ Mme. Catulle Mendes entende
posto como paradigma aos contem­ pela sua parte que se não deve
porâneos e aos vindouros. impor modelos á intelligencia in­
Começamos pelas segundas. fantil
Madame Clémence Royer, que Que modelo dar a nossos filhos?
abre o prestito, entende que ó im­ Nenhum.
possível decidir da superioridade Isto não quer dizer que eu não
das virtudes de certos homens e professe múltiplas, e ferventes ad­
de certas profissões sobre as de mirações.
outros. Mas, quanto ás queridas cabeci-
Se tenho um filho sapateiro, de­ nhas sobre as quaes nos 6 dado
verei dar-lhe como modelo Leoni- inclinar-nos, penso que ensinar-lhes
das ? Se elle 6 militar, propôr-lhe- sómente — e em palavras que so­
hei como exemplo Descartes, aban­ bretudo não sejam estas — a se­
donando a espada para ir meditar rem simples sem humildade, a tra­
com a penna na mão, ou Spinosa balharem sem a mira num lucro
vivendo uma vida de asceta po­ mesmo nobre, a amarem sem ego­
lindo lentes para viver e terminar ísmo nem pieguice, a admirarem
a sua E thica? Virtudes são essas com toda a força do seu ser. E
de philosophes; outras são as vir­ se mais tarde, como não pode dei­
tudes dos homens de acção. xar de succéder, a sua alma estiver
Parece-me pois impossível esco­ a isso disposta, elles proprios esco­
lher um typo de virtude humana lherão as suas preferencias e se
que possa servir de padrão com- desenvolverão segundo a sua con­
mum a todos os homens das con­ sciência e segundo o seu genio
dições variadas de sua existência. pessoal. — Jane Catulle Mendes.
Mme. Adam não sente pelos he-
........................... Clémence Royer róes uma justificada desconfiança.
Eis agora a resposta de uma pes­ Aconselho as mãis que educão
soa sem illusões : seus filhos e que não podem ter a
O homem que eu proporia como certeza de os fazerem entrar no
modelo a meu filho ? quadro da historia, que lhes não
Ah ! Santo Deus ! proponhão como modelo um heróe.
Quando em tudo e em toda a parte Que lhes ensinem a bondade
se não encontra senão o bicho pela bondade sem a mira na gra­
humano atrelado ao cidproficit! tidão, que lhes dêm o culto da
I2Ó A M e n sa g e ir a

verdade bemfazeja e não aggres- e S. Vicente de Paula obtem os


siva, que desenvolvão nelles o gosto suffragios de duas damas, Mmes.
pela dedicação e pelo sacrificio dos Paul Yunka e Isabelle Bogelot.
mesmos á Patria e que lhes pro­ A celebre romancista Henry Gré-
vem por cem exemplos que pul- ville justifica desta forma a esco­
lulão na hora actual que os máos, lha de seu modelo :
os mentirosos e os egoistas são po­ Seria um Francez necessaria­
bres diabos bem desgraçados. — mente, porque é necessário não
Juliette Adam. ser injusto para com o genio da
Mme. de Grandfort responde não raça e tentar inculcar-nos virtudes
sem ironia: estrangeiras em detrimento das nos­
Nenhum ente 6 assaz perfeito sas. Esse modelo seria um ho­
para que no seu conjuncto se possa mem de acção, assim o exige o
dal-o como modelo. Tomaria, pois, progresso, e um soldado, visto ser
neste o seu valor, naquelle a sua necessário. Mas possuiria as qua­
humanidade, e neste outro as suas lidades de prudência, de juizo e
nobres virtudes e formaria um todo de cortezia que fazem um diplo­
que oftereceria á admiração dos mata e sem as quaes o mais in­
meus filhos. . . sem grande espe­ trépido corre o risco de não pas­
rança de que isso servisse para sar de um aventureiro. Seria ama­
alguma cousa. — Mme. de Grand­ dor da sciencia, da litteratura e
fort. das artes, apreciaria a sociedade
Passemos agora ao grupo dos das senhoras, seria bom chefe de
que materialisárão o seu idéal, en­ familia e saberia administrar os
carnando-o em qualquer vulto da seus cabedaes, numa palavra, seria
historia. um homem completo.
A insigne escriptora Zanne Ma­ Acabo de passar nestas linhas o
rion, a delicada e irônica dialoga- retrato muito succinto de Montai­
dora dos Fiacres, vota por São gne. Se todos os nossos filhos se
Luiz, S. Luiz de quem Voltaire es­ esforçarem por imital-o, ainda que
creveu : por alguns lados apenas, a França
Prudente e firme no conselho, do século X X poderá ufanar-se
intrépido nos comhates, seu ser ar­ delles. — Henry Gréville.
rebatado, misericordioso como sd Mlle. Vacaresco, a poetisa rou.-
nunca houvesse sido senão infeliz, maica, autora desse bello livro
não é dado ao homem levar mais L ’ Ame Sereine, hesita um mo­
longe a virtude. mento entre um homem de acção
O condestavel de Huntrussency e um homem de pensamento, en-
A M e n sa g k ir a 127

tre Marco Aurelio on Lamartine.


Depois inclina-se em favor de um
Junto ao berço de 2)alila
homem que represente um ideal
de força e de fé, e indigita Pas­ (A ’ minha sogra)
cal á admiração das gerações in­ A dorm eceu. Seu bercin ho
sipientes. guarda com zelo e carinho
Quanto a Mme. Georges de Pey- esse th esou ro de amor.
A mamãe vela a seu lado
rebrune, essa entende que 0 que
— anjo do affecto, inclinado
as mais devem desejar para seus
sobre essa esperança em flor.
filhos não é 0 destino de qualquer
heroe^ mas sim de um homem feliz, A palpebra afadigada
obscuro e portanto sem historia. cedeu, com o h ypnotisada
das carícias maternaes,
Qual é a mulher que deseja ver
ao d oce peso do s o m n o ...
gerar um christão ? presa de um led o abandono,
Qual é a mulher que, designando fechou-se não trem e mais.
a seu filho 0 martyr do Calvario,
In d a tem a facesinha
ousaria dizer-lhe: «Sê aquelle ho­
rorejada e coradinha
mem.»'
de um b e ijo — b e ijo febril
Todas as grandezas, todas as glo­ e am oroso com o o b e ijo
rias, como todas as virtudes, expião que uma mãe nunca tem p ejo
dolorosamente a sua excepcional de dar no filho gentil.

perfeição. Escolher entre os he­


C om o é bella até dorm indo
roes, seria escolher entre os sup- a in n o c e n c ia !. . . C om o lindo
plicios e não me sinto com tal seu rosto serio fic o u ! . . .
coragem. Eduquemos os nossos fi­ Sonha talvez travessuras
lhos no amor da verdade e no que hão de fazer as venturas
de quem a p o u co a beijou.
culto da justiça e deixemos cum-
prirem-se os seus destinos. S oltos os anneis dos cabellos
tão louros. D eus m eu! tão bellos,
G eo r g e s d e P e y r e b r ü n e vêm seu rosto em m oldurar,
e delles fiava m adeixa
Para uão alongar demasiadamen­ manliosamante se deixa
te este capitulo, deixo para a chro­ sobre o seio agasalhar.
nica seguinte a conclusão do ple­
E a cada plá cid o arquejo
biscito.
a madeixa ganha um b eijo
(Do Jornal do Gommercio.)
e sente o co llo um tr e m o r...
O co llo é de neve pura
com o as azas de candura
dos archanjos do Senhor.
128 A M e n sa g e ir a

O resom nar socegado Autour de Mme d’Almeida, il


e aquelle ar serio esb oça d o existe aujourd’hui un noyau de bon­
n o roseo sem blante seu
nes volontés qui désirent comme
bem traduzem a in n ocen cia
qu e é com o celica essencia
elle la trasformation économique
qu e os anjos b e b e m n o céo. du milieu social qui laisse bien à
B e l l a r m in o C a e n e ie o
désirer au Brésil comme dans tou­
tes les républiques latines du l’A-
N ovem b ro, 1874.
merique du Sud.
A Mensageira a peut-être le tort
d’être plutôt une revue littéraire
qu’une revue de combat et de ne
pas se laisser entraîner dans une
Selecção voie résolument révolutionnaire.
Au Brésil, où l’éducation catholi­
E’ indispensável que qualquer
que (comme au Portugal e en
menina seja de primeira força ao
Espagne) a empoisonné l’esprit de
piano. Obrigam-na a fazer exerci-
la femme, il faut faire par tous
cios durante dez annos, ató o dia
le moyens une très vive et très
do seu casamento: — nesse dia
grande agitation, pour arriver à
ella fecha o seu piano para todo
des résultats pratiques. Un de ces
0 sempre.
moyens est l’étude approfondie de
Haverá nada mais insensato?
tout ce qui concerne les relations
Haverá nada mais ridicule?
morales et sociales des sexes.
F r . S arcey
Nous sommes d’accord avec Mme
Emma Pieczynska qui, dans le der­
nier numéro de la Revue de mo­
rale sociale, expose sur le fémi­
nisme cette pensée bien sincère:
Le î^éminisme au Brésil
« Le féminisme, à nous yeux,
Nous continuons à recevoir le n’est pas son propre but; il n’est
curieux et bien intéressant organe que le moyen d’atteindre à un
des femmes brésiliennes: A M en­ état social plus équitable que le
sageira^ de Saint-Paul, revue diri­ nôtre. A l’égoïsme masculin, qui
gée par Mme Presciliana Duarte jusqu’ici a prévalu dans nos lois
d’Almeida, une des femmes de let­ et dans nos mœurs, il ne s’agit pas
tres les plus en vue du Brésil et d’apposer un égoïsme féminin, non
un esprit très épris d’idéal et de moins impudent ni moins odieux;
vérité morale. mais il s’agit de les subordonner.
A MENSAGEffiA I 2Q

Tun aussi bien que l’autre, à une sageira de Saint-Paul, aura fait
idée de justice et à une loi mo­ donner un grand pas à l’idée fé­
rale qu’il est de leur suprême in­ ministe au Brésil.
térêt à tous deux de faire triom­ L’organe pauliste nous a déjà
pher. » démontré qu’il y a au Brésil un
Et nous sommes aussi d’accord noyau de femmes vraiment supé­
avec Mme Louise Réville qui, dans rieures mais nous attendons encore
VAction Féministe^ — l’organe par plus de la Meyisogeira qui a pour
excellence de l’agitation des fem­ directrice une des muses du Brésil
mes vers une nouvelle société su­ nouveau.
périeure — dit: Le dernier numéro de la revue
«Nous ne sommes point fémi­ du D. Presciliana Duarte de Al­
nistes à la façon de ces bonnes meida publie un article très re­
bourgeoises qui réclament l’égalité marquable de Mme Julia Lopes
ou la prédominance de notre sexe de Almeida sur Guiomar Torrezao,
et que satisferait la réalisation de cette femme écrivain si régrettée
ces rêves. Celles-là ecceptent la a été la George Sand du Portugal.
société telle qu’elle est et ne de­ Tous nos vœux sont pour le
mandent que d’avoir place parmi triomphe de la cause féministe au
les privilégiées. Nous, ao con­ Brésil, et pour l’émancipation phi­
traire, nous souhaitons ardemment losophique, économique et morale
la suppression de tous les avanta- de la femme brésilienne. A Men­
gens particuliers qui ne sont que sageira, de Saint-Paul, par ses ten-
des injustices dont souffre la masse. » dences renovatrices et ses aspira­
En voilà du vrai féminisme ! tions bien précises, ne doit pas
Ce sont des femmes d’esprit éman­ laisser de côté sa partie littéraire,
cipées qui parlent comme nous, les revendications si justes de la
désirant entendre les Brésiliennes partie la plus belle de l’humanité:
de demain. la femme.
Nous avons l’espoir que le mou­ X a v ie r d e C a r v a lh o
vement, encore timide, de la Men- (De la Revue du Brésil, de Paris.)
'3 0 A M e n sa g e ir a

Escala do Viver
E ’s ainda E a p ou ca vid a que lhe resta, escassa,
Bem pequena, V ae á m ercê de um p equ en in rem o:
— F resca e linda
F lo r serena! V aga no m ar da angustia e da saudade
P ela fé co n d u z id a ...
Q ue te falta P ois, se a esperança alenta a m ocidade,
Na existência, A fé con forta a fronte encanecida.
Q ue se esm alta
D e in n ocen cia ?

E m ti é tu do frescura! In cen sa n d o o quarto, o sacerdote reza


T u d o alegre, tu do n o v o! P ela p o b re vida que se extingue em ais..
— E ega to em m eio á verdura, C om o é dura a m orte ! C om o a vida pesa
— E speran ça rin do ao povo. N os suspiros tristes, lon g os e finaes!

C resces e aprendes. Mas, emfim, s oceg a o m orib u n d o afflicto,


Am as a flor. Já descan ça em p a z ...
D e p o is te rendes N em mais um a lagrim a, ou queixum e,
A ’ luz d o am or! ou g rito
Seu dorm ir desfaz.
E vaes aos p ou cos, dia a dia,
D eixa n d o o p e ito se nutrir
D e uma iUusão que te extasia
A gora a sem pre-viva, a perpetua e a
E te faz v elh o a rir, a rir!
saudade,
N ão fora o sonho, não fôra a gloria, A som bra d o cypreste, enfeitam -lhe a
N ão fôra o en gan o da m ocidade, pousada !
Q ue na velh ice tua m em ória E sob a cru z erguida alli pela am izade,
Seria safara im m ensidade. Canta, chilrêa, b rin ca um ave en am o­
rada!
C orrem os dias, fanam-se os sonhos.
P orém de tudo fica a le m b ra n ça ... F az o n inho feliz entre a rama e d es­
S im ! são form osos, sim ! são risonhos canta ...
M esm o os ca da veres da esperança! E is a vida de n ov o en cetan do o trabalho!
T u d o se vivifica e tu do á vista encanta:
N ova aurora n o cé o e nova flor n o galho!

G em e a v elh ice ao p eso da desgraça. 23 de F ev ereiro de 1897.


C hora n o leito e x tre m o ... P r e s c il ia n a D u a r t e d e A l m e id a
A M ensageira 131

Destinos. — Com este suggestive


Volta aos pagos titulo entrou para o prelo um livro
Á ’ Perpetua do Valle de contos devido á penna inspira­
da e correcta de Adelina Lopes
Noite. Sobre a coxilha uma luz pestaneja,
A promissora luz de hospitaleiro pouso. Vieira, um dos vultos mais proe­
Arqueia-se na altura o estelario formoso minentes do Brazil literário.
Do céo e na cempina outro estelario adeja... Parabéns aos amantes das boas
Em baixo, um fio de prata esplandece flexuoso letras, e á talentosa poetisa.
Ao sopé da colina onde o matto negreja... Sabino Baptista. — Mais um poe­
A lua vem surgindo e toda a sertaneja ta, cheio de esperanças e de moci­
Plaga surprehende em livre e plácido repouso... dade, acaba de ser tragado pelo ne­
Um cavalleiro agora emerge da espessura, gro sorvedouro da morte, Sabino
Na estrada a galopar da luz na direcção, Baptista, 0 talentoso redactor da
Que o suspirado colmo ao tino lhe assegura. Provinda do Pará, auctor das Va­
O ladrido de cães já denuncia a estancia... gas e um dos maiores luminares
E ao relincho, no vai, do impaciente alazão da Padaria Espiritual, do Ceará.
Outro relincho acorda os echos na distancia... 0 distincte literato havia ligado
C a n d id a F o rtes
seu destino a uma das mais ins­
(Das Alluvianas)
piradas poetisas do norte do Bra­
Cachoeira (R. G. do Sul), junho, 99.
zil, Anna Nogueira Baptista, que é
agora tão duraraente ferida pela
desdita, ficando-lhe apenas como
consolo dois adorados filhinhos.
Receba a illustre poetisa os nos­
sos sentidos pezames.
^otas pequenas A Estação. — Magníficos os úl­
A Ceciliana. — 0 n.° 2 4 , do IV timos numeros desta publicação que
anno desta excellente publicação todas as senhoras de bom gosto de­
penhorou-nos era extremo, publi­ veriam assignar. Lindos figurinos,
cando na sua pagina de honra os excellentes moldes e rica parte li­
retratos de Silvio de Almeida e da terária, da qual se destaca um ar­
directora da Mensageira. As pa­ tigo de Alberto Pimentel sobre a
lavras de benevolo enthusiasmo com Poetisa do Vixella, artigo que tran­
que nos enalteceu a delicada re­ screveremos no proximo numero da
vista ficarão para sempre gravadas Mensageira por tratar de literata
em nossa mente, como estimulo be­ quasi que inteiramente desconheci­
néfico nas horas de lucta e des- da em nosso meio.
fallecimento.
Í 32 A M e n sa g k ir a

H Mensageira
Mensageira (n. 2 8 , anno II.) A duma viva sympathia despertada
festejada revista litteraria brinda pela celebre questão do proscripto
os seus leitores com um summario da Jlha do Diabo, que agora, mais
opulento e variadíssimo. Bons ver­ do que nunca, agita a nação fran-
sos e boa prosa. ceza.
Pedimos venia para transcrever Com 0 primeiro dos retratos quiz
este bello soneto do maguado poeta a encantadora revista render um
do De Lucto : preito de homenagem á mulher
U ma r elíq u ia brasileira, que olvidando os pre­
conceitos mesquinhos, attesta bri­
E’ pena que o poeta abuse tanto lhantemente que 0 céu da terra de
do erijanbement. Santa Cruz tanto desperta no ho­
(D o Correio Paulistano) mem 0 sentimento do bello, como
0 faz avolumar na mulher — sua
« A Me^isageira». Um ramalhete
das mais olentes flores embriagan­ legitima proprietária. Com o se­
do a todos quantos o tocam, eis o gundo offerece o seu apoio moral
que é esta revista litteraria dedi­ áquelle verdadeiro typo de esposa
cada a mulher brasileira. que, com «uma nobre dedicação e
Um anno já conta « A Mensa­ um bello desprendimento, mais uma
geira», um anno de gloriosa exis­ vez vem provar que — as des­
tência toda dedicada ao progresso graças são a pedra de toque do
artístico do bello sexo. casamento — , conforme o dizer
Esplendidos os dois numeros 26 d’um grande moralista.»
e 2 7 , que temos ante nossas vistas. A ’ exma. sra. d. Presciliana
O primeiro estampa em sua pagina Duarte de Almeida que tão sabia
0 retrato da distincta poetiza mi­ e criteriosamente dirige « A Men­
neira, exma. sra. d. Aurea Pires; sageira», a «Revista Contemporâ­
0 segundo apresenta á contempla­ nea» apresenta as mais cordiaes
ção dos leitores o da exma. Ma­ felicitações.
dame Dreyfus, nome hoje rodeado (Da Revista Contemporânea)
São Paulo 31 de Agosto de 1899 Anno II, N. 31

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Directx)Pa — Presciliana Duarte de Almeida

P u b lic e x -s e no d in 15 de cadn m ez

P agam ento Preço da assígnatura. 12$000 por anno N um ero avulso


adian tado E n d e re ço : R ua de S ta . Iphigenia, N . 57. Rs. 1$000

Summario: — A mulher do futuro, Maria Duqueza de Sutherland, Lady Roths­


Amalia Vaz de Carvalho; — Martyrio
incrível, soneto, Aurea Pires; — Brazil-
child, etc., etc.
Paraguay, critica literaria, Silvio de Al­ Vê-se, portanto, que a onda do
meida; — Miniatura, poesia, Arthur An­ feminismo tem engrossado e está
drade; Saudade incurável, conto, Maria
Clara da Cunha Santos; — Magoa infi­
já em torrente; vê-se que esta re­
nita, soneto, Raul Corrêa; — A esmola, união já não 6 uma assemblóa de
Ipoméa; — A subir... a subir... poe­ déclassées a reclamar cousas irrea­
sia, Presciliana Duarte de Almeida; —
A paizagem, Narciza Amalia; — No­
lizáveis ou ridiculas e a reclamar
tas pequenas. pomposas e vãs theorias.
Os trabalhos do Congresso, divi­
didos em cinco sessões, constárão
dos seguintes assumptos: Educação,
^ Mulher do ‘futuro Profissões liberaes. Legislação, I n ­
A ’ hora em que escrevo (dia 4 dustria, Questões politicas esodaes.
de Julho), está se encerrando em Bastão os titulos acima enuncia­
Londres o Congresso Internacional dos para denunciar a importância
das Mulheres, o qual desta vez que está hoje tendo no mundo esta
teve uma importância muito mai­ questão feminista que ha pouco
or do que nunca tivera, pela qua­ tempo se prestava ainda a tanto
lidade e representação das pessoas epigramma, a tanto calemburg, a
que a elle adherirão ou nelle figu- tanta brincadeira de máo gosto.
rárão. Eu confesso que tenho pela cha­
A Presidente do Congresso foi mada emancipação politica da mu­
a Condessa Aberdeen; entre as suas lher uma repugnância invencivel.
oradoras figurão a mulher do Bispo Custa-me infinitamente a com-
de Londres e outras personalidades prehender essa nova figura hybrida,
de alta significação social, que re- que a civilisação moderna tem pro­
cebérão em festas sumptuosas as duzido e vai produzir mais e mais.
suas aggregadas, senhoras como a Fui educada sob a influencia de
134 A M ensageira

idéas que já se não coadunão com O ideal que educou a mulher na


0 momento actual. O mundo moral adolescência era o de Legouvé, o
que nunca parou, como não pára de Michelet, o de Aimé Martin.
0 mundo physico, como não parão Era 0 que junctava no lar puri­
os infinitos planetas que povoão o ficado e simples a mulher e o ho­
espaço, tem nestes últimos trinta mem perto do berço da criança!
annos adquirido uma velocidade
Era 0 que fazia pelo casamento
quasi frenetica.
de (lous seres differentes, mas
Dantes, a não ser em tempos de
iguaes, incompletos, mas capazes
revolução que um movimento reac-
de se equilibrar mutuamente, o ser
cionario logo annullava, as idéas
uno, 0 ser completo e fecundo, de
levavão tantos annos a transformar-
que a familia sahisse como do ger-
se em factos, que uma geração men sahe a flor.
tinha tempo de desapparecer sem
Hoje, porém, tudo está mudado,
assistir a mudanças que a espanta-
e mesmo porque somos mais ricos,
vâo e ferião.
somos também mais miseráveis!
Não succede hoje assim. A gente
é que tem de se modificar rapida­ Só os privilegiados da fortuna
mente para seguir as modificações podem realizar este calmo ideal, e
do seu tempo. esses não querem!
E por isso eu, tantos annos ad­ Na maior parte das nações o di­
versaria inconciliável dos direitos vorcio destruio a familia.
'politicos da mulher, tenho de con- Aos ricos, separa-os o luxo os­
verter-me a essa innovação, desde tentoso de uma vida à outrance;
que nella se incluem vantagens de nos pobres, separa-os a miséria
ordem econornica e de ordem mo­ cruel e exigente, em que não me­
ral, que não erão tão necessárias á dra a planta de estufa que se
mulher antigamente e que hoje lhe chama am or!
são absolutamente indispensáveis Nos casaes opulentos, o que ve­
para que a brutalidade da vida mo­ mos! O homem está no club ou
derna a não esmague. anda a divertir-se só; a mulher
O que eu dantes sonhava é im- passa a vida a correr as lojas, as
possivel de realizar-se. A vida está casas das suas amigas, os theatros,
cada vez mais aspera, mais com­ e os bailes; as crianças estão en­
plicada e mais dura. tregues a amas, a mestras, a colle-
Para a mulher, como para o gios, a mercenários em todo o caso.
homem, é ella ura batalha em que Nos casaes miseráveis, o homem
se vence ou se morre. está na ofíicina ou... na taverna;
A M ensageira 135

a mulher está na fabrica; a crian­ que 0 venceu, que 0 fez rendido e


ça está na crèche ou no asylo. submisso a todos os caprichos da
Com estes membros dissemina­ vaidade, do orgulho, da cobiça fe­
dos, dispersos, como ha de cons­ minil!
truir-se essa trindade fecunda que E’ verdade que essa obra de se-
se chama familia? Onde 0 divorcio ducção só póde ser exercida por
existe, ao menor embate os conju­ algumas, pelas que são lindas. E
ges divorcião-se e vão construir daqui vem esse horror para a mu­
novos ninhos, de onde emigrem lher; que ella tem de pagar com
bem cedo para novas distrações e seu amor fingido os bens que des­
novos prazeres. fruta. Horrivel escravidão moral
A criança, no meio desta anar- que equivale á outra.
chia domestica, cria-se como Deus Sem fallarmos naquellas que se
quer, sem muita fé em cousa que vendem legalmente pelo casamento
não seja a sua propria força para rico e das que têm a felicidade de
vencer a adversidade e 0 destino. achar no marido escolhido 0 pro­
Daqui um individualismo feroz, tector amado, ficão ainda milhões
destructive, que se accentua mais e milhões de mulheres no mundo
e mais. a quem as leis, os costumes, as
*
* H
c convenções negão todo 0 meio de
conservar a independencia, de fu­
O regimen liberal, sob 0 qual gir da miséria, de conquistar uma
nasci, cresci e me eduquei, deu mediociidade honesta e farta, de
este resultado. Apparecérão, po­ escapar á tentação que as vence
rém, homens novos, que trouxerão tanta vez!
á sociedade desorientada outros Como oppòr a esta aspiração jus­
ideaes de organisação futura. Do ta da mulher, que quer ter 0 seu
programma desses homens faz lugar ao sol, considerações cuja
parte integrante a emancipação to­ origem se vá buscar á esthetica, á
tal dessa escrava dos séculos, que elegancia moral, ás tradições e aos
é a mulher. preconceitos do passado? E’ neces­
Escrava ? Será. Mas escrava em sário, pois, que eu me renda á evi­
todo 0 caso que soube, não direi dencia e á verdade desta doutrina
agora por que artes, seduzir 0 seu que não amo.
senhor: que 0 obrigou a trabalhar O século X X verá a mulher tra­
freneticamente para que lhe não balhando ao lado homem, concor­
faltasse a ella nem 0 mais supér­ rendo com elle em todas as carrei­
fluo dos luxos; que 0 dominou. ras liberaes, vencendo-o, talvez, em
136 A MENSAGEmA

algumas delias pela sua tenacidade, é por essencia conservadora e tími­


pela sua paciência, pela sua habi­ da ante 0 ridiculo, parece por uma
lidade manual, pela perspicácia in- estranha reviravolta convertida á
genita que a distingue, pela sua emancipação politica e civil da
faculdade apurada em longos sécu­ mulher.
los de padecer calada, de supportar Os nomes que figuram neste
0 mal sem se queixar. Congresso de Londres e os nomes
A Gamara franceza acaba de das senhoras que festejão enthu-
consentir á mulher formada em siasticamente as congressistas fazem
Direito que advogue nos auditórios fé desta mudança.
da França. Na Inglaterra foi pro­ Deve ella ter duas causas: pri­
posto que ella exerça todos os car­ meira, é que a caridade activa do
gos municipaes, á excepção de um nosso tempo, a sua virtude mais
— 0 de mayor. acrysolada e mais pura, a que 0
A livre America, sempre avan­ rehabilita de tantos dos seus erros
çada e sempre lógica, acaba de e dos seus vicios têm levado aos
entregar a um grupo de mulheres antros, onde geme a mais asque­
todos os empregos administrativos rosa miséria, as mulheres da mais
e municipaes de uma das suas ci­ alta sociedade da Europa. Elias
dades, pois que, farta das delapi­ têm penetrado nas prisões, nos hos-
dações e venalidade dos seus func- pitaes, nas fabricas, nos subterrâ­
cionarios, entendeu que devia fazer neos e nas mansardas; ellas têm
a experiencia de uma administração abaixado olhos celestes, que nunca
exercida por mulheres. tinhão visto senão a pompa decora­
Nunca até aqui os propagandis­ tiva de uma civilisação quasi so­
tas do feminismo tinhão alcançado brehumana, até ao avesso verda­
victorias tão decisivas e em tão deiramente revoltante dessa scena
diversos pontos. deslumbradora que as encantava.
E ’ que a questão felizmente des­ Nem sonhavão que esse luxo, esse
locou-se. E’ uma questão econô­ brilhante theatro em que ellas re-
mica e não é já meramente uma presentavão os papéis principaes,
questão politica. coroadas de diamantes, aljofrado 0
O socialismo, que a perfilhou, seio de pérolas, vestidas de broca­
elevou-a ao mesmo tempo que a dos e de velludos, recamadas de
tornou positiva e pratica. bordados tão bellos que parecião
E 0 que é mais extraordinário feitos por mãos de fadas, isto na
ainda, por ser muito illogico, é que luz deliciosa que sahe de tulipas
aquella porção da sociedade, que de crystal em que a electricidade
A M ensageira •37

accende as suas esti-ellas, entre A outra causa que actua hoje


moveis trazidos dos mais remotos na aristocracia de raça ou de di­
recantos do Universo, junto de me­ nheiro para que seja em favor do
sas carregadas de baixellas de ouro, feminismo militante, é que ella,
cinzeladas por artistas incompará­ que tem pouco que fazer, gosta
veis, vergando ao peso de iguarias muito das novidades, emquanto as
sem conta e sem discripção possi- novidades a não desalojão da boa
vel — nem sonhavão sequer que posição em que se estabeleceu so­
esse conjunto de entontecedora ri­ lidamente.
queza só podia ser comprado á No século X V llI a aristocracia
custa da miséria abjecta e corrup­ foi também por todas as innova-
tora de milhões de seres humanos! çôes que apparecêrão, emquanto
Foi então que ellas perceberão estas innovações forão platônicas.
bem, as doces filhas da ociosidade Ella teve o engodo das sciencias
e da riqueza, — que se julgavão experimentaes, das theorias anti-
chrístãs porque fazião devotamente religiosas dos encyclopedicos, das
todos as gestos da fé e praticavão leis econômicas de Quesnay o de
todas as ceremonias rituaes — em Turgot, da libertação da America,
que paganismo immoral tinhão vi­ das reformas politicas da Consti­
vido até aqui. tuinte, etc., etc.
Do seio das mais altas classes O peior é que nessas theorias,
sahio um brado de horror, que veio passando do papel á realidade e
unir-se ao grito de angustia que em se tratando de perder os pri­
ascendia dos subterrâneos escuros, vilégios que dava o nascimento
em que a miséria celebra as sinis­ nesse tempo e que hoje dá a ri­
tras saturnaes. queza, ninguém se conforma com
E como em toda a parte a mu­ a revolução realizada e todos a
lher appareceu aos anjos que visi- amaldiçoão, a escarnecem e lhe
tavão a citá dolente da desgraça e resistem, emquanto não são anni-
do vicio como a eterna explorada, quillados...
a eterna victima, a pariá eterna e Esta questão do feminismo é
sem remissão, a sympathia é em uma parte integrante do program­
favor dos direitos da mulher. ma socialista. Os que advogão com
Correspondem nas altas espheras verdadeiro conhecimento de causa,
sociaes a propaganda activissima advogão ao lado dessa questão
e eflBcaz que em favor da mulher muitas outras que. vencidas, im­
tenhão feito apostolos convictos de primirão uma nova forma á socie­
um novo regimen social. dade, vasarão em um molde intei-
138 A M ensageira

ramente diverso do que hoje co­ lucta que se empenhava então era
nhecemos, os costumes, as leis, as apenas preparatória desta porque
instituições, a propria moral ? se tratava nesse tempo não de re­
Perceberá isto bem a mulher do formas econômicas mas de refor­
Bispo de Londres? e Lady Koths- mas politicas, não de dar o bem
child e a Duqueza de Southerland ? estar ao maior numero mas de
Que essas sejão caridosas a todo desalojar das fortalezas do passado
o transe, caridosas com a paixão uma minoria privilegiada e oppres­
ardente que só a mulher sabe pôr sera, não de organisai’ a riqueza
no bem, como no mal, comprehen- mas de organisai' a liberdade.
de-se e admira-se. O sonho da alma humana tem
Mas não percebem ellas que não sido sempre a justiça. Que longo
0 de caridade que se trata agora! caminhar através dos séculos, atraz
N ão; pelo contrario, o que os desta luz longinqua que parece
socialistas querem, e oxalá que, ao sempre próxima, que nunca até
menos isto, o consigão, é que a hoje foi attingida ! . . .
caridade deixe de ser o unico le­ E no emtanto o século em que
nitivo que existe para a extrema vamos entrar realizará mais alguma
miséria e para a degradação im- cousa desta sublime aspiração.
merecida! Não serei eu que veja este bem
No dia em que justiça fôr feita que tantos sonhão, e quem sabe
aos homens de boa vontade, se­ se educada em outra tradição, por
gundo as promessas de Christo, a outros espiritos mais idealistas e
caridade continuará a ter onde exer­ menos práticos, eu não estime an­
cer-se, porque ha misérias moraes tes que as mudanças que prevejo
que a equitativa distribuição da ri­ sejam presenciadas pelos meus fi­
queza não poderá, já se vê, des­ lhos em vez de o serem por mim.
truir, mas a miséria physica, a ex­ O que affirmo, no emtanto, é que
ploração da mulher pelo homem, a minha opinião a respeito do des­
do pobre pelo rico, do fraco pelo tino da mulher nas sociedades fu­
intrigante forte, terá deixado de turas se tem modificado com o
macular a sociedade em que vive­ tempo e com a experiencia.
rem as gerações que succederão á Já não a condemno porque ella,
nossa. esquecida das graças, da fraqueza,
Esse novo regimen que hoje so- da doçura frágil do seu sexo, ba­
nhão já milhares de homens, ha talha valentemente para alcançar
um século que ninguém lhe pre- uma profissão que a salvaguarde
sentia ainda o advento, porque a de todas as tentações da miséria.
A M ensageira 39

