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Juliana Lugarinho Braga

Loucos de rua: uma revisão de escopo sobre pessoas em situação de rua com transtornos
mentais graves

Rio de Janeiro
2022
Juliana Lugarinho Braga

Loucos de rua: uma revisão de escopo sobre pessoas em situação de rua com transtornos
mentais graves

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Saúde Pública, da Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, na
Fundação Oswaldo Cruz, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Saúde Pública. Área de concentração: Políticas
Públicas, Gestão e Cuidado em Saúde.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Fagundes


da Silva.

Rio de Janeiro
2022
Título do trabalho em inglês: Homeless people with severe mental illness: a scoping review.

Catalogação na fonte
Fundação Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde
Biblioteca de Saúde Pública

B813l Braga, Juliana Lugarinho.


Loucos de rua: uma revisão de escopo sobre pessoas em situação
de rua com transtornos mentais graves / Juliana Lugarinho Braga. --
2022.
89 f.

Orientador: Paulo Roberto Fagundes da Silva.


Dissertação (mestrado) – Fundação Oswaldo Cruz, Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2022.

1. Pessoas em Situação de Rua. 2. Transtornos Mentais.


3. Habitação. 4. Colaboração Intersetorial. 5. Pobreza. I. Título.

CDD – 23.ed. – 362.2


Juliana Lugarinho Braga

Loucos de rua: uma revisão de escopo sobre pessoas em situação de rua com transtorno
mental grave

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Saúde Pública, da Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, na
Fundação Oswaldo Cruz, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Saúde Pública. Área de concentração: Políticas
Públicas, Gestão e Cuidado em Saúde.

Aprovada em: 28 de julho de 2022.

Banca Examinadora

Prof.ª Dra. Nilza Rogéria de Andrade Nunes


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Prof. Dr. Willer Baumgarten Marcondes


Fundação Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Saúde Pública

Prof. Dr. Paulo Roberto Fagundes da Silva (Orientador)


Fundação Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Saúde Pública

Rio de Janeiro
2022
Àqueles cuja trajetória de vida cruzou com minha trajetória de
trabalho, encontro que me mobilizou a escrever esta dissertação: os
loucos de rua do Centro do Rio de Janeiro.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais, Christina e Carlos, pelo apoio, por serem meu
refúgio, pelos almoços de domingo e pelas marmitas, pela loucinha lavada. Ao meu irmão,
Lucas, pela irmandade, amizade e pelo companheirismo na busca por nossos caminhos
acadêmicos. E ao meu padrinho Marcelo Lugarinho (in memoriam) cujo apoio e motivação em
minhas escolhas profissionais e acadêmicas levarei para sempre.
Aos queridos amigos Giovanna Cinacchi e Danilo Bueno pela parceria, pelos conselhos
e pelas orientações. Os verdadeiros co-orientadores deste trabalho, sem eles metade disso não
seria possível! Agradeço pela paciência e pelo acolhimento de sempre, Mariconas!
À amiga Adriana Fonseca, com quem compartilhei quatro anos de muito trabalho e
companheirismo, e que me ajudava a enxergar caminhos possíveis quando eu achava que já
havia esgotado minhas possibilidades no cuidado com os loucos de rua. Com quem compartilho
minha vida até hoje com muito amor e admiração pela profissional e pessoa que ela é.
Às amigas Priscila Andrade e Thais Bastos sempre acolhedoras e queridas.
À minha analista, Margarete Araújo, por me acompanhar no processo de compreensão
e aceitação do meu tempo.
Ao meu orientador, professor doutor Paulo Fagundes pelo respeito ao tema e
acompanhamento no processo. E à colega Aline Degrave pelo auxílio com a metodologia.
Por fim agradeço a todos aqueles que, de perto ou de longe, me ajudaram a cuidar de
mim e compreenderam minhas ausências ao longo desse extenso e extenuante processo. Parece
clichê, mas sem vocês não seria possível trabalhar a mais de 60 km de casa e sobreviver ao
mestrado. Muito obrigada!
É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é
possível mudar as coisas.
(SILVEIRA, 1991)
RESUMO

O fenômeno da situação de rua é algo crescente no Brasil e acompanha o movimento de


aumento da pobreza e da miséria decorrentes da situação de crise econômica na qual o país se
encontra nos últimos anos. Dentre as pessoas que vivem em situação de rua, estão aquelas ainda
mais vulneráveis e que além do estigma da pobreza, enfrentam o estigma da loucura: os loucos
de rua. Pessoas em situação de rua que possuem algum tipo de transtorno mental grave. O
objetivo deste trabalho é, através da realização de uma revisão de escopo da literatura nacional
e internacional, conhecer quem são os loucos de rua e suas necessidades, assim como identificar
como essas necessidades têm sido atendidas, que políticas e projetos voltados para essa parcela
da população em situação de rua estão sendo realizados. Há no senso comum a disseminação
de falas infames sobre essas pessoas, que as colocam como loucas, drogadas, criminosas, e
que, ao culpabilizar o sujeito pela situação de rua, despolitiza este fenômeno e tiram crédito de
fatores estruturantes relacionados a essa população, tais como a pobreza, a quebra ou ausência
de vínculos sociais e a falta de habitação financeiramente acessível, estável e segura.
Estigmatizar pessoas em situação de rua como loucas coloca à cargo da medicina psiquiátrica
a resposta para um fenômeno complexo, que não se encerra em um diagnóstico. Acrescentar a
isso a alcunha de drogados, estende ainda mais a discriminação e a criminalização dessas
pessoas e perpetua discursos e ações higienistas voltadas para os loucos de rua. Os resultados
encontrados na revisão de escopo apontam foco extenso em estratégias de oferta de habitação
para pessoas em situação de rua com transtorno mental grave e uma falha na integralidade da
análise de outros aspectos relacionados ao fenômeno, tais como questões de gênero e relações
com outros dispositivos e políticas que possam responder a suas demandas. Tais lacunas na
produção de conhecimento e de ações e políticas voltadas para pessoas em situação de rua com
transtorno mental grave indicam a necessidade de se conhecer essas pessoas para que se possa
propor estratégias de cuidado efetivas e eficazes.

Palavras-chave: pessoas em situação de rua; transtornos mentais graves; habitação;


intersetorialidade.
ABSTRACT

The homelessness phenomenon is growing in Brazil and follows the growth of poverty
and misery as a result of the economic crisis in which the country finds itself in recent years.
Among the homeless persons is a more vulnerable group that beyond the stigma of poverty
carries the stigma of craziness: the homeless people with severe mental illness. Homeless
persons with any severe mental illness diagnosis. This paper aims to, through a scoping review
of national and international literature, get to know who are the homeless with severe mental
illness and their needs, as well as identify how those needs are being addressed, which policies
and projects aimed at this part of the homeless population are being accomplished. In the
common sense there is dissemination of infamous speeches about these people, that frames
them as crazy, junkies, criminals, and that, by blaming the individual for his homeless situation,
depoliticizes and take credit from structural factors related to this population, such as poverty,
the break or absence of social relations and the lack of affordable, stable and safe housing.
Stigmatizing homeless people as crazy puts the answer to this complex phenomenon, which
does not end in a diagnosis, in charge of psychiatric medicine. Add to that the cognomen of
junkies extends even more the discrimination and criminalization of those persons and
perpetuates a hygienist speech and actions towards the homeless with severe mental illness.
The results found in the scoping review indicates that there is an extended focus on the housing
offer for homeless people with severe mental illness and the lack of totality in analyzing other
aspects related to the phenomenon, such as gender issues and the relationship with other devices
and policies that might answer their needs. Such gaps in the production of knowledge and
actions and policies on the subject of homeless people with severe mental illness indicates the
need to get to know these people so that effective care strategies can be proposed.

Keywords: homeless people; severe mental illness; housing; intersectionality.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 - Fluxograma descritivo das etapas da coleta de dados nas bases


eletrônicas........................................................................ 21
Quadro 01 - Informações gerais dos textos selecionados a partir de revisão
nas bases de
22
dados....................................................................................
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AHCS Programa At Home/Chez Soi


ASS Agentes Sociais De Saúde
CADÚnico Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
CAPS Centros de Atenção Psicossocial
Centro Centro de Referência Especializado para População em Situação de
POP Rua
CID Classificação Internacional de Doenças
DSM Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
GIC Gestão Intensiva de Casos
HF Housing First
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
NASFab Núcleo Ampliado de Saúde da Família
ONU Organização das Nações Unidas
PCV Projeto Cuidando da Vida
PN Peer Navigators
PNP Peer Navigator Program
PRISM Projet Réaffiliation Itinérance Santé-Mentale
PSR População ou pessoas em situação de rua
QdV Qualidade de Vida
RAPS Rede de Atenção Psicossocial
SENAD Secretaria Nacional de Políticas de Drogas
GC Gestão de Casos
TCA Tratamento Comunitário Assertivo
TF Treatment First
TMG Transtorno mental grave ou transtornos mentais graves
TP Tratamento Padrão
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 11
2 O PANORAMA NACIONAL DAS POLÍTICAS DIRECIONADAS À
POPULAÇÃO DE RUA...................................................................................... 15
3 METODOLOGIA................................................................................................ 18
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO............................................................................ 21
4.1 PREVALÊNCIA: QUEM SÃO OS LOUCOS DE RUA?.................................... 31
4.2 SAÚDE MENTAL E SAÚDE EM GERAL PARA PESSOAS EM SITUAÇÃO
DE RUA COM TRANSTORNO MENTAL GRAVE.......................................... 42
4.3 POLÍTICAS DE SUPORTE CENTRADAS NA HABITAÇÃO.......................... 61
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 80
REFERÊNCIAS................................................................................................... 84
11

1 INTRODUÇÃO

Há muitas décadas o Brasil vem lidando com um problema importante e que


expressa características do desenvolvimento socioeconômico do país: as pessoas que
fazem das ruas seus locais de vida. No Brasil, o decreto 7.053/2009 (BRASIL, 2009)
define as pessoas em situação de rua como um grupo heterogêneo com características
similares, como a pobreza extrema, fragilidade ou inexistência de vínculos familiares e a
falta de moradia regular. Não há um conceito único que define quem seriam as pessoas
em situação de rua, mas há um esforço em caracterizá-las a partir da definição de
parâmetros, tais como o postulado pela Organização das Nações Unidas (ONU), que
afirma estreita relação entre a situação de rua e a ausência de habitação financeiramente
acessível. De acordo com o órgão internacional, a situação de rua está diretamente
relacionada à condição onde a pessoa ou família não dispõe de: espaço habitável com
segurança de posse, direitos à relações sociais e habilidade de gozar das mesmas,
incluindo a segurança. A pobreza, o acesso à uma renda de baixo valor ou o não acesso à
renda estariam diretamente relacionados à aquisição de habitações adequadas e estáveis,
assim como à ida e permanência das pessoas nas ruas. No Brasil, tal fator fica ainda mais
evidente nos dias atuais, com a crise política e econômica em curso que se acentuou nos
últimos anos com a pandemia de Covid-19, aumentando a desigualdade e a
vulnerabilidade da população pobre e, principalmente, daqueles que estão nas ruas.
Entretanto, dentre as pessoas em situação de rua, existe um subgrupo ainda mais
vulnerável: as pessoas portadoras de transtorno mental sem diagnóstico especificado, mas
que apresentam sintomas psicóticos, não institucionalizadas, sem vínculos familiares e
que vivem em condição de extrema pobreza, os ditos loucos de rua. Autores como Lisboa
(2013) e Borisow e Furtado (2013) utilizam o termo para designar essas pessoas.
Pensando no contexto da Luta Antimanicomial, que dentre outros aspectos visa a
derrubada de barreiras construídas acerca das pessoas com transtornos mentais, tais como
os manicômios, e também estigmas e discriminações, o uso de termo loucos de rua
caracteriza uma tentativa de aproximar a sociedade da loucura como algo que apenas
pontua uma diferença.
Os loucos de rua sofrem, além do estigma da miséria, o estigma da loucura e da
periculosidade (Borisow e Furtado, 2013). Suscitam, tanto no imaginário popular quanto
nas crenças das pessoas responsáveis pelo seu cuidado, políticas de intervenção de
12

matizes diversos: desde o acolhimento humanizado até práticas higienistas, que podem
acarretar a remoção compulsória de seu lugar de vida e a institucionalização.
Lovisi (2000) utiliza o termo “psiquiatrização da miséria” como uma
categorização da população em situação de rua comumente feita, que reduz sua
complexidade à mera condição de “doentes mentais”. Johnson e Chamberlain (2011)
apontam para uma generalização que se faz dessas pessoas, as colocando como loucas ou
como drogadas, deixando de lado relações de causalidade e prevalência entre a loucura e
a situação de rua. Os autores se debruçam sobre aspectos relacionados à causalidade da
situação de rua e dos transtornos mentais e apontam que o imaginário popular, ao proferir
que toda pessoa em situação de rua é louca, opera generalizações que não condizem com
a realidade e perpetuam estigmas, tirando o foco de causas estruturais relacionadas ao
fenômeno da situação de rua, como o rompimento de vínculos familiares, a pobreza e a
falta de uma habitação estável e segura.
Assim como dizer que todos que moram nas ruas fazem uso de álcool e outras
drogas. Aspectos relacionados ao uso de drogas podem ser características de um segmento
significativo das pessoas em situação de rua, porém, não devem ser entendidos como
inerentes a todas elas. A vida nas ruas por si só, em decorrência das privações e
vulnerabilidades às quais essas pessoas estão submetidas, é fator gerador de sofrimento
psíquico e pode acarretar, como efeito secundário, no uso de drogas. Deve-se olhar para
esse público com cautela, entendendo que pessoas em situação de rua têm um caráter
heterogêneo e diversas possibilidades que as levaram a viver nas ruas.
Nos estudos sobre pessoas com transtornos mentais graves em situação de rua não
existe um consenso sobre a definição de quais seriam esses transtornos. Do ponto de vista
médico psiquiátrico, Smartt et al. (2019), em um artigo de revisão sobre o tema,
caracterizam como transtornos mentais graves os diagnósticos de esquizofrenia,
transtorno esquizoafetivo, transtorno bipolar do humor e depressão grave com sintomas
psicóticos, definidos de acordo com os manuais diagnósticos de psiquiatria. A literatura
sobre o tema aponta que existem diversos estudos sobre a relação entre a população em
situação de rua e os transtornos mentais graves em países ricos, mas pouco se sabe sobre
essas pessoas em países com média/baixa renda. O que se observa no cenário atual é não
só a escassez de estudos sobre esse tema, mas também a falta de políticas voltadas para o
cuidado daqueles com transtorno mental grave que se encontram em situação de rua
(SICARI e ZANELLA, 2018).
13

Este estudo tem como objetivo conhecer como a literatura científica, nacional e
internacional têm abordado o tema dos loucos de rua com o intuito de aprofundar o
conhecimento de quem são essas pessoas, suas especificidades, necessidades e
vulnerabilidades. O estudo do tema justifica-se porque as lacunas observadas no cuidado
e com relação ao conhecimento sobre essa população influenciam propriamente na
formulação e implementação de políticas efetivas e eficazes estão diretamente
relacionadas ao conhecimento sobre esse público, suas particularidades e suas carências.
A fragilidade das políticas públicas se fazem visíveis para os trabalhadores que
operam no setor saúde. Em minha trajetória profissional enquanto psicóloga tive a
oportunidade de trabalhar em uma equipe de Consultório na Rua no município do Rio de
Janeiro. As equipes de Consultório na Rua são equipes vinculadas à política de atenção
básica e instituídas da forma como as conhecemos pela Política Nacional de Atenção
Básica de 2011, compostas por profissionais de diversas categorias, que atuam
prioritariamente no território, ou seja, na rua. Seu objetivo é promover a integralidade do
cuidado à população em situação de rua, incluindo aqueles com transtorno mental grave.
As equipes de Consultório na Rua são a porta de entrada prioritária dessas pessoas nas
Redes de Atenção à Saúde e de Atenção Psicossocial, portanto, essas equipes também são
responsáveis pela coordenação do cuidado a essas pessoas. No território onde atuei, a
Rede de Atenção Psicossocial era extremamente fragilizada e contava com poucos
recursos de cuidado que operam na via da atenção psicossocial, tendo ainda centralidade
na figura do manicômio seja para internação ou acompanhamento ambulatorial aos
loucos, inclusive os de rua. Dispositivos da política de assistência social voltados para
população em situação de rua, como o Centro de Referência Especializado para
População em Situação de Rua (Centro POP) e diferentes tipos de abrigo, compunham a
rede de atenção. No entanto, dificilmente esses locais acolhiam os loucos de rua. Tais
fatos fazem com que o cuidado ao louco de rua se torne um desafio para mim e para os
demais profissionais relacionados, o que me motivou a buscar conhecimento sobre o
tema.
A estrutura da dissertação visa, num primeiro momento, apresentar os
procedimentos de busca nas bases de dados e seus resultados, que serão apresentados e
discutidos a partir de temas emergentes em capítulo específico, sendo dispostas seções
correspondentes aos temas predominantes. Será destinada uma primeira seção para
descrever quem são os loucos de rua e as relações de prevalência envolvidas nessa
determinação. Em seguida, uma seção realizará a exposição de aspectos relacionados à
14

saúde mental e à saúde geral das pessoas em situação de rua com transtorno mental grave.
Tendo em vista que a habitação emerge como tema central da pesquisa, uma seção será
destinada a expor modelos de programas de habitação voltados para população em
situação de rua com transtorno mental grave em alguns países. Por fim, serão apresentadas
as conclusões obtidas a partir da análise dos temas e textos resultantes da revisão.
15

2 O PANORAMA NACIONAL DAS POLÍTICAS DIRECIONADAS À


POPULAÇÃO DE RUA

Lisboa (2013) expõe a trajetória da situação de rua, de modo geral, a partir do


processo de descolonização, ocupação dos territórios e grandes cidades de aspectos
migratórios, pela saída do campo e busca por melhores condições de vida nas grandes
metrópoles, denotando forte relação com questões habitacionais. Mesmo o fenômeno das
pessoas em situação de rua sendo algo crescente no Brasil, atualmente o país não conta
com dados oficiais atualizados sobre o número de pessoas que se encontram em situação
de rua.
O primeiro censo nacional sobre população em situação de rua no Brasil foi
realizado entre 2007 e 2008 (Brasil, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, 2008), e como não foram feitos outros censos sobre a população em situação de
rua no Brasil desde então, vem sendo realizadas, através do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), pesquisas que apresentam estimativas do número de
pessoas vivendo nas ruas no país. Foi lançada uma em 2015 e outra, mais recentemente,
em 2020. Na nota técnica emitida para divulgar os resultados da última pesquisa
(Natalino, 2020) é apresentada a estimativa da PSR no Brasil entre setembro de 2012 e
março de 2020. A pesquisa foi feita a partir da conjugação de dados do Cadastro Único
para Programas Sociais do Governo Federal (CADÚnico), ou seja, da contagem das PSR
que acessam benefícios socioassistenciais, junto aos números cedidos oficialmente pelos
municípios, e projeta um número de 221.869 pessoas em situação de rua no país.
O censo de 2008 contabilizou 31.922 pessoas até março de 2008, ou seja, em 12
anos essa população teria aumentado algo em torno de 140%. No entanto, essas pesquisas
de estimativa não levam em consideração os aspectos populacionais da situação de rua e,
por considerar apenas a parcela dessa população que acessa os benefícios
socioassistenciais, exclui uma boa parte dessas pessoas, que não possui documentação ou
acessa os serviços da assistência social, por exemplo.
O mesmo censo promoveu diversos avanços relacionados à essa população, como
por exemplo, deu origem ao decreto que institui a Política Nacional para Inclusão da
População em Situação de Rua (BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social,
Decreto nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009. No decreto também foi feita a definição do
que seria estar em situação de rua no Brasil, o que permitiu delinear de alguma forma esse
grupo populacional.
16

Os dados do censo nacional na época de sua coleta foram de suma importância


para conhecermos a população em situação de rua em suas dimensões, características e
demandas, para que a partir daí fossem pensadas políticas públicas voltadas para essa
população, mudando as estratégias de abordagem na época, que eram em grande maioria
de cunho religioso/filantrópico/caritativo ou assistencialista e até mesmo higienista. Ao
longo dos anos foram realizados também outros censos de menor dimensão ou
municipalizados. No entanto, tendo em vista que já se passaram mais de 10 anos do
recenseamento nacional e levando-se em consideração as mudanças sócio-políticas e
sanitárias pelas quais o Brasil passou nesse período, faz-se necessário realizar novos
estudos para que se possa dimensionar a atual situação da população em situação de rua
no país e desenvolver políticas públicas adequadas à realidade atual.
Recentemente, em 2020, foi realizado um recenseamento da população em
situação de rua no município do Rio de Janeiro (2021). Esse censo possui algumas
características específicas que merecem menção: ele foi realizado já durante a pandemia
de Covid-19, que notoriamente influenciou a situação financeira da população e, devido
à ausência da criação de políticas de proteção e seguridade financeira que respondessem
de fato às necessidades da população, acelerou o processo de empobrecimento da
população no Brasil, não tendo sido diferente no município do Rio de Janeiro. Outra
característica desta pesquisa censitária é que foram elaborados questionários diferentes
que foram aplicados nas diversas situações consideradas dentro da definição de situação
de rua, tais como a situação de rua propriamente dita, as cenas de uso de drogas e os
dispositivos de acolhimento institucional (albergues). Vale ressaltar também que essa
pesquisa incluiu crianças menores de 12 anos em situação de rua e em situação de
abrigamento, diferente do censo nacional que considerou apenas a população adulta.
As características sociodemográficas encontradas nos dados obtidos no censo
carioca são similares às do censo nacional de 2008. No entanto, quanto aos motivos que
teriam levado as pessoas a viverem nas ruas, à nível nacional em 2008 o motivo mais
frequentemente relatado foi o uso de álcool e outras drogas (35,5%). Já no Rio de Janeiro,
a prevalência é de pessoas cujo motivo da situação de rua é o rompimento de vínculos
afetivo-familiares (44,6%). O uso de álcool ou outras drogas aparece em segundo lugar
(17,7%), seguido do fator econômico decorrente da perda do trabalho/emprego (14,6%).
O rompimento de vínculos afetivo-familiares e sociais é algo que afeta diretamente a
saúde mental das pessoas, podendo inclusive ter o recurso à droga como uma estratégia
de lidar com o sofrimento psíquico decorrente deste evento. No entanto, apenas o uso de
17

drogas foi abordado enquanto questão de saúde mental na pesquisa censitária. Uso este
que também pode estar diretamente relacionado às vulnerabilidades próprias da situação
de rua, como o frio, a fome, o medo e uma gama de adversidades às quais estão
submetidas.
São diversos os olhares sobre as pessoas em situação de rua e nenhum deles as
coloca em um patamar de visibilidade, pelo contrário: as invisibiliza, apagam suas
histórias e promovem estigmas que podem acabar por perpetuar sua exclusão da
sociedade e, consequentemente, das redes de atenção. Invisibilidade que é reforçada pela
ausência de dados atualizados sobre essas pessoas, o que prejudica a formulação e
implementação de políticas públicas voltadas para elas (NATALINO, 2020). A população
em situação de rua é extremamente heterogênea, e são diversos os motivos pelos quais
essas pessoas estão nas ruas, assim como são inúmeras as suas demandas e necessidades.
Desde a falta de registro civil, a políticas habitacionais, à necessidade de cuidados em
saúde em geral, e especificamente pelo cuidado em saúde mental.
18

