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Loucos de rua: uma revisão de escopo sobre pessoas em situação de rua com transtornos
mentais graves
Rio de Janeiro
2022
Juliana Lugarinho Braga
Loucos de rua: uma revisão de escopo sobre pessoas em situação de rua com transtornos
mentais graves
Rio de Janeiro
2022
Título do trabalho em inglês: Homeless people with severe mental illness: a scoping review.
Catalogação na fonte
Fundação Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde
Biblioteca de Saúde Pública
Loucos de rua: uma revisão de escopo sobre pessoas em situação de rua com transtorno
mental grave
Banca Examinadora
Rio de Janeiro
2022
Àqueles cuja trajetória de vida cruzou com minha trajetória de
trabalho, encontro que me mobilizou a escrever esta dissertação: os
loucos de rua do Centro do Rio de Janeiro.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente aos meus pais, Christina e Carlos, pelo apoio, por serem meu
refúgio, pelos almoços de domingo e pelas marmitas, pela loucinha lavada. Ao meu irmão,
Lucas, pela irmandade, amizade e pelo companheirismo na busca por nossos caminhos
acadêmicos. E ao meu padrinho Marcelo Lugarinho (in memoriam) cujo apoio e motivação em
minhas escolhas profissionais e acadêmicas levarei para sempre.
Aos queridos amigos Giovanna Cinacchi e Danilo Bueno pela parceria, pelos conselhos
e pelas orientações. Os verdadeiros co-orientadores deste trabalho, sem eles metade disso não
seria possível! Agradeço pela paciência e pelo acolhimento de sempre, Mariconas!
À amiga Adriana Fonseca, com quem compartilhei quatro anos de muito trabalho e
companheirismo, e que me ajudava a enxergar caminhos possíveis quando eu achava que já
havia esgotado minhas possibilidades no cuidado com os loucos de rua. Com quem compartilho
minha vida até hoje com muito amor e admiração pela profissional e pessoa que ela é.
Às amigas Priscila Andrade e Thais Bastos sempre acolhedoras e queridas.
À minha analista, Margarete Araújo, por me acompanhar no processo de compreensão
e aceitação do meu tempo.
Ao meu orientador, professor doutor Paulo Fagundes pelo respeito ao tema e
acompanhamento no processo. E à colega Aline Degrave pelo auxílio com a metodologia.
Por fim agradeço a todos aqueles que, de perto ou de longe, me ajudaram a cuidar de
mim e compreenderam minhas ausências ao longo desse extenso e extenuante processo. Parece
clichê, mas sem vocês não seria possível trabalhar a mais de 60 km de casa e sobreviver ao
mestrado. Muito obrigada!
É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é
possível mudar as coisas.
(SILVEIRA, 1991)
RESUMO
The homelessness phenomenon is growing in Brazil and follows the growth of poverty
and misery as a result of the economic crisis in which the country finds itself in recent years.
Among the homeless persons is a more vulnerable group that beyond the stigma of poverty
carries the stigma of craziness: the homeless people with severe mental illness. Homeless
persons with any severe mental illness diagnosis. This paper aims to, through a scoping review
of national and international literature, get to know who are the homeless with severe mental
illness and their needs, as well as identify how those needs are being addressed, which policies
and projects aimed at this part of the homeless population are being accomplished. In the
common sense there is dissemination of infamous speeches about these people, that frames
them as crazy, junkies, criminals, and that, by blaming the individual for his homeless situation,
depoliticizes and take credit from structural factors related to this population, such as poverty,
the break or absence of social relations and the lack of affordable, stable and safe housing.
Stigmatizing homeless people as crazy puts the answer to this complex phenomenon, which
does not end in a diagnosis, in charge of psychiatric medicine. Add to that the cognomen of
junkies extends even more the discrimination and criminalization of those persons and
perpetuates a hygienist speech and actions towards the homeless with severe mental illness.
The results found in the scoping review indicates that there is an extended focus on the housing
offer for homeless people with severe mental illness and the lack of totality in analyzing other
aspects related to the phenomenon, such as gender issues and the relationship with other devices
and policies that might answer their needs. Such gaps in the production of knowledge and
actions and policies on the subject of homeless people with severe mental illness indicates the
need to get to know these people so that effective care strategies can be proposed.
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 11
2 O PANORAMA NACIONAL DAS POLÍTICAS DIRECIONADAS À
POPULAÇÃO DE RUA...................................................................................... 15
3 METODOLOGIA................................................................................................ 18
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO............................................................................ 21
4.1 PREVALÊNCIA: QUEM SÃO OS LOUCOS DE RUA?.................................... 31
4.2 SAÚDE MENTAL E SAÚDE EM GERAL PARA PESSOAS EM SITUAÇÃO
DE RUA COM TRANSTORNO MENTAL GRAVE.......................................... 42
4.3 POLÍTICAS DE SUPORTE CENTRADAS NA HABITAÇÃO.......................... 61
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 80
REFERÊNCIAS................................................................................................... 84
11
1 INTRODUÇÃO
matizes diversos: desde o acolhimento humanizado até práticas higienistas, que podem
acarretar a remoção compulsória de seu lugar de vida e a institucionalização.
Lovisi (2000) utiliza o termo “psiquiatrização da miséria” como uma
categorização da população em situação de rua comumente feita, que reduz sua
complexidade à mera condição de “doentes mentais”. Johnson e Chamberlain (2011)
apontam para uma generalização que se faz dessas pessoas, as colocando como loucas ou
como drogadas, deixando de lado relações de causalidade e prevalência entre a loucura e
a situação de rua. Os autores se debruçam sobre aspectos relacionados à causalidade da
situação de rua e dos transtornos mentais e apontam que o imaginário popular, ao proferir
que toda pessoa em situação de rua é louca, opera generalizações que não condizem com
a realidade e perpetuam estigmas, tirando o foco de causas estruturais relacionadas ao
fenômeno da situação de rua, como o rompimento de vínculos familiares, a pobreza e a
falta de uma habitação estável e segura.
Assim como dizer que todos que moram nas ruas fazem uso de álcool e outras
drogas. Aspectos relacionados ao uso de drogas podem ser características de um segmento
significativo das pessoas em situação de rua, porém, não devem ser entendidos como
inerentes a todas elas. A vida nas ruas por si só, em decorrência das privações e
vulnerabilidades às quais essas pessoas estão submetidas, é fator gerador de sofrimento
psíquico e pode acarretar, como efeito secundário, no uso de drogas. Deve-se olhar para
esse público com cautela, entendendo que pessoas em situação de rua têm um caráter
heterogêneo e diversas possibilidades que as levaram a viver nas ruas.
Nos estudos sobre pessoas com transtornos mentais graves em situação de rua não
existe um consenso sobre a definição de quais seriam esses transtornos. Do ponto de vista
médico psiquiátrico, Smartt et al. (2019), em um artigo de revisão sobre o tema,
caracterizam como transtornos mentais graves os diagnósticos de esquizofrenia,
transtorno esquizoafetivo, transtorno bipolar do humor e depressão grave com sintomas
psicóticos, definidos de acordo com os manuais diagnósticos de psiquiatria. A literatura
sobre o tema aponta que existem diversos estudos sobre a relação entre a população em
situação de rua e os transtornos mentais graves em países ricos, mas pouco se sabe sobre
essas pessoas em países com média/baixa renda. O que se observa no cenário atual é não
só a escassez de estudos sobre esse tema, mas também a falta de políticas voltadas para o
cuidado daqueles com transtorno mental grave que se encontram em situação de rua
(SICARI e ZANELLA, 2018).