E’ que tenho visto como para a de irmãs pelo sexo converteu fi­
mulher solitaria e pobre 6 dura a nalmente á necessidade de acceitar
vida e cruelmente difficil o caminho. a nova ordem de idéas, estimo em
Já não a convido a cultivar o todo 0 caso não ter que assistir
seu espirito com o fim unico de ao pullular das bordas femininas
ser agradavel ao seu senhor e amo ; militantes que vão apparecer e ás
6 que tenho percebido bem que ao quaes está talvez destinada, com
egoismo brutal do homem répugna 0 andar dos séculos, a victoria so­
instinctivamente a superioridade bro 0 homem gasto, envelhecido,
mental da mulher. exhausto. pela sua labuta secular,
Que ella^ preparada por uma a que ellas têm escapado ...
educação diversa da que tem tido, Julho, 1899 .
contraria á que tem tido, conquiste,
M a r ia A m alia V a z de C arvalh o
pois, um lugar mais alto e mais
independente pelo seu proprio es­
forço, pelo seu trabalho, pela con­
sciência readquirida da sua digni­
dade moral ; que elle, batido nos
últimos reductos da sua vaidade e Martyrio incrível
do seu desdem, se reconcilie com
Foges! Bem vejo! E que amargura a minha
esta nóva forma do eterno fem i­
Vendo apagar-se neste olhar querido
nino, tão outra do que inspirou A centelha do amor indefinido,
Dante e Shakespeare, Milton, Goe­ Que de tua alma limpida provinha!
the, Byron e Lamartine.
Eu também fujo!... E sinto que definha
Deixará de haver poetas logo Dia a dia meu ser triste e abatido
que as mulheres que elles quere- E também no teu rosto emmagrecido
rião cantar estejão na brecha a Prolongado martyrio se adivinha!
lutar pela vida, amazonas de nova Oh! Que supplicio !... Que horrorosa magua...
especie ; mas também que monta ? Chorando foges-me... e eu também te fujo!...
Os nossos filhos, já são muito me­ E de longe, vagando pelos montes.
nos poéticos, muito menos idealis­ Então volvo-te os olhos rasos d’agua,
tas do que nós fomos ! O que Como os olhos saudosos do marujo,
serão, por este andar, os nossos Que se afasta dos pátrios horizontes!
netos nesta sociedade scientifica, 4— 7— 1899. A u r ea P ires
industrial e democrata que se vai
endurecendo mais e mais ? !
Eu, a quem a miséria moral,
intellectual e physica de milhões
140 A mensageira

nadora que lhe moveram très for­


Brazil-^araguay midáveis exercites colligados, e que.
no longo periodo da accidentada e
Tal 0 titulo de um livro que aspérrima campanha, passou estoi­
nos acaba de dar Alberto Souza, camente por angustiosas attribula-
esse vivaz talento lapidado, pole­ ções e dolorosos revezes, affrontan-
mista e literato cheio de fulgores... do com civico destemer as incle­
Lémol-o com toda a nossa velha mências da natureza e as correrias
sympathia, e fechámos aquellas pa­ hostis da soldadesca adversa!
ginas deliciosas guardando em nos­ Não 6 anêmico nem enfraqueci­
sa alma a mesma admiração de do 0 povo que, em linha recta,
sempre pelo auctor. Esse volume descende da brava nação aboríge­
representa um feixe de artigos de ne dos guaranys; esse povo que,
combate, já publicados em um jor­ sem hesitar, acercou-se do seu chefe
nal de Santos, e nos quaes 0 moço supremo na hora solemne do peri­
belletrista se bateu, com 0 costu­ go, disposto a vencer ou morrer ao
mado Ímpeto e galhardia, pelo can- seu lado, na defesa heroica da pa-
cellamento da divida do Paraguay tria invadida e conquistada e da
e entrega dos trophéos de guerra qual os extrangeiros victoriosos o
á desditosa nação. Era impossível separavam dia a dia, tornando cada
enristar nem mais nem melhores vez mais remotas, mais longinguas,
argumentos em tão poucas paginas, mais afastadas e distantes as suas
traçadas na ancia de uma discus­ encantadoras e melancólicas para­
são pela imprensa; e a carga da gens!
sua poderosa dialectica rodou sem­ Com que aftlctivo aperto d’alma
pre no onduloso torneio de sober- não viam elles desapparecer ante
bissimos períodos. Por amostra de os seus olhos a grande terra natal,
seu estylo, que nos lembra ás ve­ com a sua cordilheira altiva, em
zes 0 donaire do de Latino Coelho, cujas lombadas a canelleira silves­
transcrevemos aqui 0 trecho em tre exhala aromas inebriantes ; com
que rebate, com suavíssimo calor as suas planícies fecundas e illu-
apaixonado, a pecha attribuida ao minadas que 0 rodar pesado das
Paraguay de povo anêmico, enfra­ carretas de guerra desflorou e es­
quecido e apathico: tiolou; com as suas lagoas tranquil-
«Não é anêmico, nem enfraque­ las e remançosas, de ondas azues,
cido e nem apathico 0 valente povo levemente arrepiadas pelo sopro do
que durante cerca de seis annos terral...
resistiu sósinho á guerra extermi- A ’ riba solitaria dessas lagoas
A M knsaqeira 141

mysteriosas. as donzellas paragiia- nossos cumprimentos pelo valor com


yas iani descuidosamente ouvir on- que defendeu na justa 0 alevantado
trora a enternecida confidencia dos e generoso das suas ideas.
moços enamorados, emquanto que Sentimos somente não poder
lioje ali vào, avelhentadas e solu- acompanhal-o no ataque ao Positi­
çantes, chorar e rezar, por noites vismo e aos seus dois chefes em
fora, em recordação dos noivos es­ nossa patria. E, neste ponto, me­
beltos que os canhões avidamente nos distanciado estamos do Alberto
devoraram, mas cujos beijos como Souza de hontem que do de hoje.
que ainda palpitam errantes na mes­ Deixando, todavia, de lado qual­
ma diaphana athmosphera, á mar­ quer consideração pessoal, para só
gem sombria das mesmas aguas, sob controverter doutrinas, não sabe­
0 docel emmaranhado dos mesmos mos como sustentaria 0 auctor 0
bosques floridos, nos raios scintil­ que diz á pag. 150 — que a an­
lantes do mesmo limpido luar... tiguidade já possuia todos os co­
Não é apathico nem enfraque­ nhecimentos positivos do nosso sé­
cido 0 legendário povo que Francia, culo.
em menos de uma geração, ensi­ Si isto é um paradoxo, ha de
nou a fazer duas colheitas annuaes, permittir-nos que, seguindo a orien­
a amar as artes e a estimar a in­ tação de Augusto Comte, afflrme-
dustria, e que agora resurge bella- mos também a inanidade das ap-
mente dos escombros de uma der­ plicações astronômicas da analyse
rota funesta que talou os seus cam­ espectral. Como é que Alberto
pos, devastou os seus lares, reduziu Souza lhe attribue a revelação da
os seus membros, desfalcou os seus natureza physica e chimica dos
haveres, converteu uma patria, la­ astros ?
boriosamente organizada, num mon­ No Sol deu-nos ella conheci­
tão informe de minas amalgamadas.» mento apenas de vinte e dois cor­
Pena é só que 0 auctor de uma pos simples. De que nos servem
prosa de taes quilates incida em estes pormenores concretos e in-
senões como 0 da pag. 104 — mais sufiBcientes? Que nos responda
omnipotente, ou 0 da pag. 36 — Delaunay, director do Observatório
um desconhecimento absoluto da e membro do Instituto de França.
vernaculidade a mais rudimentar. Kirchoff foi 0 principal fundador
Não nos cabe agora, nos estrei­ da espectroscopia solar, mas cahiu
tos limites de uma noticia, a cabal a sua hypothèse a respeito da con­
explanação do assumpto do livro; stituição do nosso centro plane­
acceite, porém, Alberto Souza os tário.
142 A M e n sa g e ir a

Faye apresenta outra explicação se manifeste logo a raja do sodium


para as manchas. «basta que se levante um pouco
A analyse espectral da lua não de poeira na camara das obser­
nos adiantou um palmo, e a dos vações . . . »
planetas nos deixou em face de Por isso tudo 6 que concluimos:
elementos indeterminados. A verdadeira astronomia conti-
Os auctores mais modernos e núa a ser a sciencia abstracta que
criteriosos ainda não acharam no se préoccupa com as leis que pre­
espectroscopio a solução dos pro­ sidem aos phenomenos do nosso
blemas suscitados pela natureza dos mundo celeste. Para servir aos
cometas. marinheiros e concorrer para for­
Acerca das estrellas — de que mar corações humildes e espiritos
valeram as 4000 que, dizem, foram disciplinados, ella não precisa ab­
examinadas pelo P. Secchi, quando solutamente das maravilhas do es­
é calculado em 20.000.000 o nu­ pectroscopio.
mero só das visiveis? A que at- M as. . . a falta de espaço nos
tribuir as variações do espectro de obriga a fechar este longo episodio.
algumas dellas ? A ’ interposição de
S il v io d e A lm e ida
corpos opacos, ou á violentas revo­
luções physicas? ... E quando fecha­
remos 0 dominio da presumida as­
tronomia sideral, si o aperfeiçoa­
mento successivo dos instrumentos
faz surgir, do espaço negro e si­ Miniatura
lencioso, estrellas não sonhadas? D o seu palacio de flores,
Nas nebulosas, só podemos ver d o seu tliron o de escarlate,
hydrogeneo, azoto e uma substan­ a rainha d os am ores,
que os cora ções to rce e abate,
cia desconhecida. . . Como apanhar
com nitidez, por extensões consi­ v en d o m inh’alma deserta,
deráveis da abóbada celeste, um sem crenças, toda tristeza,
escasso polvilhamento de luz en­ trouxe-m e a luz, fez-m e a ofiferta
de um a celeste riqueza.
fraquecida? ...
Que segurança, finalmente, ha­ N ão foi b u scar m eu thesouro
verá na analyse espectral dos as­ n o arcano d os verdes mares
tros, si vemos no espectro do sol nem nessas ilhas cô r de ouro
das lendas, nem n os luares.
as riscas do oxigeneo da nossa
atmosphera, segundo o descobriu C om seu con d ão, sim plesm ente,
Janssenn em 1 8 6 8 ? E para que m udou-m e a sorte im piedosa.
A M ensageira
143

e abriu-m e o céo, de repente, N iveos flocos! Graças magas!


p on d o-m e perto de K o s a ... E scon d ei-vos ante o arminho
de seus seios, que são vagas,
E co m o ter mais abrolhos, de seus seios, que são ninho.
co m o ter n o m u n do prantos,
si eu v e jo o m u n do nos olh os L eves, travessos, de gaze,
da m oça de mais en can tos? seus alvos pés pequeninos.
V olitam , não andam quasi,
V ed e-a ! Q ue graça ondulante
nem são pés, são vicelinos.
nessa escu lptu ra se esbate!
T e n h o certeza : é um diam ante Sentindo-os, ás suas sombras,
de im pon derável quilate. a relva estrem ece. Os cravos
fazem alas das alfom bras
Seus o lh o s ? P orem co m o ha-de
e a natureza dá bravos!
a M u s a ... emfim, com parae-os
ás n oites de tem pestade,
Em summa, quem descrevel-a,
relam pagueantes de r a io s ... basta dizer que, em passando,
deixa o clarão de uma estrella,
E os lá b ios que, de tão bellos,
deixa uma essencia b o ia n d o . . .
as flores deixam repletas
de inveja, quantos O thelos A e t h u e A n d ea d e

farão, dizei, quantos p oeta s?

Os o ly m p ico s lam pejos


d o co llo , e o m arm or d os braços,
ped em co ry m b o s de b eijos,
ped em coUares de abraços.
Saudade *íncuravel
Ha o p io de m il perfum es (A ’ Ignex Sabino)
nas suas tranças tão puras,
tão negras com o os negrum es Ao fundo de uma espessa ala­
das negras uvas maduras. meda de bambús, escondida pelas
arvores frondosas, estava a casa de
Seu talhe esvelto e gracioso,
os m im os das fôrm as cheias,
Nhá Chica, a conhecida feiticeira.
têm o encanto v aporoso Sombria e isolada no meio da-
das vaporosas sereias. quelle oceano de esmeralda e pro­
tegida do sol inclemente pelas man­
G alante co m o as orch ideas,
gueiras copadas, a casinha da fei­
seu co rp o , de parte a parte,
guarda p ro d ig io s de Phydias, ticeira tinha um encanto particular.
escon d e assom bros de arte! A estrada desegual e estreita que
lá ia ter, estava abeirada por plan­
E qu e m ãos! São tão pequenas,
tas rasteiras. No muro velho que
(jue em um a gotta de orvalho,
ou em quaesquer açucenas havia a um lado da casa', subia
])resum o qu e as agasalho. uma trepadeira selvagem, cheia de
144 A MENSAGEffiA

viço e de esplendor, entrelaçando ató parece mentira ! — mais au-


suas folhas cor de esperança á ru­ gmentava a sua magua ! Corriam
bras begonias e formosas orchidéas os dias, os mezes e os annos e a
de variegadas cores. pobre a chorar e a soffrer não
Via-se de quando em quando um encontrava consolo algum neste
galho de arvore tombado por terra. mundo.
Era grande o silencio e as som­ A fama das milagrosas curas da
bras do arvoredo projectavam no feiticeira, correndo montanhas e
chão desenhos bizarros. Um riacho valles, foi resoar aos ouvidos da
de crystallinas aguas corria suave­ pobre Theraza.
mente pela collina. Passaros di­ — Consulta, diziam todas as
versos cantavam alegres por sobre amigas, consulta e Nhá Chica te
a ramagem verde da viçosa paysa- dará um remedio para abrandar
gem. E em todo aquelle formoso essa saudade dilacerante que te
logar havia um ar de mysterio, de tortura dia e noite.
confidencias e de segredos ! üm lampejo de luz acariciando
a nuvem negra da superstição trou­
xe aos lábios da infeliz um raio de
esperança. E a viuva foi á casa da
Nhá Chica curava, diziam todos
feiticeira. Contou seu enorme sof­
pela vizinhança, não só as dores
frer, disse-lhe que só encontrava
physicas, como também as dores
lenitivo nas lagrimas profusas e
da alma. terminou solicitando um remedio
Á sua porta vinham o rheuma-
para alliviar o coração.
tico e 0 descrente, o cégo e o desil- Nhá Chica ouviu attenta a dolo­
ludido, 0 paralytico e o desconso­ rosa narração. Por fim, garantindo
lado, e a todos — as benzeduras,
a cura da doente, deu-lhe uma gar­
as ti sanas e as rezas curavam, como
rafa de tisana que benzera prévia­
por encanto. E a fama da feiti­
mente e disse :
ceira corria de bocca em bocca.
Este remedio é o elixir da sau­
dade. Quem 0 bebe, esquece, como
por encanto, todo o passado de af-
Entregue a dolorosos soíírimen- flições e dores. Basta uma dóse. ..
tos, a um continuo soluçar, vivia a e de nada mais te lembrarás, ga­
inconsolável Thereza, joven viuva, ranto.
de perigrina formosura. Nada ha­ Ia já Thereza, toda esperançosa,
via que a consolasse ! E á propor­ levar aos lábios o precioso elixir,
ção que 0 tempo passava — isto quando, subitamente, interrogou :
A M ensageira 145

Esquecendo 0 passado, está claro,


que só esquecerei as dores e a Magoa “infinita
enorme tristeza que me tortura, V élas sôltas, ao mar, seguiu minha
não é? galéra
— Não. filha, meu elixir é ex­ ao paiz ideal da excelsa Phantasia,
traordinário ; bebendo-o, esquecerás á p rocu ra do Am ôr, em bu sca da U topia,
qu e residem n o Além , n o azul de uma
0 passado completameote. Que va­
outra Esphera.
lem os breves momentos de alegria
comparados ás longas horas de teu T ripolantes, nem um : som ente uma
soífrer ? Chim éra,
uma doida Chim éra, amiga da folia,
Houve um momento de hesita­
foi á b ord o, julgando, — a m isera
ção. A viuva reconsiderou: tam­ vadia! —
bém me hei de esquecer das horas encontrar noutra plaga a nova
felizes do meu amor? de seus bei­ Prim avera.
jos apaixonados? de suas phrases
Q uando um dia v oltou d ’esse fatal
tão meigas ? de tudo ? . . . de tudo ? passeio,
Não vale a pena! Terrivel con­ minha v êrde galéra, ou tr’ora tão bonita,
tingência ! v eio triste e desnuda, arfando, em vago
a n c e io ...
E sem proferir uma palavra, dei­
xando transparecer em seus lábios A Chim éra m orrêra, — a p ob re sybarita,
0 sorriso desdenhoso dos incrédu­ em vez d ’ella, porém , uma intrujona
los, arremessou, com força, a gar­ v eio:
— a D ô r que não termina, a atróz
rafa da tisana de encontro ás pe­
M agoa Infinita I
dras da calçada.
R ecife.
Depois, como se acordasse de um R a u l C o r r êa

somno profundo, n’um meio torpor (Do Congresso Litterario)


de espirito, vendo 0 horizonte de
sua vida para sempre ennegrecido,
mais abatida ainda e menos resi­
gnada, disse com doloroso accento
de v o z : Duvido, feiticeira, que al­
^ esmola
guém sabendo do resultado deste
elixir, tenha coragem para leval-o No seio do umbroso bosque
aos lábios. olente e verdejante solta a arapon­
A deus... nunca mais hei de ga bravia seu estridulo soluço.
voltar aqui, adeus, adeus. Pela limpida corrente que acari­
M a r ia C l a r a da C unha S antos cia os pequenos seixos arrastam-se
as agrestes mimosas murchas.
146 A M ensageira

Na niatta densa e negra 0 vento


sibilla com furor medonho.
H Subir... Subir...
E Flavio, 0 zagal amoroso, per­ P om bas de azas abertas e alvej antes,
corre com pé firme e ligeiro desde A ndorinhas chegadas de alem- mar,
M in h ’alma, nos seus son h os adejantes.
os rochedos abruptos até 0 mais
Sabe mais d o que vós, v o a r ... v o a r ...
odorifero valle para contemplar a
casinha alva, como opala... a casita C om o o co n d ô r que sob e e toca os
de sua branca amada... Sentado Andes,
L evantando o seu v ô o encantador,
ao pé da collina. desprende da
M in h ’alma sonha m undos lindos,
flauta os ternos queixumes... grandes,
Glaucia, a branca filha do valle? Illum inados tod os p elo am or!
escuta com doce e casta devoção P e e s c il ia n a D u a r t e d e A u m e id a

as notas queixosas que vibram 4-Julho-1890. P ou so A legre, M inas


no ar.
O ultimo soluço que 0 instru­
mento solta é respondido pelo mo­
dular divino da aria esplendida.

H paizagem
— Já viu 0 meu novo cafezal ?
Cessa 0 canto... 0 silencio im­ perguntou-me, de visita, com sua
pera... e Glaucia recolhe-se inno­ distinctissima familia, 0 honrado
cente e terna á tépida alcova per­ cavalheiro, proprietário d’este deli­
fumada. cioso retiro.
Espera religiosamente que 0 sino — Ainda n ã o ...
do triste campanario toque meia — Pois alongue até lá o seu
noite. passeio matinal, que não se ha de
Passos rápidos ouvem-se pelo arrepender.
lagedo duro... Na manhã immediata, conduzin­
Palpitante e bella entreabre da do pela mão minha filha adoptiva
janella a rosea gelosia por onde e seguida por minha dama de com­
estende a mãosita alva. panhia, tomei resolutamente 0 ca­
— E’ a esmola que ella dá ao minho do morro, em cujas encostas
cantor gentil, ao zagal flautista... a grimpam, symetricamente alinha­
osmola santa de contemplar e oscu­ dos, os preciosos arbustos que
lar por um instante aquella pétala constituem, no presente, a riqueza
de jasmim perfumosae enrubescida. unica de minha patria. Uma larga
leo.uÉA trilha, contornando em espiral a
A M ensageira 147

collina, conduziu-nos suaveraente disseminados pela planura dos var-


ao alto, onde parei, tomada de as­ zedos, abrigados ás abas dos pri­
sombro profundo, ante uma das meiros morros, alcandorados nas
mais prodigiosas paizagens que te­ fragosidades das cordilheiras ...
nho contemplado. Mais proximamente, exposto á
Impressões similares experimen­ admiração, como um poema petreo,
tei quando subi, ha longos annos, com as «Agulhas Negras» immer-
a um dos mais proeminentes con­ sas na onda da luz loura e os pin-
tra-fortes do Itatyaia e, recente­ caros multiformes revestidos dos
mente, na minha ultima escursão mais maravilhosos matizes do azul,
ao Corcovado, vendo de subito, desmesurado e erecto, avultava 0
murmurejante aos meus pés, sem Itatyaia.
a gaze de uma névoa, a incompa­ Na sua base, affeiçoadas em
rável bahia do Guanabara, sulcada faixa, uma série de nuvens des­
por innumeros lenhos, pontuada de lumbrantes esgarçavam-se em or­
ilhas, confundindo com as do oceano valhos invisíveis sobre a florescente
as suas aguas de côr indefinivel... freguezia de Campo Bello, cujo tem­
Tinta mysteriosa e bella, mixto plo emergia na verdura, mosqueado
do glauco dos mares com 0 azul por todos os tons gradativos do
do infiuito, 0 seu segredo escapa verde, — desde 0 verde negro das
á paciente indagação do artista e florestas virgens ate 0 verde gaio
os nossos melhores pintores tentam, dos cannaviaes mofinos.
mutuamente, reproduzil-a nas suas Casebres dispersos, colmados de
marinhas. sapé, com os seus asseiados ter-
A manhã estava de uma belleza, reirinhos circumdantes, surdiam ao
de uma transparência, de uma se­ centro de pequeninas lavouras dis-
renidade phenomenaes ! Revestido tinctas, como notas vibrantes, cheios
de um azul esmaecido, porém im- de movimento e de vida. Vendo-
maculado, 0 céu encurvava-se so­ eos, eu repetia mentalmente aquell
bre as nossas cabeças, como um sentido «lied» allemão, que começa
pálio protector. Na extensão de assim :
uma centena de kilometros, limi­ «Lá onde eu não posso viver, é
tada, ao longe, pelas assombrosas que mora a felicidade...»
proeminências da serrania da Man­ Largas estradas, ora ensombra­
tiqueira e, pelo disforme espinhaço das por extensos renques de bam-
da Bocaina, destacavam-se, como bús amarellecidos, ora dourados
garças alvejantes, as casarias dos pelo sol nascente, estendiam - se,
grandes estabelecimentos agricolas. encruzavam-se, transpondo monta-
I

148 A M ensa(îkika

nhas, beirando grotões, estirando America, pretendendo confeccionar


braços elásticos para os mais remo­ uma obra de historia americana.
tos pontos da vasta zona abrangida A illustre escriptora foi recebida
pela vista desarmada. E colleantes no dia 28 do corrente pelo Dr.
pela plannra, como duas gigantes­ Campos Salles, presidente da Re­
cas sucurys, as vias-ferreas «Pedro publica, na sala dos despachos.
II e Rezende a Arêas,» servidas a A Mensageira saúda cordial men­
essa hora pelos seus trens ordiná­ te a applaudida historiadora norte-
rios, vomitavam no espaço plúm­ americana.
beos novellos de fumo, soltando Visconde de Cavalcanti. — Em
silvos estridentes, que 0 6cco re­ Juiz de Fóra, a 14 de Junho ul­
petia por montes e grutas. . . timo, falleceu 0 conselheiro Diogo
Ao centro da formosissima pai- Velho Cavalcanti de Albuquerque,
zagem, n’uma irresistivel preguiça visconde de Cavalcanti, estadista
de creoula, ora som brada pelas de grande prestigio no antigo re­
curvas ramarias das acacias silves­ gimen. O fallecido foi deputado
tres, ora arrepiada e nua, a enorme provincial e geral pelo Rio Grande
massa d’agiia do Parahyba, torcen­ do Norte e presidiu as provincias
do-se em mil voltas, derivava se­ de Piauhy e do Ceará, tendo sido
rena, — 0 largo dorso alabastrino, mas tarde ministro da agricultura,
faiscando ao sol como a riitila da justiça e dos extrangeiros, sem­
escama de uma serpente de pra­ pre acatado pela inteireza de ca­
ta!... N aeciza A malia racter, alevantado patriotismo e
poderoso talento.
Recolhido á vida privada após
a, revolução de 15 de Novembro
de 1889 , softrera ultimamente a
desgraça de perder a vista, mas
^otas pequenas
tinha sempre ao seu lado, ameni-
Visita illustre. — Pela primeira sando-lhe 0 terrivel mal, sua dis-
vez 0 Brazil recebe a visita da tinctissima esposa, que passa por
distincta jornalista mistress Marie ser uma das damas de mais fina
Robinson Wright, auctora da His­ educação que temos tido era nos­
toria do Mexico, obra de grande sa patria.
aceitação naquella republica. A ’ viscondessa de Cavalcanti
Mistress Wright vem acompa­ apresentamos respeitosos pezaraes.
nhada de sua secretaria, miss Hart­
man, e percorreu já quasi toda a
São Paulo 15 de Setembro de 1899 Anno II, N. 32

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direotora — Presciliana Duarte de Almeida

F’ublica-se no dia 15 de cada naez


P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m e r o a v u lso
a d ia n ta d o E n d e re ç o : R e a de Sta. Iphigenia, N . 57. , Rs. 1 $ 0 0 0

Summario: — Apologo, conto, Maria firmamento. Havia em seu todo


Clara da Cunha Santos; — De sonho em
sonho, soneto, Maria Jucá; — Urzes, cri­ um quér que fosse de mystica poe­
tica literaria, Silvio de Almeida; — Ne- sia.
nia, poesia, Ridelina Ferreira; — Selec- E assim esteve, sem proferir
çâo; — Carta do Rio, Maria Clara da
Cunha Santos; — Ao crepúsculo, Fran-
palavra durante algum tempo.
cisca Clotilde; — Um canto, poesia, Del- 0 pastor ia a seguir o seu ca­
minda Silveira; — Impressões de leitura. minho quando o velho lhe dirige
Perpetua do Valle; — A poetisa do vi-
zella, Alberto Pimentel; — Notas peque­
a palavra: «Joven, disse elle, não
nas; — Diversidade, poesia, Presciliana me conheces, não sabes quem sou,
Duarte de Almeida. donde vim e para onde vou. Não
é preciso que saibas nunca o meu
nome. Venho de Deus, sou emis­
í^pologo
sário de seu incomparável domi-
A ’ Candida Scheldon
nio. Atraz de ti ando eu ha mui­
Um dia. no principio do mundo, to tempo. Trogo-te um mimo ce­
quando ainda o Senhor se dignava leste, presente que te faz o rei do
presentear os miseros mortaes com Universo.
valiosas dadivas, um joven pastor Mereces esta distincção, Deus
apassentava o seu rebanho luzidio assim 0 disse e assim o quer. Eu
e, de súbito, teve um encontro sin­ mesmo ignoro o teu proprio mere­
gular. cimento. Sei, no emtanto, que te
Um velho sympathico e myste- pertence esta lanterna encantada.
rioso, de longas barbas brancas E il-a. .. e retira de dentro de uma
cahidas sobre o peito, de cajado a caixa de ébano uma bonita lan­
mão e de olhos da côr do céo terna doirada e reluzente.
passava sózinho pela encosta da — Que bella, disse o pastor,
montanha. que bella!
0 pastor saudou-o respeitoso. 0 — Escuta, retorquiu o ancião,
velho parou abstracto a olhar o é inestimável o valor deste obje-
I 50 A M ensageira

cto. Pudera! Deus não havia de Se este presente é um prêmio, só


mandar a seus eleitos, presentes a um deve convir.
de pouca monta!! Com o auxilio
desta magica lanterna poderás ver Passaram-se os tempos.
todos os corações que quizeres e 0 pastor deixou o lar paterno
sondar os recônditos de todas as e foi correr mundo, ver terras no­
almas. Nenhum segredo te será vas e novos corações.
vendado. Quando quizeres pres- Visitou palacios e choupanas,
crutar um coração, recorre a esta habitações principescas e casebres,
lanterninha, vel-o-ás completamente. viu reis e vassallos, poderosos e
A vaidade, a pureza, a mentira, a humildes, sábios e ignorantes. . .
bondade, a hypocrisia, o amor, tu­ Foi aos conventos, aos lupana-
do, meu joven, tudo verás com res, aos hospitaes e aos antros.
clareza e verdade. Tratou com facinoras celebres e
E dizendo estas palavras desap- com pudicas donzellas; com car­
pareceu subitamente. rascos inclementes e com piedosas
Maravilhado com o mágico pre­ irmãs de caridade.
sente 0 pastor, a sorrir, voltou á Divagou por muito tempo e um
sua cabana, radiante de alegria. dia, cançado de tanto peregrinar,
Contou, encantado, aos paes e aos voltou ao remançoso lar paterno.
irmãos o encontro com o velho, o Vinha triste e desanimado, conhe­
emissário de Deus. cia 0 mundo com todos os seus
múltiplos segredos. Havia sondado
— E ’ são José, é S. José, acu­
os corações que mais puros pare­
diu a mãe do pastor, com os olhos
ciam e nelles encontrado a períi-
cheios de lagrimas. Eu sei que
dia, 0 disfarce, a maldade.
0 casto Esposo de Maria é o con­
Muitas vezes no coração de uma
fidente e 0 predilecto de Deus.
creança viu brotando o espinho de
— Quero ver a lanterna, meu
um máu sentimento. Tanta gente
filho abençoado, disse o velho pas­
que 0 mundo acata e que não vale
tor. E os irmãozinhos todos, con­
nada! Tanto coração que se diz
tentes e curiosos, queriam admirar
de ouro e que é de fel!
0 precioso thesouro.
Ah! meu Deus! exclamava de­
— A lanterna só funcciona em sesperado 0 joven pastor, para que
tuas mãos? perguntou o irmão me déstes esta lanterna cruel.
mais novo, desejoso de partilhar Mais feliz seria eu se não co­
da preferencia divina. nhecesse tanta miséria!
— Naturalmente, aflfirmou a mãe. Vou quebrar esta lanterna, deci-
A M ensageira 151

didamente. Cuidarei de meu re­ Viste 0 coração de tua mãe.


banho e de minha plantação. — Não, meu amigo, não havia
Que vale conhecer alheios cora­ necessidade, sei que 0 delia 6 puro
ções? Que vale? São todos máus, e é bom.
todos hypocritas.
Em todo caso, antes de me res­
tituíres a lanterna, examina e pr6s-
cruta o coração materno.
Desilludido voltou 0 joven pas­
tor ás suas costumadas obrigações.
Um dia, quando menos esperava,
O velho cançou de esperar, 0 jo­
encontrou n<) mesmo logar, na en­
ven pastor nunca mais voltava.
costa da montanha, o ancião, emis­
Afinal veiu vindo, sorrindo e ale­
sário de Deus.
gre, sem a lanterna que fôra bus­
— Meu velho, meu velho, vou
car, e de longe mesmo foi dizendo
te restituir a lanterna encantada,
bem alto e convicto: E’ um the-
ella só me trouxe desillusões 0
souro encantado 0 coração de mi­
tristezas. Não imaginas como hoje
nha mãe! não te dou mais a lan­
conheço e abomino 0 mundo.
terna, quero vel-o todo 0 dia e a
No amago do coração que se
todo 0 instante. Vale a pena os
dizia mais puro, eu applicava a
dissabores todos que encontrei neste
magica lanterna e via a hypocri-
mundo de misérias...
sia reinando poderosamente. Estou
enfastiado, aborrecido... Vale a pena sim...
Não quero mais sondar tanta Não te dou mais a lanterna. A
miséria. Vou buscar lá era casa grandeza do coração de minha mãe
a lanterninha, espera-me aqui, meu me fez esquecer toda a tristeza do
bom velhinho. Volto já. passado.
E partiu. O ancião, a sorrir, sabiaraente
O ancião deixou-o dar alguns respondeu: eu já esperava por isso,
passos e depois chamando-o per- eu já esperava por isso...
guntou-lhe: M aria C lara da C unha S antos
152 A M ensageira

2)e sonho em sonho


D e flor em flor, as providas abelhas
— E brias d o ro cio em lú cid a s am poulas,
V ã o d os jardins nas ideaes corbelh as
Sugar o m el das virginaes coroUas.

E ora b eijam as castas verdeselhas,


Ora im m ergem n o seio das papoulas,
S o b re o co rp o a luzir, com o scentelhas,
D o poUem fulvo as aureas lentejoulas.

Na veiga lyrial d o pensam ento,


Irisada de um pu ro sentim ento,
N ossa alma, assim tam bém , co m o m esm o ardor.

N o afflicto an ceio de um p orv ir risonho.


Irrequieta, vai de son h o em sonho,
C om o as abelhas vão de flor em flor.
M aria Jucá

Urzes S I MI L E

Deste mimoso voluminho de Ama­ o amor entrou-me dentro da alma, como


o sol em velha e pavorosa matta...
deu Amaral não ha muito que dizer;
Num victorioso assomo,
além de que uma apreciação mais que o veu de treva ás arvores desata,
puxada poderia exceder o proprio
livro. Tão certo é que os tempos penetra muita vez a luz do dia
de hoje não se prestam aos arro- numa densa floresta,
bos do que poderamos chamar — a pondo na lacrimosa ramaria
um largo anceio triumphal de festa.
alta poesia. Contentemo-nos, então,
com a baixa; reduzida, quanto pos- As velhas arvores tristonhas,
sivel, aos quatorze versos da moda... como um bando infeliz de almas penadas,
Esta moda é um dos característicos a balançar em convulsões medonhas,
da nossa literatura minguada e ra- ora á brisa, ora ao vento, as ramalhadas.
chitica. Sinão, vejamos as ü rx es:
cantam, num côro de milhentas boccas,
19 sonetos por 16 pequenas varie­
na treva, longas musicas chorosas,
dades. Ahi vae uma das suas poe­ — ora descabelladas, como loucas;
sias maiores e melhores; ora abatidas, como religiosas. . .
A M ensageira 153

Da floresta nos Íntimos recessos tração, os quatro primeiros sonetos :


ha mysteriös horríveis:
enclausuro, claustro, claustros, clau­
gargalhadas e berros de possessos,
pranto de sofiredores invisíveis,
sura; monge, frade, monge, com-
munidade; corredor escuro, noite,
assustado agitar de azas velozes, fundo escuro, escuHdão, escura;
vultos brutaes rolando nas alfombras,
mudo, mudex, silencio; sonha, so­
extranhas vozes,
extranhas sombras... nho, céo de sonho.
No 2.° soneto, rima sonho com
Mas eis que chega a luz do sol bemdicta!
tristonho; no 3 .° idem, e rima ain­
Vara a trama das copas e palmares,
da sonho substantivo com sonho
e nas furnas ramosas precipita
iriadas cambiantes estellares. verbo; no 4 .®, finalmente, torna a
rimar tristonho com sonho.
Lança fulgurações pela clareira,
A imagem do cahir da tarde é
diamantinas camandulas de orvalho,
e clarões furta-cores de poncheira
muitissimas vezes suggerida ao lei­
pelos verdes ramaes, de galho em galho tor. Vejamos:
Pag. 55 — «no horisonte 0 sol
Aqui, rebenta em catadupas de ouro,
se afoga».
estende além scintillações de prata...
Pag. 54 — Ao crepúsculo, dia
Um arco-iris explendido, um thesouro,
se dissolve c derrama pela matta. esmorecente».
Soneto I — «0 roxo pôr-de-sol».
Na volúpia da luz alegre e boa,
IV — «crepúsculo, dia que es­
sonorisando os echos somnolentos,
a corêa dos passaros resoa
morece, noite pavorosa desce, pa­
entre os ramos attentos. vorosa noite immensa».
V — «dia agonisante».
E a quando em quando esta sonoridade
VII — «roxo pôr-do-sol».
soluça, em tons macios de velludo,
VTTT — «ao pôr-do-sol».
parecendo fluir da claridade
adormecida n’um desvão folhudo... X I — «crepúsculo desfeito».
X V I — «crepúsculo triste».
E a velha matta lamentosa, olhae-a!
X V III — «triste agonia da luz,
rumoreja e resplende: um arrebol
de mocidade dentro delia raia...
ao ir-se o dia, ao morrer 0 sol, no
A magia do soll pôr-de-sol».
Uma nota resalta dos versos de
0 estro de Amadeu Amaral as­ Amadeu Amaral: a morosidade da
semelha-se a um tenue fio dagua sua dynamica mental, com accen-
que penosamente escorre por entre tuada tendencia para a fixidez do­
seixos: a lyra é maviosa, porém entia das imagens. A idéa de con­
monotona; a imaginação, cansada vento é uma das obsessões do poeta.
e repetida. Notemos, como illus- Eis a prova:
rv

154 A MENSAGKmA

Soneto I:
«Na Dor me enclausuro; Kenia
monge vagando em corredor escuro, Ho detto al cuore al mio povero cuore,
alheio aos echos da communidade; Perché questo languor questo sconforto ?
Ed egli mi ha risposto: è morto amore
mudo e grave e alquebrado como um frade.» Amore è morto.
Soneto I X : St e c c h e t t i .