3 METODOLOGIA

O método escolhido para elaboração da pesquisa foi o de revisão de escopo: um


tipo de revisão textual que tem por objetivo mapear de forma abrangente a produção
acadêmica sobre determinado assunto, apresentando uma visão geral da literatura,
potencialmente grande e diversa sobre um tópico amplo, em termos de volume, natureza
e características da pesquisa, utilizando uma gama extensa de métodos e desenhos de
estudos. Esse tipo de revisão fornece uma visão ampla e descritiva do material analisado,
sem obrigatoriamente realizar avaliações críticas individualmente com relação à
qualidade das produções selecionadas (PHAM et al., 2014).
Revisões de escopo são úteis quando as informações disponíveis sobre um tema
ainda não foram exploradas e revisadas de forma extensiva ou são diversas e complexas.
Podem ser usadas para: mapear e esclarecer conceitos-chave que sustentam determinado
campo de pesquisa; realizar um levantamento sobre como esse campo tem sido
abordado nas pesquisas; identificar os tipos de evidência existentes em determinado
campo, explorando a amplitude ou extensão da produção literária sobre determinado
tema; mapear e resumir evidências; apontar lacunas presentes na produção atual e a
necessidade de futuros estudos sobre o tema (PHAM et al., 2014; SUCHAREW e
MACALUSO, 2019; PETERS et al., 2020; THE JOANNA BRIGGS Institute, 2015).
Sucharew e Macaluso (2019) expõem que o objetivo das revisões de escopo é
realizar uma revisão geral sobre as pesquisas disponíveis sobre um tema, respondendo de
forma ampla, coletando e avaliando informações. Peters et al. (2020) apontam que as
revisões de escopo são de grande valia quando o objetivo é examinar evidências que vem
surgindo sobre determinado tema, o qual ainda não se sabe ao certo que tipos de perguntas
norteadoras podem surgir sobre ele. Por isso acaba servindo de base para futuros estudos,
como revisões sistemáticas com perguntas mais específicas relacionadas às temáticas
(THE JOANNA BRIGGS INSTITUTE, 2015). Revisões de escopo podem ser utilizadas
para diversos propósitos, tais como a elaboração de diretrizes clínicas confiáveis para
responder a perguntas clinicamente significativas, ou fornecer evidências sobre uma
prática ou política (PHAM et al., 2014). Geralmente o interesse é em identificar
determinada característica ou conceito, mapear, relatar e discutir estas.
A revisão de escopo é uma abordagem de pesquisa relativamente nova, no entanto,
existem dois modelos de protocolo para sua execução, um idealizado pelo The Joanna
Briggs Institute (2015) e outro por Tricco et al. (2018), uma extensão do modelo PRISMA
19

para revisões sistemáticas. Ambos inspirados no trabalho pioneiro de Arksey e O’Malley


(2005), autores que também são utilizados como referência por outros autores que
abordam essa prática de pesquisa, como Pham et al., 2014; Sucharew e Macaluso, 2019
e Peters et al., 2020. Os autores elaboraram uma estrutura a ser utilizada como modelo
para realização desse tipo de revisão: (1) identificar a questão norteadora da pesquisa; (2)
identificar estudos relevantes produzidos sobre o tema; (3) seleção destes estudos; (4)
mapeamento dos dados coletados, (5) agrupamento, resumo e relato dos dados; (6)
exercício de discussão (sendo esta etapa opcional), onde stakeholders são convidados a
compartilhar suas ideias sobre a revisão, informando e validando os achados da pesquisa.
Tendo em vista que o objetivo geral do presente trabalho é discutir, a partir da
literatura já produzida, questões relacionadas aos loucos de rua, entende-se que esse tipo
de revisão se justifica por sua abrangência e objetivos. Protocolos como o do The Joanna
Briggs Institute (2015) e autores como Pham et al., 2014; Sucharew e Macaluso, 2019;
Peters et al., 2020; apresentam necessidade da presença de mais de um pesquisador para
realização de revisões de escopo. No presente trabalho, o orientador caracteriza o segundo
pesquisador.
Atendendo às etapas estabelecidas pelo The Joanna Briggs Institute (2015) e por
Tricco et al. (2018) foram definidas as questões norteadoras e as bases de dados a serem
utilizadas para a pesquisa de revisão de escopo. Assim, pôde-se dar início ao processo de
escolha das palavras-chave e dos descritores que seriam utilizados em pesquisas
preliminares para posteriormente serem definidos os descritores finais. As perguntas
norteadoras deste trabalho são: “Quem são as pessoas em situação de rua com transtorno
mental grave?”; “Quais as suas necessidades?”; “Como estas necessidades têm sido
atendidas?”.
Foi realizada uma busca exploratória nas bases de dados Scielo, Scopus e Pubmed
e consulta ao MeSH/DeCS para verificação de viabilidade do uso dos descritores. Em um
primeiro momento foram utilizadas as palavras chave: pessoas em situação de rua,
população em situação de rua, saúde mental, atenção psicossocial,
desinstitucionalização, homeless, homelessness, severe mental illness, mentally ill,
deinstitutionalization.
A opção pelo uso do operador booleano AND para conjugar os descritores se deu
no intuito de restringir o número de resultados, especificando artigos que apresentassem
ambos os descritores selecionados para a pesquisa. O uso do asterisco (*) indica que nos
resultados da busca deve conter aquele termo, ou seja, para que abarcasse os resultados
20

para pessoas em situação de rua e população em situação de rua, assim como homeless
e homelessness. As aspas foram utilizadas para poder incluir termos maiores ou até
mesmo frases na busca, gerando mais resultados e resultados mais inclusivos.
Em função dos resultados das buscas exploratórias foram selecionados os
descritores a serem utilizados em cada base de dados. Foram incluídos textos produzidos
em português, inglês ou espanhol, buscando abranger uma gama maior de países onde
estudos dentro da temática de interesse deste trabalho estão sendo produzidos. Portanto,
os descritores selecionados para a busca final foram: situação de rua* AND saúde mental
na base de dados Scielo, homeless* WITH mentally ill na base de dados Scopus, e
homeless* AND mental illness na PubMed, em respeito às especificidades de cada base
de dados. Outro filtro aplicado à busca foi o de textos com acesso livre, para que qualquer
leitor tenha acesso às referências utilizadas. Foram excluídos relatos de caso ou
experiência, cartas e correspondências, e ensaios teóricos. O tempo delimitado para busca
foram os últimos 05 anos (de 2017 a 2021), pois buscou-se uma visão mais
contemporânea sobre o tema. Não foram selecionados textos cujo foco não eram pessoas
em situação de rua portadoras de transtorno mental grave. Posteriormente, foram
excluídos a partir da leitura dos títulos e resumos os artigos que não contemplam o escopo
da pesquisa. Por opção de pesquisa, não foram realizadas buscas na literatura cinzenta.
Por ter sido realizada uma pesquisa de revisão textual, ou seja, sem envolvimento
com seres humanos, não foi feita submissão da pesquisa para apreciação junto ao Comitê
de Ética e Pesquisa.
21

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

As estratégias de busca e seus respectivos resultados serão descritos a seguir. Foi


encontrado um somatório de 504 artigos como resultado das buscas nas três bases de
dados.
Foram aplicados como critérios de exclusão: textos específicos sobre o uso de
drogas entre essa população, sem foco ou menção aos transtornos mentais graves; textos
sobre encarceramento da população em situação de rua com transtorno mental grave;
textos que abordavam apenas transtornos mentais comuns e não transtornos mentais
graves; textos que falavam dos transtornos mentais graves mas não eram sobre o
fenômeno da situação de rua (alguns falavam sobre pobreza e transtornos mentais graves
e foram excluídos); textos específicos sobre financiamento de serviços oferecidos à
população de interesse de determinada pesquisa e não sobre os serviços em si; textos
sobre a construção de instrumentos de pesquisa e não sobre a pesquisa em si; e textos
sobre questões muito específicas que não necessariamente respondiam às perguntas
norteadoras da pesquisa.
Na base de dados Scielo foram encontrados 22 textos, sendo reconhecidas 10
repetições após leitura dos títulos, restando então 12 textos para seleção e leitura dos
resumos. No PubMed 214 e na Scopus 268. Ao final da análise dos títulos e posterior
análise dos resumos, foram selecionados 68 textos para leitura integral. Vale apontar que
por mais que nas bases de dados internacionais não tenha havido repetições dentro de
uma mesma busca, numa comparação entre os resultados obtidos nas três bases de dados,
ou seja, no somatório de 68 textos, aparecem 27 textos duplicados. Ou seja, o somatório
de textos para leitura completa foi 41 textos. Tendo em vista o grande número de textos
e a amplitude do produto da pesquisa, foi realizada nova análise a partir da leitura dos
títulos, resumos, introdução e objetivos. Os critérios de exclusão aplicados foram os
mesmos utilizados anteriormente. Após análise, foram selecionados 32 textos para leitura
na íntegra e, após a realização desta, 05 textos foram excluídos (incluindo os da base de
dados Scielo), totalizando 27 textos para inclusão nas referências da revisão de escopo.
Tendo em vista que o protocolo da revisão de escopo permite a inserção manual
de textos para além do encontrado nas pesquisas nas bases de dados, foram incluídos
também 05 textos considerados como referência para o tema do estudo. O total de textos
selecionados para revisão foi de 32 textos.
22

Os procedimentos metodológicos de busca podem ser observados na figura 1, um


fluxograma realizado em conformidade ao proposto no modelo PRISMA para revisões
de escopo (2018).

Figura 01: Fluxograma descritivo das etapas da coleta de dados nas bases
eletrônicas

Scielo, Pubmed e Scopus Excluídos após leitura dos


Total de textos encontrados: títulos:
Identificação
504 381

Selecionados para leitura de Excluídos após leitura dos


resumos: resumos:
122 54

Triagem
Selecionados a partir dos Excluídos por duplicidade:
critérios de
inclusão/exclusão: 27
68

Selecionados após análise de Excluídos após nova análise:


duplicidade:
09
41
Elegibilidade

Selecionados para leitura na Excluídos após leitura dos


íntegra: textos na íntegra:
32 05

Incluídos
Inseridos manualmente: Amostra final:
05 32

Fonte: elaboração própria (2022)

Os resultados da pesquisa de revisão de escopo realizada nas três bases de dados


conforme exposto anteriormente foi sistematizado no quadro número 1.
23

Quadro 01. Informações gerais dos textos selecionados a partir de revisão nas
bases de dados.
# Título Autores / Local do estudo / Tipo
Ano País de publicação
01 Prevalence of Hossain et EUA/Reino Unido Revisão Guarda-
mental disorders al., 2019 chuva
among people
who are
homeless: An
umbrella review
02 Characterization Grandón et Chile/Chile Estudo descritivo
of homeless al., 2018 de corte transversal
persons with com realização de
mental health entrevistas e
problems, that are aplicação de
in the Bío Bío escalas de
Region avaliação
03 Homelessness Smartt et al., Inglaterra/Reino Revisão de escopo
and severe mental 2019 Unido
illness in low-
and middle-
income countries:
scoping review
04 Housing First Rezansoff et Canadá/Reino Unido Estudo controlado
Improves al., 2017 randomizado
Adherence to
Antipsychotic
Medication
among Formerly
Homeless Adults
with
Schizophrenia:
Results of a
24

Randomized
Controlled Trial
05 Food security O’Campo et Canadá/Reino Unido Estudo controlado
among al., 2017 randomizado
individuals
experiencing
homelessness and
mental illness in
the at Home/Chez
Soi Trial
06 Lives without Moorkath et Índia/Índia Estudo de caso
Roots: al., 2018
Institutionalized
Homeless
Women with
Chronic Mental
Illness
07 Atenção van Wïjk e Brasil/Brasil Revisão integrativa
psicossocial e o Mângia,
cuidado em saúde 2019
à população em
situação de rua:
uma revisão
integrativa
08 O cuidado a van Wïjk e Brasil/Brasil Pesquisa
Pessoas em Mângia, qualitativa de
Situação de Rua 2017 inspiração
pela Rede de etnográfica
Atenção
Psicossocial da Sé
09 Peer navigators to Corrigan et EUA/Holanda Estudo controlado
promote al., 2017 randomizado
engagement of
25

homeless African
Americans with
serious mental
illness in primary
care
10 The prevalence of Schreiter et Alemanha/Alemanh Revisão sistemática
mental illness in al., 2017 a e meta análise
homeless people
in Germany - A
systematic review
and meta-analysis
11 The prevalence of Ayano, Etiópia/Reino Unido Revisão sistemática
schizophrenia and Tesfaw e e meta análise
other psychotic Shumet,
disorders among 2019
homeless people:
A systematic
review and meta-
analysis
12 A randomized Aubry et al., Canadá/Reino Unido Estudo controlado
controlled trial of 2019 randomizado
the effectiveness
of Housing First
in a small
Canadian City
13 Mental, Ayano et al., Etiópia/Reino Unido Pesquisa de base
neurologic, and 2017 comunitária
substance use
(MNS) disorders
among street
homeless people
in Ethiopia
26

14 Insights from Voisard et Canadá/EUA Metodologia


homeless men al., 2021 qualitativa
about PRISM, an envolvendo
innovative entrevistas
shelter-based
mental health
service
15 Pathways into and Smartt et al., Etiópia/Reino Unido Metodologia
out of 2017 qualitativa
homelessness envolvendo
among people entrevistas
with severe
mental illness in
rural Ethiopia: a
qualitative study
16 Victimization and Tinland et França/Reino Unido Metodologia
posttraumatic al., 2018 qualitativa
stress disorder in envolvendo
homeless women entrevistas
with mental
illness are
associated with
depression,
suicide, and
quality of life
17 Peer Navigators Corrigan et EUA/EUA Estudo controlado
to Address the al., 2017 randomizado
Integrated Health
Care Needs of
Homeless African
Americans With
Serious Mental
Illness
27

18 Mental Illness Iwundu et EUA/Suécia Metodologia


and Youth-Onset al., 2020 qualitativa
Homelessness: A envolvendo
Retrospective entrevistas
Study among
Adults
Experiencing
Homelessness
19 Outcome Adair et al., Canadá/Canadá Estudo controlado
Trajectories 2017 randomizado
among Homeless
Individuals with
Mental Disorders
in a Multisite
Randomized
Controlled Trial
of Housing First
20 The effect of a Whisler et Canadá/EUA Estudo controlado
housing first al., 2021 randomizado
intervention on
primary care
retention among
homeless
individuals with
mental illness
21 Trajectories and Mejia- Canadá/EUA Estudo controlado
mental health- Lancheros et randomizado
related predictors al., 2020
of perceived
discrimination
and stigma among
homeless adults
28

with mental
illness
22 Determinants of Loubière et França/Reino Unido Estudo controlado
healthcare use by al., 2020 randomizado
homeless people
with
schizophrenia or
bipolar disorder:
results from the
French Housing
First Study
23 Employment Tiderington EUA/EUA Metodologia
experiences of et al., 2020 qualitativa
formerly envolvendo
homeless adults entrevistas
with serious
mental illness in
Housing First
versus treatment
first supportive
housing programs
24 Evaluation of an Dunt et al., Austrália/Austrália Metodologia
integrated 2017 qualitativa
housing and envolvendo
recovery model entrevistas
for people with
severe and
persistent mental
illnesses: The
Doorway
program
29

25 Moradia assistida Carvalho e Brasil/Brasil Estudo de caso


para pessoas em Furtado,
situação de rua no 2021
contexto da
política de drogas
brasileira:
avaliação de
implantação
26 The prevalence of Gutwinski et EUA/EUA Revisão sistemática
mental disorders al., 2021 e meta-análise
among homeless
people in high-
income countries:
An updated
systematic review
and
metaregression
analysis
27 Sick enough? Smith e EUA/Suécia Metodologia
Mental illness and Castañeda, quantitativa
service eligibility 2020 envolvendo
for homeless entrevistas
individuals at the
border
28 From long-term Chamberlain Austrália/Reino Metodologia
homelessness to e Johnson, Unido qualitativa
stable housing: 2018 envolvendo
investigating entrevistas
"liminality"
29 Gestão e Práticas Matta, Brasil/Brasil Capítulo de livro
de Cuidado na Camargo Jr.
APS e e Rabello,
Medicalização 2018
30

30 Housing First and Quilgars e Reino Revisão sistemática


Social Pleace, 2016 Unido/Portugal
Integration: a
realistic aim?
31 Intensive case Dieterich, Reino Unido/Reino Revisão sistemática
management for 2017 Unido
severe mental
illness (Review)
32 Forty-five years Thorning e EUA/EUA Revisão sistemática
later: the Dixon, 2020
challenge of
optimizing
assertive
community
treatment

Dentre os resultados descritos acima, obtidos a partir das bases dados, a maioria
dos textos selecionados se refere a pesquisas de metodologia qualitativa. Foram
selecionadas 10 revisões (cinco sistemáticas, duas sistemáticas com meta análise, uma
revisão guarda-chuva, uma integrativa e uma de escopo), oito estudos randomizados
controlados, oito artigos que utilizaram metodologia qualitativa não especificada
envolvendo entrevistas, dois estudos de caso, um estudo descritivo, uma pesquisa
qualitativa de inspiração etnográfica (com revisão documental, realização de entrevistas
e observação participante), uma pesquisa de base comunitária. Também foram incluídos
um capítulo de livro e uma pesquisa de metodologia quantitativa. A maioria dos produtos
da pesquisa se caracteriza por estudos e textos que objetivam conhecer quem são as
pessoas em situação de rua com transtorno mental grave e suas necessidades, avaliar
programas e projetos implementados para atendê-las e identificar e agrupar estudos que
têm sido feitos sobre o tema.
Com relação ao país de produção dos textos, a maioria se concentrou em países
da América do Norte (sete do Canadá e oito nos EUA), seguidos de estudos realizados no
Brasil (cinco), Austrália, Etiópia e Reino Unido (três cada), França (dois), Alemanha,
Índia e Chile (cada país com um texto). Nota-se que a maioria das produções sobre o tema
das pessoas em situação de rua com transtorno mental grave se deu em países do
31

hemisfério norte, concentrados em países da América do Norte e da Europa, ou seja,


países ricos. Já quanto ao país de publicação dos textos, a maioria dos textos foi publicada
em periódicos e revistas de países da Europa, como Reino Unido (doze), Suécia (dois),
Holanda, Alemanha e Portugal (um cada), seguidos de países do hemisfério norte (sete
dos EUA e um do Canadá, do Brasil (todos os cinco textos nacionais foram publicados
no país), Austrália (dois textos), Índia e Chile (com um texto cada).
A centralidade tanto das produções como das publicações em países ricos denota
o caráter de visibilidade e, consequentemente, incômodo que a população alvo da
pesquisa, os loucos de rua, provoca. Uma hipótese possível é de que as desigualdades
socioeconômicas escancaradas pelo fenômeno das pessoas em situação de rua é mais
visível em países mais ricos do que em países mais pobres, onde as desigualdades são
mais comuns e, por isso, mais facilmente encobertas.
A partir da análise dos resultados e da leitura na íntegra dos 32 textos selecionados
foram identificados textos que respondem às perguntas norteadoras da pesquisa e então
feita a síntese dos resultados, que foram agrupados metodologicamente em áreas
temáticas relacionadas aos objetivos do trabalho: 1) prevalência das pessoas em situação
de rua com transtorno mental grave; 2) aspectos relacionados à saúde e saúde mental das
pessoas em situação de rua com transtorno mental grave; 3) políticas de suporte centradas
na habitação e apresentação de experiências de oferta de habitação. Serão apresentadas a
seguir.