13
Este estudo tem como objetivo conhecer como a literatura científica, nacional e
internacional têm abordado o tema dos loucos de rua com o intuito de aprofundar o
conhecimento de quem são essas pessoas, suas especificidades, necessidades e
vulnerabilidades. O estudo do tema justifica-se porque as lacunas observadas no cuidado
e com relação ao conhecimento sobre essa população influenciam propriamente na
formulação e implementação de políticas efetivas e eficazes estão diretamente
relacionadas ao conhecimento sobre esse público, suas particularidades e suas carências.
A fragilidade das políticas públicas se fazem visíveis para os trabalhadores que
operam no setor saúde. Em minha trajetória profissional enquanto psicóloga tive a
oportunidade de trabalhar em uma equipe de Consultório na Rua no município do Rio de
Janeiro. As equipes de Consultório na Rua são equipes vinculadas à política de atenção
básica e instituídas da forma como as conhecemos pela Política Nacional de Atenção
Básica de 2011, compostas por profissionais de diversas categorias, que atuam
prioritariamente no território, ou seja, na rua. Seu objetivo é promover a integralidade do
cuidado à população em situação de rua, incluindo aqueles com transtorno mental grave.
As equipes de Consultório na Rua são a porta de entrada prioritária dessas pessoas nas
Redes de Atenção à Saúde e de Atenção Psicossocial, portanto, essas equipes também são
responsáveis pela coordenação do cuidado a essas pessoas. No território onde atuei, a
Rede de Atenção Psicossocial era extremamente fragilizada e contava com poucos
recursos de cuidado que operam na via da atenção psicossocial, tendo ainda centralidade
na figura do manicômio seja para internação ou acompanhamento ambulatorial aos
loucos, inclusive os de rua. Dispositivos da política de assistência social voltados para
população em situação de rua, como o Centro de Referência Especializado para
População em Situação de Rua (Centro POP) e diferentes tipos de abrigo, compunham a
rede de atenção. No entanto, dificilmente esses locais acolhiam os loucos de rua. Tais
fatos fazem com que o cuidado ao louco de rua se torne um desafio para mim e para os
demais profissionais relacionados, o que me motivou a buscar conhecimento sobre o
tema.
A estrutura da dissertação visa, num primeiro momento, apresentar os
procedimentos de busca nas bases de dados e seus resultados, que serão apresentados e
discutidos a partir de temas emergentes em capítulo específico, sendo dispostas seções
correspondentes aos temas predominantes. Será destinada uma primeira seção para
descrever quem são os loucos de rua e as relações de prevalência envolvidas nessa
determinação. Em seguida, uma seção realizará a exposição de aspectos relacionados à
14
saúde mental e à saúde geral das pessoas em situação de rua com transtorno mental grave.
Tendo em vista que a habitação emerge como tema central da pesquisa, uma seção será
destinada a expor modelos de programas de habitação voltados para população em
situação de rua com transtorno mental grave em alguns países. Por fim, serão apresentadas
as conclusões obtidas a partir da análise dos temas e textos resultantes da revisão.
15
drogas foi abordado enquanto questão de saúde mental na pesquisa censitária. Uso este
que também pode estar diretamente relacionado às vulnerabilidades próprias da situação
de rua, como o frio, a fome, o medo e uma gama de adversidades às quais estão
submetidas.
São diversos os olhares sobre as pessoas em situação de rua e nenhum deles as
coloca em um patamar de visibilidade, pelo contrário: as invisibiliza, apagam suas
histórias e promovem estigmas que podem acabar por perpetuar sua exclusão da
sociedade e, consequentemente, das redes de atenção. Invisibilidade que é reforçada pela
ausência de dados atualizados sobre essas pessoas, o que prejudica a formulação e
implementação de políticas públicas voltadas para elas (NATALINO, 2020). A população
em situação de rua é extremamente heterogênea, e são diversos os motivos pelos quais
essas pessoas estão nas ruas, assim como são inúmeras as suas demandas e necessidades.
Desde a falta de registro civil, a políticas habitacionais, à necessidade de cuidados em
saúde em geral, e especificamente pelo cuidado em saúde mental.
18
3 METODOLOGIA
para pessoas em situação de rua e população em situação de rua, assim como homeless
e homelessness. As aspas foram utilizadas para poder incluir termos maiores ou até
mesmo frases na busca, gerando mais resultados e resultados mais inclusivos.
Em função dos resultados das buscas exploratórias foram selecionados os
descritores a serem utilizados em cada base de dados. Foram incluídos textos produzidos
em português, inglês ou espanhol, buscando abranger uma gama maior de países onde
estudos dentro da temática de interesse deste trabalho estão sendo produzidos. Portanto,
os descritores selecionados para a busca final foram: situação de rua* AND saúde mental
na base de dados Scielo, homeless* WITH mentally ill na base de dados Scopus, e
homeless* AND mental illness na PubMed, em respeito às especificidades de cada base
de dados. Outro filtro aplicado à busca foi o de textos com acesso livre, para que qualquer
leitor tenha acesso às referências utilizadas. Foram excluídos relatos de caso ou
experiência, cartas e correspondências, e ensaios teóricos. O tempo delimitado para busca
foram os últimos 05 anos (de 2017 a 2021), pois buscou-se uma visão mais
contemporânea sobre o tema. Não foram selecionados textos cujo foco não eram pessoas
em situação de rua portadoras de transtorno mental grave. Posteriormente, foram
excluídos a partir da leitura dos títulos e resumos os artigos que não contemplam o escopo
da pesquisa. Por opção de pesquisa, não foram realizadas buscas na literatura cinzenta.
Por ter sido realizada uma pesquisa de revisão textual, ou seja, sem envolvimento
com seres humanos, não foi feita submissão da pesquisa para apreciação junto ao Comitê
de Ética e Pesquisa.
21
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Figura 01: Fluxograma descritivo das etapas da coleta de dados nas bases
eletrônicas
Triagem
Selecionados a partir dos Excluídos por duplicidade:
critérios de
inclusão/exclusão: 27
68
Incluídos
Inseridos manualmente: Amostra final:
05 32
Quadro 01. Informações gerais dos textos selecionados a partir de revisão nas
bases de dados.