«Dentro da minha dor, que da Vida me isola, Na tum ba d o esqu ecim en to


recolhi-me, e hoje arrasto a cogula dum frade, O nde jaz o nosso amor.
como um frade infeliz, cuja existência rola C ostum o orar um memento
Para abrandar m inha dôr.
entre a vida infeliz duma communidade.»
E depois: U m a noite triste e calma
Sepultaste-o com d esd em ;
— «longe da triste paz deste recolhimento.»
E nem viste que a m inh’alma
Soneto I: T u sepidtavas tam bém .
«Resoam, pelo chão, minhas sandalias.»
E ’ desde então m eu fadario
E ’ m eu constante desvelo.
«na mudez cavernosa das muralhas.» V isitar o sanctuario
Soneto II: D e um sonho que foi tão b ello.
«arrasto
no pavimento minha vil sandalia.» L e v o um a ílôr — a saudade —
Q ue em blem a mais verdadeiro
D o pu n gir que então m e invade.
«no fundo escuro da brutal muralha.» A charia o m undo in teiro?
Soneto X I :
«duma reclusa pallida qne arrashi E rezo, e im p loro que um dia
P ossas ou v ir m inha jjvece;
pela penumbra dum recolho estreito.» Q ue te com m ava a agonia
D e um coração qu e languesce.
«lirial noviça
beijando o amante ás grades da clausura.» Q ue eu sinta ainda a sublim e
Paixão, qu e tive um m om ento,
Soneto X II: E sejas tu quem m e anime
«que não saio buscando uma clausura.» N este extrem o desalento.
Embora correcto, não deixa 0
poeta de ter seus descuidos de fôr­ M as ah! m eu co rp o sem alma
V olta com os m esm os pezares!
ma, como 0 se aninha repetido da Q ue a m inha d ôr não se acalm a
pag. 74 e 0 as não da pag. 4 0 , N em m esm o n ’esses logares.
além de outros. Basta citar a gra- In feliz, não sei mais on de
phia explendido, imperdoável num P rocu rar algum co n fo rto ;
P ois que um a v o z m e re sp o n d e :
collegial, quanto mais num literato. — N ão revive o am or que é m orto.
Em resumo: F azenda S. J oã o da Barra, 4 de
Amadeu Amaral, pelo tempo que A g o sto de 1899.
verseja, não nos deu 0 que se es­ B idelin a F bbbeiba
perava, em um livro tão pequeno.
E ’ b o m z in h o ; mas p od ia ser
m elhor. S ilvio üe A lmeida
A M ensageira 155

E sobretudo isso ha em todas


5elecção as suas telas muita poesia.
0 ideal do caracter feminino é Os nossos caipiras são os seus
0 sentimento e a força. As duas modelos preferidos. Aprecio im-
qualidades não se excluem, antes menso essa manifestação de patrio­
completam-se; a perfeição da for­ tismo do insigne pintor paulista.
ma consiste no equilibrio da robus­ Não poderei, pela escassez de
tez com a elegancia. espaço desta revista, fallai', como
O destino da mulher não se de.sejava, detalhadamente da Expo­
apresenta menos negro que 0 do sição e de todos os que á ella con­
homem. Sujeita ás mesmas con­ correram.
trariedades, ás mesmas decepções, Noto, com prazer, que 0 mo­
aos mesmos golpes, ella tem ainda vimento feminista tem progredido
contra si para aggravar 0 horror muito em questões de arte.
de sua situação, a estreiteza do N’esta actual exposição appare-
horizonte social, como a encerral-a cem tre/e expositoras na secção de
num sepulchro de misérias. pintura e uma esculptora de gran­
de mérito.
A mérico W erneck
Já é consoladora essa tentativa,
(Arte de Educar os Filhos).
esse desejo que as nossas patrícias
mostram trabalhando e procurando
se elevar.
Ha muitos quadros de pouco va­
lor no salão da escola, e alguns
então de todo sem valor, mas em
Carta do ^io compensação ha telas que por si
Esplendida e verdadeiramente só, valem uma exposição inteira.
admiravel está a sexta exposição «Saudades» de Almeida Junior
geral da Escola Nacional de Bel­ está nesses casos. E’ um quadro
las Artes. Ha ali trabalhos de de grandes propoi-ções e tudo ali
mestres, trabalhos valiosissimos que está tratado com carinho e com
attestam 0 alto mérito de alguns arte.
artistas nacionaes. O modelo, disse-me 0 pintor, era
Como sempre Almeida Junior uma viuva de dois mezes, uma po­
apresenta quadros de muito folego bre rapariga succumbida quasi pe­
e de subido valor artistico. Sua la dor da eterna separação do ama­
technica é admiravel, seu desenho do esposo.
impeccavel, seu colorido verdadeiro. A viuva contempla um retrato
156 A M ensageira

— 0 delle certaraente — e está vegetativo. A mulher que canta


com a alma esmagada pelo soffri- ao som da viola está admiravel de
mento. Que poesia e que ternura naturalidade.
nos olhos tristes d’ aquella pobre E’ um primor esse quadro.
mulher! Em segundo plano vê-se Que direi de «Importuno», um
0 album donde foi destacado o re­ dos melhores quadros do illustre
trato e uma canastra de couro semi­ pintor paulista?
aberta. Devo calar-me, não posso, como
A viuva recosta-se a um vão da já disse, alongar-me demasiado.
parede rústica de seu casebre. A Em resumo, a Exposição de 99
luz que entra f rançara ente pela ja- é muito bôa, impressiona agrada­
nella illumina todo o quadro e des­ velmente 0 visitante.
taca a cabeça sympatbica e o rosto A proposito de quadros e de crí­
tristonho da joven martyr. ticos andam a brigar por ahi, pin­
«Mendiga» é outro quadro do tores e amadores.
mesmo auctor, de muita verdade Que tolice! Eu entendo que o
e muita belleza. valor de um objecto de arte não
Minha querida amiga Julia Lo­ é destruído pelas palavras dos se­
pes de Almeida, que no dia do nhores críticos que são muitas ve­
Vernissage admirava os quadros, zes incompetentes na matéria, as­
logo que contemplou o de n.° 10 sim como uma obra sem valor ar­
reconheceu na «Mendiga» uma tístico não fica valendo mais, por­
velha devota, uma pobresinha muito que meia duzia de amigos escrevem
conhecida em S. Paulo, que ia to­ e publicam elogios immerecidos.
dos os dias á sua porta pedir es­ O brilhante é sempre brilhante,
mola. Os olhos de minha amiga quer esteja adornando a fronte de
ficaram lacrimosos de commoção e uma millionaria, quer esteja na
era visivel a sua alegria ao encarar lama a mais im m unda...
a admiravel tela que como astro E 0 que não tem valor proprio
de primeira grandeza illuminava não perdura, cáe por s i . ..
todo 0 salão. A critica sensata e verdadeira é
O «Violeiro» é um typo bem um beneficio; a outra... a que é
estudado do caipira preguiçoso e feita por desaffectos ou por amigos
indolente. A viola quasi que cáe Íntimos, não vale dois caracóes.
das mãos e os olhos do violeiro
revelam a lethargia de sua alma
sem ideal, sem aspirações, alma que Outro dia uma de rainhas ami­
secontenta com um viver quasi gas me dizia que o facto de mui-
A M ensageira 157

tas creaturas viverem se lamentan­ vida. De que pode se lamentar


do, é uma doença, como outra qual­ uma creança que é sadia e tem
quer. E doença perigosa e grave... seus paes?
por ser contagiosa. Hoje essa menina é uma senhora
Realmente citou-me casos, que e tem, portanto, obrigações impres-
eu conheço, e me provou a ver­ sendiveis a cumprir, como esposa
dade de sua asserção, que parece, e como mãe. Trabalha 0 mais que
a principio, um paradoxo. ó possivel e passeia 0 menos que
Observa, disse-me ella, ha pes­ póde. Evita os divertimentos; em
soas que sentem enorme prazer seu espirito escurecido pela falsa
em contar ao proximo os seus sof- educação que lhe deram, 0 diver­
frimentos. tir-se uma senhora que é bôa es­
Que terrível mania! posa e bôa mãe é quasi um crime.
Conheço uma senhora, aliás mui­
Qualquer contrariedadezinha, ine­
to bôa, que entende que nós todos
vitável á uma dona de casa, toma
viemos ao mundo exclusivamente
diante de seus olhos, proporções
para trabalhar e soffrer.
enormes. Se de manhã algum fâ­
Procurar se divertir, buscar uma
mulo a contraria, algum desarranjo
alegria, dar um passeio, são no
se nota em seu ménage, que a outra
entender dessa excêntrica senhora,
qualquer seria facil esquecer, a po­
cousas supérfluas e dispensáveis.
bre senhora tem panno para man­
Em consequência da vida se­
gas, como se diz entre nós. Re­
dentária e triste que leva essa in­
jeita o camarote do Lyrico que 0
feliz creatura, a sua palestra é te-
marido lhe quer dar e se accede
trica como um luto pesado. Outro
e váe ao theatro. .. não se diverte.
dia ouvi debicarem-n’ a. Eu tive
O insignificante contratempo da
pena, confesso. Tudo aquillo é ef-
manhã é um pretexto para amo­
feito da educação. Ensinaram-n’a
finar seu espirito durante uma se­
quando menina a tomar a vida co­
mana.
mo um fardo e a trabalhar como
mouro, e quando ella se lamenta­ Nada de lastimas, minhas leito­
va, ninguém a reprehendia, nin­ ras. Deixemo-nos disso. Com la­
guém a censurava. Em vez de mentos e tristezas só conseguire­
amenisarem-lhe a existência, pro- mos uma cousa: enfastiar as pes-
porcionando-lhe diversões saudaveis sôas a quem amamos e afugentar
e passeios e festas, deixavam que as que nos amam.
a menina se lamentasse . . . para
desabafo e continuasse na mesma
158 A M ensageira

D’antes, quando eu via uma ve­


lha toda enfeitada, faceira, com as crepúsculo
sombrancelhas e os cabellos pin­
Começam a emmuchecer as flo­
tados de preto; os lábios e as faces
res!...
de carmim, os dentes postiços, os
Do seu tépido ninho evola-se
olhos requebrados querendo a força
subtil, caridoso como o perfume
ser moça, eu lamentava que alguera
dos lyrios languescentes, o gorgeio
não pudesse descobrir um remedio,
uma pintura ou qualquer cousa para das avesinhas enamoradas que se
despedem do dia.
evitar as rugas, as terriveis rugas
que em familia são chamadas — Esplendido o céo ostenta-se de
pés de gallinha e que tanto en- uma bellesa verdadeiramente esti­
feiam e desfiguram. val, azul e sereno como a consci­
Imaginem que uma mulher, Ma­ ência dos bons, sem uma mancha
dame Levy, que acaba de chegar de nuvem, dourado, purpureo para
ao Rio de Janeiro, annuncia ter os lados do poente, preparando-se
descoberto um remedio esplendido para receber a deusa da noite, que
para extinguir as rugas do rosto. mais tarde usurpará o sceptro ao
Usa a extraordinária mulher de um rei do dia.
processo de massagem, que só ella Paira silencio imponente no seio
conhece. da terra, sente-se a grande calma
Quanta gente irá consultai-a. da hora inspirativa e nostálgica do
Santo Deus! pôr do sol.
Estou aqui e estou a ver M.“ ® Na igrejinha da aldeia o sino
Levy eclipsar o Eduardo Silva! chama os crentes á prece, e todos
A mocidade é tão agradavel e se recolhem um instante para re-
tão seductora, tão bella e tão co­ sar a saudação com que o louro
biçada que se M.“ ®Levy realmente enviado de Deus annunciou á Maria
tiver descoberto um meio de exter­ a encarnação do Verbo divino.
minar as rugas do rosto, terá tam­ N’essa hora abençoada quantas
bém descoberto o segredo de se recordações surgem do intimo, fa­
tornar millionaria em pouco tempo. zendo despertar as delicias do pas­
sado para os que travam os amar­
M aria C lara da C unha S antos
gores do presente!
Quantas lagrimas descem silen­
ciosas, quantas saudades invadem
0 coração já espesinhado pelo sof-
frimento !
A M ensageira 159

E as mães, coitadas! que viram lagrimas, recordam 0 ultimo beijo


morrer os filhos pequenos, ou se- trocado no momento da despedida,
pararam-se delles já grandes, afim e, se não têm mais esperanças na
de bem longe luctarem pela vida, terra, levantam ao céo 0 olhar pun­
na hora em que as sombras do gente e pedem a Deus 0 conforto
crepúsculo annunciara a aproxima­ da resignação, 0 balsamo da fé.
ção da noite, por entre suspiros e F rancisca C lotilde

Um canto
A’ toi, toujours à toi
A' minha terra (V. Hugo.)
E’ formosa a bahia do desterro Ah ! n’esta hora da saudade amada,
Como lago sereno Eu, solitaria e triste,
D’aguas cór de saphira; Nos sonhos da Poesia
Passa a brisa subtil de serro em sêrro Pelas temas lembranças embalada,
E doce e brando thrêno Um bem que não existe
Sobre as ondas suspira. Crio na phantasia.

Córta leve batei as aguas mansas Scismando á beira-mar, do céo tão lindo
A branca vela cheia Que vejo retratado
Roçando o mar azul; Nas aguas socegadas
Vôam gaivotas como fogem esp’ranças As leves côres que se vão sumindo
E geme a onda e anceia Me lembram do passado
Ao brando vento-sul. As rosas desfolhadas.

Nas tardes de verão, á hora bella Então de affecto cândido os dulçores


Em que o sol embrandece Minh’alma apaixonada
Cobrindo o céo de rosas, Envolvem com fervor,
Doira-se o mar em limpida aquarella E — a ti — berço gentil dos meus amores,
E a nuvem se esvaece Minha terra adorada,
Em pérolas mimosas. Teço um canto de amor!
Capital de St.» Catharina Delminda Silveira

5^
i6o A M ensaqkira

Flor de Neve, de Eurico de Goes,


'impressões de leitura ao passo que vendo diante de nós
Flor de Neve, de L de Goes algumas tiras de papel em branco
ficamos apprehensivas e quasi sem
Eu não sei porque a gente, que coragem de falar da interessante
com tanta facilidade dá conversan­ novella. Escreveu-a o auctor ten­
do sua opinião sobre qualquer as­ do apenas 18 annos e pela elegân­
sumpto ou qualquer artista, hesita cia e correcção com que tractou a
e extremece ao pegar na penna lingua vernacula, deu mostras de
para expôr o que pensa sobre isto que é um estudioso e um apaixo-
ou aquillo. Ideias ha que susten­ ado da forma. Imaginação em lar­
tamos calorosamente numa pales­ ga escala é também predicado de
tra, e que no em tanto não nos seu espirito, que deixa transpare­
animaríamos nunca a discutir pela cer nas paginas da Flor de Neve
imprensa. apurado gosto e amor a objectos
A opportunidade do momento, de arte. Logo na terceira pagina
a surpresa com que somos apa­ do livrinho vem descripta esta ado-
nhados por um assumpto que nos ravel moradia, propicia a poetas e
interessa e nos provoca uma res­ sonhadores:
posta immediata, a nenhuma pre- «A o redor da esplendida viven­
occupação com o que vamos dizer, da, em esmeraldinos extendaes de
tudo* isso nos anima e nos desem­ grama, viçavam as mais bellas e
baraça no correr de uma conver­ variegadas flores, de cujas caçoulas
sação. A ’s vezes chegamos a dis­ se evolavam suavíssimos perfumes.
cutir mesmo com pessoas de au- A beira das aleas, cobertas de areia
ctoridade reconhecida sem sentir­ e conchas do mar, ostentavam-se
mos siquer o menor acanhamento! estatuas de alabastro sobre pedes-
Quando se escreve, túdo muda taes de granito, representando va­
de figura, não sei porque. O papel rias divindades da mythologia gre­
guarda as palavras por muito tem­ ga. Em lagos dormentes e crystal­
po e as leva muito longe, não nos lines nadavam cysnes duma alvura
transmitte as discordâncias do lei­ de arminho, e, á flor d’agua, indo­
tor para serem refutadas a tempo, lentemente, boiavam algas e nenu-
e tem um ar de seriedade que nos phares. Pelas alamedas de bam-
diminúe a natural expansão. Por buaes ciciantes, que ensombravam
isso numa roda qualquer diriamos bancos rústicos fingindo troncos de
com tanta espontaneidade e tão arvores decepadas, passeavam pa­
sinceramente o que achamos da vões de cores lindíssimas, com um
A M ensageira i6 i

passo régio, imponente, de impera­ sobre os moldes mais ideaes da


dor romano em triumpho. phantasia.
Bosques frondosos rodeavam o O idiotismo não tem siquer o
nobre e grandioso edifício, que trágico horrivel da loucura...
emergia em meio de um mar de E manifestando este nosso modo
verdura, os telhados de ardósia de ver estamos em regra porque
malhados de pombos brancos, e os parece que já é vezo de todos que
pára-raios esguios flexando o céo escrevem achar sempre algum se­
azulino...» não nas obras de que tratam.
P erpetua do V alle
Triste, bem triste é idealisar vi­
vendas assim nestes tempos em
que já é tão diflRcil um tecto mo­
desto e confortável.
Eurico de Goes entra agora pe­
la vida, radiante de illusões e de
esperanças, sobraçando livros, nos ^ poetisa do Vizella
quaes busca um diploma e suavi- N’um unico jornal do norte do
sando a vida dos paes, aos quaes paiz encontrei noticia de ter falle-
dedicou 0 seu primeiro livro. Que cido a sra. D. Anna Amalia Mo­
a sua carreira literaria ha de ser reira de Sá, distinctissima poetisa,
um triumpho, quasi que o garan­ auctora dos «Murmurios do Vi­
timos: as suas producções e a sua zella.»
idade nol-o vaticinam. Em muitos outros jornaes pro­
E que 0 poeta nos dê em sub­ curei qualquer necrologia banal,
sequentes trabalhos heroinas que alinhavada com as conhecidas pa­
sem reunirem em si tantas mara­ lavras que servem em todos os fu-
vilhas e tantos caprichos exquisi- neraes — como os casacos dos ga-
tos como Miss Lucy, sejam mais tos-pingados. Não se me deparou
humanas, mais verdadeiras e sai­ nenhuma. Mas facilmente expli­
bam resistir com grandeza moral quei a mim mesmo esse injusto
ás desventuras prováveis deste valle silencio que alastrou em torno de
de lagrimas... Entristeceu-nos o um nome outr’ora illustre. A sra.
fínal da novella: a bellissima Flor D. Anna Amalia viveu de mais;
de Neve, de semblante tão symbo- já da sua geração não restava nin­
licamente expressivo fícára idiota. guém que podesse chorai-a em
Este desfecho é chato de mais pa­ lettra redonda.
ra um romancete tecido quasi todo Devia ter 74 annos a poetisa do
IÓ2 A M ensageirí

Vizella, pois que em 1855 conta­ cional de Lisboa, onde Innocencio


va 3 0 . Ella propria o disse n’um 0 procurou embalde; o Tejo era
dos seus cantares: rio de maior tomo, feudo dos Cas­
tilhos e Herculanos, e n’aquelle
Já seis lu stros d ’existencia
tempo, 1861 , em que D. Anna
E m turturado viver;
M au fado, qu e m e ha fadado,
Amalia publicou o seu livro, a
L o g o m e vira nascer. memória sangrenta da guerra ci­
vil estava ainda muito viva, para
Esta poesia tem a data de 23 que alguém ouzasse perpetrar uma
de Outubro de 1855 , e intitula-se uzurpação, ainda que fosse litte-
Aos metes annos, d’oude é licito raria.
concluir com segurança que D. De mais a mais a familia de
Anna Amelia nasceu em igual dia D. Anna Amalia achara-se envol­
de 1825 . vida n’esse grande conflicto poli­
Não tenho, para escrever a bio- tico; seu pai, que deve ter falle-
grapbia da poetisa do Vizella, ou­ cido em 1849 , padeceu trabalhos
tros elementos além dos que posso e desgostos por ter sido dedicado
colher na leitura do seu livro. á causa liberal.
Fui consultar o Diedonario B i-
O ser livre foi um crim e
bliographico, e ahi encontrei, no 1.®
N ’esse tem po em qu e nasci;
vol. do Supplemento^ a declaração P o r isso m eu P ai soflfrêra,
de que Innocencio apenas conhe­ C om elle tam bém soflfri.
cia 0 livro de D. Anna Amalia
pelo titulo, visto que nem na Bi­ Q uando a patria em liberd ad e
L iv re dava o respirar,
bliotheca Nacional o poderá encon­
O ’ m eu Pai. adorm eceste
trar.
P ’ra nunca mais acordar!
O’ exemplar moléstia dos es-
criptores de outro tempo, que se Pertencia D. Anna Amalia a uma
contentavam com ter por limite da familia de poetas, que ou não che­
sua popularidade o rio que lhes garam a imprimir seus versos ou
passava á porta! Assim como o ficaram ainda mais esquecidos do
annoso Bingre não deixou de ser que a poetisa do Vizella.
jámais «o cysne do Vonga». D. São palavras suas, com que pre­
Anna Amalia não aspirou a ser facia os Murmurios, publicados em
mais do que a «poetisa do V i­ 1861:
zella». «Fascinada desde tenra edade
Não se lembrou, portanto, de en­ me hei dado de coração á leitura
viar 0 seu livro á Bibliotheca Na­ dos Poetas. E quanto maior co-
A M ensageira 163

pia de versos eu lia, maior era 0 mas ainda D. Anna Amalia teve
prazer que eu encontrava n’esta outra irmã, que devia ser um anjo
arte divina, para a quai me con­ do bondade e candura:
vidava tambem 0 exemplo poético
de meus Maiores e Primos, e prin- C om o a pom b a és inn ocen te.
M im oso cysn e a b oiar
cipalmento de meu sempre cho­
No lago im m enso d o m undo
rado Pae e de meu saudoso Avô Mas n ’elle sem m ergulhar.
paterno.»
D. Anna Amalia habitava 0 seu Confinada no seu solar de Sá,
solar de Sá em Riba Vizella, onde communicando espiritual mente com
falleceu. os bons espiritos da epocha, D.
Poetisa e fidalga! Que mais era Anna Amalia entregava ás aguas
preciso para fascinar os campeões murmurosas do Vizella os suspiros
d’Entre-Douro e Minho, como real­ tristes que mandava ao encontro
mente aconteceu em 1849 , quando dos corações scnsiveis que a liam
ella principiou a ter maior eviden­ e compfehendiam.
cia n’um torneio celebre. Até onde chegasse a corrente do
Foi uma nova «renascença», ex­ Vizella chegariam os seus versos,
clusivamente nacional, que espiri­ porque os rios e as fontes estavam
tou 0 romantismo semi morto. acreditados desde 0 tempo de Ignez
Logo veremos a parte activa que de Castro como lealissimos confi­
D. Anna Amalia tomou n’esse re- dentes.
surgimento litterario. Por isso D. Anna Amalia dizia
No solar de Sá vivia a illustre ao seu pátrio rio, apesar de mo­
poetisa solarenga entregue aos go- desto, pittoresco e cristallino, como
sos do espirito, que derivavam da todos os do Minho.
poesia, a «arte divina», e ás sau­
dades que a morte das pessoas da D a rôla ao triste gem ido,
sua familia lhe deixára enraizadas D o rou xin h ol ao trinar.
A o m urmurar d o m eu rio
no coração afPectuoso.
M eus cantos v ou misturar.
Casar ao som da corrente
M inha Mãe, am igo amparo
D a lyra os sons que tirar.
T am bem ella me faltou 1
Irm ão, irmã, que adorava
T en h o a m issão de poeta
T u d o a m orte m e ro u b o u I
N o m undo para cum prir;
T riste vida sem ventura
A irmã da poetisa do Vizella, a Soffrer, chorar, e carpir;
quem estes versos se referem, cha­ Q ue ao poeta cou b e em sorte
mava-se Emilia, c fallccen em 1 8 5 0 ; Sóm ente saber sentir.
A M ensageira

E qu ero co lh er a palma, doce paschoa de affectos domés­


Q ue d o g en io se m ostrou
ticos:
A q u i ju n to d o V izella,
N o b e r ç o qu e m ’em balou ; E xtrem os d ’esp oso, d ’irm as o extrem o
M urm urar q u e ro a saudade, P oderam a m orte de Tnim desviar.
Q ue n o p eito se arraigou.
Também não sei o nome do ca­
E a brisa qu e m ’escuta,
valheiro, que deu a mão de es­
M eus can tos aprenderá,
E o rio deslizan do
poso a D. Anna Amalia e lhe foi
E stas v o ze s levará, carinhoso enfermeiro; outrosim
E n o m urm urar saudoso ignoro se já morreu ou ainda é
M eu s can tos m urmurará. vivo.
0 que de sciencia certa posso
Mas todo 0 coração triste tem
aflBrmar é que a illustre poetisa
na vida uma aurora de felicidade,
do Vizella se correspondeu littera-
e 0 rio Vizella encontrou um dia,
riamente com alguns dos bons en­
no coração de D. Anna Amalia,
genhos do seu tempo; a saber João
um rival perigoso.
Machado Pinheiro, depois visconde
Ella mesma o confessa: de Pindella, pai do actual viscon­
A h I m eu D eu s, é triste o quadro
de do mesmo titulo e do sr. conde
O q u a d ro d o m eu v iver! de Arnoso; com D. João d’Aze-
A ssom brou -m e a desventura. vedo, infeliz e talentoso amigo de
S ó m e faltava m orrer! Camillo, autor do Sceptieo e do
Misanthropo; com Antonio Pinhei­
H o je q u e m e falia n ’alma
T o d a a cren ça d ’um amor,
ro Caldas, bardo portuense, que
Q ue sinto prender-m e a vid a saudou D. Anna Amalia n’uma fo­
D a v id o to d o o fervor. gosa apostrophe de enthusiasmo:

A h ! b e m d ig o o ceu da patria, B em vin d a cantora, bem vin d a tu sejas...


E ste ceu , qu e sem pre am ei; T ua harpa son ora tem m eiga e x p re ss ã o ;
A qu em os son h os da vid a Se cantas sorrindo, sorriem os anjos.
Sem pre ufana consagrei. D esp ertas se choras, n o p e ito a paixão.

Esta aurora de felicidade raiava 0 que diria ultimamente a ve­


sobre as aguas claras do Vizella, lhinha de 74 annos, se ainda con­
offuscando-as, no anno de 1855 , servava inteira lucidez de espirito
D. Anna Amalia casou, não sei a estes versos que Pinheiro Caldas
que tempo antes; mas n’esse anno, depunha a seus pés em maio de
após uma grande moléstia, cantava 1 8 5 1 ? Naturalmente olharia para
um hymno de resurreição n’uma esta e outras grinaldas de rosas e
A M ensageira 165

louros, que lhe oôertarara, atravez O futuro Visconde de Pindella


do nevoeiro da saudade, que é a não menos aguerrido e gentil, res­
cegueira providencial de todos os pondia-lhe de Guimarães:
velhos.
B osa branca, és vencedora,
Se podessemos ver claramente P od es v ictoria bradar;
0 passado a grande distancia de A tua rival não teve
tempo, morreriamos de desalento Q uem viesse batalhar:
e tristeza. N ão teve um só cavalleiro
Para a vir desafrontar;
Mas interpõe-se uma neblina,
F o i p reciso que um a dama
que esbate as figuras, que esfuma V iesse á liça b rigar III
os objectos, e que chega a ser um
favor da providencia divina. M as v eio quem só p od ia
O m eu b ra ço desarm ar:
D. Anna Amalia contribuiu, co­ E u m e con fesso v en cid o
mo promettemos contar, para um «A nte essa lyra sem par».
resurgimento çphémero do roman­ V en ceste, mas não a rosa,
tismo, assignalando - se no celebre Q ue tu vens desafiErontar;
V en ceu a lyra d o bardo
certamen travado, em 1849 , «entre
D a tua lyra o trovar.
a rosa branca e a rosa encarnada»,
vislumbre longinquo da antiga ga- Acudiu á provocação de Ma­
lanteria das querellas palacianas chado Pinheiro um poeta de Agueda,
em que tomaram parte os poetas José Maria Velloso, e 0 mais cu­
do Cancioneiro Geral e as damas rioso 6 que também elle preferia
da côrte. a rosa branca, mas por gentileza
A illustre fidalga de Sá sahiu a e galanteria collocou-se ao lado da
campo em prol da rosa encarnada, poetisa do Vizella a apageal-a na
ripostando corajosamente a João refrega:
Machado Pinheiro, que, em favor
E u amei a rosa bran ca:
da rosa branca propoz um «passo In d a a amo, que ó form osa,
de armas» aos trovadores do Minho. C om o tu m oça m im osa;
A n jo da terra, M ulher!
D. Anna Amalia, com 0 ardor
M as se tu mandas que adore
de uma Penthesilea animosa, ac- Outra r o s a ... E m bora eu chore,
ceitou 0 repto: Trium phante ella se arvore,
Nem um ai darei sequer.
T ro v a d o r: lançaste a luva,
Q ue eu te fôra levantar: Diz 0 corresoendente de Guima­
— V e jo na rosa encarnada
rães para O Primeiro de Janeiro^
Tanta lin desa sem par;
Q ue não p o d e a rosa branca
unico jornal era que vi comme-
C om ella rivalisar. morado 0 fallecimento de D. iom a
Amalia, que Camillo Gastello Bran­ N ós v ictoria não cantam os:
co tambem entrou no torneio das Não tivem os quem v en cer:
N ão v eio um só cavalleiro
duas rosas.
N osso pregão rebater:
Podo ser, mas não o afíirmo. N ão v eio um só cavalleiro
Sendo verdadeira a informação, o E ’s tu agora o prim eiro.
que hei de verificar mais de es­
V e io sim, veiu um a dama,
paço, Camillo occultou-se sob o
F o i quem teve esse valor,
pseudonymo de Ma(jriço, cavalleiro Não n os batem os, correm os
da rosa encarnada, e datava os Ir-lhe aos p és lanças depôr.
seus versos de Lisboa, 1849 . F om os sim d ’ella v en cid os,
E’ certo, comtudo, que n’esse Mas não fom os con v en cid os.

anno veio Camillo a Lisboa, onde


começou a escrever o seu primeiro Mas h oje v e jo um a lança
romance, O anathema^ n’ um cu­ P ’ra com a m inha c r u z a r :
E ’ com tigo, o cavalleiro,
bículo da rua do Oiro.
Q ue vou nas justas entrar:
Magriço combateu pela rosa en­ E m bora sejas mais forte
carnada ao lado de D. Anna Ama­ N ão tem o m e dês a m orte.
lia:
Tudo isto parece que já passou
O u n o cam po, ou na estacada
ha duzentos annos, e com tudo
D e fe n d o a rosa encarnada,
Q ue a bran ca v eio affrontar!
apenas occorreu ha meio século.
L eva n to a luva p o r ella, E ’ um quadro da epocha, vivo
Q ue d efen d o um a don zella e completo. Pinta melhor as al­
Q ue é cov a rd ia atacar.
mas poéticas de 1849 do que mui­
tos volumes de historia litteraria.
C ontra um a dam a é fraqueza
Quando o conflicto das duas ro-
U sar de força ou destresa:
C avalleiros som os n ó s !
sos rebentou, era eu recemnascido.
E u sou da rosa encarnada, Mas vim a conhecer o valoroso
S ou da don zella afifrontada, campeão da rosa branca, o vis­
D a rosa bran ca sois v ó s ! ... conde de Pindella, em casa de
Camillo Castello Branco, na Po­
Machado Pinheiro sustentou gua-
voa de Varzim, muitos annos de­
pamente o passo de armas:
pois. Homem amavel e gentil que
Olá, M agriço, não sabes era.
Q ue mais com pa n h eiros tens!
Não conheci a poetisa do Vi-
Não s a b e s ? ... o h ! contra elles
C om o assim ou sado v e n s?!
zella. Mas se eu voltar algum dia
C om o vate e cavalleiro áquellas paragens, onde D. Anna
C um pre-te ser o prim eiro Amalia teve solar e decerto terá
A M ensageira 167

tido sepultura, e se a esse tempo negociante do logar, foi eleita


florir a primavera, hei de depôr Maire. O Secretario da Prefeitura
sobre a sua campa uma rosa en­ e a maioria dos membros de Con­
carnada. selho Municipal pertencem também
Tive sempre a religião do pas­ ao bello sexo. Todo 0 pessoal
sado — e agora mais do que nunca. administrativo foi mudado e sub-
A lberto P i .mentel stituido em grande parte por mu­
lheres.»

Excursionista americana — Es­


Ci teve no Rio de Janeiro, de passa­
gem para Buenos Aires, a Sra. D.
Filoména Fernandes de Roig, que,
Kotas pequenas por encargo de uma importante
W. Dickins — Consumida pelas empreza americana, veiu á Ame­
chainmas de violento incêndio em rica do Sul colligir biographias,
sua propria residência, falleceu a retratos, vistas panoramicas, des-
conhecida escriptora norte-ameri­ cripções, dados estatísticos, etc. pa­
cana W. Dickins, que muito via- ra um album sumptuoso, destinado
jára pela America meridional. á exposição de Paris em 1900 . De
Sala de leitura para senhoras — Buenos Aires voltará ella ao Rio
Na bibliotheca publica da capital de Janeiro e visitará diversos Es­
do Maranhão acaba de ser prepa­ tados do Brazil no desempenho da-
rada uma nova sala de leitura re­ quella incumbência.
servada especialmente ás senhoras,
Movimento feminista na Allema-
onde serão encontrados lindos ál­
nha — Sobre esse assuinpto pu­
buns de gravuras, revistas, jornaes
blica a «Stampa», periodico italiano,
e esplendida collecção de figurinos.
um longo artigo, rememorando a
Administração de mulheres — questão desde os tempos de Cor-
De alta significação é a seguinte nelio Agrippa de Mettelsheim, que,
noticia, extrahida de uma corres­ num opuscule publicado em 1505 ,
pondência de Nova-York; sustenta a superioridade moral e
«O povo da cidade de Beattie, mental da mulher. No século ac­
no Kanser Septentrional, enjoado tual foi Luiza Otto quem teve a
com a corrupção de sua adminis­ iniciativa d’esse movimento, fun­
tração municipal, não quiz mais dando em 1848 um jornal femi­
eleger homens para ella. nista, jornal que a reacção subse­
A Sra. Totton, esposa de um rico quente. de 1850 , supprimiu. fa-
A M ensageira

zendo fechar ao mesmo tempo os


clubs feministas que existiam. 2)iversidade
Cerca de vinte annos depois re­ (A Candida Fortea).
começou a campanha, e entre os
Dormia a sesta a pallida fidalga,
seus successos é para notar-se a
Como vegeta indifferente uma alga
fundação da «Associação geral das Na solidão do mar,
senhoras allemãs», devida aos es­ Com difierença apenas que no oceano,
forços da mesma Luiza Otto, com­ Quando mesmo não haja o ardor humano.
Ha o suspiro da vaga a soluçar!
binada com Augusta Schmidt. Tem
por fim essa associação «contribuir
Nascera entre riquezas deslumbrantes,
para elevar o nivel da cultura fe­ Nunca tivera maguas lancinantes,
minina e tolher qualquer obstá­ Nem convulções de amor!
culo ao seu trabalho». Nunca ouvira os lamentos da pobreza,
Nunca sondára a voz da natureza,
Foi essa sociedade quem obteve
Jamais soubera o que chamamos dor!
que as mulheres fossem admittidas
na administração dos correios e — «Como é ditosa, rica e venerada.
telegraphos, obtendo também a fun­ Dizia a moça pobre e apaixonada.
dação de lyceus para as raparigas Fitando essa mulher,
Não sofire da miséria os desalentos,
e a sua admissão aos estudos lit-
Nem conhece os acerrimos tormentos
terarios, médicos, etc. De então
De apaixonadamente amar, siquer.
começaram as mulheres a tratar
da politica, immiscuindo-se nas lu- Eu, que do bom Jesfis desprotegida,
ctas partidarias e fundou-se o gru­ Luctando em vão, luctando pela vida.
Só conheço o pezar,
po socialista feminista. O partido
Inda tenho por cume do calvario,
socialista todo participou do mo­
Do coração nutrir no santuario,
vimento e apoiou-0. Mas agora Este amor que me traz a delirar!»
0 governo resolveu oppor-se a elle.
A lucta será renhida. No emtanto, a moça rica e langorosa.
Tinha, dormindo, uma visão formosa.
A Estação. 0 n.° correspon­ Pela primeira vez:
dente a 15 de Setembro traz, além Sonhava que era pobre, linda e amada,
E de paixão ficando inebriada,
de lindos modelos para vestuário
Corou, sorriu e tremula se fez!
e da costumada parte literaria, uma
schottisch para piano, composta P eesciliana D uarte de A lm eida
pela Exma. Sra. D. Joanna Leal
de Barros. Um numero variado
e interessante.