4.1 PREVALÊNCIA: QUEM SÃO OS LOUCOS DE RUA?


Do número total de artigos selecionados neste estudo, 17 abordaram a temática da
identificação das características das pessoas em situação de rua (PSR) com transtornos
mentais, popularmente nomeados como loucos de rua. Compreender quem são essas
pessoas envolve saber que características sócio demográficas essa população apresenta,
quais as questões na esfera da saúde mental que as acometem e como esses fatores se
relacionam entre si.
Quando falamos em pessoas em situação de rua, o imaginário popular tende a
generalizá-las como loucas, drogadas, violentas e outras características negativas para
explicar o que as levou a viver nas ruas. Smith e Castañeda (2020), autores americanos,
pontuam que considerar que a grande maioria das pessoas em situação de rua tem algum
tipo de transtorno mental é inscrevê-las num modelo medicalizante e ignorar diversos
outros fatores envolvidos no fenômeno da situação de rua, como os socioeconômicos.
32

Sicari e Zanella (2018), autoras brasileiras, em uma revisão sistemática,


identificam que alguns construtos sobre a imagem da população em situação de rua, tais
como estereotipar essas pessoas como doentes, exerce certo controle sobre seus corpos e
gera uma tendência à medicalização de suas vidas, podendo viabilizar práticas higienistas
e de exclusão. Elas também expõem, a partir de seus achados, que a criação de um
estereótipo da população em situação de rua relacionado à criminalidade, à loucura e à
pobreza, gera sensação de medo, risco e ameaça na população geral, legitimando
discursos criminalizantes sobre essas pessoas. De toda forma, elas apontam para a
necessidade de se olhar de forma ampliada para essa população, pois reduzir o fenômeno
da situação de rua à questões de saúde mental não responde a complexidade de suas
necessidades e vulnerabilidades.
Matta, Camargo Jr. e Rabello (2018), a partir de Conrad (1991), discutem o
conceito de medicalização como a transformação de questões anteriormente consideradas
não médicas em problemas do escopo da medicina e da saúde, e assim, passíveis de
intervenção por profissionais da área. Inscrever fenômenos sociais ou até mesmo da vida
cotidiana como algo que diz respeito ao saber biomédico, ou seja, classificá-los na forma
de transtornos ou doenças, é exercer a medicalização da vida. Ao discorrerem sobre as
diferentes concepções sobre o conceito de medicalização, os autores apontam que nos
anos de 1950 e 1960, o conceito era usado como estratégia de transformar
comportamentos moralmente questionáveis em doenças, o que legitima discursos
higienistas e exclui o caráter político de tais comportamentos e suas dimensões sociais,
imprimindo sobre eles certo controle e vigilância, os colocando no âmbito da moral e
deslocando do que realmente os afeta: aspectos sócio históricos relacionados
principalmente às desigualdades sociais. Aqui o saber biomédico se conjuga a uma
concepção moral sobre o sujeito, seu adoecimento e seu comportamento. Os autores
também apresentam um conceito de medicalização que a coloca como processo de
controle da sociedade através da medicina enquanto referencial de regulação social.
Os australianos Chamberlain e Johnson (2011) apontam que enquadrar o
transtorno mental como a principal causa da situação de rua despolitiza o fenômeno, faz
com que se deixe de lado suas determinações social e econômica e o reduz a uma questão
individual. Os autores comentam sobre como as estratégias de cuidado às pessoas em
situação de rua com transtornos mentais graves (TMG) que postulam o tratamento como
prioritário, colocando a doença em evidência, promovem políticas higienistas. Apontam
ainda a dificuldade de promover cuidado em saúde mental enquanto as pessoas estão em
33

abrigos cujas condições nem sempre são adequadas. Por isso reforçam a importância do
investimento em estratégias que promovam a habitação. Afirmam ainda que alegar que a
maioria das pessoas que estão em situação de rua tem algum tipo de transtorno mental
retira o foco de outros aspectos relacionados à ida para as ruas, como o rompimento de
vínculos familiares, renda insuficiente e falta de moradia acessível financeiramente, e por
isso, a solução para essas pessoas está fora do âmbito da medicina.
A medicalização da situação de rua ao mesmo em que responde a interesses
políticos de invisibilização dessa população e desinvestimento em questões relacionadas
à suas necessidades, também retira seu caráter político, colocando sob a égide do discurso
biomédico um fenômeno que é determinado por diversos fatores, podendo incluir ou não
questões de saúde mental. No entanto, ao mesmo tempo em que não se pode generalizar
dizendo que toda PSR é louca, também não se pode dizer que nenhuma dessas pessoas o
é. Alguns autores realizaram pesquisas visando determinar a prevalência de PSR com
TMG em alguns países, através de estudos de revisão e estudos censitários. Porém, antes
de discutir sobre prevalência, é necessário falar sobre o que se entende por situação de
rua e sobre o que irá se abordar como transtorno mental grave.

Sobre o conceito de situação de rua


Não existe um consenso com relação à definição de situação de rua. Diferentes
países possuem definições diversas e algumas são mais abrangentes do que outras. No
entanto, existe uma aproximação em todas as definições: a ausência de habitação
adequada e a pobreza como subjacentes à situação de rua. A nível global, em documento
de 2019 sobre habitação acessível como estratégia para acabar com a situação de rua, a
Organização das Nações Unidas (ONU) relaciona o fenômeno da situação de rua à
pobreza, mas também à uma falha de múltiplos sistemas que deveriam possibilitar às
pessoas se beneficiarem do crescimento econômico dos países e levar uma vida segura e
decente (ONU, 2020). A situação de rua, no documento, é descrita como:
“(...) a mais cruel manifestação da pobreza, iniquidades e desafios relacionados
à aquisição de habitação financeiramente acessível. Afeta pessoas de todas as
idades, gêneros e condições sócio econômicas. A situação de rua também é
uma grave violação dos direitos à habitação adequada, à segurança pessoal, à
saúde e à proteção do lar e da família. (...) e inclui as seguintes categorias de
pessoas como as que experienciam a situação de rua: pessoas morando nas ruas
ou outros espaços abertos; pessoas morando em acomodações temporárias em
momentos de crise; pessoas vivendo em acomodações severamente
inadequadas e inseguras, como favelas ou acomodações informais; e pessoas
que não tem acesso à moradia financeiramente acessível.” (ONU, 2020, p. 02,
em tradução livre).
34

No Brasil, o censo nacional sobre a PSR de 2008 subsidiou a formulação do


Decreto Presidencial nº. 7053 de 23 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional
para Inclusão da População em Situação de Rua, e que define PSR como:
“(...) grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza
extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência
de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as
áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária
ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite
temporário ou como moradia provisória.” (BRASIL, Ministério do
Desenvolvimento Social, Decreto nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009).

Smartt et al (2019 e 2021), Johnson e Chamberlain (2011), Hossain et al. (2020),


Iwundu et al. (2020), Tinland et al. (2018) e Ayano et al. (2017) tentam operacionalizar
um conceito de situação de rua em seus estudos a partir de revisões ou para orientar suas
pesquisas quantitativas ou censitárias. De modo geral, todos os estudos colocam a
situação de rua como uma questão social, econômica e de saúde pública.
Os autores entendem o fenômeno de uma forma mais abrangente, incluindo além
daqueles que dormem nas ruas, também os que estão em abrigos ou que frequentam
lugares para pernoite, que dormem em casas de amigos ou familiares ou que utilizam
acomodações de emergência (SMARTT et al., 2021; AYANO et al., 2017; JOHNSON e
CHAMBERLAIN, 2011; HOSSAIN et al., 2020; IWUNDU et al. (2020); TINLAND et
al., 2018). A utilização de conceitos mais amplos possibilita aumentar a amostra de um
estudo e captar mais entrevistados ou participantes. No entanto, mesmo utilizando uma
definição ampla, os autores consideram que uma definição útil em qualquer lugar do
mundo deve incluir a ideia de que essas pessoas não têm moradia apropriada e estão à
margem da sociedade.
Para realizar uma revisão de escopo sobre pessoas em situação de rua com TMG
em países de média e baixa renda, Smartt et al. (2019) operacionalizam um conceito
abrangente no qual foram incluídas além daquelas citadas anteriormente, também pessoas
vivendo em abrigos para refugiados, pessoas vivendo em hospitais psiquiátricos e
comunidades religiosas que estavam em situação de rua antes da admissão nesses espaços,
ou que não tenham habitação para ir após a alta. Smith e Castañeda (2020) incluem ainda
pessoas que moram em seus carros, o que é comum na PSR norte-americana. Hossain et
al. (2020) em sua revisão sobre a prevalência dos transtornos mentais entre a PSR
apontam que a abrangência da definição de situação de rua impacta diretamente na relação
de prevalência e nas estimativas encontradas nos estudos analisados por eles. As
diferentes definições para categorizar o que seria estar em situação de rua servem tanto
35

para incluir como para excluir determinados sujeitos, e quanto mais abrangente for o
conceito de situação de rua, mais sujeitos ele irá contemplar e, consequentemente, maior
o número destas pessoas em qualquer pesquisa de estimativa ou prevalência. Smith e
Castañeda (2020) falam sobre os desafios na identificação e totalização das pessoas em
situação de rua e mencionam o seu caráter de invisibilidade, denotando que ao escolher
uma definição de situação de rua que inclui somente pessoas em abrigos ou unidades de
acolhimento, sejam eles de emergência ou não, é mais fácil, pois a contagem dessas
pessoas é controlada. Incluir pessoas que dormem nas ruas e que tem como característica
o nomadismo, dificulta a totalização da população a ser registrada e estudada. Caso essas
pessoas não tenham documentação ou registro de identificação, o acompanhamento delas
ao longo das pesquisas se torna mais difícil ainda, pois o risco de repeti-las na contagem
é maior.

Sobre a caracterização dos transtornos mentais e a classificação diagnóstica


utilizada nos estudos

Boa parte dos artigos utiliza uma definição de transtornos mentais graves, que
incluí os diagnósticos de esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo, transtorno bipolar do
humor e depressão maior (GRANDÓN et al., 2018; SMARTT et al., 2019; SMARTT et
al., 2021; TINLAND et al., 2018; O’CAMPO et al., 2017; VOISARD et al., 2021;
TIDERINGTON et al., 2020).
Outros autores, além destas definições, ampliam a gama do que consideram
classificáveis como TMG e incluem transtornos psicóticos não especificados, transtornos
de ansiedade (transtorno de estresse pós traumático e transtorno no pânico), transtornos
de personalidade, quadros delirantes, episódios psicóticos breves, transtorno do espectro
autista, transtornos neurocognitivos, transtornos relacionados ao suicídio e outros, como
déficit de atenção/hiperatividade e comportamento disruptivo (AYANO et al., 2017;
AYANO, TESFAW e SHUMET, 2019; HOSSAIN et al., 2020; SCHREITER et al.,
2017; IWUNDU et al., 2020; GUTWINSKI et al., 2021; SMITH e CASTAÑEDA, 2020;
HOSSAIN et al., 2020; MEJIA-LANCHEROS et al., 2020; ADAIR et al., 2017).
Um fator que se pode inferir sobre a extensão de definições na escolha dos
transtornos que irão definir TMG, é de que maior a variedade de diagnósticos resulta em
um aumento significativo da prevalência de TMG nas populações estudadas, o que
36

implica em significativas variações entre os estudos a depender do critério de


categorização selecionado.
Outra questão relativa à magnitude da prevalência dos TMG na PSR é a opção de
alguns autores em incluir o uso abusivo de álcool e outras drogas ou transtornos
relacionados a isso (AYANO et al., 2017; AYANO, TESFAW e SHUMET, 2019;
GRANDÓN et al., 2018; SCHREITER et al., 2017; GUTWINSKI et al., 2021;
HOSSAIN et al., 2020; ADAIR et al., 2017). O uso de álcool e outras drogas merece
atenção dentre os possíveis diagnósticos, uma vez que aumenta não só a proporção de
pessoas com TMG dentre as PSR, como reforça o estigma acerca da população. Schreiter
et al. (2017) alertam que esse é um fator que precisa ser observado com cautela, pois
influencia as relações de prevalência e é influenciado por características locais dos países
ou cidades onde as pesquisas estão sendo realizadas, ou seja, não é um dado facilmente
generalizável.
Como critério diagnóstico, foram utilizados manuais classificatórios como a
Classificação Internacional de Doenças em sua 10ª versão (CID-10) e o Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) em suas 4ª e 5ª edições
(GRANDÓN et al., 2018; SMARTT et al. 2019; AYANO et al., 2017; AYANO,
TESFAW e SHUMET, 2019; TINLAND et al., 2018; SCHREITER et al., 2017;
GUTWINSKI et al., 2021; SMITH e CASTAÑEDA, 2020; HOSSAIN et al., 2020).
Alguns artigos selecionados consideraram diagnósticos auto referidos de TMG (ADAIR
et al., 2017; IWUNDU et al., 2020; CORRIGAN et al., 2017; GRANDÓN et al., 2018),
procedimento de pesquisa que determina análises diferenciadas. A não exigência de um
diagnóstico formal pode ser útil entendendo que os diagnósticos psiquiátricos devem ser
estabelecidos de forma multifatorial por serem usualmente multideterminados. No
entanto, a não padronização e a auto-referência, à nível de pesquisa de prevalência, pode
acabar por gerar dados exacerbados, números maiores que a realidade. O que interfere
diretamente na elaboração e implantação de programas de cuidado, mas que respondem
a alguns interesses, como apontam Smith e Castañeda (2020), referindo-se
particularmente a um programa federal americano (Housing and Urban Development),
visto que ao se identificar como portadoras de TMG, as pessoas podem vir a acessar
programas que tenham a gravidade do quadro psíquico como critério de admissão.

Sobre as características sócio demográficas e a prevalência de TMG


37

Estudos realizados ao redor do mundo se empenharam em totalizar, identificar e


caracterizar as pessoas em situação de rua. Vale ressaltar que não foi encontrada nenhuma
pesquisa censitária a nível nacional, referente a nenhum país, produzida no recorte
temporal utilizado para a busca nas bases de dados referidas (entre 2017 e 2021), pois o
procedimento de busca não contempla esse tipo de dado. Apenas o estudo de Smith e
Castañeda se propôs a fazer uma contagem das PSR com TMG numa região específica,
de fronteira, da cidade de El Paso, no estado do Texas (EUA). Alguns trabalhos
realizaram pesquisas relacionadas à caracterização das pessoas em situação de rua com
transtornos mentais.
Não é realizada uma pesquisa censitária no Brasil sobre as pessoas em situação de
rua e suas características desde 2008 (BRASIL, 2008), mas pesquisas censitárias
municipais e pesquisas de projeção desse número a nível nacional (NATALINO, 2020)
apontam para o crescimento da população em situação de rua no país. O último censo
brasileiro contabilizou 31.922 pessoas até março de 2008. Em exatamente 12 anos, teria
havido um crescimento estimado de aproximadamente 140% dessa população. Porém, a
forma como os dados foram coletados, já explicitada anteriormente, pode ter provocado
uma estimativa menor do que de fato foi o crescimento.
De acordo com o censo de 2008, o número de pessoas que referem estar nas ruas
devido ao uso de drogas é de 35,5%; ao desemprego, 29,8%; ao rompimento ou
fragilização dos vínculos familiares, 29,1% (BRASIL, 2008). Motivos estes que muitas
vezes se encontram correlacionados ou exercem relação de causalidade entre si,
apontando para a vulnerabilidade na qual se encontra essa população. Ainda de acordo
com o censo nacional sobre a PSR, a estrutura demográfica na rua é composta por uma
maioria de homens (82%), pardos (39,1%), com idade entre 25 e 44 anos (53%). A maior
parte dessa população (52,6%) possuía na época nível de renda entre R$20 e R$80,
apontando o fator da pobreza como algo comum a essa população.
Este resultado diverge da maioria dos estudos e pesquisas similares que tentaram
entender o componente de sofrimento envolvido em ter as ruas como local de moradia.
Contém também um paradoxo: 35,5 % das pessoas declaram estar nas ruas pelo uso de
álcool e outras drogas, o que evidencia o uso prejudicial destas substâncias. Uma hipótese
possível para explicar esta discrepância é que este número pode estar subdimensionado
pelo modo que a pesquisa foi formatada e como a questão específica foi formulada. Pelas
condições inóspitas e estressantes que consensualmente afetam a maioria das pessoas nas
ruas, seria esperado um número expressivo de respondentes referindo algum tipo de mal
38

estar com a situação que poderia ser nomeado como sofrimento. Como será discutido a
seguir, a maior parte dos estudos selecionados fará uso da epidemiologia e dos
diagnósticos psiquiátricos na busca de uma definição da prevalência de transtornos
mentais na população em situação de rua.
Estudos e revisões realizados em outros países ao redor do mundo indicam
características sócio demográficas semelhantes a o panorama brasileiro de 2008. Nestes
estudos também foi encontrada dentre as PSR uma maioria composta por homens não
brancos solteiros em idade adulta (GRANDÓN et al., 2018; IWUNDU et al., 2020;
MEJIA-LANCHEROS et al., 2020; ADAIR et al., 2017). Dos entrevistados, 29%
declararam ter algum problema de saúde, e desses, 6,1% declararam ter algum tipo de
sofrimento psíquico.
A análise das revisões encontradas na pesquisa nos permite realizar algumas
constatações. Ayano, Tesfaw e Shumet (2019) realizaram uma revisão sistemática e meta
análise para avaliar a prevalência de TMG dentre as PSR, considerando como
diagnósticos do espectro da esquizofrenia. A pesquisa englobou 31 estudos de 13 países,
sendo quatro conduzidos em países em desenvolvimento, e indicaram uma prevalência
mais alta na PSR do que na população em geral nos transtornos estudados (10,29%) o
que, segundo os autores, indica que os TMG entre as PSR são um problema significativo
de saúde pública. A mesma comparação foi feita entre os resultados de países
desenvolvidos e em desenvolvimento e os achados indicam maior prevalência de TMG
entre as PSR nos países em desenvolvimento. No entanto, os autores alertam que os
estudos realizados em países em desenvolvimento são escassos, o que deve ser
considerado ao realizar qualquer comparação entre os dois grupos. Eles afirmam que isso
pode ser explicado por diversos fatores, incluindo ferramentas e instrumentos
metodológicos de avaliação de transtornos, características dos países, o risco de
adoecimento por esquizofrenia e variações na severidade dos transtornos, relacionadas
também a comorbidades físicas, psiquiátricas e ao uso de substâncias psicoativas.
Em estudo de revisão, Hossain et al. (2020), assim como Ayano, Tesfaw e Shumet
(2019), constataram que as medidas de prevalência variam também de acordo com as
regiões geográficas onde são realizados os estudos nas revisões, o que implica também
em variações nas análises entre países de alta renda e países de média e baixa renda.
Dentre os transtornos analisados na revisão dos autores, a prevalência de transtornos do
espectro da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos, foram encontradas 7 revisões
onde a prevalência variou entre 1 e 45%. Já com relação aos transtornos depressivos foi
39

reportada prevalência em 6 estudos e variou entre 11,4 e 57,9% entre as amostras. Os


autores relatam exemplos de revisões onde os achados indicam que a prevalência de TMG
era maior em pessoas cuja situação de rua era considerada crônica, em comparação aos
que estavam há pouco tempo em situação de rua. Eles também incluíram os transtornos
decorrentes do uso de álcool e outras drogas na gama dos TMG, e encontraram 7 revisões
que reportaram prevalência variando entre 4,5 e 60,9%. Para o transtorno bipolar e os
transtornos do humor em específico, 4 revisões reportaram prevalências entre 5,1 e 41,3%
entre as PSR. Também em consonância com os achados de Ayano, Tesfaw e Shumet
(2019), os autores encontraram mais estudos realizados em países de alta renda do que
em países de média e baixa renda, o que gera lacunas no conhecimento e dificulta a
comparação de dados. Em conclusão, os autores afirmam que a alta prevalência indica
que a questão dos TMG entre as PSR é uma questão epidemiológica importante que
requer intervenções em diversos níveis, incluindo prevenção, diagnóstico e tratamento.
Em uma revisão sistemática, Gutwinski et al. (2021) buscaram determinar a
prevalência de PSR com TMG em países ricos. Quanto aos transtornos do espectro da
esquizofrenia, encontraram 35 pesquisas indicando uma prevalência média de 12,4%.
Para a depressão maior, a prevalência média encontrada em 18 estudos foi de 12,6. 14
pesquisas investigaram a prevalência do transtorno bipolar e encontraram uma média
entre os estudos de 4,1%, e dentre estas pesquisas, as que tinham maior proporção de
mulheres participantes reportaram taxas significativamente mais altas de ocorrência desse
transtorno. Não é o foco da presente pesquisa, mas vale mencionar os achados dos autores
com relação aos transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Na revisão
realizada, os transtornos decorrentes do uso de álcool foram os mais frequentes com uma
média de 37%, o que é muito maior do que o verificado na população geral (3,4%). O
mesmo acontece com os transtornos decorrentes do uso de outras drogas (prevalência
média de 22% para as pessoas em situação de rua e 2,5% na população geral). Com
relação à esquizofrenia também foi encontrada maior prevalência entre as pessoas em
situação de rua em comparação à população geral (12,4 e 0,7%, respectivamente).
Schreiter et al. (2017) realizaram uma revisão sistemática e meta-análise dentre
os estudos produzidos na Alemanha para determinar a prevalência de transtornos mentais
entre as pessoas em situação de rua no país. Foram incluídas para análise 24 publicações
sobre 11 estudos, envolvendo um total de 1220 PSR. Foi encontrada uma estimativa de
prevalência de 77,5% de pessoas em situação de rua com transtorno mental. Dentre estes,
o transtorno mais comum foi o decorrente do uso abusivo de substâncias, sendo 60,9%
40

em 6 estudos. Dentre as substâncias relatadas, a dependência de álcool teve prevalência


de 55,4% em 8 estudos e a dependência de outras drogas, 13,9% em 6 estudos. Dentre os
TMG foram encontrados dados de prevalência de depressão maior (11,6% em 5 estudos)
e transtornos psicóticos (8,3% em 10 estudos). Como já apontado anteriormente, a
estimativa de prevalência de TMG entre as PSR aumenta significativamente quando se
incluem dados relacionados ao uso prejudicial de álcool e outras drogas. Os achados da
revisão de Schreiter et al. (2017) indicam prevalência 3,8 vezes maior de transtornos
relacionados ao consumo de substâncias psicoativas entre as pessoas em situação de rua
em comparação à população geral na Alemanha. No que se refere ao uso de álcool, a
prevalência entre as pessoas em situação de rua é 22 vezes maior que entre a população
geral.
Johnson e Chamberlain (2011) com o objetivo de identificar se os transtornos
mentais precedem a situação de rua ou derivam dela, encontraram que dentre os 4291
participantes da pesquisa, 31% têm algum diagnóstico de TMG, o que eles acreditam ser
um número realista levando em conta o país onde a pesquisa foi realizada (Austrália)
pois, segundo os autores, são achados que se aproximam com o panorama internacional
citando pesquisas realizadas nos Estados Unidos cujos resultados foram semelhantes. Os
resultados se aproximam também de pesquisas realizadas anteriormente na Austrália e
que não incluíram o uso de substâncias psicoativas na definição de TMG. Os autores
afirmam como conclusão que não se pode dizer que os TMG são a principal causa da
situação de rua, visto que em média apenas um terço das pessoas com este diagnóstico
compõem esta população. Concluem ainda que a inclusão de mais diagnósticos, como o
uso de álcool e outras drogas, tende a aumentar o número de PSR avaliadas com TMG.
Iwundu et al. (2020) realizaram estudo sobre as trajetórias de situação de rua das
pessoas com TMG, buscando avaliar a associação entre o momento em que as pessoas
tiveram seu primeiro episódio de situação de rua (na juventude – entendido como período
anterior aos 25 anos de idade - ou na vida adulta) e questões de saúde mental como
justificativa para estar em situação de rua entre pessoas adultas. Os autores reportam que
dentre as PSR que tiveram a primeira experiência de viver nas ruas durante a juventude,
66,42% tinham diagnóstico de depressão maior, 42,07% de transtorno bipolar do humor
e 29,15% de esquizofrenia/transtorno esquizoafetivo. Números maiores do que os
relatados por PSR cujo primeiro episódio de situação de rua foi na vida adulta, com os
mesmos diagnósticos (respectivamente: 58,64%, 28,24% e 15,74%), indicando que a
presença de TMG na juventude pode ser um fator preditor da situação de rua.
41