# Título Autores / Local do estudo / Tipo
Ano País de publicação
01 Prevalence of Hossain et EUA/Reino Unido Revisão Guarda-
mental disorders al., 2019 chuva
among people
who are
homeless: An
umbrella review
02 Characterization Grandón et Chile/Chile Estudo descritivo
of homeless al., 2018 de corte transversal
persons with com realização de
mental health entrevistas e
problems, that are aplicação de
in the Bío Bío escalas de
Region avaliação
03 Homelessness Smartt et al., Inglaterra/Reino Revisão de escopo
and severe mental 2019 Unido
illness in low-
and middle-
income countries:
scoping review
04 Housing First Rezansoff et Canadá/Reino Unido Estudo controlado
Improves al., 2017 randomizado
Adherence to
Antipsychotic
Medication
among Formerly
Homeless Adults
with
Schizophrenia:
Results of a
24
Randomized
Controlled Trial
05 Food security O’Campo et Canadá/Reino Unido Estudo controlado
among al., 2017 randomizado
individuals
experiencing
homelessness and
mental illness in
the at Home/Chez
Soi Trial
06 Lives without Moorkath et Índia/Índia Estudo de caso
Roots: al., 2018
Institutionalized
Homeless
Women with
Chronic Mental
Illness
07 Atenção van Wïjk e Brasil/Brasil Revisão integrativa
psicossocial e o Mângia,
cuidado em saúde 2019
à população em
situação de rua:
uma revisão
integrativa
08 O cuidado a van Wïjk e Brasil/Brasil Pesquisa
Pessoas em Mângia, qualitativa de
Situação de Rua 2017 inspiração
pela Rede de etnográfica
Atenção
Psicossocial da Sé
09 Peer navigators to Corrigan et EUA/Holanda Estudo controlado
promote al., 2017 randomizado
engagement of
25
homeless African
Americans with
serious mental
illness in primary
care
10 The prevalence of Schreiter et Alemanha/Alemanh Revisão sistemática
mental illness in al., 2017 a e meta análise
homeless people
in Germany - A
systematic review
and meta-analysis
11 The prevalence of Ayano, Etiópia/Reino Unido Revisão sistemática
schizophrenia and Tesfaw e e meta análise
other psychotic Shumet,
disorders among 2019
homeless people:
A systematic
review and meta-
analysis
12 A randomized Aubry et al., Canadá/Reino Unido Estudo controlado
controlled trial of 2019 randomizado
the effectiveness
of Housing First
in a small
Canadian City
13 Mental, Ayano et al., Etiópia/Reino Unido Pesquisa de base
neurologic, and 2017 comunitária
substance use
(MNS) disorders
among street
homeless people
in Ethiopia
26
with mental
illness
22 Determinants of Loubière et França/Reino Unido Estudo controlado
healthcare use by al., 2020 randomizado
homeless people
with
schizophrenia or
bipolar disorder:
results from the
French Housing
First Study
23 Employment Tiderington EUA/EUA Metodologia
experiences of et al., 2020 qualitativa
formerly envolvendo
homeless adults entrevistas
with serious
mental illness in
Housing First
versus treatment
first supportive
housing programs
24 Evaluation of an Dunt et al., Austrália/Austrália Metodologia
integrated 2017 qualitativa
housing and envolvendo
recovery model entrevistas
for people with
severe and
persistent mental
illnesses: The
Doorway
program
29
Dentre os resultados descritos acima, obtidos a partir das bases dados, a maioria
dos textos selecionados se refere a pesquisas de metodologia qualitativa. Foram
selecionadas 10 revisões (cinco sistemáticas, duas sistemáticas com meta análise, uma
revisão guarda-chuva, uma integrativa e uma de escopo), oito estudos randomizados
controlados, oito artigos que utilizaram metodologia qualitativa não especificada
envolvendo entrevistas, dois estudos de caso, um estudo descritivo, uma pesquisa
qualitativa de inspiração etnográfica (com revisão documental, realização de entrevistas
e observação participante), uma pesquisa de base comunitária. Também foram incluídos
um capítulo de livro e uma pesquisa de metodologia quantitativa. A maioria dos produtos
da pesquisa se caracteriza por estudos e textos que objetivam conhecer quem são as
pessoas em situação de rua com transtorno mental grave e suas necessidades, avaliar
programas e projetos implementados para atendê-las e identificar e agrupar estudos que
têm sido feitos sobre o tema.
Com relação ao país de produção dos textos, a maioria se concentrou em países
da América do Norte (sete do Canadá e oito nos EUA), seguidos de estudos realizados no
Brasil (cinco), Austrália, Etiópia e Reino Unido (três cada), França (dois), Alemanha,
Índia e Chile (cada país com um texto). Nota-se que a maioria das produções sobre o tema
das pessoas em situação de rua com transtorno mental grave se deu em países do
31
abrigos cujas condições nem sempre são adequadas. Por isso reforçam a importância do
investimento em estratégias que promovam a habitação. Afirmam ainda que alegar que a
maioria das pessoas que estão em situação de rua tem algum tipo de transtorno mental
retira o foco de outros aspectos relacionados à ida para as ruas, como o rompimento de
vínculos familiares, renda insuficiente e falta de moradia acessível financeiramente, e por
isso, a solução para essas pessoas está fora do âmbito da medicina.
A medicalização da situação de rua ao mesmo em que responde a interesses
políticos de invisibilização dessa população e desinvestimento em questões relacionadas
à suas necessidades, também retira seu caráter político, colocando sob a égide do discurso
biomédico um fenômeno que é determinado por diversos fatores, podendo incluir ou não
questões de saúde mental. No entanto, ao mesmo tempo em que não se pode generalizar
dizendo que toda PSR é louca, também não se pode dizer que nenhuma dessas pessoas o
é. Alguns autores realizaram pesquisas visando determinar a prevalência de PSR com
TMG em alguns países, através de estudos de revisão e estudos censitários. Porém, antes
de discutir sobre prevalência, é necessário falar sobre o que se entende por situação de
rua e sobre o que irá se abordar como transtorno mental grave.
para incluir como para excluir determinados sujeitos, e quanto mais abrangente for o
conceito de situação de rua, mais sujeitos ele irá contemplar e, consequentemente, maior
o número destas pessoas em qualquer pesquisa de estimativa ou prevalência. Smith e
Castañeda (2020) falam sobre os desafios na identificação e totalização das pessoas em
situação de rua e mencionam o seu caráter de invisibilidade, denotando que ao escolher
uma definição de situação de rua que inclui somente pessoas em abrigos ou unidades de
acolhimento, sejam eles de emergência ou não, é mais fácil, pois a contagem dessas
pessoas é controlada. Incluir pessoas que dormem nas ruas e que tem como característica
o nomadismo, dificulta a totalização da população a ser registrada e estudada. Caso essas
pessoas não tenham documentação ou registro de identificação, o acompanhamento delas
ao longo das pesquisas se torna mais difícil ainda, pois o risco de repeti-las na contagem
é maior.
Boa parte dos artigos utiliza uma definição de transtornos mentais graves, que
incluí os diagnósticos de esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo, transtorno bipolar do
humor e depressão maior (GRANDÓN et al., 2018; SMARTT et al., 2019; SMARTT et
al., 2021; TINLAND et al., 2018; O’CAMPO et al., 2017; VOISARD et al., 2021;
TIDERINGTON et al., 2020).
Outros autores, além destas definições, ampliam a gama do que consideram
classificáveis como TMG e incluem transtornos psicóticos não especificados, transtornos
de ansiedade (transtorno de estresse pós traumático e transtorno no pânico), transtornos
de personalidade, quadros delirantes, episódios psicóticos breves, transtorno do espectro
autista, transtornos neurocognitivos, transtornos relacionados ao suicídio e outros, como
déficit de atenção/hiperatividade e comportamento disruptivo (AYANO et al., 2017;
AYANO, TESFAW e SHUMET, 2019; HOSSAIN et al., 2020; SCHREITER et al.,
2017; IWUNDU et al., 2020; GUTWINSKI et al., 2021; SMITH e CASTAÑEDA, 2020;
HOSSAIN et al., 2020; MEJIA-LANCHEROS et al., 2020; ADAIR et al., 2017).