------ —
São Paulo 15 de Outubro de 1899 Anno II, N. 33

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Directora — Presciliana Duarte de Almeida

P u b lic a -s e no d ia 15 de cada naez

P a g a m e n to Preço dã assignatura, 12$000 por anno N u m e r o a v u ls o


a d ia n ta d o E n d e re ç o : R u a de Sta. Iphigenia, N. 57. R s. 1 $ 0 0 0

Summario: — Com ares de chronica, correra durante uma de suas ses­


Maria Emilia; — Soneto, Arthur An-
sões 0 Dr. Carvalho Mourão, que
dmde; — Carta do Rio, Maria Clara da
Cunha Santos; — A poetisa do Vizella, combateu fortemente o parecer so­
Georgina Teixeira; — O feminismo, Ana- bre a admissão da mulher como
cleto Pacifico; — Cantiga, Maria Clara
advogada, firmando-se em conside­
da Cunha Santos ; — As primeiras san-
dalias, conto, Ipoméa; — Sonho, soneto, rações tiradas do direito romano e
Aurea Pires; — Selecção; — De Ami- do direito portuguez.
cis e seu Filho; — Notas pequenas.
Quer nos parecer que andou mal
avisado o douto advogado proccu-
0om ares de chronica rando basear-se no direito romano,
estabelecido no tempo ainda em
Um grande acontecimento assi- que a mulher não tinha siquer
gnalou a vida das brazileiras no nome proprio e era designada por
dia l.° do corrente: a Dra. Myr- numero como simples objecte! A
thes de Campos, afrontando a ira sociedade evolúe e com ella evo-
dos retardatarios e galgando a bar­ lúe também o direito. Máu grado
reira dos preconceitos, assomou á emtanto as locubrações do In sti­
tribuna judiciaria do Rio de Ja­ tuto dos Advogados^ a noticia de
neiro e fez a defeza de um réu! que uma senhora ia occupar a tri­
Esse facto deixará um marco mil- buna do jury corria de bocca em
liario na vida da mulher indigena bocca. No dia determinado para
e constitúe um trophéu de gloria a sessão do jury encheu-se o tri­
para o Dr. Viveiros de Castro, bunal de assistentes, entre os quaes
que deu a licçao mais bem dada havia grande numero de senhoras.
que se podia dar ao Instituto Esperava muita gente que o juiz
dos Advogados do Rio de Janeiro. não permittisse que a defeza fosse
Essa corporação discutia a admis­ feita por uma mulher. O Dr. Vi­
são da mulher ao exercicio da ad­ veiros de Castro, porém, com ver­
vocacia e poucos dias antes dis­ dadeira isenção de animo, interpe-
trando sabiamente o direito c a «Conceder ás mulheres a liber­
justiça c levado pela liberdade de dade do ganhar honestamente a
consciência, ^<cssc poder invenci- sua vida. não é querer arrancal-as
vcl que desafia todas as t3M-aiinias» ao lar conjugal.
na pbrase eloquente do I)r. Costa Essa liberdade visa, apenas, a
Machado, deu a palavra á Dra. disputal-as á miséria e alguma coi­
Myrthes de Campos, (pie, ao subir sa pcior ainda que a miséria. As
á tribuna, foi recebida com pro­ mulheres que resolverem casar não
longada salva de palmas. serão obrigadas a advogar toda a
A joven advogada, commovidis- vida. E’ uma questão que diz res­
sinia. fez o exordio, tendo por the- peito a ellas e aos respectivos ma­
ma 0 papel da mulher na socie­ ridos.
dade; remontou á Grécia e aos Si forem mais precisas cm casa
tempos feudaes e provou que a que no palacio de justiça ser-lhcs-á
mulher, além do direito, hoje ad- facillimo renunciar á sua profis­
quirido, de advogar, já foi juiz. são.
Ao concluir a sua brilhante defe- Mas, quem não reconhecerá a
za, foi a Dra. Myrthes de Campos dignidade, a confiança em si, a
muito applaudida e cumprimen­ garantia, a independência, que para
tada pelo juiz e pelo promotor- ellas ha de representar, antes e de­
O réu foi absolvido, por onze vo­ pois do casamento, a certeza de
tos. que pijdern ganhar a sua vida sem
Que dirá a tudo isto o Institu­ 0 auxilio de pessoa alguma? Quem
to dos Advogados? não reconhecerá que esta certeza
é uma força moral poderosa, um
ponto de apoio contra as tenta­
Quando ha pouco em França a ções, as fraquezas e os desfalleci-
Camara dos Deputados approvou mentos.
por 819 votos contra 174 a pro­ E 0 que ha de extraordinária no
posta de lei permittindo ás senho­ facto de uma mulher ir advogar
ras 0 exeicicio da advocacia, os para o tribunal emquanto o mari­
adversários da emancipação femi­ do está no seu escidptorio ou no
nina atacaram vehementemente a seu estabelecimento? Não vão as
resolução do parlamento, invocando mulheres do povo trabalhar para
o interesse, a dignidade e a uni­ fora, dias e dias, emquanto os
dade do lar domestico. A essas maridos estão nas officinas? 8erá
accusaçòes respondeu o lem ps no por acaso mais immoral passar o
seguinte teor: dia no palacio de Justiça, na pre-
A M ensageira 171

sença de toda a gente, que pas- «O homem cm geral exige da


sal-o nos ateUers de modista, nos mulher pobre que seja honesta,
grandes armazéns de Paris... 011 fingindo, entretanto, que não a vê,
em outras partes? Não vemos era quando está mal vestida ou de­
que a dignidade do lar possa ser monstra necessidade extrema.
mais prejudicada com a profissão Creando para ella este dever, 0
de advogada que com a de costu­ sexo forte entendeu que lhe devia
reira ou outra qualquer. trancar todos os meios de vida, a
Além de que — repetimos — não ser aquelles em que 0 dito
não se tracta de obrigar as mu­ sexo não se póde empregar, por
lheres a exercer uma profissão. não darem renda capaz de garan­
Tracta-se de lhes •permittir um tir 0 feijão, 0 cigarro, 0 calix de
emprego honesto, onde possam ga­ qualquer coisa e 0 resto que a na­
nhar a sua vida. Impedindo-as de tureza reclama. Generoso, 0 sexo
de trilhar 0 caminho direito da barbado disse á mulher que 0 seu
existência, não fazemos mais do papel era no lai', na educação dos
que abrir-lhe, de par em par, as filhos, nas caricias do esposo, no
portas dos outros. Collocamos as seu throno domestico da graça,
desgraçadas que não têm fortuna longe do mundo, das suas contin­
nem familia na cruel alternativa gências miseráveis, das suas abo­
de morrer de fome ou de se de­ minações tremendas, a cujo con­
gradar. E’ preciso real mente que tacto não ha alma feminina que
sejam ainda bem poderosos os pre­ não empalideça e não se estiole.
juízos do sexo para que homens, De subito, com a morte do ma­
sem duvida dotados de excellentes rido, a mulher vê-se desamparada
sentimentos, tenham luetado, tenaz­ na existência, devendo velar pelas
mente, como luetaram na sessão creaturinhas orphãs entregues á
de hontem, contra a evidencia. sua ignorância de todos e de tudo,
Perderam a partida, felizmente. tendo de garantir a esses doces se­
Consola-nos, porém, a esperança de res 0 conforto, a placidez, a segu­
que talvez, a sangue frio, pensan­ rança de vida que 0 seu devastado
do bem no caso, ficassem desola­ coração sonhára para elles em ho­
dos, se a tivessem ganho.» ras de alegria suave. O que ha
Mais e bem mais eloquentes ain­ de fazer ella, a rainha do lar, a
da do que a argumentação do Temps creatura de graça, que desconhece
são as seguintes linhas de uma 0 trabalho, a luta pelo pão, que
chronica do Paiz, linhas reçuma- não sabe onde procurar dinheiro,
das de amarga ironia e verdade: que se sente sem préstimo, a não
ser o (le povoar dc encantos a sna disputar ao homem as profissOes
casinha, ao lado de nin homem que foram até agora o sou patri­
(jiierido, segundo as li(;ões, os con­ mônio precioso. Tratar um doente,
selhos. as phrascs de lisonja, exe­ já é ser pretenciosa, defender um
cutadas ató 0 instante do infor­ réo é 0 cumulo do ridiculo, traba­
túnio ? lhar n’uma repartição é despresti­
Nesse momento o sexo forte, giar 0 poder publico. A mulher
cpic a acclamou lainha, que a poe- deve ser digna, mas o seu domi-
tisou, que lhe expoz como inútil nio exclusivo é o tal tar, onde ella
e ridiculo o trabalho, que lhe fa­ occupa 0 tal throno — quer ella
lou na sua nobre missão de viver tenha ou não tenha lar, quer te­
em casa, de só pensar nos filhos, nha ou não tenha throno. K por
de ser graciosa, recatada, estranha isso tanto advogado se sori-iu com
ao mundo, mostra-lhe severamente o facto de D. Myrthes de Campos
a necessidade de ser honesta — ter oceupado a tribuna do .Jury e
costurando ou procurando arranjar pleiteado com talento a causa de
na sua roda de amigas — que a um individuo que se regalou com
hão de escarnecer — algumas li- a absolvição.
(,-ões de francez ou de piano. Se Permitta Deus que este exemplo
não obtiver costuias, mantenlia-se estimule outras moças a procura­
honesta; se não grangear discipu- rem na vida pelo seu proprio es­
las, conserve-se honesta ainda; se forço 0 logar que até hoje feroz­
não tiver almoço para os filhos, mente lhes tem sido negado, pelo
seja honesta também; se não pu­ egoismo do sexo forte. Isto não
der pagar a casa, afffirme-se mais quer dizer que procurem a Facul­
do que nunca honesta. Grande dade Livre as que ainda não ob­
obséquio ella prestará ao sexo forte tiveram matricula na Escola Nor­
se 0 não importunar com visitas, mal. O que convém é que a mu­
desde que tenha desgraças a des­ lher se habitue a confiar menos no
crever ou a ioilette esteja desbo­ amparo do homem e a contar prin­
tada — mas seja honesta, que 6 cipalmente comsigo. »
0 seu dever.
M a r ia E milia
Ai delia, porém, se na previsão
4 de Outubro de 9 9 .
dos máos dias, se preparar para
A M knsageira 173

Soneto
Q ue a adoro tanto nem sequer presente,
P ois ou tro adora que a não quer nem am a!
A m esm a d or eu sinto que ella sente
D esd e o m esm o deserto á m esm a cliamma.

T razem os nalma, sem elhantem ente,


O m esm o en redo de um som brio dramca.
V am os levados num a só torrente
Q ue em diversas paragens se derrama.

Não sen do com preh en dida, — a i! — não com i)reliende


C om o a garra qu e a pren de tam bém prende
E rasga e sangra um cora ção de ra s tr o s . . .

E a nossa vida assim, de vago em vago.


P arece um triste, um solitário lago ;
B em distante d o cé o retrata os astros!

M aio 99 A rthur A nhradk

0arta do ^io distinctas pessoas, convidadas pelo


auctor para a primeira audição da
0 lindo mez de Setembro de opera que deve figurar por occa-
1899 ficou gloriosamente assigna- sião das festas commcmorativas do
lado nos annaes da sociedade ar- 4 .° centenário do Brazil. 0 libreto
tistica e litteraria desta cidade. A é escripto por Coelho Netto, que
primeira audição da opera Saldu- 0 leu em publico, antes de come­
nis do maestro Miguez e a primeira çar a opera, afim de explicar 0
defeza perante 0 jury feita por enredo da peça.
uma mulher, são dois aconteci­ Pela distancia em que eu estava,
mentos que marcam uma epocha. mal pude entender 0 que leu 0
Falemos primeiro da opera, mesmo distincto litterato. Percebi no em-
porque a defeza da D.™ Myrthes tanto, que 0 facto alludido, cujo
de Campos foi no dia immediato resumo é 0 episodio do Saldunis,
ao da festa musical. foi tirado da historia da França.
0 vasto salão do Instituto Na­ Destinada a opera á commemo-
cional de Musica estava repleto de ração de uma festa puramente na-
cional, eu prefereria que o assum­ Livre de Scieucias Juridicas e So-
pto fosse também nacional. ciaes desta Capital é uma moci­
Os factos históricos de todos os nha debil e franzina, tem vinte
paizes cultos interessam a todos annos apenas, a voz é delicada
nós, em geral, mas com franqueza, como a de uma criança e em seus
para uma opera genuinamente bra- olhos, pequenos e myopes, ha uma
zileira e destinada a uma festa do expressão de firmeza, de confiança
Brazil, mais interesse nos desper­ e de tenacidade, que agrada logo
taria um episodio de nossa terra. a primeira vista. No dia de sua
A parte musical é um prodigio, estreia no jury, havia no tribunal
agrada, interessa, arrebata. um movimento extraordinário.
E’ de um sentimento delicadis- A ’s onze horas do dia já não
simo e é ao mesmo tempo impo­ havia mais um logar nas galerias.
nente e magestosa, fazendo lem­ Era geral a curiosidade, muitas
brar, por vezes, as extraordinárias senhoras lá estavam para ouvir a
operas de Wagner. O desempenho fallar.
foi magnifico. Alguns amadores Quando a jovem advogada su­
de subido mérito auxiliaram os ar­ biu á tribuna uma salva de pal­
tistas conhecidos c o conjuncto foi mas rcsoou no salão. O Juiz fez
perfeito, nada deixando a desejar. arrefecer o cnthusiasmo, dizendo
Quando a bella opera Saldunis que 0 auditorio não podia se ma
estiver orchestrada e fôr á scena, nifestar.
representada com todas as exigên­ Bellissimo exordio proferiu en­
cias da arte, comprehenderão então tão a oradora. Demonstrou, com
as pessoas descrentes do valor ar- eloquancia, o progresso do movi­
tistico do nosso paiz, que aqui no mento feminista e trouxe factos
Rio de Janeiro já se fazem e se históricos da Grécia e de Roma
executam operas difficeis e subli­ para corroborar suas asserções.
mes. e que o nosso povo pode ap- Referiu-se ao advento do Christia-
parecer de cabeça erguida nas cul­ nismo que proclamou a igualdade
tas capitaes do velho mundo. entre todos, não podendo, portanto,
Ainda bem! Uma braçada de ficar excluida a mulher. O seu
flores ao eximio maestro Miguez e discurso foi breve, judicioso e sem
as seus talentosos interpretes. 0 menor vislumbre de pedantismo.
Na parte jurídica a oradora mos­
trou muita lógica analysando os
A D."^ Myrthes de Campos, for­ factos com bastante habilidade.
mada ultimamente pela Faculdade A estréa da D.''® Myrthes de
A M ensageira 175

Campos foi uma victoria, 0 róo foi e de vaidosas, estão agora dando
absolvido por 11 votos contra 1. um desmentido formal.
Não está ainda decidido, pelos A justiça tarda mas não falta...
supremos magistrados de nosso paiz.
M aria C lara da C unha S antos
se é permittido ou não á mulher
exercer a advocacia no Brazil; e
se a U /“ Myrtlies fez uma defeza
no jury, foi porque o juiz B / Vi­
veiro de Castro tomou a respon­
sabilidade desse acto. que por em-
quanto não tem ainda a força de poetisa do Vizella
um direito garantido pela lei. Ha no artigo de Alberto Pimen­
Se a mulher, depois de formada, tel, com 0 titulo acima, publicado
não puder advogar, não devem con­ no numero passado da Mensageira^
sentir então que ella frequente as um topico ([ue é de conveniência
Academias e que perca cinco an- ficar desde já esclarecido.
nos do trabalho pai'a conquistar Escreve esse conhecido e apre­
um titulo que nada pode valer. ciado litterato, referi iido-se ao gra­
Deve haver lógica nesta intrincada cioso combate das duas rosas em
questão. Realmente ter nas mãos que a poetisa D. Anua de Sá, era
um diploma que só pode servir a defensora da rosa encarnada, 0
para enfeitar a sala, em moi durado seguinte;
n’ um vistoso quadro, não vale a pena. « Diz 0 correspondente de Gui­
Seria uma vaidade tola levada marães para O Primeiro de
ao ultimo gráo da estupidez. Janeiro^ unico jernal em que
E por falar de vaidade... vi commemorado 0 fallecimen-
Disseram-me outro dia que M."'® to de D. Anna Amalia, que
Levy, a extraordinária mulher que Camillo Castello Branco tam­
tira as rugas do rosto com 0 bém entrou no torneio das duas
seu segredo de massagem especial, rosas. Pode ser, mas não 0
tem tido muito maior numero de affirmo. Sendo verdadeira a
clientes nos homems do que nas informação, 0 que hei de ve­
mulheres! ! rificar mais de espaço, Ca­
Quem seria capaz de imaginar millo occultou-se sob o pseu­
isso ? dônimo de Magriço, eaval-
As pobres mulheres que carre­ leiro da rosa encarnada, e
gam aos hombros por tantos sé­ datava os seus versos de Lis­
culos os feios titulos de frivolas boa, 1849 .»
176 A M ensageira

Não é verdadeira a informação. ção a que se refere esta nota. e


Não foi Camillo que sob 0 pseu­ as mais que se lhe seguem até
dônimo de Magrico^ sahio a com­ pag. 206 .
bater ao lado da distinctissima poe­ Ignorando se os nomes dos poe­
tisa do Vizella, ultimamente falle- tas portuenses eram verdadeiros,
cida; foi 0 poeta Francisco Gomes ou se os encobria 0 pseudônimo,
de Amorim, 0 glorioso autor dos assign ei-me Orão Magriço.
Cantos Matutinos^ livro com cer­ Os cantores da rosa branca não
teza pouco lido hoje pelos poetas gostaram de que eu me metesse
modernos, mas que não deixará nas suas contendas e responderam-
por isso de ser um excellente li­ me com azedume; repliquei-lhes
vro de versos, verdadeiramente ins­ também asperamente, e a questão
pirados e vibrantes de sentimento. chegou ao ponto de eu tirar pas­
Nesse livro, pois, na 3 .“ edição de saporte para ir ao Porto saldar as
1875 , em uma nota bastante inte­ contas com elles. Devo ao meu
ressante publicada no final do vo­ fallecido amigo e mestre Garrett 0
lume e explicando a piocedencia haver-me livrado desta ridicula
da poesia, á pagina 211 ; Aos cam­ questão, com 0 tremendo sermão
peões da Rosa branca, nos conta que me pregou ao saber a minha
0 poeta: resolução.
«Em dezembro de 1849 appa- Felizmente ainda não havia ca­
receu no Periodico dos Pobres do minhos de ferro, nem se dava um
Porto uma poesia, assignada por passo n’este paiz sem 0 auxilio
uma senhora, á rosa encarnada. dum passaporte; aliás quem sabe
Em seguida vieram ao mesmo jor­ se veriamos renovadas em Portu­
nal dois poetas, cantando a rosa gal as guerras de York e Lancas-
branca, e proclamando-a superior tre, que por iguaes motivos asso­
á outra. A dama da rosa encar­ laram a Inglaterra!
nada voltou ao campo, declarando Faço estas confissões como ver-
aos seus contrários que depunha deiros actos de penitencia, e de­
a lyra por não poder sustentar a claro solemnemente que nunca pro­
luta. Os dois cantaram a victoria, curei saber se a dama da rosa en­
mas a mim (que tinha então 22 carnada era um mytho, ou se re­
annos) ferveu-me 0 sangue, e en- almente existio a ex.“ “ senr.“ D.
tendi que me não salvaria se não Anna de Sá. Para prova da mi­
saisse a terreno em defeza dos op- nha sinceridade declaro-me author
primidos! Mandei, pois, para 0 dos versos que provocaram, ainda
Periodico dos Pobres a composi­ que innocentemente, tamanhas iras.
A M ensageira 177

Entrei de boa fe na lucta, mo­ Quando ia despenhar-se


vido unicamente pelos sentimentos Impellida do tufão,
E sepultar-se talvez
de generosidade que ha no cora­
No seio da escuridão,
ção de todos os rapazes, e sem de­ Vê luzir a tua lança,
sejos nem suspeitas de adquirir Denodado campeão!
inimigos. Se alguém se julgou
Parte, sim, ó cavalleiro ;
ofFendido, e me ficou querendo
Vae na liça pelejar;
mal, aqui lhe peço que me perdoe, E’s bravo, e é justa a palma
protestando todavia que a minha Que pretendes disputar;
predilecção é ainda pela rosa en­ Vae seguro da victoria
carnada. Eu não fui 0 unico a Que te não póde falhar.

tomar a sua defeza. Depois de Como devem ser airosas


mim, alguns poetas de Lisboa pu­ Vossas lides, trovador,
blicaram nos jomaes do Porto poe­ Que também nos teus contrários
sias contra a rosa branca; e, se­ Achas brio e pondumor!
Mas a rosa que te inflamma
guindo 0 meu exemplo, os parti­
Te fará ser vencedor.
dários da senr.“ D. Anna de Sá
escolhiam os nomes, com que as- Não me assustará o vêr-te
signavam os seus versos, entre os Numa lucta designai;
Vaes desafrontar a rosa
doze de Inglaterra.»
Que não póde ter rival;
Por estas palavras de Gomes E esta devida empreza
de Amorim se virifica que não Não te pode ser fatal.
era Camillo Castello Branco quem
se assignava Magriço nessa ga­ Parte, sim, ó cavalleiro,
Vae-te de loiros coroar;
lante contenda poética das duas
Lá te aguardam já no campo
rosas e que tão famosa se tor­
Dois cavalleiros a par.
nou. A poetisa dirigio, a Fran­ Oh! não possam suas lanças
cisco Gomes de Amorim, os ver­ A tua lança quebrar I . . .
sos que abaixo transcrevo e que D. Anna de Sá
lhe concediam licença para entraî­
na liça: Não conheço 0 livro de D. Anna
Amalia Moreira de Sá, e a não ser
Ao cavalleiro da rosa encarnada
a poesia acima nada mais me re­
Bemvindo sejas, guerreiro; cordo ter lido de sua lavra. Basta-
Apraz-me vossa chegada: me, porém, essa poesia para que
Trazeis luzida armadura,
D. Anna de Sá mereça sempre a
E lyra bem afinada.
Por certo que a minha rosa minha sincera e enthusiastica ad­
Não pode ser desfolhada. miração.
178 A M ensagetoa

A morte levou-a bem velhinha, fundamento vedaríamos á mulher


teve, porém, hellos dias de gloria 0 campo da acfividade honesta, si
e de ventura; essa intelligente e a nossa péssima organização social
mimosa peleja das rosas em o seu não a pode muitas vezes salvar
delicado sentir de poetisa, deveria dos horrores da miséria ou das
ser decerto de immense prazer e especulações do vicio?
felicidade. A este respeito, o Dr. Garcia
G eorgina T eixeira Redondo tem publicado no rodapé
Capital, 1899 . do Diário Popular uma serie de
brilhantíssimos artigos. Como es­
tudo completo do feminismo, é o
primeiro trabalho literário que até
hoje conhecemos na lingua portu-
gueza. O mais que temos lido só
se encontra na Revista Encyclo-
O feminismo
pedica Larrousse^ muito pouco vul-
0 Diário Pojndar acaba de as­ gai'isada em nosso meio.
sentar praça nas fileiras do femi­ Apenas um defeito notámos nos
nismo; e por esse ariojo, não re­ escriptos do Dr. Garcia Redondo
gateamos applausos á ponderada — que elle escolhesse para orgam
folha vespertina. O caso da Dr.“ das suas bellas tlieorias a bocca
Myrthes da Campos trouxe para o envenenada de uma mundana,
terreno dos factos a questão abstra- quando podia pôr aquillo mes­
cta dos direitos da mulher. E mo nos lábios respeitáveis de uma
0 Dr. Viveires de Castro mostrou- boa mãe de familia, ou de um
se, mais uma vez, coherento com- typo de virtudes. A doutrina, sen­
sigo mesmo. Abrir também ao do a mesma, tornar-se-ia mais sym-
bello sexo a funcção da advocacia pathica.
constitúe um simples corollario da A naclcto P acifico
liberdade profissional, que a cons­
(D,'i Carta de S. Paulo para a Cidade
tituição da Kepublica sabiamente de Catnptiias).
consagrou. Nem seria congruente
que as nossas patricias podessem,
como podem, conquistar nas aca­
demias um diploma scientifico o
ficassem, ao mesmo tempo, priva­
das da efficacia desse diploma, tão
duramente conquistado. Com que
A M ensageira 179

Cantiga primeiras sandalias


fA. P. D. A.) (Ao ÍAfrio)

C om v oz plangente de quem suspira Conta-me uma historia, Clarice,


Canta a saudade, canta a alegria, disse Dolora reclinando a loura ca-
Não sabe os versos que guarda a lyra,
becita no seio da ama.
Canta o qu e sente, d o ce harm onia !
Quero uma historia linda... lin­
S u spen de aos b ra ços o filho am ado da... tecida de luz e rosas... tão
E m uitos b e ijo s lhe dá, contente, bonita que me faça adormecer.
E o seu futuro b e llo e doirado
E a ama contou:
V ê reflectid o na sua m ente.
«Na Palestina, onde 0 céo é
— B em dita sejas, m ulher ditosa, muito azul e triste, vio-se um dia
Q ue o filho em balas, sadio e forte ! uma mulher formosa de encantar,
V ê qu e form oso b otã o de rosa. seguindo de longe 0 Nazareno lou­
E m seu sorriso tens o teu Norte.
ro... E chorava unindo aos seios
as brancas mãos de neve»
V e n d o a crean ça quem não diria
Palavras cheias de anim ação! Jesus sentio os soluços que a
«Q ue bon iteza. Santa M aria» aragem branda levava-lhe e doce­
D izem teus lá b ios e coração. mente... suavemente exclamou:
— «Mulher!... mulher!... porque
E a cada phrase qu e tu dizias
EUa sorria toda con ten te I
choras?»
D ias form osos, form osos dias — «Mestre, eu fui a senhora de
Q ue se acabaram tão de repen te ! ! Magdala... fui rica, adorada»
Um dia vi-te passar ao pé de
H o je a creança já não e x is t e ......... meu castello, e miuh’ alma seguio-
E a mãe, coitada, p or to d o o dia te, e eu te amei, senhor!
In d a repete, ch orosa e triste Desde então aquelle castello im-
«Q ue bon iteza. Santa M aria!»
menso pareceu-me assaz pequeno
M. C. C. S an to s
para encerrar a grandeza d’esse
R io, 19 S etem b ro — 99. aniôr sublime, que me aponta 0
Empyrio, 0 teu reino, senhor.
Quero seguir-te, Jesus.
— «Vem, disse 0 Nazareno com
doçura.»
Ella seguio-o.
i8 o A M ensageira

Subiram o monte.
E a senhora de Magdala, des­ 5onho?
calça pisava as pedras asperas fe­
rindo os pesinhos bellos... Jesus Não sei se sonho foi! Só sei que eu via
N’um vasto mar minh’alnia transformada
titou então amorosamente aquelles
E que alegre a Esperança reclinada
pesitos doloridos, tão vermelhos e N’nin dourado batei delle fugia!
pequeninos.
Subio o monte ligeiro, colheu Era verde a roupagem que envolvia
Suas formas de celestina fada.
dous lyrios azues, formou duas ba­
Verde também a cabelleina ondeada,
bouches mimosas e depondo-as do­
Que esparça ao vento sobre o mar cahia!
cemente aos pés da formosa peni­
tente, lhe disse: E elle 0 barco ligeiro acompanhando,
Em profundos soluços prorompeu,
«Mergulha nessas flores os teus
Ao ver que a Virgem o ia abandonando.
p é s ... não os maltrates, Magda-
lena.» E mais depressa o barco então correu .. .
E olhando aquelles pésinhos em E Ella ao triste nem um olhar lançando,
Saltou na praia e . . . desajipareceu!
sangue, Jesus entristeceu-se. Ma-
gdalena amorosamente beijava, or­ A ubea P ires
1891
valhando de lagrimas, as primeiras
sandalias... tão lindas, feitas de
flores, que Jesus lhe dera...»

Ao terminar a historia. Dolora


dormia... e um sorriso doce pai­ A coragem de modo algum é
rava-lhe nos lábios em flor... em- incompatível com a ternura; ao
quanto Clarice cuidadosaniente agei- contrario, a amenidade e a sensi­
tava nas fôfas almofadas de pen- bilidade sempre caracterisaram os
nas, a cabecita loura da menina homens e mulheres que mais altos
adormecida... feitos praticaram.
IPOMÉA S. S milles

A revolução social que se pre­


para na Europa visa principalmente
0 futuro da mulher e do operário
I bsen
A M ensageira i8 i

A mullior está conquistando di­ «Os dias succedem aos dias e


gnamente 0 seu logar no mundo não trazem nenhum allivio á nossa
social, e justo é que nós outros, dor, nenhum raio de aurora ao
os déspotas hypocritas, que ató horizonte negro da nossa vida.
hoje, não pela força do direito, Estamos oppressos de tristeza o
mas pelo direito da força, a temos nos dias nublados como aquelle
conservado escravisada e submissa em que o perdemos e quando res­
ao nosso dominio egoista e frau­ plandece 0 sol, que deixou de o
dulento, façamos justiça abrindo aquecer, estamos tristes no silen­
alas para que ella passe trium- cio e no rumor, tristes no trabalho
phante e vá occupar o seu posto e no lazer, na companhia e na so­
a nosso lado, não como um ser lidão. Nem mesmo nos resta o re­
inferior, que não é, mas como um conforto do trabalho. Porque o nosso
ser perfeitamente egual, que é e espirito, fugindo aos pensamentos
que sempre foi. em que durante muito tempo se
G arcia R edondo enclausurou, regressa como ao des­
pertar de um sordio, á recordação
da nossa antiga familia. E a de­
cepção súbita que experimenta
prostra-o. Olhando para o futuro,
como para um oceano lugubre, ve­
2)e Hmicis e seu filho mos ao longe as vagas do dor, que
Edmundo De Amicis, que pa­ virão, umas após outras, bater-nos,
tenteou 0 seu grande amor á in­ submergir-nos, todas as vezes que,
fância escrevendo as paginas do em seguida a um grande esforço,
adoravel Coração, passou ha me- houvermos readquirido alguma co­
zes pela horrorosa magua de ver ragem.
morrer um filho de dez annos Poderemos ter momentos de ol­
de idade. Expandindo o seu pro­ vido, mas de paz nunca mais. A
fundo desespero numa revista ita­ todo 0 pensamento que se não di­
liana 0 fez de modo tão commo- rigir para elle, a todo o sorriso, a
vente e sentido que alguns jornaes toda a breve esperança de vida
transcreveram a peroi‘ação dessa serena, succedeu um remorso, uma
tristíssima elegia em prosa. Nós advertência amarga de consciência,
também não nos podemos furtar exprobrando-nos o cruel abandono
ao desejo de transcrever aqui pa­ do nosso filho.
lavras que tão intimamente nos to­ Após cada minuto de trégua que
caram 0 coração: nos concede a angustia, eis já que
i 82 A M ensageira

0 soluço explode mais violento. fram e que alguns dei les soífram
Exhala-se de nosso peito como um mais do que os outos — eis tudo
grito comprimido em vão. Em quanto nos resta.»
volta de nós tudo se torna mais
sombrio do que antes. Felicidade
que de ora avante desça sobre a
nossa familia, parecer-nos-ha um
sarcasmo do Destino. Até a aífei-
ção profunda que nos prende ao
querido filho que nos resta, de um ^(otas pequenas
natural tão bom e de um tão raro Mistress Robinson Wright e Miss
espirito elle também e de uma tão Hartman. — Tão agradavel quanto
nobre coragem, nós não dá senão inesperada foi a honrosissima visita
compensações mescladas de amar­ com que nos distinguiram as illus­
gura. A todo 0 motivo de conten­ tres escriptoras norte-americanas
tamento que elle tiver, a toda a mistress Robinson Wright e miss
razão nova que elle vier a desco­ Hartman, que ora percorrem a re­
brir para amar a vida, a imagem publica brazileira, procurando co­
do outro surgirá, mais dolorosa, pe­ nhecer de perto a nossa grandiosa
rante os nossos olhos, para nos patria. Verdadeiro contentamento
lembrar que para esse nada mais e grande emoção causou-nos a pre­
existe neste mundo. 0 nosso filho sença das illustres jornalistas, cuja
morto — eis o unico refugio para sympathia e amabilidade encantam
a nossa saudade: fallar delle, sem­ e impressionam vivamente.
pre, como se fosse vivo, resuscitar Miss Hartman, pelo que nos dis­
todas as recordações que delle nos se, redigiu no estado de Texas, du­
ficárão, com infinitos pormenores; rante quatro annos uma revista in­
fallar-lhe, dar lagrimas á sua me­ titulada A Mensageira. Este facto,
mórias e flores ao seu sepulchro, por nós ignorado até então, foi mais
fazer da dor que nos dilacera uma nm laço de sympathia para nos
força que ennobreça a nossa alma prender á intelligente escriptora.
e esperar, se 6 possivel, que por Mistress Robinson Wright, — a
cima desse mysterio immenro exista eminente jornalista e celebrada his­
verdadeiramente uma infinita mi­ toriadora, tida geralmente como a
sericórdia, predestinando todos os primeira escriptora contemporânea
entes a uma suprema e immuta- da America do Norte, — mostra-
vel bemaventurança, em nome da se visivelmente satisfeita e muito
qual 6 necessário que todos sof- bem impressionada com o Brazil.
A M ensageira 183

As illustres escriptoras visitaram a ses uma subscripção que já attinge


Escola Normal, foram á Cantareira a mais de dois contos.
e percorreram os principaes pon­ Bello e digno de applausos 6 0
tos da capital paulista, tendo sido procedimento de nossas patrícias
recebidas no Palacio, pelo coro­ que vão dar 0 testemunho de seu
nel Fernando Prestes, illustre pre­ apreço á Mme. Dreyfus, modelo
sidente do Estado. Em Piracicaba vivo de energia e dedicação femi­
visitaram 0 Ü.'' Prudente de Moraes, nina, que com profundo amor e
ex-presidente da Republica, e a inabalavel coragem tornou-se uma
proposito daquella visita diz 0 P o­ verdadeira heroina na defeza de
pular : seu marido.
«Deu-se então entre 0 dr. Pru­ Ridelina Ferreira. — Em con­
dente e as illustres excursionistas curso literário aberto ha dias num
interessante conversação em cujo jornal da florecente cidade de São
decurso appareceram importantes José d’Além Parahyba, obteve 0
faetos da vida publica daipielle. ha­ primeiro prêmio a nossa collabora-
bilmente arrancados pelo intelligen­ dora Ridelina Ferreira, pseudony-
te questionário de mrs. Wright. mo sob que se occulta intelligente
Antes de se retirarem foi-lhes irmã de fallecido e distincte poeta
pelo dr. Prudente mostrada a sua que muito figurou na imprensa
livraria onde tiveram occasião de paulista. O concurso tinha por
ver diversas proclamações dos pre­ objecte a resposta a esta pergunta:
sidentes da possante Republica do «Que é a vida?» Eis a definição
Norte, 0 que visivelmente agradou dada por nossa amiga 0 classificada
as visitantes.» pelo jury como a melhor de todas:
Tencionam as distinetas senhoras «Que é a vida? — A vida é
visitar em breve 0 magestoso e le­ uma rocha escarpada, no sopé da
gendário Estado de Minas, achan- qual vicejam lindas flores que têm
do-se actualmente no norte do 0 nome de Felicidade. Para co-
Brazil. Mais uma vez saudamol- Ihel-as tentam todos 0 diffieilimo
as aftectuosamente. trajecto levando a Esperança por
Aida Negri. — Sobre esta gran­ guia. Mas a rocha é eriçada do
de poetisa italiana, daremos em agudas pontas, onde se esphacelam
breve um artigo devido á penna as illusôes, onde se mutilam as
de Hellarmino Carneiro. crenças e ai ! bem poucos são
Mme. Dreyfus. — Com 0 fim de aquelles que conseguem colher ou
ottertar um mimo á Mme. Dreyfus, mesmo tocar essas inaccessiveis
levantaram as senhoras maranlien- flores. Quasi todos rolam exani-
184 A M iínsaoiífra

mes 0 vão caliir a alguns passos prosentasse ao Congresso Federal


do distancia n’um ahysmo (pie so para <jue fossem cassados os diplo­
cliama Tumiilo 0 (pio vae tor á mas dados ás advogadas e a ins-
á região do Nada.» cripção do seus titulos, feita nos
A mulher no tribunal. 0 Tnsti- tribunaes, e vedada a matricula
tuto.s dos Advogados rejeitou, por das senhoras nas faculdades de
maioria de o v o to s, 0 brilhante direito. Esta proposta já foi á
parecer da commissão de justiça, respectiva commissão e tem sido
legislação e jurisprudência daquella muito bem recebido 0 projecto
ordem permittindo á mulher brazi- apresentado pelo senador Pires
loira 0 exercício da advocacia. O Ferreira, concedendo 0 livre exer­
parecer apresentado ao Instituto cício das profissões liberaes ás
com data de 6 de Julho foi firmado mulheres diplomadas.
polo distincto homem de letras A despeito da questão succitada
Barão de Loreto, presidente; Dr. pelo Instituto dos Advogados, no
Haptista Pereira, relator; e Dr. J. dia 9 do corrente a Dra. Maria
E. Sayão de Bulhcães Carvalho. Coelho defendeu um réu que foi
Foram favoráveis ao parecer os absolvido, tendo 0 Dr. Viveiros de
votos dos Srs. Drs. Sá Vianna, Castro, antes de conceder a palavra
Mello Mattos, Fernando Mendes, a esta senhora, declarado terminan­
Tavora, Rodrigues Vieira, Monteiro temente que a mulher tem o di­
de B. Lima, Cândido Mendes, Car­ reito de advogar.
valho de Moraes, G. Barbosa Lima, A Dra. Maria Coelho principiou
E. B. Falcão de Lacerda e Teixeira seu discurso dizendo que duas ve­
Alves, ao todo onze. zes lhe tinham recusado a palavra
Votaram contra os Srs. Drs. G. no jury, no Recife. Em seguida
Ferreira, A. Russell, Burlamaqui defendeu os direitos da mulher,
Moura, S. Brandão Sobrinho, Au­ passando a analysar 0 processo.
gusto de Azevedo, Heitor Ramos, Houve replica e treplica, tendo se
Arthur de Mello, Carvalho Mourão, sahido brilhantemente a defensora,
Pinto Lima, Horta de Araújo, Lei­ que foi muito felicitada.
tão da Cunha, G. Castello Branco, 0 Paiz. Festejou mais um anni-
Gil Goulart, A. Gomes de Almeida versario de sua fundacção 0 Paiz,
Leite Velho e Anisio Campollo, ao cuja existência é uma serie de tri-
todo 16 votos. umpos e de dedicação a todas as
Em vista de semelhante resultado causas nobres. Por esse jubiloso
propoz 0 Dr. Fernando Mendes que acontecimento a Mensageira en­
0 Instituto fosse coherente e re- via-lhe sinceras saudações.
São Paulo 15 de Novembro de 1899 Anno II, N. 34

A MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direetora — Presciliana Duarte de Almeida

P u b lic a -s e no d ia 15 de cada nriez

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m e r o a v u ls o


a d ia n ta d o E n d e re ço : Roa de Sta. Iphigenía, N . 57. I R s. 1 $ 0 0 0
I _____