Através da pesquisa nas bases de dados foi encontrada uma pluralidade de


definições acerca do que seria estar em situação de rua e do que seria considerado
enquanto transtorno mental grave pelos autores. As relações de prevalência de TMG nessa
população estão diretamente ligadas a essas definições. Grandón et al. (2018), em
pesquisa realizada no Chile, relatam que 37% dos entrevistados declararam ter transtorno
do humor, enquanto 29,6% destes declararam ter esquizofrenia. Mejia-Lancheros et al.
(2020) ao falarem sobre as características dos participantes da pesquisa, reportam que
35,3% tinham diagnóstico de psicose, 39,6% eram usuários de álcool ou outras drogas,
36,5% tinham diagnóstico de depressão.
Alguns autores ressaltam questões relacionadas às pesquisas de prevalência que
precisam ser levadas em consideração. Toda análise de dados deve ser feita considerando
contextos sócio históricos, culturais, psicossociais e econômicos dos locais onde essas
pesquisas foram realizadas (AYANO et al., 2017; SCHREITER et al., 2017), pois os
dados de prevalência podem variar de acordo com esses fatores. Smartt et al. (2019) em
sua revisão de escopo mencionam que quanto mais heterogêneas as amostras e as
definições de situação de rua e de TMG, mais difícil é fazer comparações entre os estudos
e generalizações com os achados. Isso fica claro quando incluímos os transtornos
relacionados ao uso de álcool e outras drogas no âmbito dos TMG. A prevalência aumenta
significativamente. No entanto, sabe-se que assim como não são todas as PSR que são
loucas, nem todas elas fazem uso de álcool e outras drogas, portanto, é necessário cautela
ao incluir esse fator nas análises de prevalência e com os resultados gerados por esta
inclusão. Vale ressaltar que a variabilidade da prevalência, assim como o número de
participantes nas populações estudadas, impacta diretamente o desenvolvimento e
elaboração de políticas voltadas para essas pessoas, que devem estar em sintonia com
suas necessidades. Produzir dados exacerbados leva ao risco de produzir políticas pouco
eficazes que não irão contemplar as reais necessidades da PSR com TMG.
Em sua maioria os achados desta revisão indicam que por mais que não exista um
consenso sobre o que caracteriza a situação de rua, a pobreza e a falta de habitação estável
são intrínsecas ao fenômeno da situação de rua. Com relação ao que se pode considerar
como TMG, o mesmo acontece, pois há uma gama de possibilidades, que é influenciada
diretamente pelo método de coleta de dados escolhido pelo pesquisador: se será utilizado
critério diagnóstico baseado em manual, entrevista ou auto referência. No entanto, tanto
quando ampliamos a definição do que seria estar em situação de rua como quando
ampliamos a gama de transtornos considerados como TMG, amplia-se significativamente
42

a população de participantes da pesquisa. Conforme exposto por diversos autores citados


ao longo do texto, isso interfere diretamente nos resultados de prevalência avaliados, e
deve ser levado em consideração. Junto com outros fatores como aspectos culturais,
econômicos e sociológicos dos contextos nos quais as pesquisas são realizadas. Outro
fator que vale ser ressaltado é a questão de gênero. As pesquisas censitárias citadas nos
mostram que as PSR em situação de rua são em grande maioria homens. No entanto, é
preciso dar visibilidade às mulheres em situação de rua, para que elas sejam consideradas
também em pesquisas de prevalência, tendo em vista que alguns autores apontam que
determinados transtornos, como por exemplo o transtorno bipolar, ocorrem com mais
frequência em mulheres (TINLAND et al., 2018; GUTWINSKI et al., 2021).
A seguir serão expostos dados obtidos através da revisão de escopo com relação
às necessidades das PSR com TMG e como essas necessidades têm sido atendidas.

4.2 SAÚDE MENTAL E SAÚDE EM GERAL PARA PESSOAS EM SITUAÇÃO DE


RUA COM TRANSTORNO MENTAL GRAVE

Questões relacionadas à saúde e saúde mental das pessoas em situação de rua com
transtorno mental grave foram abordadas em textos presentes nesta revisão. Emergiram
temas como utilização dos serviços de saúde (CORRIGAN et al., 2017; LOUBIÈRE et
al., 2020), atenção primária à saúde (WHISLER et al., 2021), adesão ao uso de medicação
psiquiátrica (REZANSOFF et al., 2017), segurança alimentar (O’CAMPO et al., 2017),
questões relacionadas à mulheres em situação de rua (TINLAND et al., 2018; SICARI e
ZANELLA, 2018; MOORKATH et al., 2018) e estigma e discriminação (MEJIA-
LANCHEROS et al., 2020).
Os programas de atenção em saúde mental são usualmente oferecidos nas
intervenções que propiciam suporte habitacional para pessoas com transtornos mentais
graves em situação de rua. Pela relevância que adquiriu na pesquisa, aspectos relativos
aos modelos habitacionais serão apresentados em capítulo específico.
Em análise dos textos selecionados para a revisão de escopo, três modelos de
atenção em saúde mental foram notados:
Tendo em vista que os achados da presente pesquisa abrangeram em maioria
pesquisas de revisão e estudos de abordagem qualitativa, foram encontrados autores que
mencionam os programas, mas não se preocuparam com a explanação dos mesmos.
Entendendo a importância de compreender esses modelos de cuidado no contexto dos
43

programas e ofertas de atenção à pessoas com transtornos mentais graves em situação de


rua, percebeu-se a necessidade de buscar referências sobre o tema. Portanto, foram
acrescentados manualmente à pesquisa dois textos que auxiliaram na compreensão do
tema (DIETERICH, 2017 e THORNING e DIXON, 2020).
Abordagens de cuidado mais inclusivas passam a surgir a partir dos movimentos
de reforma psiquiátrica no mundo e a consequente diminuição dos serviços de psiquiatria
baseados em internações. A partir disso, na década de 1970 nos EUA, surgem modelos
de cuidado em saúde mental que, inicialmente, tem por objetivo a inserção comunitária e
a promoção de cuidado em saúde mental à pessoas com TMG egressas dos manicômios
ou que se encontram em situação de rua ou com o risco de viver nas ruas (DIETERICH,
2017; THORNING e Dixon, 2020), o Assertive Community Treatment (Tratamento
Comunitário Assertivo, em tradução livre) e o Case Management (Gestão de Casos). Com
o passar do tempo, foi entendido que essas eram estratégias de cuidado que poderiam ser
aplicadas a todos aqueles com TMG que não necessitam de internações psiquiátricas e
também para evitar as mesmas.
Com relação ao modelo de Gestão de Casos (GC), Dieterich (2017) expõe que um
único profissional, o gestor de casos, assume responsabilidade pelo cuidado primário a
um determinado grupo de pacientes na comunidade. É de responsabilidade do gestor de
casos: avaliar as necessidades dos pacientes, desenvolver um plano de cuidado,
providenciar cuidado adequado para os pacientes através de serviços disponíveis na
comunidade e manter contato frequente com o paciente. Ao início do programa, gestores
de caso não eram profissionais de saúde mental e não promoviam cuidado diretamente
aos pacientes.
Sobre o Tratamento Comunitário Assertivo (TCA), Thorning e Dixon (2020)
afirmam que este é um tratamento desenvolvido com base em evidências que promove
cuidado intensivo a partir de diferentes elementos disponíveis na comunidade para o
tratamento de pessoas com TMG que tem histórico de internações recorrentes,
entendendo que aqueles que tiveram alta dos manicômios comumente tinham
dificuldades em se conectar aos serviços de cuidado ambulatoriais e, por isso, corriam
risco de serem novamente hospitalizados. O sucesso da proposta é indicado por fatores
como inclusão e integração comunitária, tendo como resultados a inserção dessas pessoas
em habitação independente, trabalho ou educação, reinserção no ambiente familiar e
manutenção da saúde. A potência do modelo de tratamento fez com que ele fosse
entendido como algo maior que uma estratégia de cuidado voltado para pessoas com
44

longa história de internação psiquiátrica, mas como um programa de política pública


social que oferece alternativas à internação, uma resposta crucial à desinstitucionalização.
De acordo com Dieterich (2017), equipes de TCA são compostas por membros de
diversas categorias profissionais, incluindo enfermagem, serviço social e psiquiatria, com
um número definido de pacientes. A responsabilidade pelo cuidado dos pacientes é
compartilhada entre todos eles. A mesma autora elenca as características do TCA, sendo
elas: promover todo cuidado necessário invés de articular com outro serviço; promover o
cuidado in loco; cada equipe é responsável por um número pequeno de pacientes (10 a
15); praticar busca ativa de pacientes cuja vinculação ao tratamento é difícil; ênfase na
adesão ao tratamento medicamentoso; ofertar cobertura em emergência 24 horas.
Enquanto o GC se preocupa em realizar a gestão do cuidado e a articulação da rede de
atenção comunitária às pessoas com TMG, o TCA promove cuidado unificado a essas
pessoas. Entendendo que há vantagens nas duas abordagens, foi criada uma terceira opção
de atenção de base comunitária a esse público, como uma junção das duas expostas
anteriores: o Intensive Case Management (Gestão Intensiva de Casos, em tradução livre).
A Gestão Intensiva de Casos (GIC) pode ser entendida como um pacote de cuidados nos
modelos do TCA e GC, com um número de casos maior, podendo incluir 20 pessoas.
Dieterich (2017) explica que a GIC está mais para um intervenção a nível de
organização da rede local, uma forma de organização de equipes, do que para um modelo
de tratamento. E que deve promover o cuidado em saúde mental de forma coordenada,
sistemática, flexível e abrangente, voltado para atender às necessidades sociais e de saúde
das pessoas com TMG. Atua em consonância ao princípio da recuperação (recovery),
promovendo emancipação através do acesso a políticas públicas.
A autora explicita que a GIC tem como objetivos principais reduzir o número de
internações para pessoas com TMG, assim como os outros modelos, mas também
prevenir que elas se percam na rede de cuidados comunitária. Para isso, essa abordagem
auxilia essas pessoas a adquirir comida, abrigo, roupas e cuidados médicos; melhorar seu
funcionamento psicossocial; promover suporte suficiente para que o paciente se mantenha
envolvido na vida em comunidade e poder, consequentemente, viver de forma autônoma
nela; e busca assegurar a continuidade do cuidado entre os pontos de atenção na rede.
Dieterich (2017) afirma que diversos modelos especializados de intervenção
comunitária direcionados a subgrupos populacionais são compostos por equipes de saúde
mental que se baseiam na adaptação de princípios chave da GIC. Dentre os subgrupos
estão pessoas que têm dificuldades em engajar em modelos tradicionais de tratamento,
45

com alto risco de novas internações, com comorbidades e também as pessoas com
transtorno mental grave que se encontram em situação de rua, público alvo da presente
pesquisa. Entendendo as necessidades de cuidado das PSR com TMG para além das
questões de saúde mental, a conjugação da oferta de habitação com o cuidado em saúde
mental através do GIC ou do TCA, tem por objetivo a promoção da integralidade do
cuidado. Seja ela feita através de uma rede de cuidados, ou in loco, respectivamente.
Outra diferença entre os modelos é que a GIC propõe uma abordagem mais
abrangente, de articulação de cuidados, enquanto o TCA, acolhe menos pacientes e
oferece o cuidado em si, realizado por uma mesma equipe de referência. Whisler et al.
(2021) diferencia os dois modelos comentando que serviços de TCA são promovidos por
uma equipe multiprofissional de saúde que conta com uma vasta gama de recursos para
o cuidado intensivo, enquanto a GIC oferece gestores de caso para cada um dos pacientes,
ajudando-os a se conectar com os diversos recursos oferecidos na comunidade.
Em modelos de habitação do tipo Housing First (HF), que serão expostos
posteriormente, a pessoas com TMG que estavam em situação de rua e têm maiores
necessidades de cuidado é ofertado o TCA, e àquelas que necessitam de menos cuidados,
a GIC. Ambos os modelos, quando em estudos de controle, geralmente aparecem em
oposição ao Treatment As Usual (Tratamento Padrão, em tradução livre).
Tratamento Padrão (TP) refere-se a qualquer modelo de tratamento para a
população com questões relacionadas à saúde mental, não específico para pessoas com
TMG ou em situação de rua. São planos de cuidado que envolvem dispositivos já
existentes no território, como avaliação psiquiátrica, oferta de medicação psiquiátrica,
ambulatórios de saúde mental e serviços para usuários de álcool e outras drogas.
Exemplos deste tipo de tratamento na rede de atenção psicossocial (RAPS) estabelecida
no Brasil seriam as unidades básicas de saúde (incluindo o apoio das equipes do Núcleo
Ampliado de Saúde da Família – NASFab e das equipes multiprofissionais da Atenção
Básica), ambulatórios de especialidades em saúde mental, Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS) e, pensando na PSR em específico, as equipes de Consultório na
Rua (CnaR).
Ao mencionarem aspectos relacionados ao HF, autores como Aubry et al. (2019),
O’Campo et al. (2017), Rezansoff et al. (2017), Adair et al. (2017), Corrigan et al. (2017
a,b), Whisler et al. (2021), Mejia-Lancheros et al. (2020), Tinland et al. (2018) abordam
pelo menos um dos modelos de cuidado descritos acima.
46

Utilização dos serviços de saúde


Com o objetivo de analisar os determinantes envolvidos na utilização dos serviços
de saúde, tanto ambulatoriais como hospitalares, Loubière et al. (2020) realizaram um
estudo com os participantes do programa de HF francês, French Housing First, para
responder quais determinantes relacionados à PSR com TMG estariam associados à
utilização e à não utilização dos serviços de saúde, entendendo estes como hospitais
(gerais e psiquiátricos), serviços de emergência (geral ou psiquiátrica), ambulatórios e
consultórios médicos. Para isso, entrevistaram os participantes do programa, mas não
compararam os resultados com as pessoas selecionadas para receber tratamento padrão.
Os autores observaram que determinantes como características sócio
demográficas, autopercepção de saúde (física e mental) e a trajetória da situação de rua
foram associados à utilização de hospitais, serviços de emergência e ambulatórios.
Variáveis como idade, gênero, nível educacional, situação financeira, acesso à cobertura
de seguro em saúde e a trajetória da situação de rua impactam na utilização dos serviços
hospitalares. Pessoas com idade mais avançada, sem seguro de saúde complementar,
diagnóstico de transtorno bipolar e menos sintomas de saúde mental foram associadas à
não utilização dos serviços hospitalares. Já pessoas com esquizofrenia, passaram mais
dias hospitalizadas. Foi constatado na pesquisa que o nível de funcionamento social
(avaliado por instrumento específico) também foi determinante no tempo de permanência
em internação, sendo menor o número de dias para aqueles com melhor nível de
funcionamento social, com diagnóstico de transtorno bipolar e que não sofreram nenhum
tipo de violência física nos seis meses anteriores às entrevistas.
Com relação ao uso dos serviços de emergência, o uso de drogas foi percebido
como preditor de uma maior utilização destes serviços pelas PSR com TMG. No entanto,
os achados do estudo apontam para outros fatores de risco mais importantes relacionados
à utilização destes serviços, como prejuízos na saúde física, funcionamento social, ser
vítima de violência e maior tempo de situação de rua. Sobre os serviços ambulatoriais, o
estudo sugere que são determinantes da não utilização destes serviços o diagnóstico de
esquizofrenia e a trajetória de situação de rua. Os autores apontam que dentre as possíveis
explicações para essa ocorrência estão as barreiras de acesso que as PSR com TMG
enfrentam como por exemplo a falta de documentação, o não acesso aos serviços por
causa dos transtornos em si ou a falta do seguro de saúde. Além disso, há que se considerar
o estigma e a rejeição por parte dos profissionais, sejam eles da rede pública ou privada.
47

Isso pode acabar afastando as pessoas destes serviços, levando-as a buscar por cuidados
nos serviços de emergência ou consultórios médicos.
Loubière et al. (2020) comentam que resultados de sua pesquisa demonstram que
a questão da situação de rua é complexa, envolvendo questões sociais além das
necessidades de cuidados psiquiátricos específicos. Pode-se considerar que a habitação é
uma questão social, tendo em vista que uma das funções do modelo HF é a reintegração
social das PSR com TMG a partir da oferta de habitação. É importante notar que a forma
como os sistemas de saúde são utilizados está intrinsecamente ligada ao tipo de sistema
oferecido. Se ele é universal e totalmente gratuito ou se necessita de pagamentos
complementares. No entanto, ainda que sejam gratuitos, determinados grupos de pessoas
vulneráveis continuarão tendo dificuldades para acessá-los devido a discriminações e
estigmas, dentre elas as PSR com TMG.
Em um estudo sobre o projeto At Home/Chez Soi (AHCS) do Canadá, Whisler et
al. (2021) exploram a manutenção do cuidado continuado na atenção primária à saúde
para as PSR com TMG. Os autores apontam a importância do cuidado em atenção
primária, tendo em vista que as necessidades de saúde mental não são sua única demanda
de cuidado. Muitas têm comorbidades físicas como questões relacionadas à mobilidade,
visão, infecções sexualmente transmissíveis, hipertensão, dentre outras. Para além disso,
a atenção primária à saúde tem papel de coordenar as ações intersetoriais de acordo com
as necessidades das pessoas. A continuidade do cuidado em atenção primária também
diminui a frequência das PSR com TMG aos serviços de emergência. No entanto, a falta
de oferta de cuidados desse tipo próximo aonde essas pessoas se encontravam, a falta de
transporte e a discriminação acabam por se caracterizar como barreiras de acesso aos
serviços. Os autores comentam que certo número de participantes tinha como referência
de cuidados médicos apenas o psiquiatra, sem inserção em unidades de saúde no âmbito
da atenção primária. Para avaliar o impacto do programa AHCS na continuidade do
cuidado em atenção primária foi feita uma randomização dos participantes em dois
grupos: o grupo ao qual foi ofertado o modelo HF com tratamento comunitário assertivo
e o que foi oferecido tratamento padrão.
A pesquisa realizada por Whisler et al. (2021) identificou que, num momento
prévio à inserção no programa, pessoas que posteriormente foram randomizadas no
tratamento padrão já tinham boas taxas de acesso e manutenção do cuidado na atenção
primária à saúde. Durante a participação no programa e o follow-up de um ano, não foi
verificada diferença significativa entre os dois grupos. No entanto, se as PSR com TMG
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que foram inseridas no HF com tratamento assertivo comunitário antes de participarem


do programa não tinham muita adesão ao cuidado na atenção básica e após inserção no
programa a taxa se equiparou ao do tratamento padrão, pode-se considerar que houve
melhora na adesão ao cuidado na atenção primária à saúde. De toda forma, os autores
afirmam que o número de PSR com TMG inseridos em um programa de cuidado
continuado em atenção primária ainda assim é baixo e indicam a necessidade de um
follow-up maior que um ano para observar se esse aumento foi devido à inserção no HF.