Um fator que se pode inferir sobre a extensão de definições na escolha dos
transtornos que irão definir TMG, é de que maior a variedade de diagnósticos resulta em
um aumento significativo da prevalência de TMG nas populações estudadas, o que
36
estar com a situação que poderia ser nomeado como sofrimento. Como será discutido a
seguir, a maior parte dos estudos selecionados fará uso da epidemiologia e dos
diagnósticos psiquiátricos na busca de uma definição da prevalência de transtornos
mentais na população em situação de rua.
Estudos e revisões realizados em outros países ao redor do mundo indicam
características sócio demográficas semelhantes a o panorama brasileiro de 2008. Nestes
estudos também foi encontrada dentre as PSR uma maioria composta por homens não
brancos solteiros em idade adulta (GRANDÓN et al., 2018; IWUNDU et al., 2020;
MEJIA-LANCHEROS et al., 2020; ADAIR et al., 2017). Dos entrevistados, 29%
declararam ter algum problema de saúde, e desses, 6,1% declararam ter algum tipo de
sofrimento psíquico.
A análise das revisões encontradas na pesquisa nos permite realizar algumas
constatações. Ayano, Tesfaw e Shumet (2019) realizaram uma revisão sistemática e meta
análise para avaliar a prevalência de TMG dentre as PSR, considerando como
diagnósticos do espectro da esquizofrenia. A pesquisa englobou 31 estudos de 13 países,
sendo quatro conduzidos em países em desenvolvimento, e indicaram uma prevalência
mais alta na PSR do que na população em geral nos transtornos estudados (10,29%) o
que, segundo os autores, indica que os TMG entre as PSR são um problema significativo
de saúde pública. A mesma comparação foi feita entre os resultados de países
desenvolvidos e em desenvolvimento e os achados indicam maior prevalência de TMG
entre as PSR nos países em desenvolvimento. No entanto, os autores alertam que os
estudos realizados em países em desenvolvimento são escassos, o que deve ser
considerado ao realizar qualquer comparação entre os dois grupos. Eles afirmam que isso
pode ser explicado por diversos fatores, incluindo ferramentas e instrumentos
metodológicos de avaliação de transtornos, características dos países, o risco de
adoecimento por esquizofrenia e variações na severidade dos transtornos, relacionadas
também a comorbidades físicas, psiquiátricas e ao uso de substâncias psicoativas.
Em estudo de revisão, Hossain et al. (2020), assim como Ayano, Tesfaw e Shumet
(2019), constataram que as medidas de prevalência variam também de acordo com as
regiões geográficas onde são realizados os estudos nas revisões, o que implica também
em variações nas análises entre países de alta renda e países de média e baixa renda.
Dentre os transtornos analisados na revisão dos autores, a prevalência de transtornos do
espectro da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos, foram encontradas 7 revisões
onde a prevalência variou entre 1 e 45%. Já com relação aos transtornos depressivos foi
39
Questões relacionadas à saúde e saúde mental das pessoas em situação de rua com
transtorno mental grave foram abordadas em textos presentes nesta revisão. Emergiram
temas como utilização dos serviços de saúde (CORRIGAN et al., 2017; LOUBIÈRE et
al., 2020), atenção primária à saúde (WHISLER et al., 2021), adesão ao uso de medicação
psiquiátrica (REZANSOFF et al., 2017), segurança alimentar (O’CAMPO et al., 2017),
questões relacionadas à mulheres em situação de rua (TINLAND et al., 2018; SICARI e
ZANELLA, 2018; MOORKATH et al., 2018) e estigma e discriminação (MEJIA-
LANCHEROS et al., 2020).
Os programas de atenção em saúde mental são usualmente oferecidos nas
intervenções que propiciam suporte habitacional para pessoas com transtornos mentais
graves em situação de rua. Pela relevância que adquiriu na pesquisa, aspectos relativos
aos modelos habitacionais serão apresentados em capítulo específico.
Em análise dos textos selecionados para a revisão de escopo, três modelos de
atenção em saúde mental foram notados:
Tendo em vista que os achados da presente pesquisa abrangeram em maioria
pesquisas de revisão e estudos de abordagem qualitativa, foram encontrados autores que
mencionam os programas, mas não se preocuparam com a explanação dos mesmos.
Entendendo a importância de compreender esses modelos de cuidado no contexto dos
43
com alto risco de novas internações, com comorbidades e também as pessoas com
transtorno mental grave que se encontram em situação de rua, público alvo da presente
pesquisa. Entendendo as necessidades de cuidado das PSR com TMG para além das
questões de saúde mental, a conjugação da oferta de habitação com o cuidado em saúde
mental através do GIC ou do TCA, tem por objetivo a promoção da integralidade do
cuidado. Seja ela feita através de uma rede de cuidados, ou in loco, respectivamente.
Outra diferença entre os modelos é que a GIC propõe uma abordagem mais
abrangente, de articulação de cuidados, enquanto o TCA, acolhe menos pacientes e
oferece o cuidado em si, realizado por uma mesma equipe de referência. Whisler et al.
(2021) diferencia os dois modelos comentando que serviços de TCA são promovidos por
uma equipe multiprofissional de saúde que conta com uma vasta gama de recursos para
o cuidado intensivo, enquanto a GIC oferece gestores de caso para cada um dos pacientes,
ajudando-os a se conectar com os diversos recursos oferecidos na comunidade.
Em modelos de habitação do tipo Housing First (HF), que serão expostos
posteriormente, a pessoas com TMG que estavam em situação de rua e têm maiores
necessidades de cuidado é ofertado o TCA, e àquelas que necessitam de menos cuidados,
a GIC. Ambos os modelos, quando em estudos de controle, geralmente aparecem em
oposição ao Treatment As Usual (Tratamento Padrão, em tradução livre).
Tratamento Padrão (TP) refere-se a qualquer modelo de tratamento para a
população com questões relacionadas à saúde mental, não específico para pessoas com
TMG ou em situação de rua. São planos de cuidado que envolvem dispositivos já
existentes no território, como avaliação psiquiátrica, oferta de medicação psiquiátrica,
ambulatórios de saúde mental e serviços para usuários de álcool e outras drogas.
Exemplos deste tipo de tratamento na rede de atenção psicossocial (RAPS) estabelecida
no Brasil seriam as unidades básicas de saúde (incluindo o apoio das equipes do Núcleo
Ampliado de Saúde da Família – NASFab e das equipes multiprofissionais da Atenção
Básica), ambulatórios de especialidades em saúde mental, Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS) e, pensando na PSR em específico, as equipes de Consultório na
Rua (CnaR).
Ao mencionarem aspectos relacionados ao HF, autores como Aubry et al. (2019),
O’Campo et al. (2017), Rezansoff et al. (2017), Adair et al. (2017), Corrigan et al. (2017
a,b), Whisler et al. (2021), Mejia-Lancheros et al. (2020), Tinland et al. (2018) abordam
pelo menos um dos modelos de cuidado descritos acima.
46
Isso pode acabar afastando as pessoas destes serviços, levando-as a buscar por cuidados
nos serviços de emergência ou consultórios médicos.
Loubière et al. (2020) comentam que resultados de sua pesquisa demonstram que
a questão da situação de rua é complexa, envolvendo questões sociais além das
necessidades de cuidados psiquiátricos específicos. Pode-se considerar que a habitação é
uma questão social, tendo em vista que uma das funções do modelo HF é a reintegração
social das PSR com TMG a partir da oferta de habitação. É importante notar que a forma
como os sistemas de saúde são utilizados está intrinsecamente ligada ao tipo de sistema
oferecido. Se ele é universal e totalmente gratuito ou se necessita de pagamentos
complementares. No entanto, ainda que sejam gratuitos, determinados grupos de pessoas
vulneráveis continuarão tendo dificuldades para acessá-los devido a discriminações e
estigmas, dentre elas as PSR com TMG.
