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Teorias do Estado

Eixo 2: O Estado Pós-Democrático

Módulo 1: Do Estado Democrático de Direito ao Estado Pós-Democrático

Aluno: Caroline de Oliveira Gonçalves Ferreira

Estudo Dirigido

Prof. Júlio Aguiar de Oliveira

Texto de referência:
Casara, Rubens R. R. Estado pós-democrático: neo-obscurantismo e gestão dos
indesejáveis. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

Questões

1. Vivemos uma crise do Estado Democrático de Direito?


Ao se declarar uma crise do Estado Democrático de Direito, assevera-se que ele
ainda subsiste, que seus alicerces permanecem intactos. A crise é, por definição,
algo extraordinário, uma adversidade que questiona o processo ou sistema, mas
que justamente por isso o reconhece como algo que ainda perdura e pode ser
resgatado, desde que a adversidade seja eliminada ou transformada em algo
benéfico. Por outro lado, se a crise se torna "permanente", se é inerente e funcional
ao status quo, benéfica para a geração de lucro, bem como para a repressão
necessária à manutenção do projeto político e econômico imposto em
determinado Estado, não representa mais uma adversidade, uma anomalia, mas
sim um elemento favorável ao modelo neoliberal. Crise deixa de refletir um
momento de incerteza, temporário, emergencial ou excepcional. É um termo que
passou a ser utilizado para encobrir uma escolha política por meio de artifícios e
ações justificados pela falsa urgência ou pela falsa natureza excepcional do
momento. Uma palavra com uma função tranquilizadora, que aponta para um
processo ou sistema que já não está mais presente, mas cuja lembrança serve para
acalmar aqueles que esperam por algo que não retornará. A hipótese do livro de
referência é que não existe uma verdadeira crise. A concepção do Estado
Democrático de Direito, que se caracterizava pela existência de limitações rígidas
ao exercício do poder (sendo o principal desses limites constituído pelos direitos
e garantias fundamentais), não consegue mais explicar e descrever
adequadamente o Estado que se apresenta.

2. O que é Estado Democrático de Direito?


De acordo com o autor, o Estado Democrático de Direito é um "modelo ideal" de
Estado que se compromete a realizar os direitos fundamentais e se caracteriza
principalmente pela presença de limitações legais ao exercício do poder. Ele é
sinônimo de Estado Constitucional, ou seja, um Estado no qual os indivíduos e, em
particular, os agentes estatais, estão submetidos à lei, não de acordo com o antigo
paradigma positivista ("submissão à letra da lei"), mas sim à lei que esteja em
consonância com a Constituição da República. Portanto, temos um tipo de sistema
no qual o poder público está estritamente restringido e ligado à lei que seja
apropriada para a normatividade constitucional, tanto no aspecto substancial
(relativo aos conteúdos relevantes) quanto no aspecto processual/procedimental
(relativo às formas processualmente vinculativas). No Estado Democrático de
Direito, busca-se reduzir ao mínimo os espaços para arbitrariedade e opressão,
especialmente devido à aplicação do princípio da legalidade estrita. Legalidade
estrita refere-se à técnica legislativa que tem como objetivo regulamentar e
restringir de forma extremamente precisa o exercício dos poderes estatais e,
principalmente, a violência institucional, através da determinação normativa de
seus requisitos. A legalidade estrita requer uma produção legislativa baseada em
evidências empíricas para que sua aplicação seja possível a partir de eventos ou
proposições que possam ser verificadas. Em resumo, o modelo ideal de "Estado
Democrático de Direito" retoma a tradição iluminista e liberal que sustenta, diante
da grande contraposição entre liberdade e poder, presente em toda a história
humana (e que se traduz na ideia de que "quanto maior a liberdade, menor o poder
e vice-versa"), a expansão da esfera de liberdade e a restrição dos espaços que
permitem o exercício arbitrário do poder. A escolha política que levou ao Estado
Democrático de Direito, construída após a Segunda Guerra Mundial, é de que o
poder deve ser limitado para evitar novos holocaustos e permitir o exercício da
máxima liberdade (vida plena), compatível com a igual liberdade dos outros (vida
plena de terceiros).