Summario: — Carta do Rio, Maria Clara nesse dia houver um furacão igual
da Cunha Santos; — Ouvindo um pas-
a este, muita gente morrerá de
saro, poesia, Narciza Amalia; — Julieta
de M. Monteiro, Damasceno Vieira; — medo, imaginando que é o começo
Da nascente á foz, poesia, Silvio de Al­ da degringolada.
meida; — Carta aberta, Ridelina Ferrei­
ra; — O incêndio, soneto, Julio Prestes; Por isso é bom estarem preve­
Selecção ; — Eleita, soneto, Benedicto Ri­ nidos e não morrerem sinão no
beiro; — No calvario, Ricardo M. Gon­ momento opportuno.
çalves; — Notas pequenas.
Morrer de medo deve ser o cu­
mulo da cobardia! Haja em vista
Gfarta do R.io esta historia que me contaram a
Que terrível furacão houve outro proposito da peste bubônica em
dia, nesta Capital! 0 vento ver­ Santos.
gava as palmeiras mais altas e jo­ Um sujeito, excessivamente me­
gava para longe as telhas das ca­ droso, ia fugindo da peste india­
sas e os galhos das arvores. A na que arrasou a Inglaterra em
chuva torrencial em poucos minu­ 1665 .
tos alagou esta cidade, que seja Em caminho, adormeceu, de can-
dito de passagem, não exige muita çado e sonhou que vira em um
agua para ficar completamente ala­ jardim magnífico uma mulhor pal-
gada. lida e feia, definhada e antypathica
Faiscas eléctricas cahiam a miudo a colher flores. O jardim era e-
e a poeira das ruas era tanta que norme e muito bem tratado. Só
interceptava a vista. Um horror! très pessoas lá estavam, a mulher
Minutos antes do terrível furacão, pallida e feia e dois rapazes fortes
fazia um calôr senegalesco e o sol e robustos. Emquanto a mulher,
queimava como brazas. que tinha um ar de preguiçosa,
Quando vi aquelle destempero colhia uma flor, os rapazes colhiam
do céo lembrei-me do proximo dia dezenas e centenas de lindas e vi­
13 de Novembro e raciocinei: se çosas flores.
I 86 A M knsageira

A mulher afinal foi descendo as com todos os seus segredos e pai­


escadas do jardim, desanimada e xões !
triste.
Os incançaveis mancebos conti­
nuavam sua faina, devastando o
Recebi, ha dias, a amavel visita
jardim. da talentosa D.'"'* Myrthes de Cam­
O medroso que espreitava, per­
pos. Veiu a illustre senhora acom­
guntou á mulher: que gente ó essa?
panhada por sua extremosa Mãe,
de quem é esse jardim? A hor­
agradecer-me a saudação que lhe
rorosa mulher fez um tregeito ma- fiz por esta revista, em seu nu­
cabrio, e respondeu: «o jardim per­
mero proximo passado.
tence a Deus, 6 o mundo, as flo­
Eu nada fiz sinão o meu dever
res são as creaturas... eu sou a
de brazileira e de patriota. A D.''“
Peste Bubônica e aquelles guapos
Myrthes é de uma delicadeza ca­
rapazes são um o Terror e outro
ptivante.
0 Boato.»
Disse-me que havia escripto uma
E esta? Como 0 Boato o o Ter­
carta á illustre collaboradora do
ror fazem muito mais victimas do
«Paiz» Ecila Worms, reclamando
que a Poste!
contra o engano que esta commet-
Foi um sonho, me dirão.
tera, quando descreveu sua toilette
Mas um sonho, respondo eu, que do dia da sua estreia no Jury.
dá a idea da realidade da vida.
A escriptora da «Moda» lamen­
tou que as mulheres superiores
queiram se masculinisar pelas toi­
lettes e se esqueçam de seus en­
Que lindo o ultimo concerto do cantos particulares e começou o seu
Centro Artístico ! Ouvi o grande artigo descrevendo a vestimenta da
orgão do Instituto pela primeira jovem advogada no grande dia em
vez. que a illustre brazileira alcançou
Custa a crei- que o genio do a bella victoria de elevar a sua
homem possa conseguir tamanha voz na tribuna judiciaria com tão
maravilha! Com algumas taboas, brilhante resultado!
bronze, cordas e metaes. ébano e «Depois da carta escripta, di.ssc-
marfim, compÕe-se uni instrumento me a D.™ Myrthes, rasguei-a, achei
tão extraordinário que traduz os futil demais a questão para esti-
sentimentos humanos com todas cal-a pela imprensa. Que diriam
as suas delicadezas e variedades. os homens adversários da emanei-
A M ensageira 187

pação moral ria mulher se a esta A ’ D.’’" Maria Coelho saúdo pela
questão nós emprestássemos impor­ brilhante defeza que fez no Jury
tância e pretendessem os occupar a e pela victoria (pie alcançou: 0 réu
attenção dos leitores do «P a iz »? foi absolvido.
Não, nunca. Estrearam com muita felicidade
Preferi a censura da escriptora... as nossas patricias.
e rasguei a carta explicativa. » Em minha humilde opinião mais
Agora eu desmancho 0 engano vale um facto do que mil discur­
que houve. Ecila Worms não foi sos. Que os réus que forem def-
ao Tribunal do Jury no dia da defe- fendidos pelas bacharelas continuem
za da D.™ Myrthes e em seu artigo a sahir livres e ellas triumpharão
que a descrevia com trajes mas- a despeito de todo 0 mal que dél­
culinizados, a distincta chronista ias digam.
se guiou, naturalmente, pelo re­
trato que a «Gazeta de Noticias»
deu, retrato antigo e que trazia A noite convida ao aconcego do
uma toilette de costume, aliás muito lar, á palestra da familia em torno
usada por senhoras avessas ás ar­ á mesa de jantar, principalmente
tes e ás lettras. Essa deselegante quando a chuva nos priva de um
toilette é muito commoda para passeio agradavel ou de uma vi­
quem sendo pobre tem por obri­ sita interessante. Uma noite des­
gação sahir todos os dias á rua. tas em que todos nós conversava­
Foi, com certeza, por essa razão mos alegremente e liamos e brin­
que a D.''’' Myrthes adoptára essa cavamos, meu marido abrindo os
toilette no seu tempo de estudante. últimos números da «Scientific A-
Eu assisti á brilhante defeza de merican», leu, com surpreza, a des-
nossa patricia e tive 0 prazer de cripção da photographia do som.
abraçal-a nesse dia. Ella estava Kealraente é uma maravilha da
elegantemente vestida, sua toilette sciencia. Ficamos por algum tem­
era tão graciosa e bem feita, tão po pasmos e admirados.
feminina e catita que dii-se-ia ser D’ ahi a pouco, depara-se-me
uma das apontadas pela fidalga uma noticia no «Jornal do Com-
escriptora tão apreciada na sua mercio » muito engraçada. Ima­
«Moda», não só pelos bellos mo­ ginem 0 que foi. Conhecem as
delos que apresenta como pelo va­ leitoras 0 que é Mariola de Ca­
lor literário que trescala do seu pote? E’ um doce secco, feito de
nome, mal occulto por transparente banana ou de goiaba, envolvido
pseudonyme. em folha de bananeira. E ’ doce
i88 A M en saq kira

de pouca importância e de infimo E 0 bonito é que o Mariola de


preço, quo não vae ás mesas ricas Capote mereceu as honras de um
e que quando muito póde agradar privilegio, não terá sello. Ah! Ma­
ao paladar das creanças. Pois bem, riola quem te vio c quem te vê!
o Mariola de Capote chegou á al­ Como subiste! Quem diria que
tura de um principio, merecendo havias de deixar na bagagem os
a attenção da Recebedoria e Di- fios d’o vos, 0 marron glassé, os
rectoria das Rendas Publicas do bonbons fondants e o creme de
Thesouro Federal, do sr. Ministro chocolate!
de Fazenda e de mais funcciona- Quem te vio e quem te vê Ma­
rios de alta monta. A questão é
riola de Capote!!
esta: se deve ou não estar isento
de sello esse producto genuina­ M aria C lara da C ünha S antos
mente brazileiro.

Ouvindo um passaro

L o n g e, n ’um valle de arvoredo um broso,


g orgeia um pintasilgo en am orado;
ou ço-lh e o trino m eigo e lam entoso,
o a ccen to apaixonado . . .
E scism o, em v olta na v olú p ia d oce,
co m o se ou tr’ave enam orada eu fosse I

n
A o m adrigal d o passaro resp on de,
den tro em m eu p eito, um lim p id o g o rg e io . . .
— E ’ m inh’alma que trila, sobre a fron d e
da crença, am ante o seio ! . . .
— A ves e afifectos, scism as e luares,
com prehendem -se e casam-se n os ares ! . . .

m
o co ra çã o de on d e deserta o sonho
é desolad o com o um C am po-S anto ;
cin ge-o n os élos frios um m edon h o
réptil, — o Desencanto.
Q u an do elle guáia e em prantos se abebéra,
fogem , voan do, o Am or e a Prim avera.
A M ensageira i8g

IV

A i ! da creança, que llie b rin ca á porta ! . . .


A i I d o sedento, qu e o dem ande ! . . . M óra
na cryspa esconsa, da Esperança m órta
a som bra, que a p a v o ra . . .
— N egreje a noute, resplandeça o dia,
mésta, um a estrige, n os salgueiros p ia !

P o r isso guardo o sonho m eu captivo,


ha lo n g o s annos, neste cófre d ’alma.
— Canto, em u deço, e, incom preh en dida, vivo
triste, silente, calma,
a esse g o rg e io m ágico, distante,
— o o u v id o attento, — a alma saudosa e am ante.

N aecisa A malia

^ulieta de Mello Monteiro


D. Julieta Monteiro é escriptora telares que lhe incutiram o amor
par droit de 7iaism nce; com o ao bello artistico; mas o impulso
Jeite maternal infiltrou-se em seu já se havia operado, e a convi­
delicado organismo a febre das vência com sua delicada irmã, D.
letras; o ambiente que respirou, Revocata Heloisa de Mello, contri­
ao abrir os olhos á luz, na formosa buiu para que o apollineo fogo ja­
capital da terra dos pampas, acha­ mais amortecesse.
va-se impregnado dos perfumes da Impressionada com os triumphos
poesia romantica; ondulações sono­ de Amalia Figueirôa — a pallida
ras encheram-lhe de harmonias o sonhadora dos Crepmculos, a quem
infantil ouvido. Mãe e tia — D. Narciza Amalia chamava poetisa
Revocata dos Passos e Mello e D. do céo — a jovem, sob lisongeiros
Amalia Figueirôa — duas apaixo­ auspicios, encetou o seu tirocinio
nadas almas de poetizas — emba- com 0 enthusiasmo que arrebata
laram-n’a carinhosamente, cantando os espiritos fortes.
versos sentimentaes de lavra pro­ Os seus primeiros livros de ver­
pria. sos, Prelúdios e Osdlkmtes^ mere­
A morte retirou-lhe os anjos tu­ ceram prefácios do distincto poeta
I go A M ensageira

portuguez, já fallecido, Augusto E- de gaúcho, alto, forte, corado, brioso


milio Zaluar, e do illustre parnasiano como um valente, destemido como
brasileiro Luiz Guimarães Junior. um revolucionário — e ha longos
Com tão altos estiraulos, desen­ annos exercem o magistério par­
volveu-se a vocação de D. Julieta, ticular.
cooperando ainda para o seu pro­ Espalham simultaneamente idéas
gresso a creacção de um periodico pelo Corymho.^ pelos livros que pu­
litterario, Corymho^ fundado por blicam e pelas creanças cuja edu­
D. Revocata na cidade do Rio cação lhes é confiada.
Grande. Na redacção do Corymbo.^ reu­
Dispondo de múltiplas aptidões nem-se ás vezes jovens de ambos
jornalista, ahi expande por varias os sexos que cultivam letras e
formas os recursos de sua. culta promovem sessões em que são re­
intelligencia, desde o aritgo de citados trabalhos em prosa e verso,
fundo até a simples noficia local, quasi sempre originaes.
desde a magestade dos versos ale­ Tivemos a honra de assistir a
xandrinos até as risonhas e espi­ uma d’essas festas e a impressão
rituosa gymnasticas dos triolets. que ella nos deixou, perdura em
Nenhuma festa patriótica ou de nosso espirito como um facto ex­
caridade ou de iusirucção se ef­ traordinário.
fectua na maritima cidade rio- Poesias serias e humoristicas,
grandense que não tenha o con­ em portuguez e em hespaiihol eram
curso das duas illustradas literatas, festejadas a salva de palmas pelo
irmãs que se identificam pela in­ selecto auditorio, e como si uma
telligencia, pelo estudo, pela infa­ attracção magnética nos retivesse
tigável applicação ao trabalho, pela alli, só dissolveu-se a reunião na
firmeza das idéas e das convicções madrugada do dia seguinte, sem
e pela virtude — traço que na que nenhum de nós fosse alcançado
sociedade lhes dá o maior e mais pelo cansaço da prolongada vigilia.
legitimo prestigio e não lhes faz Horas depois, viajavamos para a
invejar a gloria domestica de Geor­ capital rio-grandense e ao recapi­
ge iSand. tularmos todas as emoções que ha-
Não vivem nem poderiam viver viamos experimentado na disgrcs-
dos exiguos proventos que lhe pro­ são que acabavamos de concluir
porciona a pequena folha litteraria; fóra de nossa terra natal, nenhuma
sentem-se amparadas de um irmão nus pareceu comparável áquelle tão
extremosissimo, Romeu dos Passos modesto (juão brilhante certamen
c Mello bello e acceiituado typo do talento e do espiiãto.
A M ensageira 191

<0 coração quer afFectos: ame-


mos, amemos!
0 novo livro de D. Julieta do
Mello Montiúro, Alma e Coração^
Na segunda parte, não impera a
define-se com as próprias palavras
imaginação, mas a razão calma, a
que a auctora dirige Ao leitor:
estudar a sociedade atravez dos
«Jean Revel disse: A obra de
factos. A phantasia desce das azu­
cada anctor contem aUjuns pensa­
ladas regiões do sonho para exer­
mentos que são 0 reflexo de sua
cer a critica, de modo tão delicado
alma.
quanto justo.
«E assim é: a Alma e Coração
Como provas do fino critério da
6 em parte 0 espelho senão do
poetisa e jornalista rio-grandense,
meu presente, ao menos do meu submettemos á publica apreciação
passado.»
alguns excerptos:
0 trabalho acha-se dividido em
tres partes: Ideaes, Multicores e H ymno ao trabalho
Pallcntes.
A primeira é um conjuncto de
confidencias amorosas, sentidamen- «Trabalhai, que a esperança per­
te apaixonadas, anceios de coração dida em um momento angustioso,
afílicto e desejoso da posse de seu voltará a occupar 0 logar abando­
ideal. Amemos! Sonhar! Am ar! nado em vosso ser.
Poesia do Amor, Esperança, E s­ «Trabalhai e esperai: 0 vosso
cuta, Fala, Saudade, Suppiica, e dia não se demorará em raiar.
O livro de Atala, dividido em oito « 0 vagabundo, 0 réprobo encon­
capitulos, são producções cheias de tram regeneração no trabalho
de segredos intimos; percebe-se «Trabalhemos.
que foram escriptos com febre «A dôr, mais funda, 0 soífri-
aquelles periodos pontuados de ex­ mento mais cruel, 0 desespero mais
clamações. intenso, acham sempre lenitivo no
trabalho.
A memos
«Trabalhar é viver; trabalhar é
« 0 coração quer amor: amemos, ter fé.
amemos! «Qual seria a minha existência,
« 0 céo quer astros que illumi- qual seria 0 meu peregrinar no
nem a sua magestosa belleza; 0 mundo, si no abençoado trabalho
jardim quer flores; 0 bosque quer não tivesse encontrado algumas par­
passaros; 0 templo quer orações! tículas de conforto ]>ara as pro-
IÇ2 A M ensageira

fundissinias chagas abertas pelo in­ «Dá-lhe ás vezes para ser litte-
fortúnio no intimo de meu peito?» rato ; e o pedante litterato deve oc-
Faiscante de graça e de ironia cupar 0 primo loeo na vasta gale­
é 0 estudo consagrado a um per­ ria dos adoradores de si mesmo.
sonagem typico, de que Molière «Que de obras importantes pos-
soube apoveitar-se com genial ins­ súe! Que esplendida bibliotheca a
piração. sua!

O PEDANTE «Infelizmente quasi sempre não


a deixa vôr nem aos intimos!
«Veste-se no rigor da moda. Ri­
«E 0 que tem escripto! As ga­
gor ás vezes exaggerado que mais
vetas da escrivaninha estão peja­
uma vez o torna ridiculo.
das de manuscriptos. Não os dá
«Tem convicção arraigada de
a lume porque não gosta de escre­
que 0 sexo frágil o idolatra.
ver para jom aes; e no emtanto já
«E ’ uma crença como tantas ou­
tem tido oíferecimentos de editores
tras que 0 perseguem e das quaes
para as suas obras.
0 misero não sabe o 'porqm.
«Se vai a uma reunião, a um «Admira como ha tanto quern
sarau, a um espectáculo, ao reco- se arroje a escrever para o publico,
Iber-se á casa leva sempre a grata commettendo erros gravissiraos que
estão mesmo a pedir critica; e con­
certeza de que foi o pritnus inter
clue : dos pobres de espirito é o
pares da festa.
reino dos céos.
«E ’ um feliz mortal o pedante.
«Anda sempre alegre de si, por­ «Adora com verdadeiro ardor as
que cousa alguma tem a invejar louras, mas por uso e costume fala
ao proximo. mal do inoffensive metal e confes-
«E ’ bello, illustrado, possue to­ sa-se escravo dos louros.
das as virtudes, é um conquista­ E ’ incontestavelmente um dos
dor de fama, finalmente, onde ap- typos mais salientes da sociedade
parece oífusca, deslumbra, enthu- e um dos mais afortunados.»
siasma ! Bahia D amasceno V ieira
A M ensageira 193

2)a nascente á foz 0


E ntre os q u adros mais ch eios de poesia.
Ha uma grata e suggestiva im agem
Na superficie pla cida e m acia
D e u m la go, parte e to d o da paizagem .

U m lago é qual espelho, que reveste


Os h ellos arreboes, as singulares
M aravilhas da a b ob od a celeste,
O iro de estreUas, prata de lu a re s...

E , qu an do sob re as aguas, atrevido.


Sete raios de luz o sol derrama,
D o s peixin h os, num séqu ito luzido,
A ’ flor d o lago pula a varia escama.

A toalha das aguas espelhante


R eflecte, sem deixar de ser tranquilla.
O s adejos d o passaro distante
E as trem uras da flor, que á tona oscilla.

D o rio á beira ás vezes pen d e um ninho,


E a ave, que ainda para a vida acorda
T em para acalental-a o b orb orin h o
D as aguas a cantar de b ord a em b o r d a ...

Outras vezes, d o rio p elo seio


D e sce n d o vae, em languida toada.
B atei qu e leva, n o torp or d o enleio,
Um nam orado com a n am orada...

O par d ito so á riban ceira abica,


E ahi, de folhas um d o ce l procura,
O nde gosa n do longam ente fica
A sensação da paz e da frescu ra ...

M as on d e o aspecto d ’agua mais prim ores


Phantasiosam ente nos desata
E ’ quando cae, p o r entre os estridores
D a cauda de rainha da cascata.

(*) Esta iHMiaia teve o jH-imeiru prêmio cm concurso literário da Semana.


N em o con sola a capa resplendente
C om qu e o sol, com o um iris, o circu m d a;
E o bosq u e em torn o escuta attentam ente
D aqu ella queda a im precação p ro fu n d a ...

A torrente, porém , já na planura


D e sd ob ra suas voltas caprichosas,
C om o vida que corre com doçura.
A o d ep ois de refrégas p o rfio sa s ...

E qu e dizer então da furia solta


D o s vagalhões frem entes d o ocean o,
— A superficie indom ita e revolta.
E m tu do igual ao pensam ento hum ano? —

E m b a rca ções qu e vão de m undo a m undo.


Pesadas m oles, cheias de thesouros,
São leves para o pélago, fecu n d o
E m sorvedou ros sobre sorvedouros.

— E riça d o leã o! F orça e so ce g o !


A ’ flor das aguas ferve a tem pestade,
Mas no fundo recon d ito d o p ég o
D om in a a paz em toda a im m en sid a d e...

A s aguas doidas que se enrolam , fazem


Saltar a espum a sem parada algum a;
Surgem vagas e vagas se desfazem .
A o vir ás praias, em sendaes de esp u m a ...

— Alm a doida, qn e luctas pela gloria.


A spiração d os m oços impoUuta,
O lha os fro co s da espum a transitória,
E vê das aguas a perpetua luctal

S ilv io de A lmeida
A MENSAQEffiA 195

da 0 teu nome conhecido e esti­


Garta aberta mado por mim, foram uma muda
IÕ de Outubro de 1899 recotnmendação para 0 seu con­
teúdo.
Minha cara Preseiliana
Então, vencendo 0 tedio que me
Ha justaniente agora dous annos, dominava, abri-a e comecei a lêl-a
atravessava eu uma das épocas pagina por pagina.
mais dolorosas da minha vida, para Quem me diria que eu ia en­
não dizer a mais dolorosa. contrar em cada uma d'essas li­
Do indizivel desespero que en­ nhas, uma gotta do balsaino de
tão me acabrunhava, não conse­ que eu tanto carecia?
guiam arrancar-me, os carinhos da 0 que foi para mim a leitura
familia nem a fé que por com­ da Mensageira não t’o poderá di­
pleto me abandonára ; nada, nada zer a minha penna incapaz de re­
emfim ! produzir os sentimentos de minha
Com a alma dilacerada, anceiava alma.
pela morte ou pela loucura, úni­ Logo nas primeiras linhas fir­
cos meios que eu via de poder madas por ti, eu li:
esquecer os meus tormentos. — De toda a parte surgem novos
Um dia, em que encerrada em livros de prosadores e poetas, e
meu quarto, recusava receber mes­ percebe-se que a actividade intel-
mo as mais caras amigas, pois no lectual segue resolutamente n’uma
auge da minha dor, aborrecia 0 marcha gloriosa em busca do ideal
mundo e parecia-me que a huma­ artistico. — E depois mais adi­
nidade em peso era responsável ante, estas palavras da talentosa
pelo meu martyrio, entrou alguém escriptora Julia Lopes de Almeida:
de minha familia e entregando-me — Os povos mais fortes, mais
uma revista litteraria disse-me: — activos e mais felizes, são aquelles
Mandaram — t’a, lê e procura dis- onde a mulher não figura como
trahir-te. mero objecto de ornamento; era
Tomei-a aborrecidamente, resol­ que é guiada para as vicissitudes
vida a atiral-a a um canto logo que da vida cora uma profissão que
me deixassem só, quando meu 0- a ampare n’um dia de lueta, e
Ihar, cahindo distrahidamente so­ uma bôa dose de noções e conhe­
bre a primeira pagina leu ahi: cimentos solidos que lhe aperfei­
— Á Mensageira — Preseiliana çoem as qualidades moraes. —
Duarte de Almeida. O sympathi- Pois bem, minha amiga, todas
co nome du revista e mais ain­ essas palavras me causaram uma
iq6 A M ensageira

impressão profunda, e murmurei encia, saúdo-a grata e comraovida,


então; — em busca do ideal artís­ atirando-lhe um punhado das flores
tico! sim, ahi é que cumpre pro­ que hei colhido no caminho que
curar algum conforto, uma vez que percorro, depois que a minh’alma
0 ideal affective é tão vario, tão resurgiu do lethargo em que a dor
incomprehensivel ! a lançára.
E, innundada de um bem-estar Tua dedicada amiga,
inexprimivel, depuz sobre a mesa
R iüeuna F erreira
esta revista que se me aflSgurava
um pharol apontando-me o porto
da salvação, que era para mim a
verdadeira mensageira da paz e do
consolo, resolvida a buscar nos go-
sos do espirito, um pouco da ven­
tura que os gosos do coração me Eleita
negáxam. A Cândido de Carvalho
Assim 0 tenho feito. A princi­
Quando ella passa, passa-me’ na mente
pio tremula, vacillante qual uma Um turbilhão de fulgidas idéas;
convalescente que ensaia os pri­ De absorto parto para um ceu ridente,
meiros passos após longa e dolo­ — Mundo de sonhos, mundo de epopéas!
rosa enfermidade, depois mais forte,
Bella! No olhar reflecte do universo
tendo encontrado, no braço da nos­
Todo o fulgor dos seres iriados;
sa amiga Maria Clara da Cunha Ninguém pudera derramar no verso
Santos, e no seio da tua Mensa­ As gemmas raras de seus predicados.
geira um apoio que muito concor­
reu para essa meia firmeza de que Meiga! A natura nunca abriu na terra
Um aroma tão bom como o que encerra
agora me ufano um tanto.
Essa rosa de Amor pura e tranquilla!
E hoje que esta filha tua dile-
cta, completa dous annos de exis­ Ella, s6 ella, me detem, governa
tência; dous annos consagrados á E eu vivo escravo dessa algema eterna
vivificar o espirito de uma bôa Que, de pesada, aos poucos, me aniquilla!
porção da humanidade ; dous annos B enedicto R ibeiro
dedicados ao aperfeiçoamento in­ S. Paulo, 1899.
tellectual de tantos entes, e conse­
guintemente ao conforto moral de
tantos corações desilludidos; eu,
naufraga dos mares da vida, e
salva graças á sua poderosa influ­
A M ensageira •97

Iheres que escrevem é que ellas


5elecção são de ordinário as pessoas mais
Com relação ás mulheres o ve­ simples, e muitas vezes as mais
lho preconceito da irregularidade exemplares. Veja-se Lady Morgan
adstricta á profissão das letras af­ e Miss Martineau, Madame de Sé-
fecta o melindre, fere a dignidade, vigné. Mademoiselle de Montpen-
toma o caracter de calomnia. sier, Madame Roland, Madame
Para honra da humanidade seria Necker de Soussure, Madame Sou­
util considerar que ha no mundo sa, Madame Guisot, Madame Acker-
corações absolutamente refractarios mann ; e era Portugal, para não
á beatitude da inércia. Chegada a citar mais que um nome, essa tão
hora fatal em que os colibris azues encantadora, tão romanesca, tão
da phantasia se evolam da mystica bella e tão pura Marqueza de Alor-
açucena desabrochada em toda a na, da qual escreveu Alexandre
alma de mulher no mez de Maria Herculano que a ella devia o ter-
da existência, — quando natural­ se feito escriptor.
mente se esvaem niima saudosa A casa de Madame de Stael em
melancholia crepuscular as doces Coppet, onde ella reunia com uma
illusôes e as doiradas chimeras hospitalidade magnificente todos os
sempre evocadas pela psycose fe­ homens de espirito do seu tempo,
bril da adolescência, a mulher ho­ era o mais perfeito modello de ad­
nesta, a quem falhou o amor de ministração economica e d’ordem
esposa e a quem falhou o amor de domestica.
mãe, não tem em torno de si, no
meio da indifferença banal ou im­ Despoetisar a vida é entristecel-
becil da vida pratica, tão medo­ a de uma maneira criminosa. Ha
nhamente materialisada em nossos frontes por esse mundo em torno
dias. senão dois refúgios do cora­ das quaes se expande como que
ção compativeis com a dignidade uma aureola de sacrosanta semsa-
e com a altivez do caracter: ou a boria.
religião ou a arte. Tanto uma pro­ Allega-se que são inoffensivas
cede da bohemia como procede a essas creaturas. Pois sim, mas por
outra. toda a parte que passam — assim
A arte e a religião são dois idên­ como 0 moschus moschiferus de
ticos fitos do ideal humano, são Linneu exhala o cheiro do almiscar
duas expressões analogas do amor — exhalam ellas e tedio, o despego,
divino. u fastio de viver. E ao seu bafo
O que se sabe da vida das mu- esterilisante, sobre o seu caminho
19Ö A M ensageira

na terra, lentamente e impercepti- mulheres que, pela graça e pela


velmente se vão desfolhando, pé­ cultura do seu espirito, tão despre-
tala a pétala, as flores de que se miadamente contribuem para de­
compunha a coroa da nossa vida. senvolver, para eleganciar, para
Quanto se não deve, para com­ enobrecer a vida intellectual de
pensar esse flagelle social, ás raras um povo ! R amalho O rtigÃo

'incêndio
o in cên d io com eçou . D e coivara em coivara
A labareda augm enta e corre mais dep ressa,
F u ran do o capoeirão, estourando a taquara,
E m rolos levantando ao ar fum aça expessa;

Na caverna asphixiada os dentes range a irara,


T u d o fog e da matta, e, o in cên d io não c e s s a . . .
A s aves vão-se em bora, e a in carniçada vara
D e bravos caetitús a disparar com eça.

A labareda ulula e lam be (com o um lo b o


D e v o ra n d o um cord eiro) a m atta e a capoeira
E augm entando-se am eaça a destru ição d o G lo b o !

C om o rou ca roqu eira o ced ro rou ca e tom ba.


R o la n d o em cin za e p ó, e, levantando a poeira
M ais alto que n o ocea n o a m aritim a trom b a !
fX V I I I das »C am pesinas») J u n io P restes

üma expressão de bondade, in-


^(o Calvario
definivel, paira nos olhos de Je­
0 sol dardeja a sua luz mórbida sus, fitos em Magdalena que soluça,
e causticante sobre a cupula dos abraçada ao trágico madeiro.
templos de Jerusalem, a cidade 0 silencio acabrunhante da na­
santa. tureza, 6 turbado apenas pelo so­
No cimo do Cahario desenrolam- luçar pungente da peccadora arre­
se as peripecias do terrivel drama. pendida, e pelas risadas grosseiras
A M ensageira 199

dos guardas, que jogam aos dados ceára a extranha scena, fitou a
a tunica do Nazareno. phisionomia divinamente calma do
Subitamente, porém, a terra mer­ grande mestre, e pensativo mur­
gulha em trevas. murou; — Yerdadeiramente, elle
Um pavor indizivel invade cora­ era 0 filho de Deus.
ções inaccessiveis ao medo. S. Paulo, 30— 10— 99
O clarão omnipotente da verdade, R icardo M. G onçalves
penetra nos espiritos.
A aza do remorso começa a ade­
jar sobre as consciências.

Trez horas decorrem assim.


Kotas pequenas
De um lado a natureza vestindo- 0 Jornal do Commercio nas suas
se de trevas para assistir ao mo­ interessantíssimas Notas de Sden-
mento supremo do grande martyr. cia nos dá esta noticia, sobremodo
Do outro a celestial mansão tra­ honrosa para 0 sexo frágil:
jando-se de galas para acolher 0 «A exemplo do que foi feito com
tilho de Deus. successo nos Estados Unidos, con-
Trez horas longas como 0 es­ íia-se com toda a boa vontade ás
paço que separa a morte da vida. senhoras os lugares de bibliotheca-
Trez horas durante as quaes 0 rias e até hoje não ha motivos de
Christo esvasia, gotta por gotta, 0 arrependimento; concorrem para 0
calice da amargura. bom desempenho de seus cargos
Trez horas de acerbas e cru­ suas qualidades de ordem e de ap­
ciantes dores. tidão ás posições sedentárias.
Finalmente a morte chega. Assim, ha vinte annos, segun­
Jesus eleva os olhos para os cens, do relata a Revista Municipal, se­
e n’uma voz profundamento serena, nhoras occupam esta posição em
exclama: Pai, recebe 0 meu espi­ Bristol e em Manchester, contando
rito ... 35 empregadas na primeira cidade
A terra estremece convulsiva­ e 80 na segunda. Em 1892 , 18
mente, partem-se os rochedos co­ bibliothecas na Inglaterra e Escossia
mo se tossem tocados pelos mar- üccupavão senhoras para este tra­
tellos de muitos cyclopes, o firma­ balho. Actualmente estes algaids-
mento negro como a consciência mos augmentarão. Achão-se actual­
de Judas, abre-se de meio a meio. mente senhoras empregadas em 81
Um centurião que n’aquelle ins- bibliothecas, figurando 44 dellas
ante ali se achava, e que presen- como bibliothecarias.
200 A M ensageira

Já se vê que no Velho Mundo tavel artista que é uma gloria na­


e parte do novo a mulher vai con­ cional e da qual tão justamente se
quistando terreno no exercito das ufana o Estado de S. Paulo.
profissões. » Por absoluta falta de espaço e
A Educadora. Optimamente im­ de tempo, nada mais podemos acres­
presso e com excellentes trabalhos centar sobre o auctor do Descanço
literários está o primeiro numero do Modelo, Partida da Monção e
da Educadora^ album de sciencias, outras encantadoras telas.
letras e artes, publicado pela Com­ A Arte Nacional está de luto !
panhia de Seguros que lhe dá o
titulo. Na sua primeira pagina vem
estampado um bom retrato de Va-
lentim Magalhães e traz ainda os
retratos de João de Deus, Dreyfus, Vi Mensageira
seu advogado Demange e Emilio A nossa modesta tenda de tra­
Zola, além de gravuras represen­ balho foi honrada com a fidalga
tando a Allegoria da Civilisação visita da Mensageira, magnifica re­
e a Batalha de Campo - Grande, vista litteraria que se publica em
de Pedro Américo. S. Paulo, sob a direcção da distin-
Como orgam de propaganda da cta escriptora d’ Presciliana Duarte
Companhia, não podia a Educa­ de Almeida.
dora encontrar melhor preconicio 0 numero 3 3 , que temos á vis­
do que a publicação deste pensa­ ta, traz magníficas producções em
mento do devotado amigo das cri­ prosa e verso, assignados na maior
anças Dr. Menezes Vieira: «E du­ parte por talentosas senhoras, as-
cadora é realmente essa Compa­ saz conhecidas no mundo littera-
nhia, porque procura desenvolver rio.
no povo brazileiro uma grande e A Mensaaeira se destina á de
fecunda virtude — a economia.» feza dos interesses da mulher e,
Almeida Junior. A ' ultima hora, dizemol-o com satisfação, está per-
depois de feita a paginação de.sta feitamente na altura da sua vin-
revista, fomos dolorosamente sur- gente tarefa.
prehendidas com a tristíssima no­ Ha-de, pois fazer rapida car­
ticia do assassinato do grande pin­ reira, 6 isso justamente o que lhe
tor brazileiro Almeida Junior, á 18 desejamos.
do andante, no Rio das Pedras. (Do Popular, de Pinicicaba.)
Indizivel a nossa magua ao ver
desaparecer dentre os vivos o no-
São Paulo 15 de Dezembro de 1899 Anno II, N. 35

 MENSAGEIRA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Directora — Prescíliana Duarte de Almeida

Publica-se no dia 15 de cada mez


P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m e r o a v u ls o
a d ia n ta d o E n d e re ço : R u a de S ta . Iphigenia, N , 57, Rs. 1 $ 0 0 0