Segurança alimentar
O’Campo et al. (2017) analisaram, dentro do projeto canadense AHCS, a questão
da segurança alimentar em participantes inseridos no HF em comparação aos inseridos
no tratamento padrão. Segurança alimentar é o acesso à alimentação nutritiva, segura e
suficiente para contemplar as necessidades alimentares das pessoas, proporcionando uma
vida ativa, produtiva e saudável. Insegurança alimentar é quando o acesso à alimentação
é limitado, inadequado ou insuficiente para atingir os requisitos alimentares. A segurança
alimentar está relacionada diretamente às restrições financeiras e entendendo a situação
de rua como algo relacionado à ausência de habitação estável e à pobreza, essas pessoas
tendem a estar mais expostas à insegurança alimentar e à fome.
Em sua análise os autores separaram os participantes do HF em dois grupos, de
acordo com o grau de necessidade de cuidados, sendo eles com alto e médio nível de
necessidade de cuidados. Não foi mencionado o tipo de cuidado em saúde mental
recebido, mas foi relatado em outras pesquisas relacionadas ao mesmo projeto que
pessoas com alto nível de necessidades de cuidado eram designadas ao tratamento
comunitário assertivo e com as com menos necessidades, à gestão intensiva de casos.
Os achados da indicam que no momento da primeira entrevista não havia
diferença significativa entre os grupos em relação à segurança alimentar: a segurança
alimentar era baixa entre as PSR com TMG participantes do programa AHCS. No entanto,
mesmo que algumas pessoas tenham conseguido atingir níveis melhores de segurança
alimentar, a intervenção por meio do HF não resultou em níveis mais altos de segurança
alimentar em comparação aos participantes designados ao tratamento padrão no período
do estudo (18 meses), principalmente entre aqueles que tinham maiores necessidades de
cuidado em saúde mental. Os autores pontuam que as diferenças entre as localidades onde
o estudo foi realizado (tanto metrópoles como uma cidade do interior) e as
particularidades destes locais, como as possibilidades de adquirir comidas saudáveis a
49

preços acessíveis, podem ter interferido nos resultados. Outro fator apontado pelos
autores que pode ter sido de grande influência, é o fato de o programa AHCS não ter
como objetivo interferir na situação financeira das pessoas, ou seja, diminuir os níveis de
pobreza, o que, consequentemente, interfere na aquisição de comida saudável e na
segurança alimentar. No caso do AHCS, foi ofertado um incentivo financeiro para
participação no estudo apenas e não um benefício recebido de forma contínua.
Ou seja, entendendo que a segurança alimentar está diretamente relacionada com
níveis de pobreza da população, para que a PSR com TMG consiga atingir níveis seguros
de alimentação, ela precisa não só estar inseridas em programas de habitação e cuidados
em saúde mental, mas também em programas que incentivem a geração de renda, a
inserção no mercado de trabalho ou que ofereçam incentivos financeiros combinados à
habitação. Mais uma vez evidencia-se a necessidade da articulação de diferentes políticas
e dispositivos intersetoriais relacionados às PSR com TMG na tentativa de se efetivar um
cuidado integral para esta população.

Adesão ao uso de medicação psiquiátrica


O tema da adesão ao uso de medicação psiquiátrica por participantes inseridos no
HF é ressaltado em apenas em um artigo encontrado na pesquisa bibliográfica realizada
para elaboração deste trabalho. Rezansoff et al. (2017) realizaram um estudo em
Vancouver, uma das localidades do projeto canadense AHCS, para analisar a adesão ao
tratamento com psicofármacos para PSR com diagnóstico de esquizofrenia inseridas no
HF.
Eles compararam os resultados dos participantes inseridos no HF do tipo scattered
site com os que estavam no HF do tipo single-site (ou como chamam os autores,
congregate-site) e os inseridos no tratamento padrão.
No scattered site era oferecida habitação individual em apartamentos localizados
em diferentes bairros da cidade de Vancouver e os participantes tinham acesso a suporte
nas 24 horas do dia com psiquiatra e equipe multidisciplinar de tratamento comunitário
assertivo. Já no congregate site as pessoas ocupavam quartos individuais em um
estabelecimento coletivo e era ofertado cuidado in loco nas 24 horas do dia e suporte
multidisciplinar com oferta de cuidados em redução de danos (troca de seringas, sala de
uso seguro, etc.), consultório médico e farmácia. Também eram ofertadas atividades de
lazer, refeições coletivas e inserção em atividades laborativas dentro das operações diárias
do local (como lavar roupas e limpeza). Com relação ao cuidado in loco, van Wijk e
50

Mângia (2017) apontam que essa modalidade de cuidado caracteriza uma estratégia de
vinculação dos usuários ao cuidado, assegurando sua continuidade, o que é importante,
pois esse público comumente não adere a modelos de cuidado convencionais. Os
participantes inseridos no tratamento padrão não receberam habitação e seu cuidado era
feito em serviços já existentes no território.
Rezansoff et al. (2017) discutem a redução de danos enquanto estratégia de
redução de agravos relacionados ao uso de álcool e outras drogas e consideram que este
é um dos princípios chave dos programas de HF em contraposição à exigência de
abstinência dos programas do tipo Treatment First (TF). No entanto, podemos entender
a redução de danos enquanto um posicionamento ético-político sendo a diminuição de
agravos específicos o que permite a promoção de avanços em outras áreas da vida das
pessoas, principalmente para grupos em situação de vulnerabilidade, como as PSR com
TMG. Nesse sentido, podemos dizer que programas do tipo HF ao oferecer habitação
estável e permanente, junto ao apoio ao cuidado em saúde mental para PSR com TMG,
indica uma estratégia de redução de danos.
A inserção no scattered site HF com tratamento comunitário assertivo foi a que
demonstrou melhor adesão ao uso de psicofármacos. Os autores justificam esse resultado
pelo fato de que, inseridas numa habitação, essas pessoas perderiam menos suas
prescrições, esqueceriam menos de usar as medicações, teriam melhores condições de
armazenamento e estariam menos sujeitas a terem as prescrições e remédios roubados.
Ou seja, o aumento da adesão ao uso da medicação está para além da oferta de cuidados
médicos (consultas e prescrições) e teria estreita relação com a oferta de habitação segura
e estável e com o acompanhamento multidisciplinar permanente disponível.
A opinião dos autores é que a não inserção de PSR com esquizofrenia em
programas de habitação ou projetos de tratamento que envolvam o uso da medicação
promove a persistência dos sintomas do transtorno, o que, segundo eles, interfere
negativamente em diversos fatores relacionados às vidas dessas pessoas, tais como a
negligência no que se refere aos cuidados com suas questões de saúde e saúde mental e
prejuízos na qualidade de vida. O que por sua vez interfere no acesso a serviços e suporte
necessários que promovem cuidado e auxiliariam na saída das ruas.
É sabido que o uso de medicação psicoativa pode beneficiar o cuidado de uma
parcela de pessoas com TMG. No entanto, a remissão dos sintomas psiquiátricos não está
ligada somente a esse aspecto e entende-se também que a remissão dos sintomas não é o
único indicativo de estabilidade no quadro de saúde mental ou na possibilidade de
51

convivência no âmbito da comunidade. Na perspectiva da atenção psicossocial, a melhora


no quadro de saúde mental de pessoas com TMG envolve diversos aspectos, dentre eles
a integração comunitária, a reabilitação psicossocial, a qualidade do suporte clínico e
social desenvolvido e a diminuição do estigma.
Podemos pensar que essa melhor adesão ao uso de medicação em pessoas
inseridas em habitações mencionada por Rezansoff et al. (2017) estaria relacionada ao
desenvolvimento das características da liminaridade expostas por Chamberlain e Johnson
(2018) e do aumento da integração comunitária das pessoas inseridas no scattered site
com tratamento comunitário assertivo.
Quando o HF é do tipo scattered site, as pessoas que participam do programa estão
inseridas em casas ou apartamentos em diferentes bairros da cidade, o que significa que
elas vivem sós, com apoio das equipes designadas para seu acompanhamento. Pensando
na ideia de reintegração social, que é um dos objetivos do modelo HF, este tipo de
habitação pode ser tanto benéfico, como pode promover aumento de estigmas e
discriminação. O conceito de reintegração social a partir do HF está relacionado com a
possibilidade das pessoas com TMG que estiveram em situação de rua conseguirem
desenvolver autonomia e circular na comunidade sem impedimentos. No entanto,
sabemos que nem sempre as comunidades estão preparadas para conviver com a
diferença, o que pode fazer com ocorram discriminações devido aos sintomas e modos de
vida.
O apoio das equipes de cuidado em saúde mental, seja em HFs do tipo single ou
scattered site é fundamental para o manejo das relações destas pessoas no território e com
o território, na resolução de conflitos, na inserção em programas de atenção a outras áreas
de suas vidas e também na adesão ao uso de medicação, quando necessário ou desejado.
Aubry et al. (2019), por exemplo, ao comentarem sobre a efetividade do AHCS do tipo
scattered site numa cidade do interior, apontam que a existência de um housing
coordinator, ou seja, um membro da equipe do programa auxiliando os participantes na
escolha das habitações e na mudança e na mediação das relações com os proprietários dos
imóveis e vizinhança. Os autores identificaram que nos primeiros seis meses de
participação no programa, os participantes começaram a desenvolver relações com os
proprietários, vizinhos e membros da comunidade e que isso melhorou ao longo dos dois
anos de acompanhamento da intervenção, efetivando a reintegração social das pessoas.

Programas de Apoio entre Pares


52

O Peer Navigator Program (PNP) é um programa desenvolvido nos Estados


Unidos que tem por objetivo oferecer apoio entre pares, para que pessoas possam transitar
melhor pela rede de atenção e acessar cuidados em saúde de acordo com suas
necessidades (Corrigan et al., 2017). Navegar pelo sistema de saúde é essencial para que
uma pessoa possa atingir seus objetivos de cuidado em saúde na busca pelo cuidado
integral. Peer Navigators (PN) são pessoas com vivências específicas em saúde ou saúde
mental que podem auxiliar pessoas passando por experiências similares a navegar pelo
sistema de saúde para melhorar o acesso e a utilização dos serviços disponíveis.
Segundo Corrigan et al. (2017), a experiência de cuidado entre pares teve início
em pacientes oncológicos, especificamente entre pessoas com câncer de mama.
Inicialmente o acompanhamento era realizado por enfermeiras ou assistentes sociais que
acompanhavam os pacientes durante o tratamento, indo a serviços de saúde, participando
de consultas e exames junto deles e os apoiando durante o período de tratamento. Esses
profissionais recebiam o nome de patient navigators (navegadores de pacientes, em
tradução livre).
Os navegadores auxiliavam tanto oferecendo orientações práticas e logísticas com
relação às orientações médicas durante as próprias consultas, como por exemplo,
realizando apoio interpessoal, através da oferta de escuta empática e reflexiva. Em
determinado momento foi percebida a atuação de pares como navegadores, ou seja,
pessoas com a mesma vivência daqueles que estavam acompanhando, e percebeu-se que
estes promoviam maior engajamento no cuidado ao câncer. Surge então o conceito de
peer navigator (par navegador, em tradução livre). Nesse caso, a experiência pessoal
significa que pessoas que vivenciaram determinadas situações poderão ajudar pessoas
que estão vivendo desafios semelhantes, e assim poderão compartilhar suas estratégias
para lidar com elas da melhor forma. Além de terem maior tolerância, dedicação e
empatia para auxiliar seus semelhantes. Vale ressaltar que, diferente dos programas de
HF, o PNP não tem como objetivo inserir as PSR com TMG em habitações, seu objetivo
é auxiliar seus participantes a circular melhor nas redes de cuidado em saúde.
Corrigan et al. (2017) pontuam que o conceito de cuidado entre pares ou
semelhantes é importante para a psiquiatria também, pois pessoas com vivências
semelhantes podem auxiliar uns aos outros a buscar e atingir seus objetivos de cuidado,
apesar de suas limitações, a partir de uma abordagem baseada na experiência mútua. No
âmbito da saúde mental, um peer navigator (PN) é alguém com a vivência do TMG que
está em tratamento e recebeu um treinamento que permite que possa oferecer ajuda a
53

pessoas que estão vivenciando o TMG e estão passando por situações similares no sistema
de saúde ou saúde mental.
São diretrizes do PNP valores básicos, como aceitação, empoderamento e
disponibilidade; apresentar determinadas qualidades enquanto membro da equipe, tais
como trabalho em rede, informado e supervisionado; e exercer abordagens fundamentais,
como escuta ativa, proatividade e compartilhamento da tomada de decisões. Isto leva ao
desenvolvimento de habilidades de ajuda: habilidades para trabalhar com pessoas (tais
como escuta reflexiva, estabelecimento de metas e advocacy), habilidades para responder
às preocupações dos assistidos pelo programa (como resolução de problemas
interpessoais, manejo de recaídas, redução de danos e competências culturais), e
habilidades de gerenciamento de funções (estabelecer limites relacionais, manejar
burnout e sabedoria das ruas). Uma característica comum ao PNP e ao tratamento
comunitário assertivo é o fato de que as equipes de PNP compartilham responsabilidades
por todos os participantes do programa e atuarem com psicoeducação.
O PNP apresentado por Corrigan et al. (2017) apresenta uma particularidade: ele
visa acompanhar pessoas afro-americanas em situação de rua com TMG a navegar pela
rede de cuidados em saúde. TMG aqui é entendido como diagnósticos de depressão maior,
transtorno bipolar, transtorno de ansiedade, transtorno de estresse pós traumático e
esquizofrenia. De acordo com os autores, questões étnico-raciais influenciam a
experiência das pessoas com a pobreza e a situação de rua. Eles alegam também que os
serviços de saúde estão menos disponíveis para essa população devido à falta de serviços
culturalmente específicos para a população negra, e pela distribuição geográfica dos
serviços existentes, o que dificulta o acesso por pessoas mais pobres. A partir dessa
experiência, os autores realizaram pesquisas com o objetivo de averiguar questões
relacionadas ao cuidado em saúde e saúde mental por parte dessa população.
Dentre os achados da pesquisa realizada para elaboração do presente trabalho
foram encontrados dois artigos sobre o PNP de Corrigan et al. (2017). Um dos artigos
(2017) tinha como objetivo avaliar os efeitos do programa em relação à saúde física e
mental dos participantes, assim como seu tratamento e qualidade de vida, em comparação
a participantes designados ao tratamento padrão, após randomização da amostra. O
segundo (2017) também expunha uma randomização da amostra em PNP e tratamento
padrão e tinha como objetivo reportar possíveis mudanças com relação à marcação e
frequência em consultas médicas durante um ano de acompanhamento. Os resultados
obtidos nas duas pesquisas indicam a importância do acompanhamento realizado pelos
54

navegadores para melhoria do acompanhamento em saúde por parte das PSR com TMG
dentro do recorte racial específico.
No primeiro estudo (2017) verificou-se que os participantes da pesquisa
acreditavam que sua saúde é debilitada por não priorizarem o cuidado em saúde, pela falta
de serviços disponíveis e acessíveis, por serem estigmatizados pelo próprio sistema de
saúde e pela desorientação decorrente dos sintomas dos transtornos psiquiátricos que
apresentam. Para eles, uma das soluções apontadas foi o auxílio para a circulação no
sistema de saúde, realizada por pessoas cujas questões relacionadas à situação de rua e à
saúde mental, são semelhantes às suas. Ou seja, o apoio de navegadores de pacientes. Os
resultados do acompanhamento longitudinal mostraram melhora significativa em índices
relatados tanto de saúde física como saúde mental, para os participantes inseridos no PNP
em comparação aqueles que receberam o tratamento padrão.
No segundo estudo (2017) os navegadores de pacientes apoiaram os participantes
do programa durante um ano, dividido em três períodos: período de engajamento (três
primeiros meses), período de impacto (seis meses intermediários) e período de
manutenção (últimos três meses). O acompanhamento desta intervenção foi realizado
através de entrevistas semanais, onde eram coletados dados sobre o estabelecimento de
saúde, o profissional de referência, o motivo da consulta e se a consulta foi realizada ou
perdida. Os participantes recebiam um valor de cinco dólares ao completar cada
entrevista. A análise dos dados indicou que nenhuma mudança foi percebida durante o
período de engajamento, quando os participantes estavam iniciando no programa. Já no
período de impacto, houve aumento significativo na marcação e realização de consultas
para os participantes inseridos no PNP em comparação ao tratamento padrão. Esses
benefícios foram mantidos durante o restante do programa.
Os estudos apontam para a importância da longitudinalidade do acompanhamento
de navegadores de pacientes para PSR com TMG. E mesmo não tendo como objetivo a
inserção em uma habitação, os autores relatam que a maioria das pessoas inseridas no
PNP referiu estar inserida em habitação estável (91%) e recebendo seguro saúde (82,4%)
ao final de um ano de intervenção (Corrigan et al. 2017). O que nos leva a crer que este
programa pode ser entendido como uma estratégia de redução de danos, uma vez que a
melhora no quadro de saúde proporcionada pela inserção no programa poderá promover
melhores condições para que as PSR com TMG possam buscar, por exemplo, por
habitação.
55

No Brasil, podemos pensar no trabalho dos agentes sociais de saúde (ASS),


profissionais que compõem as equipes de Consultório na Rua, como algo próximo à
experiência dos navegadores entre pares. Os ASS geralmente são residentes do território
onde atuam ou moram próximos, assim como podem ser pessoas que já estiveram em
situação de rua, o que amplia a compreensão da dinâmica do território e aproxima as
equipes da rua. São os ASS os primeiros profissionais a terem contato com os usuários, e
também irão nortear o processo de cuidado e mediar as relações dos usuários com os
serviços, promovendo não só acesso, mas também a tentativa de garantir que seus
atendimentos aconteçam (como por exemplo, acompanhando esses usuários a suas
consultas e realizando o tratamento diretamente observado). O que é essencial entendendo
que as equipes de Consultório na Rua exercem papel de coordenação do cuidado das PSR.
As autoras van Wïjk e Mângia (2017) falam sobre como essa função do ASS potencializa
o trabalho das equipes de saúde.

Mulheres em situação de rua com transtorno mental grave


Nas pesquisas realizadas para mapear e identificar as características sócio
demográficas das PSR e a prevalência de TMG dentre elas, todos os resultados com
relação ao gênero indicam que a grande maioria é de homens em situação de rua. No
entanto, mesmo não tendo representação expressiva nessa população, as mulheres em
situação de rua com TMG existem e por isso serão expostos dados encontrados
especificamente com esse recorte de gênero na pesquisa realizada para o presente
trabalho.
Em revisão sistemática sobre as pessoas em situação de rua no Brasil, Sicari e
Zanella (2018) encontram textos que falam sobre as particularidades das mulheres em
situação de rua, como por exemplo: diferente dos homens, as mulheres que estão em
situação de rua têm como motivo predominante para a ida para ruas as violências sofridas,
principalmente a violência doméstica e a dependência financeira e o rompimento de
vínculos sociais. As autoras falam também sobre a ausência de políticas públicas no Brasil
voltadas para as especificidades da atenção e cuidado às mulheres em situação de rua.
Elas denotam a necessidade de se criarem estratégias intersetoriais para acolhimento das
demandas desse público, tendo em vista suas vulnerabilidades específicas.
O trabalho de Tinland et al. (2018) é um importante recorte de gênero que expõe
dados significativos sobre essa parcela da população, que é praticamente invisibilizada.
Os autores realizaram um estudo com o objetivo de explorar alguns eixos de análise em
56

uma população de mulheres que estiveram em situação de rua e estavam inseridas no


programa francês de HF (French Housing First) que será descrito posteriormente. Dentre
eles: a proporção de mulheres em situação de rua com algum transtorno mental
(esquizofrenia ou transtorno bipolar), suas trajetórias de situação de rua, se elas sofrem
mais violências que os homens na mesma situação e o impacto dessas violências em
alguns aspectos de suas vidas, dentre eles o risco de suicídio e a qualidade de vida. Foi
realizado um estudo randomizado visando comparar pessoas recebendo HF com
tratamento comunitário assertivo e pessoas recebendo tratamento padrão. O objetivo do
tratamento comunitário assertivo era oferecer habitação, cuidado em saúde mental e
referente ao uso de drogas, emprego e assistência relacionada à habitação. Fatores que,
segundo os autores, proporcionariam aos membros do programa viver de forma bem
sucedida na comunidade. A avaliação da qualidade de vida foi feita através do uso de uma
escala desenvolvida na França específica para pessoas com esquizofrenia.
Mesmo as mulheres sendo minoria em comparação aos homens no total de
participantes do estudo (17,5% de uma amostra de 703 pessoas), os resultados indicam
que elas estão mais propensas a sofrer violências e, em consequência, estresse pós
traumático, e que isso pode explicar os altos índices de depressão, risco de suicídio e
prejuízos na saúde física e, como consequência, na qualidade de vida destas mulheres. O
número de mulheres com diagnóstico de TMG também foi maior do que o de homens.
Os autores verificaram também que muitas delas têm a violência doméstica como marco
de início de suas trajetórias nas ruas.
Tinland et al. (2018), abordam a questão da vitimização de mulheres em situação
de rua na França, entendendo vitimização como ser vítima de algum tipo de violência. Os
autores expõem os diferentes tipos de situação de rua quando nos referimos às mulheres,
apontando para a invisibilidade destas na rua, o que consequentemente leva a uma sub-
representação dessa população e interfere diretamente na qualidade das políticas públicas
direcionadas a elas. Os autores especificam que mulheres que não tem casa costumam ser
acolhidas por parceiros ou membros da família, o que é chamado de hidden homeless
(situação de rua invisível, em tradução livre), em contraste ao visible homeless (situação
de rua visível, em tradução livre), que é a situação de rua em espaços públicos e
instituições direcionadas a essa população como abrigos.
Nesse caso, a inserção num programa de HF não gerou nenhuma melhora na
qualidade de vida das mulheres inseridas no programa, pois fatores relacionados à
violência e suas consequências influenciaram mais do que a habitação na promoção de
57