3. O que há de novo?
Segundo Casara, a indicação de que o Estado Democrático de Direito foi
ultrapassado não decorre da transgressão das restrições ao exercício do poder,
mas sim da completa ausência de intenção em fazer cumprir esses limites. Os
princípios do Estado Democrático de Direito já não conseguem mais restringir
efetivamente o exercício do poder na prática.

4. O que se entende por “Pós-Democrático”?


Por "Pós-Democrático", na falta de um termo mais apropriado, entende-se um
Estado desprovido de limitações rígidas ao exercício do poder, em um momento
em que o poder econômico e o poder político se aproximam, quase se
confundindo, sem restrições. No Estado Pós-Democrático, a democracia ainda
existe, mas já não possui um caráter substancial e vinculativo, transformando-se
em mera fachada, um componente discursivo tranquilizador. O avanço
democrático que surgiu com o Estado Moderno, resultado da separação entre o
poder político e o poder econômico, desaparece na era pós-democrática, e, nesse
contexto, pode-se falar em uma espécie de retrocesso pré-moderno, caracterizado
pela predominância de um absolutismo de mercado.

5. O que significa “pós-democracia” para Colin Crouch?


Colin Crouch utilizou a expressão pós-democracia para designar o momento em
que há o pleno funcionamento (formal) das instituições democráticas (eleições,
liberdade de expressão, etc), mas no qual a dinâmica democrática
progressivamente desaparece. Assim, segundo de Crouch, não obstante as
eleições, o poder de produzir decisões politicas estaria se deslocando da arena
democrática para pequenos grupos. A pós-democracia indicaria, basicamente,
uma transferência do poder real. Para essa concepção de pós-democracia, ainda
há uma fachada democrática, mas as decisões politicas passaram a ser tomadas
pela direção das grandes corporações transnacionais, pelos mercados, pelas
agencias de classificação etc. O conceito de Crouch, porém, está condicionado por
uma visão típica do Norte global e foi construído para um contexto marcado por
tentativas mais consistentes de implantar um verdadeiro Estado do Bem-Estar
Social – ainda que como concessão da luta anticomunista -, no qual os direitos
fundamentais ainda gozam de prestigio.

6. O que é a política na pós-democracia?


Na pós-democracia, o político se transforma, conforme a visão de Carl Schmitt em
1932, no mero domínio da dualidade entre amigo e inimigo. Essa distinção política
entre amigo e inimigo tem a finalidade de caracterizar o alto grau de adesão e
conformidade ao paradigma neoliberal. No Estado Pós-Democrático, a distinção
estritamente política, uma vez que desaparecem as funções que compunham o
"braço esquerdo" do Estado - como as políticas inclusivas e de redução da
desigualdade -, consiste na diferenciação entre "amigo" do mercado e "inimigo" do
mercado; este último será o indivíduo indesejável sobre o qual recairá o poder
penal.

7. Quais as distintas configurações do Estado Capitalista?


O Estado Liberal de Direito, o Estado Social de Direito, o Estado Fascista, o Estado
Democrático de Direito e, agora, o Estado Pós-Democrático.

Para se estabelecer como hegemônico e superar de forma definitiva o Estado


Absolutista, o projeto capitalista demandou um Estado regido por leis, onde
predominava a concepção de separação entre o Estado e a sociedade civil (a
sociedade civil, onde a atividade mercantil ocorria, permanecia como um domínio
proibido para o Estado). Nesse contexto, a propriedade e a liberdade (entendida
como a liberdade para adquirir e possuir sem restrições, uma liberdade originária
da qual derivariam todas as outras liberdades) eram consideradas os dois direitos
fundamentais primordiais do indivíduo. O termo "democrático" era utilizado para
enfatizar a oposição em relação ao princípio monárquico do Estado Absolutista.
No entanto, à medida que a situação econômica de uma grande parcela da
população se agravou, os conflitos sociais se intensificaram e a ameaça
representada pelas experiências socialistas cresceu, juntamente com a perda de
confiança na eficácia concreta da "mão invisível" e das "leis naturais" do mercado,
o Estado de Direito Liberal foi gradualmente substituído por um Estado Social de
Direito.