Em um estudo sobre o projeto At Home/Chez Soi (AHCS) do Canadá, Whisler et
al. (2021) exploram a manutenção do cuidado continuado na atenção primária à saúde
para as PSR com TMG. Os autores apontam a importância do cuidado em atenção
primária, tendo em vista que as necessidades de saúde mental não são sua única demanda
de cuidado. Muitas têm comorbidades físicas como questões relacionadas à mobilidade,
visão, infecções sexualmente transmissíveis, hipertensão, dentre outras. Para além disso,
a atenção primária à saúde tem papel de coordenar as ações intersetoriais de acordo com
as necessidades das pessoas. A continuidade do cuidado em atenção primária também
diminui a frequência das PSR com TMG aos serviços de emergência. No entanto, a falta
de oferta de cuidados desse tipo próximo aonde essas pessoas se encontravam, a falta de
transporte e a discriminação acabam por se caracterizar como barreiras de acesso aos
serviços. Os autores comentam que certo número de participantes tinha como referência
de cuidados médicos apenas o psiquiatra, sem inserção em unidades de saúde no âmbito
da atenção primária. Para avaliar o impacto do programa AHCS na continuidade do
cuidado em atenção primária foi feita uma randomização dos participantes em dois
grupos: o grupo ao qual foi ofertado o modelo HF com tratamento comunitário assertivo
e o que foi oferecido tratamento padrão.
A pesquisa realizada por Whisler et al. (2021) identificou que, num momento
prévio à inserção no programa, pessoas que posteriormente foram randomizadas no
tratamento padrão já tinham boas taxas de acesso e manutenção do cuidado na atenção
primária à saúde. Durante a participação no programa e o follow-up de um ano, não foi
verificada diferença significativa entre os dois grupos. No entanto, se as PSR com TMG
48
Segurança alimentar
O’Campo et al. (2017) analisaram, dentro do projeto canadense AHCS, a questão
da segurança alimentar em participantes inseridos no HF em comparação aos inseridos
no tratamento padrão. Segurança alimentar é o acesso à alimentação nutritiva, segura e
suficiente para contemplar as necessidades alimentares das pessoas, proporcionando uma
vida ativa, produtiva e saudável. Insegurança alimentar é quando o acesso à alimentação
é limitado, inadequado ou insuficiente para atingir os requisitos alimentares. A segurança
alimentar está relacionada diretamente às restrições financeiras e entendendo a situação
de rua como algo relacionado à ausência de habitação estável e à pobreza, essas pessoas
tendem a estar mais expostas à insegurança alimentar e à fome.
Em sua análise os autores separaram os participantes do HF em dois grupos, de
acordo com o grau de necessidade de cuidados, sendo eles com alto e médio nível de
necessidade de cuidados. Não foi mencionado o tipo de cuidado em saúde mental
recebido, mas foi relatado em outras pesquisas relacionadas ao mesmo projeto que
pessoas com alto nível de necessidades de cuidado eram designadas ao tratamento
comunitário assertivo e com as com menos necessidades, à gestão intensiva de casos.
Os achados da indicam que no momento da primeira entrevista não havia
diferença significativa entre os grupos em relação à segurança alimentar: a segurança
alimentar era baixa entre as PSR com TMG participantes do programa AHCS. No entanto,
mesmo que algumas pessoas tenham conseguido atingir níveis melhores de segurança
alimentar, a intervenção por meio do HF não resultou em níveis mais altos de segurança
alimentar em comparação aos participantes designados ao tratamento padrão no período
do estudo (18 meses), principalmente entre aqueles que tinham maiores necessidades de
cuidado em saúde mental. Os autores pontuam que as diferenças entre as localidades onde
o estudo foi realizado (tanto metrópoles como uma cidade do interior) e as
particularidades destes locais, como as possibilidades de adquirir comidas saudáveis a
49
preços acessíveis, podem ter interferido nos resultados. Outro fator apontado pelos
autores que pode ter sido de grande influência, é o fato de o programa AHCS não ter
como objetivo interferir na situação financeira das pessoas, ou seja, diminuir os níveis de
pobreza, o que, consequentemente, interfere na aquisição de comida saudável e na
segurança alimentar. No caso do AHCS, foi ofertado um incentivo financeiro para
participação no estudo apenas e não um benefício recebido de forma contínua.
Ou seja, entendendo que a segurança alimentar está diretamente relacionada com
níveis de pobreza da população, para que a PSR com TMG consiga atingir níveis seguros
de alimentação, ela precisa não só estar inseridas em programas de habitação e cuidados
em saúde mental, mas também em programas que incentivem a geração de renda, a
inserção no mercado de trabalho ou que ofereçam incentivos financeiros combinados à
habitação. Mais uma vez evidencia-se a necessidade da articulação de diferentes políticas
e dispositivos intersetoriais relacionados às PSR com TMG na tentativa de se efetivar um
cuidado integral para esta população.
Mângia (2017) apontam que essa modalidade de cuidado caracteriza uma estratégia de
vinculação dos usuários ao cuidado, assegurando sua continuidade, o que é importante,
pois esse público comumente não adere a modelos de cuidado convencionais. Os
participantes inseridos no tratamento padrão não receberam habitação e seu cuidado era
feito em serviços já existentes no território.
Rezansoff et al. (2017) discutem a redução de danos enquanto estratégia de
redução de agravos relacionados ao uso de álcool e outras drogas e consideram que este
é um dos princípios chave dos programas de HF em contraposição à exigência de
abstinência dos programas do tipo Treatment First (TF). No entanto, podemos entender
a redução de danos enquanto um posicionamento ético-político sendo a diminuição de
agravos específicos o que permite a promoção de avanços em outras áreas da vida das
pessoas, principalmente para grupos em situação de vulnerabilidade, como as PSR com
TMG. Nesse sentido, podemos dizer que programas do tipo HF ao oferecer habitação
estável e permanente, junto ao apoio ao cuidado em saúde mental para PSR com TMG,
indica uma estratégia de redução de danos.
A inserção no scattered site HF com tratamento comunitário assertivo foi a que
demonstrou melhor adesão ao uso de psicofármacos. Os autores justificam esse resultado
pelo fato de que, inseridas numa habitação, essas pessoas perderiam menos suas
prescrições, esqueceriam menos de usar as medicações, teriam melhores condições de
armazenamento e estariam menos sujeitas a terem as prescrições e remédios roubados.
Ou seja, o aumento da adesão ao uso da medicação está para além da oferta de cuidados
médicos (consultas e prescrições) e teria estreita relação com a oferta de habitação segura
e estável e com o acompanhamento multidisciplinar permanente disponível.
A opinião dos autores é que a não inserção de PSR com esquizofrenia em
programas de habitação ou projetos de tratamento que envolvam o uso da medicação
promove a persistência dos sintomas do transtorno, o que, segundo eles, interfere
negativamente em diversos fatores relacionados às vidas dessas pessoas, tais como a
negligência no que se refere aos cuidados com suas questões de saúde e saúde mental e
prejuízos na qualidade de vida. O que por sua vez interfere no acesso a serviços e suporte
necessários que promovem cuidado e auxiliariam na saída das ruas.