qualidade de vida. Os autores apontam a necessidade de se desenvolver ações


relacionadas à avaliação de quadros depressivos, ideação suicida, estresse pós traumático
e vitimização (entendido pelos autores como ser vítima de violência) durante a avaliação
psiquiátrica que precede a inserção no programa de HF, assim como deve-se desenvolver
modelos de tratamento comunitário assertivo com atenção especial ao uso de álcool e
outras drogas que muitas vezes é aumentado pelo contexto em que essas mulheres se
encontram e ações específicas de prevenção e proteção da violência contra elas. Isso
denota a necessidade de criação de políticas específicas para intervir e proteger esse
público.
Tal situação torna essas mulheres mais vulneráveis e, no entanto, não há
estratégias de cuidado ou políticas voltadas especificamente para este público, como
ressaltam os autores. Podemos dizer então que dentro de um grupo altamente
invisibilizado, existe um subgrupo ainda mais invisibilizado e negligenciado, a partir de
um recorte de gênero.
Moorkath et al. (2018) falam sobre as características de mulheres com TMG em
situação de rua na Índia. A Índia é um país com características socioeconômicas e
culturais específicas, que diferem muito da cultura e costumes do ocidente, onde foi
produzida a maior parte dos artigos encontrados nesta pesquisa. No entanto, mesmo com
tantas diferenças culturais, há muitas semelhanças entre o relato destes autores e outros
já citados, no que se refere à temática das mulheres com TMG vivendo em situação de
rua.
Os autores ressaltam as diferenças entre os gêneros, apontando que a postura com
relação aos homens com TMG é sempre mais acolhedora e compreensiva, principalmente
porque eles são acolhidos prioritariamente por mulheres. Já as mulheres estão sempre
sujeitas a julgamentos e questionamentos sobre seus diagnósticos, e seu estado civil e,
consequentemente, status social também influencia na forma como elas serão tratadas
pela família e pela sociedade por causa de seus transtornos. Muitas delas em momentos
de crise se tornam andarilhas, ou sofrem com internações psiquiátricas, e após sua
recuperação não são aceitas por suas famílias, o que faz com que elas acabem por ficar
em situação de rua ou são institucionalizadas em abrigos públicos ou privados, onde são
abandonadas por suas famílias, no que os autores identificam como situação de rua
invisível. Conceito também é utilizado por Tinland et al. (2018), já mencionado
anteriormente. Os autores indianos apontam que no caso de mulheres em situação de rua
58

invisível na rua, quando vivem em casas de parentes, ficam junto à sua família de origem,
não com as famílias de seus maridos.
Moorkath et al. (2018), assim como Tinland et al. (2018) e Sicari e Zanella (2018)
expõem que essa parcela da PSR com TMG é sub-representada, tanto à nível de pesquisas,
como de políticas públicas. Para os autores, a questão expõe o déficit de serviços de saúde
mental de base comunitária ofertados para pessoas com TMG e mais ainda para PSR e
que isso, conjugado ao abandono familiar, corrobora para que essas mulheres fiquem em
situação de rua ou morando em abrigos pelo resto de suas vidas. Eles denotam a falta
destes serviços, de casas de passagem, de programas de habitação e de geração de
emprego e renda, e o mais importante: a falta de políticas de proteção dos direitos das
mulheres em situação de rua com TMG.
Na tentativa de lidar melhor com a questão das mulheres com TMG em situação
de rua na Índia, os autores fazem algumas recomendações: à nível institucional,
recomendam a criação de um serviço de cuidados hospitalares exclusivos para mulheres,
que as tornem conscientes de seus direitos e não incentive a longa permanência nessas
instituições prevenindo assim seu abandono, e também a criação de casas de transição
para mulheres que não tenham referência de habitação estável e precisem de habitação
temporariamente; à nível familiar, recomendam o empoderamento das famílias, a
promoção de tratamento gratuito ou subsidiado, acesso a benefícios governamentais, e
que as famílias sejam submetidas a avaliações por órgão regulador de direitos humanos
com relação à proteção das mulheres com TMG; à nível comunitário, recomendam a
abertura de casas repouso, de passagem ou de recuperação para mulheres com TMG,
hospitais dia, abrigos para mulheres com necessidades de cuidados em saúde mental e
treinamento em atividades de geração de renda.

Estigma e discriminação
Para o senso comum as pessoas em situação de rua geralmente respondem a
estereótipos que as colocam como loucas, drogadas, vagabundas, porcas dentre outros
estigmas que levam à discriminação. Pessoas com algum tipo de transtorno mental
também acabam sendo enquadradas em estereótipos e também acabam sofrendo
discriminações por conta de seus diagnósticos. Para as PSR com TMG, estigma e
discriminação são mais comuns ainda e se tornam barreiras de acesso em diversos níveis,
inclusive no que se refere ao acesso ao cuidado em saúde ou saúde mental.
59

Em seu estudo sobre o projeto AHCS, Mejia-Lancheros et al. (2017) visaram


identificar as trajetórias de estigma e discriminação entre participantes do projeto
alocados na cidade de Toronto e verificar o papel do transtorno mental como preditivo
destes fatores dentre essa população. De acordo com os autores, estigma e discriminação
impactam diretamente a percepção dessas pessoas sobre qualidade de vida, saúde e
reabilitação. Eles apontam que a discriminação está intimamente associada aos níveis de
estresse e ruptura de laços sociais, e que o estigma se relaciona diretamente com a
gravidade de sintomas psiquiátricos, como a depressão e ideação suicida. A pesquisa foi
feita durante dois anos. Participantes com nível alto e moderado de necessidade de
cuidados em saúde mental foram randomizados entre HF (com tratamento comunitário
assertivo ou com gestão intensiva de casos) e o tratamento padrão. Estigma e preconceito
foram verificados através de escalas que avaliam sua auto percepção. Questões étnico-
raciais também foram avaliadas em relação ao estigma e preconceito sofridos por PSR
com TMG.
Os resultados do estudo indicam que pessoas adultas em situação de rua e com
TMG enfrentam altos níveis de estigma e discriminação ao longo do tempo. Foi
identificada relação entre diferentes níveis de percepção de discriminação e estigma e
alguns diagnósticos e também a questões étnico-raciais. Por exemplo: verificou-se que
pessoas com diagnóstico de depressão maior percebem menos discriminação em
comparação a pessoas com sintomas psicóticos severos ou com problemas relacionados
ao uso de álcool. Dentre os participantes, pessoas não brancas percebem mais estigma e
enfrentam mais discriminações pela cor de sua pele, em especial aquelas que fazem uso
abusivo de álcool, têm diagnóstico de depressão maior ou questões relacionadas ao
suicídio.
Também foi verificado que quanto maior a severidade dos sintomas psiquiátricos
e quando há uso abusivo de álcool, essas pessoas vivenciam mais discriminações. A
percepção de estigmas e discriminações interfere diretamente na forma como essas
pessoas vão lidar com a reintegração e com a liminaridade relacional e psicológica.
Entende-se que elas terão mais dificuldades para se reintegrar por vivenciarem essas
experiências que muitas vezes podem se caracterizar como barreiras de acesso a
determinados espaços e serviços, como mencionam van Wijk e Mângia (2017). As
autoras comentam que PSR com TMG geralmente são discriminadas e tem seu acesso
aos serviços de saúde dificultado ou mesmo impedido. Porém, elas mencionam que
existem equipes e programas que atuam como mediadores no trânsito dessas pessoas pela
60

rede de cuidados e, no caso do Brasil, na RAPS, como por exemplo as equipes dos Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS; voltado para pessoas com transtorno mental ou que
fazem uso de álcool e outras drogas), vinculadas à política de saúde mental, e as equipes
de Consultório na Rua, vinculadas à atenção básica. Ambas constituem porta de entrada
na RAPS e atuam de forma comparável aos PN mencionados anteriormente.
Segundo as autoras, os CAPS podem responder às necessidades imediatas das
PSR com TMG, como servir como um espaço onde elas podem se alimentar, realizar
higiene pessoal e até mesmo descansar dos estressores da vida nas ruas. Essa oferta tem
papel essencial na promoção de vínculo da população com o serviço e, consequentemente,
no cuidado. Já as eCnaR realizam cuidado e acompanhamento em saúde,
compartilhamento do cuidado com outros níveis de atenção à saúde (até mesmo com os
CAPS), promovem ações de prevenção e atenção a grupos de risco, e, quando for do
desejo do usuário, realizam contato com seus familiares e sua rede social e de apoio, e
também a sensibilização das PSR com relação a seus direitos. Serviços como esses
tendem a favorecer a remoção de certas burocracias relacionadas ao acesso das PSR aos
serviços de saúde (como exigência de documentação). Ações como essa,
consequentemente, removem barreiras, ampliam o acesso dessa população aos serviços e
também tendem a diminuir as discriminações sofridas pelas PSR com TMG nesses locais.
Outro fator que Van Wijk e Mângia (2019) reconhecem como perpetuador de
estigmas e preconceitos relacionados às PSR com TMG é o despreparo dos profissionais
para acolher essas pessoas. Muitas vezes os profissionais que deveriam oferecer cuidado,
impõem barreiras de acesso devido a preconceitos.
Mejia-Lancheros et al. (2017) não identificaram influência do HF, em nenhuma
de suas modalidades, com relação à probabilidade de diminuição da percepção de
estigmas e preconceitos dentre os participantes do estudo. Como estratégia para
diminuição de estigma e discriminação os autores comentam sobre a criação de políticas
de saúde e sociais, que atuem em conjunto com campanhas educativas de combate ao
estigma para grupos populacionais específicos e para conscientização da população geral.
Em consonância, van Wijk e Mângia (2019) indicam a necessidade de investimento em
educação permanente para esses profissionais, com formações e capacitações sobre o
atendimento às PSR com TMG.
Foram abordados temas relacionados à saúde e saúde mental das PSR com TMG
de uma forma abrangente. Como elas acessam os serviços de saúde, quais são esses
serviços, como questões de gênero e raça estão relacionadas aos cuidados em saúde
61

mental dessa população e a influência de estigmas e discriminações tanto em seu cuidado,


como em sua integração comunitária.
Entendendo a saúde como um conceito ampliado e não como simplesmente a
ausência de doença, percebe-se a necessidade de identificar quais outras políticas e
programas estão relacionadas à promoção da integralidade da atenção às pessoas com
TMG em situação de rua. Alguns achados desta revisão de escopo denotam a pluralidade
das demandas dessa população e que há necessidade de se articular uma rede intersetorial
que tente respondê-las. Estes serão expostos a seguir.

4.3 POLÍTICAS DE SUPORTE CENTRADAS NA HABITAÇÃO


A questão dos programas voltados para a população de rua que propiciam alguma
modalidade de habitação como um dos elementos primordiais emergiu como uma questão
central nos resultados da pesquisa e responde às pergunta norteadoras “Quais as
necessidades das pessoas em situação de rua com transtorno mental grave” e “Como essas
necessidades têm sido respondidas”. Serão descritos neste capítulo os modelos de
habitação que têm sido implementados ao redor do mundo conforme expostos NOS
artigos selecionados na revisão de escopo (TIDERINGTON et al., 2020; QUILGARS e
Pleace, 2016; SMITH e CASTAÑEDA, 2020; AUBRY et al., 2019; CHAMBERLAIN e
JOHNSON, 2018; VOISARD et al., 2021; CARVALHO e FURTADO, 2021) e aspectos
relacionados a essa oferta. Pela relevância adquirida na pesquisa serão descritas em
separado experiências consideradas como modelares para o desenvolvimento do tema do
estudo.
Os modelos de oferta de habitação para PSR com TMG mais recorrentes dentre
os resultados da presente pesquisa foram o Treatment First (TF) e o Housing First (HF).
Tiderington et al. (2020) descrevem modelos de Treatment First (TF), também
conhecidos como modelos do tipo escada, como casas de transição entre o viver nas ruas
e acessar habitação permanente e estável, onde antes de acessar habitação, as pessoas
inseridas no programa devem completar algumas etapas de um tratamento em saúde
mental, incluindo a abstinência do consumo de álcool e outras drogas quando este se faz
presente. São modelos que começam inserindo as PSR com TMG em abrigos
temporários, depois em um setting residencial supervisionado e, por fim, em uma
habitação permanente. Os autores apontam que a obrigatoriedade de frequência a
determinados espaços de cuidado impostas pelos programas do tipo TF, em comparação
a programas do tipo HF que colocam a habitação como prioridade e o tratamento em
62

saúde mental como opção, podem caracterizar barreiras que impeçam a resolução de
outras demandas que possam existir, como por exemplo a aquisição de trabalho. Eles
consideram que uma vez que essas pessoas têm regras e obrigações a cumprir para poder
ter acesso à habitação permanente, elas não dispõem do mesmo tempo que pessoas
inseridas nos modelos de HF, onde a oferta de habitação permanente é prioridade, para
lidar com outras demandas em suas vidas.
Quilgars e Pleace (2016) apontam que programas desta modalidade têm como
objetivo estabilizar as pessoas para que desenvolvam habilidades que as permitam manter
uma habitação estável. Em uma visão crítica ao modelo de TF, os autores consideram que
programas que promovem acomodações temporárias e colocam como exigência
mudanças comportamentais e a participação em algum projeto de tratamento em saúde
mental ou em relação ao uso prejudicial de álcool e outras drogas atingem taxas menores
de sucesso na aquisição de habitação permanente por parte das PSR com transtornos
mentais. Portanto, de acordo com os autores, esses modelos são menos eficazes na
aquisição de habitação permanente em comparação aos que colocam esta como prioridade
no cuidado a essa população.
Propor que alguém deve se estabilizar através de um tratamento em saúde mental
e/ou para o uso de álcool e outras drogas para então estar apto a acessar uma habitação
permanente, é reproduzir uma lógica higienista, uma vez que se supõe que é apenas
através da eliminação de sintomas ou do uso de substâncias que as pessoas poderão
acessar uma habitação permanente. Pensar desta forma é impor barreiras ao acesso à
habitação por parte das PSR com transtornos mentais e, de alguma forma, perpetua
estigmas e discriminações, como se essas pessoas não fossem capazes de gerir suas
próprias casas sem antes passarem pelo crivo da avaliação biomédica.
Smith e Castañeda (2020) descrevem que, desde a década de 1990, os Estados
Unidos promovem financiamento federal para um programa, comumente referido como
“Continuum of Care”, que compreende três etapas: abrigos de emergência, acomodações
de transição e habitações permanentes. No entanto, os autores não mencionam a
obrigatoriedade de realização de um tratamento para avançar nas etapas do programa. De
toda forma, a inserção ao modelo Continuum of Care mesmo sem essa obrigatoriedade é
condicionada a um diagnóstico psiquiátrico de incapacidade (dado por médico ou
assistente social), que preencha os critérios de severidade conforme a padronização
definida para justificar a admissão no programa. Ou seja, é um programa voltado para
PSR com TMG. O que os autores argumentam é que é comum que as PSR se auto
63

referirem com portadoras de um transtorno psiquiátrico para tentar acessar os programas


de habitação desta modalidade e que há um sick-talk, ou seja, que muitas vezes as pessoas
manipulam seus discursos de forma a facilitar sua entrada em um programa de habitação.
Programas do tipo TF, que exigem que os participantes estabilizem seu
funcionamento social antes de serem considerados aptos a viver de forma independente
em habitações regulares, aparecem na literatura selecionada na pesquisa como um modelo
ultrapassado. Modelos mais compreensivos e de baixa exigência, ou seja, cuja única
condicionalidade para entrada no programa é a presença de um transtorno mental grave,
tal como o modelo Housing First (HF) são considerados mais eficazes no que se refere à
permanência em uma habitação estável e a aquisição de outras habilidades que permitam
o desenvolvimento de outros aspectos das vidas dos participantes dos programas. Estes
programas diminuem barreiras de acesso à habitação estável e permanente. Uma
experiência norte-americana foi pioneira na oferta de habitação às PSR com TMG: o
programa Pathways Housing First. Aubry et al (2019) relatam que o programa,
implementado na cidade de Nova York na década de 1990, se caracterizava por inserir
pessoas em habitações estáveis na comunidade, o mais rápido possível e sem pré-
condições de tratamento em saúde mental ou abstinência do uso de álcool.
Para além do apoio no que se refere à habitação estável, programas do tipo HF
também oferecem cuidado itinerante em saúde mental, ou seja, cuidado in loco realizado
por equipes multiprofissionais. Usualmente estas equipes são de duas modalidades: do
tipo Assertive Community Treatment (tratamento comunitário assertivo; TCA) ou do tipo
Intensive Case Management (gestão intensiva de casos elaborada de acordo com as
necessidades individuais dos sujeitos; GIC). A definição do programa onde o usuário é
alocado depende do nível de necessidades de cuidado existente: casos com maior
necessidade geralmente são designados ao TCA e com necessidade moderada de cuidados
à GIC. Os autores mencionam também que estudos realizados nos anos 1990 mostraram
maiores taxas de sucesso do Pathways Housing First combinado com TCA em
comparação a outros modelos de cuidado já existentes em quesitos como a diminuição do
tempo para efetivar sua saída das ruas, a diminuição do uso de serviços de emergência e
internação e a diminuição do uso de álcool e outras drogas (mesmo que este não seja o
foco da intervenção). Países como Canadá e França se inspiraram no modelo norte
americano, com adaptações às suas realidades locais.
Falando sobre o modelo HF, além de oferecerem habitação permanente e
diferentes tipos de cuidado conjugado em saúde mental, esses programas podem ser de
64

dois tipos: single site e scattered site. Modelos de HF do tipo single site são compostos
por unidades congregadas, normalmente um prédio ou uma vila com diversas casas onde
um grupo de pessoas com transtorno mental grave que se encontravam em situação de
rua é inserido em unidades individuais. Já os do tipo scattered site se caracterizam por
casas espalhadas pelo bairro ou cidade, onde essas pessoas são inseridas também em
unidades individuais (REZANSOFF et al., 2017; WHISLER et al., 2021; CARVALHO
e FURTADO, 2021; AUBRY et al., 2019; QUILGARS e PLEACE, 2016; O’CAMPO et
al., 2017).
Um dos objetivos principais de modelos de habitação do tipo HF é a integração
social das PSR com TMG. A opção pelo uso do termo integração em detrimento do termo
inserção se dá pelo entendimento de que essas pessoas se encontram sim inseridas na
sociedade, porém, passam por um processo de invisibilização, sendo negligenciadas e
excluídas, e por isso precisam ser integradas novamente à sociedade e à comunidade.
Chamberlain e Johnson (2018) afirmam que é preciso entender a inserção em um
programa de habitação do tipo HF como algo processual. Os autores ressaltam que há
uma transição de status social de PSR para pessoa com habitação estável e que isso
implica em alguns desafios a serem considerados por aqueles que irão lidar com o cuidado
e o desenvolvimento das políticas habitacionais, uma vez que a mudança traz consigo
aspectos específicos que exigem compreensão para intervenção por parte dos
profissionais.
Um aspecto apontado pelos autores é a sensação de não pertencimento à casa após
seu realojamento (conceito de liminality, que aqui chamaremos de liminaridade em
tradução livre). Geralmente são inseridas nestes programas de habitação pessoas que
passaram por longos períodos em situação de rua, seja por conta do próprio transtorno,
seja por outros fatores. É comum então um estranhamento a nova configuração de vida,
espaço e regras de convivência. Sem suporte contínuo durante esses períodos de
acomodação e ajustamento, para que essas pessoas ganhem confiança em si durante essa
nova etapa, muitas vezes elas podem acabar desistindo do programa por não se adaptarem.
Entra aí o que os autores nomeiam como material liminality (liminaridade material, em
tradução livre).
É importante entender também que essas mudanças no status habitacional e social
das PSR com TMG que participam dos programas do tipo HF implicam também em
mudanças em outros aspectos de suas vidas, conforme previsto nos objetivos do
programa. Uma dessas mudanças é o processo de ressocialização e reintegração social
65

destas pessoas. No entanto, é necessário entender a reconstrução de vínculos como algo


importante, porém, que pode demorar ou até mesmo não acontecer, uma vez que um dos
principais motivos que levam as pessoas a ficar em situação de rua é o rompimento de
vínculos familiares e sociais (GRANDÓN et al., 2018; CHAMBERLAIN e JOHNSON,
2011; BRASIL, 2009), conforme mencionado em capítulo anterior. Esse aspecto é o que
os autores denominam relational liminality (liminaridade relacional, em tradução livre).
A reintegração social, importante objetivo dos programas de HF, se relaciona com
estigmas e discriminações às quais as PSR com TMG estão submetidas, e a dificuldade
em abandonar o estigma da situação de rua caracteriza o que Chamberlain e Johnson
(2018) nomeiam como psychological liminality (liminaridade psicológica, em tradução
livre). Para os autores, lidar com o estigma e reconstruir as relações sociais é o mais
desafiador para esses programas, o que faz com que se torne necessário compreender a
aquisição de habitação como um processo e não um ato.
Autores como Quilgars e Pleace (2016) investigam a relação entre os programas
de HF e seu potencial de integração social, esta entendida como a medida em que pessoas
que estavam em situação de rua conseguem viver, trabalhar e participar em suas
comunidades como desejarem, e com as mesmas oportunidades que outros membros da
comunidade. É relevante trazer à luz um apontamento dos autores com relação à noção
de comunidade: não podemos dizer que não há integração social entre pessoas em
situação de rua, pois elas tendem a viver em grupos, ou seja em comunidade, estando
integradas a ela. Há uma integração social entre essas pessoas que é estabelecida por
diversos motivos, e podemos pensar a segurança pessoal como um desses, assim como a
manutenção de vínculos socioafetivos.
Ao comentarem sobre a integração na comunidade, os autores mencionam o termo
“passar por”, no sentido de que as pessoas que conseguem se passar por membros da
sociedade dominante têm menos dificuldade de efetivar sua integração comunitária. Ou
seja, nos termos de Chamberlain e Johnson (2018), estas pessoas sofrem menos com a
liminaridade relacional e a psicológica porque por fatores diversos, conseguem se adaptar
melhor à vida em uma determinada sociedade do que outras. No entanto, dizer que tal
PSR com TMG se passa por alguém “normal” pode nos levar a cair uma armadilha
higienista, colocando essas pessoas sob uma norma social específica que inclui uns e
exclui os diferentes. Nesse sentido, a discriminação e o estigma caracterizam barreiras
para a efetivação da integração social, principalmente para aqueles que apresentam
maiores necessidades de cuidado relacionadas a seu TMG, e/ou que fazem uso de álcool
66

e outras drogas, ou seja, que não conseguem se passar facilmente por pessoas “normais”
e serem aceitas pelo padrão de normalidade.
É necessário exercer um outro olhar sobre essa população e promover
intervenções no âmbito da atenção psicossocial e da reabilitação psicossocial que possam
combater a exclusão causada pela não aceitação daqueles que sofrem mais com a
liminaridade relacional e psicológica. Ou seja, a reintegração social e comunitária deve
acontecer a partir de uma abordagem psicossocial, inclusiva, independente de um status
de normalidade relacionado à remissão de sintomas psiquiátricos, mas sim respeitando o
nível de autonomia das PSR com TMG, suas necessidades de cuidado e
acompanhamento.
Chamberlain e Johnson (2018) comentam que programas do tipo HF contribuem
significativamente para resolver o problema da situação de rua como algo crônico para
essas pessoas, uma vez que lhes proporciona estabilidade e segurança para lidar com suas
vidas. Já Quilgars e Pleace (2016) complementam esta consideração, mas acrescentam
uma crítica à ineficácia dos modelos de HF em responder por completo às necessidades
das PSR com TMG. Para isso, é preciso articular esses programas com outros dispositivos
da rede de cuidados, ou seja, se fazer valer da intersetorialidade na tentativa de se
promover atenção integral às necessidades das PSR com TMG.
Conforme mencionado anteriormente, autores apontam que apenas o investimento
em habitação não é suficiente, pois uma vez que a questão da situação de rua é
solucionada, outras necessidades começam a se fazer presentes. Uma delas é a
necessidade financeira, uma vez que o caracteriza a pessoas em situação de rua, de modo
geral, é a ausência de habitação permanente e estável e a pobreza. E políticas relacionadas
à oferta de suporte econômico e de inserção no mercado de trabalho se caracterizam como
opções para resolução dessa necessidade. Nesta pesquisa, apenas questões relacionadas
ao trabalho emergiram nos artigos selecionados (TIDERINGTON et al., 2020;
QUILGARS e PLEACE, 2016; CHAMBERLAIN e JOHNSON, 2018). Estes resultados
serão expostos a seguir.
Ao entendermos as PSR com TMGs como uma população em situação de extrema
vulnerabilidade e com necessidades que estão para além do âmbito de um tratamento
usual em saúde ou saúde mental, os modelos de habitação e tratamento sem articulação
com outras políticas intersetoriais tendem a se mostrar ineficazes. O próprio modelo HF
é um modelo de habitação integrado com o cuidado em saúde mental, o que denota a
necessidade de integração ou articulação intersetorial para efetivar o cuidado à PSR com
67