O Estado Social de Direito surge como uma solução de compromisso entre os


defensores do status quo e aqueles que buscavam transformações sociais. É
válido, portanto, o argumento dos pesquisadores que destacam o caráter ilusório
e ideológico do Estado Social, que conseguiu conter os impulsos dos movimentos
revolucionários e os protestos das classes não capitalistas. Conforme afirmado por
Avelãs Nunes, essa foi a primeira tentativa de substituir a "mão invisível" da
economia pela "mão invisível" do direito. No modelo do Estado Social de Direito,
em que se observa uma certa primazia do aspecto político sobre o econômico, o
Estado assume a responsabilidade de promover a "justiça social", garantir o pleno
desenvolvimento de cada indivíduo e realizar o projeto de uma vida digna para
todos (princípio da dignidade da pessoa humana). No entanto, em um cenário de
profunda crise econômica, no qual a fragilidade da economia nos países
capitalistas não permitia a realização mínima das promessas do Estado Social, e
com os detentores do poder econômico ávidos por aumentar seus lucros, o projeto
capitalista precisou adotar a forma de um Estado Fascista, antidemocrático e
antissocialista.

O Estado Fascista apostava na força como resposta para manter a ordem (e a


exploração capitalista) e resolver os mais variados problemas sociais, na medida
em que incentivava a ausência de reflexão. Era um Estado de Direito, mas o direito
no modelo fascista não representava um limite ao arbítrio e à opressão.

Após a derrota política e militar dos Estados Fascistas e a percepção por parte do
capitalismo de que o fascismo clássico já não servia mais aos objetivos imediatos
do projeto capitalista, voltou-se a investir em um modelo de Estado que fosse
caracterizado pela existência de restrições ao exercício do poder, ou seja, o Estado
Democrático de Direito. A ênfase foi então colocada nas limitações impostas ao
exercício de poderes (poderes que poderiam ser prejudiciais ao projeto
capitalista), entre os quais se destacavam os direitos fundamentais. No entanto, é
importante notar que a construção da categoria "direitos fundamentais" muitas
vezes é romantizada, sem levar em conta tanto a sua origem eurocêntrica quanto
a sua funcionalidade política nessa formulação. Essa aposta, no entanto, revelou-
se inadequada à luz do projeto de exploração capitalista, uma vez que os direitos
fundamentais passaram a representar obstáculos ao poder econômico. Como
resultado, a lógica neoliberal, uma nova forma de governança das economias e das
sociedades baseada na ampla disseminação do mercado e na liberdade irrestrita
do capital, conduziu à emergência do Estado Pós-Democrático de Direito.

8. Como Vandana Shiva descreve o Estado Pós-democrático?


Vandana Shiva destacou que o Estado Pós-Democrático se caracteriza por ser
corporativo e monetarista, com um papel proeminente das grandes corporações,
em particular das instituições financeiras, no processo de tomada de decisões
governamentais. É uma forma de democracia controlada pelas grandes
corporações, para as grandes corporações e a partir das grandes corporações.
Nesse tipo de Estado, o governo se coloca de forma aberta a serviço do mercado,
da busca de lucros e dos interesses dos titulares do poder econômico, resultando
na ausência de esforços para reduzir a desigualdade. Nesse contexto, a "liberdade"
passa a ser definida como a liberdade de ampliar as oportunidades de acumulação
de capital e de geração de lucros. Na pós-democracia, a única liberdade intocável
é aquela que assegura a propriedade privada, a concentração dos meios de
comunicação de massa, a produção de dispositivos de "pensamento suplementar"
- como televisores, computadores, smartphones etc. - capazes de substituir
cidadãos por consumidores acríticos. Além disso, essa liberdade protege a
acumulação de bens, os interesses das grandes corporações e a circulação do
capital financeiro.
9. O que é management?
O management mobiliza recursos financeiros imensos, promove a crença na "boa
administração", controla e utiliza os meios de comunicação de massa e as técnicas
voltadas para o que tradicionalmente se chamou de "conquista dos corações".
Atualmente, o termo "management" não se restringe a um espaço específico,
abrangendo tudo, desde residências até serviços públicos, de entretenimento ao
treinamento de cavalos ou eleitores. Fórmulas para uma administração
apresentada como técnica, científica e econômica, mas que, na realidade, possui
um caráter ideológico, escondem o objetivo final de servir aos interesses dos
detentores do poder econômico. A eficácia se torna o emblema desse domínio e
faz parte da promessa dos administradores para os cidadãos reduzidos à condição
de consumidores ou até mesmo mercadorias, como Pierre Legendre descreveu,
em um cenário que ele chamou de "refeudalização planetária". Trata-se de um
império difuso, e é justamente aí que reside sua força, como observado por
Legendre, uma vez que abarca tantos centros de poder quantos poderes rivais
possam existir em uma civilização na qual tudo é comprado e vendido, sem limites.