É sabido que o uso de medicação psicoativa pode beneficiar o cuidado de uma
parcela de pessoas com TMG. No entanto, a remissão dos sintomas psiquiátricos não está
ligada somente a esse aspecto e entende-se também que a remissão dos sintomas não é o
único indicativo de estabilidade no quadro de saúde mental ou na possibilidade de
51
pessoas que estão vivenciando o TMG e estão passando por situações similares no sistema
de saúde ou saúde mental.
São diretrizes do PNP valores básicos, como aceitação, empoderamento e
disponibilidade; apresentar determinadas qualidades enquanto membro da equipe, tais
como trabalho em rede, informado e supervisionado; e exercer abordagens fundamentais,
como escuta ativa, proatividade e compartilhamento da tomada de decisões. Isto leva ao
desenvolvimento de habilidades de ajuda: habilidades para trabalhar com pessoas (tais
como escuta reflexiva, estabelecimento de metas e advocacy), habilidades para responder
às preocupações dos assistidos pelo programa (como resolução de problemas
interpessoais, manejo de recaídas, redução de danos e competências culturais), e
habilidades de gerenciamento de funções (estabelecer limites relacionais, manejar
burnout e sabedoria das ruas). Uma característica comum ao PNP e ao tratamento
comunitário assertivo é o fato de que as equipes de PNP compartilham responsabilidades
por todos os participantes do programa e atuarem com psicoeducação.
O PNP apresentado por Corrigan et al. (2017) apresenta uma particularidade: ele
visa acompanhar pessoas afro-americanas em situação de rua com TMG a navegar pela
rede de cuidados em saúde. TMG aqui é entendido como diagnósticos de depressão maior,
transtorno bipolar, transtorno de ansiedade, transtorno de estresse pós traumático e
esquizofrenia. De acordo com os autores, questões étnico-raciais influenciam a
experiência das pessoas com a pobreza e a situação de rua. Eles alegam também que os
serviços de saúde estão menos disponíveis para essa população devido à falta de serviços
culturalmente específicos para a população negra, e pela distribuição geográfica dos
serviços existentes, o que dificulta o acesso por pessoas mais pobres. A partir dessa
experiência, os autores realizaram pesquisas com o objetivo de averiguar questões
relacionadas ao cuidado em saúde e saúde mental por parte dessa população.
Dentre os achados da pesquisa realizada para elaboração do presente trabalho
foram encontrados dois artigos sobre o PNP de Corrigan et al. (2017). Um dos artigos
(2017) tinha como objetivo avaliar os efeitos do programa em relação à saúde física e
mental dos participantes, assim como seu tratamento e qualidade de vida, em comparação
a participantes designados ao tratamento padrão, após randomização da amostra. O
segundo (2017) também expunha uma randomização da amostra em PNP e tratamento
padrão e tinha como objetivo reportar possíveis mudanças com relação à marcação e
frequência em consultas médicas durante um ano de acompanhamento. Os resultados
obtidos nas duas pesquisas indicam a importância do acompanhamento realizado pelos
54
navegadores para melhoria do acompanhamento em saúde por parte das PSR com TMG
dentro do recorte racial específico.
No primeiro estudo (2017) verificou-se que os participantes da pesquisa
acreditavam que sua saúde é debilitada por não priorizarem o cuidado em saúde, pela falta
de serviços disponíveis e acessíveis, por serem estigmatizados pelo próprio sistema de
saúde e pela desorientação decorrente dos sintomas dos transtornos psiquiátricos que
apresentam. Para eles, uma das soluções apontadas foi o auxílio para a circulação no
sistema de saúde, realizada por pessoas cujas questões relacionadas à situação de rua e à
saúde mental, são semelhantes às suas. Ou seja, o apoio de navegadores de pacientes. Os
resultados do acompanhamento longitudinal mostraram melhora significativa em índices
relatados tanto de saúde física como saúde mental, para os participantes inseridos no PNP
em comparação aqueles que receberam o tratamento padrão.
No segundo estudo (2017) os navegadores de pacientes apoiaram os participantes
do programa durante um ano, dividido em três períodos: período de engajamento (três
primeiros meses), período de impacto (seis meses intermediários) e período de
manutenção (últimos três meses). O acompanhamento desta intervenção foi realizado
através de entrevistas semanais, onde eram coletados dados sobre o estabelecimento de
saúde, o profissional de referência, o motivo da consulta e se a consulta foi realizada ou
perdida. Os participantes recebiam um valor de cinco dólares ao completar cada
entrevista. A análise dos dados indicou que nenhuma mudança foi percebida durante o
período de engajamento, quando os participantes estavam iniciando no programa. Já no
período de impacto, houve aumento significativo na marcação e realização de consultas
para os participantes inseridos no PNP em comparação ao tratamento padrão. Esses
benefícios foram mantidos durante o restante do programa.
Os estudos apontam para a importância da longitudinalidade do acompanhamento
de navegadores de pacientes para PSR com TMG. E mesmo não tendo como objetivo a
inserção em uma habitação, os autores relatam que a maioria das pessoas inseridas no
PNP referiu estar inserida em habitação estável (91%) e recebendo seguro saúde (82,4%)
ao final de um ano de intervenção (Corrigan et al. 2017). O que nos leva a crer que este
programa pode ser entendido como uma estratégia de redução de danos, uma vez que a
melhora no quadro de saúde proporcionada pela inserção no programa poderá promover
melhores condições para que as PSR com TMG possam buscar, por exemplo, por
habitação.
55
invisível na rua, quando vivem em casas de parentes, ficam junto à sua família de origem,
não com as famílias de seus maridos.
Moorkath et al. (2018), assim como Tinland et al. (2018) e Sicari e Zanella (2018)
expõem que essa parcela da PSR com TMG é sub-representada, tanto à nível de pesquisas,
como de políticas públicas. Para os autores, a questão expõe o déficit de serviços de saúde
mental de base comunitária ofertados para pessoas com TMG e mais ainda para PSR e
que isso, conjugado ao abandono familiar, corrobora para que essas mulheres fiquem em
situação de rua ou morando em abrigos pelo resto de suas vidas. Eles denotam a falta
destes serviços, de casas de passagem, de programas de habitação e de geração de
emprego e renda, e o mais importante: a falta de políticas de proteção dos direitos das
mulheres em situação de rua com TMG.
Na tentativa de lidar melhor com a questão das mulheres com TMG em situação
de rua na Índia, os autores fazem algumas recomendações: à nível institucional,
recomendam a criação de um serviço de cuidados hospitalares exclusivos para mulheres,
que as tornem conscientes de seus direitos e não incentive a longa permanência nessas
instituições prevenindo assim seu abandono, e também a criação de casas de transição
para mulheres que não tenham referência de habitação estável e precisem de habitação
temporariamente; à nível familiar, recomendam o empoderamento das famílias, a
promoção de tratamento gratuito ou subsidiado, acesso a benefícios governamentais, e
que as famílias sejam submetidas a avaliações por órgão regulador de direitos humanos
com relação à proteção das mulheres com TMG; à nível comunitário, recomendam a
abertura de casas repouso, de passagem ou de recuperação para mulheres com TMG,
hospitais dia, abrigos para mulheres com necessidades de cuidados em saúde mental e
treinamento em atividades de geração de renda.