Summario: — Direitos da mulher; — ceitos, fundamentava em razões do


Almeida Junior, poesia, Perpetua do Val­
mais logico liberalismo a compe­
le ; — Passarinhos, poesia, Zalina Rolim ;
— A solidariedade feminina, Potonié Pier­
tência da mulher para o desempe­
re; — Traducção de uma ode de Sapho, nho dessa funcção social e logo
Silvio de Almeida ; — Soneto, Aurea depois, no Tribunal Civil e Crimi­
Pires ; — A legenda da rosa branca, nal, a mesma doutrina encontrou
conto, Pelayo Serrano; — A ’ memoria
na maioria de seus membros com­
de Almeida Junior, soneto, Trajano Pires;
pleta approvação. Esse duplo re­
— Selecção ; — A ’ minha mulher, poesia,
Martins Junior; — Storia breve, poesia, conhecimento do direito da mulher
C. Bruneto; — Notas pequenas. a competir com o homem em novo
ramo de actividade pareceu a toda
gente a consagração definitiva da
2)ireitos da Mulher sua capacidade para mais essa for­
A decisão tomada aute-hontem ma de concurrencia. Se alguma
no Tribunal do Jury pelo Ur. Mon­ surpresa podia surgir em tal mate­
tenegro, negando a uma senhora di­ ria, depois da confirmada delibera­
plomada 0 direito de defender um ção, era a do voto em contrario
réo, mostra a necessidade indecli­ formulado pelo Dr. Montenegro.
nável do pronunciamento do Con­ Diante do desaccordo, que pre­
gresso sobre o assumpto. Na cor­ tende firmar-se em disposições cons-
poração dos magistrados ha espiri- titucionaes, ficam em situação irre­
tos favoráveis ao exercicio da ad­ gular e penosa as senhoras diplo­
vocacia pela mulher, e ha outros madas, por não saberem ao certo
contrários a semelhante concessão, qual 0 magistrado que presidirá ao
de modo que, conforme o juiz, ellas julgamento da causa, cujo patroci-
podem ou não defender um accu- nio lhes pretendem confiar e se
sado. Ha pouco tempo, o ür. Vi­ portanto valerá a pena o estudo
veiros de Castro, intelligencia lu- dos autos, 0 tempo empregado na
cidissima e emancipada de precon­ urdidura da defeza. Ora, se para
202 A M ensageira

as diplomadas tal incerteza é pre­ á mulher diplomada, é da maior


judicial, para o poder publico ella conveniência que o poder compe­
é verdadeiramente irrisória. tente avoque a questão e defina
Claro está que não pode ficar ao 0 critério por que ella no futuro
arbitrio dos juizes a opção por qual­ deva ser regulada. As evasivas,
quer das doutrinas, estabelecendo os adiamentos, só servirão para
assim no fôro local a confusão, o aggravar as difficuldades da situa­
hilariante desacerto de, ao mesmo ção e 0 grotesco que delia decorre,
tempo, conforme os magistrados, Até hoje, por uma inexplicável
vigorarem duas opiniões oppostas fraqueza, tem se furtado, por exem­
— uma avançada, outra rotineira; plo, o Congresso á interpretação
uma que permitte, outra que nega; do pensamento constitucional sobre
uma que considera um direito o a liberdade de profissão. Em dois
que a outra capitula de invasão. Estados já esse principio foi com-
Ainda hontem o nosso illustre col- prehendido na sua mais larga ac-
lega da Tribuna^ com quem quer cepção, dispensando-se os diplomas
a nossa boa estrella que a miudo para as funcçôes efficiaes, e este
nos encontremos na affirmação das modo de ver adoptado nas consti­
mesmas idéas, frisava esta anarchia tuições por que elles se regem, não
a que com urgência se deve pôr parece que servisse para augmen-
cobro. Cumpre ao Congresso en­ tar 0 numero dos charlatães nem
carar com firmeza a questão, em­ que lesasse, pela affluencia dos
bora á maioria dos seus membros competidores ignorantes, as corpo­
pareça inútil o debate, visto a cla­ rações em gozo de um titulo aca­
reza do dispositivo, como ainda na dêmico. Na séde da União os or-
ultima sessão se allegou a propo- gãos do poder mantêm as restric-
sito do projecto do senador Pires çôes á liberdade profissional, ape-
Ferreira. zar dos argumentos que contra esse
Que essa evidencia não é geral, proposito obstinado levantou o Dr.
demonstram-o o acto do Dr. Mon­ Viveiros de Castro em duas sen­
tenegro, 0 parecer do sub-procura- tenças admiráveis, onde a sciencia
dor Dr. Gabriel Ferreira, o protesto do direito rivaliza em intensidade
do Instituto dos advogados; e desde e brilho com o afervoramento das
que a duvida se manifesta tão am­ convicções liberaes.
plamente, tanto sobre a significa­ Por duas vezes o Congresso, con­
ção de um artigo do nosso estatuto vidado a pronunciar-se sobre a es-
básico, como sobre os fundamentos pecie, ladeou sophistícamente, até
do direito que se procura conceder na obrigação constitucional de re-
A M rnsagkika 203

gulamentar 0 assumpto e negon-se exercer a advocacia ó mais facil


ao debate pedido, com receio de de resolver que 0 da liberdade de
desgostar amigos, ferir conveniên­ profissão. Conti'a este militam gra­
cias de levantar uma ruidosa agi­ ves ponderações do segurança pu­
tação, de affrontar uma malta de blica, das quaes se serve 0 acade-
preconceitos. Não pensaram os micismo para dar á sua opposição
dignos representantes da Nação que um caracter de desinteresse, todo
as assembléas politicas só se ele­ de providencia bumanitaria. Con­
vam pelo desassombro com que ac- tra aquella peleja só 0 preconceito
ceitarn as responsabilidades do seu do sexo — preconceito, intolerân­
voto, pela audacia serena com que cia, exclusivismo — como melhor
sobrepõem ás mil e uma pequenas se queira qualificar essa insistência
contem porizaçôes da politicagem do homem, 011, antes, do bacharel,
quotidiana a resposta aos proble­ em negar á mulher a applicação
mas da nossa vida politica, econo- do que, sob 0 beneplácito da lei,
mica e social. ella conquistou pelo estudo. O Es­
A Constituição é clara — affir- tado abre as portas das suas aca­
mou-se; mas não se ficou sabendo demias á mulher, ensina-a, appro-
qual dentre os dois grupos litigan­ va-a, diploma-a, e com a conces­
tes estava com a verdade e com a são do titulo, não só a reconhece
lei, se era necessário ou não o di­ apta para uma certa profissão, co­
ploma para 0 exercido de deter­ mo a investe do direito de a exer­
minada profissão. E apezar de tal cer. E’ assim com as doutoradas
clareza, uns juizes continuam a ab­ em medicina, que só clinicam em
solver os que curam sem ser me­ virtude da autorização que 0 Esta­
dicos, fundados na amplitude do do lhes conferiu no momento que
artigo constitucional, e outros in­ as graduou. Nem se comprehende
sistem em condemnar os executo­ a liberdade de habilitação sem a li­
res do mesmo acto, em nome das berdade correspondente da funcção.
restricções do mesmo dispositivo da Não consta que os medicos cre-
lei basica. Contra esta pusilanimi- assem em qualquer ponto do mun­
dade, este commodismo, este temor do ás suas collegas entraves de al­
das soluções energicas, é que 0 Con­ cance igual ao que os bacharéis
gresso precisa reagir, na segurança levantam aos seus competidores fe­
de que, qualquer que seja 0 prin­ mininos, em nome do pudor, em
cipio adoptado, a sua firmeza será nome da legislação romana, em
mais benefica que a sua frouxidão. nome das ordenações do reino, ou­
O caso do direito da mulher a tras tantas mascaras da rotina, ou-
204 A M knsageika

tros tantos disfarces do preconceito. diplomada explica-se no facto de


— üma razão poderia calar — a ser quasi toda a gente, como já re­
da inferioridade intellectual da mu­ cordou um poeta, bacharel formado.
lher, e essa, prova-o a sciencia bio­ E’ mais do que uma classe, é uma
lógica qua não existe. Em mathe- legião; é talvez mais do que isso,
maticas, em medicina, nas sciencias é quasi a nação inteira. Em se­
naturaes, na astronomia, a mulher melhantes condições, a concurrencia
já deu testemunhos radiosos do seu é perigosa e sempre embaraçar-lhe
poder cerebral, e assim é que, na a marcha, revivendo os absurdos da
faculdade de Bolonha, a cadeira de intollerancia classica, as excepções
histologia está a cargo da illustre odiosas de um tempo em que a
Dra. Giuseppina Catani, como no mulher só sahia da submissão do­
Observatório de Paris é a Senhora mestica, da inferioridade imposta
Klumpke, Dra. em sciencias, a in­ pelas seitas á esposa, á mãi, á si­
cumbida de organizar as cartas do lenciosa e modesta flor do lar, para
céo, trabalhos que valem bem um dominar como cortezã pelo esplendor
arrazoamento de autos, ou a defesa da belleza e pelo requinte dos pec-
de um réo. cados. Essas prescripções, essas vio­
0 desvelo dos antigos doutores lências, esses absurdos, desfazem-se
da lei pelo recato das senhoras, cuja hoje á claridade da critica, sob a
candura querem poupar ás miséria rajada salutar das revelações con­
das paixões humanas, de certo não temporâneas, como um bolor sob
perdura, diante dos ensinamentos os raios do sol. 0 homem deve á
anatômicos dados a alumnas castis- mulher uma reparação secular e,
sima nas escolas e nos hospitaes- por felicidade delia, as leis que nós
0 que impede, então, que a mulher fizemos, amparam-lhe as exigências,
advogue, se o seu pundonor não sanccionam-lhe as nobres aspirações.
sofFre com essa honrada labutação,se Hoje, mais do que nunca, pe­
ella dispõe de intelligencia para as rante a lenta dissolução da familia,
argucias do debate, se ella conquis­ perante a onda mercantilista que
tou um diploma e este lhe garante nos invade e úlcera, substituindo
a profissão ? 0 que a lei não pro­ na structura social o amor pela
hibe, consente, e ninguém ha por fortuna, as mulheres pobres e in­
ahi que aponte o interdicto consti­ telligentes precisam garantir o lo-
tucional ao direito de advogar, igual» gar na existência pelo unico poder
na natureza, na origem, no caracter da sua actividade, do seu estudo,
e nos efifeitos, ao direito de curar. do seu valor. Demais a mais, as
A guerra do bacharel á mulher leis, como a razão, acham-se ao
A M ensageira 205

seu lado. Respeitemo-lhes a digni- baixarem e perderem, o Congres-


dade, 0 esforço, 0 sagrado instincto so affirmará 0 direito da igualdade
da independencia. E segreda-nos 0 na profissão, salvando-a e engran-
coração que contra 0 carrancismo decendo-a.
das ordenações, evocadas para a re-

ílílmeida Junior
o p in ce l pegava, ao coração descia,
D e palheta em pu n ho, e aprim orava telas
C heias de verdade, cheias de poesia,
O n de a lu z m ostrava gradações tão bellasl

E aos assum ptos pátrios reportan d o a mente,


C om o C arlos G om es ou com o Alencar,
O B razil pintava deslum brantem ente.
F azen do-n os mais a nossa Patria a m a r. . .

P erpetua do V alle .

passarinhos
(Versos para crianças)

U m g ra cioso casalinho T u d o o parzinho açodado


D e m odesto parecer. C olhe aqui, rebusca alem :
H a dias v e io o seu n inho « — Pió, pió, p i o ... olha, que achado I
Nas m inhas fiôres tecer. — Pio, p io, p i o ... procu ra bem i

T rabalham horas a fio N o b iq u in h o bem segura


A m bos com g eito e amor, A sua carga gentü.
E a con stru cçã o avalio D e aventura em aventura
B on ita co m o uma flôr. E rguem o v ô o subtil.

M ateriaes são folhinhas, E é tão calm o e tão b on ito


Pennas, flo cco s de algodão. O seu pequ en in o lar
R aizes, m usgo, palhinhas, Q ue in v ejo ser passarito
C abellos soltos n o ch ão . . . E lá com elles morar.
Z alina R olim
2o 6 A M ensageira

Oh! quanto desejaríamos que a


A Solidariedade Feminina
mulher pudesse defender-se sem já-
(Iradticçào de Josephina Alvares do mais atacar, casar ella pelo dever
Azevedo)
a moderação com o direito, a jus­
Quando sentimos a necessidade tiça com a energia.
de fallar em solidariedade, ao nosso A humanidade não é má, é an­
espirito se apresenta um vasto en­ tes soffredora.
semble de seres unidos. Nos vemos A sociedade 6 fraca, porque as
um todo social que encerra os mes­ rodas do carro sobre que anda são
mos interesses, que apresenta as tortas e quebradas, a educação é
mesmas paixões, e, não distinguin­ mal feita, a existência é um com­
do mais na multidão as masculas bate contra a miséria, porque o di­
cabeças viris, das delicadas cabeças reito da força é que lhe servio de
femininas, sentimo-nos tentadas a base.
exclamar com transporte : « Com- Como fazer coraprehender aos in­
prehendeis emfim, uma vez que válidos da vida, aos forçados do
quereis ser felizes, o que é o to­ trabalho, aos gastos dos prazeres,
dos po 7' 7tm e nm por todos. que 0 interesse real do oppressor
Aqui devendo pois tratar da so­ se identifica com o do opprimido,
lidariedade feminina, ficamos quasi que a sociedade é um todo ao qual
attonitas diante de um absurdo que faltam partes e que corre o risco
se impõe ao nosso espirito. de desmoronar por falta de c o -
Os sexos são formados para se hesão ?
comprehenderem, se unirem, se Como convencel-os de que quan­
completarem, se auxiliarem, e nós to mais trabalhadores existirem na
vimos dizer: « Mulheres, ligai-vos vasta colmêa social, mais intelligen-
contra a má vontade masculina, cias no cadinho humano, tanto
tecei com as vossas mãos captivas mais também o nivel do bem es­
uma cadeia de união que triumphe tar e de progresso se elevará?
dos obstáculos amontoados ante vos­ Pois que esses homens tapam os
sos passos, fazei de vossas intelli- ouvidos a verdades evidentes, pois
gencias uma alavanca que force as que temem a concurrencia onde
portas da sciencia, e das vossas não existiria mais do que associa­
vontades um instrumento irresistí­ ção, e repellem mãos e espiritos
vel nesta luta pela vida em que os levantados para elles, faz-se-nos
fortes disputam o terreno aos fra­ necessário comprohender que para
cos e aos novéis com ferocidade, vencer a sua obstinação, as mulhe­
com desespero, com villeza.» res devem substituir a força que
A M ensageira 207

existe entre os sens adversarios — bresahir toda obra feminina', toda


nós quereriamos dizer seus allia- iniciativa feminina, toda virtude e
dos — pela solidariedade entre si sciencia feminina; é para a socie­
no direito e esfo 7'ços e pelo esque­ dade inteira, para 0 advento da
cimento das pequenexm e das in ­ justiça na ordem social.
vejas mesquinhas. Uma vez que recusam acreditar
Primeiramente, uma cousa muito nesta equivalência da mulher, é pre­
simples: Que não se occultem logo ciso aíRrraal-a por meio de provas,
que estejam persuadidas que pre­ e apresentar essas provas em todas
cisam, por principio de justiça, de as occasiões aos olhos dos cégos
seu lugar á luz na sciencia e da que as negam.
igualdade de remuneração pelo tra­
Mulheres, uni-vos, não continu­
balho equivalente; que cessem, es­
eis a ser frivolas, malquerentes
posas, de ser timidas, mesmo quan­
entre vós, desconfiadas de tudo
do tenham de comprar ou 1er um
quanto emana de outra mulher,
jornal tratando de reivindicações
dispostas a ver as pequeninas cou-
femininas, que não tomem, para
sas com receio de serdes forçadas
fazel-o, um nome de empréstimo, e
á admiração das grandes cousas.
não occultem a seus maridos as
Cessae de considerar a belleza, 0
suas convicções. A propaganda de­
encanto, 0 espirito, 0 successo, a
ve começar por aquelles a quem
sciencia de uma companheira quasi
se ama, e a mentira é uma fraqueza
que como uma injuria para vós.
maior, quando, para encobrir uma
idéa justa, se procura enganar um Fazei-vos solidarias em tudo
outro ser que faz parte da nossa quanto exista em outra mulher de
vida bom e de bello, e da emulação
Tende a coragem das vossas opi­ amorosa e doce resultará 0 real
niões, qualquer que sejam os in­ valor que se aflfirmará, que se im-
convenientes que d’ahi possa re­ porá, que restabelecerá 0 nivel aba­
sultar. A luta santa é 0 começo lado das sociedades modernas, fa­
da sabedoria e da victoria. Não zendo brotar d’ahi uma sociedade
vos occulteis, portanto, repetimos, nova, em que os proprios homens
para dizer o que pensaes; fazei 0 não ousarão mostrar-se mais adver­
que dizeis. sarios das mulheres, em qu e a
Não é só para si que as mulhe­ igualdade se tornará causa natural
res trabalham, sustentando-se sem­ e em que uu^ véo de doçura e de
pre, atirando-se uma após outra na paz, emanando da natureza femi­
estrada do progresso, fazendo so- nina, tornará impossivel os costu-
2o 8 A M ensageira

m es ferozes, as guerras barbaras, um a solidariedade constante na c r u -


as lutas violentas. sada social, de que resulte a soli­
Para unir os d ois elem entos ho­ dariedade não fem inina, nem mas­
m em e m ulher não constituindo cu lin a tão p ou co, mas humana.
mais do que um só, allia i-vos em
PoTONiÉ P ierre

Storia breve
(De Ada Negri)

D irieis, vendo-a, um ideal de poeta,


tanto era m eiga e bella.
Sem pre em Candidas vestes en volvida;
no sem blante a q u ie tu d e ... E sp h in g e em vida
tal parecia ella.

A os flancos Ibe desciam negras com as;


d o seu riso lig eiro
evolava-se um m odu lo am oroso ;
tinha da estatua o m olde pim oroso
seu co rp o feiticeiro.

Am ou. N ão fo i amada. N o mais fundo


d o coração m aguado
sepu ltou desse affecto a cham m a intensa
e ninguém suspeitou-lhe a d o r im m ensa
do am or não revelado.

Mas a secreta cham m a a-con su m ia...


Com o a flor que fen ece
quando lhe falta o sol, triste, coitada,
ella m orreu I . . . N ão teve a dita amada
d o am or que a vida aquece.

C. B eunetto
A M ensageira 209

Traducçào de uma Ode de Sapho


H eureux celu i qui près de toi soupire,
Q ui sur lu i seul attire ces beaux yeux,
Ce d ou x a cce n t et ce tendre sourire!
n est égal aux dieux.

D e v ein e en v ein e une subtile flamme


Court dans m on sein sitôt que je te vois.
E t dans le trou b le ou s’égare m on âme
J e dem eure sans voix.

Je n ’entends plus ; un v oile est sur ma vue ;


Je rêve, et tom b e en de dou ces langueurs;
E t sans haleine, interdite, éperdue.
Je trem ble, je m e meurs.
D elillb

D ito so , sim, quem ju n to a ti suspira,


Q u em g osa as falas e sorrisos teus.
T eu s olh os m ira e nelles se r e m ir a . . .
P o is esse é com o um deus!

Cham m a su btil m e abraza veia a veia,


Q uando te avisto, e vae-me ao cora çã o;
E tão torvada fic o que m e enleia
 v oz a com m oção.

Não o u ço nada, nem mais nada vejo,


E sonho, num d eliqu io de lan gor;
Pasm a e perdida, suffocada a r q u e jo ...
T rem o e m orro de am or!
23 — X I — 99.
S i l v i o d b A l m b id a
2 10 A M ensageira

Roberto se tornava já um for­


A legenda da rosa branca ( ‘ ) moso mancebo, em cujo semblante,
resplandeciam os nobres traços do
E’ uma terna e commovente le­
conde e em cuja alma brilhavam
genda da nevoenta Bretanha, que
as mesmas bondades do coração.
vou contar, legenda que mantem
viva fé nos milagres entre os cam- Adorava a sua mãe com um ca­
poneos d’aquelle paiz. rinho sem limites, e rendia aos céos
quotidianas graças pela dupla simi-
Ihança do filho com o chorado ma­
0 conde Senil, o mais amado rido e pae. Um dia, porém adoe­
dos fidalgos do cantão pela nobre­ ceu Roberto. Com que terna so­
za de seus sentimentos, tinha par­ licitude tratou-o sua mãe ! Os
tido para a Palestina, em defeza da
melhores medicos debalde foram
Cruz e da Terra Santa, deixando a chamados, e nenhum conseguia dar
triste esposa no solitário e grande melhoras ao moço, que ia morrer
castello.
sem remedio, lanceando também
Roberto, seu filho, terno infante 0 coração da pobre mãe, com aquel-
que ia crescendo no exemplo da la perda que lhe fazia transbordar
virtude paterna, era o unico con­ 0 calice de suas amarguras e ter­
solo e prazer da condessa. Mor­ minaria por leval-a ao tumulo. Uma
rendo, porém, junto ás portas de tarde, quando já quasi agonisava o
Jerusalem, o valoroso conde, desde mancebo, sahio do quarto do filho
então no solar só dominou a ma- a desolada Bertha; banhada em la­
gua e fugio para sempre a alegria grimas atravessou o jardim do cas­
do castello e seus arredores. Ber­ tello e se internou num escuro bos­
tha, a desolada viuva, recebeu o que. Ahi, ao pé de uma frondosa
golpe, resignada, porque santa era nogueira, ajoelhou-se para elevar á
a causa pela qual morrera pele­ Virgem suas doridas preces, re-
jando 0 esposo; e de então por sando o rosário. Ao chegar no pio
deante com mais desvelo e afinco exercicio a esta doce invocação de
viveu pela educação do filho e pelo Rosa mystica, ora pro nobis! sur-
bem estar de seus vassallos. gio(*) por entre as frondes do ar­
voredo, no fundo do tronco, a Vir­
(') T ra d u zid o para A Mensagaira
da revista ch ilen a iUustrada El Bucaro gem. Maria, magestosa e divina, cir-
Santiaguino, n.o 18, de ou tu b ro 1899, cumdada de uma aureola de luz ten-
sen d o o artigo da lavra de Clem ente
B arahona V ega, qu e o tirou de seu
trabalh o in éd ito — El libro de Ias C) S eg u n d o narra M ery Ferry.
Rosas. N. d o Trad. (Nota do Autor)
A M ensageira 21 I

do em sua dextra uma rosa bran­ lar uma chorosa menina pedir á
ca: « Escuta, disso a Bertlui, põe Bertha que lhe desse a rosa bran­
esta rosa em um vaso, conserva-a ca como talisman de salvação para
sempre viçosa, e teu filho recobrará sua mãe que ia morrer. A con­
a saude». dessa sustentou uma lueta cruel
Logo após se desfez a radiosa entre seus sentimentos de piedade
apparição, e nas mãos de Bertha maternal e a compaixão que lhe
ficou uma bella rosa branca. Vol­ inspirava a rapariguinha. Afinal,
veu num folego a aílicta mãe ao sobrepujou em seu peito a commi-
aposento, onde jazia o fiho amado. seração do proximo e entregou-lhe
a rosa, emquanto, indo deante do
Servos fieis, junto ao leito do
altar de Maria, ahi exclamava de
doente, soluçavam, na crença de
joelhos: Oh! Virgem Mãe, perdoa
que para este chegára o momen­
a minha desobediencia e conserva
to final. Bertha, de volta e debru­
a vida de meu filho! No mesmo
çada aos pés do filho, exclamou^
instante appareceu-lhe um anjo e
deixando trahir na voz a dôr e o
lhe annunciou que Roberto teria
gôso : «Roberto, tu vais sarar ! A
vida longa e feliz, em prêmio de
Virgem m’o prometteii, e deu-me
tão bellissima acção.
por signal esta rosa branca! Des­
No mesmo sitio da apparição da
perta para a vida, filho meu!» En­
Virgem, (diz um chronista), a con­
tão, Roberto abriu os olhos, seu
dessa Bertha fez erigir um mos­
peito cessou de arquejar, um sor­
teiro, que conservou o nome de
riso se desatou de seus mirrados
«mosteiro da Rosa Branca», até
lábios!
que as hordas dos soldados de Ho­
Poucos dias depois estava resta­
che, nos tempos da Convenção, era
belecido por completo da enfermi­
França, o arrazaram.
dade, e voltava a repartir esmolas
Não contente cora essa prova de
com os pobres do seu cantão.
piedade, a condessa, a partir do
inesquecível dia da graça, mandou
Bertha jamais deixava de cuidar esculpir no centro do escudo dos
da flor com o mesmo requintado Senil, por entre as armas e insi-
esmero, tal como si o filho ainda gneas condaes, uma rosa branca,
se achasse em perigo. e ao pé desta, á guisa de.mote,
A virtude prodigiosa da flor e a invocacão poderosa da ladainha
as domais circmnstancias do mila­ christã : « Rosa mystica, ora pro
gre, circularam por muitas léguas nobis !»
em redor. Uma tarde, veio ao so­
212 A M ensageira

A partir do seculo 12 até nós, rosa supplica, põem junto á cama


a tradicção perpetuou de paes a do enfermo uma rosa branca, espe­
filhos no meio simples dos campo- rançados em que se repita o mi­
neos da Bretanha, a poetica legen­ lagre . ..
da ; e quando alguera está mori­
C idade de M inas, 1 1 n ov em bro 1899
bundo, os parentes, depois de ele­
varem á Mãe de Deus uma fervo­ P elayo S errano

í^lmeida Junior
(A ’ memória do distincto artista.)

A rtista I A luz d o g en io não se apaga,


E não tem entre nós sorte illusoria.
Assim n os m ostra o Pantheon da H istoria
Q u ando das A rtes o fu lgor propaga.

N esse mar ideal, de vaga em vaga.


Corre teu nom e á L u z dessa m em ória,
Q ue leva o g en io á fulgurante G loria,
A correr, a voar de plaga em plaga I

Jeovah, sem pre grande e indifinito,


Com suprem o saber, o mais profu n do,
n iu m in a esta massa d e gran ito ;

A o Im p é rio sublim e, e mais fecu n do.


E leva o g en io às raias d o infinito,
E transm itte d o g en io a luz ao m undo.

S. Joã o d ’E l R ey, 24 de N ovem b ro de 1899.

T ea ja n o P ib e s
A M knsageiea 213

exercicio, sem convivência, sem


5elecçào jogos, sem despreoccupações de
preconceitos, sem estudo bem or­
Illudimo-nos frequentemente a
denado, sem viagens, sem varie­
respeito de nós mesmas! Temos
dade, sem alegria, emfim!
força, e julgamo-nos fracas; temos
Essa tristeza e essa inércia, veem
coragem, e suppomo-nos medrosas!
do leite das amas negras, escravas
Dizem que somos débeis (e che­
e martyres silenciosas, ou crea-
gam a convencer-nos) porque so­
turas indifferentes e boçaes; veem
mos franzinas, ou porque somos
da falta de methodo, de actividade
pallidas, ou porque somos tristes!
physica; veem sobretudo da nossa
Não se lembram de que tudo isso
vida concentrada e excessivamente
6 effeito de uma educação mal
caseira.
feita, — contra a qual devemos
reagir a bem de nossos filhos, — J dlia L opes de A lmeida

passada no interior da casa, sem (Livro das Noivos)

i^rimeira esperança
Q uem és tu, bran ca flor que resplandeces
Na som bria m ansão do m eu d estin o?
Serás ainda um a chim óra, um desses
F alsos en can tos de um fu lgor d ivin o ?!

F a lia ! ... P iedad e para o pequenino


Ser qu e te im plora em fervorosas p reces:
Si és um sonho, o teu brilh o diam antino
E sco n d e e foge, p orq u e m e e n lo u q u e c e s !

P orém tu brilhas ainda m a is! ... L igeira


E u m e a p p r o x im o ... e com o uma creança
V e n d o algum a teteia feiticeira.

E sten d o a mão, que tremula te alcança! ...


Não és um sonho, n ã o !... E ’s a prim eira
E talvez m inha ultim a esperançai

A u bba P ise s
19 6 — 99.

I í
214 A M ensageira

uma ideia, essa ideia certamente


minha mulher vae caminho da victoria.
Pensas que não te v e jo e estou fitando Advogada. — Perante o Tribu­
O teu olhar, que não me vê, porquanto nal do Commercio de Zurich (Suis-
N o olhar da nossa filha rei^ousando sa), advogou pela primeira vez o
M orre de en levo m aternal e santo.
mez p. p. a D.*"“ Mackensoth, for­
Ah ! qu e eu não possa m isturar aos raios mada em direito.
D o teu olhar m eus olh os annuviados, Instituto Feitosa. — 0 concei­
Para no mais suave dos desm aios tuado estabelecimento de ensino
P enderm os am bos m agnetisados.
que durante dez annos se manteve
— T u sob re a face da gen til creança neste estado, dando as mais bellas
Q ue é nossa cren ça, nosso am or e vida, provas de si, acaba de ser reaberto
E u sobre a curva gi-aciosa e mansa em Araras, a florescente cidade
D o seio que é o asylo meu, querida 1
tão notável pela salubridade de seu
R io, 4 de "Junho de 1899.
clima e por suas feiras periódicas.
M artins Junior 0 Instituto Feitosa, pela incon­
testável competência do seu dire­
ctor, 0 applaudido auctor da Grarn-
matica das Escolas e de Dua^
palavras sobre o ensÍ7io e e x -di­
Kotas pequenas rector do Gymnasio do Estado, -
está talhado para um futuro de
Direitos da mulher. — Contra o gloiias e de beneficio á mocidade.
iniquo procedimento do juiz que Almeida Junior. — Pelas des-
negou a palavra no Jury á D.’’“' cripçòes das folhas de Piracicaba
Maria Coelho, o Paix deu em edi­ sabe-se que as homenagens fúne­
torial 0 brilhante artigo que hoje bres prestadas a Almeida Junior
transcrevemos — Direitos da m u­ não tiveram precedente igual na-
lher e que pela largueza de vistas quella cidade, tal a imponência de
e justiça de conceitos dispensa qual­ que se revestiu o seu enterro, ao
quer outro commentario de nossa qual compareceram todas as pes­
parte. soas gradas do lugar, diversas so­
Damos francos applausos ao va­ ciedades e escolas incorporadas,
lente diário e fazemos votos para com os seus estandartes. Gamara
que 0 Congresso brazileiro saiba Municipal, a expensas da qual se
agora cumprir o seu dever. Quan­ fez 0 enterro, e todas as acutorida-
do uma folha da irnportancia mo­ des locaes. Grande numero de gri­
ral do Paix se colloca a frente de naldas adornavam o feretro e no
A M ensageira 215

cemiterio usou da palavra 0 Dr. Agréez, Madame, mes salutations


Antonio de Moraes Barros, depu­ sincères.»
tado estadoal. D r . A letta H. J acobs

Pelo habil retratista J. Pasque- Esta TOissiva vein acompanhada


nucci foi retratado no escriptorio de uma circular explicativa, da
do Popular, onde se achava es- qual destacamos este trecho :
posto, O cadaver do festejado ar­ « II est convenu avec les dona­
tista. ïambem foi tirado 0 seu teurs que la collection de jour­
busto ein gesso por um esculptor naux dévoués aux intérêts de la
italiano que se achava em Piraci­ femme, de l’exposition d’industries
caba trabalhando nas obras da féminines à la Haye, sera envoyée
Igreja da Assumpção. à l’Exposition Universelle de Paris
l’année prochaine. Cette collection,
A literatura feminista na expo­
à peu près doublée depuis, y sera
sição de 1900. — E ’ -com desvaneci­
mento que registramos 0 honroso adressée avec une bibliothèque de
pedido que nos dirigiu de Amster­ plus de trois mille ouvrages sur
dam a illustre Dra. Aletta H. Ja­ la condition sociale (morale, indus­
cobs solicitando a collecção da trielle et légale) de la femme.
Mensageira para figurar na expo- L’intention est d’exposer une
collection de littérature dont l’en­
posição de Paris em 1900 . Eis a
carta com que fomos distinguidas : semble donne une idée qui ne
soit pas trop imparfaite du mou­
Amsterdam, le 29. nov. 99. vement féministe dans les diffé­
rents pays pendant la seconde moi­
Chère Madame,
tié de ce siècle et d’en publier
Dans la Fronde du 13 juillet un catalogue spécial.»
j ’ai lu que vous dirigez un jour­ Concerto historico. — No salão
nal, nommé «A Mensageira». Je Steinnway, a 18 do corrente, foi
vous envoie un de mes circulaires; executado 0 4 3 .° concerto historico,
vous y verrez mon intention. Je da Escola de Musica, do habil prof.
vous serais bien obligée si vous Luigi Chiaffarelli, que, segundo 0
voudriez avoir la bonté de m’ en­ costume, explicou antes da execu­
voyer une collection complète de ção O sentido das peças, dando no­
votre «Mensageira» ; le journal tro- ticia biographica de auctores, etc.
vera une bonne place parmi les Foi 0 concerto executado pela in­
autres journaux e sera envoyé á telligente menina Antonietta Rudge,
l’exposition universelle de Paris 1' a prodigiosa criança que desde os
année prochaine. 7 annos de idade colhe applauses
2 l6 A M knsagkira

e ganha sympathias na Paulicéa. A simples e ligeira leitura, que


No programma figuraram os nomes fizemos da Carta do Rio, inserta
de J. S. Bach, Bethoven, Mendels­ em duas correctissimas paginas, e
sohn, Brahns, Martini e outros. O assignada por Maria Clara da Cu­
salão esteve repleto de apreciado­ nha Santos, traz-nos a convicção
res, tendo sido a executante mui­ de que a mulher brasileira pre­
tíssimo applaudida.
para-se para a sua prospera e al­
Carta do Rio. — Os leitores da mejada emancipação.
Mensageira que se consolem com
Agradecemos a gentileza da visi­
a falta daquella risonha e apreciada
ta e permutaremos com satisfação.
chronica. Maria Clara, a nossa in­
(Do Município, de Lorena.)
cansável collaboradora, não a es­
«A Mensageiras. Distinguiu-nos
creveu devido a ligeiros incommo-
com a gentileza de sua visita esta
dos de saude.
esplendida revista mensal, que se
edita na capital de S. Paulo.
Dirigida pela insigne competên­
cia litteraria da exma. sra. d. Pres­
ciliana Duarte de Almeida e col-
Mensageira laborada por distinctissimas escri­
ptoras nacionaes, A Mensageira
»A Mensageira^>. Visitou-nos
põe em alto e singular relevo a
pela primeira vez a excellente re­
capacidade intellectual da mulher
vista cujo titulo encima estas- li­
brazileira, a quem é dedicada.
nhas e que se dedica á mulher bra­
Os numeros 30 e 3 1 , que te­
sileira, brilhantemente dirigida por
mos em mãos, são opulentos es­
d, Presciliana Duarte de Almeida»
crínios de inestimáveis joias litte-
uma das nossas mais apreciadas
rarias; do primeiro destacamos um
escriptoras, que innumeras vezes
burilado soneto de Cândido de Car­
tem visto 0 seu digno nome rodea­
valho, e do segundo, o valioso e
do de merecidos applausos e de
substancial artigo — A Mulher do
sincera admiração.
Futuro, firmado pela eminente es-
Traz magniíicos artigos littera-
criptora portugueza d. Maria Ama­
rios, poesias e algumas notas, por
lia Vaz de Carvalho.
onde pudemos nos certificar que
A ’ encantadora e gentilíssima
A Mensageira é redigida por se­
collega nossas cordiaes felicitações.
nhoras talentosas, distinctas culto­
(D o Estado de Sergipe, de Aracajú.)
ras das lettras e illustradas jor­
nalistas.
São Paulo 15 de Janeiro de 1900 Anno II, N. 36

A MENSAGEIÍ lA
Revista literaria dedicada á mulher brazileira
Direstora — Presciliana Duarte de Almeida

P u b lic a -s e no d ia 15 de cad a naez

P a g a m e n to Preço da assignatura, 12$000 por anno N u m e r o a v u lso


a d ia n ta d o E n d e re ç o : R ua de Sta. Iphigenia, N. 57. | Rs. 1 $ 0 0 0

S u m m ario: — Direitos da mulher; — blicaraos em nosso numero anterior.