10. O que acontece com a democracia no Estado Pós-democrático?


Na pós-democracia, o termo "democracia" continua a existir, mas perde seu
conteúdo real. Ela permanece como uma mera fachada, uma desculpa que justifica
o autoritarismo. Em nome da "democracia", princípios democráticos são
frequentemente ignorados. A imposição da "democracia" em certos países do
Oriente Médio, mesmo quando contraria a vontade do povo e viola tratados e
convenções de direitos humanos, ilustra como a retórica democrática pode ser
usada contra os próprios valores democráticos. Trata-se de uma "democracia" na
qual a premissa de um governo pelo povo para o povo desaparece, ignorando
também direitos democráticos, como a autodeterminação dos povos. Rancière
reconhece que a democracia contemporânea - o que hoje chamamos de "pós-
democracia" - pode ser vista como algo passível de aversão, caracterizando-a
como o "reino do excesso", marcado pela destruição dos limites políticos devido à
"lei da ilimitação própria da sociedade moderna". Com a "vitória" do modelo
capitalista, não há mais a necessidade de um conteúdo material (e ético) para o
termo "democracia". Assim, a democracia torna-se vazia de significado, o que está
relacionado com o "vazio do pensamento" que permeia os modelos em que o
autoritarismo é naturalizado. Não há mais a Guerra Fria para justificar uma defesa
"incondicional" dos valores democráticos. Não é coincidência que, da mesma
forma que o fascismo clássico (que ainda mantinha preocupações sociais), o
neoliberalismo, que possibilitou o surgimento do Estado Pós-Democrático, seja
descrito como um "capitalismo sem luvas", um estágio do capitalismo mais puro,
desprovido de direitos democráticos e resistência. Isso é característico de uma era
na qual as forças empresariais e financeiras, maiores e mais agressivas do que
nunca, consolidaram seu poder político em todas as áreas possíveis, seja através
do uso da força, que se manifesta a partir do poder econômico, ou da ausência de
reflexão, que permite a dominação ao transmitir mensagens por meio dos meios
de comunicação de massa, intelectuais comprometidos com o capital e outras
instituições que promovem as ilusões necessárias para que o neoliberalismo e o
Estado Pós-Democrático pareçam ser desejáveis, racionais e inevitáveis.
11. O que acontece especificamente com a democracia participativa no
Estado Pós-democrático?
Uma característica notável do Estado Pós-Democrático é o enfraquecimento da
democracia participativa, que ocorre tanto pela desvalorização da política e do
"bem comum" quanto pela promoção da crença de que não existem alternativas
ao status quo. A política passa a ser vista de forma negativa, e, não por
coincidência, os movimentos e até mesmo as campanhas políticas concentram-se
principalmente em atacar seus oponentes. As campanhas eleitorais sofrem um
processo de judicialização, no qual o cidadão-eleitor e as propostas políticas são
substituídos por um cidadão-juiz que deve avaliar acusações. O resultado mais
evidente dessa desvalorização da política e do "bem comum" é a passividade e a
falta de protestos diante da implementação de políticas públicas que reduzem
direitos. O Estado e a política são encarados como adversários, algo que não
interessa às pessoas, em vez de serem vistos como espaços de luta por uma vida
mais digna. Esse esvaziamento, naturalmente, não ocorre apenas pela promoção
de uma mentalidade hostil à política.

12. Apresente e explique os dois “otimismos imbecilizantes” que se unem


na pós-democracia.
“Ideologia do Êxito”, em especial sua versão que prega a meritocracia – que
poderia ser resumida na ideia-chave “fique tranquilo, se você fizer por merecer,
alcançará o êxito e concretizará seus sonhos” -, e o otimismo da “ideologia do
Estado total” – que se encontra na ideia-chave “fique tranquilo que o Estado,
justamente por ser total, sabe o que é melhor para você e, mesmo que para isso
seja necessário restringir seus direitos e seus sonhos, buscará o seu bem.”. Esse
otimismo “qualificado”, que mistura o pior que há nas ideologias que sustentaram
a Guerra Fria, é o que justifica que o mesmo Estado se apresente omisso no jogo
predatório econômico (ultraliberalismo) e agigante-se no controle social, em
especial na repressão, sempre seletiva e politicamente direcionada, da população
(Estado Penal).