Estigma e discriminação
Para o senso comum as pessoas em situação de rua geralmente respondem a
estereótipos que as colocam como loucas, drogadas, vagabundas, porcas dentre outros
estigmas que levam à discriminação. Pessoas com algum tipo de transtorno mental
também acabam sendo enquadradas em estereótipos e também acabam sofrendo
discriminações por conta de seus diagnósticos. Para as PSR com TMG, estigma e
discriminação são mais comuns ainda e se tornam barreiras de acesso em diversos níveis,
inclusive no que se refere ao acesso ao cuidado em saúde ou saúde mental.
59
rede de cuidados e, no caso do Brasil, na RAPS, como por exemplo as equipes dos Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS; voltado para pessoas com transtorno mental ou que
fazem uso de álcool e outras drogas), vinculadas à política de saúde mental, e as equipes
de Consultório na Rua, vinculadas à atenção básica. Ambas constituem porta de entrada
na RAPS e atuam de forma comparável aos PN mencionados anteriormente.
Segundo as autoras, os CAPS podem responder às necessidades imediatas das
PSR com TMG, como servir como um espaço onde elas podem se alimentar, realizar
higiene pessoal e até mesmo descansar dos estressores da vida nas ruas. Essa oferta tem
papel essencial na promoção de vínculo da população com o serviço e, consequentemente,
no cuidado. Já as eCnaR realizam cuidado e acompanhamento em saúde,
compartilhamento do cuidado com outros níveis de atenção à saúde (até mesmo com os
CAPS), promovem ações de prevenção e atenção a grupos de risco, e, quando for do
desejo do usuário, realizam contato com seus familiares e sua rede social e de apoio, e
também a sensibilização das PSR com relação a seus direitos. Serviços como esses
tendem a favorecer a remoção de certas burocracias relacionadas ao acesso das PSR aos
serviços de saúde (como exigência de documentação). Ações como essa,
consequentemente, removem barreiras, ampliam o acesso dessa população aos serviços e
também tendem a diminuir as discriminações sofridas pelas PSR com TMG nesses locais.
Outro fator que Van Wijk e Mângia (2019) reconhecem como perpetuador de
estigmas e preconceitos relacionados às PSR com TMG é o despreparo dos profissionais
para acolher essas pessoas. Muitas vezes os profissionais que deveriam oferecer cuidado,
impõem barreiras de acesso devido a preconceitos.
Mejia-Lancheros et al. (2017) não identificaram influência do HF, em nenhuma
de suas modalidades, com relação à probabilidade de diminuição da percepção de
estigmas e preconceitos dentre os participantes do estudo. Como estratégia para
diminuição de estigma e discriminação os autores comentam sobre a criação de políticas
de saúde e sociais, que atuem em conjunto com campanhas educativas de combate ao
estigma para grupos populacionais específicos e para conscientização da população geral.
Em consonância, van Wijk e Mângia (2019) indicam a necessidade de investimento em
educação permanente para esses profissionais, com formações e capacitações sobre o
atendimento às PSR com TMG.
Foram abordados temas relacionados à saúde e saúde mental das PSR com TMG
de uma forma abrangente. Como elas acessam os serviços de saúde, quais são esses
serviços, como questões de gênero e raça estão relacionadas aos cuidados em saúde
61
saúde mental como opção, podem caracterizar barreiras que impeçam a resolução de
outras demandas que possam existir, como por exemplo a aquisição de trabalho. Eles
consideram que uma vez que essas pessoas têm regras e obrigações a cumprir para poder
ter acesso à habitação permanente, elas não dispõem do mesmo tempo que pessoas
inseridas nos modelos de HF, onde a oferta de habitação permanente é prioridade, para
lidar com outras demandas em suas vidas.
Quilgars e Pleace (2016) apontam que programas desta modalidade têm como
objetivo estabilizar as pessoas para que desenvolvam habilidades que as permitam manter
uma habitação estável. Em uma visão crítica ao modelo de TF, os autores consideram que
programas que promovem acomodações temporárias e colocam como exigência
mudanças comportamentais e a participação em algum projeto de tratamento em saúde
mental ou em relação ao uso prejudicial de álcool e outras drogas atingem taxas menores
de sucesso na aquisição de habitação permanente por parte das PSR com transtornos
mentais. Portanto, de acordo com os autores, esses modelos são menos eficazes na
aquisição de habitação permanente em comparação aos que colocam esta como prioridade
no cuidado a essa população.
Propor que alguém deve se estabilizar através de um tratamento em saúde mental
e/ou para o uso de álcool e outras drogas para então estar apto a acessar uma habitação
permanente, é reproduzir uma lógica higienista, uma vez que se supõe que é apenas
através da eliminação de sintomas ou do uso de substâncias que as pessoas poderão
acessar uma habitação permanente. Pensar desta forma é impor barreiras ao acesso à
habitação por parte das PSR com transtornos mentais e, de alguma forma, perpetua
estigmas e discriminações, como se essas pessoas não fossem capazes de gerir suas
próprias casas sem antes passarem pelo crivo da avaliação biomédica.
Smith e Castañeda (2020) descrevem que, desde a década de 1990, os Estados
Unidos promovem financiamento federal para um programa, comumente referido como
“Continuum of Care”, que compreende três etapas: abrigos de emergência, acomodações
de transição e habitações permanentes. No entanto, os autores não mencionam a
obrigatoriedade de realização de um tratamento para avançar nas etapas do programa. De
toda forma, a inserção ao modelo Continuum of Care mesmo sem essa obrigatoriedade é
condicionada a um diagnóstico psiquiátrico de incapacidade (dado por médico ou
assistente social), que preencha os critérios de severidade conforme a padronização
definida para justificar a admissão no programa. Ou seja, é um programa voltado para
PSR com TMG. O que os autores argumentam é que é comum que as PSR se auto
63
dois tipos: single site e scattered site. Modelos de HF do tipo single site são compostos
por unidades congregadas, normalmente um prédio ou uma vila com diversas casas onde
um grupo de pessoas com transtorno mental grave que se encontravam em situação de
rua é inserido em unidades individuais. Já os do tipo scattered site se caracterizam por
casas espalhadas pelo bairro ou cidade, onde essas pessoas são inseridas também em
unidades individuais (REZANSOFF et al., 2017; WHISLER et al., 2021; CARVALHO
e FURTADO, 2021; AUBRY et al., 2019; QUILGARS e PLEACE, 2016; O’CAMPO et
al., 2017).
Um dos objetivos principais de modelos de habitação do tipo HF é a integração
social das PSR com TMG. A opção pelo uso do termo integração em detrimento do termo
inserção se dá pelo entendimento de que essas pessoas se encontram sim inseridas na
sociedade, porém, passam por um processo de invisibilização, sendo negligenciadas e
excluídas, e por isso precisam ser integradas novamente à sociedade e à comunidade.
Chamberlain e Johnson (2018) afirmam que é preciso entender a inserção em um
programa de habitação do tipo HF como algo processual. Os autores ressaltam que há
uma transição de status social de PSR para pessoa com habitação estável e que isso
implica em alguns desafios a serem considerados por aqueles que irão lidar com o cuidado
e o desenvolvimento das políticas habitacionais, uma vez que a mudança traz consigo
aspectos específicos que exigem compreensão para intervenção por parte dos
profissionais.