Pagina intima, poesia, Arthur Andrade;
Para inserirmos hoje esse bellis-
— Hoje, soneto, Silvio de Almeida ; —
Perfil de preta, conto, Julia Lopes de simo artigo, ret,•ninado de grandes
Almeida ; — J’ai dit à ma plume, poesia, verdades e assertos moraes, foi-nos
Bellarmino Carneiro; — Rosa de Neve,
mister augmentnr nosso numero de
soneto, Aurea Pires; — Carta do Rio,
Maria Clara da Cunha Santos ; — Soneto, paginas, tal era a afíluencia de
Delminda Silveira ; — Barcarola, Ride- originaes de que dispúnhamos. Of-
lina Ferreira; — Tabella para o traçado
ferecernol-o ás nossas leitoras na
de curvas de nivel, apreciação, B. ; —
Cançoneta, Perce-neige; — Margarida, certeza de que será lido e relido
poesia, Benedicto Ribeiro; — Patria, com enthusiasmo crescente! E, em
2i8 A M ensageira

creada por alguns membros do Tri­ ciaes, das idéas de liberdade e dos
bunal Civil e Criminal a essa justa sentimentos depurados de justiça,
pretensão feminina, que sem a in­ aboliu-se o preconceito de casta.
tervenção do Congresso o proble­ Só 0 do sexo se mantém lutando
ma ficaria de pé, continuando a contra a eloquência das reivindi­
dualidade de opiniões, ao arbítrio cações femininas — já porque o
dos magistrados, com grave damno homem sente que a emancipação
para as partes interessadas e para da mulher o lesa nos seus interes­
a ordem e seriedade da justiça. ses egoistas, pela concurrencia em
Felizmente o Supremo Tribunal quasi todos os ramos da activida-
poz termo á questão, firmando dou­ de, e esta é a razão pratica, já
trina decisiva, que, para honra da porque elle se habituou, do longos
nossa cultura social, respeitou o séculos, a considerai-a como um
espirito da nossa Constituição, a ser inferior, incapaz de exercitar
corrente liberal da época, as idéas utilmente a sua liberdade, util só­
de emancipação da mulher, sujeita mente para os gosos do amor ou
ainda ao regirnen de subalternida­ para os misteres do lar, e esta é
de moral e legal, que, nem por ser a razão moral.
adoçado pela brandura dos nossos Lentamente a mulher destruiu a
costumes, perdeu o seu caracter falsa noção da sua inferioridade,
iniquo e jugo de oppressão. affirm ando, por provas numerosas
Para nós, brazileiros, deve cons­ e brilhantes, que em quasi todas
tituir um motivo de orgulho o as espheras de trabalho ella riva-
modo sereno, claro e breve, por lisa com 0 homem, iguala-o na as­
que se consagrou esse direito, que siduidade, no escrúpulo, no tino,
em quasi toda a parte do mundo na perfeição. As suas qualidades
é ainda objecto de debates renhi­ administrativas são inegualaveis,
dos, de campanhas intellectuaes ar­ trazendo para a gestão dos seus ne­
dentes, fundadas no mais arraiga­ gócios commerciaes, para o serviço
do, no mais intolerante e no mais de escriptorio ou de balcão, os pre­
absurdo dos preconceitos — o do ciosos hábitos de ordem, de eco­
sexo. A generalisação do livre nomia, de ari’anjo, adquiridos no
exame acabou com o preconceito governo domestico e que as tor­
religioso. Graças á victoria dos nam em muitas cidades e nas ca­
princípios democráticos, está por sas que uma vez recorreram aos
pouco a eliminrção total do pre­ seus préstimos, verdadeiramente in­
conceito de raça. Pela constante substituíveis. Nas industrias, a
infiltração, nas altas camadas so- cooperação da mulher ó tanto mais
A M ensageira 219

proveitosa quanto os patrões, em tos outros nomes illustres na litte-


geral, remuneram com salario in­ ratura e nas aites, como George
ferior 0 seu trabalho, tão regular Elliot, como Beecker Stowe, Ju­
e tão limpo como 0 do homem. liette Adam, Carmen Sylva ; como
Sobre a sua capacidade intellectual a pintora Rosa Bonheur, como a
fala mais alto do que 0 despeito esculptora Anna Whitmay, como a
dos tradicionalistas a longa série compositora Augusta Holmais, sem
de testemunhos que em todos os falar nas grandes tragicas e nas
ramos de arte e em todos os de­ grandes artistas de comedia e sein
partamentos do saber existem hoje, citar toda a enorme galeria de mu­
da sua aptidão esthetica, do seu lheres gloriosas, que no passado
senso critico, da sagacidade inves­ brilharam como eruditas, como es-
tigadora, da sua segurança de es­ criptoras.
tudo, do seu preparo profissional. A inferioridade que, era geral,
Quereis fazer uma idea justa do se attribue á mulher, ninguém a
que podem os braços da mulher? reconhece na sua mãi, na sua es­
Percorrei os campos europeus e posa, nas suas filhas. O exacto é
vêde 0 desembaraço, a energia com que essa affirm ação não se apoia
que ella se occupa dos encargos em fundamento sério, era uma ir-
da lavoura; visitai aqui as gran­ refragavel documentação biologica.
des fabricas de tecidos e repara- A questão do peso cerebral, sobre
rai no vigor corn que se applicam a qual já tanto se insistiu para
á faina e na pericia da sua exe­ provar essa inferioridade, que os
cução. Quereis avaliar 0 seu po­ factos absolutamente desmentem,
der cerebral? Folheai 0 livro in­ foi posta «le lado corno nada pro­
teressante do Dr. Faveau de Cour- vando desde que se começa a re­
tnelles e tomai nota dos nomes das parar que acima desta verificação
Sras. Christina Land, mathematica estava a da (jualidade de substan­
eminente ; das astrônomas Maria cia encephalica, tudo fazendo crer
Milhcell e Klumpke; de Guiseppi- hoje que não ha entre os dois da­
na Catani, celebre professora de dos a relação directa, admittida até
histologia; de Mme. Dèjénerine, ha pouco. Homens de intelligencia
autora de trabalhos notáveis sobre poderosa foram Byron e Gambetta,
hysteria e sobre 0 systema nervo­ e emquanto o peso cerebral do pri­
so ; das Dras. Kuck Mabai e Fre- meiro era de 2.000 grammas, 0 do
any Cana, medicas notáveis em segundo, celebre pela sua relativa
Bombaim ; de Mme. Clémence Ro­ leveza, não passava de 1.760 . Em
yer, philosopha distincta; de tan- compensação, 0 de alguns craneos
220 A M ensaokiua

troglodyticos erarn mais desenvol­ fronteiras da moral, o uso que bem


vidos do quo os nossos, o que faz entender da sua intelligencia e da
sorrir um pouco do caracter abso­ sua actividade, èmancipando-se da
luto que certos sábios quizeram dar tutela masculina, pelo trabalho e
á theoria da proporção entre o peso pelo estudo, de intervir, como é
do cerebro e o valor da intelligen- de justiça, em todos os assumptos
cia. A verdade c que a mulher que aífectam o seu bem estar, nas
deve á secular oppressão do ho­ relações affectivas ou nas relações
mem, privando-a do livre exercicio sociaes, no lar onde educa, na pro­
das suas faculdades, impedindo-lhe fissão que exerce, na cornmuna a
0 desenvolvimento de sua cultura, que pertence e para cuja prospe­
mantendo-a numa atrnosphera de ridade concoiTe com os sous filhos,
humildade, em que se atrophiam com 0 seu trabalho, com o seu im­
todo 0 espirito de iniciativa e de posto.
intervenção, esse typo de ligeireza, As conquistas lentas que a mu­
de frivolidade graciosa, pouco apto lher vai alcançando hão de, certo,
á acção, cheio de caprichos, encan­ modificar o caracter da familia, os
tadoramente volúvel, supprindo pela seus fundamentos, se quizerem:
intuição a falta de conhecimentos, mas essa alteração só prodiizirá
que 6 0 da maioria das mulheres effeitos beneficos, moralizal-a-ha
de hoje e que para os espiritos em vez de a corromper, dar-lhe-
burguezes parece ainda constituir ha força e segurança em vez de
0 caracter, a funcção, o destino na­ lhe tirar respeitabilidade e brilho.
tural do sexo. A mulher é hoje, apezar de todas
Foi 0 homem que assim a for­ as honras que a elevam, de todo
mou, incutindo-lhe o habito da de- 0 culto que a envolve, de todas
pendencia, collocando-a sempre sob as adorações que a festejam, um
a sua autoridade, convencendo-a ente de submissão, educada no de­
da sua inaptidão para tudo que sejo exclusivo de um bom marido
não fosse o serviço da casa e a que lhe garanta a existência quan­
criação da prole, suggerindo-lhe o do lhe faltar o desvelo paternal.
desgosto pelas que, rompendo com Esse marido é o seu futuro, é a
as convenções sociaes, pleiteiam, sua esperança, 6 a sua unica con­
pelo seu esforço proprio, um logar dição de conforto. Dada a sua
na vida. A mulher foi, pouco a inaptidão para a vida pratica, a
pouco, comprehendendo a injustiça indolência galante ein que foi crea-
dessa posição e 'reclamou o direito da, 0 desconhecimento completo do
de ser livre, de fazer, dentro das mundo, só elle a poupará á amar-
A M ensageira 221

gura de uma vida cheia de diffi- mais respeitáveis, mais fecundas do


culdades, de dias escuros, de serões que aqueUas em que hoje se es­
sem proveito, ou, o que é peior, teia, quasi todas de interesse pes­
de uni agazalho por caridade, essa soal e que são, para a maioria dos
dolorosa perspectiva de tanta moça homens, o desejo de fazer um bom
sem fortuna, creada pela idolatria negocio e para a maioria das mu­
dos paes, como se ella rcalmente lheres, a vantagem de se garanti­
a possuisse. Casada, a autoridade rem das incertezas do futuro.
do pae 6 substituida pela autori­ Recebidas ao principio entre ga­
dade marital, e embora a mulher lhofas, as reivindicações femininas
tenha o direito de exigir do es­ foram pouco a pouco calando na
poso 0 mesmo dever de fidelidade consciência de alguns homens es­
que lhe é imposto, a submissão em clarecidos e já não são em peque­
que ella vive força-a a acommo- no numero os projectos, que, ins­
dar-se com as preferencias que elle pirados por essa justa aspiração de
der a outras, e a simular ás vezes igualdade, mereceram a approvação
um amor, que a força de uma ul­ dos parlamentos e ficaram consa­
trajante indifforença, deixou de grados nas legislações dos paizes
florir na sua alma. A victoria civilizados. Na propiia França, on­
das justas reivindicações femininas de a campanha feminista foi pre­
habilital-a-ha a não ver no casa­ texto para as cargas mais gaulezas
mento a garantia do seu futuro, de pilhéria, encontra-se hoje, em
mas a communidade de dois cora­ jornaes de maior valimento, deci­
ções que nobremente enamorados dido apoio a favor de algumas das
um do outro, pela simples neces­ reclamações mais imperiosas, atten-
sidade do affecto se reunem para didas já na Inglaterra, na Suissa,
affrontar, com igual coragem e igual na Rússia e na Italia. E deve-se
independencia, o imprevisto da sor­ esperar que, antes de findar o sé­
te. De amparada e em muitos casos culo, a terceira Republica mostre
resignada, a mulher passará a ser, comprehender o espiiito adiantado
pelo uso acertado e proficuo da sua de Condorcet, que affirma depender
vocação e do seu esforço, uma real da perfeição social o reconhecimen­
companheira do homem, igual a elle, to da igualdade dos sexos. Fora
possuindo os mesmos direitos, a da França, porém, contra o (pie era
mesma autoiidado, a mesma auto­ licito esperar da terra da grande
nomia. Elevado assim o nivel moral revolução, ó ipie a campanha rei-
e intellectual da mulhei’, a familia vindicadora tem averbado no seu
assentará sobre bases mais dignas. activo admiráveis victorias.
222 A M ensageira

Na Dinamarca, a mulher dispõe Coube agora á Republica do Bra­


a seu arbitrio do producto do seu zil dar esse grande passo para
trabalho. Pela lei ingleza a mulher diante, franqueando serenamente á
pode exercer independentemente mulher, pelo orgão do Supremo
da autorização do marido qualquer Tribunal, interpreto das leis e guar­
ramo de industria e de coinmercio; da da sua constitucionalidade, mais
e na Russia 6-lhe licito administrar uma carreira, da qual fôra arre­
a sua fortuna pessoal, effectuando dada, obstinadamonte e iniquamen-
todas as operações de compra e te, pelo mais intolerante e dispara­
venda sem o beneplácito do espo­ tado dos preconceitos. Poucas se
so. Isto quanto ao direito civil. utilisarão desse direito, como raras
Sob 0 ponto de vista social cum­ se aproveitaram da faculdade de
pre registrar, entre outras, as no­ clinicar, ha tanto tempo reconhe­
meações de mulheres para func- cida; mas é altamente honroso para
ções de alta respon.sabilidade, como a nossa cultura e para o nosso
a de Mme. Catani, professora de sentimento de liberdade abrir mais
histologia na Faculdade de Medi­ essa porta sobre o trabalho, sobre
cina de Bolonha; como a de Mme. a consciência, sobre a vida, áquellas
Klumpke, encarregada da carta do que, possuidas do amor da inde-
céo, no observatorio de Paris; co­ peiulencia. confiantes mais no seu
mo a de Mme. Pockey Philipson. esforço do que na sua graça, pre­
de Berne, designada para o pri­ firam a segurança do uma profis­
meiro logar no «Indian Medical são laboriosa ao amparo de um
Department», como a Dra. Anita mai-ido, nem sempre leal, nem sem­
Nervaute Mac Gec, da Universi­ pre dedicado, nem sempre respei­
dade de Washington, encarregada tador. As nossas saudações, pois,
de servir na campanha hispano- ao Supremo Tribunal, pelo acto de
americana, como medico- auxiliar logica e de justiça com que se ele­
e mais tarde como medico logar- vou no conceito dos espiritos libe-
tenente. O direito a exercer a ad­ raes. sanccionando mais uma das
vocacia foi-lhes outorgado, em um nobres aspirações femininas — o
cantão da Suissa, na Roumania e na sagrado direito de fazer valer, no
Suécia, nos Estados Unidos, onde torneio das capacidades, a sua ener­
aliás ellas já alcançaram o ingresso gia e 0 valor da sua intelligencia.
no tabelionato e na magistratura.
A M ensageira 223

pagina intima
Foi aqui. Esta viride e fiondente Como um casal de enamoradas aves.
Laranjeira de curvos galhos grossos Ou c o m o d u a s Candidas cr e a n ç a s .
Foi nossa doce e muda confidente, Tu me fallavas nums mil nadas suaves,
Ouviu a historia dos amores nossos. Eu te beijava as desatadas tranças.

Era uma tarde de Setembro. As sombras E ao nosso lado, a velha laranjeira


Vinham baixando do pendor dos montes. Cheia de flores e de um ar de festa.
Havia muita rosa nas alfombras, Tinha essa graça leve e feiticeira
Muita doçura no gemer das fontes. Que a primavera ás arvores empresta.

Um céo de jaspe ; e sob o céo e pelas Seu tronco altivo, de nodosos flancos.
Altas zonas da aboboda azulina, Erguia aos céos a fronde verde-escura,
Vinham raiando as limpidas estrellas, Toda arraiada de corymbos brancos,
Vinha raiando a estrella vespertina. Toda ungida de seiva e de frescura.

As tardas aves, recortando os ares. Entre mil galas festivaes á vida


Acolhiam-se ás sombras penumbrosas. Tornara, do aureo sol aos quentes lumes:
Tangia o vento o leque dos palmares. A copa era uma abóbada florida.
Auras gemiam, suspiravam rosas . . . Cada rama era um cofre de perfumes.

Ao pé da matta o rio somnolento Tu no emtanto, ora a cupula estrellada


Beijava a riba solitaria e nua, Fitando, ora fitando a florea umbella
Emquanto alem, no curvo firmamento. Da laranjeira esplendida e copada.
Branca e serena despontava a lua. Tu me disseste, sorridente e bella:

Sobre alcatifas de frouxeis e flores. «Nosso amor, como esta arvore, risonho.
Dormitava, embalada, a primavera. De alegres flores viverá no meio . . .
Erravam no ar noctambulos odores. Será qual doce e luminoso sonho.
Sonhos erravam na deserta esphera. De eterna primavera sempre cheio.»

Foi nessa tarde languida e serena Passou-se o tempo. Decorreram annos.


Que o nosso amor á solidão confiamos, Com os annos mudou-se-nos a sorte.
Que eu e tu, minha pallida açucena. A nós — vieram sombrios desenganos,
Ao céo da tarde a vida comparamos. A ’ laranjeira — o enregelado norte.

Que instante aquelle! O mesmo enlevo terno Emtanto, o pobre tronco solitário,
Nos prendia no mesmo laço brando. Seceo, sem folhas, misero, sombrio.
Tu me jurando teu amor eterno. Si teve o inverno triste e funerário.
Eterno amor, formosa, eu te jurando. Teve empós o clarão de um novo estio.

Mas, nosso doce e puro amor de outróra.


Dês que o olvido o prendeu na garra adunca.
Só teve longa noite sem aurora.
Só teve inverno, primavera nunca.
Guariba, 11-99- A ethub A ndeade
224 A M ensageira

paciência. Regalou-se logo roçando


Koje as solas dos pés, queimadas pela
A lyra antiga que pulsei, pulsava areia da estrada descoberta, nas
Por tua causa apenas co m p e llid o ; trapoeirabas macias, onde florinhas
E saliia o m eu verso h u m id ecid o azues e roxas desabrochavam á
D as lagrim as ardentes qu e chorava.
sombra de canelleiras cheirosas e
H o je não clióro mais, nem a alma escrava de cada arvore, que Deus nos acuda !
D erram a agora o pranto já v ertid o; Tinha o seu medo de andar por
N ão te lancei, porém , d o m eu sentido.
alli; sempre era mais arriscado o
A m o-te mais até d o qu e te amava I
encontro de uma cobra que pela
E ’ que m e alenta o teu amor, senhora, estrada. Mas o frescor do matto,
Q ue eu não suppunha que te m erecia 0 marulhar do rio limpido, tenta­
N aquelles tem pos infantis de outrora. vam-na; e foi andando. E tinha
E , si não fa ço os versos que fazia, que andar, porque a freguezia de
E ’ p o rq u e tenho nesse am or agora S. Nicolau ainda era d’alli a um
O q u e dantes b u sq u ei na phantasial bom quarto de légua, e depois de
S in v io DE A lmeida ter ofierecido os beijús em nome
da ama, á sua irmã D. Luiza, teria
de voltar á situação antes do pôr
do sol.
Com aquelle ca lor...
perfil de preta 0 cheiro agreste dos cambarás
G ilda
punha tontas as borboletas côr de
palha. De repente a agua do rio
Suruhy : sol de rachar. A ’s onze repuxou alto; Gilda parou; nada
horas, pela estrada quente, mal som­ Cantou um jacú no matto e calou-
breada por uma ou outra gamelleira, se logo, como presentindo gente.
vinha a negra Gilda da situação A agua voltara á placida corren­
Fonseca, com a cesta de vime car- teza de quem não encontra estor­
regadinha de beijús agasalhados na vos no caminho.
toalha recortada á mão por sua se­ Gilda retardava os passos, e já
nhora, D. Ricarda Maria.
não deixava de sondar, com o olhar
A pelle preta não desgosta do afteito, as aguas molles. Subito,
sol ; mas era tão ardente esse de numa clareira pequena, onde ha­
Dezembro, que a Gilda, suando em via mais sol, divisou juncto á mar­
bica, metteu-se pelo primeiro ata­ gem, dorminhoco e socegado, um
lho para o matto até á margem do grande peixe. A pelle escura do
rio. 0 caminho seria mais longe. animal luzia dentro da agua colo-
A M knsagkika 225

rida de roxo pela capa florida de heroísmo de quem ama a vida e


um frondoso pé de Quaresma, como quer gosal-a, mais, mais, muito
uma espada, enferrujada nos copos. mais !
A agua arroxada e tremula, colo­ Gilda sorria-se, deixando-o de­
ria-o de lapidações de arnethistas bater-se, deliciada com aquella ago­
e elle dormia a sesta, de olhos nia longa, nervosa, saboreando-a,
abertos, ventre rodando na areia. no prazer selvagem do mais forte.
Gilda pousou a cêsta no chão, en­ O triumpho da sua força animal
talou a saia entre as pernas roli­ embriagava-a como os cheiros vio­
ças, e, pé ante pé, muito devaga­ lentos ás organisaçòes delicadas.
rinho, entrou no rio, agachou-se e, A tortura d’aquclle soôrimento pro­
zás! agarrou com as mãos ambas longou-se ; 0 animal era valente,
0 peixe gordo, que se debateu so- resistia ao ar seceo, ao sol arden­
bresaltado, violentamente, Jium re­ tíssimo, á dureza do chão, aos em­
buliço gorgülhador, alagando-a to­ bates nos espinhos que 0 espha-
da. Gilda, sentindo-o escorregar celavam, aos attrictos dos seixos
dentre os dedos musculosos, ati- escaldantes e dos tronquinhos sec-
rou-o longe, para uma aberta da cos do hervaçal. Pouco a pouco,
clareira, sobre um pouco de matto 0 cançaço ia-o amollecendo, um fio
carrasquento de roça abandonada. de sangue corria-lhe do ventre, e
O peixe arqueou-se todo em sal­ 0 corpo ficava por intervallos todo
tos, unindo 0 rabo á cabeça, numa estendido, batendo só com o rabo,
ondulação violenta, com ancia de convulsivamente, no chão áspero.
mergulhar de novo, no esforço de Depois nem um tremor mais ; que-
buscar a vida que lhe roubavam. dou-se immovel. Gilda então cui­
O .sol seccava-lhe a pelle lisa, que dou-o morto e acocorou-se para 0
brilhava á luz em reflexos de ar- vêr de perto, quando, em um ar­
düsia e prata, os olhos exorbita- ranco supremo, 0 peixe lhe saltou
vam-se-lhe redondos, de uma bran- por sobre a cabeça, relanceando
cuia opaca, dois globos foscos que um fulgor de aço no ar abafado
o fuior encandescia, e 0 corpo tor- e indo cahir em um baque nas
cia-se-lhe, ora no ar, ora no chão, trapoeirabas, quasi á beira do rio.
descrevendo curvas, um movimento Ouviu elle ainda 0 som molle das
incessante, batendo na terra quente, aguas correndo sobre areias frias,
paia, de um salto flexível de acro­ sentiu na pelle queimada 0 frescor
bata doido, atirar-se de. encontro das trapoeirabas brandas. . . mais
a um tronco espinhento de pai- um impulso e mergulharia na cor­
neira, sem se dar por vencido, no rente salvadora... Não pôde; a
22Ó A M knsageira

carne molle não lhe obedecia á a maior demora deveria ter sido
convulsão da vontade. na casa do João Romão, á beira
Gilda cortou uma taquara, las- da estrada, deitada na esteira, no
cou-a com força e, approximando- pomarzinho de tangerinas, d’aquel-
se, varou o peixe de guelra a guel­ las pequeninas, que tanto elle,
ra. Elle estrebuxou languidamen­ como ella, comiam com casca e
te, e a negra sorriu, empunhando tudo...
0 bambú, como uma lança de guerra João Romão cantava á viola e
sobre o corpo vencido de um ini­ trazia pelo beiço toda a crioulada
migo. da redondeza. Gilda amava-o e
Foi só depois de tudo consu­ mordia-se de ciúmes sempre que
mado que a Gilda se lembrou de 0 via lá no engenho de D. Ricarda
que tinha de entregar os beiiús Maria, mais voltado para a Paula
ainda quentinhos á irmã da sua ou para a Norberta do que para
senhora... Voltou-se; uma môsca ella. Elle levantava os hombros e
varejeira zumbia sobre a toalhinha ia dizendo que gostava de conten­
branca, em lampejos de metal azul. tar a toda a gente ...
Um gésto da negra, e eil-a que Pois era sol-posto, quando a Gil­
partiu. da divisou lá no outeiro, a egreja
Ueviam ser iioras de se ir en­ de S. Nicolau, com o seu raatto
caminhando para a freguezia de de limoeiros ao pé e as suas pa­
S. Nicolau do Paço . . . redes brancas alvejando em uma
Recomeçou a caminhada; apa­ tristeza de abandono . . .
nharia o peixe no regresso, mar­ Nem um badalar de sinos. Pom-
cou o sitio, e foi-se embora. bas-rolas voavam baixo, á procura
dos ninhos . . . mais alguns metros
e a Gilda entrou na primeira rua
da povoação. Apressou ó passo.
Que voltas teria dado a uegra 1). Luiza Maria andava do visita
por aípielles morros e aquellas var- a uma comadre; Gilda deixou-lhe
gens, que só ú tardinha entrou na a cesta de beijús, com a cosinhei-
freguezia, com a cesta de beijús, ra Sophia e gyrou sobre os cal-
que deveria entiegar (pientinhos, canhaies, pensando no teiror da
já muito desfalcada? estrada, pelo escui'o. Bem faria
Foi talvez no mandiocal de scfí se assim caminhasse setnpre; mas,
Neves, (juando esteve ouvindo as no canto, da praça viu gente ajun-
cantigas e vendo arrancar man­ tada na poiJa da venda e foi-se
dioca bonita, de lua n o v a ... Mão, chegando, curiosamente.
A M ensageira 227

Fallava-se do milagre. S. Nico- Foi andando, com 0 coração nas


lau, deposto do seu throno de hon­ mãos, e volvendo os olhos para to­
ra no altar niôr, fôra collocado irre- dos os lados. Luzia-lhe a espe­
verentemente no chão, eni baixo do rança de pedir pousada ao João
côro, para que alli lhe carminassem Romão: cortaria assim a peior parte
á vontade 0 rosto já desbotado e do caminho . ..
lhe assignalassem mais profunda- Por mal de seus peccados, a
mente os traços. Deixaram-no noite estava tão negra como a sua
nesse logar sósinho, sem lampada pelle, e um ventosinho agitava as
nem vigia por toda uma teia noite! ramagens, imitando vozes estrava-
D’ahi, que aconteceu? Na outra gantes.
madrugada 0 sacristão viu com os Passado 0 negrume do mandio-
seus olhos carnaes, que a terra cal do Neves, ao dobrar mesmo a
comeria, 0 Bom Senhor S. Nicolau estrada, no angulo onde de dia
do Paço, lá no alto do seu throno tanto se enchera de araçás, Gilda
condigno! Ninguém 0 removera; parou boquiaberta. Atravez do
0 santo tinha subido aquella fa­ rendilhado negro das galharias fo­
mosa altura, pelos seus proprios lhudas, ella viu luzes, grandes lu­
pés, que os não tinha de facto^ zes dansando lá na beira do rio...
visto que a túnica, de madeira
«S. Nicolau me valha!» suspi­
com douraduras e vernizes, des­
rou ella, sem poder andar, estar­
cia-lhe até ao chão . . .
recida.'
Gilda estremeceu, e antes de se­
«S. Nicolau valeu-lhe, fazendo-a
guir seu caminho voltou 0 olhar
reconhecer nas luzes, archotes de
esgazeado para 0 bosquesinho de
bagaço de canna seco, que allu-
limoeiros odorantes, para os lados
miavam 0 João Romão, a Norber-
da egreja.
ta e mais cinco parceiros, na pes­
Arrependia-se agora de não ter
caria do bagre amarello em tocas
vindo direitinha dar 0 seu recado,
de pedras frias.
logo pela manhã. Não eram as
fúrias de D. Ricarda Maria, tão O que enfureceu a Gilda foi vêr
impertinente, 0 que ella mais te­ 0 amante abraçar a Norberta, mes­
mia, mas as almas que andassem mo alli, á vista dos outros. ..
soltas, gemendo pelo matto. Lá — Que jundiá que vocês apa­
a sua senhora? que se ninasse! já nhem tenha veneno, diabos! Ros­
não havia escravos. Agora as al­ nou ella, com ganas de irromper
m a s... S. Nicolau que a acom­ pelo matto e vir buscar 0 seu pei­
panhasse ! xe gordo . . . também para que? a
228 A M ensagkira

raiva tirou-lhe o medo, bem como — O côxo estava seceo? Onde


0 medo lhe tirara o appetite. estava o Paulo?
— Paulo foi cortar m andioca...
1). Ricarda Maria postou-se ao
lado da bolandeira e o mulato sen-
A ’s sete horas da maidiã, D. tou-se, tanto se lhe dando fazer
Kicarda Maria apparec(m no Enge- um serviço como o outro. A ve­
niio, e, dando com a (irilda no tra­ lha disse que abrissem a agua, e
balho, descompôl-a sem piedade. a engenhoca roncou.
Contra o costume, a negra baixou Gilda voltou-se; Norberta olhava
a cabeça, humilhada, relanceando embevecida para João Romão; o
a vista para a Norberta, que en­ mulato é que não podia desviar a
chia um tipiti paia a prensa, no vista do trabalho, sob pena de ficar
meio de uma nuvem fina de fa­ sem dedos ou sem braços; a ma­
rinha que 0 João Rornão penei­ china descrevia os seus movimen­
rava a seu lado. A Noi berta pas­ tos rápidos impellida pela força da
sava por ser a crioula mais bonita agua, triturando, esfarelando as rai­
e de mais aceio; vestia-se de cn- zes brancas da mandioca num mas­
gommados e de chitas claras. Pa­ tigar ruidoso, incessante.
receu á Gilda atravez da nevoa Gilda avançou então, e, num
branca que ella se lira na occa- berro furioso, chamou:
sião... e teve impctos do lhe atirar — João Romão!
á cara a cuia com que levava man­ O mulato voltou-se assustado, e
dioca do coxo para o forno» que a a machina segurou-o logo pela
Paula remexia com a longa p á ... mão direita e levqir-lhe-ia o braço
Tia Thereza, a negra vcllía, cosia se D. Ricarda Maria não o tivesse
os saccos, agachada a um canto e puxado immediatamente para traz,
emquanto negros entravam com ces­ com um movimento rápido e vio­
tos de mandioca, para a raspagem, lento.
outros traziam-na do lavador para O sangue espadanou, houve ru­
a cevadeira, já branquinha, como mor, 0 mulato cahiu.
ossos nús . . . Gilda, vingada, num tremor de
D. Ricarda Maria chupou o gran­ raiva e de espanto, dizia agora que
de buço grisalho que lhe ornava só dera o grito ao perceber a ca­
0 rosto magro e ordenou ao João tastrophe. Aquella mentira sahia-
Romão, que deixasse a penneira- Ihe tão limpa como se fôra uma
gem á Rita, e fôsse elle para a verdade. Só a Norberta, fula, e
machina. espumando irada, desmentia-a xin-
A M knsageira 22Q

gando-a, eiu avanços de animal tadoras. Mas a Norberta. apezar


bravo; os outros affirinavain que de 0 vêr maneta e de o saber
0 caso devia ter sido como a Gilda preguiçoso, fez-se sua companheira
explicava, porque não? definitiva. Essa cospe trez vezes,
Fora tudo momentâneo, e a pro­ sempre que a Gilda passa pela
pria D. Kicarda. alli de vigia, não porta cantando escarninhamente, e
se sentia habilitada nem para ac- não deixa que outra vá dormir a
cusar, nem* para defender... sésta no pomarinbo de tangerinas,
Foi por isso que nunca mais o dessas miúdas e que elles comem
João Romão seduziu as creonlas com oasca e tudo.
dedilhando nas cordas da viola J ulia L opes de A lmeida
aquellas modinhas faceiras e ten­

^’ai dit à ma plume...


( de A. B a r b i e r )

No album de D. Alice Nava Salles


E u disse um dia á m inha pen n a; — E screve
um, h ym n o á gloria, e ella em traço leve
uma phrase escreveu ; era a palavra amor!
L a n ço m ão de outra p e n n a . . . a mesm a phrasé !
M ais outra ainda e mal tracejei quasi
o nom e de K leb er. N ão pude o p p ôr
mais resistência, p ois de am or sóm ente a lettra
traçava a penna. Alfim ced i v en cid o.
Oh g loria !
Oh h eróes I protíurae outro cantor.
E u fech o as grandes paginas da historia
e as deixo, que só grava, só soletra
m inha penna estas syllabas : Am or.
B e l l a r m in o C a r n e ir o
230 A M ensagkhîa

^osa de Keve
A Alice Guadalupe
Um dia, minlia flor, talvez p o r sympathia,
T u ]ue deste uma rosa, extranha. com certeza,
Uma rosa de neve em que toda a l)elleza
D o sublim e ideal peideitam eiite eu via !

Ora, o reg io presente era a photographia


D o teu rosto gentil, que a prop ria natureza
R eprod u zira assim, na branca singelleza
D essa esp len d id a flor que tu m e déste um dia.

Com o a rosa de neve, a im agem transparente


D o teu cân dido ser, o riso da creança
E ’ a im agem tam bém da fulgida ventura !

G uarda sem pre a alegria ingênua e resplendente,


t'om o eu guardo com m igo a nitida lem brança
D essa rosa de neve em balsam ada e pura !
14—9—1899 A u rea F ir e s

trabalho a Mensageira cumpriu


0arta do ^io bem ou mal o seu programma é
Com 0 presente numero encerra 0 que eu não posso saber pela
a Mensageira o seu 2 ° anno de suspeição que sinto n’alma ao fa­
existência. lar desta revista que tanto estimo,
Dois annos de vida . . . que 6 que tanto estremeço.
isso ? Nada, absolutamente nada,
0 desabrochar de uma rosa, um A bella exposição de pintura que
rápido e fugitivo sonho que se des­ fez Madruga Filho ultimamente e
faz aos primeiros clarões da au­ a não menos bella que faz nestes
rora. dias B. Parlagreco, são de grande
Mas se olharmos para todas as valoi' artistico, dignas portanto de
difficuldades, para a má vontade de calorosos elogios. E por falar em
uns e para a intolerância de ou­ pintura... Durante muitos annos,
tros, veremos que a campanha ven­ neste paiz, ninguém que tenha co­
cida não é das menores. ração delicado, poderá contemplar
Se durante estes dois annos de uin bello quadro, priucipalmeute
A MlCNSAGKlKA 231

se for um quadro de Hgura, sem cidentes, alguns medonhos como a


se lembrar com saudades, do glo­ invasão da peste e outros alegres e
rioso pintor paulista, tragicamente (hdiciosos como 0 triumpho da mu­
assassinado em Pi‘^acicaba. E uma lher brazileira nos arraiaes da sci-
homenagem intima essa reminis­ encia. tão dignamente ganho nesta
cência, e tanto mais eloquente por campanha em que andam empe­
ser espontânea e sincera. nhados partidos fortes e poderosos.

O anno que findou foi bem di­ Outro dia, em um bond de Bo­
verso de muitos outros que se tafogo, tive occasião de apreciar
têm ido para a escala dos séculos, um facto muito engraçado:
formar o pedestal do Passado. Na rua dos Voluntários da Pa-
Bem diverso pelo menos para tria, era frente a um prédio rico,
0 Brazil. Vejamos: a invasão da de magnifico jardim, duas velhi­
peste bubônica, só por si bastava nhas ]á arcadas e trôpegas fizeram
para lhe dar uma nota extranha e signal para 0 nosso bond parar.
medonha. O annunciado fim do O cocheiro travou 0 bond imme­
mundo, 0 terrivel 13 de Novem­ diatamente, e as velhinhas, cuja
bro, que passou íiualmente como edade sommada devia orçar pelos
qualquer dia passa — bom para 150 annos, despediram-se terna-
uns e máo para outros — marcou mente.
uma epocha. A primeira audição Uma embarcou, era a menos ve­
de uma opera nacional e de real lha. tinha a apparencia de uns bons
merecimento; a primeira defesa de 70 annos. A mais enrugadinha ficou
uma mulher no jury, cujo exito encostada á pilastra do jardim e de
excellente todos nós sabemos, são lá, por entre os dedos mirrados e
factos que raras vezes se reprodu­ trêmulos enviando um beijo á ami­
zem. ga que partia, disse, sorrindo: —
Disse algures um chronista ele­ adeus Bebé. Em paga desse beijo
gante que todos os annos se pare­ carinhoso, a meiga Bebé respondeu
cem uns com os outros. A prin­ com 0 mais terno sorriso e dizen­
cipio as festas do anno bom, as do: adeus Nenê.
mesmas esperanças em todos os O bond partio e a Nenê lá do
corações de um anno fértil e ale­ portão, com 0 peso de seus 80 an­
gre, depois... decepções que não nos prováveis, sacudia, carinhosa­
se fazem esperar, as mesmas tris­ mente, 0 seu lenço grande de ta-
tezas, as mesmas dores. baquista respeitável.
O anno de 99 teve muitos ac- Riam-se todos da infantil ter-
232 A M knsageira

nara. Eu confesso... achei ado- momento, o nome delicioso de cre-


ravel aquella despedida. ança, é termos ainda um resto das
Aos 80 annos de edade, termos illusões desse tempo doirado que
alguém que nos lembre a infancia não volta m ais...
com voz cariciosa e branda; al- at n n o
’ M aria C lara da C unha S antos
guem que nos recorde, por um

Soneto
V erd e mar da Esperança, em tuas ondas
leva o roseo batei d os m eus am ores ;
qu ero que no teu seio as m inhas dores
com o um am igo p ied oso escondas.

O ’ céo I — d o ce l azul que te arredondas


sob re este abysm o, ch eio d ’esplendores,
mostra-m e o iris de risonhas cores
n 'este In fin ito qu e constante sondas 1

A i! si eu podesse, n ’estas aguas puras,


perlas que a d ôr me dá ir desfiando
d o m eu collar d ’infindas am arguras...

F eliz iria, só de am or cuidando,


p o r entre flores e gentis verduras,
m eu coração sereno navegando I

Santa Catharina, 1-12-99. D e l m in d a S il v e ir a

dos Santos, conhecido engenheiro


Tabella para o brazileiro.
traçado das curvas de nível Não temos a competência tech-
pelo engenheiro civil nica para apreciar convenientemen­
Dr. José Américo dos Santos te um trabalho de tal ordem, so­
A Mensageira foi obsequiada com bre 0 qual já eraittiram opinião
um exemplar da 3 .“ edição da ta­ profissionaes illustres; comtudo, não
bella para a marcação das curvas podemos deixar de dizer algumas
de nivel, do snr. Dr. José Amenco palavras sobre o seu conteúdo, no
A M ensageira 233

intuito de vulgarisal-o entre os in­ tado por planos horizontaes igual­


teressados que por ventura ainda mente afastados (equidistancia gra-
0 não conheçam. phica), e trata-se de formar idéa
Como todos sabem, os trabalhos da zona polo traçado das curvas
preliminares para a construcção de que não são mais do que as inter-
uma estrada de ferro consistem no secções desses planos com a su­
reconhecimento do terreno, proce­ perficie do terreno.
dendo-se em seguida ao traçado e O nivelamento transversal, em
ao nivelamento das linhas de en­ regra, não dá de prompto as co­
saio e das secçõcs iransversaes\ tas determinadas que se devem
isto feito, pode-se, pela considera­ achar sobre as curvas de nivel;
ção das c^irvas de nivel, formar dahi a necessidade de se calcula­
uma idéa clara dos accidentes da rem as distancias de suas projecções
zona explorada. horizontaes ao jwnto de estaca da
E’ em vi.sta desta planta que 0 secção correspondente, ou ao ponto
engenheiro pode optar polo tra­ da mesma secção que já tenha sido
çado, já escolhendo declividades determinada como pertencendo á
mais convenientes, já evitando, curva de nivel immediatamente su­
0 mais possivel, as obras d’arte, perior ou inferior.
etc. Este trabalho ó geral mente feito
E ’, pois, capital, 0 papel que, na construindo-se as linhas das sec­
redacção do projecto, representa 0 ções em separado e com escala con­
traçado das curvas de nivcl. veniente, determinando-se, segundo
Yerdade é que, em vez das cur­ 0 methodo dos planos cotados, os
vas de nivel, também se pode co­ pontos de cotas iguaes ás das cur­
tar a planta da zona explorada e vas de nivel a traçar, calculando-
dirigir 0 estudo sobre os planos se as distancias de suas projecções
cotados. Este methodo, sendo horizontaes ás dos pontos de estaca
de vantagem em terrenos pou­ ou dos pontos de curvas de nivel
co accidentados, torna-se, toda­ superior ou inferior e transferin­
via, muitissimo trabalhoso nos ter­ do-se essas distancias para a plan­
renos irregulares (P. Freitas-Curso ta geral. Essas distancias também
de estradas) c são justamente as podem ser calculadas pela formula
zonas desta natureza que exigem X = b ctg. a (Mem. pag. 12 ), de­
maior attenção da parte do enge­ pois de se ter obtido 0 valor de
nheiro. a ou de b conforme se empregou
Pelo methodo das curvas de n i­ a régua ou 0 clinometro.
vel imagina-se que 0 terreno é cor­ Todas as construcções graphicas
234 A M ensag KIRA

e cálculos acima descriptos são evi­ bella, nada temos a dizer; pois que
tados com 0 emprego da tabella do se acha claramente exposto na me­
illustre engenheiro Dr. Américo dos moria de que vem ‘ acompanhada.
Santos, que nos dá com ella uma Terminando, damos parabéns ao
utilissima simplificação e sobretudo illustre auctor por ver o seu tra­
grande economia de tempo nos tra­ balho bem acceito, o que demons­
balhos de explorações de estradas. tra o facto de já ter feito delle a
Quanto ao modo de usar da ta- H." edição. B.