13. Qual a novidade, em relação à redução do humano à mercadoria,


específica da pós-democracia?
A pós-democracia, se caracteriza pela transformação de toda prática humana em
mercadoria, pela mutação simbólica pela qual todos os valores perdem
importância e passam a ser tratados como mercadorias, portanto, disponíveis
para uso e gozo seletivos, em um grande mercado que se apresenta de fachada. A
novidade, porém, não é que pessoas e valores sejam tratados como mercadorias,
mas o fato de essa utilização se dar explicitamente, sem pudor e sem qualquer
limite (jurídico, ético etc.) em um Estado que se afirma democrático.

14. Qual o trânsito de função se opera em relação ao Poder Judiciário na


pós-democracia?
Na pós-democracia, o Poder Judiciário deixa de cumprir o papel de guardião dos
direitos fundamentais, uma função que deveria ser exercida mesmo que isso
implicasse em tomar decisões contrárias às maiorias momentâneas. Em vez disso,
o Judiciário assume uma função política de regular as expectativas dos
consumidores. O direito deixa de ser um instrumento de regulação social para se
tornar mais um meio a serviço do mercado, transformando o cidadão em mero
consumidor. O respeito pela alteridade e o diálogo são negados (o verdadeiro
diálogo, que difere substancialmente dos "acordos" obtidos por meio da
manipulação da liberdade ou dos falsos consensos resultantes de "delações
premiadas" e processos similares), enquanto os conflitos que podem gerar lucros
são incentivados dentro do sistema judicial.

15. Que tipos de lógica são incorporadas pelos atores jurídicos/Poder


Judiciário na pós-democracia?
A pós-democracia promove, por um lado, a produção em massa de decisões
judiciais, utilizando modelos padronizados, argumentos clichês e discursos de
fundamentação pré-estabelecida (fundamentações que existem antes mesmo da
tomada de decisão e que se distanciam da realidade do caso concreto). Isso é feito
como meio de aumentar a eficiência, agradar a uma parcela dos consumidores,
estabilizar o mercado (ou seja, proteger os lucros dos detentores do poder
político), exercer controle social sobre a população e facilitar a acumulação. Essa
abordagem gerencial e eficientista, que se baseia em critérios "científicos" (onde
a ciência, mais uma vez, é usada como uma ideologia), contábeis e financeiros,
afasta qualquer pretensão de que a atividade jurídica se dedique à realização dos
direitos e garantias fundamentais. Essa abordagem é adotada não apenas por
razões ideológicas, mas também como uma forma de garantir vantagens nas
carreiras dos atores jurídicos. Aqueles que não seguem a lógica do mercado ou não
atuam com base em uma mentalidade contábil e financeira muitas vezes
enfrentam perseguições ideológicas por meio de processos nas corregedorias e
dificuldades em obter promoções. Por outro lado, o Poder Judiciário passa a gerir
julgamentos que seguem a lógica dos espetáculos, focados em satisfazer os
espectadores (também consumidores) do sistema judicial. No contexto do
espetáculo, que é tratado como uma mercadoria, não há espaço para nada além de
agradar ao consumidor.

16. O que acontece com os direitos fundamentais na pós-democracia?


Tanto na situação de produção em massa (onde não há espaço para análises
detalhadas sobre a correção das decisões) quanto nos processos transformados
em espetáculos (onde a prioridade é agradar à audiência), os direitos
fundamentais, que anteriormente serviam como uma base legal para os direitos
humanos e uma estratégia para alcançar a dignidade da pessoa humana, são agora
tratados como dispensáveis, semelhantes a qualquer outra mercadoria que perde
seu valor. Em espetáculos destinados a audiências autoritárias (e a sociedade
brasileira tem uma longa tradição autoritária), os direitos fundamentais são
frequentemente demonizados. Isso ocorre em grande parte devido à influência
dos meios de comunicação de massa, que constroem a imagem de uma "boa
justiça" associada à repressão e ao uso da força, em detrimento do conhecimento
e das práticas restaurativas. Enquanto isso, os discursos e práticas autoritários se
tornam mercadorias atraentes.

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