Um aspecto apontado pelos autores é a sensação de não pertencimento à casa após
seu realojamento (conceito de liminality, que aqui chamaremos de liminaridade em
tradução livre). Geralmente são inseridas nestes programas de habitação pessoas que
passaram por longos períodos em situação de rua, seja por conta do próprio transtorno,
seja por outros fatores. É comum então um estranhamento a nova configuração de vida,
espaço e regras de convivência. Sem suporte contínuo durante esses períodos de
acomodação e ajustamento, para que essas pessoas ganhem confiança em si durante essa
nova etapa, muitas vezes elas podem acabar desistindo do programa por não se adaptarem.
Entra aí o que os autores nomeiam como material liminality (liminaridade material, em
tradução livre).
É importante entender também que essas mudanças no status habitacional e social
das PSR com TMG que participam dos programas do tipo HF implicam também em
mudanças em outros aspectos de suas vidas, conforme previsto nos objetivos do
programa. Uma dessas mudanças é o processo de ressocialização e reintegração social
65
e outras drogas, ou seja, que não conseguem se passar facilmente por pessoas “normais”
e serem aceitas pelo padrão de normalidade.
É necessário exercer um outro olhar sobre essa população e promover
intervenções no âmbito da atenção psicossocial e da reabilitação psicossocial que possam
combater a exclusão causada pela não aceitação daqueles que sofrem mais com a
liminaridade relacional e psicológica. Ou seja, a reintegração social e comunitária deve
acontecer a partir de uma abordagem psicossocial, inclusiva, independente de um status
de normalidade relacionado à remissão de sintomas psiquiátricos, mas sim respeitando o
nível de autonomia das PSR com TMG, suas necessidades de cuidado e
acompanhamento.
Chamberlain e Johnson (2018) comentam que programas do tipo HF contribuem
significativamente para resolver o problema da situação de rua como algo crônico para
essas pessoas, uma vez que lhes proporciona estabilidade e segurança para lidar com suas
vidas. Já Quilgars e Pleace (2016) complementam esta consideração, mas acrescentam
uma crítica à ineficácia dos modelos de HF em responder por completo às necessidades
das PSR com TMG. Para isso, é preciso articular esses programas com outros dispositivos
da rede de cuidados, ou seja, se fazer valer da intersetorialidade na tentativa de se
promover atenção integral às necessidades das PSR com TMG.
Conforme mencionado anteriormente, autores apontam que apenas o investimento
em habitação não é suficiente, pois uma vez que a questão da situação de rua é
solucionada, outras necessidades começam a se fazer presentes. Uma delas é a
necessidade financeira, uma vez que o caracteriza a pessoas em situação de rua, de modo
geral, é a ausência de habitação permanente e estável e a pobreza. E políticas relacionadas
à oferta de suporte econômico e de inserção no mercado de trabalho se caracterizam como
opções para resolução dessa necessidade. Nesta pesquisa, apenas questões relacionadas
ao trabalho emergiram nos artigos selecionados (TIDERINGTON et al., 2020;
QUILGARS e PLEACE, 2016; CHAMBERLAIN e JOHNSON, 2018). Estes resultados
serão expostos a seguir.
Ao entendermos as PSR com TMGs como uma população em situação de extrema
vulnerabilidade e com necessidades que estão para além do âmbito de um tratamento
usual em saúde ou saúde mental, os modelos de habitação e tratamento sem articulação
com outras políticas intersetoriais tendem a se mostrar ineficazes. O próprio modelo HF
é um modelo de habitação integrado com o cuidado em saúde mental, o que denota a
necessidade de integração ou articulação intersetorial para efetivar o cuidado à PSR com
67
Aqui os autores não só consideram o uso de álcool e outras drogas como transtorno
mental, aumentando a prevalência de PSR com TMG, como apontam que dentre os
participantes a maioria não era composta com pessoas com transtornos psicóticos, mas
sim por aqueles cujo transtorno era decorrente do uso de álcool e outras drogas.
Aubry et al. (2019) em pesquisa realizada na localidade interiorana (Moncton),
analisaram alguns indicadores relacionados à oferta de habitação em dois grupos: pessoas
que receberam HF com tratamento comunitário assertivo como estratégia de cuidado e
pessoas que receberam HF com tratamento padrão. Como exposto anteriormente, a opção
pelo modelo de cuidado em saúde mental, tratamento comunitário assertivo ou gestão
intensiva de casos, geralmente se dá pelo grau de necessidade de cuidados das pessoas
inseridas no programa. No entanto, por ser feita a pesquisa numa cidade pequena, os
autores optaram por inserir todos os participantes do HF no tratamento comunitário
assertivo.
Foi verificado que participantes inseridos no HF com tratamento comunitário
assertivo apresentaram melhores resultados em áreas como estabilidade habitacional (que
diz respeito ao tempo que essas pessoas permanecem na mesma casa), integração
psicológica, confiança em outras pessoas e qualidade de vida. No entanto, no que se refere
à integração comunitária (viver de modo independente na comunidade), status de saúde
e saúde mental auto reportados, severidade dos sintomas psiquiátricos e uso de álcool e
outras drogas, não foi verificada diferença significativa entre os grupos.
Os autores chamam a atenção para o fato de que resultados relativos à qualidade
de vida (QdV) estão relacionados a como as pessoas percebem aspectos como a situação
de moradia, segurança, vida financeira e lazer. Quilgars e Pleace (2016) em sua revisão
comentam uma pesquisa realizada neste mesmo projeto, onde foi avaliado que a maior
diferença percebida entre os grupos em relação à QdV foi no aspecto situação de moradia
e uma pequena diferença foi verificada no que se refere à situação financeira e segurança.
Aubry et al. (2019) ressaltam que a percepção de QdV é diretamente influenciada
pela severidade de sintomas psiquiátricos e pela necessidade de cuidados que essas
pessoas demandam. Pessoas mais independentes de cuidados em saúde ou saúde mental
tendem a perceber melhor essas mudanças e consideraram que têm mais QdV do que o
grupo de pessoas mais comprometidas por seus sintomas. Eles apontam também para a
necessidade de acompanhar os participantes do estudo por mais tempo para determinar
se os resultados se mantêm para além do período observado no estudo (24 meses) e se
outras áreas melhoram a partir da estabilidade da habitação.
71
que se refere à integração social e comunitária. Carvalho e Furtado (2021) colocam que
é necessária ainda a realização de algumas melhorias no projeto para que este avance
ainda mais, tais como a capacitação, treinamento e supervisão das equipes responsáveis
pelos moradores.
Conforme exposto ao longo do texto, são diversas as possibilidades de se definir
e categorizar as pessoas em situação de rua, suas particularidades, seus transtornos e suas
necessidades. Todos os temas abordados ao longo dos capítulos interagem entre si e
denotam a importância de um olhar ampliado para o fenômeno da situação de rua e em
especial para aqueles portadores de transtorno mental grave. Algumas questões abordadas
nos capítulos dessa revisão de escopo expõem a vulnerabilidade das PSR com TMG, e
apontam para uma questão central que, de acordo com experiências ao redor do mundo,
tem se mostrado como mister na identificação e resolução de questões relacionadas a elas:
a habitação. É a partir da oferta de habitação que outras portas são abertas no que se refere
à resposta às suas necessidades. É a segurança de um teto que possibilita que essas pessoas
consigam iniciar um processo de reintegração à comunidade e, a partir disso e em
conjunto com o suporte oferecido por equipes de cuidado, começar a dar atenção a outras
diversas necessidades que elas possam ter.
80
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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