0ançoneta
(Ao Lirio)
T ilias em ílôr, cam élias em botão,
L irios do valle esparsos pelo clião !

E neiu nm canto nos gentis })almares,


E nem nina aza recortan d o os ares !

() b ron ze angTisto já soon trin dades;


L an gu es se esfolbam j)allidas saudades.

O sol, o viandante ousado e ardente,


M ergnlha no ocean o lentam ente.

A qu i, alli, uns raios trem nlantes


Brilham , rebrilbam jior alguns in sta n te s. . .

D e p ois a noite estende o o p a co manto,


Som e-se o I’aio derradeiro, em quanto.

B eija n d o-te os ca b ellos aloirados.


E sp reito nos teus lá bios nacarados

A casta risadinha gorgeiante,


Q ue é de tua alma a hôr inebriante ! . . .

M a s . . . se em teus olh os de subtis quebrantos.


E m vez de risos se desfolham prantos ! . . .

Sem pre a sorrir eu te quizera, flôr !


M as quando c h o r a s .. . com o soffro, am ôr ! . . .

L irios do valle esparsos jielo chão,


T ilias em hôr, cam élias em botão ! . . .
Ukkce - n eigk
A M ensageira 235

nos coube, e recommendar mais


Barcarola
0 livro — ]á triplicemente recom-
V am os bem lon ge, alma adorada,
E m nossa barca toda doirada.
mendado pela justa nomeada do
Singrar as ondas eni plen o mar. seu autor, pelos louvores dos com­
Q uero p erd er-me na espessa brum a,
E sob re as vagas de bran ca espum a
petentes e pela sua adopção offi­
V og a r . . . v oga r . . . cial nas escolas publicas do estado
T o d o s m eus son h os encantadores,
de S. Paulo.
M eus risos ternos ou minhas dôres. Esta revista, dedicada aos inte­
Só co n to ás aguas em p len o mar ;
Leva-m e, leva-m e e b em distante,
resses da mulher brazileira, não
Q uero, ao b a lo u ço da barca errante. póde ser indifferente á causa do
S o n h a r . . . sonhar , . .
ensino e da educação, que diria­
Q uero expan dir te m eu pensam ento. mos constituir 0 principal 0 sa­
T e n d o m eus olh os n o firm am ento.
O u vin d o as vagas em p len o m a r . ..
grado ministério do sacerdócio fe­
Passar as horas n ’um devaneio, minino. Eis porque lamentamos a
E n ’esse m ago d ivin o en leio
Am ar . . . amar . . .
falta quasi absoluta de boas obras
4— 12— 9Í)
nacionaes didacticas e, por isso
R id e l in a F e r r e ir a mesmo, tanto nos alegram todas as
tentativas que se fazem no sen­
tido de — como vulgarmente se
diz — preencher esta lacuna. E
entre os melhores esforços que
,,"patria” com semelhante objective se assi-
A Menmgeira foi, ha dias, hon­ gnalam — figura indubitavelmente
rada com a offerta de um exem­ a Pall ia de João Vieira de Almeida.
plar desse livro do seu illustrado Calcaifa, por assim nos expri­
collaborador João Vieira de Al­ mirmos, na fôrma admiravel do
meida. Não calha nos estreitos Cuore do Edmundo de Amicis,
moldes de uma noticia a aprofun­ tudo alli nos airoba e extasia —
dada api-eciação da obra, que já 0 plano dos diálogos, 0 bem esco­
tem sido por outros detidamente lhido dos assumptos e a crystal-
analysada. Destacariamos ainda lina simplicidade do estylo. Nem
aqui, si houvesse espaço, 0 bonito mais se ha de exigir de um li­
estudo (pie 0 Diário Popular in­ vro destinado á puericia. Cada
seriu sobre o mesmo assumpto, da capitulo tem por objecto — ou
lavra do abalisado escriptor João um facto nobi-e da nossa historia
Vampré. Mas, escrevendo á ulti­ ou um aspecto interessante do nos­
ma hora, vimos tão sómente agra­ so meio, mas uns 0 outros es­
decer a remessa do volume que tudados uaturalmente, sem exces-
236 A M ensagkira

so (le erucli(.*ão nem torturas de gante e correcta, deixando natural­


linguagem. Percebe-so, apenas, na- mente para os atrazados 0 purismo
quellas paginas 0 paciente labor quinhentista, e escrevendo, comme
do verdadeiro mestre, que tem a il faut, 0 portuguez do nosso tem­
sciencia da dosagem e sabe pren­ po. Pena 6 só que 0 trabalho viesse
der, magicamente, a difficil atten- algum tanto afeiado polos cochilos
ção dos seus disci pulos ainda cre- da revisão, que oxalá se esmere
anças. A feliz escolha das maté­ mais quando chegar (e chegue logo)
rias torna este volume uma especie a vez de uma segunda edição.
de pequeno manual de civismo; e S ilvio de A lmeida
assim fica justificado o seu titulo.
O menino, que come(;a a leitura
delie, já se vae preoccupando com
os factos do seu paiz, mas ainda se
Margarida
Ao Dr. Silvio de Almeida
imagina recebendo as li(;ões da boca
E 's singela e captivante
do seu velho avô. Vê-se, pois, que Com o o infante
João Vieira de Almeida apanhou Que nos b rin cos se extasia ;
bem, e melhor soube aproveitar, 0
T eus m odos m eigos, discretos,
caracter da escola, como associação São secretos
Com o a luz da Poesia.
intermediaria entre a familia e a
cidade; e as très se succedem, co­
E m teus ollios palpitantes
mo Augusto Comte descobriu, na H a brilhantes
ordem da extensão e da complica­ D o mais d iv in o fu lgor ;

ção crescentes. Terminada a leitu­ Captivarn com o as estrellas


ra, sente 0 menino em si mesmo um Claras, bellas,
— O bras prim as do S en h or !
enorme accrescimo de noções e de
emoções suggeridas, com um aper­ E m teus lábios pu rpurinos
V ibram hym nos.
feiçoamento real, não só da intelli- In sp irad os p elos cen s ;
gencia, como também do sentimen­
F icam n ’alma com o os sonhos.
to. Comprehende-se então que, pela B ons, risonhos,
arte feiticeira do educador perito, N ascidos d os ollios teus.
elle tenha aprendido de cúr, sem 0
E u quizera possuir-te
perceber nem cansar-se, e que tudo P ’ra cingir-te
quanto aprendeu lhe ficou para sem­ D e .san co ro a de am ores ;

pre gravado no coração. F ech ar com tigo, querida


Margarida,
Quanto á fôrma, soube João
A cam pa de minhas dores !
Vieira, como distincto mestre, que S. Paulo, D ezem b ro, Íl9.
0 (3, fazel-a, a um tempo, ele­ B e n e d ic t o R ib e ir o
A M ensageira 237

Contemplação
(A’ exeelsa poetisa Adelina A. Lopes Vieira)

E u costum ava, qu an do pequenina,


Levantar-m e ao rom per da m adrugada
Para fitar a deusa matutina,
A luz fu lgen te e d o ce da alvorada!

E tinha um cu lto im m enso pela aurora.


Parecia-m e até votar-llie affecto:
E entre o s qu adros de luz qu e esta alma adora
A qu elle era o m eu qu adro pred ilecto.

D e p o is vieram son h os cô r de rosa


P rolon ga r a sorrir m eu leve som no . . .
Não mais fitei a luz m iraculosa.
L o n g o tem po deixada em abandono . . .

M as 08 sonhos, fataes e enganadores.


L ev a n d o p e fla s de illusões quebradas.
Fugiram , com o d o id o s beijaflores,
R ou b a n d o o m el ás rosas perfum adas!

A cordei tima n oite pensativa,


Não tinha son h os que me detivessem .
Q uiz ver a aurora Candida e festiva,
E as nuvens todas que o fu lgor lhe tecem :

A passarada alegre pipilava.


F estejan do o raiar de um b ello dia.
E m cada flor um riso eu soletrava,
U m b e ijo em cada estrella que sumia!

As gottas crystallinas da orvalhada.


S ob re a corolla trem ula das rosas,
Fulgiam , com o lagrim as choradas
P o r com m oções alegres, venturosas!

O lhei o orvalho, a flor, a estrella, a aurora,


O mar e tudo o que de b ello existe,
M as vi que para quem succum be e chora
A belleza m aior é sem pre triste!

PrKSCILIANA D uABTE de ALMEIDA


O utubro 1889.
238 A M ensageira

te á Exma. Sra. B aroneza de Arary.


Exposição Almeida Junior E ’ uma paizagem encantadora, de ar,
v ored o fron d oso e verdejante, que nos
C om o que um recolh im en to sagrado
faz bem e tonifica o espirito .. .
se apossou de nossa alma ao penetrar
H a nesse quadro diversas figuras
os lium braes d o ed ifício em que se
em natural agrui)am ento, dando vida
acham reunidas quasi todas as obras
e relevo á floresta exuberante e á
do grande e laureado ar t i st a. . . As
fílas verdes de plantas que de lado a tranquillidade da matta.
lado ensom bravam os corredores, as E ntre os 130 quadros da grande ex ­
notas dolen tes de bellas peças ex ecu ­ p osiçã o em que figuram as obras p ri­
tadas p o r excellen te orch estra e a lem ­ mas do pintor, com o os quadros a ci­
brança d o trágico fím que a tão p o u co ma citados e os Caipiras Negaceando-
tem po teve A hneida Junior, nos com - prem iado na exj)osição de C hicago,
m oviam e nos predispunham talvez Fugida para 0 Egypto, Recado diffieil,
para mais d o que nunca adm irarm os perten cen tes á A cadem ia N acional de
o grande e m allogrado p in tor n a cio­ B ellas A rtes ; Picando fumo e Amol-
nal. E foi assim qu e mais um a vez lação interrompida, perten cen tes ao M u­
nos qu eda m os de pasm o diante da seu Paulista; Mendiga, p erten cen te ao
Partida da Monção, esse bellissim o esp olio ; ha ainda um quadro p erten ­
poema historico qu e n os suggéré ao cen te á Exm a. B aroneza de A rary que
m esm o tem po m ú ltip los sentim entos é verdadeiram ente deshim brante e é
e co m m o çõ e s d iv ersississim a s. . . um dos últim os trabalhos de A lm eida
O assoalho nas proxim id ades deste Junior, referim o-nos ao adoravel Ire-
quadro achava-se atapetado de rosas, cho de estrada, pin tad o em 1899.
m argaridas e avenças e defron te á A hom enagem que a com issão de
Partida da Monção havia artístico b o s ­ am igos presta á m em ória de A lm eida
que de palm eiras e bam businhos en ­ Ju n ior com a m onum ental exposição,
cim ado p e lo retrato d o grande artista. aberta a 1 1 d o corren te, traz a tod os
N o lado in ferior d o b o sq u e via se a que residem em S. P aulo en sejo de
roda do destino com p osta de sempre- apreciar o ensemble gra n d ioso d os tra­
vivas brancas d o C abo, ten do um dos b alh os d e um d os m aiores artistas da
raios d e sp e d a ça d o ; via-se ainda uma terra am ericana. E sendo destinado
colum na am parando vaso de variadas o p ro d u cto das entradas e v en d a dos
flores, form osa palheta e o retrato do catalogos a um m onum ento que p er­
pin tor, qu an do m ocin h o, em m oldurado petue a adm iração n acional p elo in ­
de saudades roxas. signe p in tor que com tanto cu n h o de
E mais adiante o com m ov en te qua­ nacionalidade fazia os seus quadi’os,
dro da Saudade, qu e n os fazia co m ­ é de crer que não deixem de ir v isi­
parar aquella m ulher enlutada e p o e ­ tar a ex p osiçã o to d o s que ainda te­
ticam ente lacrim osa á Patria desolada nham n ’alma o cu lto do b e llo e a re ­
pela irreparável perda de A lm eida ligião da patria.
J u n ior . .. A com m issão organisadora da e x p o ­
C om o oasis de paz e de frescura lá sição é com p osta d os Srs. Drs. C le­
estava o b ellissim o quadi’o intitulado m en tin o de Castro, Sam paio Vianna,
Pic-nic no Rio das Pedras, p erten cen ­ A lb e rto B orba, Clem ente F alcão F ilh o,
A MlCNSAGEflU 239

José Piza, E u gen io M agalhães, V ictor


Steidel, P ereira doa Santos, P ereira Kolas pequenas
G uim arães, V erian o Pereira, V ergu eiro
A Mensageira. Completando com
Steidel e J oã o E scobar.
Agi’adecem os, penhoradas, o con vite este numero a serie correspondente
d irigido á Mensageira para a inaugu­ a nosso 2.° anno, curvamo-nos agra­
ração da exjiosição, cu ja niagestade e decidas perante nossos illustres
ex cep cion a l b rilh o ficarão para sem ­ collahoradores, que a esta revista
pre na m em ória de tod os que a ella
emprestaram generosamente 0 bri­
tiveram a graça de assistir.
lho de seu talento, perante a im­
P kiumítua 1)0 V a i .uo
prensa brazileira, que nos tem
acolhido com a maxima benevo­
lência, e perante as pessoas que
nos' têm honrado com suas assi-
Selecção gnaturas. Estendemos também nos­
0 feminismo 6 a causa mais in- sa gratidão aos conceituados edi­
tiiitivamente lógica e mais impor­ tores Srs. Carlos Gerke & Comp.,
tante para 0 aperfeiçoamento e en­ cuja delicadeza, honradez e cavalhei­
grandecimento da humanidade, que rismo merecem sinceros encomios.
0 século X IX leva á solução do A todos reiteramos nossos agra­
século X X . decimentos, declarando que a Men­
G uiomar T orrkzão sageira suspende temporariamente
(N oticia d o apparecim en to da Men­ sua publicação.
sageira.)
Eva Canel. — 0 Rio de Janeiro
Como elemento de civilisação, está ha dias sendo theatro das con­
como instrumento de progresso, a ferencias da eloquente oradora e
mulher vale mais do que 0 ho­ jornalista hespanhola Eva Canel,
mem, porque nenhum homem dis­ secretaria da Cruz Vermelha. Diz
põe da sua tenacidade, da sua ex­ um collega de imprensa que «Eva
traordinária acuidade, da sua resis­ Canel é um temperamento de lucta,
tência ao soffrimento, ás privações alma antiga e nobre, meio athe-
e á dôr, e portanto, da sua capa­ niense, meio espartana, povoada de
cidade para agir sem desfalleci- ideias generosas quo 0 seu espirito
mentos, para emprehender sem re­ acaricia e promove não só no jornal,
ceios, para realisar sem vacilla- como no livro, como na tribuna.»
ções. G arcia R edondo As suas conferencias que, além
(0 Feminismo.) de não ouvirmos, não podémos até
agora encontrar para 1er, versaram
sobre a missão da mulher na so-
240 A M ensageira

ciedade, sobre a actual situação da rados. Quizás dentro de unos dias


Hespanha e sobre a superioridade visito esa poblacion y entonces ten-
da raça latina. dró verdadero placer en saludar á
Dizem os jornaes que Eva Canel la distinguida escritora que honra
se manifestou, em parte, contra o su patria con su talento. — Apro-
feminismo, acrescentando que a vecho hoy con gusto la ocasion que
oradora no momento em que tanto se me presenta para ofrecerme su
brilhava na tribuna era um argu­ afect.® S. S. que le besa la mano.
mento vivo contra a doutrina que — E ra Canel. — Hotel Metropol.
pregava ! — Rio de Janeiro, Enero 15 — 1900.»
0 que deprehendemos, porém, Luiza Amelia. — De Parnahyba
das noticias que temos lido ó que foi-nos enviada uma polyanthéa com
Eva Canel colloca o sentimento da 0 retrato de Luiza Amelia, a mallo-
familia e o sublime desprendimento grada auctora das Flores Incultas
da maternidade acima de tudo na e de Georgina.
mulher. E qual é o feminista que E ’ uma merecida homenagem
assim também não pensa? prestada á memoria da inspirada
Anciamos por ouvir a grande poetisa, fallecida a 12 de Novem­
oradora asturiana, á qual talvez bro de 1898 .
tenhamos de dar em breve as bôas Referencia honrosa. — Em in­
vindas como se vê pela seguinte teressante chronica literaria, que
carta, que recebemos com o mais transcreveriamos por inteiro si não
grato contentamento: nos escasseasse espaço, assim se
«Sra. D.“ Presciliana Duarte de exprimiu a Cidade de Campinas
Almeida. — San Paulo. ~ Serlora em referencia a uns versinhos de
de mi mayor estimacion: He teni- nossa lavra:
do el gusto de recibir su bonita «Uma das primeiras poesias es-
revista literaria A Mensageira j criptas no Brasil, com versos mo­
despues de felicitaria por el con­ dernos de nove syllabas, é a que
junto bello de Ias producciones que vou ofíerecer aos leitores, certo de
publica y por la direccion inteli- que hão de bater palmas á autora.
gentísima que ella demuestra, cum- Escreveu-a em Janeiro de 1892 ,
plo com el deber de darle Ias mas a exma sra. d. Presciliana Duarte
expresivas gracias por el envio que de Almeida, que a enviou á Cidade
mucho estimo. — La ilustre escri­ a l.° do corrente, de envolta com
tora Julia Lopes de Almeida ya as suas saudações á mesma pelo
me habia hablado de A Mensageira Anno Bom.
coo elogios que no fueron exage­ E il-a:
A M ensagkira 241

Num dia de separação Club de Engenharia, do qual é so-


Canta e caminha, m eu pensam ento, cio fundador; etc. etc. etc. dirigiu
P rocu ra a lu z!
V ô a nas azas do sentim ento . . .
por 12 annos a Revista de Enge­
P eito qu e choras de am or sedento, nharia e foi devotado abolicionista.
T en s na saiidade calvario e cruz.
Das obras que tem publicado
F ôra u topia b u sca r ventura. em assumptos technicos uma me­
Q uerer s o r r ir ,
Q uando n oss’alma — toda amargura. receu ser vertida para 0 inglez e
T raz in d elevel a nota escura outra obteve tão grande exito que
D u m soffrim ento de atroz pu n gir!
está agora em 3 .^ edicção e foi
Clam o deb a ld e qu e a despedida adoptada na Escola Polytechmca
P az m uita dor . . .
F ôra im possivel passar a vida do Rio. Não nos sendo possivel
Sem pre gosa n do da luz querida. dar aqui, na integra, 0 artigo da
Sem pre em presen ça do nosso A m or!»
Rua do Ouvidor relativo ao Dr.
Trabalhos como este se impõem, Américo dos Santos, limitamo-nos
não só pela delicadeza da essên­ a transcrever este periodo de ver­
cia, mas também pela correcção dadeira justiça:
da forma. «Prestando este preito aos seus
Os nossos poetas já se não po­ altos merecimentos, não fazemos
dem queixar, dizendo que os en- mais do que render homenagem
nasyllabos só servem para hym- ao seu talento peregrino preparado
nos, ou outras conq)OSÍçÕes de ryth­ por uma illustração solida, aos seus
me uniforme... altos serviços em prol do bem es­
Não; desprezem elles 0 systema tar da humanidade, ao seu espirito
antigo, porém estimem 0 moderno, liberal e ao seu caracter impol-
que admitte a maxima variedade.» luto. »
Dr. José Américo dos Santos. — Bandolim. — E’ este o titulo do
A Itna do Ouvidor^ 0 bello se­ formoso livro de versos com que
manário fluminense em seu n.” 88, Luiz Pistarini brindou a literatura
de 18 de Janeiro, rende devido nacional.
preito do admiração e apreço ao Não nos c dado fazer aqui uma
nosso notável compatriota Dr. José apreciação condigna do Bandolim \
Americ-o dos «Santos, pul)licando o que garantimos, porém, é que
seu retrato (í biograpliia. O illu.s- é livro de pocta^ cheio de senti­
tre (‘ iigenb('iro ()uo por s(nis raros mento c de bellezas.
priaiie.ados ó iii('mi)ro da sociedadí* Damos paiabcns ao auctor pelo
dc (h'ograpliia de 1/isbòa; eth'ctivo brilhantismo da estreia, agrade­
dn I. dos Kiigi'idieiros Civis dc cendo 0 volume que gentilmente
Ijoudrcs; do ('oiiscdlio Direetor do nos otlereceu.
INDICE
Pag. Pag.
Carta do R io , Maria Clara da D o is Oasis, soneto, A delina V ieira
C unha S a n t o s .......................................1 e M aria C l a r a .................................... 44
A L an ch a Negra, soneto, A delina D ois livros, A d olp h o M alevolti . 44
A. L o p e s V i e i r a ................................. 3 D e p o is da batalha, soneto, Julia
Sapho, S ilvio de A lm eida . . . 3 C o r t i n e s ...............................................45
D e manhã, 2>oesia, Aurea P ires 4 D esolada, poesia, E d u v iges de Sá
S e l e c ç ã o ...................................................... 6 P e r e i r a ............................................... 46
A M ensageii'a, soneto, Candida N otas p e q u e n a s .................................... 46
F o r t e s .................................................... 10 Mme. D reyfus (retrato segu ido de
N otas B razileiras, N elson de Senna 10 a r t i g o ) .................................................... 49
V alsando, poesia, P resciliana D u R ecord a çã o Fatal, soneto, Narcisa
arte de A l m e i d a ............................... 12 Am alia ............................................... 50
D e lu to , Maria Clara da Cunha O T io J ob , con to, R idelin a F e r­
S a n t o s .................................................... 13 reira .................................................... 51
Beatriz, poesia, G uiom ar T orrezã o 18 Carta d o R io, M aria Clara da C u­
E n saio critico, B. da Cunha . . 13 nha S a n t o s ..........................................58
A b o rd o , son eto, G eorgin a T eixeira 17 R iso pungente, soneto, A urea Pires 60
ü m e p iso d io da ro ça , R idelina E xcelsa g loria , poesia, S ilvio de
F e r r e i r a ............................................... 17 A l m e i d a ............................................... 61
Carta a b erta , so n e to , H eraclito L a T om b e et la R ose, estudo li­
V i o t t i .................................................... 21 terário, N elson de Senna . . . 62
N otas p e q u e n a s .................................... 21
S ob re ruinas, poesia. Carvalho .-\ra-
A urea Pires, r e t r a t o ..........................25 n h a .......................................................... 64
F lo co s de N eve, critica literaria,
A M oda, E cila W orm s . . . . 65
A rthur A n d r a d e ............................... 26
U ltim o D esejo, poesia. H elena de
P arabola orien ta l, p oesia , S ilvio
V iveiros ................................................ 6 6
de A l m e i d a ..........................................30
S e l e c ç ã o .................................................... 6 6
A bn egação, con to, M aria Clara da
Constante, poesia, P resciliana D u ­
Cunha S a n t o s .................................... 31
arte de A l m e i d a ............................... 68
Im p ossivel, son eto, A urea P ires . 37
A nna H ierta R ctz iu s, G uiom ar Isa, poem eto em i)rosa, E u rico de
T o r r e z ã o ............................................... 37 G o e s .....................................................69
D escren ça , son eto, O scar d ’A lva . 38 N otas p e q u e n a s .....................................69
S e l e c ç ã o .................................................... 38 G uiom ar T orrezão, Julia L o p e s de
S o b re um tum ulo, poesia, Presci- A l m e i d a ..................... ,. . . . 73
liana D u arte de A lm eida . . . 40 Uma reliquia, soneto, L u iz Pista-
Carta d o R io, M aria Clara da r i n i ..........................................................76
Cunha S a n t o s .....................................40 Canção, Arthur -\ndrade . . . 76
O prim eiro so rriso , poe.sia, D el- M entira piedosa, con to, M aria Cia
m inda S ilv e ir a .....................................42 ra da (ainha Santos . . . . 77
L itera tos húngaros, notas, Elm ano A m orte de C hristo, soneto, S il­
d o V a i ............................................... 42 v io de A lm eid a.................................... 80
X -

r
A M ensageira 243
Pag. Pag.
A Alm a e a M orte, notas, Elma- N otas p e q u e n a s ............................. 115
n o d o V a l ....................................80 D r. C ândido Esjjinlieira, retrato
Sem pre o am or, so n e to , O scar seguido de a r t i g o .................. 117
d ’A lva . ...........................................81 Soneto, C ândido de Carvalho . . 1 1 9
A noiva, .\delina A. L o p e s V ieira 81 Carta d o R io, Maria Clara da Cu-
E lores d ’alma, poesia, M aria Jucá 84 nha S a n t o s ....................................119
S elecçã o .....................................................84 A V irgem de M urillo, ex cerp to de
O co n cilio das maguas, soneto, drama em verso, A delina L.
P erpetua do V a l l e .................... 8 6 V i e i r a .............................................. 122
t’ai’ta do R io, Maria Clara da Cu- A escolh a de um m od elo . . . 124
nha S a n t o s .................................... 8 6 Ju n to ao b e rço de Dalila, poesia.
V esper, poesia, D elm in d a Silveira 88 B ellarm iiio Carneiro . . .. 1 2 7
C om ares de chronica, M aria Emi- S e l e c ç ã o ............................................. 128
l i a ....................................................88 L e F ém inism e au Brésil, X avier
A in ven ção da r e n d a ....................89 de Carvalho .................................... 129
Som bras, poesia, Prescihana D u- E scala d o V iver, poesia, Presci-
arte de A l m e i d a ......................... 91 liana D uarte de Alm eida . . . 130
N otas p e q u e n a s .............................. 91 V olta aos pagos, soneto, Candida
Julia L o p e s de A lm eida (retrato. F o r t e s ............................................. 131
segu ido de um artigo de G uio- N otas p e q u e n a s ..............................131
mar T o r r e z ã o ) .............................. 97 A M ulher d o F uturo, Maria Ama-
D uas epochas, son eto, S ilvio de liíi de Carvalho . . . . 133
A l m e i d a ........................................102 M artyrio incrivel, soneto, Aurea
R uélia form osa, son eto, Z alin a Ro- P i r e s ..................................... - . 139
h m .................................................... 102 B razil'— Paraguay, critica literaria.
L u d ib ria ventis, poesia, Bellarm i- S ilvio de A l m e i d a .................. 140
no C arneiro .................................. 102 M iniatura, poesia, Arthur A ndrade 142
Carta do R io, Maria Clara da Cu Saudade Incurável, conto, Maria
nha S a n t o s .................................. 103 Clara da Cunha Santos . . . 143
D om in go de Ram os, poesia, .-\u-.............. M agoa Infinita, soneto, Raul C or­
rea P i r e s ....................................... 105 p g a ................................................... 145
Ju n to de um tum ulo de criança, a esm ola, I p o m é a ........................ 145
Julia L o p e s de A lm eida . . . 106 A subir . . . a subir . . ., poesia.
E sperança, soneto, G eorgin a T ei Preseiliana D uarte de A lm eida 146
xeira . . - ............................. 108 A paizagem , Narcisa Amalia . . 146
A B aroneza de H irsch . . . . 108 Notas p e q u e n a s ................................... 148
N oivado, poesia. P erce-n eige . . 109 A jjolog o, conto, Maria Clara da
B odas de Prata, con to, M aria Clai’a Cunha S a n t o s ............................. 149
da Cunha S a n t o s .................. 110 D e sonho em sonho, soneto, Ma-
V ida. soneto, Peres Ju n ior . . . 1 1 3 ria J u c á ......................................... 152
V olta ao passado, soneto, M anoel U rzes, critica literaria, S ilvio de
A r ã o ............................................ 113 Alm eida . . ...................................152
S e l e c ç ã o ............................................ 114 N enia, p oesia , R idelina Ferreira 154
E scuta, son eto R idelin a Ferreira 114 S e l e c ç ã o ................................. - . 155
244 A M en s AG K l H A

Pag. Pag.
Carta do R io, M aria Clara da C u­ A lm eida Junior, poesia. P erpetua
nha Santos ................................ 1Õ5 d o V a l l e ............................................. 205
A o crepu scu lo, phantasia, Fran- Passarinhos, poesia, Zalina R olim 205
cisca C l o t i l d e ................................ 158 A Solidariedade Fem inina, P oto
Um ca n to, p oesia , D elm in d a S il­ nié P i e r r e ........................................206
veira ................................................ 159 Storia breve, poesia, C. B ru n etto 208
Im p ressões de leitura, Perpetua T radu cção de uma O de de Sapho,
d o VaUe ........................................... 160 S ilvio de A l m e i d a ........................209
A p oetiza d o V izella, .Alberto P i­ A legen d a da rosa branca, con to,
m entel ................................................ 161 P elayo Serrano . . . . . . 210
Notas p e q u e n a s ................................167 A lm eida Ju n ior, son eto, T rajano
D iv ersid a d e, p o e sia , Presciliana P i r e s .................................................. 212
D uarte de A lm eida . . . . 168 S e l e c ç ã o .................................................. 212
C om ares de ch ron ica, M aria E m i­ Prim eira E sperança, soneto, Aurea
lia ..................................................... 169 P i r e s .................................................. 213
S on eto, A rthur A ndrade . . . . 1 7 3 A ’ m inha m ulher, poesia, M artins
Carta d o R io, M aria Clara da C u ­ J u n i o r .................................................. 214
nha S a n t o s ......................................173 N otas p e q u e n a s .................................. 214
A p oetiza d o V izella, G eorgin a T e i­ D ireitos da M u lh e r. . . . ,. 2 1 7
xeira ................................................175 Pagina intima, poesia, A rthur A n ­
O fem inism o, .Anacleto P a cifico . 178 drade ...................................................223
Cantiga, Maria C. C. Santos . . 1 7 9 H oje, soneto, S ilvio de A lm eida . 224
As prim eiras sandalias, con to, Ip o Perfil de preta, con to, Julia L o p e s
m é a ........................................................179 de A l m e i d a ................................. 224
S o n h o ? son eto, Aurea Pires . . 180 J ’ai dit á ma i)lume, i)oesia, Bel-
S e l e c ç ã o .................................................. 180 larm ino C a r n e ir o .......................229
D e A m icis e seu F ilh o . . . . 181 R osa de N eve, soneto, Aurea P i­
N otas p e q u e n a s ...................................182 res . . . . , 230
Carta do R io, M aria Clara da Carta d o R io, M aria Clara da C u ­
Cunha S a n t o s ...................................185 nha S a n t o s ..................................230
O u vin do um passaro, poesia, Nar- S on eto, D elm in d a S ilveira . . . 232
cisa A m a l i a ........................................ 188 Barcarola, R idelina F erreira . . 232
Ju lieta de M ello M on teiro, D a- T abella para o traçade de curvas
m asceno V ieira ; ........................ 189 nivel, apreciíição, B ................... 232
D a nascente á foz, poesia, S ilvio C an çon eta, P erce n eige . . . . 234
de A l m e i d a ........................................ iq g B arcarola, R id elin a F erreira . 235
Patria, critica literaria, S ilv io de
Carta aberta, R idelin a F erreira . 195
A l m e i d a ........................................235
E leita, son eto, R e n e d icto R il)ciro 196
, . M argarida, S ilvio de A lm eid a . . 236
H íile c ç íio ...................................................................................................... 197 x i - • -.-v .
_ _ C onteiiquaçao, poesia, P rescilian a
In cê n d io , son eto, J u lio P restes . 198
Duarti! de A l m e i d a ........................2.37
No Calvario, R icarilo M. G onçal E x p osiçã o A lm eida Junior, P erpe
v e s ..................................................... iqy
tua d o V a l l e ...................................239
Notas p e c p ie n a s ................................iqq S e l e c ç ã o .................................................. o.’.O
D ireitos da m u lh e r ..................... '. 201 N otas p e i p i e n a s .................................. 23>9
GOVERNO QUERCIA

A N T O N IO C A R L O S M E S Q U IT A
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Marília - A v . R io B ranco. 803 - F one (0144) 33-5163
P resid ente P rudente - A v . M anoel G oulart, 2.109 - Fone (0182) 22-1622
Ribeirão P reto - A v . N ove de Julho, 378 - Fone (016) 625-2345 - ramal 32
São José do Rio P reto - Rua G eneral G licério, 3.947
F one (0172) 33-9277 - ramal 146
EDIÇÕES DO CONVÊNIO IM ESP/DAESP
1981/1987

1 Fac-símiles
A lm a n a c h L it t e r a r io d e S ã o P a u lo , (1 9 8 2 ).
A lm a n a k d a P r o v ín c ia d e S ã o P a u lo p a r a 1 8 73 , (1 9 8 5 ).
A lm a n a k d e S . J o ã o d o R io C la r o p a r a 1 8 73 , (1 9 8 1 ).
C a b r iã o , (1 9 8 2 ).
O s P r im e ir o s A lm a n a q u e s d e S ã o P a u lo , (1 9 8 3 ).
A lm a n a k A d m in is t r a t i v o , M e r c a n t il e I n d u s tr ia l d a
P r o v ín c ia d e S . P a u lo p a r a o A n n o d e 18 5 7 , (1 9 8 3 ).
A lm a n a k A d m in is t r a t iv o , M e r c a n t il e I n d u s tr ia l d a
P r o v ín c ia d e S . P a u lo p a r a o A n n o d e 1 8 5 8 , (1 9 8 3 ).
S ã o P a u lo , 1 9 3 2 , (1 9 8 2 ).
D e m o c r a c ia , (1 9 8 1 ).
I n d ic a d o r d e S . P a u lo A d m in is t r a d o r , J u d ic ia l,
I n d u s t r ia l, P r o fis s io n a l e C o m m e r c ia l p a r a o A n n o d e
18 7 8 , (1 9 8 3 ).
0 H o m e m d o P o v o , (1 9 8 4 ).
B r á s , B e x ig a e B a r r a F u n d a , (1 9 8 2 ).
C o m e n t á r io s e n o t a s à e d iç ã o fa c -s im ila r d e 1 9 8 2 , d e
B r a s , B e x ig a e B a r r a F u n d a , d e A n t ô n io d e A lc â n t a r a
M a c h a d o , (1 9 8 2 ).
L a r a n ja d a C h in a , (1 9 8 2 ).
C o m e n t á r io s e n o ta s à e d iç ã o fa c -s im ila r d e 19 82 d e
L a r a n ja d a C h in a , d e A n t ô n i o d e A lc â n t a r a M a c h a d o
(1 9 8 2 ).
P a t h é -B a b y , (1 9 8 2 ).
C o m e n t á r io s e n o ta s à e d iç ã o fa c -s im ila r d e 19 82 d e
P a t h é -B a b y , d e A n t ô n i o d e A lc â n t a r a M a c h a d o , (1 9 8 2 ).
F u t e b o l, (1 9 8 2 ).
0 P o lic h in e llo , (1 9 8 1 ).

2D iversos
• I m p r e n s a d o in t e r io r , (1 9 8 3 ).
• J ú lio P r e s t e s e a P r im e ir a R e p ú b lic a , (1 9 8 2 ).
• R e la t ó r io s d o s P r e s id e n t e s d a P r o v ín c ia d e S ã o P a u lo
1 8 3 6 -1 8 8 9 , (1 9 8 2 ).
• F e r r o v i a , o c a m in h o c e r t o , (1 9 8 2 ).
• F u t e b o l e c u lt u r a , (1 9 8 2 ).
• S ã o P a u lo e m t r ê s t e m p o s , (1 9 8 2 ).
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