TMG. Um aspecto relacionado às questões de habitação analisado por alguns autores


(TIDERINGTON et al., 2020; QUILGARS e PLEACE, 2016; CHAMBERLAIN e
JOHNSON, 2018) é o trabalho enquanto fator promotor de integração social das pessoas
inseridas nos programas de HF.
Tiderington et al. (2020) discutem sobre o papel do emprego na recuperação em
saúde mental e, consequentemente, na integração social de PSR com TMG inseridas em
programas do tipo TF e HF, associando a entrada no mercado de trabalho competitivo à
promoção de melhorias na qualidade de vida (QdV), melhora na autoestima e a
diminuição dos sintomas psiquiátricos, além do benefício financeiro. Os autores
apontam também que uma rede social empobrecida pode dificultar a aquisição e
manutenção de trabalho formal, ao mesmo tempo em que facilita a entrada na economia
alternativa (trabalhos informais) ou a realização de trabalhos relacionados aos
programas nos quais essas pessoas estão inseridas.
Os mesmos autores, ao falarem sobre os significados do trabalho para as PSR com
TMG, abordam alguns benefícios que essas pessoas avaliam como decorrentes da
inserção no mercado de trabalho. São eles o impacto na autoestima e em sua noção de
identidade e o impacto na sensação de pertencimento à comunidade. Para os participantes
da pesquisa realizada pelos autores, a inserção das PSR com TMG no mercado de trabalho
formal faz com que eles se sintam mais respeitados, tenham mais autoestima e se sintam
contribuindo positivamente para a sociedade. O trabalho então auxilia na recuperação
também por ser promotor de vínculo social, possibilitando a ampliação das redes sociais
e contribuindo para a superação de alguns aspectos da liminaridade.
Entendendo os modelos de HF como uma estratégia que possibilita o
desenvolvimento de outras áreas da vida das PSR com TMG a partir da habitação, espera-
se que programas deste tipo promovam maior inserção no mercado de trabalho e ampliem
o acesso a empregos formais. No entanto, os três estudos encontrados na presente
pesquisa abordam o tema do trabalho e falam sobre a ineficácia do modelo HF em
promover maior inserção das PSR com TMG no mercado de trabalho, denotando mais
uma vez a importância de articulações com outras políticas e estratégias. Em sua revisão
internacional, Quilgars e Pleace (2016) relatam estudos onde a inserção dessas pessoas
em programas de habitação do tipo HF não implicou aumento do nível de
empregabilidade no mercado de trabalho formal (onde essas pessoas são pagas por seus
trabalhos) e colocam habitação e emprego como fatores que interagem entre si, podendo
um ser facilitador do outro (ex.: a permanência em uma habitação pode ter facilitado a
68

integração social dessas pessoas e assim influenciado positivamente na busca e conquista


de um emprego, assim como o próprio emprego pode ter aumentado o nível de integração
social delas e aumentado seu suporte social). Chamberlain e Johnson (2018) relembram
a pesquisa de Quilgars e Pleace e acrescentam que em sua pesquisa, os participantes
continuaram desempregados ao final das entrevistas, o que teria relação com a
liminaridade psicológica e a manutenção do estigma associado à PSR.
Já Tiderington et al. (2020) afirmam que há poucas informações sobre a relação
entre o realojamento das PSR com TMG e o trabalho, mas apontam que mesmo inseridas
em programas de HF, a taxa de empregabilidade dessas pessoas é baixa. Para eles, isso
reflete sobre como essas pessoas experienciam o emprego, o que pode ter relação com a
ideia de liminaridade psicológica e a exposição a situações onde estigmas e preconceitos
são perpetuados. Assim como a liminaridade relacional também pode ser entendida como
um fator que influencia a relação dessas pessoas com o trabalho e as relações sociais que
mediam a execução de atividades laborativas. O que eles sugerem em contrapartida é a
adoção de programas de Supported Employment que oferecem vaga e treinamento no
mercado de trabalho com coaching para auxiliar o novo empregado. Para os autores, a
filosofia do programa Supported Employment se aproxima da filosofia dos programas de
habitação do tipo HF, pois colocam o emprego em primeiro lugar e, assim como o HF,
tem baixa exigência para participação no programa.
Tiderington et al. (2020) também pontuam que as PSR com TMG mesmo estando
formalmente desempregadas podem ter outras fontes de renda, como empregos informais
e benefícios socioassistenciais, e que isso é levado em consideração quando essas pessoas
pensam em entrar no mercado de trabalho, pois eles podem perder o acesso a esses
benefícios, uma vez que assumam um vínculo empregatício que lhes proporcione um
rendimento maior que o recorte de renda proposto pelos programas socioassistenciais.
Vale ressaltar que nos EUA, onde foi realizada a pesquisa a qual se referem os autores,
os benefícios consistem não só em auxílio financeiro, mas também acesso à alimentação,
medicação gratuita e outras formas de cuidado em saúde. Essa ponderação entre
permanecer desempregado e continuar acessando os benefícios socioassistenciais e os
benefícios proporcionados pela inserção no mercado de trabalho competitivo pode acabar
por diminuir a taxa de empregabilidade das pessoas e interferir negativamente nos
resultados do HF com relação ao trabalho.
Isso corrobora o exposto por Chamberlain e Johnson (2018): políticas públicas
voltadas para as pessoas com TMG em situação de rua devem contemplar tanto as
69

estratégias de habitação, como de integração social. E na busca pela integração social, as


PSR com TMG deveriam conseguir acessar políticas públicas e redes de cuidado que
abrangessem o acesso à atenção psicossocial, saúde, trabalho e renda, educação e a
garantia dos direitos dessa população. Políticas de proteção social, desinstitucionalização,
reabilitação e promoção de autonomia.
A seguir serão expostas algumas experiências de oferta de habitação estável para
PSR com TMG em alguns países e suas características. A questão do uso de álcool e
outras drogas é relevante em alguns modelos que serão expostos, no entanto, este não é o
foco desta pesquisa, portanto, serão apenas mencionadas.

O programa At Home/Chez Soi: um projeto canadense de HF


O projeto canadense At Home/Chez Soi Demonstration Project (AHCS) é um
projeto baseado no Pathways Housing First e foi implementado em 2008 pela Mental
Health Commission of Canada com o intuito de testar a efetividade do PHF para resolver
questões de moradia de pessoas em situação de rua com TMG em comparação ao
tratamento padrão.
Adair et al. (2017) descrevem que programa AHCS teve aproximadamente 2300
participantes (pessoas em situação de rua com TMG, inclusive os decorrentes do uso de
álcool e outras drogas), que foram divididos aleatoriamente entre receber habitação no
modelo HF ou receber o TP (entendido como qualquer outro programa, seja de oferta de
habitação ou não, já existente na comunidade), em cinco cidades canadenses (Vancouver,
Winnipeg, Toronto, Montreal e Moncton). Os estudos conduzidos a partir da
implementação do programa tiveram como objetivo avaliar longitudinalmente uma série
de aspectos relacionados à oferta de habitação para o público alvo. O recrutamento dos
participantes se deu através de agências comunitárias, abrigos, e nas ruas. Junto à
habitação, também era ofertado cuidado em saúde mental e os usuários randomizados no
HF eram divididos em dois programas de acordo com suas necessidades de cuidados: o
tratamento comunitário assertivo para aqueles com mais necessidades de cuidados, e a
gestão intensiva de casos para aquelas cujas necessidades de cuidado eram moderadas.
Ambos os programas de cuidado foram descritos anteriormente.
Sobre o perfil sócio demográfico dos participantes do programa, Adair et al.
(2017) expõe que a maioria era de homens adultos nascidos no Canadá. 82% estavam
completamente em situação de rua, ou seja, dormindo nas ruas. 34% tinham diagnóstico
de transtorno psicótico e a maioria fazia uso ou abuso de álcool e outras drogas (67%).
70

Aqui os autores não só consideram o uso de álcool e outras drogas como transtorno
mental, aumentando a prevalência de PSR com TMG, como apontam que dentre os
participantes a maioria não era composta com pessoas com transtornos psicóticos, mas
sim por aqueles cujo transtorno era decorrente do uso de álcool e outras drogas.
Aubry et al. (2019) em pesquisa realizada na localidade interiorana (Moncton),
analisaram alguns indicadores relacionados à oferta de habitação em dois grupos: pessoas
que receberam HF com tratamento comunitário assertivo como estratégia de cuidado e
pessoas que receberam HF com tratamento padrão. Como exposto anteriormente, a opção
pelo modelo de cuidado em saúde mental, tratamento comunitário assertivo ou gestão
intensiva de casos, geralmente se dá pelo grau de necessidade de cuidados das pessoas
inseridas no programa. No entanto, por ser feita a pesquisa numa cidade pequena, os
autores optaram por inserir todos os participantes do HF no tratamento comunitário
assertivo.
Foi verificado que participantes inseridos no HF com tratamento comunitário
assertivo apresentaram melhores resultados em áreas como estabilidade habitacional (que
diz respeito ao tempo que essas pessoas permanecem na mesma casa), integração
psicológica, confiança em outras pessoas e qualidade de vida. No entanto, no que se refere
à integração comunitária (viver de modo independente na comunidade), status de saúde
e saúde mental auto reportados, severidade dos sintomas psiquiátricos e uso de álcool e
outras drogas, não foi verificada diferença significativa entre os grupos.
Os autores chamam a atenção para o fato de que resultados relativos à qualidade
de vida (QdV) estão relacionados a como as pessoas percebem aspectos como a situação
de moradia, segurança, vida financeira e lazer. Quilgars e Pleace (2016) em sua revisão
comentam uma pesquisa realizada neste mesmo projeto, onde foi avaliado que a maior
diferença percebida entre os grupos em relação à QdV foi no aspecto situação de moradia
e uma pequena diferença foi verificada no que se refere à situação financeira e segurança.
Aubry et al. (2019) ressaltam que a percepção de QdV é diretamente influenciada
pela severidade de sintomas psiquiátricos e pela necessidade de cuidados que essas
pessoas demandam. Pessoas mais independentes de cuidados em saúde ou saúde mental
tendem a perceber melhor essas mudanças e consideraram que têm mais QdV do que o
grupo de pessoas mais comprometidas por seus sintomas. Eles apontam também para a
necessidade de acompanhar os participantes do estudo por mais tempo para determinar
se os resultados se mantêm para além do período observado no estudo (24 meses) e se
outras áreas melhoram a partir da estabilidade da habitação.
71

O programa canadense implementado em 2008 gerou uma série de estudos a partir


de questões relacionadas à PSR com TMG que emergiram após sua inserção no programa.
Alguns destes estudos apareceram como resultado da presente pesquisa e vêm sendo
abordados ao longo do texto.

O modelo francês de Housing First


O programa de HF instituído na França consiste em estudo multicêntrico,
randomizado e controlado, realizado em quatro cidades do país localizadas em áreas
urbanas e foi projetado para avaliar o impacto de uma intervenção do tipo HF na utilização
de serviços de saúde, em aspectos relacionados à questões de saúde e nos custos do
programa comparados com a intervenção baseada em um tratamento padrão, ao longo de
dois anos, verificados através da realização de entrevistas semestrais de
acompanhamento.
Os critérios de inclusão no programa são mais específicos em comparação aos
modelos americano e canadense, apresentados anteriormente. São eles: ser maior de 18
anos e estar situação de rua; o diagnóstico de esquizofrenia ou transtorno bipolar de
acordo com critérios do DSM-IV, ou seja, ser portador de transtornos mentais
considerados graves; apresentar nível alto ou moderado de incapacidade avaliado de
acordo com escala específica. Deve ainda responder a pelo menos um dos três critérios
seguintes: ter sido hospitalizado duas ou mais vezes em algum momento nos últimos
cinco anos; ter como comorbidade uso de álcool ou outras drogas ou ter sido preso nos
últimos 2 anos. Receber cobertura do seguro de saúde francês incluindo apoio estatal
gratuito é também um critério de inclusão no programa. Assim como em outros modelos
de HF já apresentados, a inserção em tratamento de saúde mental e abstinência do uso de
álcool e outras drogas não faz parte dos pré-requisitos do programa.
Os efeitos dessa intervenção na saúde das PSR com TMG foram expostos em
capítulo específico.

O modelo PRISM e habitação temporária


O PRISM (Projet Réaffiliation Itinérance Santé-Mentale) é um programa
canadense de habitação transitória, baseado em abrigamento, cujo objetivo é a oferta de
moradia e a conexão das pessoas à serviços existentes na comunidade para refiliação na
mesma, inspirado em modelos do tipo HF.
72

O PRISM é um programa de baixa exigência de ingresso, que visa a refiliação


comunitária de pessoas em situação de rua com transtornos mentais graves, entendidos
por “transtornos mentais que compartilham características de alta severidade de sintomas
e comprometimento funcional significativo” (VOISARD et al., 2021, p. 1). A refiliação
se dá através da realização do cuidado multimodal em saúde mental, por equipe do
PRISM no local onde as pessoas estão abrigadas e o auxílio para que os participantes do
programa acessem serviços na comunidade adequados a suas necessidades. Os autores
afirmam que ao promover moradia, mesmo que transitória, os usuários do serviço
conseguem se dedicar a outras áreas de suas vidas, tais como o cuidado em saúde e saúde
mental, a busca por trabalho e emprego e a inserção em moradias permanentes. Tudo isso
através da manutenção do vínculo dessas pessoas com a equipe do PRISM, de sua
liberdade para acessar suas redes informais locais (que denotam suas estratégias de
sobrevivência nas ruas) e de ir e vir. O PRISM, por ter abordagem multiprofissional, além
da oferta de moradia e cuidado em saúde mental, também realiza ações de promoção da
cidadania.
Voisard et al. (2021) relatam em seu estudo como foi a experiência de homens
inseridos no PRISM. Eles apontam três temas emergentes nas entrevistas realizadas com
os participantes do estudo. São eles: a importância da manutenção de suas redes
informais, a inserção no programa como uma “pausa na correria” (nos estressores) da
vida nas ruas e a forma de cuidado multimodal respondendo às várias necessidades das
pessoas inseridas no programa. Com relação à manutenção das redes informais, os
participantes relatam que a inserção no programa não provocou um rompimento com a
vida nas ruas, visto que eles têm liberdade para ir e vir. No entanto, inseridos no programa,
eles podem escolher quando estar nas ruas, o que se relaciona com o segundo aspecto
emergente nas entrevistas: a “pausa na correria”, e o abrigamento enquanto espaço de
cuidado (em saúde e saúde mental) e recuperação (recovery). Que por sua vez pode ser
relacionado com a ideia de liminaridade (principalmente material e relacional) exposta
por Chamberlain e Johnson (2018), uma vez que a manutenção de vínculos relacionais
não é quebrada, e que nesse primeiro momento eles não têm a necessidade de buscar por
recursos para sobrevivência nem na rua nem na habitação, pois se encontram abrigados.
Nesse sentido, o PRISM também pode ser visto como uma estratégia habitacional que
preconiza o que Chamberlain e Johnson (2018) colocam como essencial, que é o
realojamento enquanto um processo, que permite aos participantes do programa lidarem
73

com questões relacionadas à liminaridade e promovem a integração comunitária de forma


mais efetiva.
Sobre a oferta de cuidado ampliado através de abordagem multimodal e
multiprofissional no próprio lugar onde as pessoas estão abrigadas, os usuários do
programa contrapõem esse modelo ao modelo hospitalocêntrico e o foco medicamentoso
de outras abordagens que eles experimentaram (principalmente espaços de internação por
questões de saúde mental) e apontam melhorias na qualidade de vida e em aspectos
relacionados à saúde mental proporcionados através da inserção no programa.
Eles ressaltam a importância da oferta de um espaço de fala e da centralidade do
cuidado ser feita no usuário do programa e não numa estratégia medicamentosa, o que
possibilita que eles estejam ativamente inseridos em seu cuidado, numa iniciativa
semelhante à elaboração de Planejamentos Terapêuticos Singulares (PTS) realizada no
Brasil.
O modelo PRISM parece ser eficaz na promoção de integração social das PSR
com TMG inseridas no programa através da refiliação destas, oferecendo moradia,
mesmo que transitória, e facilitando a inserção em outros programas na comunidade. A
proximidade com os modelos do tipo HF é mantida mesmo com a obrigatoriedade de
inserção num plano de cuidados, pois este é de baixa exigência e entendido como
facilitador para que essas pessoas obtenham recursos para investir em sua reabilitação.
Também podemos entender o PRISM como uma estratégia de redução de danos, lima vez
que o abrigamento funciona como “porta de entrada” para a reabilitação dessas pessoas.
O caráter de redução de danos do programa também é mencionado pelos participantes da
pesquisa quando esses denotam o caráter de “pausa na correria das ruas” que o PRISM
oferece e como isso proporciona o investimento em outras áreas de suas vidas, como a
busca por emprego e por habitação permanente, uma vez integrados à comunidade. Assim
como preconizado para os modelos de habitação permanente do tipo HF, o PRISM realiza
a refiliação comunitária através do realojamento de PSR com TMG de forma processual.

O programa australiano Doorway


Dunt et al. (2017) apresentam um programa australiano de oferta de habitação
para pessoas em situação de rua com TMG chamado Doorway Program. O programa é
baseado no modelo americano pioneiro de HF, o Pathways Housing First, já mencionado
anteriormente, e adaptado à realidade australiana. Os autores afirmam que modelos deste
tipo são baseados na suposição de que a oferta de habitação estável tem grande
74

importância na recuperação de pessoas com TMG, e que estudos como o canadense


AHCS, também já mencionado neste trabalho, demonstram melhorias atingidas por
programas de HF no que se refere à estabilidade habitacional, inclusão social e redução
do contato com o sistema de justiça.
O Doorway é um programa implementado a partir de um estudo com duração de
três anos, piloto no país, voltado para pessoas com transtorno mental grave, que
necessitam acessar serviços e que estão em situação de rua ou na iminência de ficar. O
programa visa integrar habitação e recuperação, tendo como objetivo aumentar a
capacidade dos participantes em levar vidas independentes, saudáveis e significativas em
habitações e comunidades de sua escolha (DUNT et al., 2017). O que diferencia o
Doorway dos demais programas de HF é o auxílio financeiro ofertado para pagamento do
aluguel, assim como o apoio de um corretor de imóveis para que os participantes do
programa possam buscar e escolher habitações de sua escolha. Outra diferença é que
usualmente os modelos de HF envolvem habitações do tipo scattered-site ou
congregate/single-site em contratos geridos pelo programa no qual estão inseridos os
participantes, enquanto no Doorway, o aluguel dos imóveis é feito pelo próprio
participante onde for de seu interesse. O programa também difere de outras experiências
de oferta de habitação na Austrália pelo fato de apenas facilitar o contato com outras
agências e habitação específica.
O modelo Doorway apoia os participantes na escolha, acesso e manutenção de
suas próprias habitações alugadas, com auxílio financeiro quando necessário. Em adição,
os profissionais que integram o programa, chamados de housing and recovery workers
(trabalhadores da habitação e recuperação, em tradução livre), auxiliam os participantes
a desenvolver habilidades relacionadas ao processo de aluguel de um imóvel e tecer redes
de apoio. Os profissionais possuem educação de nível superior, tiveram a vivência de
problemas no âmbito da saúde mental ou da situação de rua, e estão vinculados ao setor
público, atuando em serviços de emergência em saúde mental. Cada participante é
acompanhado por uma equipe de suporte integrado, composta também pelos profissionais
do programa, que fornece cuidado clínico, incluindo a gestão de casos. Caso haja
necessidade, outros serviços de base comunitária podem ser acionados.
Foram aplicados os seguintes critérios de inclusão ao programa: ter um transtorno
mental grave que requeira cuidado em serviços de saúde mental para adultos; estar em
situação de rua ou em risco iminente de ficar em situação de rua; estar atualmente
participando de um programa de gestão de casos em serviço de saúde mental; receber
75

benefícios financeiros governamentais específicos. Nota-se que a inserção no programa


envolve muitas condicionalidades e seus critérios são restritivos, podendo se caracterizar
como barreiras ao acesso das pessoas em situação de rua com TMG ao programa.
O diagnóstico mais comum dentre os participantes era de esquizofrenia (49%),
seguido de depressão (25%). Mais de um terço dos participantes tinha comorbidade
psiquiátrica. Como critério diagnóstico, foram utilizadas escalas específicas onde
sintomas eram auto reportados. Com relação ao que levou essas pessoas à situação de rua,
50% dos participantes reportou ser situação de saúde mental, seguida da dissolução de
laços sociais (15%).
O estudo realizado por Dunt et al. (2017) tem por objetivo determinar os efeitos
do Doorway Program no bem estar dos participantes (entendido como saúde, acesso à
habitação, emprego e inclusão social), e também avaliar os custos da utilização dos
serviços de saúde e de habitação dos participantes. A taxa de utilização de serviços do
sistema de saúde foi avaliada a partir de bases de dados de serviços públicos de saúde
mental, como hospitais gerais e serviços de emergência. Não foram disponibilizados
dados para utilização de serviços de ambulância, utilização de serviços para usuários de
álcool e outras drogas e consultas com clínicos gerais.
Os resultados obtidos através das entrevistas e aplicação de escalas de avaliação
de características específicas relacionadas aos objetivos do estudo, verificaram melhorias
em alguns aspectos das vidas das PSR com TMG. Foram eles motivação e tomada de
responsabilidade, gestão financeira, saúde mental e emocional. Com relação ao trabalho
e a inserção dos participantes em trabalhos remunerados, formais ou informais, e ao
treinamento profissional, verificou-se melhorias, porém, não foram significativas
estatisticamente. No que se refere à integração social, os resultados indicam aumento
significativo no contato com “outros” (vizinhos, colegas de trabalho e donos de
estabelecimentos na vizinhança), variando de 14% a 59%. Dados relacionados ao sistema
de justiça não serão expostos aqui pois não fazem parte do escopo de interesse da
pesquisa.
Sobre o uso dos serviços de saúde, os resultados indicam que houve diminuição
substancial no número de admissões em leitos de saúde mental, assim como no total de
dias acolhidos nestes leitos. A utilização dos serviços de emergência também diminui a
cada ano, assim como o número de admissões em hospitais gerais. Também constatou-se
que com o passar do tempo, os inseridos no programa passaram a necessitar menos do
suporte em saúde mental (como por exemplo, os gestores de caso) e consultas com
76

psiquiatra. Com relação à diminuição de gastos, foi verificada diminuição no uso e no


custo dos serviços tanto de saúde mental como gerais, assim como os custos com
habitação. Porém, a economia não se reverte aos participantes do programa, e sim para o
governo. De modo geral, os autores concluíram que o modelo Doorway assegura
habitação estável para PSR com TMG e provê benefícios adicionais a seus participantes
juntamente à redução dos custos dos serviços de saúde.

A experiência brasileira: o Projeto Cuidando da Vida


No Brasil não existem dispositivos específicos que atendam às necessidades de
habitação das pessoas em situação de rua com transtorno mental. Existem serviços de
abrigamento da política de assistência social que oferecem moradia transitória para
pessoas em situação de rua de modo geral (crianças e adolescentes, mulheres, homens,
idosos), e geralmente pessoas com algum transtorno não conseguem permanecer por
muito tempo nesses locais, pois não há uma articulação efetiva com a política de saúde
mental que vise a integralidade do cuidado dessas pessoas e sua integração social.
Carvalho e Furtado (2021) expõe uma tentativa de implementação de um programa de
moradia assistida para pessoas em situação de rua no contexto da política de álcool e
outras drogas, que tem como referência os modelos HF: o Projeto Cuidando da Vida
(PCV), em Brasília (DF).
Em 2014, a então Secretaria Nacional de Políticas de Drogas (SENAD, Ministério
da Justiça) desenvolveu iniciativas intersetoriais cujo objetivo era a inserção social das
PSR que faziam uso de drogas, oferecendo moradia e trabalho para essas pessoas em
projetos de baixa exigência, tais como os programas do modelo HF. A partir de incentivos
financeiros recebidos pela SENAD, a política de assistência social local realizou a
implementação de 30 moradias assistidas para esse público, através do projeto PCV,
desenvolvido entre 2017 e 2018. Carvalho e Furtado (2021) descrevem e avaliam em seu
artigo o processo de implementação do serviço através de cinco dimensões: “(...) escolha
e estrutura das moradias, adequação aos critérios para acesso e permanência, pressupostos
e diretrizes técnicas da intervenção, gestão do cuidado e intersetorialidade e organização
dos processos de trabalho” (p.07).
O primeiro passo na construção do projeto foi a formação de uma equipe
multiprofissional, incluindo pessoas com vivência de situação de rua e redutores de danos.
Após a escolha destes profissionais, os mesmos fizeram o reconhecimento do espaço onde
seria implementado o projeto, uma cena de uso e tráfico de drogas na cidade de Brasília
77

(DF). Nesta etapa os profissionais puderam identificar não só os dispositivos e recursos


do território (entendendo território enquanto algo vivo, não só geográfico, mas também
subjetivo), seu público, assim como as lideranças presentes no local, o que facilitaria a
articulação de estratégias de vinculação do público ao programa. A terceira e última etapa
foi a seleção dos participantes, escolha e aluguel dos imóveis e a pactuação de uma rotina
de acompanhamento dos moradores. Foram selecionados homens e mulheres cuja
vivência da situação de rua era considerada crônica e que faziam uso de álcool e crack.
Dos 22 participantes selecionados, 05 apresentavam algum tipo de transtorno mental
grave, não especificado pelos autores. Em conformidade ao modelo norte-americano de
HF que originou as experiências desenvolvidas ao redor do mundo, o PCV se caracterizou
como do tipo scattered site, pois os imóveis eram constituídos por unidades residenciais
únicas espalhadas por bairros urbanos da cidade.
Com relação ao acompanhamento dos usuários, este era feito por duplas de
referência (educadora terapêutica e redutor de danos) que faziam visitas semanalmente,
ou mais frequentemente de acordo com a demanda. Os usuários eram apoiados em suas
tarefas domésticas, em seu cuidado à saúde (inclusive com relação ao uso de medicação,
alimentação e etc.) e na administração de suas finanças, muitas vezes decorrentes de
benefícios socioassistenciais recebidos. Estas duplas também realizavam os
acompanhamento dos usuários nos diversos dispositivos da rede de assistência a essa
população, tais como serviços da política de assistência social, de saúde e saúde mental,
serviços de oferta de emprego, cultura e etc. No entanto, o que os autores verificaram é
que não havia de fato uma integração com os demais serviços, seja pela falta de recursos
operacionais (carro para transporte pelo território, cumprimento de carga horária menor
que a demanda de atendimentos e etc.), ou por questões relacionadas à falta de manejo
dos casos pelos profissionais. Devido a essa falta de articulação de rede e,
consequentemente, pouco compartilhamento do cuidado entre os dispositivos da rede, os
profissionais das equipes de referência do PCV acabavam sendo os únicos responsáveis
pelos cuidados aos usuários. Carvalho e Furtado (2021) ressaltam que o fator integração
comunitária não foi bem executado pelo projeto, o que corrobora com os achados de
outros autores com relação à efetividade dos modelos de HF no que se refere à integração
social e extinção da liminaridade psicossocial e relacional (Chamberlain e Johnson,
2018).
Os autores apontam que os processos de trabalho dessas equipes também não se
deram conforme o programado: a quantidade de profissionais designados foi aquém do
78

esperado e os encontros para discussão de casos e planejamento de ações não se deu na


frequência e qualidade esperados. Houveram reuniões periódicas de equipe, porém, nem
sempre estas eram resolutivas e muitas vezes as decisões sobre a condução de casos era
feita de forma remota, virtualmente. Supervisões clínico-institucionais também eram
ofertadas aproximadamente a cada trimestre. O uso de tecnologias de informação para
discussão e acompanhamento dos casos, tanto entre a equipe como dos membros da
equipe com os usuários, inclusive fora do horário de trabalho ou por redes sociais
individuais (como o aplicativo de mensagens Whatsapp) foram recursos comumente
utilizados durante a pandemia de Covid-19. No entanto, ao mesmo tempo em que
promove a ampliação da comunicação entre pares, também pode gerar certo esgotamento
por parte dos profissionais, uma vez que eles acabam ficando disponíveis 24 horas por
dia, sete dias por semana. O que pode ter gerado o reflexo que Carvalho e Furtado (2021)
apontaram com relação à falta de manejo dos casos, gerando um acompanhamento aquém
do esperado no que se refere às questões relacionadas à recursos humanos.
Após análise do processo de implementação do PCV os autores concluíram que
alguns fatores facilitaram e outros dificultaram a implementação. Foram reconhecidos
como facilitadores o fato de os profissionais escolhidos terem proximidade com o tema
das pessoas em situação de rua e engajamento com a defesa dos direitos humanos; e
também o fato de o projeto estar vinculado à política de assistência social, o que pode ter
facilitado o acesso a benefícios socioassistenciais por parte dos participantes. E como
dificultadores foram reconhecidos principalmente a alta de valores do mercado
imobiliário em comparação ao valor concedido para o pagamento do aluguel e demais
despesas das casas; o estigma relacionado às PSR usuárias de drogas, o que pode ter
dificultado a aquisição de moradias de melhor qualidade e dificultado as relações com a
vizinhança; e também a falta de articulação entre os serviços e dispositivos da rede,
deixando o projeto a desejar no que se refere ao apoio compartilhado.
Se pensarmos as particularidades relacionadas aos países norte-americanos onde
os programas de HF têm sido implementados, principalmente com relação à
características socioeconômicas e culturais, e compará-los à realidade brasileira, podemos
dizer que o PCV é um projeto de suma relevância. É uma iniciativa importante e denota
avanços no que se refere à oferta de um cuidado integral às pessoas em situação de rua,
mesmo que apenas especificamente as que têm o uso de álcool e outras drogas como
característica. No entanto, assim como apontado nas experiências internacionais, o PCV
também não consegue responder inteiramente às expectativas de um programa de HF no
79

que se refere à integração social e comunitária. Carvalho e Furtado (2021) colocam que
é necessária ainda a realização de algumas melhorias no projeto para que este avance
ainda mais, tais como a capacitação, treinamento e supervisão das equipes responsáveis
pelos moradores.
Conforme exposto ao longo do texto, são diversas as possibilidades de se definir
e categorizar as pessoas em situação de rua, suas particularidades, seus transtornos e suas
necessidades. Todos os temas abordados ao longo dos capítulos interagem entre si e
denotam a importância de um olhar ampliado para o fenômeno da situação de rua e em
especial para aqueles portadores de transtorno mental grave. Algumas questões abordadas
nos capítulos dessa revisão de escopo expõem a vulnerabilidade das PSR com TMG, e
apontam para uma questão central que, de acordo com experiências ao redor do mundo,
tem se mostrado como mister na identificação e resolução de questões relacionadas a elas:
a habitação. É a partir da oferta de habitação que outras portas são abertas no que se refere
à resposta às suas necessidades. É a segurança de um teto que possibilita que essas pessoas
consigam iniciar um processo de reintegração à comunidade e, a partir disso e em
conjunto com o suporte oferecido por equipes de cuidado, começar a dar atenção a outras
diversas necessidades que elas possam ter.
80

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa realizada buscou conhecer quem são os loucos de rua, suas


necessidades e como essas necessidades têm sido atendidas, a partir de uma revisão de
escopo utilizando uma base de dados nacional e duas bases internacionais. Os resultados
permitiram identificar como o campo das pessoas em situação de rua com transtorno
mental grave tem sido representado no cenário nacional e internacional, assim como os
tipos de evidências que têm sido produzidas sobre o tema. A partir dos resultados é
possível também apontar lacunas presentes na produção de conhecimento sobre essas
pessoas, como e quais políticas e práticas têm sido desenvolvidas para elas.
Na tentativa de se conhecer quem são os loucos de rua, ou seja, as pessoas em
situação de rua com transtorno mental grave, foi observado que alguns fatores
influenciam as relações de estimativa e prevalência estabelecidas. Uma ampla definição
do que seria estar em situação de rua promove aumento da amostra de um estudo, assim
como amplia o número de participantes a serem entrevistados e, consequentemente,
caracterizados como em situação de rua, tal como afirmado por Hossain et al. (2020).
Assim como uma extensa gama do que será considerado como transtorno mental grave,
e até mesmo a forma como este será definido (se através de entrevistas, ou seja, da auto
declaração, ou de manuais diagnósticos utilizados por profissionais de saúde mental),
exerce a mesma influência em estimativas e prevalências. Conforme ressaltado por Smartt
et al. (2019), quanto mais heterogêneas tais definições, será encontrada maior dificuldade
em comparar os dados e produzir generalizações a partir deles. O mesmo pode acontecer
a depender do tamanho da amostra das pesquisas: amostras menores geram resultados
menos generalizáveis, pois analisam apenas uma pequena parcela da população estudada.
Autores como Ayano et al., (2017), Adair et al., (2017), Schreiter et al. (2017),
Grandón et al. (2018), Ayano, Tesfaw e Shumet (2019), Hossain et al. (2020) e Gutwinski
et al. (2021), apontam que outro fator de importância nas relações de prevalência é o uso
abusivo de álcool e outras drogas e transtornos decorrentes deste. Inserir esta
característica como transtorno mental grave gera aumento considerável no número de
pessoas contabilizadas como loucos de rua. O uso de drogas pode ser uma das
características que permeiam a situação de rua, no entanto, generalizações como esta
perpetuam estigmas relacionados aos loucos de rua e à população em situação de rua em
si. São dados que devem ser usados com prudência.
81

Ao analisarmos pesquisas que apresentam prevalência e perfil populacional


devemos atentar para o local onde tal pesquisa está sendo realizada. Toda análise deve
considerar o contexto sócio histórico, econômico, cultural e psicossocial daquela região
ou país. São dados que interferem diretamente na percepção de alguns fenômenos. Ayano
et al. (2017), Schreiter et al. (2017), Hossain et al. (2020), Ayano, Tesfaw e Shumet
(2019) e Smartt et al. (2019) chamam atenção para o fato de que as características
geográficas das regiões onde pesquisas estão sendo feitas implicam em variações nas
análises. Países de alta renda, têm resultados diferentes de países de média e baixa renda.
A pluralidade de definições sobre situação de rua e transtornos mentais graves
promove grande variabilidade nas relações de prevalência entre a situação de rua e a
loucura. Variabilidade esta que é influenciada por fatores como os expostos e impactam
diretamente a formulação e aplicação de políticas e programas para os loucos de rua.
Todas as tentativas de se definir quem são as pessoas em situação de rua falam
sobre a heterogeneidade do grupo, no entanto, poucos foram os achados que se
estenderam sobre características específicas dessa população. Por exemplo, no censo
nacional de 2008 (BRASIL, 2009), na pesquisa censitária carioca (2020), e conforme
exposto por Adair et al. (2017), Grandón et al (2018), Mejia-Lancheros et al. (2020) e
Iwundu et al. (2020), os resultados indicam que a maioria das pessoas em situação de rua
é composta por pessoas não brancas e do sexo masculino. No entanto, poucos foram os
resultados da pesquisa que abordaram questões raciais. Alguns aspectos aparentam estar
sendo pouco explorados por pesquisadores nacionais e internacionais. A partir da análise
dos dados obtidos na revisão de escopo pode-se aferir que dentre as pessoas em situação
de rua os homens são maioria. Sendo minoria, as mulheres tendem a sofrer mais
invisibilizações e a terem suas trajetórias de situação de rua agregadas à grande massa
masculina (TINLAND et al., 2018; MOORKATH et al., 2018; SICARI e ZANELLA,
2018). Não só as mulheres cisgênero. Outra lacuna percebida após a realização da
pesquisa é a escassez de estudos sobre questões de gênero e sexualidade relacionadas à
situação de rua. Não foi encontrado nenhum texto que faça menção à questões
relacionadas à sexualidade, indicando que possivelmente esses fatores não estão
recebendo a devida atenção. Quando se pensa em promoção de cuidado, de saúde mental
e de qualidade de vida, tais questões exercem grande influência.
A grande maioria dos textos encontrados através da pesquisa tem a questão da
habitação como tema central, seja para demonstrar exemplos de programas
implementados, ou para verificar a eficácia de programas de habitação no
82

desenvolvimento de aspectos específicos nas vidas de seus participantes. Autores como


Quilgars e Pleace (2016), Rezansoff et al. (2017), Tinland et al. (2018), Chamberlain e
Johnson (2018) e Loubière et al. (2020), partem do ponto da oferta de habitação como
partida para resolução de outros entraves nas vidas dos loucos de rua. No entanto, em
aspectos como a redução de estigmas e discriminações (MEJIA-LANCHEROS et
al.,2017), segurança alimentar (O’CAMPO et al., 2017) e a utilização dos serviços de
saúde (LOUBIÈRE et al., 2020), a inserção em um programa de habitação não produziu
efeitos significativos em comparação a pessoas que não receberam esse incentivo.
Outra lacuna no conhecimento sobre os loucos de rua verificada em revisão é
sobre a reintegração social. Chamberlain e Johnson (2018) entendem a reintegração social
como um dos objetivos principais da inserção em programas de habitação do tipo Housing
First e expõem o conceito de liminaridade como a sensação de não pertencimento de
pessoas que estiveram em situação de rua quando reinseridas em habitações. Os autores
pontuam que a reintegração social é algo processual, e que para isso é necessário romper
as barreiras da liminaridade, seja ela relacional, psicológica ou material, o que se dá,
muitas vezes, de forma lenta e gradativa. Frequentemente os profissionais que exercem
seu cuidado são com quem elas irão estabelecer e manter vínculos facilitadores da
reintegração social e comunitária. É preciso entender que muitas vezes essas pessoas
apresentam laços sociais fragilizados a tal ponto que não irão conseguir restabelecer
antigas relações e podem vir a ter dificuldades em estabelecer novas. Portanto, para se
verificar a efetividade dos programas de habitação enquanto promotores de reintegração
social, é necessário realizar estudos de avaliação longitudinais, com acompanhamento a
longo prazo dos participantes e dos programas em si.
As ineficiências apontadas nos programas de habitação para pessoas em situação
de rua com transtorno mental grave anunciam mais do que falhas que possam haver na
elaboração e implementação dos programas, mas a necessidade de articulação da atenção
a essa população com outras políticas e dispositivos disponíveis na comunidade. As
necessidades dessas pessoas não se encerram na aquisição de habitação, por isso é
importante operar a intersetorialidade na tentativa de oferecer o cuidado integral aos
loucos de rua, tal como apontam Chamberlain e Johnson (2018) e Quilgars e Pleace
(2016).
Apesar da relevância do tema no momento sócio-histórico, político, econômico e
sanitário no qual vivemos, de modo geral, foram poucos os estudos encontrados que se
empenharam em conhecer as pessoas em situação de rua com transtorno mental grave e
83

necessidades relacionadas a elas. Grande número de estudos eram do tipo qualitativo e


representavam experiências locais, produzindo dados menos generalizáveis. Smartt et al.
(2019) expõem o fato de que muitas das pesquisas se preocupam em analisar os
fenômenos da loucura e da situação de rua isoladamente, não como algo complexo e
simultâneo. O que somado à ausência de pesquisas censitárias atualizadas, à nível global
ou local, prejudica a elaboração de políticas e estratégias de atenção adequadas. É apenas
conhecendo as experiências e necessidades específicas dessa população que se pode
promover políticas intervenções apropriadas, eficazes e efetivas.
Através da revisão realizada verificou-se que o tema da habitação quando se fala
nos loucos de rua aparece extensivamente nos resultados. Há necessidade de se explorar
os efeitos a longo prazo dessas intervenções nos mais diversos aspectos das vidas dos
loucos de rua. Assim como devemos tecer um olhar sobre subgrupos específicos dentro
da população de rua, com características relacionadas à gênero, sexualidade, raça/cor, e
também fatores que promovem a reintegração social. Analisar aspectos culturais,
econômicos e sanitários relacionados à trajetória dos loucos nas ruas também se fazem
interessantes, uma vez que dados como estes produzem resultados mais fidedignos e ricos
na compreensão do fenômeno dos loucos de rua. Conhecer os loucos de rua em suas
especificidades é o que promove a ruptura de um processo de generalizações que mantém
estigmas e discriminações no imaginário acerca dessas pessoas, tirando o foco de fatores
estruturais como a pobreza e a ausência de vínculos sociais, colocando apenas à cargo da
medicina a complexidade do fenômeno.
É apenas conhecendo os loucos de rua que poderemos pensar em como endereçar
suas necessidades e seus desejos, promovendo equidade e integralidade na atenção a eles.
84

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